UMA PROPOSTA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO INFANTO-JUVENIL NO CAPSi DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA –MG. Carla Bonfim Barbosa1 Resumo Este artigo visa apresentar o Acompanhamento Terapêutico (AT)2 como estratégia de intervenção no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi) de Santa Luzia-MG, que atende crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais graves. Discute o contexto da Reforma Psiquiátrica, assim como história, bases teóricas e metodológicas do AT. Analisa a função do estagiário de psicologia e do acompanhante terapêutico (at) infanto-juvenil dos serviços substitutivos aos manicômios, entendendo o estagiário como capaz de: abstrair-se do rótulo da doença mental e enxergar a criança além da patologia; situar-se em uma posição menos institucionalizada; ocupar um lugar transitório e não o fixo papel de psicólogo; acompanhar, amparar a criança e/ou o jovem, esvaziando-se do ideal de cura; questionar, sugerir e criticar a equipe, impedindo a acomodação por parte de seus membros. Aponta as especificidades e efeitos do AT com autistas, a partir da psicanálise e clínica do sujeito. Identifica: a impossibilidade de neutralidade; a necessidade da aspiração do at em estar com o acompanhado; o espaço escolar como principal palco de inserção social infanto-juvenil e território para a realização do AT; o oferecimento do corpo do acompanhante, na prática com autistas, como potencializador do reconhecimento e delimitação do corpo ao acompanhado. Propõe a livre circulação dos estagiários e a liberdade para acompanhar qualquer paciente com grave transtorno mental como ferramenta metodológica. Conclui que a inserção do AT infanto-juvenil é possível no CAPSi desde que se privilegie pacientes com transtornos mentais mais graves, já que considera a impossibilidade de estendê-lo ao grande número de usuários. Palavras - chave: Acompanhante terapêutico. Reforma psiquiátrica. CAPSi. Psicanálise. ______________________ 1 Graduando em Psicologia, 9º Período, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Núcleo São Gabriel, 2009. Estagiária do Centro de Atenção Psicossocial de Santa Luzia/MG. Contato: [email protected] 2 Usarei a sigla AT para me referir a Acompanhamento Terapêutico e at para acompanhante terapêutico. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo faz uma reflexão sobre o Acompanhamento Terapêutico infanto-juvenil como possibilidade de intervenção no serviço de saúde mental comunitário, Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi), que atende crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais graves no município de Santa Luzia-MG. Acredito que o tema será de grande valia tanto para o meio acadêmico, quanto para os serviços de saúde mental e, conseqüentemente à sociedade, ao propor uma extensão da prática de AT voltada ao infanto-juvenil, na medida em que enfatiza a psicopatologia infantil, sobre a qual se tem poucos estudos. A psicopatologia infantil constitui-se em uma área de atuação emergente na saúde mental desde a segunda metade do século XX. Por ser este um campo um tanto recente, existe uma necessidade considerável de crescimento na qualidade de trabalhos desenvolvidos, na quantidade de profissionais atuantes e de intensificação no que diz respeito à publicação de trabalhos científicos. O interesse pela psicopatologia infantil se estabeleceu após a participação no Programa de Intercambio do segundo semestre de 2008 oferecido pela Secretaria de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em convênio com a Universidade de los Andes, Santiago do Chile, no qual viabilizou o curso da disciplina “Psicopatologia Infantil II”, assim como outras. Ao encontro disso, a atuação como at na saúde mental infanto-juvenil, ainda em andamento, iniciou-se a partir do oferecimento do Estágio Supervisionado VIII em Saúde Mental pertencente ao currículo de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, unidade São Gabriel, em parceria com o CAPSi e supervisionado pela professora Aline Mendes Aguiar. Posteriormente, configurou-se como um estágio bolsista vinculado à Prefeitura Municipal de Santa Luzia-MG. O CAPSi da Prefeitura Municipal de Santa Luzia está localizado no bairro Boa Esperança há aproximadamente dois anos, desde sua criação. O CAPSi atualmente conta com uma equipe multidisciplinar composta por: 1 Coordenadora, 1 Gerente Administrativo, 9 Psicólogos, 1 Psiquiatra, 1 Pediatra, 2 Assistentes Sociais, 3 Terapeutas Ocupacionais, 1 Enfermeira-chefe, 5 Técnicos e Auxiliares de enfermagem, 2 Estagiários de Psicologia, 2 Recepcionistas, 1 Porteiro, 1 Motorista e 2 Auxiliares de Serviços Gerais, sendo uma equipe com aproximadamente 32 funcionários. O CAPSi realiza projetos que visam a acolher às famílias, articular a rede em promoção da saúde mental e potencializar a inserção social; não obstante, conta, a partir do primeiro semestre de 2009, com uma parceria com a PUC Minas que introduziu estagiários de psicologia na instituição de saúde mental para serem acompanhantes terapêuticos. A implementação de tal proposta de estágio se configurou como um desafio, por dois motivos: primeiro, porque alguns psicólogos da instituição temiam que a prática pudesse retirar os pais e/ou outros familiares do lugar de responsabilidade sobre a criança, podendo tornar-se simplesmente mais cômoda aos cuidadores e produzir uma dependência por parte deles; segundo, porque de acordo com os coordenadores do estágio era desconhecida a existência de material bibliográfico voltado ao AT infantil. Ao perceber que os estudos sobre o AT infantil ainda são algo escassos no Brasil – também apontado por Coelho (2007) – surgiu então, o interesse em pesquisar as funções do at infantil, que posteriormente veio a focalizar-se na prática infanto-juvenil com autistas, após o contato com uma criança e uma adolescente diagnosticadas autistas. Tal precariedade literária em relação ao AT infantil concebe relevância acadêmica ao tema e justifica a necessidade de se investir em pesquisas que abordem práticas interventivas na área da saúde mental infantil, principalmente após a Reforma Psiquiátrica. Nesse contexto, essa pesquisa tem como objetivo estudar o AT infanto-juvenil, com enfoque no trabalho com autistas, buscando compreender, relacionar e discutir as funções e especificidades dessa prática, assim como também abordar os efeitos do Acompanhante Terapêutico nas evoluções do autismo. Tal estudo potencializa avanços na Reforma Psiquiátrica, uma vez que o Acompanhamento Terapêutico dedica-se à promoção de avanços na condição de vida de portadores de sofrimento mental grave, através do fortalecimento dos laços sociais e da cidadania. 2. DESENVOLVIMENTO A loucura tem sua história marcada por muitas transformações. Sabe-se que a loucura nem sempre foi tomada por doença mental e, antes disso, a sociedade a via como um estado mais livre, no qual qualquer pessoa poderia ser cometida. Foi através de Pinel, no contexto capitalista, que a loucura passou a ser tomada como doença mental. A partir da Revolução Francesa, surgiu uma tentativa de moralização social e a loucura passou a ser inadmissível mediante os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade buscados pela revolução. Pinel institui, então, a loucura como causada pela falta de moral e criou um primeiro método clínico que se propunha a observar, descrever e classificar os comportamentos dos loucos – acreditava que era preciso educar os doentes mentais para o convívio social. O modelo de Pinel, porém, não possuía o objetivo de cura e, durante muitos anos, os pacientes foram exilados do convívio social pelas instituições totais de altos muros. A partir de meados da década de 70 se instaurou no Brasil uma série de denúncias de abandono e maus tratos nos hospitais psiquiátricos, assim também como de desvios financeiros no sistema de saúde público. Esses foram, dentre outros muitos acontecimentos, fatores importantes para a instauração da Reforma Psiquiátrica no Brasil, nas décadas de 80 e 90, que critica o asilo como instrumento de controle e de retirada de cidadania. A partir da reforma foram criados serviços substitutivos aos manicômios, como os Centros de Atenção Psicossociais, que se propunham a um tratamento mais humanizado. (TENÓRIO, 2002). A Reforma Psiquiátrica, porém, não se restringe à retirada de manicômios e criação de CAPS, mas também abrange a criação de uma série de outros serviços e políticas públicas que possibilitem a redemocratização e a cidadania. Essa é a grande problemática do cenário atual, no qual ainda é necessário descentralizar a noção de saúde mental e compreender a importância de uma rede de protagonistas no território. A prática do AT surgiu em decorrência do “movimento anti-psiquiátrico inglês, da psiquiatria democrática italiana e da psicoterapia institucional francesa”, ocorrendo as primeiras intervenções em Buenos Aires. (BARRETO, 2000 p.19). Embora não seja objetivo deste trabalho permear a discussão sobre a eficácia das práticas realizadas por profissionais de outras áreas, senão a psicologia, cabe ressaltar que especialistas das mais diversas áreas têm se dedicado à realização de intervenções que eles próprios nomeiam por AT. Para Mannoni citado por Tafuri (2006) o trabalho de AT já iniciava no momento em que os estagiários circulavam pela instituição acompanhando qualquer criança que quisessem. Dessa maneira, ela atribuiu aos seus sessenta estagiários na Fundação Bonneuil a função de transitar pela a instituição acompanhando os pacientes em suas atividades. Para ela, o estagiário não tem o papel de interpretar, analisar ou o de tratar, apenas o de acompanhar a criança em seu sofrimento; ou seja, seu posto é o de “conviver com a criança, do modo dela, a partir da história de vida, da cultura e dos sentimentos trazidos pelo estagiário”. (MANNONI apud TAFURI, 2006). Isso porque Tafuri, corroborando a idéia de Mannoni, não acredita na neutralidade do estagiário e atribui fundamental importância ao desejo do estagiário de realizar o acompanhamento. Coelho (2007) conceitua o AT como uma intervenção clínica com objetivo de (re)inserir socialmente portadores de transtorno mental através do trânsito em ambientes do dia-a-dia. Barreto (2000) atribui ao at a função de amparar, acompanhar e sustentar o paciente em suas funções existenciais. Compara o at a um “agasalho humano” que “acompanha o paciente em sua angústia, seus temores, sua desconfiança, inclusive nos momentos de maior equilíbrio”, com a diferença de que o agasalho é um isolante térmico entre o sujeito e o meio – fato que torna a comparação inapropriada, já que uma das funções do AT auxiliar a inserção do paciente ao meio em que vive (BARRETO, 2000 p.72). De acordo com Barreto (2006) o AT infantil é possível tanto em situações de crise como em situações isentas de crise e bem contemplado com crianças psicóticas e autistas, sendo o AT muito utilizado em instituições argentinas com crianças em situação de rua, assim também como no Brasil, em Santos-SP. Afirma também que o espaço escolar é o principal palco de inserção social infanto-juvenil e território para a realização do AT. Segundo Mannoni citado por Tafuri (2006), o estagiário não se comporta como um médico, especialista da psicanálise ou educador. Ao contrário, deve enxergar a criança além da doença e estabelecer novas formas de pensar sobre e de estar com o infante; deve falar de um “outro lugar” capaz de extrair o sujeito do persecutório da doença. Além disso, “os estagiários apóiam com seus questionamentos as pesquisas dos membros da equipe, e suas críticas tanto quanto suas interrogações impedem qualquer estagnação” (MANNONI apud TAFURI, 2006). Havia um homem que ameaçava se jogar com seu bebê no vazio, do alto da Torre Eiffel em Paris. Foram mobilizados a polícia, psiquiatras e bombeiros. Quanto mais os policiais insistiam em fazer o homem desistir de se jogar com o bebê mais aumentavam as suas ameaças. Chegou então uma jovem, “externa dos hospitais de Paris, com uma cara de preocupação. Ela lhe diz: cuidado com a corrente de ar, o bebê vai se resfriar” (MANNONI apud TAFURI, 2006) De acordo com Mannoni citado por Tafuri, foi através da intervenção citada acima que o homem, tranquilamente, desceu da Torre Eiffel com o bebê. Para a autora, a fala da jovem, exterior ao contexto da doença, auxilia o homem a retirar-se da crise psicótica e relacionar-se com o meio social. No AT infantil, principalmente autistas, o acompanhante precisa ser detentor de um „olhar‟ diferenciado junto à família e ao mesmo tempo ocupar um lugar de amor, cuidando para “não ser tragado pela loucura da família” e não destituir os pais e/ou responsáveis dos cuidados com a criança. É no olhar materno que o infanto “encontra a si mesmo”; a mãe “espelha ao bebê aquilo que ela é, sua vitalidade”. Assim, é essencial que o at devolva “para o outro aquilo que ele é ou a capacidade do outro” e acompanhe o paciente em locais que permitam conhecer a dinâmica familiar. (BARRETO, 2006). Barreto (2000) afirma que a indiferenciação dos corpos entre o paciente e o acompanhante é corriqueira e, não somente arriscada, mas também uma maneira primitiva de se comunicar. O autor, em alusão a Winnicott, considera tal indiferenciação inerente e essencial ao desenvolvimento do acompanhado, desde que o acompanhante discrimine os momentos em que ela é sustentável. Assim, Barreto (2006) aponta a tarefa de oferecer o corpo ao acompanhado como uma especificidade importante na prática com crianças. Com enfoque no AT realizado por estagiários de psicologia, a metodologia desse estudo se constituiu em uma pesquisa qualitativa, porque esta não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade e tem a finalidade obter informações conceituais, subjetivas. Incide tanto em revisões bibliográficas como observações clínicas no CAPSi de Santa Luzia, semanalmente supervisionadas por um mestre da área. Faz análise profunda e específica de um objeto em especial, que permite a averiguação das características significativas através da descoberta e da interpretação em contexto. Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas de fevereiro a maio de 2009; visitas no CAPSi de Santa Luzia por 10 horas semanais nos meses de fevereiro e março de 2009; visitas no CAPSi por 20 horas semanais, desde abril até junho de 2009; supervisões uma vez por semana pela professora Aline Aguiar Mendes, no primeiro semestre de 2009, em decorrência do estágio curricular; e supervisões uma vez por semana pelos psicólogos Ângela Patrícia Souza e Moura e Celso Renato Silva, de abril a junho de 2009, em decorrência do estágio bolsista oferecido pela Prefeitura de Santa Luzia- MG . Nesse contexto, a prática de estágio iniciou-se através da simples circulação pela instituição, acompanhando acolhimentos e o andamento das atividades de permanência dia; não tendo, portanto, nenhuma informação teórica que embasasse um AT infanto-juvenil. Disposta a estar com as crianças, mesmo sem qualquer acesso anterior ao prontuário ou diagnóstico, passei a participar de jogos e oficinas que eram realizadas com os pacientes, como também a conhecer os pacientes a partir do que eles contavam em conversas e a partir das relações que eles estabeleciam nas brincadeiras, com os outros jovens e com os profissionais da equipe. Essa tarefa de acompanhar as crianças em sua permanência dia no serviço de saúde mental e em seu sofrimento, esvaziando-me das expectativas de cura em relação a esses pacientes, tem relação com a prática da psicanálise. Nessa proposta de escutar e de não objetificar o paciente, fez-se necessário a realização de um esforço para considerar as crianças e os adolescentes como sujeitos singulares. Após algumas semanas de acompanhamento dos pacientes em permanência dia, se sucede um contato com uma adolescente autista de 15 anos de idade com história de cárcere privado por toda a infância, que será chamada no presente estudo pelo nome fictício, Laura. No primeiro contato, Laura estava sentada à mesa junto a uma caixa cheia de lápis de cores e um papel. Durante todo o dia, ela tirava e guardava os lápis, às vezes rabiscando a folha; quase não falava, apenas repetia frases. No segundo dia, lá estava ela, todo o tempo no mesmo lugar, sem os lápis e o papel. Não imaginava como poderia lidar com ela e talvez a equipe compartilhasse também do mesmo sentimento. Foi a partir da disponibilidade de acompanhar a Laura em seu sofrimento que a equipe começou a escutar dela algumas palavras: muitas delas aparentemente frases soltas e desconexas; mas outras autênticas e bem contextualizadas. Durante o acompanhamento, percebeu-se que mesmo as frases que aparentemente são repetições sem nexo, possuem um contexto. Por exemplo, certa vez, em que Laura estava no balanço e por trás dela outra paciente começou a puxar seu cabelo. Após a paciente repeti-lo várias vezes, Laura voltou o olhar para essa paciente e disse-lhe “me respeita, eu sou sua mãe”. Pouco tempo depois dizia ainda “a menina tá quieta, pra que mexer com a menina” e “parece uma tentação, fica mexendo com a menina” (sic). Outra vez, alguém disse a Laura que iria escovar os dentes dela, porque estavam muito sujos e, imediatamente, falou com tom forte e pausadamente, com certo tom de reprovação, “olha o dente dessa menina” (sic). Outro ocorrido importante deu-se após a agitação de outra adolescente em permanência dia, com ameaças verbais de cunho persecutório em relação a mim. Passado o fervor, imediatamente Laura me puxou sua at levemente pelo braço e disse “me dá um abraço”. A resposta foi “dou”, seguida de um abraço. A paciente riu. A técnica de enfermagem disse “gostou de você”. Nesse momento sua at, autora desse estudo, se afastou e Laura a olhou nos olhos e disse “quero abraço”. Dessa vez, a resposta foi “vem aqui então e me dá”. Ela se aproximou e encostou os braços na at como um abraço e riu afastando-se rapidamente. Desde então Laura vem aproximando-se de sua acompanhante solicitando: um dia tocar mãos dela; no outro pentear seu cabelo com os dedos, enquanto diz “vou pentear, vai ficar bonito”; em outro momento abraça a at; e, por último, pede para deitar no seu colo. Seu relacionamento com a acompanhante terapêutica, especificamente, tem progredido consideravelmente; e, além disso, tem se comunicado melhor e mantido contato visual com a equipe, realizando avanços em relação ao quadro autista. Existe da parte de sua at, uma persistência em mostrar-se disponível na relação com Laura. Para isso, quase todos os acompanhamentos tem iniciado com um simples movimento de me sentar ao lado dela e esperar que ela interaja de alguma maneira com a acompanhante. O resultado tem sido sempre de um contato físico da parte de Laura, como os citados anteriormente. Após visita à casa da acompanhada, mudanças no comportamento da paciente, conversas com a mãe e com o técnico de referência, será feita uma tentativa de inserção de Laura na APAE do município de Santa Luzia. A idéia é de que o AT possa ocupar também o território escolar. 3 – CONCLUSÃO O CAPSi se configura como outro espaço de formação, permitindo a relação do conteúdo teórico aprendido na Universidade com a prática no serviço de saúde mental e progredir na Reforma Psiquiátrica. No CAPSi o estagiário ocupa um lugar raro, diferente de qualquer outro profissional, se comporta um tanto descontextualizado do cotidiano que impõe ao profissional produzir quantitativamente. Isso justifica a importância dessa proposta de estágio, como possibilitadora de um „novo olhar‟ voltado ao paciente do CAPSi – a visão de alguém que não está totalmente institucionalizado. Assim, o estagiário, mais que outro membro da equipe, tem a oportunidade de pensar e tratar o sujeito em uma relação em que a instituição se afaste um pouco da posição de grande Outro (um outro invasivo). Até mesmo o lugar que o estagiário ocupa como aluno, que significa fora da luz, já tende a uma posição diferente da posição de saber. É esse um lugar importante para na relação e manejo com o psicótico, de acordo com a psicanálise aplicada. No que se refere ao estagiário como acompanhante terapêutico, sua posição é valiosa, pois lhe permite ocupar um lugar transitório e não o fixo papel de psicólogo, educador, médico ou cuidador. O at não consegue ser unicamente nada disso, porém é, ao mesmo tempo, um pouco de tudo isso; tem assim uma função circular, com o objetivo de acompanhar, amparar a criança e/ou o jovem, esvaziando-se do ideal de cura. É necessário que o estagiário de psicologia não se permita ocupar o mesmo lugar do psicólogo dentro da instituição, para que não seja comparado a uma mão de obra menor remunerada ou a um profissional menos qualificado. Se o estagiário vacila nisso e se posicionar como o psicólogo, passa a ter um papel quase inútil, no qual seria mais proveitoso que a instituição contratasse um profissional graduado e com maior experiência. O estagiário deve encontrar e estabelecer seu espaço, mesmo que haja um movimento quase natural da equipe para que ele trabalhe como um psicólogo. É importante que ele não se exima da dúvida e do questionamento para que ele possa questionar, sugerir e criticar a equipe, impedindo a acomodação por parte de seus membros. Embora, até então, o estágio não tivesse recebido a nomenclatura de Acompanhante Terapêutico (AT), devido à dificuldade de se referenciar teoricamente uma prática voltada ao infantil, conclui-se que, ainda que não notado, já era desenvolvido um trabalho de AT, na medida em que o estagiário circulava pela instituição acompanhando qualquer criança que quisesse na realização de suas atividades e, principalmente, em seu sofrimento. A livre circulação dos estagiários e a liberdade para acompanhar qualquer paciente com grave transtorno mental se configurou como uma ferramenta metodológica essencial para o êxito da prática do AT infanto-juvenil, porque é impossível ser um at neutro. Dessa forma, o anseio do at em realizar o AT é fundamental para a prática. Outra metodologia interessante é o oferecimento do corpo na prática com a adolescente cuja hipótese diagnóstica é o autismo, tal método tem funcionado como potencializador do reconhecimento e delimitação do corpo ao acompanhado. Contudo, conclui-se que a inserção do AT infanto-juvenil é possível no CAPSi, desde que se privilegie pacientes com transtornos mentais mais graves, considerando a impossibilidade de estendê-lo ao grande número de usuários. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Kleber Duarte (2000). Ética e Tecnica no Acompanhamento Terapêutico: Andanças com Dom Quixote e Sancho Pança. São Paulo: Unimarco. BARRETO, Kleber Duarte (2006). Acompanhamento Terapêutico com crianças. São Paulo: Sobornost, 2006. 1 vídeo-disco (1h 51 min): NTSC: son., color. COELHO, Carlos Frederico Macedo. Convivendo com Miguel e Mônica: uma proposta de Acompanhamento Terapêutico de crianças autistas. 2007. Dissertação (Mestrado em Clínica Psicologia Clínica e Cultura)–Universidade de Brasília. Disponível em: http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1960. Acesso em: 16 de abril de 2009. FERNANDES, Lia Ribeiro. O olhar do engano: autismo e Outro primordial. São Paulo: Escuta, 2000. 166 p. GEISSMANN, Claudine e Pierre. 1993 A criança e sua psicose. São Paulo: Casa do. Psicólogo. GRAÑA, R. 1996 “Apresentação à Edição Brasileira”. RIBEIRO, Thais da Cruz Carneiro. Acompanhar é uma Barra: Considerações Teóricas Sobre o Acompanhamento Psicoterapêutico. Psicologia Ciência e Profissão. 2002 2(2). 78-87. TAFURI, Maria Izabel. A Clínica Psicanalítica e o Trabalho de Acompanhamento Terapêutico: um interseção possível. São Paulo: Escuta, 2006. Disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org/anais2006/4.63.3.3.htm. Acesso em: 17 de maio de 2009. TENÓRIO, Fernando. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceito. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 9(1):25-59, jan.abr. 2002.