A CONVERSÃO DE RECURSOS EM RESERVAS – O DESAFIO PARA DEPÓSITOS SUBTERRÂNEOS DE CARVÃO Samanta Neves da Silva Engª. de Minas, PPGEM/UFRGS. E-mail: [email protected] Rochana da Silva Machado Engª. de Minas, PPGEM/UFRGS. Luis Eduardo de Souza Eng°. de Minas/Professor, CSTM, UNIPAMPA. João Felipe C. L. Costa Eng°. de Minas/Professor, DEMIN, UFRGS. Jair Carlos Koppe Eng°. de Minas/Geól., Professor, DEMIN, UFRGS. RESUMO A estimativa e a classificação de recursos e reservas minerais é essencial para o propósito de planejamento econômico em qualquer empreendimento mineiro pois, além de finalizar os trabalhos de pesquisa mineral, é a base sobre a qual serão estabelecidos os estudos de viabilidade econômica que se seguem. A estimativa e a subseqüente classificação em diferentes classes ou categorias devem indicar não apenas os níveis diferenciados de risco envolvidos, mas levar em consideração uma série de aspectos tecnológicos, econômicos e legais para a transformação de recursos minerais em reservas de minério. Neste sentido, este estudo buscou apresentar uma alternativa metodológica, aplicada a um depósito subterrâneo de carvão, que permitisse o correto enquadramento nas classes propostas pelos principais sistemas de avaliação e classificação. Palavras-chave: estimativa de recursos; classificação de reservas; geoestatística. ABSTRACT Estimation and classification of mineral resources and reserves is essential for the purpose of economic planning of any new mine because, besides concluding the mineral exploration, the resources/reserves evaluation is the base on which will be established the studies of economical feasibility. The estimation and subsequent classification in different classes or categories should indicate not only the different levels of risk involved, but take into account a number of technological, economic and legal features to transform mineral resources into ore reserves. Thus, this study sought to present an alternative methodology, applied to an underground deposit of coal, allowing the correct settlement in classes offered by major systems of evaluation and classification. Keywords: resources assessment; reserves classification; geostatistics. INTRODUÇÃO A estimativa de recursos minerais é essencial para o propósito de planejamento econômico em qualquer empreendimento mineiro. Além de finalizar os trabalhos de pesquisa mineral, o inventário de recursos e reservas é a base sobre a qual serão estabelecidos os estudos de viabilidade econômica que se seguem. Atividades como planejamento e otimização de cavas, orientação dos avanços da lavra, projeção de fluxos de caixa, projetos de financiamento e mesmo a operação de plantas de beneficiamento requerem, além da prévia estimativa dos recursos e reservas disponíveis, a correta classificação dos mesmos. Desde 1994 o Conselho de Instituições de Mineração e Metalurgia (CMMI), entidade internacional congregando instituições dos Estados Unidos (SME), Australia (AusIMM), Canadá (CIM), Reino Unido (IMMM) e África do Sul (SAIMM), tem trabalhado na criação de um conjunto de definições para relatório e classificação de recursos e reservas minerais. Estas definições foram posteriormente adotadas pelo comitê estabelecido em 1998 pelas Nações Unidas dando-lhe, assim, um caráter verdadeiramente internacional. O Australasian Code for reporting of Identified Mineral Resources and Ore Reserves (o código JORC) é o sistema atualmente em uso na Austrália e que segue os padrões das Nações Unidas, para elaboração de relatórios e inventários de recursos e reservas. Sua primeira versão foi publicada em 1988 e incorporado às normas do Australian Stock Exchange (ASX), e é reconhecido como uma das propostas mais avançadas e organizadas para descrever reservas e recursos minerais (AusIMM, 1999). Essas normas apresentam grandes diferenças quando comparadas com o sistema atualmente utilizado no Brasil para depósitos de carvão, principalmente no aspecto relacionado ao espaçamento requerido de amostragem. O sistema JORC requer que os pontos de observação sejam mais próximos entre si que o sistema brasileiro para qualquer das classes de recursos (Tabela 01), o que torna esse sistema mais rigoroso na definição das classes. Sendo mais rigoroso, os resultados obtidos com este sistema conduzem a valores mais conservadores se comparados aos recursos que poderiam ser obtidos via sistema brasileiro. Tabela 1. Normatização do sistema JORC para definição de classes de recursos de carvão. Classe de recurso (1) Extrapolação máxima (m) Espaçamento máximo entre amostras (1) Nível de confiabilidade Medido 500 + 1 km; < 500 m 0 - 10% Indicado 1.000 + 2 km; < 1 km 10 - 20 % Inferido 2.000 + 4 km > 20% A primeira distância é o limite aceitável e a segunda é a distância normalmente utilizada. Na Figura 1, é apresentado o sistema de classificação segundo o código JORC, para a categorização de carvão em classes, refletindo diferentes níveis de confiança geológica. A estimativa e a subseqüente classificação em diferentes classes ou categorias, de acordo com as possíveis variações que os recursos apresentem, devem indicar não apenas os níveis diferenciados de risco envolvidos, mas permitir a elaboração de um modelo que quantifique esse risco. Da mesma forma, a passagem de recursos para reservas prevê além do incremento na confiança geológica, a análise de viabilidade técnica e econômica, considerações legais, sociais, ambientais, governamentais e de mercado. Figura 1. Relação entre as categorias de carvão “in situ”, recursos e reservas (modificado de AusIMM, 1999). Neste trabalho, buscou-se apresentar um estudo de caso que ilustra uma proposta metodológica onde, a partir dos recursos minerais de um depósito subterrâneo de carvão, são apresentados os aspectos considerados para correto enquadramento das reservas nas classes propostas pelos principais sistemas de avaliação e classificação. ESTUDO DE CASO Geologia O depósito objeto desse estudo está inserido na Bacia Carbonífera Sul-Catarinense, um dos mais importantes campos carboníferos brasileiros. Situa-se no flanco sudeste do Estado, estendendo-se desde o sul de Araranguá até além de Lauro Müller, numa faixa com direção Norte-Sul com aproximadamente 100 km de comprimento e uma largura média de 20 Km (Figura 2). Figura 2. Geologia local (modificado de Müller et al., 1987). As camadas de carvão mais importantes na Bacia Carbonífera Sul - Catarinense encontram-se na parte superior da Formação Rio Bonito, mais precisamente no Membro Siderópolis. Entre outras camadas de carvão, as camadas Barro Branco e Bonito são as duas mais importantes (Figura 3). 0 10 PALERMO Fm. (m) Camada de carvão Treviso 20 Carvão Camada de carvão Barro Branco 30 Diamictito Superior 40 50 Camada de carvão Irapua Arenito 70 Camada de carvão Ponte Alta 100 110 Camada de carvão Bonito Camada de carvão Pré-Bonito Intermediário 90 Formação Rio Bonito 60 Camada de carvão "A" Camada de carvão "B" 80 Siltito 120 Camada de carvão "C" Camada de carvão "D" 130 Inferior 140 150 170 GRUPO ITARARÉ 160 Figura 3. Perfil estratigráfico típico da Formação Rio Bonito (modificado de Caye et al., 1975). No passado, a camada Barro Branco foi usada para produzir carvão para aplicações metalúrgicas, mas atualmente a produção é totalmente direcionada ao mercado de geração de energia. Situada estratigraficamente na base do Membro Siderópolis, a Camada Bonito, objeto desse estudo, é oriunda de depósitos de mangue, formados após uma regressão marinha. Estende-se em jazidas descontínuas, desde o Rio Capivara (ao norte de Lauro Müller/SC) até as proximidades da cidade de Torres/RS. Na região de Treviso-Lauro Müller-Siderópolis, a jazida tem forma alongada no sentido N-S, com 28 Km de comprimento e 128,8 Km2 de área. A nordeste está limitada pela linha de afloramento e nas demais direções pela isólita de 0,60 metros. A Figura 4 apresenta um perfil estratigráfico típico da camada Bonito. Figura 4. Perfil estratigráfico típico da camada Bonito. Base de dados disponível Pontos de observação foram obtidos pela interceptação dos estratos por furos de sonda verticais obtendo-se testemunhos com 36,4 mm de diâmetro (ou mais em algumas circunstâncias). A maioria dos furos de sonda parou logo abaixo das camadas de carvão, entretanto alguns poucos foram perfurados até o cristalino. Existem 567 furos cobrindo a área por completo dos quais foram descartados: 78 furos que não apresentavam informações quanto ao fator de recuperação do furo e 48 furos que apresentavam o fator de recuperação menor que 90%, 17 furos foram descartados por terem sido descritos utilizando critérios diferentes dos demais e 5 furos que interceptaram sills, diques de diabásio ou paleocanais de arenito. Dos originais 567 furos, 419 foram mantidos para o propósito da estimativa da variável espessura. Como a distribuição dos valores de densidade não era homogênea dentro do depósito, decidiu-se modelar essa variável de maneira similar à espessura de carvão. Em termos de amostras disponíveis para o propósito de avaliação, 294 furos foram utilizados no modelamento. O produto das variáveis espessura e densidade possibilitou a obtenção de modelos de blocos de acumulação (t/m²), que foram então submetidos às restrições geométricas utilizadas para obtenção das categorias de recursos. Modelo de recursos A Figura 5 apresenta a localização da boca de todos os furos de sonda com os limites definidos pelo critério recomendado para avaliar recursos geológicos. Todas as informações selecionadas nesta área respeitam as restrições geométricas impostas pelo sistema JORC, que define a separação máxima entre Pontos de Observação como 1000 m, sendo que a maioria dos furos deve ter separação menor que 500 m, para avaliar recursos medidos. A definição do espaçamento para as outras duas categorias é de 1000 m para recursos indicados e 4000 m para recursos inferidos. Para os recursos indicados e inferidos foram respeitados os limites máximos de extrapolação de 1000 e 2000 m respectivamente. As áreas definidas para cada categoria de recursos e apresentadas na Figura 5 são as seguintes: Área Medida: 57 360 022,60 m² Área Indicada: 18 813 080,64 m² Área Inferida: 30 358 919,00 m² (a) (c) (b) (d) Figura 5. Os círculos representam os furos de sonda com dados de espessura de carvão utilizados (em azul) e descartados (em vermelho) dos 567 furos de sonda. A linha azul define a concessão para mineração do projeto. Os limites definidos pelo código JORC para as categorias medida (a, em marrom), indicada (b, em verde) e inferida (c, em vermelho) são apresentados, bem como a evolução dos respectivos raios de extrapolação, para definição dos limites finais definidos para as categorias de carvão in situ (d). A partir do produto dos dados estimados de espessura e densidade gerou-se o modelo de blocos de acumulação, também denominado rendimento de carvão (t/m²); esse rendimento é multiplicado pela sua extensão em área para se obter as tonelagens nas categorias de carvão in situ. De acordo com os limites definidos anteriormente, foi possível enquadrar os blocos estimados em cada categoria. Embora o modelo gerado esteja de acordo com os limites pré-estabelecidos, há porções do depósito dentro da área de concessão que não são mineráveis. São fatores que restringem o aproveitamento do minério contido: Áreas onde a espessura de cobertura é maior que 350 m – neste caso é o valor limite para a extração de carvão pelo método de câmaras e pilares (método amplamente empregado na mineração de carvão no sul do Brasil), devido à resistência das rochas sedimentares e pressão vertical a que os pilares são submetidos; Locais onde a espessura da camada de carvão é menor que 1,75 m – é a espessura mínima que permite a operação de um conjunto mecanizado convencional; Presença de intrusões de diabásio ou paleocanais de arenito – nestes casos os blocos com mais de 50% de sua área afetada por essas estruturas não são aproveitados; Perímetros urbanos – em caso de subsidência por colapso de pilares, podem ocorrer danos graves às construções presentes na superfície acima do local minerado; Áreas de proteção ambiental. Como pode ser visualizado na Figura 6, as áreas supracitadas foram devidamente removidas do modelo de blocos gerado, enquadrando os blocos remanescentes nas diferentes categorias de recursos de carvão. Para representar a influência da aplicação destes fatores, calculou-se para cada categoria a relação entre as tonelagens de recursos e de carvão in situ, resultando nos seguintes percentuais: Recursos Medidos: 78% Recursos Indicados: 47% Recursos Inferidos: 61% (b) (a) Figura 6. Modelo de blocos de acumulação para o carvão in situ (a), onde as diferentes cores dos blocos representam intervalos numéricos para a variável. Após considerações legais, ambientais e tecnológicas, as restrições aplicadas ao depósito resultam no mapa de recursos de carvão (b). Modelo de reservas A definição das reservas de minério tem por base os recursos minerais estimados após a aplicação de uma série de parâmetros técnicos e econômicos. Qualquer estimativa de reservas de carvão precisa claramente determinar todos os fatores utilizados na avaliação, incluindo a extensão em área, espessura e densidade in situ. Enquanto os recursos de carvão indicados são adequados para estimar reservas de carvão recuperáveis prováveis, apenas recursos de carvão medidos são adequados para um planejamento detalhado de mineração e avaliação de reservas de carvão provadas. Devido a incertezas e limitações associadas aos recursos inferidos, a sua inclusão na classificação de reservas não se justifica. Muitas vezes a definição das reservas de carvão a partir de um modelo de recursos pode ser derivada apenas da inclusão deste em um plano de lavra, representando a tonelagem de minério esperada ou carvão ROM (run of mine). A recuperação da lavra dependerá do método de mineração proposto e pode ser expressa em termos da quantidade específica de carvão perdida para cada camada ou, alternativamente, como uma percentagem da recuperação total da lavra. Esses valores geralmente oscilam entre 35% e 70%, cerca de 50% em média (Wood et al.,1983): autores recomendam a aplicação de um fator de recuperação de 50% aos recursos calculados para se obter valores plausíveis de reservas de carvão. Em diversos países produtores, especialmente nos Estados Unidos, os fatores de recuperação para lavra subterrânea são determinados a partir de mapas e planos de lavra de minas exauridas ou em operação. Neste trabalho buscou-se uma alternativa à aplicação de fatores de correção dados pela bibliografia, utilizando dados estruturais e o plano de lavra estabelecido para o empreendimento. A partir de levantamentos efetuados em campo e dados obtidos pela produção de carvão na camada Barro Branco, foi possível identificar as estruturas geológicas existentes na da camada Bonito. As estruturas encontradas – diques de diabásio e falhamentos – estão representadas na Figura 7. Encontram-se destacadas apenas as estruturas principais, as quais serão consideradas para fins de planejamento de lavra. Figura 7. Mapa da área que contém estruturas problemáticas, com a representação de falhas (em azul) e diques de diabásio (em vermelho). As linhas em destaque (mais espessas) representam as estruturas principais a serem utilizadas no planejamento. Com base no mapeamento realizado, está sendo estudada uma metodologia que engloba a influência das falhas geológicas no cálculo de reservas. Através do rejeito de falha decorrente da movimentação relativa entre os blocos, propõe-se o cálculo de uma área de influência para cada valor de rejeito descrito no mapa. Essa área seria calculada a partir de informações da mineradora e do setor de planejamento sobre a decisão a ser tomada em cada caso (minerar através da falha ou não) e dados sobre o conjunto de equipamentos utilizado. Porém, até a presente data não foi possível demonstrar os resultados finais da aplicação deste fator na definição das reservas. Além do recurso recuperável pela lavra, reservas minerais também incluem o minério diluído, quando este é aproveitável. Na fase de pesquisa e planejamento mineiro, a diluição é estimada baseando-se no método de lavra a ser utilizado; já na fase de produção, a diluição é oriunda principalmente do overbreak causado pelo desmonte (Gertsch e Bullock, 1998). Durante a extração do minério, características internas da rocha e a eficiência do método de lavra utilizado impactam diretamente na diluição. Estima-se que de 10% a 20% do minério é perdido devido à diluição intrínseca e problemas não previstos. Considerando os dados históricos e informações sobre projetos similares, inicialmente atribuíram-se perdas de 50% devido aos pilares e 20% devido à diluição intrínseca ao método de câmaras e pilares. Esta fração foi deduzida dos recursos medidos e indicados, causando uma redução de 40% na tonelagem final das reservas estimadas. CONCLUSÕES Os recursos minerais do depósito de carvão em estudo foram quantificados com base em parâmetros aceitos internacionalmente, adotando o modelo JORC para sua avaliação. Nota-se que os resultados obtidos são mais conservadores quando comparados aos que seriam obtidos com a adoção do sistema brasileiro para classificação de recursos. Além da metodologia conhecida empregada, foram considerados aspectos tecnológicos e econômicos relevantes à classificação de reservas, com base bibliográfica e dados reais da mineração de carvão do sul do Brasil. BIBLIOGRAFIA AusIMM. (1999) Australasian Code for Reporting of Mineral Resources and Ore Reserves (JORC Code) - AusIMM, Sidney, September 1999, 16 p. Caye, B.R., Pozza, E.V., Fabrício, J.A.C. & Süffert, B.R. (1975) Projeto Carvão no Pré-Barro Branco. MME, DNPM/CPRM, Supervisão do Departamento de Geologia Econômica, Superintendência Regional de Porto Alegre, 149 p. Gertsch, R.E., Bullock, R.L. (1998) Techniques in Underground Mining: selections from Underground Mining Methods Handbook, Society for Mining, Metallurgy and Exploration, 836p. Müller, A.A., Santos, H.M., Schmitt, J.C.C., Maciel, L.A.C., Bertol, M.A. & César, S.B. (1987) Perfil Analítico do Carvão, Ministério das Minas e Energia, Departamento Nacional da Produção Mineral, Boletim No 6, 2a Edição, 140 p. Wood Jr., G.H., Kehn, T.M., Carter, M.D., Culbertson, W.C. (1983) Coal Resource Classification System of the U.S. Geological Survey, U.S. Geological Survey Circular 891, 65p.