FICHA TÉCNICA
TITULO
NUNCA É TARDE PARA O HOMEM
AUTOR
ADRIANO MOREIRA
EDITOR
ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA
CONCEPÇÃO GRÁFICA:
JOÃO MÉNDEZ FERNANDES
SUSANA MARQUES
ISBN
978-972-623-111-0
ORGANIZAÇÃO
ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA
INSTITUTO DE ESTUDOS ACADÉMICOS PARA SENIORES – ADRIANO MOREIRA
R. Academia das Ciências, 19
1249-122 LISBOA
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Comunicação apresentada no Instituto de Estudos Académicos Para Seniores – Adriano Moreira
Copyright © Academia das Ciências de Lisboa (ACL), 2012.
Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor
NUNCA É TARDE PARA O HOMEM
ADRIANO MOREIRA
Num livro altamente preocupante com o destino da nossa cultura europeia e ocidental, e que o
autor, William Ospina, intitulou (1994) Es tarde para el Hombre, tem um capítulo intitulado El
Canto de Las Sirenas, onde escreve o seguinte: “Como o pai de Bude, a sociedade contemporânea
parece empenhada em impedir que os seus filhos se inteirem de que existem a doença, a velhice e a
morte.
Ao menos no Ocidente corre uma espécie de religião da saúde, da juventude, da beleza e da
vida que contrastam com o carácter cada vez mais danoso da indústria, mais mortífero da ciência e
da economia”. De facto, enquanto que o século XIX, consumou até aos limites o modelo da
expressão imperial dos ocidentais, o século XX, que teve uma duração curta entre duas guerras
mundiais, terminou com o fenómeno não programado do globalismo que submeteu todos os povos
da terra à submissão do credo do mercado, substitui o valor das coisas pelo preço das coisas, deixou
desabar esse edifício em escombros chamados crise mundial da economia e das finanças, e,
agonizante sob tais escombros, o sentido da dignidade humana como valor paradigmático do
encontro em paz e cooperação de todas as áreas culturais.
Ao contrário do que Ospina afirma ter sido o sonho europeu do século passado, conclui que
“hoje é uma necessidade imperiosa adquirir ou recuperar a consciência de que o mundo é mais vasto
e mais rico do que nos quer fazer pensar a imagem uniformadora do capital”. Justamente uma das
riquezas do mundo, que a globalização remete progressivamente para o esquecimento, é a
solidariedade entre as gerações, quebrada por vários factores. Em primeiro lugar o predomínio do
credo de mercado, que inclui a crença de que os deuses anunciam agora o futuro pela estatística.
Enquanto que as sociedades que o nosso orgulho ocidental considerou necessitadas de
recolher os modelos de comportamento e de pensar europeus, entendiam que a morte de um velho,
que continua a ser a meiga palavra que reservam para os anciães, equivale ao desaparecimento de
uma biblioteca, agora, acompanhando a técnica tributária, os vivos são escalonados por grupos de
idade, o que, em vista do aumento da duração da vida, já obrigou a sistematizar a quarta idade.
Eduardo Frieiro, em O Cabo das Tormentas, informa o seguinte: “perguntei certa vez a um
velho negro que idade tinha. O negro ancião sorriu com indiferença: nunca tivera idade”. Todavia o
facto de os deuses falarem pelas estatísticas, implica que também o conceito de que a idade entre no
âmbito do valor das coisas, seja anulado pelo peso da despesa que a longevidade de cada escalão
representa, não apenas para o Estado, quando tem serviços adequados, também para as
solidariedades familiares ou comunitárias, e para os corolários dos valores do seu património
imaterial que se vai degradando ou redefinindo em face da nova circunstância.
É difícil de racionalizar a coexistência dos saberes que se destinam a prolongar a vida,
suscitando problemas graves à bioética, com a liberdade de dispor legalmente dos limites à protecção
dos nascituros, com a inquietação sobre como proporcionar descendência aos frustrados pela
natureza, tudo rodeado de um aparato científico e técnico também cuidadosamente distribuído em
função dos custos e das correspondentes capacidades financeiras dos beneficiados. Assim se foi
escrevendo uma narrativa de separação das gerações, na qual os vivos tendem não para recordar os
mortos mas sim para esquecer os velhos que teimam em viver e consumir, e que, na qualidade de
velhos consumistas e afluentes já não apelam à Nossa Senhora da Boa Morte, mas tem medo de
morrer incubados e em sofrimento.
Tudo significa que o corte entre gerações tem um traçado rigoroso, que do ponto de vista
social, do tecido imaterial das comunidades, tem cortes e soluções de continuidade, que atingem o
desenvolvimento sustentado, tributário do avanço das ciências e da técnica, e das raízes sem as quais
não existe paz e segurança na mudança inevitável da circunstância de que cada geração é tributária.
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Foi a meditação sobre este facto gritante, que fez dos avós um encargo em vez de uma
referência, que nasceu o movimento destinado a manter a anciania a acompanhar a corrente da
evolução do saber e do saber fazer, e as consequências directas ou colaterais sobre as escalas de
valores, para que desse modo não cresça a mais severa dor das idades que é a sobrevivência e a
solidão.
Sobrevivência aos que foram de uma geração e maneira de viver, amar, e morrer; solidão em
face de um mundo novo que tende para ignorar as raízes, acreditando que o futuro é anunciado pelas
estatísticas. De facto, tentamos implantar o paradigma segundo o qual cada pessoa é um fenómeno
que não se repete na história da humanidade, e que por isso o seu valor é inalterável na vida, e a sua
memória é um alicerce do futuro. É o que intenta a Academia das Ciências de Lisboa com este curso.
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