Da experiência vivida à crítica escrita Os saberes cotidianos e os seus sujeitos como parâmetros da produção textual e reflexão dos fenômenos sociais Alessandra Felix de Almeida [email protected] / [email protected] RESUMO: Trata-se de um projeto individual e autônomo, desenvolvido para produção textual a partir de conversas e debates sobre conteúdos e experiências de vida dos participantes, conforme orientações da metodologia Pesquisa-Ação, cujo objetivo é o da transformação e resolução de problemas em uma forma de ação planejada de caráter social. Nos últimos cinquenta anos os problemas da leitura, compreensão e escrita de textos persistem na educação brasileira e têm sido diagnosticados através de dados e estatísticas, no entanto a questão que se colocou foi como estas dificuldades se apresentam e quais seriam suas consequências práticas. Uma vez que esta problemática está colocada, é possível aceitá-la como um fato dado, portanto percebido como real, de modo que a dificuldade se apresentaria como parte da produção de textos, legitimando distinções entre aqueles que sabem e dominam e os que não sabem e são dominados. Assim, o objetivo do projeto foi o de trazer os participantes para dentro do processo de produção textual, através de suas experiências vividas, apresentando que tais experiências têm seus valores, pois estão inseridas na mesma sociedade, pode-se assim, relacioná-las com os contextos sociais, políticos e econômicos, possibilitando um pensamento crítico de si mesmo e do mundo em que vivem. PALAVRAS-CHAVES: Produção textual. Desmistificação da escrita. Experiência vivida. 1. Introdução Em 04/02/1962 foi apresentado pelo jornal O Estado de São Paulo, sob o título “A escola média do século XX: um fato novo em busca de caminhos”, um dos principais problemas da educação secundária como sendo “o da preparação de candidatos a cursos superiores” (OESP, 1962), em 17/07/2012, foi publicado, pelo mesmo veículo, que “No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente” (OESP, 2012) e em reportagem sobre o ENEM, um importante portal de notícias na web, destacou, em 04/06/2012, que os “candidatos ainda têm dificuldade para entender tema de redação” (UOL, 2012). Diante deste quadro, podemos entender que os problemas da 1 leitura e escrita persistem na educação brasileira, por pelo menos cinquenta anos, e que as políticas públicas para a educação tiveram como objetivo o desenvolvimento dos estudantes para o mercado de trabalho, no entanto as mesmas políticas públicas têm se deparado com a ineficiência da educação de base (INAF, 2011: 3). A problemática da educação, especificamente a produção textual, foi o ponto de partida para a elaboração deste projeto, desenvolvido na Vila Brasilândia, e orientado pela questão da dificuldade em redigir textos como um fato dado. De modo que a proposta deste projeto, sob a perspectiva metodológica da Pesquisa-Ação, foi a de desmitificar a produção de textos, colocando os participantes como protagonistas da produção textual, assim como o são do mundo que constroem socialmente (NOGUEIRA e MESSARI, 2005: 163) e apresentando suas qualidades sensoriais como vinculadas a todo processo da vida social (HORKHEIMER, 1983: 133). Os temas dos textos produzidos tiveram como fonte a vivência dos participantes, a fim de demonstrar que a leitura do mundo se coloca como um passo anterior ao da leitura e da escrita (FREIRE, 2011: 109), entendendo que a dificuldade, colocada como um fato dado, acaba por legitimar distinções entre aqueles que sabem e dominam e os que não sabem e são dominados (BOURDIEU, 2010: 10) e que a reflexão livre de pressupostos dominantes, efetiva a essência do pensamento que é pensar (HORKHEIMER, 1983: 145). 2. A construção da verdade em ação “Último dia de prova tem a temida redação1” é o título de uma matéria da Revista Veja, publicada no dia 04/11/2012, em referência ao Exame Nacional do Ensino Médio. Flávio Villaça (1999) em seu estudo sobre os “Efeitos do espaço sobre o social na metrópole brasileira” nos apresenta o desenvolvimento de uma ideologia2 para a dominação do espaço público, nos mostra ainda que “o real não é fácil e diretamente observável pelos nossos sentidos [...] surgem então diferentes versões sobre o real” (VILLAÇA, 1999: 231). Em seu trabalho, o autor aponta algumas versões do real, como a ligada à naturalização dos processos sociais, como por exemplo, “a miséria do nordeste é decorrência do clima” (VILLAÇA, 1999: 231). O estudo de Villaça (1999) percorre os 1 Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2012-ultima-dia-de-prova-tem-atemida-redacao>. Acesso em 10/11/2012. 2 É aquela versão da realidade social desenvolvida pela classe dominante, tendo em vista facilitar a dominação, tornando-a aceitável pelos dominados. Essa versão tende a esconder dos homens o modo real como as relações sociais são produzidas. Por meio da ideologia os homens legitimam as condições sociais de exploração e dominação, fazendo que estas pareçam verdadeiras e justas (VILLAÇA, 1999: 231). 2 veículos de comunicação, especificamente os jornais e as revistas de grande circulação, a fim de apresentar como as notícias são construídas e para onde está direcionada a atenção da imprensa3. O tema de Villaça (1999) é o espaço urbano, no entanto, podemos utilizar o seu método para analisar como as versões do real também são desenvolvidas na área da educação. Em 04/02/1962 foi apresentado pelo jornal O Estado de São Paulo, sob o título “A escola média do século XX: um fato novo em busca de caminhos”, um dos principais problemas da educação secundária como sendo “o da preparação de candidatos a cursos superiores” (OESP, 1962), em 17/07/2012, foi publicado, pelo mesmo veículo, que “No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente” (OESP, 2012) e em reportagem sobre o ENEM, um importante portal de notícias na web, destacou, em 04/06/2012, que os “candidatos ainda têm dificuldade para entender tema de redação” (UOL, 2012). Podemos perceber, ainda que à primeira vista, que a educação tem sido apresentada mais como um problema do que uma solução ou menos ainda, como parte integrante do direito civil4, um dos três elementos do conceito de cidadania previsto por T.H. Marshall (1967). O presente trabalho aborda a questão da produção textual, neste sentido foi realizada uma breve pesquisa nos meios de comunicação quanto às notícias veiculadas que fizessem referência ao último Exame Nacional do Ensino Médio, realizado nos dias 03 e 04/11/2012, que citassem as palavras “redação” e “ENEM”, temos assim os seguintes resultados publicados no dia 04/11/20125: A Redação foi ou provocou Termo utilizado Valor Difícil Temor Surpresa Fácil ou recebeu elogios Preocupação Desafio Complicada 27% 14% 14% 14% 13% 9% 9% 3 Sua pesquisa demonstrou que a região de concentração das camadas de alta renda, que representa 15,90% dos domicílios da área pesquisada, recebeu 74,66% da atenção da imprensa (VILLAÇA, 1999: 233). 4 Nos termos de T. H. Marshall (1967) a educação estaria diretamente relacionada com a cidadania, sendo um pré-requisito para a liberdade civil. O elemento civil, para o referido autor, é uma das três partes do conceito de cidadania, sendo representado pela “liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça” (MARSHALL, 1967, p. 63) 5 Tabela de Dados: Anexo I 3 Diante destes dados podemos afirmar que as redações foram referenciadas de maneira negativa em 86% das matérias publicadas. Se as redações são, na “realidade”, fáceis ou difíceis, este não foi o argumento de elaboração deste trabalho, mas sim a questão da dificuldade em redigir colocada como um fato dado e propagada graças à legitimidade dos veículos de comunicação. Também não foi objeto deste trabalho a análise dos objetivos da mídia, quanto à possibilidade de divulgar uma ideologia, mas sim como as notícias superficiais orientam a construção de verdades que podem impactar nas atitudes dos leitores e ouvintes. Podemos entender que diante destas colocações as produções de texto ganhem uma complexidade além do que de fato teriam. Se “a miséria do nordeste é decorrente do clima”, do que decorreria a dificuldade para a elaboração de um texto? 3. O “saber de experiência feito” Do ponto de vista de que todas as pessoas partilham do mesmo mundo, embora com visões e referenciais diferentes, é possível considerar que estas mesmas pessoas têm algo a contar, ensinar e aprender, seja em suas relações cotidianas ou na produção de um texto. Paulo Freire (2011) procurou introduzir a troca fecunda de saberes, do popular com o científico. Deixou claro que somente um ignorante pode considerar o povo ignorante. Pois ele é um produtor de sentido, de visão de mundo, de valores além dos frutos de seu trabalho (FREIRE, 2011: 10). Procurando responder à pergunta: do que decorreria a dificuldade para a elaboração de um texto? Foi considerado que em oposição à dificuldade haveria a facilidade. Conforme exposto, o termo dificuldade (ou associações negativas à redação) é consideravelmente superior ao termo facilidade no que tange à produção de redações. Assim, podemos começar a reelaborar a pergunta acima da seguinte forma: Do que decorreria a facilidade para a elaboração de textos por uma pequena parcela das pessoas? Neste sentido, sabe-se, através do pensamento de Pierre Bourdieu (2010), que as ideologias correspondem a interesses particulares que procuram representar interesses universais – aqui, verdades universais –, que tendem a desmobilizar as classes dominadas. Uma vez que não haveria o que fazer diante de verdades universais, as distinções entre os grupos legitimar-se-iam e seriam estabelecidas hierarquias (BOURDIEU, 2010: 10), em que estariam os que sabem (produzem textos com facilidade) e dominam e aqueles que não sabem (têm dificuldades para produzir textos) e são dominados. 4 Considerando que os dominados seriam representados, nos termos de Paulo Freire (2010), pelo povo e que estes produzem sentido, têm seus valores e visões de mundo, poderíamos sugerir, assim, que a ideologia colocada também hierarquiza estes sentidos, valores e visões. Sendo assim, conforme ensina Horkheimer (1983), as qualidades sensoriais dos homens estão intrinsecamente vinculadas a todo processo da vida social, porém os fatos que os sentidos fornecem aos indivíduos são pré-formatados, não são naturais, são ensinados, tornando os homens receptivos, passivos e inautênticos. O indivíduo normalmente aceita as determinações pré-estabelecidas e vive de maneira a reforçá-las (HORKHEIMER, 1983: 133, 135), portanto a produção textual baseada nas experiências dos participantes poderia reverter este quadro de passividade diante dos fatos pré-formatados. Uma vez que todos compartilham do mesmo mundo, podemos entender que todas as pessoas são sujeitos da história, ou no limite, de suas histórias que têm em si o seu “saber de experiência feito” (FREIRE, 2011: 39) e estes poderiam ser utilizados na produção textual, proporcionando uma reflexão livre de pressupostos dominantes, efetivando a essência do pensamento que é pensar (HORKHEIMER, 1983: 145). A hipótese para o desenvolvimento deste trabalho, procurando responder à pergunta: do que decorreria a dificuldade para a elaboração de um texto? Foi que a dificuldade estaria na não utilização dos saberes cotidianos, tidos como menores, como referência para a produção textual. 4. O Desenvolvimento Foi realizada uma pesquisa exploratória em dezembro de 2011 junto a alguns adolescentes moradores da região da Vila Brasilândia. A pergunta de partida foi: Vocês têm dificuldades para fazer uma redação? Todas as respostas foram positivas. A segunda pergunta foi: Vocês gostariam de participar de uma oficina de produção de textos? As respostas foram igualmente positivas e entusiasmadas. A premissa para a elaboração deste projeto foi a utilização do “conteúdo” de cada participante para a geração de temas para as redações, procurando relacionar as experiências vividas com o contexto social, a fim de realizar análises e aprofundar os temas, cujo resultado final seria o pensamento crítico sobre as suas realidades. O objetivo do projeto foi o de trazer os participantes para dentro do processo de produção textual, tornando-os parte dele e não tomar a dificuldade como um fator intrinsicamente relacionado com a referida produção. 5 A metodologia utilizada foi a Pesquisa-Ação, cujo objetivo é o da transformação e resolução de problemas com a participação conjunta do pesquisador e dos pesquisados, em uma forma de ação planejada de caráter social. Esta metodologia permite um meio eficaz para responder aos problemas da situação vivida, buscando soluções para problemas reais onde todos os participantes do processo tenham voz e vez. A PesquisaAção, sem reduzir a reflexão teórica, opera principalmente como pesquisa aplicada (THIOLLENT, 1986: 7,8, 73). Esta metodologia, aplicada à área de educação, justifica-se na constatação de uma desilusão para com a metodologia convencional, cujos resultados, apesar de sua aparente precisão, estão muito afastados dos problemas urgentes da situação atual da educação. Por necessárias que sejam, revelam-se insuficientes muitas das pesquisas que se limitam a uma simples descrição da situação ou a uma avaliação de rendimentos escolares [...]. Dentro de uma concepção do conhecimento que seja também ação, podemos conceber e planejar pesquisas cujos objetivos não se limitem à descrição ou avaliação da reconstrução do sistema de ensino, não basta descrever e avaliar. Precisamos produzir ideias que antecipem o real ou que delineiem um ideal (THIOLLENT, 1986: 74,75). 5. Vivência Em uma sala de aula da Escola Estadual Professor Crispim de Oliveira, localizada no Jardim Carumbé – Vila Brasilândia, foram realizados nove encontros quinzenais, aos sábados, totalizando vinte e sete horas, com uma média de nove alunos por turma, com idades entre onze e cinquenta e três anos. O objetivo, apresentado em todos os encontros, era de que ao final de cada debate fosse produzida uma dissertação crítica. Assim, em todos eles foi apresentada a estrutura da dissertação (introdução, desenvolvimento, conclusão) no entanto, trazendo esta estrutura técnica para uma linguagem mais próxima da fala, procurando enfatizar que em qualquer conversa cotidiana lançamos mão de alguma estrutura, ou seja, quando contamos uma história, seja qual for, fazemos uma introdução (apresentamos o tema), desenvolvemos (detalhamos o tema) e concluímos (esboçamos alguma opinião) e foi nesta dinâmica que os encontros ocorreram de forma a desmistificar a produção de um texto, colocando-o como parte integrante, ainda que de forma subjetiva, no dia-a-dia da comunicação entre as pessoas. Sentávamos em forma de círculo e era sugerido pela ajudante (pesquisadora) que os participantes relatassem um acontecimento importante ocorrido naquela semana (houve também a utilização de fotos e jornais), destes era escolhido, por votação, o mais interessante. A partir da escolha do acontecimento, a ajudante pedia para que os 6 participantes dissessem palavras relacionadas com o que foi relatado. Todas as palavras eram escritas na lousa e quando se esgotavam todas as possibilidades de palavras, passávamos a sublinhar as mais importantes. Sobravam, em média cinco palavras e com estas conversávamos a fim de construir um tema. Para a primeira construção do tema, houve certa dificuldade, pois os acontecimentos pareciam ser um fim em si mesmos. Assim, desenvolvemos uma analogia com um iceberg a partir do filme Titanic (1997), que todos haviam assistido, essa analogia procurava mostrar que se o comandante do transatlântico tivesse noção do tamanho do bloco de gelo que sustentava a pequena ponta aparente, provavelmente, o naufrágio não teria ocorrido, ou seja, procurávamos analisar os fatores que sustentavam o tema oriundo do acontecimento narrado, refletindo sobre as questões que não prestamos atenção no dia-a-dia, mas que uma vez analisadas, proporcionam um caráter mais crítico aos acontecimentos, tornando tanto as conversas quanto os textos mais interessantes e fundamentados. Essa analogia foi aceita por todos os participantes e utilizada em todos os encontros, a chamada para a utilização da “teoria do iceberg” era: O que vocês acham que está por baixo disso tudo que conversamos? Depois de construído o tema, era sugerido que os participantes atribuíssem um título a ele. Os títulos eram escritos na lousa, um deles era escolhido por votação e a partir deste momento todos os participantes, inclusive a ajudante, começavam a produzir os textos seguindo a estrutura da dissertação crítica. 6. As produções A cada encontro a ajudante apresentava o que foi aprendido no encontro anterior, com o objetivo de mostrar que já havíamos aprendido algo que poderia ser reutilizado naquela nova produção textual, enfatizando que quando nos debruçamos sobre um tema percebemos o quanto dele sabemos, mas não havíamos prestado atenção, pois talvez o tratássemos como algo corriqueiro. Assim tivemos, por ordem de encontro, as seguintes produções: Encontro Acontecimento 1º Doença da participante. 2º 3º mãe de Tema um Título A importância da mãe. Preocupação de um filho O pai de um participante não pagou a pensão. Abandono e violência por parte do pai. Você ainda faz falta Um participante mudou de residência onde também funcionava uma ONG. As regras dificultam a nossa autonomia. Refletindo mesmos sobre nós 7 4º Não houve relatos de acontecimentos. Os participantes levaram fotos. Tristezas e felicidades da vida. Superação e aprendizado 5º Um participante fez teste vocacional. A responsabilidade do trabalho. Trabalho dá trabalho 6º A mãe de um participante foi atropelada por uma moto. O reflexo das nossas ações na vida do outro. Responsabilidade sobre as vidas 7º e 8º Não houve relatos de acontecimentos. Os participantes levaram matérias de jornais e a escolhida foi “Professora é acusada de punir alunas que vão à escola6” Problemas na área da educação. Consequências do despreparo do educador 9º Não houve relatos de acontecimentos. Tratamos da finalização do projeto onde foram apresentadas, pelos participantes, as impressões sobre nossas atividades. Após a produção dos textos cada produtor fazia a leitura em voz alta, nos dois primeiros encontros nenhum dos participantes quis ler, assim, a ajudante iniciou esta fase do encontro, sendo que nos demais, os próprios participantes se candidatavam para iniciar as leituras. Ao final do encontro conversávamos sobre o que foi lido e refletíamos sobre o que cada texto mostrou de novo. 7. Análise dos Resultados No mínimo, durante os últimos cinquenta anos os problemas da leitura e escrita persistem entre os estudantes brasileiros, tal problema dificultaria o acesso ao ensino superior e consequentemente ao mercado de trabalho qualificado. Temos políticas públicas desenvolvidas sob a perspectiva da educação como um meio para o acesso à vida profissional, no entanto, a perspectiva inicial que sugerimos é o posicionamento dos indivíduos enquanto cidadãos críticos de si, sendo que leitura e escrita podem representar o início de todo o desenvolvimento educacional, pois para o entendimento de qualquer disciplina é necessário ler, interpretar e escrever. O presente trabalho partiu da problemática descrita que, no referido período, nos apresenta dados, gráficos e considerações construídos e elaborados a partir de métodos quantitativos. No entanto, a questão colocada foi por que e como se dá a dificuldade em ler, interpretar e escrever textos, tal dificuldade estaria exclusivamente relacionada a questões de renda7 ou cor8, conforme descritos em dados estatísticos? Partimos do pressuposto de que haveria a 6 Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/saber/1091790-professora-e-acusada-de-puniralunas-que-nao-emendaram-feriado-em-sp.shtml>. Acesso em 13/11/2012. 7 Gráfico Níveis de alfabetismo da população de 15 a 64 anos segundo renda familiar: Anexo II 8 Tabela Escolaridade da população de 15 a 64 anos segundo cor/raça: Anexo III 8 construção de uma realidade, em que a dificuldade estaria dada no processo de produção textual e o ponto de partida para o desenvolvimento deste projeto foi a desmistificação desta suposta realidade. Foi possível construir com os participantes a prática da escrita a partir dos conteúdos de seus passados, presentes e perspectivas de futuro, mostrando que a produção textual tem como ponto de partida o próprio produtor, todas as experiências têm valor, pois estão inseridas em uma mesma sociedade, essas experiências são bases concretas para a produção de textos, podem ser problematizadas pari passu, passando de uma narração para uma crítica e uma revisão da realidade vivida. Temas, à primeira vista, apresentados de maneira simples, passaram, a partir dos debates, a serem implicados pelas conjunturas política, social e econômica, portanto nos dizendo algo que não havíamos pensado, mostrando que somos capazes de elaborarmos os nossos próprios pensamentos, sendo assim, o processo da construção de um texto, ou uma redação, tornou-se mais acessível. A questão principal que se colocou em todo o processo deste projeto foi o exercício do pensamento, buscando os fatores que sustentam as nossas vivências cotidianas, refletindo sobre aquilo que vemos de maneira superficial, problematizando sobre nós mesmos, podendo assim problematizar o mundo em que vivemos e não o assimilarmos de maneira dada. A desconstrução de ideologias norteadoras das nossas ações se deu de maneira simples, embora não fácil. O desânimo nos rondou por diversas vezes, mas conversamos, refletimos sobre esse desânimo e o problematizamos também. Esta Pesquisa-Ação, realizada em um pequeno grupo, parece ter iniciado o alcance de seu objetivo, ou seja, a transformação e a resolução de problemas pontuais. Transformação no sentido de desmistificar a produção textual como algo ligado necessariamente à dificuldade, não tomamos a referida produção como algo fácil, mas como algo que demanda esforço de pensamento, repertório e reflexão crítica e estes itens não são qualidades natas de uma ou outra pessoa, são processos e construções que podem ser realizados por qualquer pessoa racional, não depende de cor, credo ou classe social. Resolução de problemas no que diz respeito à ação da produção de texto propriamente dita, exercendo a escrita sem temor ou preocupação. Curiosamente os temas propostos nos encontros, tendo como ponto de partida os próprios participantes, passaram por um processo de amadurecimento, começamos com o tema mãe, que em tese é o nosso primeiro contato com o mundo, passamos pelo papel da paternidade, sobre as regras que conduzem as nossas vidas, pela reflexão de nossas experiências, pelo mundo do trabalho e o seu papel social, pela análise dos processos 9 individuais que impactam no coletivo e finalmente conseguimos analisar um fato aparentemente exterior, fomos capazes de contextualizá-lo, desenvolvê-lo e abordá-lo de maneira crítica. A questão da dominação não foi debatida durante os encontros, ela foi sentida como parte da fala dos participantes, como por exemplo, “eu não consigo escrever” ou “eu não consigo pensar” e estes “não consigo” foram problematizados e questionados pela ajudante quando perguntava: “por que você acha que não consegue?”. As respostas iniciais eram “eu não sei”. Procurava-se debater que saber que não se sabe seria o primeiro passo para o saber, o não saber não seria um fato dado, seria um fato provisório assim como todas as instâncias da vida. Assim, discutíamos sobre a construção dos saberes, considerando que estes não estão relacionados a um dom ou a uma relação entre pessoas mais ou menos capacitadas, de modo que os saberes passaram a ser entendidos como processos acessíveis e vividos por qualquer pessoa. Em nenhum momento a dificuldade foi colocada como parte integrante da produção de um texto, esta foi tratada como mais um forma de comunicação, assim como a fala, lembrando que quando começamos a falar não discursamos de maneira eloquente, começamos por balbuciar algumas sílabas e nem por isso nos calamos. 10 Referências Bibliográficas ABREU, Jayme. A escola média do século XX: um novo fato em busca de caminhos. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 04/02/1962. 6º Caderno, p 115. Disponível em http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19620204-26621-nac-0115-999-115not/busca/ensino+problemas. Acesso em 20/10/2012. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 14ª Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. CARRASCO, Luis & LENHARO, Mariana. No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 17/07/2012. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,no-ensinosuperior-38-dos-alunos-nao-sabem-ler-e-escrever-plenamente-,901250,0.htm. Acesso em 20/10/2012. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. 17ª Ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011. HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, Walter, HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor W., HABERMAS, Jürgen. Textos escolhidos. (Col. Os Pensadores, Vo. XLVIII). São Paulo: Abril Cultural, 1983. INAF BRASIL 2011 – INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL – PRINCIPAIS INDICADORES. São Paulo: IBOPE Inteligência, 2011. MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. NOGUEIRA, João Pontes & MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais Correntes e Debates. Rio de Janeiro: Campus, 2005. REVISTA VEJA. Enem 2012: último dia de prova tem a temida redação. Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2012-ultima-dia-de-prova-tem-atemida-redacao. Acesso em 10/11/2012. THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 2ª Ed., São Paulo: Cortez, 1986. UOL, Universo On Line. Candidatos ainda têm dificuldade para entender tema de redação. Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/06/04/candidatosainda-tem-dificuldade-para-entender-tema-de-redacao-veja-o-que-o-enem-leva-em-contana-correcao-dos-textos.htm. Acesso em 20/10/2012. 11 Anexo I Veículo Gazeta do Sul Título da Matéria Redação é o que mais preocupa no Enem 2012 i ii Jornal A Cidade (Ribeirão Preto – SP) Enem: redação é o maior desafio para alunos Jornal A Tarde (Bahia) Estudante diz estar preocupado com redação do Enem iii Jornal O Estado de São Paulo Estudante diz estar preocupado com redação do Enem iv Jornal O Povo Candidatos do Enem se dizem surpresos com tema da v redação em Fortaleza Portal G1 (Globo) Sergipanos consideram o tema da redação do Enem vi difícil Portal G1 (Globo) Candidatos consideram tema de redação 'fácil' em São vii Carlos, SP Portal G1 (Globo) No Rio, 2º dia de Enem foi mais 'fácil', mas redação viii surpreendeu estudantes Portal G1 (Globo) Primeiros a acabar Enem em Brasília elogiam tema da redaçãoix Portal G1 (Globo) Alunos que fizeram Enem na UFSC acham complicado tema de redaçãox Portal G1 (Globo) Em Brasília, candidatos do 2º dia do Enem dizem temer xi redação Portal G1 (Globo) Matemática e redação são desafios para o 2º dia do xii Enem, dizem alunos Portal G1 (Globo) Candidatos de Porto Velho apostam em boa redação na 2ª fase do Enem Portal G1 (Globo) Estudantes de BH acham redação do Enem mais difícil xiii que anteriores Portal IG Tema considerado difícil pode baixar notas da redação xiv no Enem Portal R7 (Rede Record) Tema de redação surpreende candidatos do Enem e divide opiniões em BH e Brasília - Primeiros estudantes a sair disseram estar preocupados com a correçãoxv Portal Terra Enem: primeiros a sair em Curitiba divergem sobre dificuldade do testexvi Portal Terra Enem: primeira a sair, candidata desiste da redação no xvii Rio Portal Terra Enem: redação 'difícil' faz candidatos 'inventarem' no xviii RS Portal Terra Enem: tema da redação assusta e complica estudantes xix de BH Portal Uol Candidatos do Enem 2012 em Belo Horizonte dizem que xx "vilã" do dia é a redação Revista Veja Enem 2012: última dia de prova tem a temida redação xxi 12 Anexo II 13 Anexo III 14 i Disponível em http://www.gaz.com.br/noticia/376768redacao_e_o_que_mais_preocupa_no_enem_2012.html. Acesso em 10/11/2012. ii Disponível em http://www.jornalacidade.com.br/editorias/cidades/2012/11/03/enem-redacao-e-omaior-desafio-para-alunos.html. Acesso em 10/11/2012. iii Disponível em http://atarde.uol.com.br/brasil/materias/1465046-estudante-diz-estar-preocupadocom-redacao-do-enem. Acesso em 10/11/2012. iv Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/geral,estudante-diz-estar-preocupado-comredacao-do-enem,955539,0.htm. Acesso em 10/11/2012. v Disponível em http://concursoseempregos.opovo.com.br/app/universidades/enem/2012/11/04/eneminternanoticia,1917/candidatos-se-dizem-surpresos-com-tema-da-redacao.shtml. Acesso em 10/11/2012. vi Disponível em http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2012/11/sergipanos-consideram-o-tema-daredacao-do-enem-dificil.html. Acesso em 10/11/2012. vii Disponível em http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2012/11/candidatos-consideramtema-de-redacao-facil-em-sao-carlos-sp-enem-.html. Acesso em 10/11/2012. viii Disponível em http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/11/no-rio-2-dia-de-enem-foi-maisfacil-mas-redacao-surpreendeu-estudantes.html. Acesso em 10/11/2012. ix Disponível em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/11/primeiros-acabar-enem-embrasilia-elogiam-tema-da-redacao.html. Acesso em 10/11/2012. x Disponível em http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2012/11/alunos-que-fizeram-enemna-ufsc-acham-complicado-tema-de-redacao.html. Acesso em 10/11/2012. xi Disponível em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/11/em-brasilia-candidatos-do-2dia-do-enem-dizem-temer-redacao.html. Acesso em 10/11/2012. xii Disponível em http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/11/matematica-e-redacao-saodesafios-para-o-2-dia-do-enem-dizem-alunos.html. Acesso em 10/11/2012. xiii Disponível em http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2012/11/estudantes-de-bh-achamredacao-do-enem-mais-dificil-que-anteriores.html. Acesso em 10/11/2012. xiv Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/enem/2012-11-05/tema-consideradodificil-pode-baixar-notas-da-redacao-no-enem.html. Acesso em 10/11/2012. xv Disponível em http://noticias.r7.com/minas-gerais/noticias/tema-de-redacao-surpreendecandidatos-do-enem-e-divide-opinioes-em-bh-20121104.html. Acesso em 10/11/2012. xvi Disponível em http://noticias.terra.com.br/educacao/enem/noticias/0,,OI6276604-EI8398,00Enem+primeiros+a+sair+em+Curitiba+divergem+sobre+dificuldade+do+teste.html. Acesso em 10/11/2012. xvii Disponível em http://noticias.terra.com.br/educacao/enem/noticias/0,,OI6276665-EI8398,00Enem+primeira+a+sair+candidata+desiste+da+redacao+no+Rio.html. Acesso em 10/11/2012. xviii Disponível em http://noticias.terra.com.br/educacao/enem/noticias/0,,OI6276595-EI8398,00Enem+redacao+dificil+faz+candidatos+inventarem+no+RS.html. Acesso em 10/11/2012. xix Disponível em http://noticias.terra.com.br/educacao/enem/noticias/0,,OI6276701-EI8398,00Enem+tema+da+redacao+assusta+e+complica+estudantes+de+BH.html. Acesso em 10/11/2012. xx Disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/11/04/candidatos-do-enem-2012-embelo-horizonte-dizem-que-vila-do-dia-e-a-redacao.htm. Acesso em 10/11/2012. xxi Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/enem-2012-ultima-dia-de-prova-tem-atemida-redacao. Acesso em 10/11/2012. 15