Da experiência vivida à crítica escrita
Os saberes cotidianos e os seus sujeitos como parâmetros da produção textual e
reflexão dos fenômenos sociais
Alessandra Felix de Almeida
[email protected] / [email protected]
RESUMO: Trata-se de um projeto individual e autônomo, desenvolvido para produção
textual a partir de conversas e debates sobre conteúdos e experiências de vida dos
participantes, conforme orientações da metodologia Pesquisa-Ação, cujo objetivo é o da
transformação e resolução de problemas em uma forma de ação planejada de caráter
social. Nos últimos cinquenta anos os problemas da leitura, compreensão e escrita de
textos persistem na educação brasileira e têm sido diagnosticados através de dados e
estatísticas, no entanto a questão que se colocou foi como estas dificuldades se
apresentam e quais seriam suas consequências práticas. Uma vez que esta problemática
está colocada, é possível aceitá-la como um fato dado, portanto percebido como real, de
modo que a dificuldade se apresentaria como parte da produção de textos, legitimando
distinções entre aqueles que sabem e dominam e os que não sabem e são dominados.
Assim, o objetivo do projeto foi o de trazer os participantes para dentro do processo de
produção textual, através de suas experiências vividas, apresentando que tais
experiências têm seus valores, pois estão inseridas na mesma sociedade, pode-se
assim, relacioná-las com os contextos sociais, políticos e econômicos, possibilitando um
pensamento crítico de si mesmo e do mundo em que vivem.
PALAVRAS-CHAVES: Produção textual. Desmistificação da escrita. Experiência vivida.
1. Introdução
Em 04/02/1962 foi apresentado pelo jornal O Estado de São Paulo, sob o título “A
escola média do século XX: um fato novo em busca de caminhos”, um dos principais
problemas da educação secundária como sendo “o da preparação de candidatos a
cursos superiores” (OESP, 1962), em 17/07/2012, foi publicado, pelo mesmo veículo, que
“No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente” (OESP,
2012) e em reportagem sobre o ENEM, um importante portal de notícias na web,
destacou, em 04/06/2012, que os “candidatos ainda têm dificuldade para entender tema
de redação” (UOL, 2012). Diante deste quadro, podemos entender que os problemas da
1
leitura e escrita persistem na educação brasileira, por pelo menos cinquenta anos, e que
as políticas públicas para a educação tiveram como objetivo o desenvolvimento dos
estudantes para o mercado de trabalho, no entanto as mesmas políticas públicas têm se
deparado com a ineficiência da educação de base (INAF, 2011: 3).
A problemática da educação, especificamente a produção textual, foi o ponto de
partida para a elaboração deste projeto, desenvolvido na Vila Brasilândia, e orientado
pela questão da dificuldade em redigir textos como um fato dado. De modo que a
proposta deste projeto, sob a perspectiva metodológica da Pesquisa-Ação, foi a de
desmitificar a produção de textos, colocando os participantes como protagonistas da
produção textual, assim como o são do mundo que constroem socialmente (NOGUEIRA
e MESSARI, 2005: 163) e apresentando suas qualidades sensoriais como vinculadas a
todo processo da vida social (HORKHEIMER, 1983: 133).
Os temas dos textos produzidos tiveram como fonte a vivência dos participantes,
a fim de demonstrar que a leitura do mundo se coloca como um passo anterior ao da
leitura e da escrita (FREIRE, 2011: 109), entendendo que a dificuldade, colocada como
um fato dado, acaba por legitimar distinções entre aqueles que sabem e dominam e os
que não sabem e são dominados (BOURDIEU, 2010: 10) e que a reflexão livre de
pressupostos
dominantes,
efetiva
a
essência
do
pensamento
que
é pensar
(HORKHEIMER, 1983: 145).
2. A construção da verdade em ação
“Último dia de prova tem a temida redação1” é o título de uma matéria da Revista
Veja, publicada no dia 04/11/2012, em referência ao Exame Nacional do Ensino Médio.
Flávio Villaça (1999) em seu estudo sobre os “Efeitos do espaço sobre o social na
metrópole brasileira” nos apresenta o desenvolvimento de uma ideologia2 para a
dominação do espaço público, nos mostra ainda que “o real não é fácil e diretamente
observável pelos nossos sentidos [...] surgem então diferentes versões sobre o real”
(VILLAÇA, 1999: 231). Em seu trabalho, o autor aponta algumas versões do real, como a
ligada à naturalização dos processos sociais, como por exemplo, “a miséria do nordeste é
decorrência do clima” (VILLAÇA, 1999: 231). O estudo de Villaça (1999) percorre os
1
Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2012-ultima-dia-de-prova-tem-atemida-redacao>. Acesso em 10/11/2012.
2 É aquela versão da realidade social desenvolvida pela classe dominante, tendo em vista facilitar
a dominação, tornando-a aceitável pelos dominados. Essa versão tende a esconder dos homens o
modo real como as relações sociais são produzidas. Por meio da ideologia os homens legitimam
as condições sociais de exploração e dominação, fazendo que estas pareçam verdadeiras e justas
(VILLAÇA, 1999: 231).
2
veículos de comunicação, especificamente os jornais e as revistas de grande circulação,
a fim de apresentar como as notícias são construídas e para onde está direcionada a
atenção da imprensa3. O tema de Villaça (1999) é o espaço urbano, no entanto, podemos
utilizar o seu método para analisar como as versões do real também são desenvolvidas
na área da educação.
Em 04/02/1962 foi apresentado pelo jornal O Estado de São Paulo, sob o título “A
escola média do século XX: um fato novo em busca de caminhos”, um dos principais
problemas da educação secundária como sendo “o da preparação de candidatos a
cursos superiores” (OESP, 1962), em 17/07/2012, foi publicado, pelo mesmo veículo, que
“No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente” (OESP,
2012) e em reportagem sobre o ENEM, um importante portal de notícias na web,
destacou, em 04/06/2012, que os “candidatos ainda têm dificuldade para entender tema
de redação” (UOL, 2012). Podemos perceber, ainda que à primeira vista, que a educação
tem sido apresentada mais como um problema do que uma solução ou menos ainda,
como parte integrante do direito civil4, um dos três elementos do conceito de cidadania
previsto por T.H. Marshall (1967).
O presente trabalho aborda a questão da produção textual, neste sentido foi
realizada uma breve pesquisa nos meios de comunicação quanto às notícias veiculadas
que fizessem referência ao último Exame Nacional do Ensino Médio, realizado nos dias
03 e 04/11/2012, que citassem as palavras “redação” e “ENEM”, temos assim os
seguintes resultados publicados no dia 04/11/20125:
A Redação foi ou provocou
Termo utilizado
Valor
Difícil
Temor
Surpresa
Fácil ou recebeu elogios
Preocupação
Desafio
Complicada
27%
14%
14%
14%
13%
9%
9%
3
Sua pesquisa demonstrou que a região de concentração das camadas de alta renda, que
representa 15,90% dos domicílios da área pesquisada, recebeu 74,66% da atenção da imprensa
(VILLAÇA, 1999: 233).
4
Nos termos de T. H. Marshall (1967) a educação estaria diretamente relacionada com a
cidadania, sendo um pré-requisito para a liberdade civil. O elemento civil, para o referido autor, é
uma das três partes do conceito de cidadania, sendo representado pela “liberdade de ir e vir,
liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o
direito à justiça” (MARSHALL, 1967, p. 63)
5
Tabela de Dados: Anexo I
3
Diante destes dados podemos afirmar que as redações foram referenciadas de
maneira negativa em 86% das matérias publicadas. Se as redações são, na “realidade”,
fáceis ou difíceis, este não foi o argumento de elaboração deste trabalho, mas sim a
questão da dificuldade em redigir colocada como um fato dado e propagada graças à
legitimidade dos veículos de comunicação. Também não foi objeto deste trabalho a
análise dos objetivos da mídia, quanto à possibilidade de divulgar uma ideologia, mas sim
como as notícias superficiais orientam a construção de verdades que podem impactar
nas atitudes dos leitores e ouvintes. Podemos entender que diante destas colocações as
produções de texto ganhem uma complexidade além do que de fato teriam. Se “a miséria
do nordeste é decorrente do clima”, do que decorreria a dificuldade para a elaboração de
um texto?
3. O “saber de experiência feito”
Do ponto de vista de que todas as pessoas partilham do mesmo mundo, embora
com visões e referenciais diferentes, é possível considerar que estas mesmas pessoas
têm algo a contar, ensinar e aprender, seja em suas relações cotidianas ou na produção
de um texto. Paulo Freire (2011) procurou
introduzir a troca fecunda de saberes, do popular com o científico.
Deixou claro que somente um ignorante pode considerar o povo
ignorante. Pois ele é um produtor de sentido, de visão de mundo, de
valores além dos frutos de seu trabalho (FREIRE, 2011: 10).
Procurando responder à pergunta: do que decorreria a dificuldade para a
elaboração de um texto? Foi considerado que em oposição à dificuldade haveria a
facilidade. Conforme exposto, o termo dificuldade (ou associações negativas à redação) é
consideravelmente superior ao termo facilidade no que tange à produção de redações.
Assim, podemos começar a reelaborar a pergunta acima da seguinte forma: Do que
decorreria a facilidade para a elaboração de textos por uma pequena parcela das
pessoas? Neste sentido, sabe-se, através do pensamento de Pierre Bourdieu (2010), que
as ideologias correspondem a interesses particulares que procuram representar
interesses universais – aqui, verdades universais –, que tendem a desmobilizar as
classes dominadas. Uma vez que não haveria o que fazer diante de verdades universais,
as distinções entre os grupos legitimar-se-iam e seriam estabelecidas hierarquias
(BOURDIEU, 2010: 10), em que estariam os que sabem (produzem textos com
facilidade) e dominam e aqueles que não sabem (têm dificuldades para produzir textos) e
são dominados.
4
Considerando que os dominados seriam representados, nos termos de Paulo
Freire (2010), pelo povo e que estes produzem sentido, têm seus valores e visões de
mundo, poderíamos sugerir, assim, que a ideologia colocada também hierarquiza estes
sentidos, valores e visões. Sendo assim, conforme ensina Horkheimer (1983), as
qualidades sensoriais dos homens estão intrinsecamente vinculadas a todo processo da
vida social, porém os fatos que os sentidos fornecem aos indivíduos são pré-formatados,
não são naturais, são ensinados, tornando os homens receptivos, passivos e
inautênticos. O indivíduo normalmente aceita as determinações pré-estabelecidas e vive
de maneira a reforçá-las (HORKHEIMER, 1983: 133, 135), portanto a produção textual
baseada nas experiências dos participantes poderia reverter este quadro de passividade
diante dos fatos pré-formatados.
Uma vez que todos compartilham do mesmo mundo, podemos entender que
todas as pessoas são sujeitos da história, ou no limite, de suas histórias que têm em si o
seu “saber de experiência feito” (FREIRE, 2011: 39) e estes poderiam ser utilizados na
produção textual, proporcionando uma reflexão livre de pressupostos dominantes,
efetivando a essência do pensamento que é pensar (HORKHEIMER, 1983: 145).
A hipótese para o desenvolvimento deste trabalho, procurando responder à
pergunta: do que decorreria a dificuldade para a elaboração de um texto? Foi que a
dificuldade estaria na não utilização dos saberes cotidianos, tidos como menores, como
referência para a produção textual.
4. O Desenvolvimento
Foi realizada uma pesquisa exploratória em dezembro de 2011 junto a alguns
adolescentes moradores da região da Vila Brasilândia. A pergunta de partida foi: Vocês
têm dificuldades para fazer uma redação? Todas as respostas foram positivas. A
segunda pergunta foi: Vocês gostariam de participar de uma oficina de produção de
textos? As respostas foram igualmente positivas e entusiasmadas.
A premissa para a elaboração deste projeto foi a utilização do “conteúdo” de cada
participante para a geração de temas para as redações, procurando relacionar as
experiências vividas com o contexto social, a fim de realizar análises e aprofundar os
temas, cujo resultado final seria o pensamento crítico sobre as suas realidades. O
objetivo do projeto foi o de trazer os participantes para dentro do processo de produção
textual, tornando-os parte dele e não tomar a dificuldade como um fator intrinsicamente
relacionado com a referida produção.
5
A metodologia utilizada foi a Pesquisa-Ação, cujo objetivo é o da transformação e
resolução de problemas com a participação conjunta do pesquisador e dos pesquisados,
em uma forma de ação planejada de caráter social. Esta metodologia permite um meio
eficaz para responder aos problemas da situação vivida, buscando soluções para
problemas reais onde todos os participantes do processo tenham voz e vez. A PesquisaAção, sem reduzir a reflexão teórica, opera principalmente como pesquisa aplicada
(THIOLLENT, 1986: 7,8, 73). Esta metodologia, aplicada à área de educação, justifica-se
na
constatação de uma desilusão para com a metodologia convencional,
cujos resultados, apesar de sua aparente precisão, estão muito
afastados dos problemas urgentes da situação atual da educação. Por
necessárias que sejam, revelam-se insuficientes muitas das pesquisas
que se limitam a uma simples descrição da situação ou a uma avaliação
de rendimentos escolares [...]. Dentro de uma concepção do
conhecimento que seja também ação, podemos conceber e planejar
pesquisas cujos objetivos não se limitem à descrição ou avaliação da
reconstrução do sistema de ensino, não basta descrever e avaliar.
Precisamos produzir ideias que antecipem o real ou que delineiem um
ideal (THIOLLENT, 1986: 74,75).
5. Vivência
Em uma sala de aula da Escola Estadual Professor Crispim de Oliveira, localizada
no Jardim Carumbé – Vila Brasilândia, foram realizados nove encontros quinzenais, aos
sábados, totalizando vinte e sete horas, com uma média de nove alunos por turma, com
idades entre onze e cinquenta e três anos. O objetivo, apresentado em todos os
encontros, era de que ao final de cada debate fosse produzida uma dissertação crítica.
Assim, em todos eles foi apresentada a estrutura da dissertação (introdução,
desenvolvimento, conclusão) no entanto, trazendo esta estrutura técnica para uma
linguagem mais próxima da fala, procurando enfatizar que em qualquer conversa
cotidiana lançamos mão de alguma estrutura, ou seja, quando contamos uma história,
seja qual for, fazemos uma introdução (apresentamos o tema), desenvolvemos
(detalhamos o tema) e concluímos (esboçamos alguma opinião) e foi nesta dinâmica que
os encontros ocorreram de forma a desmistificar a produção de um texto, colocando-o
como parte integrante, ainda que de forma subjetiva, no dia-a-dia da comunicação entre
as pessoas.
Sentávamos em forma de círculo e era sugerido pela ajudante (pesquisadora) que
os participantes relatassem um acontecimento importante ocorrido naquela semana
(houve também a utilização de fotos e jornais), destes era escolhido, por votação, o mais
interessante. A partir da escolha do acontecimento, a ajudante pedia para que os
6
participantes dissessem palavras relacionadas com o que foi relatado. Todas as palavras
eram escritas na lousa e quando se esgotavam todas as possibilidades de palavras,
passávamos a sublinhar as mais importantes. Sobravam, em média cinco palavras e com
estas conversávamos a fim de construir um tema.
Para a primeira construção do tema, houve certa dificuldade, pois os
acontecimentos pareciam ser um fim em si mesmos. Assim, desenvolvemos uma
analogia com um iceberg a partir do filme Titanic (1997), que todos haviam assistido,
essa analogia procurava mostrar que se o comandante do transatlântico tivesse noção do
tamanho do bloco de gelo que sustentava a pequena ponta aparente, provavelmente, o
naufrágio não teria ocorrido, ou seja, procurávamos analisar os fatores que sustentavam
o tema oriundo do acontecimento narrado, refletindo sobre as questões que não
prestamos atenção no dia-a-dia, mas que uma vez analisadas, proporcionam um caráter
mais crítico aos acontecimentos, tornando tanto as conversas quanto os textos mais
interessantes e fundamentados. Essa analogia foi aceita por todos os participantes e
utilizada em todos os encontros, a chamada para a utilização da “teoria do iceberg” era:
O que vocês acham que está por baixo disso tudo que conversamos?
Depois de construído o tema, era sugerido que os participantes atribuíssem um
título a ele. Os títulos eram escritos na lousa, um deles era escolhido por votação e a
partir deste momento todos os participantes, inclusive a ajudante, começavam a produzir
os textos seguindo a estrutura da dissertação crítica.
6. As produções
A cada encontro a ajudante apresentava o que foi aprendido no encontro anterior,
com o objetivo de mostrar que já havíamos aprendido algo que poderia ser reutilizado
naquela nova produção textual, enfatizando que quando nos debruçamos sobre um tema
percebemos o quanto dele sabemos, mas não havíamos prestado atenção, pois talvez o
tratássemos como algo corriqueiro. Assim tivemos, por ordem de encontro, as seguintes
produções:
Encontro
Acontecimento
1º
Doença da
participante.
2º
3º
mãe
de
Tema
um
Título
A importância da mãe.
Preocupação de um filho
O pai de um participante não
pagou a pensão.
Abandono e violência
por parte do pai.
Você ainda faz falta
Um participante mudou de
residência onde também
funcionava uma ONG.
As regras dificultam a
nossa autonomia.
Refletindo
mesmos
sobre
nós
7
4º
Não houve relatos de
acontecimentos.
Os
participantes levaram fotos.
Tristezas e felicidades
da vida.
Superação e aprendizado
5º
Um participante fez teste
vocacional.
A responsabilidade do
trabalho.
Trabalho dá trabalho
6º
A mãe de um participante foi
atropelada por uma moto.
O reflexo das nossas
ações na vida do outro.
Responsabilidade sobre as
vidas
7º e 8º
Não houve relatos de
acontecimentos.
Os
participantes
levaram
matérias de jornais e a
escolhida foi “Professora é
acusada de punir alunas que
vão à escola6”
Problemas na área da
educação.
Consequências
do
despreparo do educador
9º
Não houve relatos de acontecimentos. Tratamos da finalização do projeto onde foram
apresentadas, pelos participantes, as impressões sobre nossas atividades.
Após a produção dos textos cada produtor fazia a leitura em voz alta, nos dois
primeiros encontros nenhum dos participantes quis ler, assim, a ajudante iniciou esta fase
do encontro, sendo que nos demais, os próprios participantes se candidatavam para
iniciar as leituras. Ao final do encontro conversávamos sobre o que foi lido e refletíamos
sobre o que cada texto mostrou de novo.
7. Análise dos Resultados
No mínimo, durante os últimos cinquenta anos os problemas da leitura e escrita
persistem entre os estudantes brasileiros, tal problema dificultaria o acesso ao ensino
superior e consequentemente ao mercado de trabalho qualificado. Temos políticas
públicas desenvolvidas sob a perspectiva da educação como um meio para o acesso à
vida profissional, no entanto, a perspectiva inicial que sugerimos é o posicionamento dos
indivíduos enquanto cidadãos críticos de si, sendo que leitura e escrita podem
representar o início de todo o desenvolvimento educacional, pois para o entendimento de
qualquer disciplina é necessário ler, interpretar e escrever. O presente trabalho partiu da
problemática descrita que, no referido período, nos apresenta dados, gráficos e
considerações construídos e elaborados a partir de métodos quantitativos. No entanto, a
questão colocada foi por que e como se dá a dificuldade em ler, interpretar e escrever
textos, tal dificuldade estaria exclusivamente relacionada a questões de renda7 ou cor8,
conforme descritos em dados estatísticos? Partimos do pressuposto de que haveria a
6
Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/saber/1091790-professora-e-acusada-de-puniralunas-que-nao-emendaram-feriado-em-sp.shtml>. Acesso em 13/11/2012.
7
Gráfico Níveis de alfabetismo da população de 15 a 64 anos segundo renda familiar: Anexo II
8
Tabela Escolaridade da população de 15 a 64 anos segundo cor/raça: Anexo III
8
construção de uma realidade, em que a dificuldade estaria dada no processo de
produção textual e o ponto de partida para o desenvolvimento deste projeto foi a
desmistificação desta suposta realidade.
Foi possível construir com os participantes a prática da escrita a partir dos
conteúdos de seus passados, presentes e perspectivas de futuro, mostrando que a
produção textual tem como ponto de partida o próprio produtor, todas as experiências
têm valor, pois estão inseridas em uma mesma sociedade, essas experiências são bases
concretas para a produção de textos, podem ser problematizadas pari passu, passando
de uma narração para uma crítica e uma revisão da realidade vivida. Temas, à primeira
vista, apresentados de maneira simples, passaram, a partir dos debates, a serem
implicados pelas conjunturas política, social e econômica, portanto nos dizendo algo que
não havíamos pensado, mostrando que somos capazes de elaborarmos os nossos
próprios pensamentos, sendo assim, o processo da construção de um texto, ou uma
redação, tornou-se mais acessível.
A questão principal que se colocou em todo o processo deste projeto foi o
exercício do pensamento, buscando os fatores que sustentam as nossas vivências
cotidianas, refletindo sobre aquilo que vemos de maneira superficial, problematizando
sobre nós mesmos, podendo assim problematizar o mundo em que vivemos e não o
assimilarmos de maneira dada. A desconstrução de ideologias norteadoras das nossas
ações se deu de maneira simples, embora não fácil. O desânimo nos rondou por diversas
vezes, mas conversamos, refletimos sobre esse desânimo e o problematizamos também.
Esta Pesquisa-Ação, realizada em um pequeno grupo, parece ter iniciado o
alcance de seu objetivo, ou seja, a transformação e a resolução de problemas pontuais.
Transformação no sentido de desmistificar a produção textual como algo ligado
necessariamente à dificuldade, não tomamos a referida produção como algo fácil, mas
como algo que demanda esforço de pensamento, repertório e reflexão crítica e estes
itens não são qualidades natas de uma ou outra pessoa, são processos e construções
que podem ser realizados por qualquer pessoa racional, não depende de cor, credo ou
classe social. Resolução de problemas no que diz respeito à ação da produção de texto
propriamente dita, exercendo a escrita sem temor ou preocupação.
Curiosamente os temas propostos nos encontros, tendo como ponto de partida os
próprios participantes, passaram por um processo de amadurecimento, começamos com
o tema mãe, que em tese é o nosso primeiro contato com o mundo, passamos pelo papel
da paternidade, sobre as regras que conduzem as nossas vidas, pela reflexão de nossas
experiências, pelo mundo do trabalho e o seu papel social, pela análise dos processos
9
individuais que impactam no coletivo e finalmente conseguimos analisar um fato
aparentemente exterior, fomos capazes de contextualizá-lo, desenvolvê-lo e abordá-lo de
maneira crítica.
A questão da dominação não foi debatida durante os encontros, ela foi sentida
como parte da fala dos participantes, como por exemplo, “eu não consigo escrever” ou
“eu não consigo pensar” e estes “não consigo” foram problematizados e questionados
pela ajudante quando perguntava: “por que você acha que não consegue?”. As respostas
iniciais eram “eu não sei”. Procurava-se debater que saber que não se sabe seria o
primeiro passo para o saber, o não saber não seria um fato dado, seria um fato provisório
assim como todas as instâncias da vida. Assim, discutíamos sobre a construção dos
saberes, considerando que estes não estão relacionados a um dom ou a uma relação
entre pessoas mais ou menos capacitadas, de modo que os saberes passaram a ser
entendidos como processos acessíveis e vividos por qualquer pessoa.
Em nenhum momento a dificuldade foi colocada como parte integrante da
produção de um texto, esta foi tratada como mais um forma de comunicação, assim como
a fala, lembrando que quando começamos a falar não discursamos de maneira
eloquente, começamos por balbuciar algumas sílabas e nem por isso nos calamos.
10
Referências Bibliográficas
ABREU, Jayme. A escola média do século XX: um novo fato em busca de caminhos.
Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 04/02/1962. 6º Caderno, p 115. Disponível em
http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19620204-26621-nac-0115-999-115not/busca/ensino+problemas. Acesso em 20/10/2012.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 14ª Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
CARRASCO, Luis & LENHARO, Mariana. No ensino superior, 38% dos alunos não
sabem ler e escrever plenamente. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo,
17/07/2012. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,no-ensinosuperior-38-dos-alunos-nao-sabem-ler-e-escrever-plenamente-,901250,0.htm. Acesso em
20/10/2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. 17ª Ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011.
HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, Walter,
HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor W., HABERMAS, Jürgen. Textos escolhidos.
(Col. Os Pensadores, Vo. XLVIII). São Paulo: Abril Cultural, 1983.
INAF BRASIL 2011 – INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL – PRINCIPAIS
INDICADORES. São Paulo: IBOPE Inteligência, 2011.
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
NOGUEIRA, João Pontes & MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais Correntes e Debates. Rio de Janeiro: Campus, 2005.
REVISTA VEJA. Enem 2012: último dia de prova tem a temida redação. Disponível
em http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2012-ultima-dia-de-prova-tem-atemida-redacao. Acesso em 10/11/2012.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 2ª Ed., São Paulo: Cortez, 1986.
UOL, Universo On Line. Candidatos ainda têm dificuldade para entender tema de
redação. Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/06/04/candidatosainda-tem-dificuldade-para-entender-tema-de-redacao-veja-o-que-o-enem-leva-em-contana-correcao-dos-textos.htm. Acesso em 20/10/2012.
11
Anexo I
Veículo
Gazeta do Sul
Título da Matéria
Redação é o que mais preocupa no Enem 2012
i
ii
Jornal A Cidade (Ribeirão Preto – SP)
Enem: redação é o maior desafio para alunos
Jornal A Tarde (Bahia)
Estudante diz estar preocupado com redação do Enem
iii
Jornal O Estado de São Paulo
Estudante diz estar preocupado com redação do Enem
iv
Jornal O Povo
Candidatos do Enem se dizem surpresos com tema da
v
redação em Fortaleza
Portal G1 (Globo)
Sergipanos consideram o tema da redação do Enem
vi
difícil
Portal G1 (Globo)
Candidatos consideram tema de redação 'fácil' em São
vii
Carlos, SP
Portal G1 (Globo)
No Rio, 2º dia de Enem foi mais 'fácil', mas redação
viii
surpreendeu estudantes
Portal G1 (Globo)
Primeiros a acabar Enem em Brasília elogiam tema da
redaçãoix
Portal G1 (Globo)
Alunos que fizeram Enem na UFSC acham complicado
tema de redaçãox
Portal G1 (Globo)
Em Brasília, candidatos do 2º dia do Enem dizem temer
xi
redação
Portal G1 (Globo)
Matemática e redação são desafios para o 2º dia do
xii
Enem, dizem alunos
Portal G1 (Globo)
Candidatos de Porto Velho apostam em boa redação na
2ª fase do Enem
Portal G1 (Globo)
Estudantes de BH acham redação do Enem mais difícil
xiii
que anteriores
Portal IG
Tema considerado difícil pode baixar notas da redação
xiv
no Enem
Portal R7 (Rede Record)
Tema de redação surpreende candidatos do Enem e
divide opiniões em BH e Brasília - Primeiros estudantes a
sair disseram estar preocupados com a correçãoxv
Portal Terra
Enem: primeiros a sair em Curitiba divergem sobre
dificuldade do testexvi
Portal Terra
Enem: primeira a sair, candidata desiste da redação no
xvii
Rio
Portal Terra
Enem: redação 'difícil' faz candidatos 'inventarem' no
xviii
RS
Portal Terra
Enem: tema da redação assusta e complica estudantes
xix
de BH
Portal Uol
Candidatos do Enem 2012 em Belo Horizonte dizem que
xx
"vilã" do dia é a redação
Revista Veja
Enem 2012: última dia de prova tem a temida redação
xxi
12
Anexo II
13
Anexo III
14
i
Disponível em http://www.gaz.com.br/noticia/376768redacao_e_o_que_mais_preocupa_no_enem_2012.html. Acesso em 10/11/2012.
ii
Disponível em http://www.jornalacidade.com.br/editorias/cidades/2012/11/03/enem-redacao-e-omaior-desafio-para-alunos.html. Acesso em 10/11/2012.
iii
Disponível em http://atarde.uol.com.br/brasil/materias/1465046-estudante-diz-estar-preocupadocom-redacao-do-enem. Acesso em 10/11/2012.
iv
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