Artigos Impacto da Depressão na Qualidade de Vida dos Doentes 1. Introdução Teresa McIntyre Ricardo Barroso Mário Lourenço Definição e conceito de Qualidade de Vida Nos últimos anos as investigações sobre a Qualidade de Vida (QdV) dos doentes mentais expandiu-se consideravelmente. No domínio da psicologia e da psiquiatria, este interesse na medição da QdV dos pacientes foi estimulado pelo ciclo de desinstitucionalização dos indivíduos com doenças do foro mental e por um interesse paralelo em avaliar as diversas dimensões da vida diária (Ruggeri e col., 2001). Profissionais clínicos e investigadores no campo da saúde mental, reconheceram assim que a QdV é uma medida importante de ensaios clínicos, avaliações de custoeficácia de tratamentos, de estudos dos efeitos de um determinado tratamento ou de impacto pessoal e/ou social de patologias (Sainfort e col., 1996). Admitindo que um dos objectivos primordiais da intervenção terapêutica é o de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, esta poderá ser uma forma de análise para avaliar, por um lado, o impacto que determinada condição provoca nos doentes e, por outro lado, analisar os resultados terapêuticos obtidos após a aplicação de uma estratégia de intervenção nessa perturbação. No entanto, existem ainda algumas controvérsias em torno da questão da QdV ser ou não um fenómeno mensurável e em relação à aceitação incontestável dos questionários que visam a sua medição. As argumentações surgem em relação ao conceito de QdV e dos seus componentes ao não existir nenhuma definição universalmente aceite (Becker, 1998; Lauer, 1999), permanecendo assim em aberto qual a abordagem mais eficaz na sua avaliação. (Lehman, 1999). Alguns investigadores consideram que a percepção individual dos pacientes sobre as suas circunstâncias deve ser a componente central da QdV (Pyne e col., 1997a). Esta abordagem tem o mérito de reforçar o papel do paciente dando-lhe o lugar central no desenvolvimento dos serviços de tratamento (Bech, 1999). Outros autores, desiludidos com a falta de correspondência entre informações subjectivas e objectivas, abandonam a avaliação subjectiva dando a primazia à verificação de resultados objectivos (Atkinson e col., 1997). Investigações recentes (Rugeri e col. 2001; Muldoon e col., 1998), sugerem que ambas as avaliações devem ser tidas em análise, apontando, por um lado, a dimensão subjectiva como sendo essencial para examinar o quadro de vida da pessoa, para explicar padrões de comportamento e em providenciar as interpretações dos sujeitos sobre o impacto pessoal das circunstâncias objectivas. Por outro lado, as medidas objectivas parecem ser as mais indicadas para a análise dos efeitos de intervenções terapêuticas. A Qualidade de Vida poderá então ser conceptualizada como um constructo multidimensional, que inclui dimensões subjectivas (percepções do paciente) e/ou objectivas (componentes externos observáveis). É actualmente aceite que o impacto de uma doença não pode ser descrita de forma plena só através de indicadores de avaliação médica. Factores psicossociais como dor, restrição na mobilidade e outros impedimentos funcionais ou a actividade cognitiva diminuída, devem ser alvo de acompanhamento e de avaliação cuidadosa (Muldoon e col, 1998). A área de investigação que resulta deste reconhecimento é denominada de “qualidade de vida relacionada com a saúde”, que se move das manifestações directas da enfermidade para o estudo das consequências pessoais dessa condição no paciente, ou seja, os vários efeitos que a doença e os seus tratamentos possuem na sua vida diária e na satisfação com a vida. A maioria dos investigadores aceita que, de um modo genérico, a qualidade de vida relacionada com a saúde seja “um estado de bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou de incapacidade” (OMS, 1948), sendo esta concepção alargada posteriormente de VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 13 Artigos 14 modo a reflectir a “extensão em que o indivíduo ou grupo é capaz de realizar as suas aspirações, de satisfazer as suas necessidades e de modificar ou lidar com o meio que o envolve” (OMS, 1986 citado em Patterson e col., 1999; Hickey e col., 1999). Alguns domínios da qualidade de vida relacionada com a saúde foram já identificados, incluindo a saúde física, saúde emocional, funcionamento cognitivo, funcionamento sexual, qualidade dos relacionamentos pessoais e produtividade no trabalho (Ware, 1992). No entanto, alguns estudos recentes salientam que as pessoas valorizam mais alguns aspectos práticos da vida diária como a possibilidade de desempenharem as actividades do dia-adia de forma autónoma e sem moléstias físicas, a possibilidade de ver ou ouvir bem, de ter energia e ser capaz de se mover (OMS, citado em Marques-Teixeira, 2000), não havendo grande relevância para a imagem corporal ou para a satisfação com a vida sexual. Outras investigações apontam a perspectiva de que qualidade de vida e estatuto de saúde são constructos distintos, uma vez que nas avaliações de qualidade de vida os pacientes parecem dar maior ênfase à saúde mental do que ao funcionamento físico (Smith e col. 1999), sendo este padrão inverso nas avaliações do estado de saúde, no qual o funcionamento físico parece ser mais importante que a saúde mental. Dadas as decisões ao nível social, político ou dos cuidados de saúde que estes resultados poderão implicar, é importante que seja atribuída uma grande consideração aos instrumentos de medida escolhidos para a análise da qualidade de vida. Como indica Bowling (1999), tradicionalmente as medidas de condições de saúde e de qualidade de vida relacionada com a saúde de pessoas com patologias médicas, colocaram o foco no nível de funcionamento físico e na capacidade de execução de actividades de vida diárias, seguindo um abordagem centrada no modelo funcionalista. As medidas de perfil genérico podem ser consideradas partidárias deste modelo, ao evidenciarem o funcionamento físico, mobilidade e capacidade de actividades sociais, recreativas e domésticas (e.g. Sickness Impact Profile, Bergner e col. 1981 ou Medical Outcomes Study - SF 36,Ware, e col., 1993), podendo ser usadas para avaliações em doenças físicas e mentais (Pyne e col, 1997a). Outras medidas de doenças especificas podem ser usadas em simultâneo ou independentemente (McGee e col., 1999). A investigação actual sobre o impacto de patologias na qualidade de vida dos doentes, procura ter em atenção as especificidades das próprias condições. De forma a não haver confusões nas análises estatísticas resultantes das observações, os investigadores procuram justificar contidamente os dados obtidos entre os índices de qualidade de vida e as características inerentes à própria doença (Pyne e col., 2001). Por exemplo, pacientes com perturbações de humor ou com desordens psicossomáticas tendem a indicar o seu VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 bem estar, funcionamento ou o estado de saúde em geral, de forma significativamente pior que doentes com outras patologias (Morgado e col., 1991). Estas verificações indicam que as desordens de humor e psicossomáticas reduzem mais a percepção do estado de saúde, que desordens médicas como artrite, diabetes ou desordens pulmonares (Barge-Schaapveld e col., 1999; Muldoon e col., 1998), sugerindo algumas investigações que os factores de personalidade poderão ter um papel importante nas diferentes predisposições de resposta dos vários grupos de diagnóstico (Burgess e col., 2000; Kool e col., 2000). No entanto, independentemente de alguns factores, os indivíduos com perturbações mentais apresentam défices na qualidade de vida (Becker, 1998), havendo estudos que sugerem que os pacientes psiquiátricos parecem demonstrar menor satisfação com a vida que a população em geral ou que outros doentes com enfermidades não mentais (Leval, 1999; Pyne e col., 2001). Dada a morbilidade existente de desordens do foro mental, é importante, por um lado, a avaliação do seu impacto de forma a mobilizar o maior número de recursos na prestação de cuidados a estes doentes e, por outro lado, obter informações pertinentes para uma intervenção terapêutica mais eficaz. A relevância actual da Depressão Major nas instituições de saúde, conduziu-nos à sua selecção para este estudo, na medida em que se considera ser uma perturbação altamente limitadora do funcionamento físico, psicológico e social (Barge-Schaapveld e col., 1999; Pyne e col., 1997a,b; Pyne e col., 2001) Qualidade de Vida na Depressão A Depressão encontra-se associada com substanciais efeitos pessoais, físicos e económicos (Pyne e col., 1997b), tendo várias investigações demonstrado a ligação entre Depressão e défices na Qualidade de Vida (Barge-Schaapveld e col., 1999; Bonicatto e col., 2001; McCall e col., 1999, 2001; Merino e col., 2000; Kaplan, 1996). Assumindo a qualidade de vida como um constructo que engloba componentes afectivos, cognitivos, comportamentais e físicos, podemos afirmar que a Depressão se caracteriza por distúrbios em algumas destas áreas, o que poderá explicar a razão de a QdV na Depressão ser pior que em algumas desordens somáticas (Barge-Schaapveld e col., 1999). O reconhecimento das sérias consequências que esta desordem mental provoca, em grande parte das áreas de vida dos doentes, acompanhou os análises realizadas pelos investigadores. Nos primeiros estudos de QdV na Depressão foram utilizados instrumentos de medida genéricos (Wells e col., 1989). Resultados das investigações indicam que a QdV na Depressão é influenciada pelo afecto (Corrigan & Buican, 1995), pelos sintomas físicos (Pyne, 1997a,b) e pela satisfação na realização de actividades diárias (Goethe & Ficher, 1995), podendo Artigos estas influências variar de momento para momento ao longo do dia, reflectindo estados internos por vezes induzidos pelos contextos ambientais (Barge-Schaapveld e col., 1999). O decréscimo no funcionamento igualiza e, por vezes, excede o impacto de doenças somáticas surgindo, no grupo dos doentes com Depressão, um índice elevado de co-morbilidade com doenças médicas crónicas (Rehm, 1997; Kaplan, 1998). Sturm & Wells (1995) indicam que os pacientes com depressão têm graves problemas de funcionamento físico e psicológico no quotidiano, afirmando, num dos seus estudos, que 23% dos doentes com depressão relatavam que a sua saúde compeliaos a permanecer na cama a maior parte do dia, pelo menos durante duas semanas, em comparação com 5% da população em geral. Segundo alguns autores (Ramos, s/d, citado em Casquinha, 1997), a Depressão tem na sociedade portuguesa um impacto económico na ordem dos 246 milhões de contos, sendo estes valores relativos ao ano de 1992. Para além dos custos com procedimentos de diagnóstico e tratamento, são conhecidas como consequências o absentismo laboral (Bedell e col., 1996), a redução da produtividade (Simon e col., 2000) e a mortalidade prematura devido à elevada taxa de suicídios em doentes depressivos.Alguns autores apresentam resultados em que a ideação suicida está presente entre 57 e 78% da amostra (Malone e col. 2000), sugerindo uma maior prevalência em elementos do sexo feminino e havendo maiores riscos se houver comorbilidade com perturbações de ansiedade (Shaffer e col., 2000). Pacientes depressivos que nunca atentaram contra a própria vida, parecem demonstrar maiores sentimentos de responsabilidade perante a família, maior medo de desaprovação social e melhores recursos de coping (Malone e col. 2000), dependendo muitas vezes a decisão do tipo de stressor em causa e da severidade dos sintomas presentes. Parece ser evidente o impacto na Qualidade de Vida que a Depressão provoca. Ao mesmo tempo, alguns resultados indicam que a depressão continua a ter um efeito significativo após a melhoria do humor e alívio das queixas físicas ou até depois de um maior envolvimento social, conduzindo-nos a afirmar que outras dimensões poderão estar na base das avaliações de bem-estar, tais como distorções cognitivas, interacções sociais negativas ou dificuldades em lidar com stressores do quotidiano (Barge-Schaapveld e col., 1999). Tendo estes dados presentes e assumindo que a Depressão causa grande impacto na Qualidade de Vida do doente, procuramos analisar esse impacto numa amostra de doentes com Perturbação Depressiva Major em diversas dimensões da vida quotidiana. 2. Método 2.1. Participantes A amostra é composta por 35 sujeitos, 33 do sexo feminino e 2 do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 32 e os 66 anos. O processo de amostragem é intencional, tendo o grupo de sujeitos sido seleccionado entre os doentes com sintomatologia depressiva que recorreram à Consulta Externa de Psiquiatria do Hospital Senhora da Oliveira – Guimarães. Constituíram-se como critérios de inclusão o diagnóstico de episódio depressivo major e, como critérios de exclusão, a presença de sintomatologia psicótica e frequência actual de psicoterapia. A definição clínica dos sujeitos foi feita com base no parecer do clínico responsável pelo doente, segundo os critérios estabelecidos na DSM IV (1994/1996). Todos os sujeitos da amostra estavam a ser submetidos a tratamento farmacológico. 2.2. Instrumentos No que concerne aos instrumentos seleccionados para este estudo podem distinguir-se dois grupos, de acordo com os seus objectivos específicos: (a) Instrumentos usados para a recolha de dados demográficos da amostra; (b) Instrumentos utilizados na avaliação do impacto da Depressão na Qualidade de Vida e na determinação da severidade da sintomatologia depressiva. Para a recolha de dados demográficos utilizou-se um Questionário Demográfico, sendo este documento preenchido pelo investigador no contexto de uma breve entrevista estruturada. Este questionário era composto por 30 itens que cobriam variáveis sócio-demográficas (sexo, idade, estado civil, meio residencial, escolaridade, profissão, número de elementos do agregado familiar, entre outros) e variáveis clínicas (qualidade do relacionamento familiar e conjugal antes e depois do episódio depressivo, frequência de idas a um psiquiatra, existência de doenças que não do foro psiquiátrico, resultado dos tratamentos efectuados, internamentos psiquiátricos, capacidade para trabalhar, entre outras). Na avaliação do impacto da Depressão na Qualidade de Vida foi utilizado o S.I.P. – Sickness Impact Profile (Bergner o col., 1981; versão experimental traduzida por McIntyre, McIntyre & Soares, 2000) sendo este um dos instrumentos genéricos recomendados para avaliação da qualidade de vida relacionada com a saúde em indivíduos com perturbações mentais (Atkinson & Zibin, 1996). Baseia-se na percepção que o próprio paciente tem da sua doença, mediante o seu efeito nas actividades da vida diária, nos sentimentos e atitudes do sujeito, e não na observação médica e clínica do doente. É composto por 127 afirmações que constituem 11 categorias diferentes, agregadas numa dimensão física, dimensão psicossocial e categorias independentes. A dimensão física consiste em três categorias (Cuidados Pessoais e Movimento, Locomoção e Mobilidade) e, na dimensão psicossocial, constam quatro categorias (Actividades Sociais, Comunicação,Alerta e Emoções).As categorias independentes incluem: Sono e Repouso, Alimentação, Tarefas VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 15 Artigos Domésticas e Actividades Recreativas e Passatempos. Uma 12ª categoria poderá ser realizada, pertencendo à cotação global dos valores. O sujeito responde “Sim” ou “Não” às afirmações que se aplicam a ele sendo as respostas aos itens posteriormente convertidas em percentagens, de 0 (ausência de disfunção) a 100 (máxima disfunção), que são inversamente proporcionais ao índice de Qualidade de Vida, ou seja, um valor elevado reflecte maiores limitações na Qualidade de Vida (Carod-Artal, 1999). É aceite uma cotação global ≥ 30 como reflectindo limitações funcionais, indicadora de necessidade de assistência constante, estando um adulto saudável incluído numa percentagem ≤ 5 (Damiano e col., 1995 citado por Chatila e col., 2001). Na observação da severidade da sintomatologia depressiva usouse o Inventário Depressivo de Beck (B.D.I - revisão de 1973, versão experimental traduzida por McIntyre & McIntyre, 1995).Tem como objectivo avaliar a sintomatologia depressiva, através de sintomas de natureza afectiva, cognitiva, motivacional, física e funcional (sono, apetite, peso e líbido). É constituído por 21 itens, cada um com quatro afirmações ordenadas segundo a severidade do sintoma, de zero, correspondente a nenhuma gravidade, a três, indicando severidade. Os valores de corte usados são os sugeridos por Gouveia (1990), sendo, para os leve ou moderadamente depressivos um valor ≥ 10 e ≤ 30 e, para os severamente deprimidos, uma cotação ≥ 30. 16 2.3. Procedimentos A investigação foi realizada na Consulta Externa de Psiquiatria do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, entre Março e Junho de 2001. Durante as consultas da especialidade, três médicos psiquiatras seleccionaram os sujeitos com sintomatologia depressiva de acordo com os critérios de inclusão e exclusão referidos anteriormente, convidando-os a participar na investigação. Cerca de duas semanas após a consulta de psiquiatria, os doentes que aceitaram participar foram convocados por carta para se apresentarem na Consulta Externa de Psicologia. No contacto com o doente foram transmitidas informações sobre o propósito da investigação, afirmando que, nesse momento, estávamos interessados em conhecer melhor o impacto que a sintomatologia depressiva causava em diferentes situações da sua vida quotidiana. Era garantida a confidencialidade dos dados recolhidos e salientado que a adesão poderia ser recusada. Não houve nenhum caso de recusa pelo que se procedia à assinatura da declaração de consentimento informado para formalizar o carácter voluntário da participação. Era administrado inicialmente o Questionário Sócio-Demográfico e o Sickness Impact Profile e, de seguida, era aplicado o questionário de auto-avaliação (B.D.I.). Atendendo à problemática em estudo e às dificuldades a elas VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 associadas em termos de atenção e concentração, foi mantida a disponibilidade para qualquer dúvida que o sujeito quisesse partilhar, o que aliás decorreu com muita frequência. Em certos casos os sujeitos solicitavam a leitura do item ou o acompanhamento no preenchimento dos questionários havendo a necessidade, em algumas situações, de o instrumento ser preenchido pelo investigador, de acordo com as indicações expressas verbalmente pelos sujeitos. 2.4 Análises estatísticas Para efeitos de análise e tratamento estatístico dos dados, foi utilizado o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS versão 10.0) para a respectiva computação. As variáveis são apresentadas com a média (M) e respectivo desvio padrão (DP), considerando-se estatisticamente significativo um intervalo de confiança de 95% (_<.05). O tratamento estatístico variou conforme a natureza das variáveis em questão e dos valores da simetria da amostra, sendo continuamente testada a normalidade usando os testes Kolmogorov-Smirnov e teste de Shapiro Wilks (sig’s> 0.05). Para observar os efeitos das variáveis clínicas (Variáveis Independentes) na sintomatologia depressiva (Variável Dependente), foi aplicado o Teste t, dada a natureza dicotómica das variáveis. Na observação das medidas de impacto na Qualidade de Vida, os valores obtidos durante a aplicação do S.I.P. foram convertidos em percentagens, de modo a descrever e analisar as áreas de vida afectada e obter um score global da disfunção. 3. Resultados 3.1. Características dos sujeitos e dos grupos Após a análise da amostra total, os doentes foram agrupados em duas categorias de acordo com os níveis de severidade da sintomatologia depressiva, tendo 21 pacientes (60%) composto o grupo com sintomas depressivos leves ou moderados (DLM) e 14 (40%) o grupo com sintomas depressivos severos (DS). Foram examinadas as características sócio-demográficas, clínicas e psicossociais e as eventuais repercussões destas nos sintomas da Depressão. No Quadro 1 são apresentados os as variáveis sóciodemográficas para a amostra total e para os respectivos grupos com sintomatologia depressiva. Como foi referido anteriormente, a amostra global é composta por 35 sujeitos, com idades entre os 32 e os 66 anos (M= 49; DP= 10.25).Verifica-se que a amostra total é constituída por 33 sujeitos do sexo feminino (94%) e 2 do sexo masculino (6%), estando a sua maioria casada (94%). No que diz respeito ao grau de escolaridade, verifica-se que em 80% dos casos houve a frequência do 1º Ciclo do Ensino Básico, em 17% o 2º Ciclo e apenas um Artigos Quadro I. Dados sócio-demográficos para a amostra total, grupo com depressão leve ou moderada e grupo com depressão severa. Grupo com Depressão Grupo com Depressão Idade Sexo Feminino Masculino Estado Civil Casada (o) Divorciada (o) Viúva (o) Profissão Operária (o) Têxtil Funcionária (o) Pública Comerciante Desempregada (o) Reformada (o) Doméstica Escolaridade 1º C.E.B. 2º C.E.B. 3º C.E.B. Proveniência Meio Rural Meio Urbano Severidade da Depressão (Valor B.D.I.) Causas da Depressão Motivos Familiares Morte de Familiar Após parto Outros Amostra Total Leve/Moderada Severa (n=35) (n=21) (n=14) 49.0 / 10.25 * 49.9 / 9.9 * 47.7 / 10.9 * ** ** ** 33 (94.3%) 2 (5.7%) 19 (90.5 %) 2 (9.5%) 14 (100%) 0 (0%) 33 (94.3%) 1 (2.9%) 1 (2.9%) 20 (95.2%) 1 (4.8%) 13 (92.9%) 17 (48.6%) 2 (5.8%) 3 (8.6%) 1 (2.9%) 4 (11.4%) 8 (22.9%) 11 (52.4%) 1 (4.8%) 3 (14.3%) 0 (0.0%) 2 (9.5%) 4 (19.0%) 6 (42.9%) 1 (7.1%) 0 (0.0%) 1 (7.1%) 2 (14.3%) 4 (28.6%) 28 (80.0%) 6 (17.1%) 1 (2.9%) 17 (81.0%) 3 (14.2%) 1 (4.8%) 11 (78.6%) 3 (21.4%) 0 (0%) 23 (65.7%) 12 (34.3%) 15 (71.4%) 6 (28.6%) 8 (57.1%) 6 (42.9%) 26 (9) * 13 (37.1%) 9 (25.7%) 5 (14.3%) 8 (22.9%) 1 (7.1%) 20 (6) * 6 (28.6%) 5 (23.8%) 3 (14.3%) 7 (33.3%) 36 (4) * 7 (50.0%) 4 (28.6%) 2 (14.3%) 1 (7.1%) * M (DP); * * n (%). caso com a actual escolaridade mínima obrigatória (3%). Na análise da proveniência geográfica dos doentes, atesta-se que 66% dos elementos da amostra são oriundos de um meio rural e 34% de um meio urbano. A causa da Depressão, segundo a referência do próprio doente, encontra-se relacionada com Motivos Familiares para 37% da amostra (e.g. relacionamento extra-conjugal do marido/companheiro(a), maus tratos do marido/companheiro(a), toxicodependência do filho(a), conflitos com familiares de diversa ordem), para 26% o episódio depressivo surge em reacção à morte de um familiar, para 14% decorre após o nascimento de um filho(a) e, para 23%, deriva de outras causas (e.g. despedimento da empresa, após reforma, reacção a diagnóstico de doença, após menopausa, entre outras). No que concerne ao grupo com sintomas leves ou moderados (M= 20; DP= 6) e ao grupo com sintomas severos (M= 36; DP= 4), verifica-se uma média de idades de 50 anos (DP= 10) para o grupo DLM e de 48 anos (DP= 11) para o grupo DS estando, relativamente ao estado civil, 95% dos sujeitos do grupo DLM casados, assim como 93% do grupo com DS. Em relação à escolaridade, no grupo DLM completaram o 1º C.E.B. 81% dos sujeitos, tendo frequentado o 2º C.E.B. 17% e o 3º C.E.B. 2.9%. No grupo com DS a escolaridade é de 79% e 21%, para o 1º C.E.B. e 2º C.E.B., respectivamente. O ambiente rural é a proveniência de 71% do grupo DLM e, para o grupo DS, de 57%. O grau médio de depressão na amostra total é de 26 pontos (DP= 9) na escala do Beck Depression Inventory (B.D.I). Os Motivos Familiares são para 50% do grupo com DS a principal causa do episódio depressivo, VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 17 Artigos assim como para 29% do grupo com DLM. Com o intuito de melhor compreender os efeitos das variáveis clinicas na sintomatologia depressiva, foi efectuada uma comparação das médias das respostas nas variáveis clínicas, através do teste t, dada a natureza dicotómica das variáveis. Os resultados obtidos são apresentados no Quadro 2. esta variável dependente, apresentam um efeito significativo as variáveis independentes “Capacidade de regressar ao trabalho” (t = -3,179; _< .05) e “Ideação Suicida” (t = 3,298; _< .05). Em todas as outras variáveis analisadas não se verificaram interacções significativas entre estas e a sintomatologia depressiva. Quadro II. Distribuição dos resultados da sintomatologia depressiva nas varáveis clínicas e Resultados da diferença de médias das variáveis clínicas (Variáveis Independentes) com os valores totais do B.D.I. (Variável Dependente). Amostra Total t - 15 (27) 20 (26) -117 .908 20 (25) 15 (29) -1,344 .188 15 (20) 20 (31) 22,216 .000 21 (25) 14 (30) -1,584 .123 24 (25) 11 (29) -1,048 .302 17 (24) 18 (29) -1,599 .119 19 (25) 16 (29) -1,276 .211 13 (21) 22 (30) -3,179 .003 19 (31) 16 (22) 3,298 .002 19 (26) 16 (27) -,546 .589 15 (22) 20 (30) -2,662 0.12 (n=35) Número de sujeitos / (Valor Médio B.D.I.) 18 Agregado Familiar Menos de 3 elementos Mais de 3 elementos Relacionamento Familiar Bom Mau Apoio Familiar perante o doente com Depressão Muito Apoio Pouco Apoio Qualidade da Relação antes da Depressão Satisfatória Insatisfatória Qualidade da Relação após Depressão Satisfatória Insatisfatória Trabalho / Actividade A trabalhar actualmente A não trabalhar actualmente Inactividade nos últimos 5 anos 2 anos, ou menos, sem trabalhar 3 anos, ou mais, sem trabalhar Capacidade de regressar ao trabalho A tempo inteiro ou parcial Não me sinto capaz Ideação Suicida Sim Não Outras doenças não psiquiátricas Sim Não Avaliação do Estado de Saúde Boa / Normal Fraca A leitura do quadro permite observar uma relação significativa entre a variável independente “Apoio Familiar durante a Depressão” e a variável dependente alusiva à sintomatologia depressiva (t = 4,713; _< .05). Do mesmo modo, verificamos que, em relação a VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 Avaliação do Impacto da Depressão na Qualidade de Vida No sentido de verificar a hipótese formulada previamente, colocámos em análise as medidas obtidas para a verificação do Impacto da Artigos Depressão na Qualidade de Vida. Conforme a indicação dos autores do Sickness Impact Profile (Damiano e col., 1995), foram transformados os valores obtidos em percentagens, determinando-se um score para as onze categorias e um score global para os dois grupos com sintomatologia depressiva, como pode ser observado nos Quadros 4a e 4b. Nas categorias consideradas pelos autores como Independentes, apuramos para o grupo com sintomas DLM e com DS, respectivamente um valor de 60 e de 68% na escala Tarefas Domésticas, de 45 e 68% na categoria Actividades Recreativas e Passatempos e de 68 e 78% na de Sono e Repouso. Por último, com uma menor diferença percentual, surge a categoria Alimentação na Quadro IV a. Resultados da transformação dos valores obtidos no Sickness Impact Profile nas seis categorias iniciais para os dois grupos com sintomatologia depressiva (valores em %). Locomoção Cuidados Pessoais e Mobilidade Tarefas Domésticas Movimento Actividades Actividades Sociais Recreativas e Passatempos Depressão Leve / Moderada 42% 49% 52% 60% 45% 48% Depressão Severa 55% 61% 72% 68% 68% 71% Quadro IV b. Resultados da transformação dos valores obtidos no Sickness Impact Profile para as cinco categorias restantes e Scores Globais para os dois grupos com sintomatologia depressiva (valores em %). Depressão Leve / Moderada Emoções Alerta Sono e Repouso Alimentação Comunicação Score Global 60% 69% 68% 26% 42% 51% 19 Depressão Severa 70% 77% A observação dos quadros permitem-nos verificar que as categorias correspondentes à dimensão física possuem médias superiores no grupo com sintomatologia severa. Assim, na categoria Locomoção o impacto é de 42% para o grupo DLM e de 55% para o grupo com DS, na categoria Cuidados Pessoais e Movimento os valores são para o grupo com DLM de 49% e de 61% para o grupo com DS e, finalmente, na categoria Mobilidade a interferência é de 52% para o grupo com sintomas DLM, atingindo os 72% no grupo com DS. No que concerne às categorias relativas à dimensão psicossocial, as diferenças percentuais mantém-se superiores no grupo com DS, tendo a Depressão na variável Actividades Sociais uma interferência de 71% em contraste com os 48% do grupo com sintomas DLM. Na escala Alerta observa-se um impacto de 69% e de 77% para os grupos com sintomas DLM e DS, respectivamente, e na escala Emoções um impacto de 60% para o grupo DLM e de 70% para os pacientes com DS. Podemos verificar na última categoria desta dimensão – Comunicação- a existência de 42% de limitação para o grupo com DLM e de 49% para o o grupo com maior severidade. 78% 28% 49% 63% qual observamos um impacto de 26% para o grupo com DLM e de 28% para o grupo com DS. Na análise aos scores globais obtidos, salienta-se um impacto médio de 51% para o grupo com sintomatologia DLM e de 63% para o grupo com sintomas DS. No sentido de verificar se as diferenças observadas entre os dois grupos com diferentes graus de severidade de sintomatologia depressiva eram significativas do ponto de vista estatístico, foi aplicado o teste não paramétrico de Mann-Whitney para duas amostras independentes. Os resultados obtidos podem ser observados no Quadro 5 a seguir apresentado. De acordo com os resultados patentes no quadro, podemos concluir que, em relação à diferença das médias encontradas, o teste estatístico efectuado revelou existir diferenças altamente significativas em nove categorias, entre o grupo com sintomatologia leve ou moderada e grupo com sintomas depressivos severos (Locomoção: Z= -3.169, _<.05; Cuidados Pessoais e Movimento: Z= -2.325, _<.05; Mobilidade: Z= -2.787, _<.05; Actividades Recreativas VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 Artigos Quadro V. Diferenças entre os dois grupos com sintomatologia depressiva em relação às ordens médias da medida de Impacto na Qualidade de Vida. Grupo com Grupo com Depressão Leve / Moderada Depressão Severa (n= 21) (n= 14) Locomoção 13.60 Cuidados Pessoais e Movimento Z _ 24.61 -3.169 .002 14.76 22.86 -2.325 .020 Mobilidade 14.21 23.68 -2.787 .005 Tarefas Domésticas 16.29 20.57 -1.247 .212 Actividades Recreativas e Passatempos 14.31 23.54 -2.640 .008 Actividades Sociais 14.29 23.57 -2.648 .008 Emoções 15.90 21.14 -1.579 .114 Alerta 15.26 22.11 -2.194 .028 Sono e Repouso 13.93 24.11 -2.931 .003 Alimentação 14.90 22.64 -2.387 .017 Comunicação 14.33 23.50 -2.839 .005 20 e Passatempos: Z= -2.640, _<.05; Actividades Sociais: Z= -2.648, _<.05; Alerta: Z= -2.194, _<.05; Sono e Repouso: Z= -2.931, _<.05; Alimentação: Z= -2.387, _<.05; Comunicação: Z= -2.839, _<.05). Esta diferença, tal como podemos observar pela ordem média, estabelece-se no sentido da superioridade do grupo com sintomas severos, num nível de maior interferência dos efeitos da Depressão nas diversas áreas da vida quotidiana. Nas categorias Tarefas Domésticas (Z= 1.247; _>.05) e Emoções (Z= -1.579, _>.05) a análise não evidenciou diferenças significativas do ponto de vista estatístico. Face aos resultados aqui apresentados, verificamos que os pacientes do grupo com sintomatologia depressiva severa possuem um maior impacto negativo na qualidade de vida, que os doentes do grupo com sintomatologia leve ou moderada. No entanto, para compreendermos melhor este impacto negativo procurou-se analisar o efeito que as variáveis clínicas poderiam possuir nas diversas áreas da vida quotidiana dos doentes, observadas através das categorias do Sickness Impact Profile. Para este efeito foi utilizado o teste t, sendo apresentado no Quadro 6 que se segue apenas os resultados obtidos com significância estatística. Da leitura do quadro notamos que, globalmente, existe uma maior VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 influência de efeitos significativos entre as variáveis clínicas e as categorias da dimensão física, sugerindo uma valorização do bem estar ligado à funcionalidade. Da análise dos resultados quanto à influência das variáveis nas diversas categorias do S.I.P., salientamos quatro variáveis com maior presença na interacção com as escalas (Capacidade de Regressar ao Trabalho, Ideação Suicida, Apoio Familiar e Avaliação do Estado de Saúde). Em relação à variável relacionada com o regresso ao trabalho, verificamos efeitos altamente significativos nas categorias relacionadas com a dimensão física (Locomoção: t= -4,113, _<.05; Cuidados Pessoais e Movimento: t= -2,493, _<.05 e Mobilidade: t = -3,304, _<.05), com duas categorias da dimensão psicossocial (Alerta: t= -2,200, _<.05 e Comunicação: t= -2,419, _<.05) e com a categoria independente Actividades Recreativas e Passatempos (t= -3,118, _<.05). Com a obtenção destes dados e a análise das diferenças médias, admitimos que o regresso ao trabalho parece encontrar-se relacionado com categorias funcionais e com categorias inerentes à execução plena de tarefas, levando-nos a afirmar que sem que estas categorias estejam regularizadas, o regresso ao trabalho parece ser dificultado. Ainda a este respeito, salientamos o efeito significativo entre a variável A trabalhar actualmente com as categorias Mobilidade (t= -2,646, Artigos Quadro VI. Resultados estatísticos significativos, obtidos na análise do efeito das variáveis clínicas (V. Independentes) nas onze categorias do SIP (V. Dependente). Variáveis Clínicas t _ Locomoção Capacidade de Regressar ao Trabalho Apoio Familiar Avaliação do Estado de Saúde Avaliação dos Tratamentos Efectuados Ideação Suicida -4,113 -2,000 -3,940 -2,121 2,506 .000 .054 .000 .042 .017 Cuidados Pessoais e Movimento Capacidade de Regressar ao Trabalho Avaliação do Estado de Saúde Ideação Suicida -2,493 -2,460 -2,106 .018 .019 .043 Mobilidade Capacidade de Regressar ao Trabalho Apoio Familiar Avaliação do Estado de Saúde Ideação Suicida A trabalhar actualmente -3,304 -2,624 -2,074 3,632 -2,646 .002 .013 .046 .001 .012 Tarefas Domésticas Capacidade de Regressar ao Trabalho Apoio Familiar Avaliação do Estado de Saúde A trabalhar actualmente -2,143 -2,166 -2,143 -3,173 .040 .038 .040 .004 Actividades Recreativas e Passatempos Capacidade de Regressar ao Trabalho Ideação Suicida -3,118 2,086 .004 .045 Qualidade da Relação Antes da Depressão Relacionamento Familiar Ideação Suicida Tentativas de Suicidio Internamento Psiquiátrico -4,586 -2,220 3,843 6,692 3,224 .000 .033 .001 .000 .003 Capacidade de Regressar ao Trabalho -2,200 .035 Alimentação Tentativas de Suicídio 2,213 .034 Comunicação Capacidade de Regressar ao Trabalho -2,419 .021 Actividades Sociais Emoções Alerta Sono e Repouso _<.05) e realização de Tarefas Domésticas (t= -3,173, _<.05). Os efeitos da variável Ideação Suicida encontram-se presentes também nas três categorias da dimensão física (Locomoção: t= 2,506, _<.05; Cuidados Pessoais e Movimento: t= 2,106, _<.05 e Mobilidade: t= 3,632, _<.05), na categoria Emoções (t= 3,843, _<.01) e na escala Actividades Recreativas e Passatempos (t= 2,086, _<.05). O efeito decorrente destas interacções poderá surgir devido às limitações que a depressão provoca na realização de tarefas ou na pouca frequência de actividades de lazer, provocando um desalento nos sujeitos e, consequentemente, uma maior ideação suicida. No que diz respeito à variável Apoio Familiar, verificamos a existência de efeitos significativos nas categorias Locomoção (t= -2,000, _<.05), Mobilidade (t= -2,624, _<.05) e Tarefas Domésticas (t= -2,166, _<.05). Na categoria Emoções surgem também efeitos significativos de duas outras variáveis relacionadas com o ambiente familiar (Qualidade da Relação antes da Depressão: t= -4,586, _<.05, e Relacionamento Familiar: t= -2,220, _<.05). Estes resultados das variáveis relacionadas com o ambiente familiar, sugerem um efeito significativo entre as “respostas negativas” presentes nas variáveis e um maior impacto nas categorias do Sickness Impact Profile indicadas. De alguma forma coincidente com esta posição, a variável Avaliação do Estado de Saúde surge estatisticamente significativa nas categorias Locomoção (t= -3,940, _<.05), Cuidados Pessoais e Movimento (t= -2,460, _<.05), Mobilidade (t= -2,074, VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 21 Artigos _<.05) e realização de Tarefas Domésticas (t= -2,143, _<.05), sugerindo estes resultados que uma percepção mais positiva do estado de saúde se encontra relacionada com um menor impacto nas categorias referidas. A este propósito, as indicações mais positivas da variável Avaliação dos Tratamentos Efectuados, surgem significativas na categoria Locomoção (t=-2,121, _<.05). A circunstância de os sujeitos terem estado em Internamento Psiquiátrico possui interacção significativa com a categoria Emoções (t=3,224, _<.05), ou seja, os resultados indicam que os sujeitos com história de internamento psiquiátrico contêm maiores interferências no seu estado emocional. Por último destacamos os valores altamente significativos da variável Tentativas de Suicídio na categoria Emoções (t= 6,692 _<.05) e na categoria Alimentação (t= 2,213, _<.05). Na primeira categoria as tentativas de suicídio surgem relacionadas com um grande impacto emocional e, na segunda categoria, as tentativas de suicídio aparecem relacionadas, nesta amostra, com a categoria Alimentação. 4. Discussão dos Resultados 22 Com este estudo exploratório pretendemos analisar o impacto da Depressão numa amostra de doentes adultos. Efectivamente, estudos anteriores sobre o grau de severidade dos sintomas afirmavam a existência de diferenciações entre sujeitos depressivos. No sentido de explorar esta questão, optámos por avaliar o impacto da perturbação na qualidade de vida dos pacientes, analisando as diferenças entre os sujeitos com depressão leve/moderada e os severamente deprimidos nesta problemática. Dada a extensão dos resultados apresentados, faremos apenas uma breve síntese dos dados obtidos reservando uma atenção especial às dimensões em que o impacto da Depressão é mais evidente. No que diz respeito à análise das características da amostra, consideramos reflectir as indicações de outros estudos, ou seja, a existência, com algumas excepções, de uma maior prevalência, incidência e risco de morbilidade de desordens depressivas em elementos do sexo feminino (Piccinelli & Wilkinson, 2000). Em relação aos efeitos de determinadas variáveis na sintomatologia depressiva, os resultados obtidos indicam haver efeitos mediadores do suporte social na severidade dos sintomas, maior ideação suicida em pacientes com depressão severa e uma capacidade de regresso ao trabalho superior no grupo com sintomas leves ou moderados. Salientamos a importância concedida às variáveis relacionadas com o suporte social, havendo repercussões destas ao nível da capacidade de Locomoção, Mobilidade, Tarefas Domésticas e Emoções, ou seja, o apoio social recebido parece ter efeitos significativos em dimensões avaliadas como bastante importantes no funcionamento VOLUME IV Nº5 SETEMBRO/OUTUBRO 2002 diário dos doentes. Os efeitos significativos relacionados com a percepção do estado de saúde e a avaliação do tratamento efectuado sugerem os resultados apresentados em outros estudos (Smith e col, 1999), ou seja, uma percepção de saúde menor para doentes com maior severidade e com maiores criticas ao tratamento efectuado. Relativamente ao estudo exploratório efectuado, a respeito do eventual impacto da Depressão na qualidade de vida dos doentes, parecem ser evidentes os constrangimentos que a perturbação depressiva provoca nos pacientes. Com excepção dos valores obtidos em duas categorias, em todas as outras áreas de vida analisadas existem impactos significativos, atingindo valores superiores ao impacto de algumas doenças somáticas (Chatila e col., 2001). Como foi apresentado anteriormente, verificou-se a hipótese proposta de existirem diferenças significativas entre os dois grupos sintomáticos, estabelecendo-se esta num sentido de superioridade do grupo com sintomas severos. Nas categorias Tarefas Domésticas e Emoções a análise não evidenciou diferenças significativas do ponto de vista estatístico. Consideramos que este resultado pode dever-se, em relação à categoria Tarefas Domésticas, pelo facto de a amostra, e consequentemente dos dois grupos, ser constituída na sua maioria por elementos do sexo feminino o que, dada necessidade “imposta” pelas crenças ainda presentes na sociedade actual, implicaria a quase obrigatoriedade de a mulher se envolver na realização de tarefas domésticas, mesmo que não se sinta motivada para tal. No que diz respeito à escala Emoções, podemos especular de que os resultados obtidos se devem a factores inerentes à própria problemática aqui em estudo, ou seja, uma das características da perturbação depressiva é a existência de uma diminuição do afecto o que parece estar presente nos dois grupos em análise e, salientamos, com enorme impacto (60 e 70%). Conforme já foi salientado, estes resultados devem ser observados cuidadosamente uma vez que, ainda que existam evidências do impacto que esta patologia provoca, os pacientes com perturbações de humor parecem ter uma redução substancial na percepção do seu estado de saúde, explicadas pelas especificidades inerentes a esta patologia (Pyne e col., 2001). Por outro lado, existem actualmente algumas controvérsias em torno da cotação do Sickness Impact Profile, afirmando alguns autores de que a sua cotação é baseada em poucas evidências empíricas (Pollard & Johnston, 2001) ainda que possua boa validade e fidelidade. 5. Conclusão Existem importantes limitações neste estudo. Uma das limitações centra-se com as características do próprio estudo, uma vez que Artigos é uma análise exploratória de um grupo com Perturbação Depressiva Major e, por conseguinte, os resultados obtidos não devem ser generalizados para a população a que se refere. No entanto, indicam-nos resultados importantes abrindo caminho para futuras investigações nesta área. Uma segunda limitação diz respeito à temporalidade do diagnóstico da perturbação depressiva, ou seja, não fazemos a distinção entre doentes com primeiro episódio, doentes com múltiplos episódios ou, por exemplo, doentes que nunca curaram a sua Depressão. Ao faze-lo, consideramos que o impacto na qualidade de vida seria muito diverso. Uma terceira limitação relaciona-se com a amostra de reduzidas dimensões para a investigação que procurámos realizar pois, após a divisão dos elementos pelos respectivos grupos sintomáticos, diminuiu a possibilidade de uma análise mais profunda. Em próximas investigações, pensamos ser pertinente a selecção de um maior número de sujeitos, de modo a averiguar de forma profunda o impacto da Depressão na qualidade de vida, sendo necessário um maior controlo de determinadas variáveis como, por exemplo, qual a medicação e seus efeitos secundários, tempo de permanência da perturbação ou a idade de inicio da perturbação. Bowling, A. (1999) Individual Quality of Life and population studies. In: Joyce, C., McGee, H., O’Boyle, C. (Eds.). Individual Quality of Life:Approaches to Conceptualization and Assessment. Amsterdam. Harwood Academic Publishers. Burgess, A., Carretero, M., Elkington, A. & Catalan, J. (2000) The role of personality, coping style and social support in helth related quality of life in HIV infection. Quality of Life Research, 9 (4) pp. 423-437. Casquinha, P. (1997) A Depressão no interface Clinica Geral / Psiquiatria. Revista de Psiquiatria do Hospital Júlio de Matos,Volume X, 1, pp. 29-31. 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