objetivos
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AULA
Junções celulares 1:
Junções ocludentes
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
• Reconhecer a importância e a necessidade
da formação de junções entre as células.
• Entender o papel das junções oclusivas (tight)
para separação de compartimentos e formação
de domínios de membrana.
• Transporte paracelular e transcelular.
Pré-requisitos
Aulas 7, 8, 9 e 12 (Biologia Celular I).
Biologia Celular II | Junções celulares 1: Junções ocludentes
INTRODUÇÃO
Os organismos pluricelulares não são simples aglomerados de células
coladas umas às outras. Neles, as células se organizam em tecidos e
estes em órgãos. Duas “soluções” foram desenvolvidas para manter
as células de um tecido “coladas” (Figura 5.1): a primeira está bem
representada nos tecidos epiteliais, em que as células se encontram
justapostas e quase não há espaço entre elas; essas células permanecem
unidas graças a junções existentes entre elas ou entre uma célula e a
lâmina basal. No outro extremo está o tecido conjuntivo, no qual as
células estão esparsamente distribuídas, havendo entre elas uma matriz
rica em polímeros fibrosos que sustenta o tecido, a matriz extracelular,
que será abordada em outra aula.
Luz do tubo digestivo
Epitélio
Tecido conjuntivo
Figura 5.1: Ao formar um epitélio, como o do tubo digestivo, as células permanecem
justapostas com pouco ou nenhum espaço entre elas, formando uma superfície
contínua. Nos tecidos conjuntivos, localizados abaixo do epitélio, as células se
apresentam dispersas em uma matriz extracelular, secretada por elas mesmas.
O QUE SÃO JUNÇÕES
Num epitélio, o espaço entre as células vizinhas precisa estar
bem selado, impedindo que o fluido extracelular extravase. Também é
importante que a união entre essas células suporte tensões sem se romper.
Por último, já que as células de um tecido atuam de modo integrado, é
importante que haja comunicação e cooperação metabólica entre elas.
As junções celulares são áreas especializadas da membrana plasmática
que são classificadas em três grupos, de acordo com a função que
desempenham: junções ocludentes, junções aderentes ou de ancoragem e
junções comunicantes.
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AULA
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Junções, como e por quê?
Os epitélios, que revestem os diversos órgãos, e os endotélios, que revestem a parede dos
vasos sanguíneos, são os melhores modelos para estudo dessas junções. Por quê? Porque
as células que constituem esses tecidos dependem das junções aderentes para se manterem
unidas umas às outras. Da mesma forma, cabe aos epitélios formar um revestimento contínuo,
impedindo o vazamento de substâncias e fluidos do meio extracelular para o intracelular e
vice-versa. Essa função é desempenhada pelas junções ocludentes ou oclusivas. Finalmente,
o bom funcionamento de um tecido depende da cooperação e sincronia entre as células que
o constituem, sendo, portanto, necessária a comunicação entre elas. Essa comunicação se dá
pelas junções comunicantes.
JUNÇÕES OCLUDENTES
Nesta aula, vamos nos deter no estudo das junções ocludentes,
também chamadas tight (apertadas, em inglês). Quando determinadas
substâncias eletrondensas (que barram a passagem do feixe de elétrons
do microscópio eletrônico) eram injetadas na superfície basal de um
epitélio, observava-se que o corante penetrava por entre as células até
determinado ponto. Nessa região, a distância entre as membranas das
duas células era menor, o que poderia explicar a barreira à passagem do
corante (Figura 5.2). Quando o corante era injetado na superfície apical
do epitélio, ele descia até o mesmo ponto e também ficava retido, ou
seja, as junções tight formavam em torno das células um cinturão que
impedia o vazamento de fluidos e solutos entre elas. É muito importante
que a passagem de substâncias por entre as células seja barrada, pois isso,
a princípio, obriga praticamente todas as substâncias presentes no tubo
digestivo a passar pelo processo seletivo de permeabilidade da bicamada
lipídica, ou pelas proteínas transportadoras (Aulas 7 a 12 de Biologia
Celular I). Essa passagem de substâncias através das células é chamada
transporte transcelular, enquanto a passagem por entre as células tem o
nome de transporte paracelular.
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Biologia Celular II | Junções celulares 1: Junções ocludentes
Lúmen
(a)
(b)
0,5 µm
0,5 µm
Figura 5.2: (a) As junções ocludentes formam um cinturão que impede a passagem de substâncias por entre as células. Em (b) vemos duas micrografias
eletrônicas mostrando que não importa se a substância é injetada na parte apical ou na basal do epitélio, a junção ocludente forma um cinturão que impede
o seu extravasamento para o outro lado do epitélio. (Fotos: Daniel Friend)
Quando as células puderam ser observadas pela técnica da criofratura (Aula 3 de Biologia Celular I), ficou mais fácil entender como as
junções ocludentes se organizavam e funcionavam. Na região onde as
membranas de duas células vizinhas se aproximavam, existem proteínas
transmembrana que formam verdadeiros labirintos em ambas, entrecruzando-se e formando uma espécie de costura entre as duas membranas,
o que impede a passagem de substâncias nesses pontos (Figura 5.3).
(a)
(b)
Figura 5.3: Em (a), uma imagem da membrana de uma célula epitelial onde se vêem
as microvilosidades da porção apical e as linhas formadas pelas partículas intramem branosas que selam o espaço entre duas células, conforme esquematizado em (b).
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AS JUNÇÕES OCLUDENTES CONSTITUEM UMA BARREIRA
À FLUIDEZ DE PROTEÍNAS DA MEMBRANA
As proteínas que formam as junções de oclusão, por estarem ligadas umas às outras, formando fileiras, e a proteínas correspondentes na
membrana da célula adjacente (Figura 5.4), não apenas não se movem
livremente no plano da bicamada lipídica em que se inserem como também não permitem que proteínas inseridas na porção apical da membrana
plasmática passem para a porção basolateral da célula, e vice-versa.
Membranas das duas células
adjacentes
Espaço intercelular
0.6 µm
Cadeias de proteínas
formando a junção
Citoplasma da célula 1
Citoplasma da célula 2
Figura 5.4: As proteínas que formam a junção de oclusão formam cadeias que se ligam
a cadeias semelhantes na membrana adjacente. Isso limita a mobilidade dessas proteínas
no plano da membrana e também impede que outras proteínas ultrapassem essa barreira.
Assim, as junções ocludentes formam uma barreira na
membrana plasmática. As porções de membrana (apical e basolateral)
que ficam separadas por essa barreira constituem diferentes domínios
da membrana (Figura 5.5).
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Superfície apical
Glicose
Simporte de Na+ e glicose
Figura 5.5: As junções de oclusão impe-
Junção ocludente
dem o livre movimento de proteínas
Glicose
entre a porção apical e a basolateral
da membrana plasmática. Com isso, os
transportadores de Na+-glicose ficam restritos à porção apical e o uniporte de glicose à
Uniporte de glicose
porção basolateral, criando dois domínios
Porção basolateral
distintos na membrana desse tipo celular.
Glicose
Sangue
Você deve estar achando a Figura 5.5 familiar, e tem razão! Quando estudamos transporte através da membrana (Aulas 8 a 12 de Biologia
Celular I), vimos que o transporte de glicose na porção basolateral do
epitélio intestinal era feito por uniporte e na porção apical por simporte
com o sódio. Sugerimos que você volte a consultar essas aulas para reforçar como é fundamental para o correto funcionamento do organismo
que esses dois domínios de membrana sejam mantidos.
Não são apenas os transportadores de glicose que tornam
diferentes os dois domínios de membrana do epitélio intestinal, outras
proteínas também se distribuem de maneira diferente e, como você pode
observar nos esquemas e micrografias, apenas a superfície apical possui
microvilosidades. O fenômeno de uma célula como a epitelial apresentar
diferenças entre uma região e outra é chamado polarização tecidual,
e essas células são ditas polarizadas.
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QUE PROTEÍNAS EXISTEM NAS JUNÇÕES DE OCLUSÃO?
Até o presente momento, já foram caracterizados três tipos de
proteínas formando as junções de oclusão: as claudinas, as ocludinas
e as moléculas de adesão juncional – JAM. Pouco se conhece sobre as
funções das moléculas JAM.
As claudinas são suficientes e altamente necessárias para a
formação das junções tight e constituem uma família de mais de 20
proteínas. A claudina-5, por exemplo, é predominantemente expressa
em junções tight de células endoteliais. Contudo, a maioria dos órgãos
e tecidos possuem junções tight apresentando mais de um tipo de
claudinas que podem interagir com claudinas da célula vizinha de forma
homofílica (interação entre claudinas do mesmo tipo) e algumas claudinas
podem realizar adesões heterofílicas (interação entre claudinas de tipos
diferentes). Essa heterogeneidade de claudinas expressas em diferentes
tecidos é responsável pela diferença de permeabilidade e seletividade
paracelular dos diferentes órgãos e tecidos (Figura 5.6).
Já as ocludinas não possuem um papel tão fundamental para a
formação das junções tight como as claudinas. Estudos realizados até
o momento classificam as ocludinas como componentes facultativos
das junções tight, uma vez que a sua deleção ou ausência em algumas
junções tight não interferiram nem com a formação, nem com a função
da barreira. As ocludinas são capazes de realizar somente a interação
homofílica com ocludinas da célula vizinha (Figura 5.6).
Claudinas em interação
heterofílica
Ocludinas
Célula 1
Célula 2
Claudinas em interação
homofílica
Figura 5.6: As claudinas e as ocludinas são as principais proteínas formadoras de junções de oclusão. Enquanto
duas claudinas de tipos diferentes podem se reconhecer e se ligar, apenas duas ocludinas idênticas se reconhecem.
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QUANDO A BARREIRA É ROMPIDA
As junções tight têm como principal papel fazer com que as células
epiteliais constituam um revestimento contínuo que limite dois ambientes.
É fácil entender isso quando pensamos no conteúdo do intestino e da
bexiga e quais as conseqüências para o resto do organismo se houver
vazamento (transporte paracelular) por entre as células para o interior
do organismo.
Entretanto, as células do epitélio intestinal são capazes de abrir
transitoriamente as suas junções oclusivas. Isso permite a rápida absorção
(via transporte paracelular) de uma grande quantidade de aminoácidos
e monossacarídeos recém-digeridos. Nesse momento, o gradiente de
concentração favorece a entrada dessas substâncias (Figura 5.7). Isso
demonstra que:
1. essa barreira é variável e fisiologicamente regulada;
2. é importante que existam proteínas de oclusão diferentes em
diferentes tipos de epitélio, pois num tecido como o epitélio da bexiga a
passagem paracelular de conteúdo seria um enorme desastre.
Transcelular
Paracelular
Junção tight
Figura 5.7: Esquema das vias de transporte transcelular e paracelular. Este último,
quando acontece, sempre obedece ao gradiente de concentração das moléculas envolvidas.
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DOMÍNIOS E BARREIRAS EM OUTROS EPITÉLIOS
Outro exemplo que demonstra a importância da existência de diferentes domínios (apical e basolateral) nas células epiteliais são as células
pancreáticas (Figura 5.8). Essas células sintetizam e estocam em vesículas
secretórias enzimas digestivas (relembre a aula de retículo endoplasmático
e complexo de Golgi, da Biologia Celular I), que serão posteriormente
liberadas através da região apical da célula para dentro do lúmen pancreático (interior do pâncreas). Em contrapartida, a região basolateral
é responsável pela captação de nutrientes dos vasos sanguíneos para o
interior das células pancreáticas, bem como pela interação com os vários
hormônios que vão estimular a secreção dessas glândulas.
Vesículas de secreção
Superfície apical
Secreção
(a)
(b)
Superfície basolateral
Figura 5.8: Células que formam o epitélio de glândulas secretoras como o pâncreas e as glândulas
mamárias (a) também dependem da barreira formada pelas junções para garantir que a secreção se
dê sempre na superfície apical. Na porção basolateral, são realizadas outras funções, como a absorção de nutrientes e moléculas necessárias à síntese. Em (b), vemos uma dessas células em destaque.
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OCLUSÃO SIM, FORÇA NÃO
Embora sejam muito eficientes no sentido de não permitir a passagem de moléculas por entre as células, o cinturão de oclusão não confere
ao tecido resistência para suportar tensões. Assim, à medida que um
órgão como a bexiga fosse acumulando um volume maior (no caso de
urina) a tensão desse líquido sobre as paredes do epitélio poderia acabar
causando o rompimento das junções oclusivas. Isso não acontece porque,
entre outras razões, além das junções de oclusão, as células possuem
junções de adesão ou ancoragem, que conferem grande resistência à
tensão e deformação. Na próxima aula, elas e as junções comunicantes
serão nosso assunto.
RESUMO
• Em tecidos organizados, as células são conectadas através de junções
celulares, as quais são estruturas especializadas constituídas primariamente
por proteínas.
• Junções oclusivas ou tight selam a passagem de fluidos entre os dois lados
da camada celular e definem dois domínios na membrana plasmática: as
regiões apical e basolateral.
• A composição das junções tight ainda não está totalmente esclarecida.
Entretanto, duas proteínas descritas (claudinas e ocludinas) têm sido bastante
estudadas. Existem diferentes tipos de claudinas e ocludinas. Cada epitélio
apresenta um conjunto próprio dessas proteínas.
• As claudinas parecem ter papel fundamental para formação das junções
oclusivas, podem realizar ligações heterofílicas ou homofílicas, enquanto
as ocludinas só podem ligar-se com ocludinas do mesmo tipo (ligação
homofílica) entre células vizinhas.
• Cada domínio contém lipídios e proteínas únicas que são responsáveis
pelas funções especializadas de cada superfície celular, como as interações
com hormônios ou fusão com vesículas intracelulares que contêm
proteínas secretórias.
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EXERCÍCIOS
1. Quais são as duas formas básicas de associação entre células?
2. Quais os três tipos de junções celulares e qual a função básica de cada um?
3. Por que as junções de oclusão receberam os seguintes nomes:
Junção tight Cinturão de oclusão 4. Por que o cinturão de adesão forma uma barreira?
5. O que é um domínio de membrana?
6. Quais são as proteínas que formam a junção de oclusão?
7. O que é transporte transcelular? Exemplifique.
8. O que é transporte paracelular? Exemplifique uma situação em que ele ocorra.
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