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UMA OUTRA “HISTÓRIA” PARA CYRO DOS ANJOS
Ana Paula Franco Nobile*
RESUMO: O modo como a história literária brasileira tem caracterizado a novelística
dos anos 30 - a época do predomínio do romance social -, parece deixar em segundo
plano autores cuja ficção despreocupa-se em dar uma resposta imediata à realidade
social, como é o caso de Cyro dos Anjos. Um estudo, entretanto, atento de outros
meios de consagração, conduz a uma “história” que corre paralela a esta já instituída.
ABSTRACT: The way the Brazilian literary history has characterized the novel of the
thirties – the time of the social romance prevalence – seems to place as second best
authors whose fiction is not concerned with giving immediate answers to the social
reality, as the case of Cyro dos Anjos. However, an attentive study of other means of
consecration, leads to a “history” that runs parallel to the one already established.
PALAVRAS-CHAVE: Cyro dos Anjos; história literária brasileira; revisão crítica.
KEYWORDS: Cyro dos Anjos; Brazilian literary history; critical revision.
A estréia de Cyro dos Anjos na Literatura Brasileira com O amanuense
Belmiro, em 1937, constituiu-se num absoluto sucesso de crítica e de
livraria. Prova disso é que a segunda ediçãoi saiu apenas dez meses
depois da primeira, numa tiragem mais numerosa, sob a chancela da
Editora José Olympio. Além disso, a bibliografia existente em torno do
romance, as inúmeras reedições, bem como as traduções realizadas
para o espanhol, italiano, francês e inglês e uma edição em Portugal,
tudo isso comprova o êxito do romance que atravessou fronteiras,
acontecimento raro nas letras nacionais.
Segundo o próprio escritor em entrevista concedida a Afonso Henrique
Fávero (1991) para a sua dissertação de Mestrado, intitulada A prosa
lírica de Cyro dos Anjos, o bom acolhimento do romance se deveu a um
certo cansaço da literatura nordestina, do homem do campo, do ciclo do
açúcar”. De cunho intimista, “pelo menos pretensamente psicológico”, O
amanuense Belmiro favoreceu “um outro tipo de leitura na ocasião”,
com o que foi “acolhido com muita simpatia”, arremata o escritor.
Realmente a publicação de O amanuense Belmiro ecoou como uma voz
dissonante naquele momento em que a ficção brasileira firmava um
compromisso com o ”mundo” brasileiro – a paisagem, os problemas, os
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tipos sociais, os costumes, o povo – auscultando-o em missão de
testemunho ou documento. Por essa divergência entre o romance de
Cyro dos Anjos e os outros publicados no mesmo período é que o
confronto entre eles se estabeleceu; uma das vertentes presentes na
recepção crítica de O amanuense em 1937 e que perpassa toda a
recepção crítica do romance.
Contrário então à incorporação crítica da problemática da realidade
social brasileira e da abundância descritiva dos romancistas-modelo à
época, O amanuense Belmiro fugiu ao padrão estético dos anos 30.
Negando a estética do visível que privilegiava a objetividade em busca
de impressões reais, como se os fatos se desenrolassem aos olhos do
leitor sem a intervenção de um narrador e não houvesse ficção
nenhuma, o romance de estréia de Cyro dos Anjos funcionou como um
corte crítico na estética naturalista de 30. Por quebrar um esquema,
tornou-se renovação. Muito embora a tendência intimista da ficção de
30 já tivesse sido iniciada em 1926, segundo Afrânio Coutinho (1970),
com a obra de Andrade Muricy, A festa inquieta.
Contraditório ou não, o certo é que o êxito de O amanuense acompanha
a fratura de um estrato dos mais persistentes da história da literatura
brasileira: o privilégio concedido ao documental, a literatura presa ao
fato, a serviço da “verdade”, da pátria ou da “realidade”. Seja atrelada
aos acontecimentos nacionais, para confirmá-los e dar-lhes peso
institucional, seja em descrença deles, a trama novelesca da literatura
brasileira, desde os oitocentos, esteve atrelada a um núcleo, que é a
necessidade, internalizada pelo escritor e seu público, de afirmar a
identidade nacional.
A definição da Literatura no Brasil pelo apreço ao critério nacionalista se
deve a um dos seus mais representativos guardiões, Sílvio Romero. Para
ele, a criação de uma literatura genuinamente brasileira deveria estar
condicionada ao toque nitidamente brasileiro, isto é, ter raízes no povo e
traduzir o sentimento nacional, o ambiente nacional, os traços
nacionais. Para tanto, seria preciso realizar uma cópia servil dos sinais
visíveis e perceptíveis da vida social para traduzir a realidade brasileira.
Escravizar-se, portanto, naquilo que é isolado e circunstancial, a
reprodução fotográfica dos acontecimentos e das figuras. Imbuídos,
então, pelas “novas idéias”, esperava-se que os escritores registrassem
com fidelidade documental a realidade brasileira. O escritor deveria
estar ligado à sua nacionalidade, já que a medida de sua grandeza seria
proporcional ao esforço em reconstituir a realidade íntegra e total.
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Machado de Assis, por exemplo, desrespeitou essa tradição. E
desobedecendo aos limites de sua nacionalidade, foi condenado,
conforme demonstra Flora Sussekind, em Tal Brasil, qual romance?
(1984). Segundo a autora, Sílvio Romero, no seu livro sobre Machado
de Assis, recrimina-o pelo uso de um humour mais característico dos
ingleses que dos brasileiros. Muito tempo depois, afirma a estudiosa,
Antonio Callado comenta com o horror o fato de Machado de Assis, em
Memorial de Aires, ter dado mais importância a uma carta particular do
que à carta de libertação dos escravos. Vendo as coisas assim, fica claro
que tanto um quanto outro autor esperavam que Machado
documentasse seriamente a nacionalidade, sob pena de ser acusado de
alienado por Antonio Callado, e de distorcer o “temperamento” e a
“psicologia” brasileiros, por Sílvio Romero.
À semelhança de Machado, Cyro também fraturou esse “instinto de
nacionalidade” dominante na ficção brasileira de 30, e assim como o
autor de Dom Casmurro se tornou passível de crítica. Desde a
publicação de O amanuense Belmiro, em 1937, a crítica literária de
primeira hora apresentou Cyro dos Anjos como um escritor intimista;
classificação reiteradamente presente na recepção crítica da obra de
estréia do autorii. O fato do romance de Cyro dos Anjos ter trazido à
tona a “outra via” da produção literária do momento, em tudo oposta ao
romance social, foi motivo para que o autor fosse acusado de gratuito,
de puramente literário, segundo afirma João Etienne Filho, em artigo
publicado em 21 de outubro de 1945.
Naquela época em que predominavam romances de cunho
neonaturalista, preocupados em representar, quase sem intermediação,
aspectos da sociedade brasileira na forma de narrativas que beiravam a
reportagem ou o estudo sociológico; vazados de acusação aberta; tendo
como objetivo fundamental o questionamento social, parece óbvio que
todos aqueles romances que surgissem na contramão daqueles, seriam,
de imediato, catapultados para o outro lado da polarização, e daí
denominados intimistas, sinônimo, portanto, de inócuo, ou então de
não-participativo. Caso de Cyro dos Anjos e o seu O amanuense
Belmiro.
Seja na estética naturalista da virada do século ou na década de 30, é a
busca de unidade e de especificidade que possam fundar uma
identidade nacional que costuma definir a literatura no Brasil.
Não somente por isso, mas também por isso é que Cyro dos Anjos ao
romper com o modelo vigente, trouxe desatino à crítica literária
brasileira que precisou lê-lo através de outro(s). Nesse sentido é que a
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filiação entre Cyro e Machado de Assisiii - aspecto recorrente quando o
assunto é o escritor montes-clarense - guarda muitas dúvidas, que
precisam ser decifradas a fim de que a Cyro dos Anjos e a sua obra
ficcional sejam dados novos significados.
Não só desconforto, porém, causou esse sistema alternativo ao
naturalista da nossa tradição literária, (re)apresentado por Cyro dos
Anjos em 1937, como também sofreu retaliação, se assim se pode
dizer.
O fato de O amanuense Belmiro não se ter ajustado aos princípios mais
evidentes do romance social, como o enfoque documental sobre a vida
dos humildes, o engajamento, a denúncia, encontra ressonância no
texto de Flora Sussekind, Tal Brasil, qual romance?, que procura
explicações para a estabilidade do Naturalismo na nossa história
literária: no romance naturalista, na novela social da década de 30 e nos
romances-reportagem dos anos 70. A partir das idéias de paternidade e
nacionalidade, a autora auxilia na proposição de novas reflexões acerca
do lugar de Cyro dos Anjos na história da literatura brasileira.
De um filho, segundo a estudiosa, exige-se que possua traços de
semelhança com o pai, que seja uma atualização do semblante, do
temperamento e das atitudes paternas. Dele se espera a semelhança, a
continuidade, a repetição. Quanto mais parecido, maior o orgulho,
pouco importando se o que se repete não é grande coisa. Porém,
quando o pai não se vê no filho, o orgulho dá lugar à inquietação. Ao
invés da continuidade pela semelhança, a ruptura pela diferença. Com o
rompimento da continuidade da genealogia e da identidade patriarcal, a
descendência fica interrompida. A finitude, como resultado pela quebra
da repetição geracional, não se restringe somente ao filho, mas também
ao pai, já que “a imagem que passa a ver não pode ser mais uma
interminável corrida genealogicamente determinada, ou de uma
repetição rejuvenescida de seus próprios sonhos e gestos” (SUSSEKIND,
1984, p. 24).
Se do filho exige-se que seja um retrato fiel do modelo paterno, é com
ênfase idêntica, declara Sussekind, que se exige de uma literatura que
exiba semelhanças com a tradição nacional a que pertence. Ou seja, de
uma literatura espera-se que exiba naturalisticamente aspectos da
realidade brasileira. Narrativas que retratem com “honestidade” o
mundo real nacional. Pouco importando se a câmara especular tenha
registrado apenas as mazelas nacionais - a fome, a doença, a
prostituição, a miséria, a reificação humana -, o que interessa é o
compromisso com a “verdade”. A exigência é que se busque “uma
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identidade chamada Brasil e uma estética naturalista que permitam uma
simetria perfeita à máxima: Tal Brasil, tal romance” (SUSSEKIND, 1984,
p. 38).
Ora, o compromisso da literatura brasileira com a identidade nacional
parece não pressupor obras e autores que se isentem de retratar o
“instinto de nacionalidade”. Nada que desfaça o contínuo de uma
tradição ganha ênfase. Caso a trama novelesca, de alguma forma,
frature o caráter nacional, trazendo diferenças ou descontinuidades ao
contínuo de uma tradição alicerçada na imagem do país, resta-lhe a
condenação, a “lata de lixo da história”, como quer Silviano Santiago
(1999, p. 14), ou então o ocultamento da diferença.
Se então há um compromisso da literatura brasileira com a identidade
nacional, como classificar aqueles romancistas que não revelam em suas
obras traços de brasilidade, ou então, não deixam claro estes traços de
brasilidade? Como enquadrar um autor como Cyro dos Anjos, que
apesar de se afastar da estética naturalista ainda é consagrado pelo
público e pela crítica? Que lógica preside o cânone para aqueles que
como Cyro dos Anjos se desviam da tradição literária brasileira? Não
será por causa deste desvio que Cyro dos Anjos é omitido de várias
listas, como a de Adonias Filho (1972), Bezerra de Freitas (1947) e
Olívio Montenegro (1951), quando se discute os romances de 30? Não
será por causa dessa sua menor proximidade com a realidade brasileira
que a ele é destinado um espaço diminuto nas Histórias da Literatura,
quando a ficção de 30 é matéria de análise?
Alfredo Bosi (1994), por exemplo, dedica ao escritor mineiro apenas 14
linhas das 528 páginas da sua História Concisa da Literatura Brasileira.
José Aderaldo Castello (1999), em empate técnico com Bosi, destina 20
linhas das 583 páginas do volume II de A Literatura Brasileira: origens e
unidade. Coincidência ou não, outros autores que fizeram sua estréia
literária nos anos 30, como Lúcio Cardoso, Dionélio Machado, Otávio de
Faria ou Cornélio Pena, para falar dos mais conhecidos, são alvo de
pouca discussão. Não despertarão interesse suas obras de ficção? Será
descaso? Ou dificuldade em tratar de autores estranhamente
provocantes, que surgiram numa época que acabou ganhando em nossa
memória cultural uma imagem bastante estereotipada, a do domínio do
romance social de corte regionalista?
Assim é que ao invés de Cyro dos Anjos reproduzir uma literatura
alicerçada na imagem do país, de garantir a continuidade de um modelo
narrativo dominante, o escritor fragmenta a tradição e, por isso, gera
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inquietação, indefinição, corpo estranho numa história literária que se
pretende contínua e evolucionista.
Não é novidade que a ficção brasileira de 30 está dividida ao meio,
assentada sob pontos de vista mais ou menos inconciliáveis: de um lado
obras de tendência regionalista/social, de outro, de tendência
psicológica. É o que apresenta alguns compêndios de História da
Literatura Brasileira, como o de Antônio Soares Amora (1977), Afrânio
Coutinho (1986) e para Alfredo Bosi (1994).
A formulação de que há duas linhas ficcionais não garante, porém, que
elas tenham o mesmo “vigor” na tradição do romance brasileiro. Soares
Amora, por exemplo, declara que os romances regionais do Nordeste
são renovação surpreendente, seja pela originalidade, seja pela crueza
dos temas sociais e humanos, levantados com apelo a uma necessária
revolução social, política, econômica que salvasse da miséria e do
abandono o homem rural: “Mais do que o romance da vida urbana, teve
este romance regionalista moderno, pela entusiástica aceitação que
logrou, o condão de determinar ou iniciar uma fecunda corrente, ainda
hoje dominante” (AMORA, 1977, p.162). Antonio Candido declara ter
sido o advento do romance nordestino “o traço atuante do momento”
(CANDIDO & CASTELLO, 1955, p.27), ou então, “uma das correntes
mais poderosas de nossa literatura” (CANDIDO & CASTELLO, 1955,
p.28). Para Wilson Martins, a linhagem do romance psicológico e
introspectivo, surgida na década de 30, muito mais vigorosa e
persistente do que poderíamos à primeira vista pensar, contudo, tem
menos importância que a linhagem socialista: “socialista ou não, é o
neo-realismo que vai dar a tônica da ficção neste período” (MARTINS,
1978, p.29).
Se a esta linha intimista o destaque é minimizado quando comparado à
linha social, se a Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz é
dado mais espaço nas Histórias da Literatura Brasileira, enquanto a Cyro
dos Anjos, Cornélio Pena, Otávio de Faria, Dionélio Machado, Lúcio
Cardoso este espaço é minguado, há, por outro lado, uma História que
corre paralela a esta já instituída, que é dada pelas edições e reedições
das obras de Cyro dos Anjos, pelas pesquisas acadêmicas e leituras em
geral mais verticais da sua obra, acervos e canais de visibilidade em
geral.
Dentre os romances de Cyro dos Anjos, O amanuense Belmiro é o seu
texto mais famoso, e por isso o mais editado. Desde a sua publicação, O
amanuense teve dezessete edições. Destas dezessete, nove foram
publicadas pela José Olympio: a 2a. em 1938, a 5a. em 1957, em cuja
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edição foram reunidos O amanuense Belmiro e Abdias; a 6a. edição em
1966; a 7a. em 1971, com uma tiragem de 7000 exemplares; em 1975,
a 8a., numa tiragem de 5000 exemplares; a 9a e a 10a. edições
publicadas num mesmo ano, 1979, com uma tiragem de 14.000
exemplares no total; a 11a. edição em 1980, 5000 exemplares e,
finalmente, em 1989, a 12a. edição, numa tiragem mais reduzida se
comparada às anteriores, 3000 exemplares. A Editora Saraiva editou o
romance apenas uma vez, a 3a. edição, em 1949, cuja tiragem foi a
maior de todas, 43.936 exemplares. A 4a. edição foi realizada em
Portugal, em 1955. Mais recentemente, a Editora Garnier publicou a 14a,
15a, 16a. e 17a. edições, em 1994, 2000, 2001 e 2002, respectivamente.
Neste ano de 2006, ano da comemoração do centenário de Cyro dos
Anjos, a Editora Globo publicará a 18a. edição de O amanuense
Belmiroiv. Não foi possível localizar a 13a. edição do romance.
Um outro fator que concorre para escrever uma outra História da
Literatura, são as pesquisas realizadas no meio acadêmico. Digno de
relevância é verificar que as pesquisas advêm de várias regiões do país,
e não só de Minas Gerais, estado natal de Cyro dos Anjos, ou do eixo
Rio-São Paulo, como era de se esperar. Além dos trabalhos realizados
em universidades do interior do Estado de São Paulo, como
Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade de Campinas
(UNICAMP), e mesmo da capital, Universidade de São Paulo (USP),
assim como as do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), há aqueles
oriundos do Paraná, Universidade Federal do Paraná (UFPR), de Santa
Catarina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (UFRGS), de
Brasília, Universidade de Brasília (UNB), e é claro de Minas Gerais,
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). São
dezessete projetos de pesquisa no totalv.
Dentre os trabalhos realizados no Estado de São Paulo, podemos citar a
tese de doutorado de Marlene Bilenky, concluída em 1992, A poética do
desvio: a forma do diário em O amanuense Belmiro de Cyro dos Anjos;
também pela Universidade de São Paulo a dissertação de Afonso
Henrique Fávero, de 1991, A prosa lírica de Cyro dos Anjos; pela
Universidade Estadual de Campinas, a pesquisa de Patrícia da Silva
Cardoso, Ficção e Memória em O amanuense Belmiro, de 1994; as teses
de doutorado de Fernando Cerisara Gil, intitulado O romance da
urbanização, de 1997vi, e de Luís Gonçalves Bueno de Camargo, Uma
História do romance brasileiro de 30, concluída em 2001; pela
Universidade Estadual Paulista, campus de Assis, os trabalhos de
mestrado de Keila Mara Sant’anna Málaque, O amanuense Belmiro ou a
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filosofia da construção, de 2001, e o meu, A estréia do amanuense: a
fortuna crítica de O amanuense Belmiro em 1937, de 2000vii; ainda pela
Universidade Estadual Paulista, campus de São José do Rio Preto, a
dissertação de mestrado de Vera M. P. S. V. Milanesi, Para uma
interpretação de Cyro dos Anjos, de 1988.
Em se tratando das pesquisas referentes ao Estado do Rio de Janeiro,
vale lembrar o primeiro trabalho realizado sobre O amanuense Belmiro,
de 1976, de autoria de Maria Raquel Abreu Lima e Pereira, Retórica e
Verdade in O amanuense Belmiro; de Dulce Maria Viana Póvoa, A
consciência trágica: reflexões sobre o intelectual personagem, de 1983,
ambas concluídas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro; pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a dissertação de
mestrado de Maria Helena Miscow Mendonça, A presença machadiana na
ficção de Cyro dos Anjos, de 1993, e a tese de doutorado de Idemburgo
Pereira Frazão Félix, Burocracia como imaginação: três momentos da
Literatura Brasileira e suas fronteiras, de 1999; pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, a pesquisa de mestrado de Idemburgo
Pereira Frazão Félix, Entrelinhas: a ficção de Cyro dos Anjos, concluída
em 1994.
Pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a dissertação de
mestrado de Eunice Terezinha Piazza Gai, O problema faústico:
metamorfose e significação (uma análise do problema faústico no
contexto da literatura ocidental, enfatizando o romance de Cyro dos
Anjos, O amanuense Belmiro), de 1986; pela Universidade Federal do
Paraná, o trabalho de mestrado de Marcelo Barbosa Alcaraz, O
amanuense indeciso: diário da vida mínima, de 2001; concluída em
1980, a dissertação de mestrado de Cleusa Ferreira Marândola, A
recepção da literatura: Teoria e Prática da Estética da Recepção,
realizada pela Universidade de Brasília; e, finalmente, pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, a pesquisa de mestrado de Hugo
de Lara, de 1997, A modernidade atropela o bonde: análise espaçotemporal do Amanuense Belmiro.
Um outro instrumento para medir a temperatura do reconhecimento de
Cyro dos Anjos na ficção brasileira, são os dicionários de Literatura
Brasileira. Eles dão ao escritor compilado um sentido de permanência,
pois a inclusão determina a sua perenidade. Nos dicionários pouco
importa o vigor de uma ou outra corrente ficcional, ou a importância
maior ou menor de determinado autor, todos estão colocados lado a
lado.
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Dos dicionários consultadosviii apenas um deles teve como entrada o
título do romance de estréia de Cyro (PONTES, s.d., p. 66), já o restante
apresentou o autor pelo seu próprio nome - Anjos, Ciro dos. A maioria
dos verbetes traz informações sobre a sua biografia, os livros e o ano de
publicação de cada um deles, assim como considerações a respeito de
sua obra, sobretudo dos romances, O amanuense Belmiro (1937),
Abdias (1945) e Montanha (1956). Dentre os que se encontram neste
grupo, ganha destaque o verbete de Raimundo Menezes (1969, p.105106), que transcreve um trecho do ensaio crítico de Antonio Candido,
“Estratégia”, o mais citado dentre os textos sobre O amanuense
Belmiro. Num segundo grupo, apenas as suas obras foram
consideradas. É o caso do Dicionário Crítico do Moderno Romance
Brasileiro (1970), de Pedro Américo Maia, que dá destaque aos seus três
únicos romances; e do Dicionário Universal de Literatura, de Henrique
Perdigão (1940), que apresenta apenas o primeiro romance do escritor
mineiro - nada estranho, pois o segundo romance só seria publicado em
1945, cinco anos depois da conclusão da pesquisa de Perdigão.
Importante também ressaltar que todos os dicionaristas oferecem uma
bibliografia do escritor, exceto Henrique Perdigão.
Um dos canais de visibilidade que também dá a medida do prestígio de
Cyro dos Anjos, muito embora esteja restrito ao seu estado natal, é o
“Acervo dos Escritores Mineiros”. Este acervo faz parte de um projeto
integrado de pesquisa, vinculado ao Centro de Estudos Literários (CEL),
criado em agosto de 1989, um Núcleo de Estudos da Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Este Projeto
Integrado de Pesquisa possui como finalidade primeira organizar e
preservar o acervo bibliográfico e documental dos escritores Henriqueta
Lisboa (1901-1985), Oswaldo França Júnior (1936-1989), Abgar Renault
(1901-1995) e Cyro dos Anjos (1906-1994). Em cada um desses
acervos recriou-se o ambiente de trabalho dos escritores (com menos
fidedignidade o ambiente de Henriqueta que, solteira, fazia de todos os
cômodos lugar de trabalho), cujo acervo foi doado por suas famílias. Há
ainda as coleções de Alexandre Eulálio (1932-1988), Aníbal Machado
(1894-1975), Ana Hatherley (1929), José Oswaldo de Araújo (18871975), Valmiki Villela Guimarães (1934) e Genevieve Naylor (19151989).
No acervo de Cyro dos Anjos há uma coleção bibliográfica com
aproximadamente 2629 documentos, entre cartas, fotografias, quadros,
mobiliário e livros de gêneros diversosix. Vale destacar que em breve, a
correspondência trocada com Carlos Drummond de Andrade, no período
de 1931 a 1989, será editada por Wander Melo Miranda. Além da
correspondência, há cartões, telegramas, envelopes, bilhetes pessoais e
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ainda um poema inédito de duas folhas, manuscritas, composto por
Drummond e dedicado a Cyro dos Anjos; não possui título.
Surpreendente foi lá encontrar o seu retrato pintado a óleo por Delfino
Júnior. A história deste quadro está relacionada à sua estréia nas letras.
Por conta da mais viva repercussão de O amanuense Belmiro no meio
literário brasileiro, seus amigos quiseram homenageá-lo, oferecendo-lhe
o seu retrato. A entrega do quadro foi realizada no dia 8 de dezembro
de 1937, na redação do Folha de Minasx. Surpreendente foi também se
deparar com o seu fardão, vestimenta usada nas reuniões dos membros
da Academia Brasileira de Letras, de cuja instituição passou a fazer
parte no ano de 1969, em substituição à vaga deixada por Manuel
Bandeira.
Se para os parâmetros das letras nacionais as edições de O amanuense
Belmiro para vários países como México (1954), Itália (1955), Portugal
(1955), França (1988) e Inglaterra (1988) já é incomum, mais incomum
ainda é se deparar com um documentário, cujo fio condutor é
acompanhar a vida e a obra de Cyro dos Anjos. Concluído em 2003, O
amanuense e os grafômanos tem como cenário o cotidiano e a evolução
de Belo Horizonte em seus primeiros 50 anos (1897-1947). Ao mesmo
tempo, o filme retrata a primeira geração de escritores modernistas de
Minas Gerais, entre eles Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura,
Abgar Renault, Pedro Nava, João Alphonsus e Cyro dos Anjos.
Gravado em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o documentário conta
com o depoimento de vinte e três especialistas das mais diversas áreas,
como a literatura, a história, o jornalismo, a arquitetura e a sociologia.
Destacam-se os poetas Affonso Romano de Sant’anna, Alphonsus de
Guimaraens Filho, os escritores Rui Mourão, Humberto Werneck e Alaíde
Lisboa; e os críticos Fábio Lucas, Fernando Correia Dias, Reinaldo
Marques, além dos depoimentos de Cyro dos Anjos, Pedro Nava e Abgar
Renault.
À primeira vista poderia então se supor que a presença reduzida de Cyro
dos Anjos e suas obras ficcionais nas Histórias da Literatura, em
comparação aos escritores denominados “sociais”, estaria relacionado
ao fato do autor mineiro fazer parte de uma geração menos prestigiada.
Mas não é isso que as reedições do seu primeiro romance, por exemplo,
demonstram, nem a Universidade, quem vem a cada ano se debruçando
mais e mais sobre a sua produção ficcional.
Embora não seja fácil explicar o prestígio ou não de um autor como Cyro
dos Anjos, o fato é que tomar as histórias da literatura brasileira como o
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único termômetro de consagração, pode trazer equívocos para aqueles
estudiosos que somente têm estas páginas como guia.
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Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
SUSSEKIND, Flora. Tal Brasil, qual romance? Rio de Janeiro:
Achiamé, 1984.
www.interletras.com.br – v. 2, n. 4 – jan./jun. 2006
* Doutora pela Universidade Estadual Paulista, campus de Assis; Professora de
Literatura Brasileira da Fundação Dracenense de Educação e Cultura (FUNDEC).
i
A primeira edição, a de 1937, recebeu a marca da Sociedade Editora Amigos do Livro,
uma espécie de co-editora, com número limitado de sócios, cujas edições eram pagas
pelos próprios autores. A primeira tiragem foi muito restrita, apenas mil e quinhentos
exemplares, quinhentos dos quais o autor enviou para José Olympio, no Rio de
Janeiro, distribuir.
ii
Estas informações advêm da minha pesquisa de Mestrado intitulada A estréia do
amanuense Belmiro: a fortuna crítica de O amanuense Belmiro em 1937, concluída em
2000, pela Universidade Estadual Paulista, UNESP/Assis.
iii
No estudo da recepção crítica de O amanuense Belmiro, em 1937, mais
especificamente nos meses de outubro, novembro e dezembro, constatei que dos
quarenta e oito artigos analisados, vinte e dois deles sugeriram a aproximação do
escritor mineiro com Machado de Assis. Vale lembrar que outros autores foram
lembrados. Dentre os estrangeiros, Alfredo Panzini, Pérez de Ayala, Jules Renard,
George Duhamel, Amiel e Marcel Proust; entre os brasileiros, também Graciliano
Ramos.
iv
Informação concedida por João Carlos dos Anjos, filho de Cyro dos Anjos.
v
Na época em que eu buscava localizar os trabalhos acadêmicos, descobri duas
pesquisas que ainda estavam em andamento. Sob orientação da profa. Constância
Lima Duarte, Maria Rosilva Santos Ferreira dava prosseguimento a uma pesquisa
intitulada Cyro dos Anjos: vida literária; já Rosana Maria Simões, sob orientação do
prof. Murilo Marcondes Moura, debruçava-se especificamente sobre O Amanuense
Belmiro, Sobre O amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos; ambas as pesquisas pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
vi
Pesquisa posteriormente editada pela EDIPUCRS, Porto Alegre, em 1999.
vii
Pesquisa posteriormente editada pela Editora AnnaBlume, São Paulo, em 2005.
viii
Foram consultados os dicionários de: LUFT, Celso Pedro. Literatura Portuguesa e
Brasileira. Porto Alegre: Ed. Globo, s.d.; PAES, José Paulo & MOISÉS, Massaud.
Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, s.d.; PONTES, J.M.
Ferreira. Dicionário Antológico das Literaturas Brasileiras e Portuguesa. São Paulo: Ed.
Formar, s.d.; PERDIGÃO, Henrique. Dicionário Universal. Porto: Ed. Latina, 1940;
MENESES, Raimundo. Dicionário Literário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1969; MAIA,
Pedro Américo. Dicionário Crítico do Moderno Romance Brasileiro. Belo Horizonte:
Grupo Gente Nova, 1970; BRASIL, Assis. Dicionário Prático de Literatura Brasileira. Rio
de Janeiro: Ediouro, 1979; COELHO, Jacinto do Prado. Dicionário de Literatura. Porto:
Mário Figueirinhas Editora, 1994; COUTINHO, Afrânio & SOUSA, J. Galante de.
Enciclopédia de Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Global, 2001.
ix
Do acervo dos Escritores Mineiros nenhum documento foi aqui utilizado, em virtude
da sua recepção crítica estar toda concentrada na Casa de Rui Barbosa, no Rio de
Janeiro.
x
Este acontecimento foi noticiado pelo jornal Folha de Minas e pelo O Diário, ambos no
dia 9 de dezembro e ambos de autor anônimo.
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A estria de Cyro dos Anjos na Literatura Brasileira com O