VARIAÇÃO NA COMPOSIÇÃO DA COMUNIDADE DE PEIXES EM RELAÇÃO AO CICLO CIRCADIANO EM RIACHO DE MATA ATLÂNTICA Silva, N.C.S.¹*, Noguchi, R.C. ¹; Vieira, F. G. ²; Araujo, B. ¹; Caramaschi, E.P.¹ 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Universidade Federal de Rondônia , RO, Brasil. * [email protected] Palavra-Chave: Censo visual subaquático INTRODUÇÃO A coexistência das espécies em um mesmo hábitat é viabilizada pela diferenciação dos nichos ecológicos, cujas principais dimensões são a espacial, a alimentar e a temporal (PIANKA, 1978). Nesta última está incluído o ciclo circadiano, ou seja, a variação de claro/escuro em um período de 24 horas. A habilidade de responder à luz é comum a todos os organismos e a luminosidade o principal estímulo para ajustar os períodos de atividade/repouso (RANDALL et al, 2000). Para os peixes, o ciclo circadiano proporciona, por exemplo, variações na intensidade de procura por alimento (HAHN et al, 1999) e na evitação de predadores (GREENWOOD & METCALFE, 1998). As espécies têm um ritmo circadiano próprio. Entre os peixes neotropicais, por exemplo, Plagiocion squamosissimus é um predador visualmente orientado que concentra suas atividades de alimentação no início da manhã (HAHN et al, 1999). Já Pimelodella lateristriga apresenta maior atividade alimentar no período noturno (SOARES-PORTO, 1994; MAZZONI et al, 2010), utilizando seus barbilhões para localizar o alimento. Os estudos de ciclo circadiano em peixes são comumente realizados em nível específico, sem considerar a configuração da comunidade como um todo. No entanto, os diferentes períodos de atividade das espécies podem configurar uma comunidade ativa completamente distinta entre o período noturno e diurno. Assim, este estudo teve como objetivo verificar possíveis variações na composição da comunidade de peixes em relação ao período diurno/noturno em um pequeno riacho de Mata Atlântica. Página O estudo foi realizado no interior da Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA) no município de Cachoeiras de Macacu (RJ), em abril de 2011 no Rio Guapiaçu, em trecho de 4ª ordem (22°26'08,7" lat. S – 042°45'34,8" long. W). As amostragens foram realizadas em trechos de 30 metros, subdivididos em transectos de 10 metros e estes subdivididos em margens esquerda, direita e canal principal. O levantamento das espécies foi realizado em dois fotoperíodos, entre as 12:00 h e 16:00 h (diurno) e entre as 19:00 e 23:00 h (noturno), através de amostragem visual subaquática. As observações foram realizadas simultaneamente por quatro mergulhadores, que realizaram cada um, uma amostragem de três minutos num raio de 50 cm em cada subdivisão de cada transecto. Durante a amostragem foram registradas as espécies e a quantidade de indivíduos que entravam no raio de abrangência do mergulhador. Para cada fotoperíodo foi verificada a composição e abundância relativa de cada espécie. Uma Análise de Correspondência foi realizada com o objetivo de relacionar as espécies aos pontos e período de amostragem. 118 METODOLOGIA RESULTADOS E DISCUSSÃO A amostragem visual revelou uma comunidade composta por quinze espécies pertencentes a nove famílias e três ordens. Foram feitos 179 registros diurnos e 36 registros noturnos. A maioria das espécies foi avistada em ambos os fotoperíodos. Characidium vidali, Crenicichla gr. saxatilis, Trichomycterus sp, Bryconamericus ornaticeps e Oreochromis sp. foram avistados exclusivamente no período diurno, e Schizolecis guntheri avistado exclusivamente no período noturno. Durante o dia a espécie mais abundante foi Characidium vidali (n = 67; 37,4%) seguida por Astyanax sp.(n = 26; 16,2%) e, durante a noite Pimelodella cf. lateristriga (n = 10; 27,8%) apresentou maior abundância. A análise de correspondência agrupou os pontos amostrais diurnos e, a eles as espécies Awaous tajasica, Trichomycterus sp., Bryconamericus ornaticeps, Astyanax sp., Characidium vidali, Crenicichla gr. saxatilis, Oreochromis sp. Essas espécies, com exceção de Trichomycterus sp., pertencem à ordem Perciformes e Characiformes, grupos compostos por espécies predominantemente diurnas e orientadas visualmente (OYAKAWA et al, 2006). Os pontos amostrais noturnos não formaram um grupamento único como os diurnos, mas ficaram separados dos diurnos e foram relacionados às espécies Rineloricaria sp., Schizolecis guntheri, Hyphessobrycon sp., Pimelodella cf. lateristriga, Scleromystax barbatus, Ancistrus sp., Mimagoniates microlepis e “Cascudo NI”. Entre as espécies agrupadas aos pontos noturnos, com exceção de Mimagoniates microlepis e Hyphessobrycon sp, todas pertencem à ordem Siluriformes. Os siluriformes são peixes de hábito predominantemente noturno, com exceção de algumas espécies do gênero Trichomycterus (OYAKAWA et al, 2006). Apesar da maioria das espécies terem sido avistadas em ambos os períodos, verificou-se diferença no comportamento destas em relação ao fotoperíodo. As espécies que apresentam maior freqüência de avistamentos no período noturno, durante o dia, além da freqüência de avistamentos ter sido menor, se encontravam em estado de repouso. O mesmo foi verificado em relação às espécies de maior abundância diurna avistadas durante a noite. CONCLUSÕES Apesar da comunidade de peixes avistados ser composta efetivamente por 15 espécies, percebeu-se uma diferenciação na comunidade funcional (ou ativa) entre os períodos diurno e noturno, sendo a comunidade funcional diurna composta principalmente por Perciformes e Characiformes e a comunidade funcional noturna por Siluriformes. BIBLIOGRAFIA CITADA GREENWOOD, M.F.D.; METCALFE, N.B. (1998) Minnows become nocturnal at low temperatures. Journal of Fish Biology, v.53, p.25-32. HAHN, N. S.; LOUREIRO, V. E.; DALARIVA, R. L. (1999). Atividade alimentar da curvina Plagioscion squamosissimus (Heckel,1840) (Perciformes, Sciaenidae) no rio Paraná. Acta Scientiarum v. 21(2), p. 309-314. MAZZONI, R.; MORAES, M.; REZENDE, C.F.; IGLESIAS-RIOS, R.(2010). Diet and feeding daily rhythm of Pimelodella lateristriga (Osteichthyes, Siluriformes) in a coastal stream from Serra do Mar – RJ. Brazilian Journal of Biology, v.70 (4), p. 1123-1129. RANDALL, D.; BURGGREN, W.; E FRENCH, K. (2000). Fisiologia animal: mecanismos e adaptações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan: 4ª Ed, 730 p. Página PIANKA, F. (1978). Evolutionary ecology. New York, Harper & How, 397 p. 119 OYAKAWA, O.T., AKAMA, A., MAUTARI, K.C. & NOLASCO, J.C. (2006). Peixes de riachos da Mata Atlântica. Ed. Neotrópica, São Paulo, 201 p. Página 120 SOARES-PORTO, L. M. (1994). Dieta e ciclo diurno de atividade alimentar de Pimelodella lateristriga (Muller e Troschel, 1849) (Siluroidei, Pimelodidae) no rio Ubatiba, Maricá, Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Biology, v. 54 (3), p. 451-458