www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 UMA OUTRA “HISTÓRIA” PARA CYRO DOS ANJOS Ana Paula Franco Nobile* RESUMO: O modo como a história literária brasileira tem caracterizado a novelística dos anos 30 - a época do predomínio do romance social -, parece deixar em segundo plano autores cuja ficção despreocupa-se em dar uma resposta imediata à realidade social, como é o caso de Cyro dos Anjos. Um estudo, entretanto, atento de outros meios de consagração, conduz a uma “história” que corre paralela a esta já instituída. ABSTRACT: The way the Brazilian literary history has characterized the novel of the thirties – the time of the social romance prevalence – seems to place as second best authors whose fiction is not concerned with giving immediate answers to the social reality, as the case of Cyro dos Anjos. However, an attentive study of other means of consecration, leads to a “history” that runs parallel to the one already established. PALAVRAS-CHAVE: Cyro dos Anjos; história literária brasileira; revisão crítica. KEYWORDS: Cyro dos Anjos; Brazilian literary history; critical revision. A estréia de Cyro dos Anjos na Literatura Brasileira com O amanuense Belmiro, em 1937, constituiu-se num absoluto sucesso de crítica e de livraria. Prova disso é que a segunda ediçãoi saiu apenas dez meses depois da primeira, numa tiragem mais numerosa, sob a chancela da Editora José Olympio. Além disso, a bibliografia existente em torno do romance, as inúmeras reedições, bem como as traduções realizadas para o espanhol, italiano, francês e inglês e uma edição em Portugal, tudo isso comprova o êxito do romance que atravessou fronteiras, acontecimento raro nas letras nacionais. Segundo o próprio escritor em entrevista concedida a Afonso Henrique Fávero (1991) para a sua dissertação de Mestrado, intitulada A prosa lírica de Cyro dos Anjos, o bom acolhimento do romance se deveu a um certo cansaço da literatura nordestina, do homem do campo, do ciclo do açúcar”. De cunho intimista, “pelo menos pretensamente psicológico”, O amanuense Belmiro favoreceu “um outro tipo de leitura na ocasião”, com o que foi “acolhido com muita simpatia”, arremata o escritor. Realmente a publicação de O amanuense Belmiro ecoou como uma voz dissonante naquele momento em que a ficção brasileira firmava um compromisso com o ”mundo” brasileiro – a paisagem, os problemas, os www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 tipos sociais, os costumes, o povo – auscultando-o em missão de testemunho ou documento. Por essa divergência entre o romance de Cyro dos Anjos e os outros publicados no mesmo período é que o confronto entre eles se estabeleceu; uma das vertentes presentes na recepção crítica de O amanuense em 1937 e que perpassa toda a recepção crítica do romance. Contrário então à incorporação crítica da problemática da realidade social brasileira e da abundância descritiva dos romancistas-modelo à época, O amanuense Belmiro fugiu ao padrão estético dos anos 30. Negando a estética do visível que privilegiava a objetividade em busca de impressões reais, como se os fatos se desenrolassem aos olhos do leitor sem a intervenção de um narrador e não houvesse ficção nenhuma, o romance de estréia de Cyro dos Anjos funcionou como um corte crítico na estética naturalista de 30. Por quebrar um esquema, tornou-se renovação. Muito embora a tendência intimista da ficção de 30 já tivesse sido iniciada em 1926, segundo Afrânio Coutinho (1970), com a obra de Andrade Muricy, A festa inquieta. Contraditório ou não, o certo é que o êxito de O amanuense acompanha a fratura de um estrato dos mais persistentes da história da literatura brasileira: o privilégio concedido ao documental, a literatura presa ao fato, a serviço da “verdade”, da pátria ou da “realidade”. Seja atrelada aos acontecimentos nacionais, para confirmá-los e dar-lhes peso institucional, seja em descrença deles, a trama novelesca da literatura brasileira, desde os oitocentos, esteve atrelada a um núcleo, que é a necessidade, internalizada pelo escritor e seu público, de afirmar a identidade nacional. A definição da Literatura no Brasil pelo apreço ao critério nacionalista se deve a um dos seus mais representativos guardiões, Sílvio Romero. Para ele, a criação de uma literatura genuinamente brasileira deveria estar condicionada ao toque nitidamente brasileiro, isto é, ter raízes no povo e traduzir o sentimento nacional, o ambiente nacional, os traços nacionais. Para tanto, seria preciso realizar uma cópia servil dos sinais visíveis e perceptíveis da vida social para traduzir a realidade brasileira. Escravizar-se, portanto, naquilo que é isolado e circunstancial, a reprodução fotográfica dos acontecimentos e das figuras. Imbuídos, então, pelas “novas idéias”, esperava-se que os escritores registrassem com fidelidade documental a realidade brasileira. O escritor deveria estar ligado à sua nacionalidade, já que a medida de sua grandeza seria proporcional ao esforço em reconstituir a realidade íntegra e total. www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 Machado de Assis, por exemplo, desrespeitou essa tradição. E desobedecendo aos limites de sua nacionalidade, foi condenado, conforme demonstra Flora Sussekind, em Tal Brasil, qual romance? (1984). Segundo a autora, Sílvio Romero, no seu livro sobre Machado de Assis, recrimina-o pelo uso de um humour mais característico dos ingleses que dos brasileiros. Muito tempo depois, afirma a estudiosa, Antonio Callado comenta com o horror o fato de Machado de Assis, em Memorial de Aires, ter dado mais importância a uma carta particular do que à carta de libertação dos escravos. Vendo as coisas assim, fica claro que tanto um quanto outro autor esperavam que Machado documentasse seriamente a nacionalidade, sob pena de ser acusado de alienado por Antonio Callado, e de distorcer o “temperamento” e a “psicologia” brasileiros, por Sílvio Romero. À semelhança de Machado, Cyro também fraturou esse “instinto de nacionalidade” dominante na ficção brasileira de 30, e assim como o autor de Dom Casmurro se tornou passível de crítica. Desde a publicação de O amanuense Belmiro, em 1937, a crítica literária de primeira hora apresentou Cyro dos Anjos como um escritor intimista; classificação reiteradamente presente na recepção crítica da obra de estréia do autorii. O fato do romance de Cyro dos Anjos ter trazido à tona a “outra via” da produção literária do momento, em tudo oposta ao romance social, foi motivo para que o autor fosse acusado de gratuito, de puramente literário, segundo afirma João Etienne Filho, em artigo publicado em 21 de outubro de 1945. Naquela época em que predominavam romances de cunho neonaturalista, preocupados em representar, quase sem intermediação, aspectos da sociedade brasileira na forma de narrativas que beiravam a reportagem ou o estudo sociológico; vazados de acusação aberta; tendo como objetivo fundamental o questionamento social, parece óbvio que todos aqueles romances que surgissem na contramão daqueles, seriam, de imediato, catapultados para o outro lado da polarização, e daí denominados intimistas, sinônimo, portanto, de inócuo, ou então de não-participativo. Caso de Cyro dos Anjos e o seu O amanuense Belmiro. Seja na estética naturalista da virada do século ou na década de 30, é a busca de unidade e de especificidade que possam fundar uma identidade nacional que costuma definir a literatura no Brasil. Não somente por isso, mas também por isso é que Cyro dos Anjos ao romper com o modelo vigente, trouxe desatino à crítica literária brasileira que precisou lê-lo através de outro(s). Nesse sentido é que a www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 filiação entre Cyro e Machado de Assisiii - aspecto recorrente quando o assunto é o escritor montes-clarense - guarda muitas dúvidas, que precisam ser decifradas a fim de que a Cyro dos Anjos e a sua obra ficcional sejam dados novos significados. Não só desconforto, porém, causou esse sistema alternativo ao naturalista da nossa tradição literária, (re)apresentado por Cyro dos Anjos em 1937, como também sofreu retaliação, se assim se pode dizer. O fato de O amanuense Belmiro não se ter ajustado aos princípios mais evidentes do romance social, como o enfoque documental sobre a vida dos humildes, o engajamento, a denúncia, encontra ressonância no texto de Flora Sussekind, Tal Brasil, qual romance?, que procura explicações para a estabilidade do Naturalismo na nossa história literária: no romance naturalista, na novela social da década de 30 e nos romances-reportagem dos anos 70. A partir das idéias de paternidade e nacionalidade, a autora auxilia na proposição de novas reflexões acerca do lugar de Cyro dos Anjos na história da literatura brasileira. De um filho, segundo a estudiosa, exige-se que possua traços de semelhança com o pai, que seja uma atualização do semblante, do temperamento e das atitudes paternas. Dele se espera a semelhança, a continuidade, a repetição. Quanto mais parecido, maior o orgulho, pouco importando se o que se repete não é grande coisa. Porém, quando o pai não se vê no filho, o orgulho dá lugar à inquietação. Ao invés da continuidade pela semelhança, a ruptura pela diferença. Com o rompimento da continuidade da genealogia e da identidade patriarcal, a descendência fica interrompida. A finitude, como resultado pela quebra da repetição geracional, não se restringe somente ao filho, mas também ao pai, já que “a imagem que passa a ver não pode ser mais uma interminável corrida genealogicamente determinada, ou de uma repetição rejuvenescida de seus próprios sonhos e gestos” (SUSSEKIND, 1984, p. 24). Se do filho exige-se que seja um retrato fiel do modelo paterno, é com ênfase idêntica, declara Sussekind, que se exige de uma literatura que exiba semelhanças com a tradição nacional a que pertence. Ou seja, de uma literatura espera-se que exiba naturalisticamente aspectos da realidade brasileira. Narrativas que retratem com “honestidade” o mundo real nacional. Pouco importando se a câmara especular tenha registrado apenas as mazelas nacionais - a fome, a doença, a prostituição, a miséria, a reificação humana -, o que interessa é o compromisso com a “verdade”. A exigência é que se busque “uma www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 identidade chamada Brasil e uma estética naturalista que permitam uma simetria perfeita à máxima: Tal Brasil, tal romance” (SUSSEKIND, 1984, p. 38). Ora, o compromisso da literatura brasileira com a identidade nacional parece não pressupor obras e autores que se isentem de retratar o “instinto de nacionalidade”. Nada que desfaça o contínuo de uma tradição ganha ênfase. Caso a trama novelesca, de alguma forma, frature o caráter nacional, trazendo diferenças ou descontinuidades ao contínuo de uma tradição alicerçada na imagem do país, resta-lhe a condenação, a “lata de lixo da história”, como quer Silviano Santiago (1999, p. 14), ou então o ocultamento da diferença. Se então há um compromisso da literatura brasileira com a identidade nacional, como classificar aqueles romancistas que não revelam em suas obras traços de brasilidade, ou então, não deixam claro estes traços de brasilidade? Como enquadrar um autor como Cyro dos Anjos, que apesar de se afastar da estética naturalista ainda é consagrado pelo público e pela crítica? Que lógica preside o cânone para aqueles que como Cyro dos Anjos se desviam da tradição literária brasileira? Não será por causa deste desvio que Cyro dos Anjos é omitido de várias listas, como a de Adonias Filho (1972), Bezerra de Freitas (1947) e Olívio Montenegro (1951), quando se discute os romances de 30? Não será por causa dessa sua menor proximidade com a realidade brasileira que a ele é destinado um espaço diminuto nas Histórias da Literatura, quando a ficção de 30 é matéria de análise? Alfredo Bosi (1994), por exemplo, dedica ao escritor mineiro apenas 14 linhas das 528 páginas da sua História Concisa da Literatura Brasileira. José Aderaldo Castello (1999), em empate técnico com Bosi, destina 20 linhas das 583 páginas do volume II de A Literatura Brasileira: origens e unidade. Coincidência ou não, outros autores que fizeram sua estréia literária nos anos 30, como Lúcio Cardoso, Dionélio Machado, Otávio de Faria ou Cornélio Pena, para falar dos mais conhecidos, são alvo de pouca discussão. Não despertarão interesse suas obras de ficção? Será descaso? Ou dificuldade em tratar de autores estranhamente provocantes, que surgiram numa época que acabou ganhando em nossa memória cultural uma imagem bastante estereotipada, a do domínio do romance social de corte regionalista? Assim é que ao invés de Cyro dos Anjos reproduzir uma literatura alicerçada na imagem do país, de garantir a continuidade de um modelo narrativo dominante, o escritor fragmenta a tradição e, por isso, gera www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 inquietação, indefinição, corpo estranho numa história literária que se pretende contínua e evolucionista. Não é novidade que a ficção brasileira de 30 está dividida ao meio, assentada sob pontos de vista mais ou menos inconciliáveis: de um lado obras de tendência regionalista/social, de outro, de tendência psicológica. É o que apresenta alguns compêndios de História da Literatura Brasileira, como o de Antônio Soares Amora (1977), Afrânio Coutinho (1986) e para Alfredo Bosi (1994). A formulação de que há duas linhas ficcionais não garante, porém, que elas tenham o mesmo “vigor” na tradição do romance brasileiro. Soares Amora, por exemplo, declara que os romances regionais do Nordeste são renovação surpreendente, seja pela originalidade, seja pela crueza dos temas sociais e humanos, levantados com apelo a uma necessária revolução social, política, econômica que salvasse da miséria e do abandono o homem rural: “Mais do que o romance da vida urbana, teve este romance regionalista moderno, pela entusiástica aceitação que logrou, o condão de determinar ou iniciar uma fecunda corrente, ainda hoje dominante” (AMORA, 1977, p.162). Antonio Candido declara ter sido o advento do romance nordestino “o traço atuante do momento” (CANDIDO & CASTELLO, 1955, p.27), ou então, “uma das correntes mais poderosas de nossa literatura” (CANDIDO & CASTELLO, 1955, p.28). Para Wilson Martins, a linhagem do romance psicológico e introspectivo, surgida na década de 30, muito mais vigorosa e persistente do que poderíamos à primeira vista pensar, contudo, tem menos importância que a linhagem socialista: “socialista ou não, é o neo-realismo que vai dar a tônica da ficção neste período” (MARTINS, 1978, p.29). Se a esta linha intimista o destaque é minimizado quando comparado à linha social, se a Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz é dado mais espaço nas Histórias da Literatura Brasileira, enquanto a Cyro dos Anjos, Cornélio Pena, Otávio de Faria, Dionélio Machado, Lúcio Cardoso este espaço é minguado, há, por outro lado, uma História que corre paralela a esta já instituída, que é dada pelas edições e reedições das obras de Cyro dos Anjos, pelas pesquisas acadêmicas e leituras em geral mais verticais da sua obra, acervos e canais de visibilidade em geral. Dentre os romances de Cyro dos Anjos, O amanuense Belmiro é o seu texto mais famoso, e por isso o mais editado. Desde a sua publicação, O amanuense teve dezessete edições. Destas dezessete, nove foram publicadas pela José Olympio: a 2a. em 1938, a 5a. em 1957, em cuja www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 edição foram reunidos O amanuense Belmiro e Abdias; a 6a. edição em 1966; a 7a. em 1971, com uma tiragem de 7000 exemplares; em 1975, a 8a., numa tiragem de 5000 exemplares; a 9a e a 10a. edições publicadas num mesmo ano, 1979, com uma tiragem de 14.000 exemplares no total; a 11a. edição em 1980, 5000 exemplares e, finalmente, em 1989, a 12a. edição, numa tiragem mais reduzida se comparada às anteriores, 3000 exemplares. A Editora Saraiva editou o romance apenas uma vez, a 3a. edição, em 1949, cuja tiragem foi a maior de todas, 43.936 exemplares. A 4a. edição foi realizada em Portugal, em 1955. Mais recentemente, a Editora Garnier publicou a 14a, 15a, 16a. e 17a. edições, em 1994, 2000, 2001 e 2002, respectivamente. Neste ano de 2006, ano da comemoração do centenário de Cyro dos Anjos, a Editora Globo publicará a 18a. edição de O amanuense Belmiroiv. Não foi possível localizar a 13a. edição do romance. Um outro fator que concorre para escrever uma outra História da Literatura, são as pesquisas realizadas no meio acadêmico. Digno de relevância é verificar que as pesquisas advêm de várias regiões do país, e não só de Minas Gerais, estado natal de Cyro dos Anjos, ou do eixo Rio-São Paulo, como era de se esperar. Além dos trabalhos realizados em universidades do interior do Estado de São Paulo, como Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade de Campinas (UNICAMP), e mesmo da capital, Universidade de São Paulo (USP), assim como as do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), há aqueles oriundos do Paraná, Universidade Federal do Paraná (UFPR), de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (UFRGS), de Brasília, Universidade de Brasília (UNB), e é claro de Minas Gerais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). São dezessete projetos de pesquisa no totalv. Dentre os trabalhos realizados no Estado de São Paulo, podemos citar a tese de doutorado de Marlene Bilenky, concluída em 1992, A poética do desvio: a forma do diário em O amanuense Belmiro de Cyro dos Anjos; também pela Universidade de São Paulo a dissertação de Afonso Henrique Fávero, de 1991, A prosa lírica de Cyro dos Anjos; pela Universidade Estadual de Campinas, a pesquisa de Patrícia da Silva Cardoso, Ficção e Memória em O amanuense Belmiro, de 1994; as teses de doutorado de Fernando Cerisara Gil, intitulado O romance da urbanização, de 1997vi, e de Luís Gonçalves Bueno de Camargo, Uma História do romance brasileiro de 30, concluída em 2001; pela Universidade Estadual Paulista, campus de Assis, os trabalhos de mestrado de Keila Mara Sant’anna Málaque, O amanuense Belmiro ou a www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 filosofia da construção, de 2001, e o meu, A estréia do amanuense: a fortuna crítica de O amanuense Belmiro em 1937, de 2000vii; ainda pela Universidade Estadual Paulista, campus de São José do Rio Preto, a dissertação de mestrado de Vera M. P. S. V. Milanesi, Para uma interpretação de Cyro dos Anjos, de 1988. Em se tratando das pesquisas referentes ao Estado do Rio de Janeiro, vale lembrar o primeiro trabalho realizado sobre O amanuense Belmiro, de 1976, de autoria de Maria Raquel Abreu Lima e Pereira, Retórica e Verdade in O amanuense Belmiro; de Dulce Maria Viana Póvoa, A consciência trágica: reflexões sobre o intelectual personagem, de 1983, ambas concluídas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a dissertação de mestrado de Maria Helena Miscow Mendonça, A presença machadiana na ficção de Cyro dos Anjos, de 1993, e a tese de doutorado de Idemburgo Pereira Frazão Félix, Burocracia como imaginação: três momentos da Literatura Brasileira e suas fronteiras, de 1999; pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a pesquisa de mestrado de Idemburgo Pereira Frazão Félix, Entrelinhas: a ficção de Cyro dos Anjos, concluída em 1994. Pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a dissertação de mestrado de Eunice Terezinha Piazza Gai, O problema faústico: metamorfose e significação (uma análise do problema faústico no contexto da literatura ocidental, enfatizando o romance de Cyro dos Anjos, O amanuense Belmiro), de 1986; pela Universidade Federal do Paraná, o trabalho de mestrado de Marcelo Barbosa Alcaraz, O amanuense indeciso: diário da vida mínima, de 2001; concluída em 1980, a dissertação de mestrado de Cleusa Ferreira Marândola, A recepção da literatura: Teoria e Prática da Estética da Recepção, realizada pela Universidade de Brasília; e, finalmente, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a pesquisa de mestrado de Hugo de Lara, de 1997, A modernidade atropela o bonde: análise espaçotemporal do Amanuense Belmiro. Um outro instrumento para medir a temperatura do reconhecimento de Cyro dos Anjos na ficção brasileira, são os dicionários de Literatura Brasileira. Eles dão ao escritor compilado um sentido de permanência, pois a inclusão determina a sua perenidade. Nos dicionários pouco importa o vigor de uma ou outra corrente ficcional, ou a importância maior ou menor de determinado autor, todos estão colocados lado a lado. www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 Dos dicionários consultadosviii apenas um deles teve como entrada o título do romance de estréia de Cyro (PONTES, s.d., p. 66), já o restante apresentou o autor pelo seu próprio nome - Anjos, Ciro dos. A maioria dos verbetes traz informações sobre a sua biografia, os livros e o ano de publicação de cada um deles, assim como considerações a respeito de sua obra, sobretudo dos romances, O amanuense Belmiro (1937), Abdias (1945) e Montanha (1956). Dentre os que se encontram neste grupo, ganha destaque o verbete de Raimundo Menezes (1969, p.105106), que transcreve um trecho do ensaio crítico de Antonio Candido, “Estratégia”, o mais citado dentre os textos sobre O amanuense Belmiro. Num segundo grupo, apenas as suas obras foram consideradas. É o caso do Dicionário Crítico do Moderno Romance Brasileiro (1970), de Pedro Américo Maia, que dá destaque aos seus três únicos romances; e do Dicionário Universal de Literatura, de Henrique Perdigão (1940), que apresenta apenas o primeiro romance do escritor mineiro - nada estranho, pois o segundo romance só seria publicado em 1945, cinco anos depois da conclusão da pesquisa de Perdigão. Importante também ressaltar que todos os dicionaristas oferecem uma bibliografia do escritor, exceto Henrique Perdigão. Um dos canais de visibilidade que também dá a medida do prestígio de Cyro dos Anjos, muito embora esteja restrito ao seu estado natal, é o “Acervo dos Escritores Mineiros”. Este acervo faz parte de um projeto integrado de pesquisa, vinculado ao Centro de Estudos Literários (CEL), criado em agosto de 1989, um Núcleo de Estudos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Este Projeto Integrado de Pesquisa possui como finalidade primeira organizar e preservar o acervo bibliográfico e documental dos escritores Henriqueta Lisboa (1901-1985), Oswaldo França Júnior (1936-1989), Abgar Renault (1901-1995) e Cyro dos Anjos (1906-1994). Em cada um desses acervos recriou-se o ambiente de trabalho dos escritores (com menos fidedignidade o ambiente de Henriqueta que, solteira, fazia de todos os cômodos lugar de trabalho), cujo acervo foi doado por suas famílias. Há ainda as coleções de Alexandre Eulálio (1932-1988), Aníbal Machado (1894-1975), Ana Hatherley (1929), José Oswaldo de Araújo (18871975), Valmiki Villela Guimarães (1934) e Genevieve Naylor (19151989). No acervo de Cyro dos Anjos há uma coleção bibliográfica com aproximadamente 2629 documentos, entre cartas, fotografias, quadros, mobiliário e livros de gêneros diversosix. Vale destacar que em breve, a correspondência trocada com Carlos Drummond de Andrade, no período de 1931 a 1989, será editada por Wander Melo Miranda. Além da correspondência, há cartões, telegramas, envelopes, bilhetes pessoais e www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 ainda um poema inédito de duas folhas, manuscritas, composto por Drummond e dedicado a Cyro dos Anjos; não possui título. Surpreendente foi lá encontrar o seu retrato pintado a óleo por Delfino Júnior. A história deste quadro está relacionada à sua estréia nas letras. Por conta da mais viva repercussão de O amanuense Belmiro no meio literário brasileiro, seus amigos quiseram homenageá-lo, oferecendo-lhe o seu retrato. A entrega do quadro foi realizada no dia 8 de dezembro de 1937, na redação do Folha de Minasx. Surpreendente foi também se deparar com o seu fardão, vestimenta usada nas reuniões dos membros da Academia Brasileira de Letras, de cuja instituição passou a fazer parte no ano de 1969, em substituição à vaga deixada por Manuel Bandeira. Se para os parâmetros das letras nacionais as edições de O amanuense Belmiro para vários países como México (1954), Itália (1955), Portugal (1955), França (1988) e Inglaterra (1988) já é incomum, mais incomum ainda é se deparar com um documentário, cujo fio condutor é acompanhar a vida e a obra de Cyro dos Anjos. Concluído em 2003, O amanuense e os grafômanos tem como cenário o cotidiano e a evolução de Belo Horizonte em seus primeiros 50 anos (1897-1947). Ao mesmo tempo, o filme retrata a primeira geração de escritores modernistas de Minas Gerais, entre eles Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Abgar Renault, Pedro Nava, João Alphonsus e Cyro dos Anjos. Gravado em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o documentário conta com o depoimento de vinte e três especialistas das mais diversas áreas, como a literatura, a história, o jornalismo, a arquitetura e a sociologia. Destacam-se os poetas Affonso Romano de Sant’anna, Alphonsus de Guimaraens Filho, os escritores Rui Mourão, Humberto Werneck e Alaíde Lisboa; e os críticos Fábio Lucas, Fernando Correia Dias, Reinaldo Marques, além dos depoimentos de Cyro dos Anjos, Pedro Nava e Abgar Renault. À primeira vista poderia então se supor que a presença reduzida de Cyro dos Anjos e suas obras ficcionais nas Histórias da Literatura, em comparação aos escritores denominados “sociais”, estaria relacionado ao fato do autor mineiro fazer parte de uma geração menos prestigiada. Mas não é isso que as reedições do seu primeiro romance, por exemplo, demonstram, nem a Universidade, quem vem a cada ano se debruçando mais e mais sobre a sua produção ficcional. Embora não seja fácil explicar o prestígio ou não de um autor como Cyro dos Anjos, o fato é que tomar as histórias da literatura brasileira como o www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 único termômetro de consagração, pode trazer equívocos para aqueles estudiosos que somente têm estas páginas como guia. REFERÊNCIAS ADONIAS FILHO. O romance brasileiro de 30. Rio de Janeiro: José Olympio: 1972. AMORA, Soares Antônio. História da Literatura Brasileira. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 35. São Paulo: Cultrix, 1994. CANDIDO, Antonio & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira. São Paulo: MEC, 1955. v. III. CASTELLO, José Aderaldo. A Literatura Brasileira: origens e unidade (1500-1960). São Paulo: EDUSP, 1999. vol. II. COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. COUTINHO, Afrânio. O Modernismo na ficção. In: _____ A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1970. v. 5. ETIENNE FILHO, João. Ao lado do amanuense. O Diário, Belo Horizonte, 21 out. 1945. FÁVERO, Afonso Henrique. A prosa lírica de Cyro dos Anjos. 1991. 153 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. FREITAS, Bezerra de. Forma e Expressão do romance brasileiro. Rio de Janeiro: Pongette, 1947. MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira (1933-1960). São Paulo: Cultrix, 1978. vol.VI. MONTENEGRO, Olívio. O romance brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. SANTIAGO, Silviano. A aula inaugural de Clarice Lispector. In: _____MIRANDA, Wander Melo (Org.). Narrativas da Modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. SUSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Rio de Janeiro: Achiamé, 1984. www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006 * Doutora pela Universidade Estadual Paulista, campus de Assis; Professora de Literatura Brasileira da Fundação Dracenense de Educação e Cultura (FUNDEC). i A primeira edição, a de 1937, recebeu a marca da Sociedade Editora Amigos do Livro, uma espécie de co-editora, com número limitado de sócios, cujas edições eram pagas pelos próprios autores. A primeira tiragem foi muito restrita, apenas mil e quinhentos exemplares, quinhentos dos quais o autor enviou para José Olympio, no Rio de Janeiro, distribuir. ii Estas informações advêm da minha pesquisa de Mestrado intitulada A estréia do amanuense Belmiro: a fortuna crítica de O amanuense Belmiro em 1937, concluída em 2000, pela Universidade Estadual Paulista, UNESP/Assis. iii No estudo da recepção crítica de O amanuense Belmiro, em 1937, mais especificamente nos meses de outubro, novembro e dezembro, constatei que dos quarenta e oito artigos analisados, vinte e dois deles sugeriram a aproximação do escritor mineiro com Machado de Assis. Vale lembrar que outros autores foram lembrados. Dentre os estrangeiros, Alfredo Panzini, Pérez de Ayala, Jules Renard, George Duhamel, Amiel e Marcel Proust; entre os brasileiros, também Graciliano Ramos. iv Informação concedida por João Carlos dos Anjos, filho de Cyro dos Anjos. v Na época em que eu buscava localizar os trabalhos acadêmicos, descobri duas pesquisas que ainda estavam em andamento. Sob orientação da profa. Constância Lima Duarte, Maria Rosilva Santos Ferreira dava prosseguimento a uma pesquisa intitulada Cyro dos Anjos: vida literária; já Rosana Maria Simões, sob orientação do prof. Murilo Marcondes Moura, debruçava-se especificamente sobre O Amanuense Belmiro, Sobre O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos; ambas as pesquisas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). vi Pesquisa posteriormente editada pela EDIPUCRS, Porto Alegre, em 1999. vii Pesquisa posteriormente editada pela Editora AnnaBlume, São Paulo, em 2005. viii Foram consultados os dicionários de: LUFT, Celso Pedro. Literatura Portuguesa e Brasileira. Porto Alegre: Ed. Globo, s.d.; PAES, José Paulo & MOISÉS, Massaud. Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, s.d.; PONTES, J.M. Ferreira. Dicionário Antológico das Literaturas Brasileiras e Portuguesa. São Paulo: Ed. Formar, s.d.; PERDIGÃO, Henrique. Dicionário Universal. Porto: Ed. Latina, 1940; MENESES, Raimundo. Dicionário Literário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1969; MAIA, Pedro Américo. Dicionário Crítico do Moderno Romance Brasileiro. Belo Horizonte: Grupo Gente Nova, 1970; BRASIL, Assis. Dicionário Prático de Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1979; COELHO, Jacinto do Prado. Dicionário de Literatura. Porto: Mário Figueirinhas Editora, 1994; COUTINHO, Afrânio & SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Global, 2001. ix Do acervo dos Escritores Mineiros nenhum documento foi aqui utilizado, em virtude da sua recepção crítica estar toda concentrada na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. x Este acontecimento foi noticiado pelo jornal Folha de Minas e pelo O Diário, ambos no dia 9 de dezembro e ambos de autor anônimo.