A Gestão das Reservas Extrativistas no Sul do Amapá
Indio Campos*
Antônio Sérgio Filocreão**
Resumo
Acompanhando o movimento iniciado no Acre nos anos 80, as populações
agroextrativistas do sul do Amapá também se organizaram politicamente, visando garantir o
acesso aos produtos do extrativismo vegetal. Contando com o apoio de entidades nacionais e
internacionais, este processo culminou com a criação de três unidades de proteção ambiental,
nas quais esta assegurado de forma coletiva o seu uso sustentável. São elas: o Projeto de
Assentamento Agroextrativista do Rio Maracá (PAE Maracá), criada sob tutela do INCRA em
1988; a reserva extrativista do Rio Cajari (RESEX Cajari), vinculada ao IBAMA e criada em 1990;
e a Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru (RDS Iratapuru) criada pela Secretaria
de Meio Ambiente do Estado do Amapá em 1997. No total, são aproximadamente três milhões de
hectares de florestas na Amazônia exploradas de forma sustentável pelos agroextrativistas.
Passados 20 anos, constatam-se grandes discrepâncias nos resultados sócio-econômicos e
ambientais alcançados nos três unidades de uso especial. Tal discrepância advém das
peculiaridades dos arranjos institucionais de gestão ambiental criados a partir da interação entre
a lógica reprodutiva das famílias extrativistas e a cultura institucional dos gestores públicos
envolvidos nas respectivas unidades, num ambiente marcado por fortes pressões tanto das
estruturas de acumulação de capital comercial e agroindustrial, quanto de Ongs ambientalistas.
1. Introdução
No sul do Amapá encontram-se três unidades de conservação ambiental agroextrativistas: o
Projeto de Assentamento Agroextrativista do Rio Maracá (PAE Maracá), criada sob
tutela do
INCRA em 1988; a reserva extrativista do Rio Cajari (RESEX Cajari), vinculada ao IBAMA e
criada em 1990; e a Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru (RDS Iratapuru)
criada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amapá em 1997. A criação destas áreas
protegidas para o uso direto de populações extrativistas no Sul do Amapá é resultado da luta
*
**
Doutor em Economia, Professor do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) – UFPA.
Doutor em Desenvolvimento Sustentável, professor da UNIFAP.
política bem articulada das populações tradicionais locais através de suas organizações políticas
em aliança com os movimentos ambientalistas nacionais e internacionais preocupados com o
crescente desmatamento na Amazônia. Este novo quadro rompe com o antigo regime de poder
centralizado sobre a
região exercido inicialmente por
coronéis e empresas estrangeiras e
ultimamente pelo projeto Jarí.
Passados 20 anos, constatam-se grandes discrepâncias nos resultados sócio-econômicos e
ambientais alcançados nos três unidades de uso especial. Como se procura demonstrar neste
trabalho para cada uma das unidades de conservação supracitadas, tais discrepâncias advém
das peculiaridades dos arranjos institucionais de gestão ambiental criados a partir da interação
entre a lógica reprodutiva das famílias extrativistas e a cultura institucional dos gestores públicos
envolvidos nas respectivas unidades, num ambiente marcado por fortes pressões tanto das
estruturas de acumulação de capital comercial e agroindustrial, quanto de ONGs ambientalistas.
2. O Projeto de Assentamento extrativista do Maracá
Os extrativistas da região do rio Maracá, vão se organizar politicamente a partir do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do Amapá (SINTRA). Em 1985, o SINTRA, sob as influências do Conselho
Nacional dos Seringueiros (CNS) encampa a luta pelos direitos dos extrativistas do Sul do
Amapá, tendo como principal aliado a Cooperativa Mista Agroextrativista
Vegetal dos
1
Agricultores de Laranjal do Jarí (COMAJA) .
Nessa luta, o SINTRA vai exercer uma pressão sobre o MIRAD/INCRA, para a regularização
fundiária das terras ocupadas pelos extrativistas através da proposta de criação de Reservas
Extrativistas, incorporada no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) em 30 de julho de 1987,
através da Portaria No 627, na figura do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE). Dessas
pressões, estabelece-se uma agenda de trabalho envolvendo inicialmente o MIRAD/INCRA, o
SINTRA e a COMAJA e, posteriormente, o Conselho Nacional dos Seringueiros, o Instituto de
Estudos Amazônicos (IEA) e a Associação de Assistência Técnica e Extensão Rural do Amapá
(ASTER-AP).
Após a criação dos PAEs Maracá I, II e III em 1988, o SINTRA; o Conselho Nacional dos
Seringueiros (CNS-RA) e o
IEA passam a assessorar os moradores locais na criação das
condições necessárias à gestão dos assentamentos. Em 28 de outubro de 1991 foi instituídas a
Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas dos Projetos de Assentamento Extrativista I, II e
III do Vale do Rio Maracá (ATEXMA), com sede na Vila Maracá.
A aliança com o CNS e IEA, veio permitir à ATEXMA o apoio financeiro necessário, advindo
inicialmente da World Wildlife Fund (WWF) e posteriormente da Fundação Konrader Adenauer
(KAS), Surge daí projeto intitulado Homem e Ambiente na Amazônia, gerenciado pelo IEA e com
duração prevista de quatro anos.
1
Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006.
Apesar dos ganhos em infra-estrutura comunitária, a ATEXMA apresentava dificuldades
gerenciais. Reuniões regulares não eram realizadas e as poucas que ocorriam não contavam
com a presença representativa de sócios. Tentando resolver esse problema, organizou-se um
programa de renovação da ATEXMA, através de oficina de treinamentos sob a direção do
Instituto de Assuntos Culturais do Rio de Janeiro (LITTLE;FILOCREÃO, 1994). As oficinas
mostraram a necessidade de
organizarem-se núcleos da ATEXMA nas comunidades para
descentralizar suas atividades. Foram criados em 1994, quatro núcleos no interior dos Paes.
Em agosto de 1995, a ATEXMA aprova o Plano de Utilização dos Projetos de Assentamento
Extrativista Maracá I, II e III, o qual é aceito pelo INCRA em maio de 1997, estando prevista sua
em dois anos após.
A conclusão do projeto Homem e Ambiente na Amazônia lança a ATEXMA em dificuldades
financeiras. Um novo presidente assume em 1997 e se mantêm no cargo até 2005, quando é
destituído sob acusação de corrupção. Durante sua gestão, a ATEXMA afastou-se de seus
associados, abandona o trabalho com núcleos e se isola dos antigos aliados como CNS, SINTRA
e a
ASTEX-CA, acarretando na perda de poder político da entidade e em dificuldades de
captação de recursos financeiros. Neste período, as decisões
centralizam-se na figura do
presidente e alguns diretores em prol de seus interesses particulares (informação verbal)2.
Em 2005, já sob nova diretoria, a ATEXMA se encontra inadimplente junto ao INCRA e
endividada com uma empresa madeireira de Belém do Pará, com a qual negociou irregularmente
madeira a ser retirada de um projeto de manejo comunitário do PAE.
2.1. A Construção Social da Gestão do PAE Maracá
Passados os primeiro cinco anos de criação dos PAEs Maracá I, II e III, a atuação do INCRA nos
assentamentos era de extrema negligência, criando-se um cenário de conflitos entre beneficiários
e invasores que desenvolvem atividades estranhas aos objetivos dos PAEs (INCRA, 1993). Tal
situação, somada a pressão das organizações envolvidas com o extrativismo como o CNS-RA, o
IEA, o SINTRA e a ATEXMA, obrigaram o INCRA a criar em 1993 um Grupo de Trabalho (GT)
interinstitucional composto por INCRA (coordenador), IBAMA/CNPT, Secretaria de Estado da
Agricultura (SEAGA), Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá (RURAP), Instituto de Terras
do Amapá (TERRAP), Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente (CEMA), CNS, ATEXMA e IEA,
para apresentar uma proposta de implantação efetiva desse PAEs a Presidência do INCRA em
Brasília.
O Grupo de Trabalho diagnostica uma série de problemas
como: a invasão de pessoas e
instalação de empresas na área; o fornecimento pelo INCRA de cadastro de imóveis rurais que
são utilizados pelos invasores como documento de terra; expulsão de beneficiários; atividades
predatórias como mineração, extração de madeira, instalação de fazendas de búfalos,
2
Francisco Vieira.(Presidente da ATEXMA) Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP,
mai. 2006.
devastação dos açaizais por palmiteiras, caça e pesca irregular; além das deficiências dos
serviços púbicos de saúde, educação, assistência técnica (INCRA,1993). Propõe-se, a partir daí,
uma série de medidas que vão da demarcação das terras, retirada dos invasores, elaboração do
Plano de Utilização, formalização do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso as
populações locais, cadastramento dos beneficiários, fomento, etc.
A partir das conclusões do GT, o INCRA cadastra 400 famílias beneficiárias e as submete a
uma pesquisa socioeconômica para subsidiar o Plano de Utilização e o Contrato de Concessão
de Direito Real de Uso e a programação/95 para os Projetos de Assentamento (INCRA,1996).
Nos relatórios dos investimentos feitos no projeto, o INCRA contabiliza as famílias por tipos
de benefícios para fazer a totalização, provocando repetições na contabilização geral, o que
aumenta significativamente o número de
beneficiários das ações. Esses dados indicam que os
investimentos em apoio para instalação e créditos, totalizaram em 10 anos um volume de
R$1.394.410,00 (Hum milhão trezentos e noventa e quatro mil e quatrocentos e dez reais).A
forma como foram aplicados os recursos disponibilizados para o PAE Maracá criou um clima de
desconfiança dos moradores para com o INCRA. Existem suspeitas de que muitas pessoas
foram cadastradas irregularmente para acessar os benefícios destinados aos assentados. Isto
motivou ao atual presidente da ATEXMA a solicitar que fosse realizado, em 2005, um
levantamento ocupacional para excluir as pessoas cadastradas irregularmente pelo INCRA
(informação verbal)3.
Em 2007 o INCRA apresentou um relatório sobre a situação ocupacional, onde identifica 90
casos de pessoas cadastradas que não residem no PAE. Responsabiliza a ineficiência
administrativa da ATEXMA pela falta de controle e desconhecimento de casos de famílias
legalmente cadastrados junto ao INCRA que mais exploram suas áreas (INCRA, 2007).
Entre os anos de 1995 a 2002, a ATEXMA teve acesso a recursos estaduais, através de
convênios. Uma ação do governo do estado que tem perdurado ao longo dos anos está
relacionada ao transporte da produção para a feira do agricultor de Macapá com linhas
quinzenais. Também existe um escritório do RURAP, que mantém uma equipe composta por um
engenheiro florestal e dois técnicos agrícolas para prestar assistência técnica aos assentados,
em convênio com o INCRA.
2.2 A Gestão do PAE Maracá
Em 1997, os Projetos de Assentamento Extrativista Rio Maracá I, II e III foram unificados e
receberam a denominação de Projeto de Assentamento Agro-Extrativista Maracá, com área de
363.500 hectares e capacidade de atendimento para 1068 unidades agro-extrativistas familiares.
O INCRA autorizou a expedição do Direito Real de Uso deste PAE, em nome da ATEXMA, por
um período de 10 anos. Em dezembro de 2002, foi assinada pelo Superintendente Regional do
3
Francisco Vieira.(Presidente da ATEXMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP,
mai. 2006.
INCRA no Amapá uma Portaria de Retificação, aumentando a área
do Assentamento para
569.208,5407 hectares e diminuindo a capacidade suporte para 939 unidades agroextrativistas
familiares.
A concessão de Direito Real de Uso para a ATEXMA constitui uma responsabilidade muito
grande para uma organização sem estrutura financeira e operacional para gerenciar uma área
extensa, tendo moradores distribuídos ao longo de três grandes rios: a margem direita do rio
Preto, o rio Maracá a margem esquerda do rio Ajuruxi, além de parte da margem esquerda do rio
Amazonas, margens de igarapés tributários desses rios e margens da BR 156. Pelas regras e
normas que regulam os PAEs, os moradores, através da associação que assina o Contrato de
Direito Real de Uso, são os responsáveis pela gestão do assentamento. Cabe ao INCRA
fiscalizar o cumprimento do Plano de Uso por parte dos concessionários.
Após a conclusão do Projeto Homem e Ambiente na Amazônia, o IEA e o REBRAF deixam
de trabalhar com o PAE. Concomitantemente ocorre o afastamento da ATEXMA dos velhos
aliados como o CNS e o SINTRA, dificultando mais ainda as atividades gestoras da associação.
Frente às dificuldades, a ATEXMA repassa ao INCRA várias atribuições, como o cadastramento
de novas famílias, a definição das famílias que seriam contempladas pelos apoios creditícios etc.
O cadastramento realizado em 1994 foi perdido e atualmente, a associação não dispõem de
informações sobre os beneficiários, a não ser pela Relação dos Beneficiários (RB) fornecida pelo
INCRA, onde consta apenas o número de identidade e CIC das pessoas. O técnico do INCRA,
que desde 1994 é responsável pelo PAE, denominado de Empreendedor Social, não dispõe de
um sistema informatizado que lhe permita ter as informações das famílias beneficiárias. Utiliza
também a RB emitida pelo SIPRA. Em 2004 foi elaborado um novo Plano de Desenvolvimento do
Assentamento – PDA para o PAE Maracá, dessa vez com a participação das comunidades.
Como de praxe, ficou no papel.
Em síntese, o modelo de gestão adotado com o repasse das operações de gestão a
ATEXMA, sem a necessária contrapartida em assessoramento técnico e em infra-estrutura física
resultou em um gritante fracasso, agravado pelo afastamento da ATEXMA de seus associados e
antigos. Por fim, somam-se as resistências da cultura institucional agrarista do INCRA em
aceitar o extrativismo e suas especificidades, dificultando a implementação do PAE Maracá.
3. A Reserva Extrativista Cajari
A ação política dos moradores da região do Cajari teve início em 1984, com a visita de lideres
comunitários de Água Branca do Cajari e Boa Esperança do Cajari ao SINTRA, denunciando
problemas como a ação de grupos de seguranças armados impedindo os moradores de construir
benfeitorias que colocassem em risco o direito de propriedade da Jarí, sobre as terras da região,
bem como a falta de acesso a direitos sociais.
Em 1984 é criada a Associação Agrícola e Extrativista dos Trabalhadores Rurais do Cajari,
incluindo trabalhadores de Água Branca, Boca do Braço, Itaboca, Acampamento, Santarém,
Marinho e Dona Maria. Essa organização em 1995 ganhou um barco de 18 toneladas da
Secretaria de Agricultura/SEAG/AP em regime de comodato, usado para transportar os
moradores para a feira dos produtores em Macapá, a cada 15 e 15 dias até 1989 quando foi
abandonado (SILLS, 1991).
Por pressão do SINTRA, a região extrativista do rio Cajari é incorporada como área prioritária
para a criação de reservas extrativistas na agenda de trabalho que envolvia o MIRAD/INCRA,
SINTRA, COMAJA, CNS, IEA e ASTER-AP. Os levantamentos preliminares em 1988 geraram
três projetos para criação de PAEs que foram encaminhados junto com os três projetos do rio
Maracá e os três do rio Jarí.
Em 15 de setembro de 1991 foi criada a Associação dos Trabalhadores Extrativistas da
Reserva Extrativista do Rio Cajari (ASTEX-CA), com 235 sócios fundadores e quatro órgãos de
decisão: a Assembléia Geral, com reuniões anuais; um Conselho Deliberativo com 13 membros,
dois indicados pelo CNS-RA e os outros eleitos pelos sócios com reuniões trimestrais; e dentro
do Conselho Deliberativo, uma Diretoria Executiva (Presidente, Vice-presidente, Secretária e
Tesoureiro) e o Conselho Fiscal com três membros titulares e 3 suplentes.
No início, a ATEX-CA contava com três armazéns (cantinas) e um posto de saúde construído
utilizando recursos do CNPT-IBAMA em convênio com o CNS-RA, Através de um convênio entre
CNS-RA e a WWF, os dirigentes principais da ASTEX-CA recebiam uma ajuda de custo para
cobrir as suas despesas operacionais. Essa entidade tinha sócios em 17 comunidades,
englobando cerca de 50% da reserva. Entre as atividades da associação listavam-se:
conclusão das etapas para obtenção do Título de Concessão de Uso da
a
Reserva (o
cadastramento e levantamento socioeconômico, a preparação e aprovação do Plano de Uso e a
resolução de questões fundiárias); a fiscalização da reserva, através do encaminhamento de
denúncias de invasões e outras atividades ilegais; divulgação da associação na reserva; a
inscrição de novos sócios; e o gerenciamento das duas cantinas que estavam funcionando
precariamente na reserva (SILLS, 1993?).
Para auxiliar tecnicamente as atividades da associação junto aos moradores foi contratado um
técnico agrícola através do CNS, como recursos da WWF. Em 1994 foram contratados dois
novos técnicos agrícolas que ficaram até 1995, pagos pelo CNS-RA com recursos da WWF.
Esses técnicos ficavam 20 dias por mês nas comunidades da reserva, assessorando a ASTEXCA nas discussões com os moradores das questões ligadas à organização social e econômica da
RESEX.
Em 1995, as reservas extrativistas da Amazônia têm acesso aos recursos do Programa Piloto
para Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7) através do Projeto Reservas Extrativistas. Sua
componente 02, denominada de Organização Comunitária, visava fortalecer a organização
comunitária e gerencial nas Reservas Extrativistas, além
de apoiar o funcionamento dos
sistemas de saúde e educação. Entre suas principais atividades foram incluídas duas
relacionadas diretamente ao fortalecimento das organizações existentes: 1-Estruturação física e
operacional das associações locais; 2-Treinamento de pessoal em administração, finanças,
contabilidade e gerenciamento.
Durante a implementação da primeira fase do Projeto Reservas Extrativistas, de 1995 a 1999,
chegou-se à conclusão que seria impossível gerir a reserva por meio de uma única associação
(ASTEX-CA), em função da grande extensão da área. A partir daí, os beneficiários, com o apoio
do CNPT-IBAMA, ASTEX-CA e CNS, optam por dividir a responsabilidade da gestão com mais
duas novas associações: a Associação dos Produtores Agroextrativistas do Médio e Baixo Rio
Cajari (ASSCAJARI) e a Associação dos Moradores Agroextrativistas do Cajari (AMAEX). A
ASTEX-CA ficou responsável pela gestão da região do alto rio Cajari, até a comunidade de
Anuerá no rio Ariramba, abrangendo as áreas dos castanhais que são atendidas por estradas; a
ASSCAJARI, que foi criada em 24 de janeiro de 1999 como Associação Mista dos Trabalhadores
Extrativistas dos Rios Muriacá e Cajari (AMAERC), fundada com 130 sócios, foi
legalizada
apenas em 2003, e ficou responsável pela área de influência do médio e baixo rio Cajari, até a
sua foz na comunidade de Santa Ana, enquanto a AMAEX, criada em 01 de agosto de 1999,
ficou responsável pela gestão da área litorânea do rio Amazonas e as de influência do rio Ajuruxi
(informação verbal)4.
As associações comunicam-se com as comunidades através de núcleos que foram criados
para facilitar o acesso dos moradores às informações e aos processos decisórios. A existência de
uma rede de radiofonia facilita a integração e troca de informações entre as associações e
destas com os seus núcleos de base. Através de reuniões organizadas pelo CNPT, os dirigentes
das associações encontram-se freqüentemente em Macapá para planejarem suas atividades e
discutirem os problemas relacionados a reserva. Os dirigentes das associações cooperam entre
si na condução das assembléias gerais e em outros eventos que exige um nível maior de
organização e mobilização. As associações continuam mantendo uma relação de parceria com o
CNS, Ongs ambientalistas e sindicatos de trabalhadores rurais que atuam na região.
Atualmente, a ASTEX-CA conta com um quadro social de 411 associados, a ASSCAJARI com
375 e a AMAEX com cerca de 400 sócios. Cada associado contribui com uma mensalidade de
R$ 1,00.
A busca de alternativa econômica para os moradores da região do médio e baixo rio Cajari,
que não dispõem de castanhais, levou o CNS-RA e a ASTEX-CA, em 1994, a trabalharem na
implantação de um projeto de aproveitamento dos açaizais existentes, através do processamento
de palmito, com o apoio financeiro da WWF. Para gerenciar a produção e comercialização do
palmito criou-se em 15 de dezembro de 1996 a Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas
da Reserva do Rio Cajari (COOPER-CA), com 31 sócios, cuja diretoria foi formada por
4
Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Água Branca-AP, mai. 2006.
Calixto Pinto de Souza(Ex-presidente da ASTEX-CA, presidente da ASSCAJARI). Entrevista concedida a
Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP, fev. 2006.
representantes das quatro comunidades envolvidas com o projeto (DERTONI, 1999). A
COOPER-CA conta atualmente com um quadro social de 70 cooperados, faz
reuniões
trimestrais, e participa das reuniões freqüentes organizadas pelo CNPT-IBAMA com as outras
organizações da reserva.
No alto rio Cajari, na região do maciço de castanhais, com recursos financeiros do PPG-7,
sob a coordenação do CNPT-IBAMA, foi construída no final de 2000 uma fábrica para
processamento de castanha na forma desidratada com casca, denominada tecnicamente de
“castanha dry”. Cooperativa Mista Agroextrativistas dos Trabalhadores do Alto Cajari –
COOPERALCA, legalizada em janeiro de 2001, foi criada para assumir a gestão do projeto
(PICANÇO, 2005).
Tomiyoshi (2003) constata a falta de transparência na gestão da COOPERALCA e registra,
entre outros: a inexistência de um registro contábil; livro de ata com destino ignorado; falta de
assembléia para discutir as atividades desenvolvidas pela diretoria; os cooperados que
entregavam a sua castanha a cooperativa, desconheciam como ocorria o processo de
comercialização; centralizada apenas no presidente da cooperativa. Observa
ainda que os
cooperados encontravam-se totalmente alheios às questões da cooperativa, o conselho fiscal
não estava cumprindo o seu papel e a cooperativa, invés de fazer um adiantamento aos
cooperados pela castanha recebida, para no balanço final dividir a sobra, atuava simplesmente
como compradora da castanha recebida dos cooperados.
Em 2003, o presidente da cooperativa o Sr. Francisco Caldas, o “Capim”, é afastado por
intervenção do CNS-RA, sob a alegação de gestão mal conduzida, após acúmulo de prejuízo e
perda de capital durante os quase dois anos de sua gestão. Esse fato afetou a credibilidade da
cooperativa, reforçando a prática de venda direta da produção dos extrativistas aos
intermediários (PICANÇO, 2005).
As mulheres da RESEX também se organizam através de associações. Silva (2003), faz
referências a Associação das Mulheres do Cajari (AMC), criada em 21 de dezembro de 1997,
com sede em Água Branca do Cajari. A AMC, a qual obteve recursos do PPG-7 para implantar
uma fábrica de sabão que funcionaria em um galpão construído em alvenaria e madeira, que
após a construção ficou abandonado.
Atualmente, existe em Água Branca, a Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto
Cajari (AMAC), criada em 8 de maio de 2004 e que se organizou a partir dos espólios da AMC,
que se desintegrou com a saída da região da sua principal liderança. A AMAC possui 35
mulheres associadas e abrange nove comunidades do alto rio Cajari, tendo como prioridade
trabalhar na geração de renda familiar através do artesanato. Possui uma sede, que funciona
como centro comunitário, tem reuniões ordinárias trimestrais e assembléia geral de três em três
anos. A AMAC participa das reuniões organizadas pelo CNPT junto com as outras associações e
cooperativas da reserva (informação verbal)5.
5
Zenilda Batista de Lima(Presidente da AMAC).Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá,
Segundo Picanço (2005), há ainda a Associação de Mulheres do Baixo Cajari (AMBAC). Em
sua opinião, a função social e efetiva atuação dessas associações, ainda era uma incógnita,
porém era possível afirmar que elas eram tuteladas por lideranças masculinas, numa clara
estratégia de manter e ampliar a influência em suas áreas de atuação.
A experiência organizativa na RESEX Cajari pode ser considerada rica em experiências.
Apesar de erros e acertos essas experiências vêm contribuindo para o fortalecimento político dos
moradores da reserva, o que estabelece um diferencial positivo em relação às experiências do
PAE Maracá, companheiro de trajetória.
3.1. A Construção Social da Gestão da RESEX Cajarí
Subordinada ao IBAMA desde março de 1990, somente em janeiro de 1992, com a criação do
Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado de Populações Tradicionais (CNPT), é que A
RESEX vê tomadas as primeiras providências necessárias a sua implementação. Através de
ações emergenciais, o CNPT inicia o processo de desapropriação das terras da reserva, dando
entrada na Justiça Federal, apenas na véspera da caducidade do direito desapropriatório por
interesse social, no dia 11 de março de 1992, sob a pressão da
ECO-92. Ao todo, foram
desapropriados 63 imóveis, a maioria dos quais sob posse presumida do Projeto Jarí
(FILOCREÃO, 1993; MATTOSO; FLEISCHFRESSER, 1994).
Ainda em 1992, o CNPT firmou um convênio com o CNS-RA para
construção de três
armazéns de 50 m2 para armazenamento de castanha e funcionamento de cantinas comunitárias
para atender os castanheiros; de um posto de saúde de 70 m2; e de um posto de fiscalização;
compra de uma lancha e implantação de um sistema de radiofonia. O convênio totalizou Cr$
129.499.000,00, porem sua execução não obteve o sucesso almejado, dados o subdimensionamento dos valores e a inexperiência administrativa do CNS-RA para lidar com
recursos públicos. Assim, a execução é repassada ao IBAMA, (CNS-RA, 1992).
O CNPT iniciou em 1992 o cadastramento das famílias moradoras da RESEX, intensificou a
fiscalização, e iniciou a sinalização do perímetro da reserva. Nos anos de 1993 e 1994 o CNPT
trabalhou com o CNS-RA e a ASTEX-CA nas discussões do plano de utilização e na elaboração
das propostas para o Projeto RESEX do PPG-7, já que não ocorreram novos investimentos em
infra-estrutura na reserva, por parte do governo federal (informação verbal)6.
Os principais investimentos realizados com recursos dos Projetos RESEX Fase I e II do PPG7, com vigência de 1995 a 2006, foram a implantação da Mini-usina de Beneficiamento de
Castanha Dry em Santa Clara, com custo de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta mil reais),
e inaugurada em 2000; a demarcação da área da reserva; a construção de uma escola na Vila
Sororoca; um posto de saúde na comunidade de São José; construção de casas de farinha
comunitárias, pocilgas, galpões para criação de frangos; a estruturação e fortalecimento
6
mar. 2006.
Wilson Menescal.(Ex-gerente do CNPT-IBAMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá,
ago. 2006.
institucional da ASTEX-CA e AMAEX, implementação de pequenos projetos econômicos; e a
realização de diversos treinamentos nas comunidades(IBAMA , 1997, 1998, 2002; TOMIYOSHI,
2003). Segundo informações do Coordenador do Projeto RESEX II, Alessandro Fabiano de
Oliveira, foram investidos na Reserva Cajari entre 1995 a 2000, na fase I do Projeto RESEX, um
volume de recursos da ordem de R$ 1.486.903,93 ( hum milhão quatrocentos e oitenta e seis mil
novecentos e três reais e noventa e três centavos). Na fase II os recursos gastos foram bem
menores, sem grandes investimentos em infra-estrutura.
Entre 1995 a 2001, o CNPT-AP, através do PNUD, contratou uma quadro de nove técnicos
agrícolas para desenvolver suas atividades na região. Atualmente, mantêm contratados, através
de terceirização, dois técnicos agrícolas.
O INCRA, a partir do reconhecimento da RESEX Cajari como um projeto de reforma agrária
em 2002, vem garantindo as famílias residentes o acesso aos créditos na Política Nacional de
Reforma Agrária (PNRA), como o auxílio moradia, no valor de R$ 5.000,00, o fomento no valor de
R$ 2.400,00 e outras linhas de crédito para assentados. Segundo dados do IBAMA (2006), 1050
famílias da reserva Cajari já foram cadastradas (sipradas) pelo INCRA e 617 famílias já tiveram
acesso ao crédito habitação. As atividades do INCRA são desenvolvidas na região em parcerias
com as associações. A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) tem atuado no controle da
malária na RESEX, em parceria com as associações.
Desde o inicio, a relação dos moradores da reserva com o governo estadual foi conflitante,
pois a sua criação ia de encontro aos interesses do governo da época, que pretendia estimular a
agricultura na região. Fingindo desconhecer a existência da RESEX, o governo estadual inicia a
construção de uma estrada federal cortando a RESEX Cajari e os PAEs Maracá sem os Estudos
e Relatórios de Impacto Ambienta (EIA-RIMA). Através das alianças entre o CNS, SINTRA, IEA
e ONGs ambientalistas internacionais,
consegue-se
embargar a construção dessa estrada
(FILOCREÃO,1992).
O reconhecimento pelo governo estadual da RESEX só ocorreu após grande mobilização
dos extrativistas e movimentos ambientalistas nacionais e internacionais exigindo uma audiência
pública para avaliação do Relatório de Impacto Ambiental para a continuação da construção da
estrada. Na audiência, realizada em junho de 1991 em Laranjal do Jarí, o governador se
compromete a apoiar o escoamento da produção, a criar postos de saúde, escolas, a prestar
assistência técnica, e a doar animais para transporte da castanha, como medidas mitigadoras e
compensatórias do impacto ambiental da estrada. Pouco se fez além do comprometimento,l
Com o novo governo, que assume em 1995, a reserva passa a receber um novo tratamento,
tendo as organizações locais acessado recursos para a comercialização da castanha e palmito,
garantido o transporte para escoamento da produção, assistência técnica através do escritório
do RURAP, e assessoramento tecnológico pelo Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica
(IEPA).
Esse apoio tem sido mantido, graças à capacidade mobilizadora e articuladora das
organizações existentes na reserva, que contam com o apoio do CNS-RA e CNPT nas suas
ações políticas.
Segundo o presidente da ASTEX-CA, as associações têm também mantido uma relação de
cobranças e parcerias com as três prefeituras que tem jurisdição administrativa sobre a reserva,
na luta por acesso aos direitos sociais de educação, saúde e transporte da produção.
3.2, A Gestão da RESEX Cajari
Em 1992, foi criada no Amapá uma representação local do CNPT composta por três técnicos:
um engenheiro florestal do IBAMA, um engenheiro florestal da Coordenadoria Estadual de Meio
Ambiente (CEMA) e um engenheiro agrônomo ligado ao Conselho Nacional dos Seringueiros.
Estes iniciaram o processo de gestão da RESEX, em uma composição integrando o governo
federal, o governo estadual e a representação política dos moradores.
Essa primeira coordenação do CNPT, com boa capacitação técnica funcionou 1994,
encaminhando as atividades de desapropriação, elaboração e assessoramento da ASTEX-CA e
CNS-RA na implementação dos projetos emergenciais e na elaboração das propostas técnicas
para o Projeto RESEX do PPG-7.
Com a saída dos representantes do governo estadual e do CNS-RA, o representante do
IBAMA permanece coordenando o CNPT até a entrada dos recursos do Projeto RESEX do PPG7, quando foi substituído por decisão do CNPT de Brasília, por um outro engenheiro florestal do
IBAMA, que até então, mantinha-se contrário à proposta de Reserva Extrativista. Este novo
coordenador permaneceu na função até junho de 1998. A partir de então, o CNPT perde a sua
capacidade técnica, ao ser coordenado por um fiscal do IBAMA de nível médio. Da mesma forma,
a equipe técnica contratada pelo PNUD era também composta por técnicos de nível médios ainda
inexperientes para o encaminhamento das propostas técnicas necessárias à complexa
viabilização econômica da reserva.
O enfraquecimento da capacidade técnica da gestão da reserva foi contrabalançado por um
fortalecimento da gestão política, pois o modelo de gestão proposto é compartilhado entre o
IBAMA e os moradores através da sua representação política, a ASTEX-CA (IBAMA,2006). O
Projeto RESEX garantiu, através de convênios, recursos financeiros para a capacitação dos
dirigentes da associação, através de cursos e treinamentos ligados aos aspectos gerenciais e
organizacionais; e, para serem administrados diretamente pela ASTEX-CA no seu fortalecimento
institucional, o que melhorou o aprendizado administrativo e organizacional de seus gestores.
A parceria CNPT e ASTEX-CA procurou envolver as comunidades na gestão através da
estratégia de criação de núcleos de base, distribuídos nas principais comunidades das reserva.
Esses núcleos discutiam as propostas dos moradores para serem incluídos nos Planos
Operativos Anuais (POAs) que eram elaborados pela associação, para acessar os recursos do
PPG-7. Apesar da presença constante e do assessoramento do CNPT-AP e das mudanças nos
arranjos institucionais para melhorar a co-gestão, na avaliação do técnico Marcio Matos, os
problemas de gestão ainda são as principais fragilidades da RESEX, pois é difícil querer
transformar um pequeno agroextrativista em um grande administrador de um dia para outro.
4. O PROCESSO DE CRIAÇÃO E GESTÃO DA RDS IRATAPURU
A organização política dos agroextrativistas da RDS Iratapuru é o resultado tardio de um
grande processo de mobilização social dos trabalhadores rurais da região do rio Jarí, que surge
na década de 1980, motivado pela busca de melhores condições de produção e comercialização
dos produtos agroextrativistas e na luta contra a opressão do Projeto Jarí
No início da década de 1980, cria-se na região do Jarí uma delegacia do STR Almeirim.
Poucos trabalhadores rurais da região filiam-se a esse sindicato, que mal conseguia atender
seus sindicalizados do estado do Pará. Mesmo assim, a experiência desse sindicato influenciou
no processo organizativo dos trabalhadores da região que passam a sentir a necessidade de criar
entidades locais que pudessem representar os seus interesses políticos e econômicos junto ao
governo do Território Federal do Amapá.
Inicialmente, sob a influência de técnicos das instituições do Governo do Amapá e da Prefeitura
Municipal de Mazagão, surge a idéia da criação de uma cooperativa. Em 1983, inicia-se o debate
em torno da criação de Cooperativa Mista Agroextrativista de Laranjal do Jarí (COMAJA), que
teria como principal finalidade a comercialização dos produtos agroextrativistas da região. A
Associação Mista Agroextrativista de Laranjal do Jarí (AMAJA) viria a substituir as principais
ações da COMAJA, enquanto esta não se encontrasse legalizada (FILOCREÃO,1992).
A AMAJA mobilizava
512 associados, reivindicando
junto ao governo obras de infra-
estrutura de transporte e armazenagem. Assim funcionou por três anos. Constituiu vários núcleos
comunitários na região, atendendo os seus associados num sistema de cantinas comunitárias,
onde vendia as mercadorias por um preço inferior ao dos regatões. Também garantiu linhas de
transporte para o escoamento da produção, e estruturas para armazenamento e beneficiamento
da produção, com o apoio do governo territorial.
Em 1986, com o apoio do governo territorial é eleita uma nova diretoria da Associação,
composta por um grupo de "agricultores" que tinham como principais atividades o comércio e a
retirada de madeira. Esse grupo passa a utilizar a estrutura da AMAJA apenas para atender
interesses de madeireiros, excluindo os produtores
agroextrativistas dos serviços que eram
prestados pela AMAJA. Tal fato os leva a agilizar a regularização jurídica da Cooperativa,
elegendo a primeira diretoria em 1985. Assim, o patrimônio constituído em nome da COMAJA
ficou nas mãos dos trabalhadores agroextrativistas. Já a estrutura do governo ficou para os
madeireiros, comerciantes e garimpeiros que formavam a diretoria da AMAJA.
A COMAJA, nessa fase, continuou com as pequenas cantinas comunitárias e durante dois
anos intermediou a compra de castanha de seus sócios, vendendo a comerciantes da região. Ao
constituir-se formalmente, a COMAJA conseguiu levantar alguns recursos creditícios e outras
formas de financiamento do Governo do Estado. Em 1989 e 1990, junto com algumas entidades
do governamentais e não governamentais, promoveu o 1o e 2o Encontros de Castanheiros da
região do Jarí,
envolvendo os produtores agroextrativistas na discussão dessa atividade,
surgindo daí algumas reivindicações referentes à questão fundiária e ao transporte da produção
que foram encaminhadas ao governo do Estado, conseguindo-se alguns resultados, como: a
venda financiada de burros para o transporte da castanha, instalação de usina para
beneficiamento do látex e o inicio do processo de beneficiamento local da castanha.
Nos anos de 1980, a COMAJA atuou d forma mais política na reivindicação dos direitos dos
agroextrativistas. Aliando-se com o SINTRA terá uma atuação muito forte na luta pela terra, ao
assumir um papel importante na pressão sobre o MIRAD/INCRA, para resolver os problemas
fundiários da região, tendo participado ativamente
da realização dos estudos de 1988 para
definição de áreas prioritárias para os assentamentos extrativistas, que vão resultar na criação
dos PAEs Maracá e na RESEX Cajari.
Em 1990, é eleita uma nova diretoria da COMAJA, com um número significativo de
agricultores que também exploravam o comércio local. Essa diretoria passa a impor um caráter
empresarial a COMAJA, dentro de uma proposta de capitalização imediata, através de uma
valorização máxima do capital de giro disponível, que se dava na comercialização da produção
de sócios e não-sócios. Com recursos dos governos estadual e federal, implanta uma estrutura
de beneficiamento com capacidade de processar até 40.000 hectolitros de castanha por ano.
Segundo Abrantes (2003), entre 1995 a 2002, a COMAJA obteve
estadual, recursos estimados em
R$1.722.174,65,
aplicados
dos governos federal e
na instalação da fábrica e
processamento da castanha.
Ao sair da diretoria da COMAJA em 1990, seu ex-presidente trabalha na organização de uma
nova cooperativa. Em 1992 funda a Cooperativa Mista de Produtores e Extrativistas do Iratapuru
(COMARU), composta de 22 sócios. Logo a COMARU instala, em caráter experimental, uma
fábrica artesanal de processamento de castanha, produzindo óleo, doce, paçoca,e farinha de
castanha. Esta última foi testada em Macapá na merenda escolar, obtendo boa aceitação. Com
recursos do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária e da Prefeitura Municipal de Laranjal do
Jarí, construíram através de mutirão a sede da cooperativa, composta de dois galpões e uma
estufa, no ano de 1994(PDA,1996).
Em 1995, a COMARU consegue um financiamento de R$ 25.000,00 do Banco do Estado do
Amapá (BANAP), que é utilizado na compra de motores de popa, melhorias da estufa e como
capital de giro para comercialização da safra. A partir desse ano, a COMARU inicia o
fornecimento de castanha para a merenda escolar da rede estadual de ensino (PDA,1996). A
partir daí, a COMARU notabiliza-se no Amapá e fora do estado, como produtora de biscoitos de
castanha no meio da floresta, tornando-se um dos principais ícones do Programa de
Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amapá (PDSA).
Além da sua forte atuação econômica, a COMARU assume também o papel de porta voz das
reivindicações dos direitos dos moradores do Iratapuru, principalmente nos aspectos ligados à
educação, saúde, e a questão da terra. Através dessa atuação conseguiu obter melhorias no
atendimento a educação, saúde e principalmente garantir o direito ao usufruto das florestas pelas
famílias, através da criação pelo governo estadual da RDS Iratapuru em 1997.
Em sua atuação econômica, a COMARU conseguiu acessar através de convênios com os
governos estadual e federal, entre 1995 a 2000, um volume de recursos da ordem de
R$1.333.786,00. A falta de prestação de contas da maior parte dos recursos levou a destituição
do grupo que dirigia a COMARU desde a sua criação. Nova diretoria é eleita em 2001. Em
contrapartida, o governo estadual passou a gerir diretamente os recursos aplicados na fábrica no
biênio 2001/2002, que chegou a um montante de R$ 403.494,64(ABRANTES, 2003).
Em outubro de 2003, a fábrica é totalmente destruída por um incêndio. Suspeita-se que se
trata de um incêndio criminoso, provocado pelo grupo destituído do poder em 2001.
Em 2004, através de um empréstimo da indústria de cosmético Natura, é recuperada a
fábrica de óleo de castanha, que, vendido a Natura, permite com que a COMARU consiga pagar
seus empréstimos.
Atualmente tem 27 sócios a COMARU
se encontra inadimplente,
impossibilitada de acessar recursos públicos devido à falta de prestações de conta de convênios
anteriores. Grande parte de seu patrimônio, principalmente de transportes, encontra-se
sucateada, restado ainda várias dívidas não liquidadas (informação verbal)7.
O processo de organização política da população beneficiária da RDS, apesar de pequena,
apresenta os mesmos problemas de locais com populações maiores. Conflitos cooperativos
inerentes à organização e a ação coletiva parecem não depender tanto do tamanho do grupo,
como defendem teóricos da economia e sociologia institucional Olson (1994).
4.2. A Construção Social da Gestão da RDS
Desde a sua criação, a COMARU tem atuado fortemente como porta voz dos interesses dos
moradores do Iratapuru, reivindicando os seus direitos sociais básicos como educação e saúde.
Conseguiu assim, manter um relacionamento positivo com o governo federal, estadual e
municipal, alcançando alguns resultados favoráveis para a comunidade representada.
Inicialmente, sua atuação reivindicatória sobre a Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí
logrou recursos de contrapartida ao governo federal para a construção da sede da cooperativa,
composta de dois galpões e uma estufa, em 1994. Ainda nesse ano, foi instalada uma escola de
1a a 4a série, atendendo até a 8a séria a partir de 2002 e desenvolvendo também atividades de
educação de adultos. Na área de saúde, a RDS recebe da prefeitura um atendimento nas
campanhas de vacinação e visitas programadas de agentes de saúde. O governo municipal era
um importante comprador de seus produtos para a utilização na merenda escolar, quando ainda
funcionava a fábrica de biscoito, o que possibilitou uma sobrevida à fábrica, quando da mudança
de governo estadual e retirada do apoio a COMARU.
A COMARU obteve em 1994 junto ao governo federal a maioria dos recursos utilizados na
7
Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Iratapuru-AP,
jul.2006.
construção da sede da Cooperativa. Esse recurso inicial foi disponibilizado pelo Ministério da
Agricultura e Reforma Agrária. Entre 1997 a 1999, executou um projeto do Fundo Brasileiro para
Biodiversidade (FUNBIO) no valor de R$149.000,00 para borracha. Através do Ministério do Meio
Ambiente, no programa Projetos Demonstrativo Tipo A (PD/A) do PPG7, foi contemplada com um
volume de recursos de US$ 209.000,00 para construção da fábrica de beneficiamento da
castanha. Conseguiu ainda junto a FUNASA, o desenvolvimento de atividades para o controle da
malária, através da capacitação de uma agente de saúde voluntária e a instalação de infraestrutura necessária para fazer os exames de sangue para diagnosticar a doença na própria
comunidade (PDA, 1996; COELHO et al, 1999; ABRANTES, 2003).
O apoio do governo do estado entre os anos de 1995 a 2002 foi decisivo para a implantação
da estrutura de beneficiamento de castanha; o comércio da produção processada através da
merenda escolar; a instalação da energia elétrica na comunidade; a montagem de uma estrutura
para tratamento de água; além de assinar vários convênios para apoio a transporte, capital de
giro, melhoria tecnológica, o que representou um volume de recursos estimado em
R$1.428.280,64 entre 1995 a 2002 (ABRANTES,2003).
O forte apoio do governo estadual foi perdido em 2003. Em 2006 estruturas de fornecimento
de energia e tratamento de água garantidas pelo governo estadual encontravam-se em precárias
condições de funcionamento. A ação visível do governo estadual se resumia a manter um
gerente da RDS, pago com recursos de uma ONG ambientalista, que passava a maior parte do
seu tempo em Laranjal do Jarí. Esse abandono da parceria com o governo reflete a mudanças de
prioridade do novo governo, interessado agora na agricultura empresarial em estruturação no
estado.
4.3. A Gestão da RDS Iratapuru
A Lei que cria a RDS Iratapuru estabelece que todos os atores sociais direta e indiretamente
envolvidos no processo de criação e implantação da RDS são responsáveis pelo seu manejo e
gerenciamento, em particular os moradores. Esses manejo e gerenciamento deverão obedecer
às diretrizes do planejamento participativo, das ações integradas e da legitimidade do processo.
Define também que a gestão deverá ser conduzida pelo Conselho Gestor constituído por um
representante respectivamente da SEMA, do Instituto de Terras do Amapá (TERRAP), da
Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí (PMLJ), da Câmara Municipal de Laranjal do Jarí e do
Ministério Público Estadual, e seis representantes de diferentes organizações de extrativistas do
Sul do Amapá.
A Lei também define que a SEMA será responsável pela coordenação do Zoneamento
Ambiental, do Plano de Manejo da Reserva e do Licenciamento Ambiental competente, enquanto
o TERRAP ficou responsável pela demarcação e regularização da ocupação das terras e
cadastro de moradores da RDS. Coube ao Conselho Gestor a responsabilidade de todas as
matérias pertinentes a RDS.
O Conselho Gestor foi criado em julho de 1999 através do Decreto No 1.777, tendo como
representantes de instituições extrativistas do Sul do Amapá a COMARU e a COMAJA. Em maio
de 2000 o Conselho Gestor, denominado de COGERIR publicou o seu Regimento Interno. A
SEMA iniciou também nesse ano o Zoneamento Ambiental da RDS, utilizando uma metodologia
do Zoneamento Participativo através de oficinas nas comunidades. Através do PPG7, iniciou-se
em 2001 uma série de estudos necessários ao cumprimento da responsabilidade de
regularização da RDS.
BARBOSA (2001), alenca pontos positivos como os estudos necessários a regularização da
RDS, porém ressalta sérios problemas como as dificuldades da socialização dos resultados da
reunião do COGERIR pelos representantes dos moradores, a falta de participação de alguns
representantes de órgãos públicos e o desconhecimento da comunidade sobre a existência e o
papel do COGERIR. Ressalta ainda
a necessidade de um compromisso maior com o
planejamento participativo e a gestão integrada que no seu entender são os pilares da gestão da
RDS.
5 Enfrentamento dos Conflitos Fundiários e Sócio-ambientais nas Áreas Protegidas
O enfrentamento e resolução dos conflitos pela posse da terra e pela utilização dos recursos
naturais deram-se de forma diferente nas áreas protegidas do Sul do Amapá, onde os arranjos
institucionais para a gestão tiveram um papel importante nos resultados.
No intervalo entre a desapropriação das terras do Maracá pela ação do Grupo Executivo do
Baixo Amazonas (GEBAM) em 1981
até a criação dos PAEs Maracá em 1988, houve um
processo de ocupação da área por comerciantes locais, que investiram na pecuária,
principalmente na criação de búfalos. Isto aconteceu devido à falta de fiscalização do INCRA,
órgão arrecadador das terras desapropriadas. Esses fazendeiros, utilizando cadastros do INCRA
para pagamento de imposto territorial rural, passaram a se intitular donos das terras
desapropriadas para fins de reforma agrária, impedindo o usufruto de recursos naturais
existentes pelos antigos moradores. No geral, esses fazendeiros desenvolviam outras atividades
dentro do PAE, como exploração de madeira, compra de castanha e comércio em geral.
Dubois (1989), identifica quatro comerciantes ocupando ilegalmente as áreas dos PAEs,
implementando a criação de bovinos e bubalinos e controlando grandes estoques de recursos
naturais. Dois eram irmãos e controlavam castanhais e o comércio da castanha, que
estabeleceram a criação de búfalos na localidade denominada Central do Maracá; o terceiro, um
grande comerciante de ferragem de Santana-AP, que controlava castanhais da região e lucrava
no comércio da castanha, este instalou fazendas na margem esquerda do Igarapé do Lago no
médio Maracá; o quarto, um grande comerciante de ferragens de Macapá, que se instalara na
margem direita do mesmo Igarapé, implantando cinco retiros para criação de gado, e encontravase expandindo ainda mais a sua ocupação ilegal de terras nos PAEs. Este autor referencia os
prejuízos que a criação de gado extensiva vinha provocando aos moradores da região, ao
destruir as suas roças, obrigando-os a buscar lugares mais distantes para continuarem sua
sobrevivência através do agroextrativismo.
Em 1993, foi feito um levantamento de invasões nos PAEs, pela ATEXMA e encaminhado ao
INCRA, onde foram identificados 15 invasores, entre
grileiros, fazendeiros, mineradora,
palmiteiros e madeireiros. No relatório do INCRA (1996), cita-se que esses casos estavam sendo
tratados através da justiça, sob a responsabilidade da Procuradoria Regional do INCRA. O
relatório do Grupo de Trabalho coordenado pelo INCRA em 1993 considerou que a emissão de
cadastros rurais pelo INCRA a pessoas que estavam invadindo a área, mesmo após a sua
destinação, era um fator que contribuía para o agravamento de problemas fundiários(INCRA,
1993). Em 2004, o diagnóstico para o Plano de Desenvolvimento do Assentamento Maracá
(INCRA,2004) mostra que o conflito com a criação de búfalos das fazendas mantém-se como
problema no PAE, o que significa dizer, que apesar da ilegalidade, não foram desapropriadas,
continuando em conflitos com as populações beneficiárias.
Percebe-se também, a emergência de novos conflitos: entre as famílias recém assentadas e
as antigas pelo acesso a terra e ainda o conflito por acesso a recursos naturais com forte
demanda pelo mercado, como os castanhais. São conflitos que vão surgindo em função das
dificuldades da aplicação das regras e normas relativas ao tipo de projeto de assentamento, tanto
de parte da organização gestora que detém a concessão do direito real de uso, como do órgão
público co-gestor e fiscalizador do cumprimento das regras e normas. Esses tipos de problemas
apesar da gravidade para o tipo de assentamento não são devidamente enfrentado pelo INCRA,
tanto que no levantamento ocupacional realizado em 2006 para atender a solicitação da
ATEXMA, é ainda comprovada a existência de seis ocupações latifundiárias dentro do PAE
(INCRA, 2007).
No caso da RESEX, segundo Pedro Ramos (informação verbal)8, quando o SINTRA começou
a atuar na região do rio Cajari, a utilização dos castanhais pelos moradores dava-se a partir de
autorização que o advogado da Jarí emitia em favor do morador, reforçando o direito de posse da
empresa. Estes documentos eram aceitos pelos moradores no direito a exploração dos
castanhais, e continuaram em vigência após a criação da reserva. Outra estratégia utilizada pelo
Projeto Jarí no baixo e médio rio Cajari, para garantir um maior estoque de terras, era ocupar
grandes áreas com pequenas e mal estruturadas ‘fazendas’ com um barracão improvisado e não
mais de 30 a 40 cabeças de gado (GEMAQUE, 1988).
Segundo Pedro Ramos, a representação do INCRA no Amapá era subordinada ao Pará,
onde o Superintendente do INCRA era atrelado ao Projeto Jarí, criando as dificuldades fundiárias
para a população que vivia na região. Com o advento da Nova República e a transformação do
Amapá em Estado, ocorreu a desvinculação do INCRA-AP do Pará, através da criação de uma
delegacia do MIRAD, cujo delegado foi nomeado com apoio do SINTRA, conseguindo-se assim,
8
Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006.
encaminhar os estudos necessários a criação dos PAEs Maracá e a RESEX Cajari, enfrentando
o poder econômico e político do Projeto Jarí.
Apesar de criada em 1990, as ações do IBAMA para a regularização fundiária da Reserva
Cajari só vão iniciar com a criação do CNPT. Segundo Picanço (2005), baseado em
Relatório(1999), foi depositado em juízo pelo IBAMA um valor de R$ 5.707.089,23 (cinco milhões,
setecentos e sete mil e oitenta e nove reais e vinte e três centavos), em favor da empresa Jari. A
partir daí, criou-se uma disputa na esfera jurídica entre o IBAMA, INCRA e o Projeto Jarí, quanto
a valores da indenização e legalidade de alguns títulos.
Como as terras estavam concentradas no Projeto Jarí, com a desapropriação em andamento
na esfera do judiciário, os conflitos fundiários com esta
empresa deixaram de ser uma
preocupação para os beneficiários da reserva, embora, segundo Picanço (2005), em 2000, com a
transferência do Projeto Jarí para o Grupo Orsa, colocou-se placas informativas ao longo da BR156, em diversos locais em que a rodovia corta a reserva ao norte, declarando posse da área.
Porém os membros da ASTEX-CA retiraram essas placas.
Com a desapropriação da Jarí encaminhada na justiça, gerou-se uma nova preocupação para
os beneficiários da reserva: as invasões de terras. Os pequenos casos de invasão de terras por
pessoas de foram resolvidos sem grandes problemas a partir do CNPT-AP, com o apoio da
fiscalização do IBAMA.
Em 1993, uma grande invasão foi organizada por um agricultor goiano com o apoio do
governo do Estado, prefeitura de Laranjal do Jarí e políticos ligados ao governo. Pretendia-se
fazer um assentamento agrícola estadual em áreas de castanhais denominado de Centro Novo
no entorno da reserva. Esses castanhais eram explorados por moradores da RESEX. A partir de
denúncias sobrescritas pelo CNS-RA, SINTRA, ASTEX-CA, ATEXMA, CUT e Grupo de Trabalho
da Amazônia (GTA), o IBAMA é obrigado a organizar uma ação com o apoio do Ministério
Público Estadual ao local, onde encontra desmatamentos irregulares, derrubada de barracos de
extrativistas, piqueteamento de lotes,
utilizando-se de dois tratores do governo do Estado
(FILOCREÃO,1994). Com a eleição de um novo governador do estado em 1995, encerraram-se
as tentativas de invasões da reserva com o apoio do governo estadual.
Eventuais desavenças entre moradores devido à invasão de castanhais são resolvidas em
reuniões envolvendo a associação, os litigantes e o CNPT, onde são feitos e assinados os
acordos, que têm sido cumpridos. Através do Projeto RESEX, trabalhou-se com a figura do
fiscal colaborador das próprias comunidades, que com o auxílio da radiofonia acabam atuando
com rapidez nos casos de tentativas de invasões de pessoas de fora, evitando que elas se
consolidem (informação pessoal)9. Algumas vezes acontecem vendas de castanhais entre
moradores, porém são realizadas com o aval da associação, já que está se negociando apenas
as benfeitorias que foram feitas, tendo em vista que as terras são de propriedade do
9
Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Água Branca-AP, mai. 2006.
IBAMA(informação verbal)10.
Na RDS Iratapuru, em 1988, nos estudos para identificação de áreas prioritárias para
assentamentos extrativistas observou-se a inexistência de conflitos pela posse da terra. Os mais
antigos afirmavam que, depois do Cel. José Júlio, ninguém mais reivindicou a propriedade
dessas terras à margem esquerda do Jarí. Os únicos problemas que a comunidade enfrentava,
ocorriam quando alguém de fora decidia fazer a cata de castanha em castanhais locais. Os
moradores não tinham preocupações com a apropriação das áreas que ocupavam (apenas um
castanheiro tinha sua colocação cadastrada no INCRA) (MENEZES e MORAES, 1988)
Esta situação aparentemente favoreceu a criação da RDS de Iratapuru pelo governo estadual,
pois não houve necessidades de processos indenizatórios. Só que, a área no Projeto de Lei era
de 865.845 hectares, e a aprovada pela Lei de criação da RDS foi de 806.184 hectares, ou seja,
na Assembléia Legislativa foi retirada uma área de 59.660 hectares. A área retirada no Projeto de
Lei, faz parte da Gleba Santo Antonio da Cachoeira, de propriedade do Projeto Jarí, e consta
como em negociação (SEMA, 1997). Esse fato ficou por algum tempo no desconhecimento dos
moradores. O resultado é que, a comunidade de São Francisco ficou fora da RDS Iratapuru, e
com ela, todos os investimentos para industrialização da castanha feitos com recursos públicos
que se encontravam em uma área de pressuposta posse do Projeto Jarí.
Em 2001, o governo através de negociação tentou reaver essa área junto ao Projeto Jarí, que
se negou a fazer a transferência, alegando que a mesma tinha sido destinada à implantação de
um Projeto de Manejo Florestal Sustentável para produção de móveis de madeira certificada em
parceria com o governo do Estado e as comunidades locais. O que não interferiria no extrativismo
da castanha e demais produtos, porém a empresa estava doando 25.000 hectares da Vila de
Iratapuru para estruturação urbana (SEMA,2002).
Quanto à posse dos castanhais, não se verificam conflitos entre os moradores, visto que as
atuais famílias mantiveram-se nas colocações que trabalhavam ainda na época das empresas
extrativistas. Apesar de não haver qualquer documento formalizando a posse, esses direitos têm
sido respeitados. Apenas a distribuição das colocações não obedece mais à homogeneidade
produtiva, que havia naquela época, quando atendia cerca de 80 famílias (JGP,2002).
6. CONCLUSÃO
A criação de instrumentos jurídicos para formas coletivas de posse e exploração de recursos
naturais constitui uma forte inovação institucional em nosso país. Longe de ser a solução final,
coloca imensos desafios àqueles responsáveis pela gestão das áreas coletivas de conservação.
Passada a fase inicial em torno da luta pela terra, na qual a ação coletiva se reveste de um
forte caráter mobilizador e unificador das ações individuais, no momento seguinte observa-se no
10
Jefferson Pereira.(Técnico agricola do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, ago. 2006.
sul do Amapá
a emergência de sérios conflitos no seio das unidades coletivas a partir do
afloramento de interesses individuais. A inexistência de arranjos institucionais claros e
suficientemente testados capazes de legitimar tanto a ação dos órgãos oficiais quanto das
comunidades envolvidas para a gestão de áreas de conservação segue sendo imperativa no
fracasso das experiências do sul do Amapá.
O caso do PAE Maracá, de longe o que apresenta as maiores precariedades ambientais,
sociais e econômicas, é emblemático ao atestar o despreparo do incra em gerir assentamentos
coletivos. A RESEX Cajari logrou maiores êxitos devido à experiência dos primeiros técnicos
envolvidos em sua gestão. Já no caso da RDS do Iratapuru, sua organização, abundância dos
recursos florestais e a sua reduzida densidade populacional proporcionou os melhores ganhos
sociais e econômicos sem danos ambientais digno de nota. Alias, a partir da criação das três
unidades constata-se uma forte redução das taxas de desmatamento em toda a área, por se
dedicarem principalmente ao extrativismo da castanha, freando a tão temida expansão da
pecuária na região.
O relativo sucesso no plano ecológico, por si só não e garantia de sustentabilidade para as
três unidades de conservação. As freqüentes e fortes oscilações nos preços pagos aos
extrativistas pela castanha colocam em xeque a base econômica de sustentação da famílias
extrativistas. Outrora alardeadas como a grande solução, as cooperativas locais têm se revelado
incapazes de gerir tanto a coleta como o processamento da castanha de formas a sobrepujar as
tradicionais formas de acumulação de capital comercial local e acessar mercados mais rentáveis
no exterior.
Ante a crise das formas tradicionais de acumulação comercial e a - até o presente inviabilidade técnica e gerencial das cooperativas, surge um vácuo na intermediação comercial e
agroindustrial entre a produção local e os grandes mercados, de cujo preenchimento dependem
as esperanças de um modelo de desenvolvimento sustentável para o sul do Amapá.
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A Gestão das Reservas Extrativistas no Sul do Amapá