A Gestão das Reservas Extrativistas no Sul do Amapá Indio Campos* Antônio Sérgio Filocreão** Resumo Acompanhando o movimento iniciado no Acre nos anos 80, as populações agroextrativistas do sul do Amapá também se organizaram politicamente, visando garantir o acesso aos produtos do extrativismo vegetal. Contando com o apoio de entidades nacionais e internacionais, este processo culminou com a criação de três unidades de proteção ambiental, nas quais esta assegurado de forma coletiva o seu uso sustentável. São elas: o Projeto de Assentamento Agroextrativista do Rio Maracá (PAE Maracá), criada sob tutela do INCRA em 1988; a reserva extrativista do Rio Cajari (RESEX Cajari), vinculada ao IBAMA e criada em 1990; e a Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru (RDS Iratapuru) criada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amapá em 1997. No total, são aproximadamente três milhões de hectares de florestas na Amazônia exploradas de forma sustentável pelos agroextrativistas. Passados 20 anos, constatam-se grandes discrepâncias nos resultados sócio-econômicos e ambientais alcançados nos três unidades de uso especial. Tal discrepância advém das peculiaridades dos arranjos institucionais de gestão ambiental criados a partir da interação entre a lógica reprodutiva das famílias extrativistas e a cultura institucional dos gestores públicos envolvidos nas respectivas unidades, num ambiente marcado por fortes pressões tanto das estruturas de acumulação de capital comercial e agroindustrial, quanto de Ongs ambientalistas. 1. Introdução No sul do Amapá encontram-se três unidades de conservação ambiental agroextrativistas: o Projeto de Assentamento Agroextrativista do Rio Maracá (PAE Maracá), criada sob tutela do INCRA em 1988; a reserva extrativista do Rio Cajari (RESEX Cajari), vinculada ao IBAMA e criada em 1990; e a Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru (RDS Iratapuru) criada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amapá em 1997. A criação destas áreas protegidas para o uso direto de populações extrativistas no Sul do Amapá é resultado da luta * ** Doutor em Economia, Professor do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) – UFPA. Doutor em Desenvolvimento Sustentável, professor da UNIFAP. política bem articulada das populações tradicionais locais através de suas organizações políticas em aliança com os movimentos ambientalistas nacionais e internacionais preocupados com o crescente desmatamento na Amazônia. Este novo quadro rompe com o antigo regime de poder centralizado sobre a região exercido inicialmente por coronéis e empresas estrangeiras e ultimamente pelo projeto Jarí. Passados 20 anos, constatam-se grandes discrepâncias nos resultados sócio-econômicos e ambientais alcançados nos três unidades de uso especial. Como se procura demonstrar neste trabalho para cada uma das unidades de conservação supracitadas, tais discrepâncias advém das peculiaridades dos arranjos institucionais de gestão ambiental criados a partir da interação entre a lógica reprodutiva das famílias extrativistas e a cultura institucional dos gestores públicos envolvidos nas respectivas unidades, num ambiente marcado por fortes pressões tanto das estruturas de acumulação de capital comercial e agroindustrial, quanto de ONGs ambientalistas. 2. O Projeto de Assentamento extrativista do Maracá Os extrativistas da região do rio Maracá, vão se organizar politicamente a partir do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Amapá (SINTRA). Em 1985, o SINTRA, sob as influências do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) encampa a luta pelos direitos dos extrativistas do Sul do Amapá, tendo como principal aliado a Cooperativa Mista Agroextrativista Vegetal dos 1 Agricultores de Laranjal do Jarí (COMAJA) . Nessa luta, o SINTRA vai exercer uma pressão sobre o MIRAD/INCRA, para a regularização fundiária das terras ocupadas pelos extrativistas através da proposta de criação de Reservas Extrativistas, incorporada no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) em 30 de julho de 1987, através da Portaria No 627, na figura do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE). Dessas pressões, estabelece-se uma agenda de trabalho envolvendo inicialmente o MIRAD/INCRA, o SINTRA e a COMAJA e, posteriormente, o Conselho Nacional dos Seringueiros, o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) e a Associação de Assistência Técnica e Extensão Rural do Amapá (ASTER-AP). Após a criação dos PAEs Maracá I, II e III em 1988, o SINTRA; o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS-RA) e o IEA passam a assessorar os moradores locais na criação das condições necessárias à gestão dos assentamentos. Em 28 de outubro de 1991 foi instituídas a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas dos Projetos de Assentamento Extrativista I, II e III do Vale do Rio Maracá (ATEXMA), com sede na Vila Maracá. A aliança com o CNS e IEA, veio permitir à ATEXMA o apoio financeiro necessário, advindo inicialmente da World Wildlife Fund (WWF) e posteriormente da Fundação Konrader Adenauer (KAS), Surge daí projeto intitulado Homem e Ambiente na Amazônia, gerenciado pelo IEA e com duração prevista de quatro anos. 1 Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006. Apesar dos ganhos em infra-estrutura comunitária, a ATEXMA apresentava dificuldades gerenciais. Reuniões regulares não eram realizadas e as poucas que ocorriam não contavam com a presença representativa de sócios. Tentando resolver esse problema, organizou-se um programa de renovação da ATEXMA, através de oficina de treinamentos sob a direção do Instituto de Assuntos Culturais do Rio de Janeiro (LITTLE;FILOCREÃO, 1994). As oficinas mostraram a necessidade de organizarem-se núcleos da ATEXMA nas comunidades para descentralizar suas atividades. Foram criados em 1994, quatro núcleos no interior dos Paes. Em agosto de 1995, a ATEXMA aprova o Plano de Utilização dos Projetos de Assentamento Extrativista Maracá I, II e III, o qual é aceito pelo INCRA em maio de 1997, estando prevista sua em dois anos após. A conclusão do projeto Homem e Ambiente na Amazônia lança a ATEXMA em dificuldades financeiras. Um novo presidente assume em 1997 e se mantêm no cargo até 2005, quando é destituído sob acusação de corrupção. Durante sua gestão, a ATEXMA afastou-se de seus associados, abandona o trabalho com núcleos e se isola dos antigos aliados como CNS, SINTRA e a ASTEX-CA, acarretando na perda de poder político da entidade e em dificuldades de captação de recursos financeiros. Neste período, as decisões centralizam-se na figura do presidente e alguns diretores em prol de seus interesses particulares (informação verbal)2. Em 2005, já sob nova diretoria, a ATEXMA se encontra inadimplente junto ao INCRA e endividada com uma empresa madeireira de Belém do Pará, com a qual negociou irregularmente madeira a ser retirada de um projeto de manejo comunitário do PAE. 2.1. A Construção Social da Gestão do PAE Maracá Passados os primeiro cinco anos de criação dos PAEs Maracá I, II e III, a atuação do INCRA nos assentamentos era de extrema negligência, criando-se um cenário de conflitos entre beneficiários e invasores que desenvolvem atividades estranhas aos objetivos dos PAEs (INCRA, 1993). Tal situação, somada a pressão das organizações envolvidas com o extrativismo como o CNS-RA, o IEA, o SINTRA e a ATEXMA, obrigaram o INCRA a criar em 1993 um Grupo de Trabalho (GT) interinstitucional composto por INCRA (coordenador), IBAMA/CNPT, Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGA), Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá (RURAP), Instituto de Terras do Amapá (TERRAP), Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente (CEMA), CNS, ATEXMA e IEA, para apresentar uma proposta de implantação efetiva desse PAEs a Presidência do INCRA em Brasília. O Grupo de Trabalho diagnostica uma série de problemas como: a invasão de pessoas e instalação de empresas na área; o fornecimento pelo INCRA de cadastro de imóveis rurais que são utilizados pelos invasores como documento de terra; expulsão de beneficiários; atividades predatórias como mineração, extração de madeira, instalação de fazendas de búfalos, 2 Francisco Vieira.(Presidente da ATEXMA) Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP, mai. 2006. devastação dos açaizais por palmiteiras, caça e pesca irregular; além das deficiências dos serviços púbicos de saúde, educação, assistência técnica (INCRA,1993). Propõe-se, a partir daí, uma série de medidas que vão da demarcação das terras, retirada dos invasores, elaboração do Plano de Utilização, formalização do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso as populações locais, cadastramento dos beneficiários, fomento, etc. A partir das conclusões do GT, o INCRA cadastra 400 famílias beneficiárias e as submete a uma pesquisa socioeconômica para subsidiar o Plano de Utilização e o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso e a programação/95 para os Projetos de Assentamento (INCRA,1996). Nos relatórios dos investimentos feitos no projeto, o INCRA contabiliza as famílias por tipos de benefícios para fazer a totalização, provocando repetições na contabilização geral, o que aumenta significativamente o número de beneficiários das ações. Esses dados indicam que os investimentos em apoio para instalação e créditos, totalizaram em 10 anos um volume de R$1.394.410,00 (Hum milhão trezentos e noventa e quatro mil e quatrocentos e dez reais).A forma como foram aplicados os recursos disponibilizados para o PAE Maracá criou um clima de desconfiança dos moradores para com o INCRA. Existem suspeitas de que muitas pessoas foram cadastradas irregularmente para acessar os benefícios destinados aos assentados. Isto motivou ao atual presidente da ATEXMA a solicitar que fosse realizado, em 2005, um levantamento ocupacional para excluir as pessoas cadastradas irregularmente pelo INCRA (informação verbal)3. Em 2007 o INCRA apresentou um relatório sobre a situação ocupacional, onde identifica 90 casos de pessoas cadastradas que não residem no PAE. Responsabiliza a ineficiência administrativa da ATEXMA pela falta de controle e desconhecimento de casos de famílias legalmente cadastrados junto ao INCRA que mais exploram suas áreas (INCRA, 2007). Entre os anos de 1995 a 2002, a ATEXMA teve acesso a recursos estaduais, através de convênios. Uma ação do governo do estado que tem perdurado ao longo dos anos está relacionada ao transporte da produção para a feira do agricultor de Macapá com linhas quinzenais. Também existe um escritório do RURAP, que mantém uma equipe composta por um engenheiro florestal e dois técnicos agrícolas para prestar assistência técnica aos assentados, em convênio com o INCRA. 2.2 A Gestão do PAE Maracá Em 1997, os Projetos de Assentamento Extrativista Rio Maracá I, II e III foram unificados e receberam a denominação de Projeto de Assentamento Agro-Extrativista Maracá, com área de 363.500 hectares e capacidade de atendimento para 1068 unidades agro-extrativistas familiares. O INCRA autorizou a expedição do Direito Real de Uso deste PAE, em nome da ATEXMA, por um período de 10 anos. Em dezembro de 2002, foi assinada pelo Superintendente Regional do 3 Francisco Vieira.(Presidente da ATEXMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP, mai. 2006. INCRA no Amapá uma Portaria de Retificação, aumentando a área do Assentamento para 569.208,5407 hectares e diminuindo a capacidade suporte para 939 unidades agroextrativistas familiares. A concessão de Direito Real de Uso para a ATEXMA constitui uma responsabilidade muito grande para uma organização sem estrutura financeira e operacional para gerenciar uma área extensa, tendo moradores distribuídos ao longo de três grandes rios: a margem direita do rio Preto, o rio Maracá a margem esquerda do rio Ajuruxi, além de parte da margem esquerda do rio Amazonas, margens de igarapés tributários desses rios e margens da BR 156. Pelas regras e normas que regulam os PAEs, os moradores, através da associação que assina o Contrato de Direito Real de Uso, são os responsáveis pela gestão do assentamento. Cabe ao INCRA fiscalizar o cumprimento do Plano de Uso por parte dos concessionários. Após a conclusão do Projeto Homem e Ambiente na Amazônia, o IEA e o REBRAF deixam de trabalhar com o PAE. Concomitantemente ocorre o afastamento da ATEXMA dos velhos aliados como o CNS e o SINTRA, dificultando mais ainda as atividades gestoras da associação. Frente às dificuldades, a ATEXMA repassa ao INCRA várias atribuições, como o cadastramento de novas famílias, a definição das famílias que seriam contempladas pelos apoios creditícios etc. O cadastramento realizado em 1994 foi perdido e atualmente, a associação não dispõem de informações sobre os beneficiários, a não ser pela Relação dos Beneficiários (RB) fornecida pelo INCRA, onde consta apenas o número de identidade e CIC das pessoas. O técnico do INCRA, que desde 1994 é responsável pelo PAE, denominado de Empreendedor Social, não dispõe de um sistema informatizado que lhe permita ter as informações das famílias beneficiárias. Utiliza também a RB emitida pelo SIPRA. Em 2004 foi elaborado um novo Plano de Desenvolvimento do Assentamento – PDA para o PAE Maracá, dessa vez com a participação das comunidades. Como de praxe, ficou no papel. Em síntese, o modelo de gestão adotado com o repasse das operações de gestão a ATEXMA, sem a necessária contrapartida em assessoramento técnico e em infra-estrutura física resultou em um gritante fracasso, agravado pelo afastamento da ATEXMA de seus associados e antigos. Por fim, somam-se as resistências da cultura institucional agrarista do INCRA em aceitar o extrativismo e suas especificidades, dificultando a implementação do PAE Maracá. 3. A Reserva Extrativista Cajari A ação política dos moradores da região do Cajari teve início em 1984, com a visita de lideres comunitários de Água Branca do Cajari e Boa Esperança do Cajari ao SINTRA, denunciando problemas como a ação de grupos de seguranças armados impedindo os moradores de construir benfeitorias que colocassem em risco o direito de propriedade da Jarí, sobre as terras da região, bem como a falta de acesso a direitos sociais. Em 1984 é criada a Associação Agrícola e Extrativista dos Trabalhadores Rurais do Cajari, incluindo trabalhadores de Água Branca, Boca do Braço, Itaboca, Acampamento, Santarém, Marinho e Dona Maria. Essa organização em 1995 ganhou um barco de 18 toneladas da Secretaria de Agricultura/SEAG/AP em regime de comodato, usado para transportar os moradores para a feira dos produtores em Macapá, a cada 15 e 15 dias até 1989 quando foi abandonado (SILLS, 1991). Por pressão do SINTRA, a região extrativista do rio Cajari é incorporada como área prioritária para a criação de reservas extrativistas na agenda de trabalho que envolvia o MIRAD/INCRA, SINTRA, COMAJA, CNS, IEA e ASTER-AP. Os levantamentos preliminares em 1988 geraram três projetos para criação de PAEs que foram encaminhados junto com os três projetos do rio Maracá e os três do rio Jarí. Em 15 de setembro de 1991 foi criada a Associação dos Trabalhadores Extrativistas da Reserva Extrativista do Rio Cajari (ASTEX-CA), com 235 sócios fundadores e quatro órgãos de decisão: a Assembléia Geral, com reuniões anuais; um Conselho Deliberativo com 13 membros, dois indicados pelo CNS-RA e os outros eleitos pelos sócios com reuniões trimestrais; e dentro do Conselho Deliberativo, uma Diretoria Executiva (Presidente, Vice-presidente, Secretária e Tesoureiro) e o Conselho Fiscal com três membros titulares e 3 suplentes. No início, a ATEX-CA contava com três armazéns (cantinas) e um posto de saúde construído utilizando recursos do CNPT-IBAMA em convênio com o CNS-RA, Através de um convênio entre CNS-RA e a WWF, os dirigentes principais da ASTEX-CA recebiam uma ajuda de custo para cobrir as suas despesas operacionais. Essa entidade tinha sócios em 17 comunidades, englobando cerca de 50% da reserva. Entre as atividades da associação listavam-se: conclusão das etapas para obtenção do Título de Concessão de Uso da a Reserva (o cadastramento e levantamento socioeconômico, a preparação e aprovação do Plano de Uso e a resolução de questões fundiárias); a fiscalização da reserva, através do encaminhamento de denúncias de invasões e outras atividades ilegais; divulgação da associação na reserva; a inscrição de novos sócios; e o gerenciamento das duas cantinas que estavam funcionando precariamente na reserva (SILLS, 1993?). Para auxiliar tecnicamente as atividades da associação junto aos moradores foi contratado um técnico agrícola através do CNS, como recursos da WWF. Em 1994 foram contratados dois novos técnicos agrícolas que ficaram até 1995, pagos pelo CNS-RA com recursos da WWF. Esses técnicos ficavam 20 dias por mês nas comunidades da reserva, assessorando a ASTEXCA nas discussões com os moradores das questões ligadas à organização social e econômica da RESEX. Em 1995, as reservas extrativistas da Amazônia têm acesso aos recursos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7) através do Projeto Reservas Extrativistas. Sua componente 02, denominada de Organização Comunitária, visava fortalecer a organização comunitária e gerencial nas Reservas Extrativistas, além de apoiar o funcionamento dos sistemas de saúde e educação. Entre suas principais atividades foram incluídas duas relacionadas diretamente ao fortalecimento das organizações existentes: 1-Estruturação física e operacional das associações locais; 2-Treinamento de pessoal em administração, finanças, contabilidade e gerenciamento. Durante a implementação da primeira fase do Projeto Reservas Extrativistas, de 1995 a 1999, chegou-se à conclusão que seria impossível gerir a reserva por meio de uma única associação (ASTEX-CA), em função da grande extensão da área. A partir daí, os beneficiários, com o apoio do CNPT-IBAMA, ASTEX-CA e CNS, optam por dividir a responsabilidade da gestão com mais duas novas associações: a Associação dos Produtores Agroextrativistas do Médio e Baixo Rio Cajari (ASSCAJARI) e a Associação dos Moradores Agroextrativistas do Cajari (AMAEX). A ASTEX-CA ficou responsável pela gestão da região do alto rio Cajari, até a comunidade de Anuerá no rio Ariramba, abrangendo as áreas dos castanhais que são atendidas por estradas; a ASSCAJARI, que foi criada em 24 de janeiro de 1999 como Associação Mista dos Trabalhadores Extrativistas dos Rios Muriacá e Cajari (AMAERC), fundada com 130 sócios, foi legalizada apenas em 2003, e ficou responsável pela área de influência do médio e baixo rio Cajari, até a sua foz na comunidade de Santa Ana, enquanto a AMAEX, criada em 01 de agosto de 1999, ficou responsável pela gestão da área litorânea do rio Amazonas e as de influência do rio Ajuruxi (informação verbal)4. As associações comunicam-se com as comunidades através de núcleos que foram criados para facilitar o acesso dos moradores às informações e aos processos decisórios. A existência de uma rede de radiofonia facilita a integração e troca de informações entre as associações e destas com os seus núcleos de base. Através de reuniões organizadas pelo CNPT, os dirigentes das associações encontram-se freqüentemente em Macapá para planejarem suas atividades e discutirem os problemas relacionados a reserva. Os dirigentes das associações cooperam entre si na condução das assembléias gerais e em outros eventos que exige um nível maior de organização e mobilização. As associações continuam mantendo uma relação de parceria com o CNS, Ongs ambientalistas e sindicatos de trabalhadores rurais que atuam na região. Atualmente, a ASTEX-CA conta com um quadro social de 411 associados, a ASSCAJARI com 375 e a AMAEX com cerca de 400 sócios. Cada associado contribui com uma mensalidade de R$ 1,00. A busca de alternativa econômica para os moradores da região do médio e baixo rio Cajari, que não dispõem de castanhais, levou o CNS-RA e a ASTEX-CA, em 1994, a trabalharem na implantação de um projeto de aproveitamento dos açaizais existentes, através do processamento de palmito, com o apoio financeiro da WWF. Para gerenciar a produção e comercialização do palmito criou-se em 15 de dezembro de 1996 a Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas da Reserva do Rio Cajari (COOPER-CA), com 31 sócios, cuja diretoria foi formada por 4 Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Água Branca-AP, mai. 2006. Calixto Pinto de Souza(Ex-presidente da ASTEX-CA, presidente da ASSCAJARI). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP, fev. 2006. representantes das quatro comunidades envolvidas com o projeto (DERTONI, 1999). A COOPER-CA conta atualmente com um quadro social de 70 cooperados, faz reuniões trimestrais, e participa das reuniões freqüentes organizadas pelo CNPT-IBAMA com as outras organizações da reserva. No alto rio Cajari, na região do maciço de castanhais, com recursos financeiros do PPG-7, sob a coordenação do CNPT-IBAMA, foi construída no final de 2000 uma fábrica para processamento de castanha na forma desidratada com casca, denominada tecnicamente de “castanha dry”. Cooperativa Mista Agroextrativistas dos Trabalhadores do Alto Cajari – COOPERALCA, legalizada em janeiro de 2001, foi criada para assumir a gestão do projeto (PICANÇO, 2005). Tomiyoshi (2003) constata a falta de transparência na gestão da COOPERALCA e registra, entre outros: a inexistência de um registro contábil; livro de ata com destino ignorado; falta de assembléia para discutir as atividades desenvolvidas pela diretoria; os cooperados que entregavam a sua castanha a cooperativa, desconheciam como ocorria o processo de comercialização; centralizada apenas no presidente da cooperativa. Observa ainda que os cooperados encontravam-se totalmente alheios às questões da cooperativa, o conselho fiscal não estava cumprindo o seu papel e a cooperativa, invés de fazer um adiantamento aos cooperados pela castanha recebida, para no balanço final dividir a sobra, atuava simplesmente como compradora da castanha recebida dos cooperados. Em 2003, o presidente da cooperativa o Sr. Francisco Caldas, o “Capim”, é afastado por intervenção do CNS-RA, sob a alegação de gestão mal conduzida, após acúmulo de prejuízo e perda de capital durante os quase dois anos de sua gestão. Esse fato afetou a credibilidade da cooperativa, reforçando a prática de venda direta da produção dos extrativistas aos intermediários (PICANÇO, 2005). As mulheres da RESEX também se organizam através de associações. Silva (2003), faz referências a Associação das Mulheres do Cajari (AMC), criada em 21 de dezembro de 1997, com sede em Água Branca do Cajari. A AMC, a qual obteve recursos do PPG-7 para implantar uma fábrica de sabão que funcionaria em um galpão construído em alvenaria e madeira, que após a construção ficou abandonado. Atualmente, existe em Água Branca, a Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari (AMAC), criada em 8 de maio de 2004 e que se organizou a partir dos espólios da AMC, que se desintegrou com a saída da região da sua principal liderança. A AMAC possui 35 mulheres associadas e abrange nove comunidades do alto rio Cajari, tendo como prioridade trabalhar na geração de renda familiar através do artesanato. Possui uma sede, que funciona como centro comunitário, tem reuniões ordinárias trimestrais e assembléia geral de três em três anos. A AMAC participa das reuniões organizadas pelo CNPT junto com as outras associações e cooperativas da reserva (informação verbal)5. 5 Zenilda Batista de Lima(Presidente da AMAC).Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, Segundo Picanço (2005), há ainda a Associação de Mulheres do Baixo Cajari (AMBAC). Em sua opinião, a função social e efetiva atuação dessas associações, ainda era uma incógnita, porém era possível afirmar que elas eram tuteladas por lideranças masculinas, numa clara estratégia de manter e ampliar a influência em suas áreas de atuação. A experiência organizativa na RESEX Cajari pode ser considerada rica em experiências. Apesar de erros e acertos essas experiências vêm contribuindo para o fortalecimento político dos moradores da reserva, o que estabelece um diferencial positivo em relação às experiências do PAE Maracá, companheiro de trajetória. 3.1. A Construção Social da Gestão da RESEX Cajarí Subordinada ao IBAMA desde março de 1990, somente em janeiro de 1992, com a criação do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado de Populações Tradicionais (CNPT), é que A RESEX vê tomadas as primeiras providências necessárias a sua implementação. Através de ações emergenciais, o CNPT inicia o processo de desapropriação das terras da reserva, dando entrada na Justiça Federal, apenas na véspera da caducidade do direito desapropriatório por interesse social, no dia 11 de março de 1992, sob a pressão da ECO-92. Ao todo, foram desapropriados 63 imóveis, a maioria dos quais sob posse presumida do Projeto Jarí (FILOCREÃO, 1993; MATTOSO; FLEISCHFRESSER, 1994). Ainda em 1992, o CNPT firmou um convênio com o CNS-RA para construção de três armazéns de 50 m2 para armazenamento de castanha e funcionamento de cantinas comunitárias para atender os castanheiros; de um posto de saúde de 70 m2; e de um posto de fiscalização; compra de uma lancha e implantação de um sistema de radiofonia. O convênio totalizou Cr$ 129.499.000,00, porem sua execução não obteve o sucesso almejado, dados o subdimensionamento dos valores e a inexperiência administrativa do CNS-RA para lidar com recursos públicos. Assim, a execução é repassada ao IBAMA, (CNS-RA, 1992). O CNPT iniciou em 1992 o cadastramento das famílias moradoras da RESEX, intensificou a fiscalização, e iniciou a sinalização do perímetro da reserva. Nos anos de 1993 e 1994 o CNPT trabalhou com o CNS-RA e a ASTEX-CA nas discussões do plano de utilização e na elaboração das propostas para o Projeto RESEX do PPG-7, já que não ocorreram novos investimentos em infra-estrutura na reserva, por parte do governo federal (informação verbal)6. Os principais investimentos realizados com recursos dos Projetos RESEX Fase I e II do PPG7, com vigência de 1995 a 2006, foram a implantação da Mini-usina de Beneficiamento de Castanha Dry em Santa Clara, com custo de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais), e inaugurada em 2000; a demarcação da área da reserva; a construção de uma escola na Vila Sororoca; um posto de saúde na comunidade de São José; construção de casas de farinha comunitárias, pocilgas, galpões para criação de frangos; a estruturação e fortalecimento 6 mar. 2006. Wilson Menescal.(Ex-gerente do CNPT-IBAMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, ago. 2006. institucional da ASTEX-CA e AMAEX, implementação de pequenos projetos econômicos; e a realização de diversos treinamentos nas comunidades(IBAMA , 1997, 1998, 2002; TOMIYOSHI, 2003). Segundo informações do Coordenador do Projeto RESEX II, Alessandro Fabiano de Oliveira, foram investidos na Reserva Cajari entre 1995 a 2000, na fase I do Projeto RESEX, um volume de recursos da ordem de R$ 1.486.903,93 ( hum milhão quatrocentos e oitenta e seis mil novecentos e três reais e noventa e três centavos). Na fase II os recursos gastos foram bem menores, sem grandes investimentos em infra-estrutura. Entre 1995 a 2001, o CNPT-AP, através do PNUD, contratou uma quadro de nove técnicos agrícolas para desenvolver suas atividades na região. Atualmente, mantêm contratados, através de terceirização, dois técnicos agrícolas. O INCRA, a partir do reconhecimento da RESEX Cajari como um projeto de reforma agrária em 2002, vem garantindo as famílias residentes o acesso aos créditos na Política Nacional de Reforma Agrária (PNRA), como o auxílio moradia, no valor de R$ 5.000,00, o fomento no valor de R$ 2.400,00 e outras linhas de crédito para assentados. Segundo dados do IBAMA (2006), 1050 famílias da reserva Cajari já foram cadastradas (sipradas) pelo INCRA e 617 famílias já tiveram acesso ao crédito habitação. As atividades do INCRA são desenvolvidas na região em parcerias com as associações. A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) tem atuado no controle da malária na RESEX, em parceria com as associações. Desde o inicio, a relação dos moradores da reserva com o governo estadual foi conflitante, pois a sua criação ia de encontro aos interesses do governo da época, que pretendia estimular a agricultura na região. Fingindo desconhecer a existência da RESEX, o governo estadual inicia a construção de uma estrada federal cortando a RESEX Cajari e os PAEs Maracá sem os Estudos e Relatórios de Impacto Ambienta (EIA-RIMA). Através das alianças entre o CNS, SINTRA, IEA e ONGs ambientalistas internacionais, consegue-se embargar a construção dessa estrada (FILOCREÃO,1992). O reconhecimento pelo governo estadual da RESEX só ocorreu após grande mobilização dos extrativistas e movimentos ambientalistas nacionais e internacionais exigindo uma audiência pública para avaliação do Relatório de Impacto Ambiental para a continuação da construção da estrada. Na audiência, realizada em junho de 1991 em Laranjal do Jarí, o governador se compromete a apoiar o escoamento da produção, a criar postos de saúde, escolas, a prestar assistência técnica, e a doar animais para transporte da castanha, como medidas mitigadoras e compensatórias do impacto ambiental da estrada. Pouco se fez além do comprometimento,l Com o novo governo, que assume em 1995, a reserva passa a receber um novo tratamento, tendo as organizações locais acessado recursos para a comercialização da castanha e palmito, garantido o transporte para escoamento da produção, assistência técnica através do escritório do RURAP, e assessoramento tecnológico pelo Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica (IEPA). Esse apoio tem sido mantido, graças à capacidade mobilizadora e articuladora das organizações existentes na reserva, que contam com o apoio do CNS-RA e CNPT nas suas ações políticas. Segundo o presidente da ASTEX-CA, as associações têm também mantido uma relação de cobranças e parcerias com as três prefeituras que tem jurisdição administrativa sobre a reserva, na luta por acesso aos direitos sociais de educação, saúde e transporte da produção. 3.2, A Gestão da RESEX Cajari Em 1992, foi criada no Amapá uma representação local do CNPT composta por três técnicos: um engenheiro florestal do IBAMA, um engenheiro florestal da Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente (CEMA) e um engenheiro agrônomo ligado ao Conselho Nacional dos Seringueiros. Estes iniciaram o processo de gestão da RESEX, em uma composição integrando o governo federal, o governo estadual e a representação política dos moradores. Essa primeira coordenação do CNPT, com boa capacitação técnica funcionou 1994, encaminhando as atividades de desapropriação, elaboração e assessoramento da ASTEX-CA e CNS-RA na implementação dos projetos emergenciais e na elaboração das propostas técnicas para o Projeto RESEX do PPG-7. Com a saída dos representantes do governo estadual e do CNS-RA, o representante do IBAMA permanece coordenando o CNPT até a entrada dos recursos do Projeto RESEX do PPG7, quando foi substituído por decisão do CNPT de Brasília, por um outro engenheiro florestal do IBAMA, que até então, mantinha-se contrário à proposta de Reserva Extrativista. Este novo coordenador permaneceu na função até junho de 1998. A partir de então, o CNPT perde a sua capacidade técnica, ao ser coordenado por um fiscal do IBAMA de nível médio. Da mesma forma, a equipe técnica contratada pelo PNUD era também composta por técnicos de nível médios ainda inexperientes para o encaminhamento das propostas técnicas necessárias à complexa viabilização econômica da reserva. O enfraquecimento da capacidade técnica da gestão da reserva foi contrabalançado por um fortalecimento da gestão política, pois o modelo de gestão proposto é compartilhado entre o IBAMA e os moradores através da sua representação política, a ASTEX-CA (IBAMA,2006). O Projeto RESEX garantiu, através de convênios, recursos financeiros para a capacitação dos dirigentes da associação, através de cursos e treinamentos ligados aos aspectos gerenciais e organizacionais; e, para serem administrados diretamente pela ASTEX-CA no seu fortalecimento institucional, o que melhorou o aprendizado administrativo e organizacional de seus gestores. A parceria CNPT e ASTEX-CA procurou envolver as comunidades na gestão através da estratégia de criação de núcleos de base, distribuídos nas principais comunidades das reserva. Esses núcleos discutiam as propostas dos moradores para serem incluídos nos Planos Operativos Anuais (POAs) que eram elaborados pela associação, para acessar os recursos do PPG-7. Apesar da presença constante e do assessoramento do CNPT-AP e das mudanças nos arranjos institucionais para melhorar a co-gestão, na avaliação do técnico Marcio Matos, os problemas de gestão ainda são as principais fragilidades da RESEX, pois é difícil querer transformar um pequeno agroextrativista em um grande administrador de um dia para outro. 4. O PROCESSO DE CRIAÇÃO E GESTÃO DA RDS IRATAPURU A organização política dos agroextrativistas da RDS Iratapuru é o resultado tardio de um grande processo de mobilização social dos trabalhadores rurais da região do rio Jarí, que surge na década de 1980, motivado pela busca de melhores condições de produção e comercialização dos produtos agroextrativistas e na luta contra a opressão do Projeto Jarí No início da década de 1980, cria-se na região do Jarí uma delegacia do STR Almeirim. Poucos trabalhadores rurais da região filiam-se a esse sindicato, que mal conseguia atender seus sindicalizados do estado do Pará. Mesmo assim, a experiência desse sindicato influenciou no processo organizativo dos trabalhadores da região que passam a sentir a necessidade de criar entidades locais que pudessem representar os seus interesses políticos e econômicos junto ao governo do Território Federal do Amapá. Inicialmente, sob a influência de técnicos das instituições do Governo do Amapá e da Prefeitura Municipal de Mazagão, surge a idéia da criação de uma cooperativa. Em 1983, inicia-se o debate em torno da criação de Cooperativa Mista Agroextrativista de Laranjal do Jarí (COMAJA), que teria como principal finalidade a comercialização dos produtos agroextrativistas da região. A Associação Mista Agroextrativista de Laranjal do Jarí (AMAJA) viria a substituir as principais ações da COMAJA, enquanto esta não se encontrasse legalizada (FILOCREÃO,1992). A AMAJA mobilizava 512 associados, reivindicando junto ao governo obras de infra- estrutura de transporte e armazenagem. Assim funcionou por três anos. Constituiu vários núcleos comunitários na região, atendendo os seus associados num sistema de cantinas comunitárias, onde vendia as mercadorias por um preço inferior ao dos regatões. Também garantiu linhas de transporte para o escoamento da produção, e estruturas para armazenamento e beneficiamento da produção, com o apoio do governo territorial. Em 1986, com o apoio do governo territorial é eleita uma nova diretoria da Associação, composta por um grupo de "agricultores" que tinham como principais atividades o comércio e a retirada de madeira. Esse grupo passa a utilizar a estrutura da AMAJA apenas para atender interesses de madeireiros, excluindo os produtores agroextrativistas dos serviços que eram prestados pela AMAJA. Tal fato os leva a agilizar a regularização jurídica da Cooperativa, elegendo a primeira diretoria em 1985. Assim, o patrimônio constituído em nome da COMAJA ficou nas mãos dos trabalhadores agroextrativistas. Já a estrutura do governo ficou para os madeireiros, comerciantes e garimpeiros que formavam a diretoria da AMAJA. A COMAJA, nessa fase, continuou com as pequenas cantinas comunitárias e durante dois anos intermediou a compra de castanha de seus sócios, vendendo a comerciantes da região. Ao constituir-se formalmente, a COMAJA conseguiu levantar alguns recursos creditícios e outras formas de financiamento do Governo do Estado. Em 1989 e 1990, junto com algumas entidades do governamentais e não governamentais, promoveu o 1o e 2o Encontros de Castanheiros da região do Jarí, envolvendo os produtores agroextrativistas na discussão dessa atividade, surgindo daí algumas reivindicações referentes à questão fundiária e ao transporte da produção que foram encaminhadas ao governo do Estado, conseguindo-se alguns resultados, como: a venda financiada de burros para o transporte da castanha, instalação de usina para beneficiamento do látex e o inicio do processo de beneficiamento local da castanha. Nos anos de 1980, a COMAJA atuou d forma mais política na reivindicação dos direitos dos agroextrativistas. Aliando-se com o SINTRA terá uma atuação muito forte na luta pela terra, ao assumir um papel importante na pressão sobre o MIRAD/INCRA, para resolver os problemas fundiários da região, tendo participado ativamente da realização dos estudos de 1988 para definição de áreas prioritárias para os assentamentos extrativistas, que vão resultar na criação dos PAEs Maracá e na RESEX Cajari. Em 1990, é eleita uma nova diretoria da COMAJA, com um número significativo de agricultores que também exploravam o comércio local. Essa diretoria passa a impor um caráter empresarial a COMAJA, dentro de uma proposta de capitalização imediata, através de uma valorização máxima do capital de giro disponível, que se dava na comercialização da produção de sócios e não-sócios. Com recursos dos governos estadual e federal, implanta uma estrutura de beneficiamento com capacidade de processar até 40.000 hectolitros de castanha por ano. Segundo Abrantes (2003), entre 1995 a 2002, a COMAJA obteve estadual, recursos estimados em R$1.722.174,65, aplicados dos governos federal e na instalação da fábrica e processamento da castanha. Ao sair da diretoria da COMAJA em 1990, seu ex-presidente trabalha na organização de uma nova cooperativa. Em 1992 funda a Cooperativa Mista de Produtores e Extrativistas do Iratapuru (COMARU), composta de 22 sócios. Logo a COMARU instala, em caráter experimental, uma fábrica artesanal de processamento de castanha, produzindo óleo, doce, paçoca,e farinha de castanha. Esta última foi testada em Macapá na merenda escolar, obtendo boa aceitação. Com recursos do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária e da Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí, construíram através de mutirão a sede da cooperativa, composta de dois galpões e uma estufa, no ano de 1994(PDA,1996). Em 1995, a COMARU consegue um financiamento de R$ 25.000,00 do Banco do Estado do Amapá (BANAP), que é utilizado na compra de motores de popa, melhorias da estufa e como capital de giro para comercialização da safra. A partir desse ano, a COMARU inicia o fornecimento de castanha para a merenda escolar da rede estadual de ensino (PDA,1996). A partir daí, a COMARU notabiliza-se no Amapá e fora do estado, como produtora de biscoitos de castanha no meio da floresta, tornando-se um dos principais ícones do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amapá (PDSA). Além da sua forte atuação econômica, a COMARU assume também o papel de porta voz das reivindicações dos direitos dos moradores do Iratapuru, principalmente nos aspectos ligados à educação, saúde, e a questão da terra. Através dessa atuação conseguiu obter melhorias no atendimento a educação, saúde e principalmente garantir o direito ao usufruto das florestas pelas famílias, através da criação pelo governo estadual da RDS Iratapuru em 1997. Em sua atuação econômica, a COMARU conseguiu acessar através de convênios com os governos estadual e federal, entre 1995 a 2000, um volume de recursos da ordem de R$1.333.786,00. A falta de prestação de contas da maior parte dos recursos levou a destituição do grupo que dirigia a COMARU desde a sua criação. Nova diretoria é eleita em 2001. Em contrapartida, o governo estadual passou a gerir diretamente os recursos aplicados na fábrica no biênio 2001/2002, que chegou a um montante de R$ 403.494,64(ABRANTES, 2003). Em outubro de 2003, a fábrica é totalmente destruída por um incêndio. Suspeita-se que se trata de um incêndio criminoso, provocado pelo grupo destituído do poder em 2001. Em 2004, através de um empréstimo da indústria de cosmético Natura, é recuperada a fábrica de óleo de castanha, que, vendido a Natura, permite com que a COMARU consiga pagar seus empréstimos. Atualmente tem 27 sócios a COMARU se encontra inadimplente, impossibilitada de acessar recursos públicos devido à falta de prestações de conta de convênios anteriores. Grande parte de seu patrimônio, principalmente de transportes, encontra-se sucateada, restado ainda várias dívidas não liquidadas (informação verbal)7. O processo de organização política da população beneficiária da RDS, apesar de pequena, apresenta os mesmos problemas de locais com populações maiores. Conflitos cooperativos inerentes à organização e a ação coletiva parecem não depender tanto do tamanho do grupo, como defendem teóricos da economia e sociologia institucional Olson (1994). 4.2. A Construção Social da Gestão da RDS Desde a sua criação, a COMARU tem atuado fortemente como porta voz dos interesses dos moradores do Iratapuru, reivindicando os seus direitos sociais básicos como educação e saúde. Conseguiu assim, manter um relacionamento positivo com o governo federal, estadual e municipal, alcançando alguns resultados favoráveis para a comunidade representada. Inicialmente, sua atuação reivindicatória sobre a Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí logrou recursos de contrapartida ao governo federal para a construção da sede da cooperativa, composta de dois galpões e uma estufa, em 1994. Ainda nesse ano, foi instalada uma escola de 1a a 4a série, atendendo até a 8a séria a partir de 2002 e desenvolvendo também atividades de educação de adultos. Na área de saúde, a RDS recebe da prefeitura um atendimento nas campanhas de vacinação e visitas programadas de agentes de saúde. O governo municipal era um importante comprador de seus produtos para a utilização na merenda escolar, quando ainda funcionava a fábrica de biscoito, o que possibilitou uma sobrevida à fábrica, quando da mudança de governo estadual e retirada do apoio a COMARU. A COMARU obteve em 1994 junto ao governo federal a maioria dos recursos utilizados na 7 Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Iratapuru-AP, jul.2006. construção da sede da Cooperativa. Esse recurso inicial foi disponibilizado pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária. Entre 1997 a 1999, executou um projeto do Fundo Brasileiro para Biodiversidade (FUNBIO) no valor de R$149.000,00 para borracha. Através do Ministério do Meio Ambiente, no programa Projetos Demonstrativo Tipo A (PD/A) do PPG7, foi contemplada com um volume de recursos de US$ 209.000,00 para construção da fábrica de beneficiamento da castanha. Conseguiu ainda junto a FUNASA, o desenvolvimento de atividades para o controle da malária, através da capacitação de uma agente de saúde voluntária e a instalação de infraestrutura necessária para fazer os exames de sangue para diagnosticar a doença na própria comunidade (PDA, 1996; COELHO et al, 1999; ABRANTES, 2003). O apoio do governo do estado entre os anos de 1995 a 2002 foi decisivo para a implantação da estrutura de beneficiamento de castanha; o comércio da produção processada através da merenda escolar; a instalação da energia elétrica na comunidade; a montagem de uma estrutura para tratamento de água; além de assinar vários convênios para apoio a transporte, capital de giro, melhoria tecnológica, o que representou um volume de recursos estimado em R$1.428.280,64 entre 1995 a 2002 (ABRANTES,2003). O forte apoio do governo estadual foi perdido em 2003. Em 2006 estruturas de fornecimento de energia e tratamento de água garantidas pelo governo estadual encontravam-se em precárias condições de funcionamento. A ação visível do governo estadual se resumia a manter um gerente da RDS, pago com recursos de uma ONG ambientalista, que passava a maior parte do seu tempo em Laranjal do Jarí. Esse abandono da parceria com o governo reflete a mudanças de prioridade do novo governo, interessado agora na agricultura empresarial em estruturação no estado. 4.3. A Gestão da RDS Iratapuru A Lei que cria a RDS Iratapuru estabelece que todos os atores sociais direta e indiretamente envolvidos no processo de criação e implantação da RDS são responsáveis pelo seu manejo e gerenciamento, em particular os moradores. Esses manejo e gerenciamento deverão obedecer às diretrizes do planejamento participativo, das ações integradas e da legitimidade do processo. Define também que a gestão deverá ser conduzida pelo Conselho Gestor constituído por um representante respectivamente da SEMA, do Instituto de Terras do Amapá (TERRAP), da Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí (PMLJ), da Câmara Municipal de Laranjal do Jarí e do Ministério Público Estadual, e seis representantes de diferentes organizações de extrativistas do Sul do Amapá. A Lei também define que a SEMA será responsável pela coordenação do Zoneamento Ambiental, do Plano de Manejo da Reserva e do Licenciamento Ambiental competente, enquanto o TERRAP ficou responsável pela demarcação e regularização da ocupação das terras e cadastro de moradores da RDS. Coube ao Conselho Gestor a responsabilidade de todas as matérias pertinentes a RDS. O Conselho Gestor foi criado em julho de 1999 através do Decreto No 1.777, tendo como representantes de instituições extrativistas do Sul do Amapá a COMARU e a COMAJA. Em maio de 2000 o Conselho Gestor, denominado de COGERIR publicou o seu Regimento Interno. A SEMA iniciou também nesse ano o Zoneamento Ambiental da RDS, utilizando uma metodologia do Zoneamento Participativo através de oficinas nas comunidades. Através do PPG7, iniciou-se em 2001 uma série de estudos necessários ao cumprimento da responsabilidade de regularização da RDS. BARBOSA (2001), alenca pontos positivos como os estudos necessários a regularização da RDS, porém ressalta sérios problemas como as dificuldades da socialização dos resultados da reunião do COGERIR pelos representantes dos moradores, a falta de participação de alguns representantes de órgãos públicos e o desconhecimento da comunidade sobre a existência e o papel do COGERIR. Ressalta ainda a necessidade de um compromisso maior com o planejamento participativo e a gestão integrada que no seu entender são os pilares da gestão da RDS. 5 Enfrentamento dos Conflitos Fundiários e Sócio-ambientais nas Áreas Protegidas O enfrentamento e resolução dos conflitos pela posse da terra e pela utilização dos recursos naturais deram-se de forma diferente nas áreas protegidas do Sul do Amapá, onde os arranjos institucionais para a gestão tiveram um papel importante nos resultados. No intervalo entre a desapropriação das terras do Maracá pela ação do Grupo Executivo do Baixo Amazonas (GEBAM) em 1981 até a criação dos PAEs Maracá em 1988, houve um processo de ocupação da área por comerciantes locais, que investiram na pecuária, principalmente na criação de búfalos. Isto aconteceu devido à falta de fiscalização do INCRA, órgão arrecadador das terras desapropriadas. Esses fazendeiros, utilizando cadastros do INCRA para pagamento de imposto territorial rural, passaram a se intitular donos das terras desapropriadas para fins de reforma agrária, impedindo o usufruto de recursos naturais existentes pelos antigos moradores. No geral, esses fazendeiros desenvolviam outras atividades dentro do PAE, como exploração de madeira, compra de castanha e comércio em geral. Dubois (1989), identifica quatro comerciantes ocupando ilegalmente as áreas dos PAEs, implementando a criação de bovinos e bubalinos e controlando grandes estoques de recursos naturais. Dois eram irmãos e controlavam castanhais e o comércio da castanha, que estabeleceram a criação de búfalos na localidade denominada Central do Maracá; o terceiro, um grande comerciante de ferragem de Santana-AP, que controlava castanhais da região e lucrava no comércio da castanha, este instalou fazendas na margem esquerda do Igarapé do Lago no médio Maracá; o quarto, um grande comerciante de ferragens de Macapá, que se instalara na margem direita do mesmo Igarapé, implantando cinco retiros para criação de gado, e encontravase expandindo ainda mais a sua ocupação ilegal de terras nos PAEs. Este autor referencia os prejuízos que a criação de gado extensiva vinha provocando aos moradores da região, ao destruir as suas roças, obrigando-os a buscar lugares mais distantes para continuarem sua sobrevivência através do agroextrativismo. Em 1993, foi feito um levantamento de invasões nos PAEs, pela ATEXMA e encaminhado ao INCRA, onde foram identificados 15 invasores, entre grileiros, fazendeiros, mineradora, palmiteiros e madeireiros. No relatório do INCRA (1996), cita-se que esses casos estavam sendo tratados através da justiça, sob a responsabilidade da Procuradoria Regional do INCRA. O relatório do Grupo de Trabalho coordenado pelo INCRA em 1993 considerou que a emissão de cadastros rurais pelo INCRA a pessoas que estavam invadindo a área, mesmo após a sua destinação, era um fator que contribuía para o agravamento de problemas fundiários(INCRA, 1993). Em 2004, o diagnóstico para o Plano de Desenvolvimento do Assentamento Maracá (INCRA,2004) mostra que o conflito com a criação de búfalos das fazendas mantém-se como problema no PAE, o que significa dizer, que apesar da ilegalidade, não foram desapropriadas, continuando em conflitos com as populações beneficiárias. Percebe-se também, a emergência de novos conflitos: entre as famílias recém assentadas e as antigas pelo acesso a terra e ainda o conflito por acesso a recursos naturais com forte demanda pelo mercado, como os castanhais. São conflitos que vão surgindo em função das dificuldades da aplicação das regras e normas relativas ao tipo de projeto de assentamento, tanto de parte da organização gestora que detém a concessão do direito real de uso, como do órgão público co-gestor e fiscalizador do cumprimento das regras e normas. Esses tipos de problemas apesar da gravidade para o tipo de assentamento não são devidamente enfrentado pelo INCRA, tanto que no levantamento ocupacional realizado em 2006 para atender a solicitação da ATEXMA, é ainda comprovada a existência de seis ocupações latifundiárias dentro do PAE (INCRA, 2007). No caso da RESEX, segundo Pedro Ramos (informação verbal)8, quando o SINTRA começou a atuar na região do rio Cajari, a utilização dos castanhais pelos moradores dava-se a partir de autorização que o advogado da Jarí emitia em favor do morador, reforçando o direito de posse da empresa. Estes documentos eram aceitos pelos moradores no direito a exploração dos castanhais, e continuaram em vigência após a criação da reserva. Outra estratégia utilizada pelo Projeto Jarí no baixo e médio rio Cajari, para garantir um maior estoque de terras, era ocupar grandes áreas com pequenas e mal estruturadas ‘fazendas’ com um barracão improvisado e não mais de 30 a 40 cabeças de gado (GEMAQUE, 1988). Segundo Pedro Ramos, a representação do INCRA no Amapá era subordinada ao Pará, onde o Superintendente do INCRA era atrelado ao Projeto Jarí, criando as dificuldades fundiárias para a população que vivia na região. Com o advento da Nova República e a transformação do Amapá em Estado, ocorreu a desvinculação do INCRA-AP do Pará, através da criação de uma delegacia do MIRAD, cujo delegado foi nomeado com apoio do SINTRA, conseguindo-se assim, 8 Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006. encaminhar os estudos necessários a criação dos PAEs Maracá e a RESEX Cajari, enfrentando o poder econômico e político do Projeto Jarí. Apesar de criada em 1990, as ações do IBAMA para a regularização fundiária da Reserva Cajari só vão iniciar com a criação do CNPT. Segundo Picanço (2005), baseado em Relatório(1999), foi depositado em juízo pelo IBAMA um valor de R$ 5.707.089,23 (cinco milhões, setecentos e sete mil e oitenta e nove reais e vinte e três centavos), em favor da empresa Jari. A partir daí, criou-se uma disputa na esfera jurídica entre o IBAMA, INCRA e o Projeto Jarí, quanto a valores da indenização e legalidade de alguns títulos. Como as terras estavam concentradas no Projeto Jarí, com a desapropriação em andamento na esfera do judiciário, os conflitos fundiários com esta empresa deixaram de ser uma preocupação para os beneficiários da reserva, embora, segundo Picanço (2005), em 2000, com a transferência do Projeto Jarí para o Grupo Orsa, colocou-se placas informativas ao longo da BR156, em diversos locais em que a rodovia corta a reserva ao norte, declarando posse da área. Porém os membros da ASTEX-CA retiraram essas placas. Com a desapropriação da Jarí encaminhada na justiça, gerou-se uma nova preocupação para os beneficiários da reserva: as invasões de terras. Os pequenos casos de invasão de terras por pessoas de foram resolvidos sem grandes problemas a partir do CNPT-AP, com o apoio da fiscalização do IBAMA. Em 1993, uma grande invasão foi organizada por um agricultor goiano com o apoio do governo do Estado, prefeitura de Laranjal do Jarí e políticos ligados ao governo. Pretendia-se fazer um assentamento agrícola estadual em áreas de castanhais denominado de Centro Novo no entorno da reserva. Esses castanhais eram explorados por moradores da RESEX. A partir de denúncias sobrescritas pelo CNS-RA, SINTRA, ASTEX-CA, ATEXMA, CUT e Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA), o IBAMA é obrigado a organizar uma ação com o apoio do Ministério Público Estadual ao local, onde encontra desmatamentos irregulares, derrubada de barracos de extrativistas, piqueteamento de lotes, utilizando-se de dois tratores do governo do Estado (FILOCREÃO,1994). Com a eleição de um novo governador do estado em 1995, encerraram-se as tentativas de invasões da reserva com o apoio do governo estadual. Eventuais desavenças entre moradores devido à invasão de castanhais são resolvidas em reuniões envolvendo a associação, os litigantes e o CNPT, onde são feitos e assinados os acordos, que têm sido cumpridos. Através do Projeto RESEX, trabalhou-se com a figura do fiscal colaborador das próprias comunidades, que com o auxílio da radiofonia acabam atuando com rapidez nos casos de tentativas de invasões de pessoas de fora, evitando que elas se consolidem (informação pessoal)9. Algumas vezes acontecem vendas de castanhais entre moradores, porém são realizadas com o aval da associação, já que está se negociando apenas as benfeitorias que foram feitas, tendo em vista que as terras são de propriedade do 9 Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Água Branca-AP, mai. 2006. IBAMA(informação verbal)10. Na RDS Iratapuru, em 1988, nos estudos para identificação de áreas prioritárias para assentamentos extrativistas observou-se a inexistência de conflitos pela posse da terra. Os mais antigos afirmavam que, depois do Cel. José Júlio, ninguém mais reivindicou a propriedade dessas terras à margem esquerda do Jarí. Os únicos problemas que a comunidade enfrentava, ocorriam quando alguém de fora decidia fazer a cata de castanha em castanhais locais. Os moradores não tinham preocupações com a apropriação das áreas que ocupavam (apenas um castanheiro tinha sua colocação cadastrada no INCRA) (MENEZES e MORAES, 1988) Esta situação aparentemente favoreceu a criação da RDS de Iratapuru pelo governo estadual, pois não houve necessidades de processos indenizatórios. Só que, a área no Projeto de Lei era de 865.845 hectares, e a aprovada pela Lei de criação da RDS foi de 806.184 hectares, ou seja, na Assembléia Legislativa foi retirada uma área de 59.660 hectares. A área retirada no Projeto de Lei, faz parte da Gleba Santo Antonio da Cachoeira, de propriedade do Projeto Jarí, e consta como em negociação (SEMA, 1997). Esse fato ficou por algum tempo no desconhecimento dos moradores. O resultado é que, a comunidade de São Francisco ficou fora da RDS Iratapuru, e com ela, todos os investimentos para industrialização da castanha feitos com recursos públicos que se encontravam em uma área de pressuposta posse do Projeto Jarí. Em 2001, o governo através de negociação tentou reaver essa área junto ao Projeto Jarí, que se negou a fazer a transferência, alegando que a mesma tinha sido destinada à implantação de um Projeto de Manejo Florestal Sustentável para produção de móveis de madeira certificada em parceria com o governo do Estado e as comunidades locais. O que não interferiria no extrativismo da castanha e demais produtos, porém a empresa estava doando 25.000 hectares da Vila de Iratapuru para estruturação urbana (SEMA,2002). Quanto à posse dos castanhais, não se verificam conflitos entre os moradores, visto que as atuais famílias mantiveram-se nas colocações que trabalhavam ainda na época das empresas extrativistas. Apesar de não haver qualquer documento formalizando a posse, esses direitos têm sido respeitados. Apenas a distribuição das colocações não obedece mais à homogeneidade produtiva, que havia naquela época, quando atendia cerca de 80 famílias (JGP,2002). 6. CONCLUSÃO A criação de instrumentos jurídicos para formas coletivas de posse e exploração de recursos naturais constitui uma forte inovação institucional em nosso país. Longe de ser a solução final, coloca imensos desafios àqueles responsáveis pela gestão das áreas coletivas de conservação. Passada a fase inicial em torno da luta pela terra, na qual a ação coletiva se reveste de um forte caráter mobilizador e unificador das ações individuais, no momento seguinte observa-se no 10 Jefferson Pereira.(Técnico agricola do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, ago. 2006. sul do Amapá a emergência de sérios conflitos no seio das unidades coletivas a partir do afloramento de interesses individuais. A inexistência de arranjos institucionais claros e suficientemente testados capazes de legitimar tanto a ação dos órgãos oficiais quanto das comunidades envolvidas para a gestão de áreas de conservação segue sendo imperativa no fracasso das experiências do sul do Amapá. O caso do PAE Maracá, de longe o que apresenta as maiores precariedades ambientais, sociais e econômicas, é emblemático ao atestar o despreparo do incra em gerir assentamentos coletivos. A RESEX Cajari logrou maiores êxitos devido à experiência dos primeiros técnicos envolvidos em sua gestão. Já no caso da RDS do Iratapuru, sua organização, abundância dos recursos florestais e a sua reduzida densidade populacional proporcionou os melhores ganhos sociais e econômicos sem danos ambientais digno de nota. Alias, a partir da criação das três unidades constata-se uma forte redução das taxas de desmatamento em toda a área, por se dedicarem principalmente ao extrativismo da castanha, freando a tão temida expansão da pecuária na região. O relativo sucesso no plano ecológico, por si só não e garantia de sustentabilidade para as três unidades de conservação. As freqüentes e fortes oscilações nos preços pagos aos extrativistas pela castanha colocam em xeque a base econômica de sustentação da famílias extrativistas. Outrora alardeadas como a grande solução, as cooperativas locais têm se revelado incapazes de gerir tanto a coleta como o processamento da castanha de formas a sobrepujar as tradicionais formas de acumulação de capital comercial local e acessar mercados mais rentáveis no exterior. Ante a crise das formas tradicionais de acumulação comercial e a - até o presente inviabilidade técnica e gerencial das cooperativas, surge um vácuo na intermediação comercial e agroindustrial entre a produção local e os grandes mercados, de cujo preenchimento dependem as esperanças de um modelo de desenvolvimento sustentável para o sul do Amapá.