A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BRASILEIRA: uma construção histórica na perspectiva das transformações sociais Patrícya Karla Ferreira e Silva1 Cecília Bezerra Leite 2 Rita Fabiana Arrais do Nascimento3 Paulo Cesar Figueredo dos Santos4 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da construção histórica da educação escolar indígena brasileira considerando os rebatimentos do desenvolvimento da educação formal. A breve reflexão traz a tona o processo de alargamento da política de educação e as interferências históricas do sistema capitalista no seu percurso. A partir daí perscrutamos as contradições entre a educação indígena e a educação escolar indígena e seus avanços no transcorrer da sociedade brasileira. Apontamos também os relevantes desafios que possui a educação escolar indígena, sobretudo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando os índios deixam de ser considerados uma categoria social em fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados, com direito a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais vislumbrando assim as transformações sociais das quais se faz tão necessária a este segmento social. Palavras-chaves: Educação; Educação Escolar Indígena; Transformações sociais. INTRODUÇÃO A educação é inerente à sociedade humana e como é sabido “o estágio de desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado pelo domínio que ela exerce sobre a natureza [...]”, assim “nas comunidades primitivas não se encontram escolas nem método de educação reconhecido como tal [...]” (SAVIANI, 2003, p. 02) 1 Mestre em Serviço Social pela UFPB e Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio (FALS). E-mail: [email protected] 2 Especialista em Docência do Ensino Superior pela FALS e em Língua Portuguesa e Arte e Educação pela URCA. Professora do Curso de Serviço Social da FALS. E-mail: [email protected] 3 Mestre em Sociologia pela UFPB e professora do Curso de Serviço Social e do Curso de Administração da FALS. E-mail: [email protected] 4 Contador (UFPB) e Especialista em Controladoria e Auditoria pela FALS. E-mail: [email protected]. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1700 Ao tratarmos de educação, particularmente de educação escolar indígena na sociedade brasileira, perscrutamos que o processo de educação se iniciou aqui muito antes de sua colonização. Uma vez que nas terras brasileiras já vivia um povo com costumes e crenças, o que revela que este fazer ao qual denominamos de “educação” não acontece só na escola nem se aprende apenas a partir do formalismo de programas implementados e articulados por meio de currículos específicos, a educação possui uma amplitude maior e definitivamente considerável. Nesta perspectiva, a Educação Escolar Indígena é assegurada às comunidades indígenas como um direito que garante uma educação escolar diferenciada e uma utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Estes aspectos são garantidos pelos instrumentos jurídico-legais a exemplo da Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Assim, embora na prática os desafios sejam imensos, nos aspectos assegurados pela Constituição Federal de 1988, os índios deixam de ser considerados uma categoria social em fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados, com direito a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais. 1.1 História da Educação Brasileira Historicamente conforme Romanelli (1980) o marco inicial da história da educação brasileira se dá no ano de 1549, quando aqui chegaram com Tomé de Souza, quatro padres jesuítas chefiados por Manoel da Nóbrega, o qual tratou de traçar um plano de instrução que se iniciava com o aprendizado do português (para os indígenas) a doutrina cristã, e com a escola de lê e escrever e, ainda o aprendizado agrícola de um lado e, do outro lado, com a gramática latina para os que se destinavam as realizações de estudos superiores na Europa. Esta ação foi denominada como Plano de Nóbrega5. O referido plano continha uma preocupação voltada para os interesses dos colonos. Era um plano universalista, adotado por todos os jesuítas. E ao mesmo tempo elitista para serem destinados aos filhos dos colonos e excluíam os indígenas, tornando-se um instrumento de formação da elite colonial, voltado 5 Ver: CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As Aulas Régias no Brasil. In: STEPHANOU, Maria (org.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil.. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. P. 179 - 191. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1701 para os objetivos do português colonizador, manter a população, através da ignorância, pacífica e obediente. Pois assegurar a posse da terra era seu objetivo principal. Destarte, conforme Ribeiro (2007, p. 96): Os jesuítas não se limitaram às instruções das primeiras letras, pois mantinham cursos de Letras e Filosofia, entendidos como auxiliares, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes. Os filhos de famílias ricas que tinham intuito de seguirem outras carreiras precisariam estudar fora do país, nas universidades europeias. O contexto ora citado decorreu anteriormente aos períodos pelos quais a educação formal foi constituída. Deste modo, podemos entender que a política educacional no Brasil foi marcada por uma periodização influenciada pelos modelos específicos da economia brasileira conforme Barbara Freitag (1986). Nesta perspectiva, Freitag (1986) apresenta estes períodos assim caracterizando-os: primeiro momento, que abrange o Período Colonial, o Império e a I República (1500 – 1930). Para esse período é característico o modelo agroexportador de nossa economia. Ao segundo período, que vai de 1930 a 1960, corresponde o modelo de substituição das importações. E o terceiro período vai de 1960 até os nossos dias e foi caracterizado como o período da “internacionalização do mercado interno”. Ainda conforme as análises realizadas pela autora neste ponto, enfatizar-se-á um pouco mais de cada período acima citado. Para Freitag (1986), o período de 1500 a 1930 foi um período marcado pela organização da economia na produção de produtos primários, destinados à exportação para as metrópoles. A economia centrava-se em produtos específicos de exportação6. A política educacional estatal era quase que inexistente, apenas contava-se com um restrito sistema educacional estruturado pelos padres jesuítas, que cumpriam uma série de funções consideradas importantes para a coroa de Portugal. Portanto, a igreja católica além de assumir a hegemonia na sociedade civil, também penetrava na política, através da educação. Ela tinha como função, subjugar a população indígena, tornando-a mais dócil. Dessa forma auxiliava também a classe dominante da qual 6 Produtos como o açúcar, o ouro, o café, e a borracha. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1702 participava, subjugando de forma especifica as classes subalternas assim como a relação de produção. Entretanto, com a expulsão dos jesuítas do Brasil no fim do século XVIII, a igreja preservou sua influência na sociedade civil. Na fase do império e da república, poucas foram às mudanças na economia. Mas, no final do império traços embrionários de uma política estatal se mostravam presentes. Os jesuítas estiveram no comando da educação brasileira de 1549 até 1759. O Marquês de Pombal, primeiro ministro de Portugal (1750–1777) defendia as ideias “despotismo esclarecido7”, empreendeu reforma no campo educacional, implantando a escola pública. Ao expulsar os jesuítas em 1759, o Marquês de Pombal, pois um fim ao único modelo de educação até então existente no país. A reforma pombalina 8 trouxe consequências no campo educacional, com a saída dos jesuítas e a falta de professores, levando ao fechamento de muitas escolas, entretanto mantiveram-se algumas missões, residências e alguns estabelecimentos de ensino nas capitais mais importantes do país. Já a partir 1808, com a instalação da família real no Brasil, fugidos da invasão polonesa, sua preocupação educacional principal restringiu-se apenas a formação das elites do governo e dos quadros da segurança do país. Criou o curso de cirurgia e anatomia em 1808. Em 1810 deu-se a criação dos cursos técnicos e artísticos. Em 1891, a Constituição Republicana instituiu a neutralidade do ensino religioso ministrado nos estabelecimentos públicos. Após a instauração da independência em 1822 foram criadas no Brasil (1827) duas faculdades de direito, uma em São Paulo e outra em Recife, onde se formavam as elites, consolidando-se o ensino discriminatório e dualista do modelo anterior, uma vez que faziam parte deste sistema, aqueles que possuíam condições. Destarte podemos afirmar que até a Proclamação da República em 1889, praticamente nada se fez de concreto pela educação brasileira. Portanto, como afirma Romanelli (1978): 7 Despotismo esclarecido foi a prática de apoio e incentivo dos monarcas em relação às novas ideias (exaltação do Estado e do poder do soberano, é animada pelos ideais de progresso). 8 Esta reforma teve por objetivo proceder a uma adequação da instituição escolar à nova configuração necessária ao Estado moderno, e nesse sentido, agenciar o ensino de maneira a atender os interesses seculares da coroa. (BOTO, 2008, p. 170). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1703 Com a Proclamação da República a Constituição de 1824 é substituída pela Primeira vez Constituição da República em 24 de fevereiro de 1890 promulgada em 1891 “[...] que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou também a descentralização do ensino [...]” (ROMANELLI, 1978, p. 41). O segundo período que vai de 1930 a 1960 pode ser compreendido a partir da análise da questão econômica. De acordo com Behring e Boschetti (2007), a política econômica de 1930 a 1945 foi marcada pela crise mundial de 1929 que encaminha mudanças estruturais que vão caracterizar o modelo substitutivo das importações. Os latifundiários, cafeicultores, são forçados a dividir com a burguesia emergente. Como consequência dessa nova situação, há uma reorganização dos aparelhos repressivos dos estados. Com apoio da burguesia e de certos grupos militares, o presidente Getúlio Vargas assume o poder em 1930, e implanta o Estado Novo9 com uma política ditatorial. Nesta perspectiva Freitag (1979) afirma que: A política educacional do Estado Novo visa transformar o sistema educacional em um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas, reproduzindo em sua dualidade a dicotomia estrutural da classe capitalista. (FREITAG, 1979, p. 39). Na realidade educacional brasileira vê-se que a compreensão da política educacional enquanto política pública de natureza social implica necessariamente no reconhecimento de que o contexto socioeconômico, cultural e político são elementos fundamentais dos processos que geram a sua formulação e implementação. Compreender esses processos é fundamental para entender a base educacional da sociedade brasileira. Neste sentido, como afirma Martins (1994), se a cultura de um povo é a democracia, ele atua nas decisões políticas e é provável que sua política educacional acate as sugestões e os anseios da população, mas em contextos autoritários, nos quais o povo é subjugado por uma cultura extremamente dominadora, é comum predominar uma política educacional que não se materializa na prática. 9 Estado Novo é o nome que se deu ao período em que o Presidente Getúlio Vargas governou o Brasil de 1937 a 1945. Este período ficou marcado, no campo político, por um governo ditatorial. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1704 Nos primeiros anos do século XX, os sucessivos governos criaram diversas escolas de formação profissional para a educação primária, considerando o analfabetismo do povo brasileiro como o cerne das crises sociais do país. Surge nesse período o movimento cívico patriótico, destacava-se o nome de Olavo Bilac que combatia o analfabetismo. Nesse contexto é criado em 1924 a Associação Brasileira de Educação (ABE), que reunia os maiores nomes da educação brasileira, e resultou no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 193210. Esse movimento era em favor do ensino fundamental público, gratuito e obrigatório. A ideia de que a Constituição de 1934 assegurou um capítulo reservado sobre a educação todos os direitos referentes a educação não satisfazia os estudiosos da época. Esse período foi marcado por inúmeras reformas no campo educacional, procurando criar uma boa estrutura de funcionamento do ensino básico e superior. Com a revolução de 1930, ocorreram grandes mudanças no campo educacional, criação do Ministério da Educação e o Estatuto das Universidades Brasileiras. A criação da Universidade de São Paulo. Um dos primeiros atos do governo após a vitória da revolução de 30 foi à criação do Ministério da Educação e Saúde para cuidar prioritariamente da reformulação educacional a qual era muito reivindicada pela sociedade, o então ministro da educação Clemente Mariano apresentou a Assembleia Legislativa o projeto da primeira Lei de Diretrizes e Base da Educação brasileira em 194811, que significou um avanço para a política de educação daquele momento. Referimo-nos agora ao terceiro período da educação brasileira, a partir da década de 1960 que evidencia-se os governos militares e suas ações. Ações deste governo que abrira naquele momento o ensino para a iniciativa privada, assim como a educação as políticas de saúde e habitação também foram direcionadas a iniciativa privada. Tal iniciativa possuía justificativa para o regime militar. Neste sentido, Bravo (2007), aponta: 10 Este manifesto consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da educação. Ele foi um marco inaugural do projeto de renovação educacional do país, onde propunha que o Estado organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. 11 Esta lei foi encaminhada pelo poder executivo ao legislativo em 1948, entretanto ela foi publicada apenas em 1961, passados treze anos até o texto ser finalizado. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1705 Em face da “questão social” no período 64/74, o Estado utilizou para sua intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir legitimidade para o regime, como também servir de mecanismo de acumulação do capital. (BRAVO, 2007, p. 93) Nesta perspectiva, para Bravo (2007) a ditadura, significou para a totalidade da sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de desenvolvimento econômico-social e político que modelou um país novo. Os grandes problemas estruturais não foram resolvidos, mas aprofundados, tornando-se mais complexos e com uma dimensão definitivamente ampla e dramática. Não obstante o Regime Militar por suas propostas ideológicas de governo acabou reproduzindo na educação um caráter antidemocrático. E com o intuito de erradicar o analfabetismo da época foi instituído o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que em sua ideológica didática possuía o Método Paulo Freire. Entretanto de acordo com Bello (2001), o movimento não conseguiu erradicar o analfabetismo no Brasil como propunha. Posteriormente, acabou ser extinguindo e, no seu lugar criou-se a Fundação Educar. Dentre outras ações que ocorreram neste período o corte de verba para a educação, foi um dos mais preocupantes. O regime militar ficou marcado no campo educacional por suas mudanças dentre elas a do ensino superior (1968) e a do ensino básico (1971) que passou a chamar-se 1º e 2º grau, confirmando a tendência tecnicista e burocrática na educação pública. De acordo com Vieira (2008) em meados dos anos 80, com o fim do regime militar a nação pôde respirar os ares da liberdade política, mas a situação econômica foi de arrocho salarial e crises em todas as esferas do poder público culminando com uma década considerada “perdida” do ponto de vista econômico para a maior parte da população brasileira. Nesta perspectiva, em 1988 com a promulgação da Constituição Federal brasileira, no seu capítulo próprio para a educação, ela é definida como prioridade absoluta do estado e direito do cidadão. Como observamos no artigo 205, da Constituição Federal de 1988: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1706 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, CAPÍTULO III, ARTIGO 205) A educação de acordo com o artigo 206 da constituição defende que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios12: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. Na política e nas ações nacionais de educação para a Constituição Federal (art.211, §1º), a união deve exercer “função supletiva e redistributiva” em matéria de educação, por meio de “assistência técnica e financeira” o estado, distritos federal e municípios, tem o objetivo de assegurar a equidade e o padrão de qualidade da educação escolar. Segundo a LDB (art. 8º, § 1º), cabe à união a coordenação da política nacional de educação, articulando com os diferentes níveis de sistema de ensino. A partir da constituição deu-se a criação da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB - Lei n. º 9.394, de 12 de dezembro de 1996), que representa um grande passo para a educação, um marco legal de toda a reforma e expansão do sistema educacional brasileiro. A nova LDB demarcou a educação infantil, o ensino fundamental e o médio em um único nível de ensino passando a ser chamada de educação básica, representando o referencial de universalização da educação básica para toda a população, com requisito mínimo de acesso à cidadania. 12 Artigo 206, Capítulo III, Constituição Federal, 1988. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1707 Estas condições postas pela constituição e posteriormente pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação constituem elementos básicos para a materialização de uma educação comprometida com a defesa de condições de igualdade para todos. É neste contexto que a população brasileira passa a contar, pelo menos numa perspectiva jurídica e legal com o direito a educação, incluindo também os segmentos diferenciados, como os povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas. 1.2 Educação Escolar Indígena No Brasil a implementação da educação escolar indígena tem sido marcada de um lado pela imposição de um modelo de educação dominadora, negando a identidade étnica dos povos indígenas, homogeneizando as culturas e por outro lado fica evidenciado a educação defendida pelos índios, buscando a valorização e o respeito a sua cultura. Ao nos reportarmos a história acerca da política de educação escolar indígena brasileira se faz necessário à compreensão dos processos citados anteriormente pela educação formal. Vale salientar que um olhar de valorização da educação escolar indígena é bem recente. Emerge, sobretudo com a organização dos próprios povos indígenas e o avanço da perspectiva de garantia de direitos dos segmentos diferenciados revelado com o advento da Constituição Federal de 1988. Tratando dos aspectos históricos a educação escolar desenvolvida entre os povos indígenas no Brasil pode ser compreendida por algumas fases. A primeira delas situa-se no contexto do Brasil Colônia, quando a escolarização do índio esteve a cargo exclusivo de missionários católicos, conhecido como jesuítas. A segunda fase se inicia a partir da criação em 1910 do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), demonstrando que o Estado resolveu formular uma política indigenista não mais baseada no extermínio dos povos indígenas, mas através de estratégias positivistas13 que marcaram as ações do Estado no começo do século XX. A terceira fase começa no final dos anos 70 quando o termo Educação Escolar Indígena 13 Para Ribeiro (1996), a formulação dessa nova política está baseada no evolucionismo humanista de August Comte, defendendo a autonomia das nações indígenas na certeza de que evoluiriam espontaneamente, uma vez libertadas das pressões externas e amparadas pelo Estado. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1708 passa a ser utilizado para diferenciar a educação autóctone14 que pode ser entendida como a aprendizagem espontânea em que a criança ou jovem aprendem no convívio social nas aldeias, das atividades formais transmitidas aos alunos por professores. Segundo Collet (2006) já a Educação Escolar Indígena é a educação transmitida formalmente através da escola. Para Meliá (1979) o conceito de educação indígena parte do pressuposto de que as sociedades indígenas possuem mecanismos próprios para transmitir seus conhecimentos às novas gerações, incluindo seus costumes, sua visão de mundo, as relações com os outros, sua religião. Desta forma, a educação é “para o índio um processo global” ligado ao viver e a sua cultura, “distinto do que normalmente se entende por educação de tipo escolar”. Desse modo: Nas sociedades de parentesco a qual nos referimos aqui prevalece à ideia da comunidade, o sujeito encontra seu lugar no mundo porque está inserido em uma coletividade, ali ele aprende seus deveres e os deveres da coletividade para com ele (CALEFFI, 2008, p. 36). Assim, percebemos que há diferenças entre a educação indígena e a educação escolar indígena. No caso particular da educação oferecida aos povos indígenas há esperanças que através de uma educação formal seja garantido o respeito à cultura, a diversidade e a valorização das suas tradições no seu próprio território. Ou seja, conforme diz Libâneo (1998) que a educação não intencional, informal, que se refere às influências do meio natural e social sobre o homem e interfere em sua relação com o meio social não seja abandonada através de um processo de aculturação que não permite aos indígenas resistir diante de tamanha interferência sociocultural. Entretanto, muitas escolas de aldeias indígenas espalhadas pelo Brasil têm sido, com raras exceções, réplicas das escolas das cidades, configurando a mesma proposta de currículos, de critérios de avaliação, carga horária, e estrutura de funcionamento. A escola sendo pensada como possibilidade de que os grupos indígenas se "incluam" na sociedade nacional, abandonando com o passar do tempo o seu modo próprio de ser. Logo, 14 O mesmo que “educação indígena”. Veja: CALEFFI, Paula. Educação Autóctone nos séculos XVI ao XVIII ou Américo Vespúcio tinha razão? In: STEPHANOU, Maria (org). Histórias e Memórias da Educação no Brasil. 2008. p. 32 – 44. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1709 As escolas indígenas, por conseguinte, deverão ser específicas e diferenciadas, ou seja, as características de cada escola, em cada comunidade, só poderão surgir do diálogo, do envolvimento e do compromisso dos respectivos grupos indígenas, como agentes e co-autores de todo o processo. (DIRETRIZES PARA A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1994, p. 01) Destarte, o desafio da educação escolar indígena é propor um sistema de ensino de qualidade e diferenciado, no sentido de atender as especificidades de um povo diferente da sociedade nacional, considerando que seus horizontes de futuro não são os mesmos. Entretanto, de acordo com Meliá (1996), quanto ao desenvolvimento da educação indígena que atualmente se inscreve no contexto dos movimentos e lutas por direitos indígenas, esta ainda não tem recebido a atenção necessária por parte dos educadores, governantes e demais categorias ligadas a esta esfera, uma vez que o caminho ainda pode ser considerado longo e sinuoso. CONCLUSÕES Diante da contextualização realizada aqui, assim como de todo o processo histórico da educação no Brasil mencionado no decorrer deste breve estudo, podemos compreender que a sociedade brasileira foi experimentando novas formas de culturas, educação e modos de produção, segundo interesses políticos e econômicos representados por cada período histórico. Assim, a política de educação vem mudando seu sentido e seu objetivo ao longo dos tempos. E apesar de todas as evoluções contidas nesse processo, tal política brasileira não progrediu muito em relação ao sentido universalista e gratuito garantidos em lei, conforme deveria ser direcionada segundo a noção de proteção social aos seguimentos diferenciados como os povos indígenas. De acordo com Plano Nacional de Educação (2001), desde o século XVI no Brasil, a oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional. Dos missionários jesuítas aos positivistas do Serviço de Proteção aos Índios, do ensino catequético III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1710 ao ensino bilíngue, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os índios, fazer com que eles se transformassem em algo diferente do que eram. Nesse processo, a instituição da escola entre grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de identidades e culturas diferenciadas. Portanto, no processo pelo qual a educação escolar indígena passou, alguns instrumentos jurídicos legais foram criados para garantir uma educação que possibilite o respeito e a valorização da diversidade cultural e o processo de aprendizagem dos alunos das escolas sejam elas indígenas ou não. Neste sentido, resta, sobretudo implementar as diretrizes contidas nos arcabouços jurídicos legais que são resultados de diversas lutas e mobilizações sociais. REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine R.; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2007. BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a História das rupturas. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001. Disponível em: http://www.pedagogiae mfoco.pro.br/ heb14.htm. BOTO, Carlota. Iluminismo e Educação em Portugal: o Legado do século XVIII ao XIX. In: STEPHANOU, Maria. Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2008. BRASIL, MEC. Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena. 1994; BRASIL. Constituição Federal (1988).17 ed. São Paulo: Atlas, 2001. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394. Brasília: 1996. BRASIL. Plano Nacional de Educação - Lei 10.172. Brasília: 09 de janeiro de 2001. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1711 CALEFFI, Paula. Educação Autóctone nos séculos XVI ao XVIII ou Américo Vespúcio tinha razão? In: STEPHANOU, Maria. Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2008. CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As Aulas Régias no Brasil. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e Memórias da Educação no Brasil, Vol. 1. Petrópolis: Vozes, 2008. FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6ª ed. SP: Ed. Moraes, 1986. FREITAG, Bárbara. Política educacional: uma retrospectiva histórica. In:____. Escola, estado e sociedade. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1979. LIBÂNEO, José C. Pedagogia e pedagogos, para quê. São Paulo: Cortez, 1998. MELIÁ, Bartolomeu. Educação Indígena e Alfabetização. São Paulo: Edições Loiola, 1979. RIBEIRO, Maria Luisa Santos. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1712 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS: uma análise da aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré no período de 1998 a 201015 Franciclézia de Sousa Barreto Silva16 RESUMO O artigo apresenta suscintamente, resultados da pesquisa realizada no município de Ereré no período de 1998 a 2010. Tratou-se de um trabalho descritivo e exploratório, de natureza bibliográfica e documental que objetivou analisar a aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município, com fins a demonstrar os avanços do financiamento da educação no Brasil; bem como as possibilidades existentes na promoção da melhoria da qualidade do ensino no município escolhido como lócus da pesquisa. Pode-se considerar o FUNDEF e o FUNDEB um avanço no sistema de financiamento da educação e, consequentemente, na busca da melhoria da qualidade do ensino, por permitiu o aumento de recursos financeiros, dos salários dos professores, da qualificação docente, da melhoria das condições de trabalho e do ensino. No entanto, ressalta-se que os resultados do município de Ereré apresentados, não correspondem às expectativas, não repercutiu na qualidade de ensino pretendida, pelo menos no nível desejado. Perduram e é de fácil detecção problemas relacionados às condições de trabalho, do ensino; ausência de melhor preparo dos professores, quando se registrou queda no número de profissionais qualificados, pouca participação e acompanhamento das famílias no processo educacional dos filhos, entre outros. Palavras- Chave: Brasil. Políticas Públicas. Educação. INTRODUÇÃO Políticas Públicas podem ser compreendidas pelo termo, “Estado em ação”, estas não podem se resumir a políticas de governo. É o Estado implementando e mantendo ações, a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. É, portanto, um 15 Este trabalho é um recorte da monografia de graduação, intitulada: O FUNDEF e o FUNDEB no município de Ereré/CE – expectativas e resultados, apresentado ao curso de Ciências Econômicas do Campus Avançado Prof.ª Maria Elisa de Albuquerque Maia - CAMEAM/UERN – 2012, de autoria de Antonia Félix de Lima (in memoriam), recorte para este artigo feito pela orientada, Prof.ª Ma. Franciclézia de Sousa Barreto Silva, DEC/UERN. Atualmente professora do Departamento de Economia da UERN. 16 Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), E-mail: [email protected], Fone: (84) 81161635. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1713 instrumento de ação coletiva. Na concepção de Matias-Pereira (2009) cabe ao Estado prover bens e serviços demandados pela população, objetivando um bem maior, de todos. Avançando nesta abordagem, passamos a dimensão das políticas públicas como políticas sociais, para a qual se torna oportuna às considerações utilizadas por Azevedo (2001 apud MARTINS, 2010: p. 498), quando considera que estas políticas “referem-se a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado no que concerne à redistribuição dos benefícios sociais”. O objetivo é claro: “[...] diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico”. Destaca também que estas têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e trabalho. Nestes termos, para Höfling (2001, p.32), a educação é uma política social, pública de corte social, de responsabilidade do Estado, mas “[...] não pensada somente por seus organismos”. Pois para esta, “[...] as políticas sociais – e a educação – se situam no interior de um tipo particular de Estado. São formas de interferência do Estado, visando à manutenção das relações sociais de determinada formação social”. Nesse ínterim as políticas públicas sociais assumem faces diferentes em diferentes sociedades, cujas concepções de Estado também divergem. Höfling (2001) destaca que é impossível se ter uma ideia de Estado fora de uma concepção política e de uma teoria social que abranja a sociedade na sua totalidade. Desta forma, o Estado tem o papel primordial de oferecer a Educação, prioritariamente, em sua rede oficial de ensino. No entanto, para que isto aconteça são necessários meios, que são obtidos, a partir de um sistema de financiamento baseado na arrecadação de impostos pagos pela população. No caso brasileiro, foi somente com a Constituição de 1988 no seu Art. 212 que a Educação ganha expressão em se tratando de financiamento. Representou um acontecimento bastante significativo, pois, entre outras coisas, se determinou quanto deveria ser gasto em cada sistema se ensino, de acordo com a esfera administrativa de governo, ou seja, a União aplicaria, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1714 Porém, apesar desses avanços, ainda existiam algumas lacunas que precisavam ser preenchidas, como a questão das competências em relação ao ensino oferecido nas redes oficiais. Em função disso, a LDB Lei Nº 9.394/96, surge como uma tentativa de aperfeiçoar e solucionar estas questões e seu Art. 11 especifica que os municípios incumbir-se-ão de oferecer a Educação Infantil em Creches e Pré-Escolas, e, com prioridade, o Ensino Fundamental, sendo permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal ao MDE. Contudo, ainda foi preciso se criar novos mecanismos de distribuição e vinculação de recursos destinados à educação. A despeito disso, foi criado em 1996 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Com vigência de 1997 a 2006, este Fundo tinha como um de seus principais objetivos priorizar o Ensino Fundamental através da vinculação de recursos e promover a qualidade do ensino. A maioria das críticas feitas ao FUNDEF foi justamente em relação ao fato de que todos os olhares e atenções teriam se voltados para este nível de ensino, em detrimento dos demais como a Educação Infantil e o Ensino Médio. Em função disso, foi implantado em 2007 o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e que cobriria toda a educação básica. Diante do abordado, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de pesquisa realizada no município de Ereré, no período de 1998 a 2010, a análise se voltou à aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no referido município. Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Ciências Econômicas do Campus Avançado Profª Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM/UERN, 2012). Buscou-se identificar os avanços e os limites dos respectivos fundos; bem como as possibilidades existentes na promoção da melhoria da qualidade do ensino. 2 QUADRO GERAL DA EDUCAÇÃO DE ERERÉ O Município de Ereré localiza-se no Sudeste do Ceará, divisa com o Estado do Rio Grande do Norte, possui uma população de 6.840 habitantes numa área territorial de 396,016 km² (IBGE, 2010). Mais de 50% da população reside na sede do município. Trata-se de um III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1715 município pobre, que enfrenta sérios problemas sociais e econômicos, reflete sem dúvida aspectos da região que se insere – a Nordeste. Região que possui 28% da população pobre do país, 50% desta ocupada percebendo um salário mínimo. (ARAÚJO, 2009). Os dados socioeconômicos explicam por si só, vejamos: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no ano de 2000 estava no valor de 0,619 ocupando a 114 posição no Ranking Estadual; Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) que em 2008 era 21,60 e se encontrava na posição 148; Índice de Desenvolvimento Social de Oferta (IDS-0) no mesmo ano com o valor 0,370 e a 112 lugar e Índice de Desenvolvimento Social de Resultado (IDS-R), que no ano 2008 possuía o seguinte valor 0,335 e a 169 posição no Ranking. No referente a taxas de analfabetismo funcional para pessoas com 15 anos ou mais, segundo dados do IBGE (apud IPECE, 2011), no ano de 2010 o município possuía uma população residente nessa faixa etária equivalente a 5.139 pessoas. Sendo 3.560 alfabetizados e uma taxa de 30,73 de analfabetos funcionais. Quando analisados os dados referentes ao estado do Ceará veremos uma taxa de analfabetismo inferior ao verificado no município de Ereré. Esta taxa no estado sofreu uma queda de -7,76, entre os anos de 2000 e 2010, passando de 26,54 no primeiro ano para 18,78 em 2010. Houve no período considerado, um aumento de 1.459,879 no número de pessoas alfabetizadas, passando de 3.627,614 em 2000 para 5.087,493 em 2010 (IBGE apud IPECE, 2011). Conforme informações do IPECE (2011), o município de Ereré apresentou uma matricula inicial total no ano de 2010 de 1.810 alunos, sendo: 169 alunos da rede estadual e 1.641 alunos pertencentes à rede municipal de ensino, divididos da seguinte forma: 322 encontram-se na Educação Infantil (0 a 5 anos), 1.104 estão matriculados no Ensino Fundamental (6 a 14 anos) e 215 na Educação de Jovens e Adultos. Em relação ao número de estabelecimentos de ensino existente no município constatamos que o município possui uma total de 15 estabelecimentos, sendo que 12 desses encontram-se na zona rural, enquanto a zona urbana apresenta apenas 03, onde 01 é da rede estadual e 02 da municipal, distribuídos da seguinte forma: 01 creche e 01 escola de ensino fundamental. Ressalta-se que a maior concentração dos alunos regulamente matriculados se dá na sede do município, no Ensino Fundamental, atendidos pela Escola de Ensino Fundamental 04 de Junho. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1716 Quanto aos indicadores educacionais do Ensino Fundamental e Médio do município de Ereré no ano de 2010, o mesmo possuía em termos percentuais uma escolaridade liquida de 26,5%, onde 90,9% desses alunos foram aprovados, 3,0% reprovados e 6,1% abandonaram as salas de aulas (SEDUC apud IPECE, 2011). Para cada sala de aula existia em média 33 alunos. No tocante ao número de professores das redes municipais e estaduais de ensino, o município contava com um total de 99 professores, distribuídos da seguinte forma: 7 professores na rede estadual e 92 na municipal (SEDUC apud IPECE, 2011). Quanto à formação de seus docentes para o ano de 2010, este contava com os seguintes percentuais: docentes com Nível Médio na Educação Infantil equivalente a 82,76% e com Nível Superior 17,24% (SEDUC apud IPECE, 2011). Já quanto aos professores do Ensino Fundamental, com Nível Superior, no ano de 2004 era de 69,74% mas, para o ano de 2010 esse valor sofreu uma queda para 63,46%. Quando comparados esses valores com estado do Ceará verificamos, a ocorrência inversa, pois em 2004 o Estado contava apenas com 60,68% de seus docentes com nível superior, ou seja, 4,6% a menos que o município de Ereré, porém em 2010 esse quadro se inverte e o Ceará supera os valores do município de Ereré, em 6,91%. Ver gráfico 01. GRÁFICO 01 – Percentual de docentes com nível superior no Ensino Fundamental em Ereré 2004-2010 Fonte: IPECE (apud LIMA, 2012). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1717 No que se refere à diminuição na qualificação docente dos professores do município de Ereré, pressupomos ser esta proveniente, das aposentadorias compulsórias dos professores efetivos qualificados, bem como, do ingresso de substitutos sem qualificação pedagógica em nível superior. A rede municipal de ensino de Ereré oferece a Educação Infantil, constituída de Creche Parcial: de 02 a 03 anos e Pré-Escolar: de 04 e 05 anos, e o Ensino Fundamental do 1º ao 9º Ano; além da Educação de Jovens e Adultos e do processo de inclusão de alunos com deficiência nas salas de aulas regulares. Seu principal desafio é oferecer uma educação de qualidade e com sustentabilidade. 3 APLICAÇÃO DOS RECURSOS DO FUNDEF E DO FUNDEB NO MUNICÍPIO DE ERERÉ NO PERÍODO DE 1998 A 2010 Analisando a educação do município de Ereré constatamos que esta pode ser dividida basicamente em três fases: antes, durante e depois do FUNDEF. Significa que este fundo foi significativo na educação pública deste município. A primeira etapa vai desde o surgimento da rede oficial de ensino de Ereré em 1990, à implantação do FUNDEF neste município em janeiro de 1998. A educação era mantida, exclusivamente, com recursos resultantes de receitas provenientes de impostos e transferências, conforme assegura a Constituição de 1988, art. 122. Este percentual, estabelecido era de 25%, teria que ser aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). A segunda etapa é a compreendida durante o período de implantação do FUNDEF no município, ou seja, de 1998 a 2006. A terceira e última etapa é a considerada pós - FUNDEF e inicia-se com o funcionamento do FUNDEB em Ereré, em 2007, até os dias atuais, considerando o recorte da pesquisa (até 2010). Não obstante, o dispositivo constitucional referido (art.122) anteriormente tenha representado um grande avanço no sentido de garantir recursos para a manutenção e desenvolvimento da educação pública brasileira, este não especificava de que modo e em que os recursos deveriam ser gastos. Neste sentido, é que depois de um intenso debate no Congresso Nacional, foi instituído pela Emenda Constitucional Nº. 14, de 12 de setembro de 1996 e regulamentado pela Lei Nº. 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano e pelo Decreto III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1718 Nº. 2.264, de 27de junho de 1997, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). No entanto, sua implantação só acontece a partir de 1º de janeiro de 1998, quando passa a vigorar em todo o país, exceto no Pará, onde esta aconteceu ainda em junho de 1997, por força de lei estadual. Segundo o MEC (2004, p. 7). A maior inovação do FUNDEF consistiu na mudança de estrutura de financiamento do Ensino Fundamental Público no País, pela subvinculação de uma parcela dos recursos da educação a esse nível de ensino, com distribuição de recursos realizada automaticamente, de acordo com o número de alunos matriculados em cada rede de ensino fundamental, promovendo a partilha de responsabilidades entre Governo Estadual e os Governos Municipais. As receitas e as despesas correspondentes, por sua vez, deverão estar previstas no orçamento e a execução, contabilizada de forma específica. Assim, a propaganda oficial da época encarregou-se de criar um sentimento de fortes expectativas na sociedade em torno da implantação e do funcionamento do FUNDEF e que este seria uma espécie de panaceia que resolveria os problemas da educação, principalmente os do Ensino Fundamental Público. As expectativas eram alimentadas por argumentos defendidos de segmentos organizados da sociedade, principalmente de sindicatos ligados à educação, intelectuais e organismos internacionais, de que a melhoria da qualidade da educação se associava à questão da quantidade de recursos destinados a esta, ou seja, mais recursos significariam melhor qualidade do ensino. Isso se justificava no fato de que o aumento do volume de recursos para a educação proporcionaria necessariamente melhorias na formação, valorização e nas condições de trabalho dos profissionais da educação; além de melhorias no ensino, através da dotação de uma infraestrutura física, como livros, materiais e equipamentos didáticos, merenda e transporte escolar, entre outros, adequados à oferta de uma educação de qualidade, que deveriam ser expressos pelo aumento dos índices de aprovação e diminuição da reprovação e, concomitante, abandono escolar. As diferentes abordagens apresentadas nos motiva ao estudo referente à aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré no período de 1998 a 2010. Será uma oportunidade de avaliamos alguns dos elementos apontados como pertinentes a qualidade de ensino, se podem estes ser aplicados ao município em analise. Para isso, utilizaremos as III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1719 seguintes variáveis: matrícula, recursos, salário e formação dos professores, aprovação, reprovação e abandono escolar. Como o mecanismo de distribuição dos recursos do FUNDEF era baseado no número de matrículas do ano anterior significava que quanto mais alunos fossem matriculados no Ensino Fundamental, mais recursos seriam repassados para este nível de ensino. Inclusive uma das críticas feitas por especialistas, estudiosos e autoridades em relação ao FUNDEF foi justamente por este priorizar apenas um nível de ensino e de certa forma estimular a sua matrícula deliberada, sendo verificados em vários municípios, principalmente das Regiões Norte e Nordeste, casos de “alunos fantasmas”. No caso do município de Ereré, a trajetória das matrículas do Ensino Fundamental de sua rede oficial apresentou o seguinte comportamento: em 1998, primeiro ano de implantação do FUNDEF no município analisado, a matrícula cresceu mais de 31%, acontecimento previsto se considerado, o estímulo em matricular o maior número de alunos no Ensino Fundamental, positivamente quando se gerou uma oportunidade de se universalizar o acesso a este nível de ensino. No ano seguinte este crescimento passou para algo em torno de 11,2%, em 2002 para próximo de 11,5% e em 2004 para 1,1%. Todos os demais anos do referido fundo, no caso, 2000, 2001, 2003, 2005 e 2006, foram marcados por quedas sucessivas. Porém, conforme os dados do INEP/MEC (2012), as matrículas no Ensino Fundamental no Município de Ereré durante a vigência do FUNDEF, ou seja, de 1998 a 2006, tiveram um decréscimo total de - 9,4% e anual de -1,04%. Sobre as razões das matrículas terem apresentado índices decrescentes nos cincos anos referidos, quando, na verdade, pela nova lógica implantada com o FUNDEF, elas deveriam crescer, podem ser atribuídas aos seguintes fatores: queda no percentual da população de 0 a 14 anos, na qual estão inseridos os alunos em idade ideal de estarem matriculados no Ensino Fundamental, ou seja, de 6 a 14 anos, que segundo o IBGE apud IPECE (2011), passou de 42,41% em 1991 para 24,87% em 2010; aumento no número de transferências desses alunos para outros municípios e elevação dos índices de abandono escolar neste nível de ensino, como veremos posteriormente quando formos analisar os indicadores educacionais do município de Ereré. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1720 As matrículas do Ensino Fundamental do município de Ereré com o FUNDEB no período de 2007 a 2010 apresentaram o seguinte quadro: crescimento negativo de -15,5% no período e de -4% ao ano, sendo que as razões para justificarem tal comportamento das matrículas são consideradas as mesmas referidas para o período do FUNDEF. De forma geral constatamos que as matrículas do Ensino Fundamental do município de Ereré no período de 1998 a 2010 tiveram o seguinte comportamento: decréscimo total de -26% e anual de -2%; sendo que com o FUNDEF, 1998 a 2006, este foi de -9,4% e -1,04% e com o FUNDEB, de 2007 a 2010, -15,5% e -4%, respectivamente. No entanto, com implantação do FUNDEB, passam a serem consideradas, para efeitos de cálculos dos recursos deste fundo, não só as matrículas do Ensino Fundamental, mas de toda a Educação Básica, que segundo o Manual de Orientação do FUNDEB (FNDE/MEC, 2009), são as seguintes: Educação Infantil (Creche e Pré-Escolar): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009; Ensino Fundamental (Regular e Especial): 3/3 em 2007, 2008 e 2009; Ensino Fundamental (EJA): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009; Ensino Médio (Regular, Profissional Integrado e EJA): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009. Lembrando que até 2011 são considerados por todo o período de 2008 a 2011, os dados das matrículas do Censo Escolar de 2006. Desta forma, as matrículas do município de Ereré, mesmo considerando a Educação Infantil (Creche e Pré-Escolar), o Ensino Fundamental (Regular, Especial e EJA), excluindo apenas o Ensino Médio por não ser oferecido pela rede municipal de ensino, tiveram uma queda de -10,4% total de e anual de -2,6% no período de 2007 a 2010, conforme dados do INEP-MEC/SME (2012), enquanto o Ensino Fundamental Regular analisado separadamente teve um decréscimo de -15,5% e -4% respectivamente, ou seja, maior do que o sistema de ensino como um todo. Após a análise das matrículas, passamos para o estudo recursos financeiros. De 1998 a 2010 o município de Ereré recebeu proveniente do FUNDEF e FUNDEB o valor de R$ 15.116.133,44, o que representa uma média anual de R$ 116.779,49 e mensal de R$ 96.898,29. Em termos percentuais estes recursos tiveram um crescimento de 618,60% durante o período considerado, sendo 47,6% anual e 3,96% mensal. No entanto, se consideramos apenas os recursos do FUNDEF, de 1998 a 2006, o referido município teve uma receita de R$ III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1721 6.358.611,26, com uma média de R$ 706.512,36 ano e R$ 58.876,03 ao mês. Isto significa um crescimento de 222,73% no período, com 24,74%, anual e 2,06% mensal. Em relação ao FUNDEB, de 2007 a 2010, os recursos foram de R$ 8.757.522,18, numa média anual de R$ 2.189.380,54 e mensal de R$ 182.448,40, representando um crescimento de 48%, 12% e 1% respectivamente. Observa-se uma trajetória positiva, ou seja, sempre crescente, muito embora com índices anuais distintos. Vale destacar que em 2006 acontece um decréscimo de aproximadamente -4%. Momento que caracteriza todo o período de 1998 a 2010 e ocorre em função da queda das matrículas e das receitas, mas principalmente pelos ajustes necessários realizados pelo Governo Federal na preparação da implantação do FUNDEB que ocorreria em todo o país a partir de janeiro de 2007. Outro aspecto que consideramos importante diz respeito ao mecanismo valor aluno/ano utilizado para calcular os recursos, tanto do FUNDEF, quanto do FUNDEB, bem como, a forma na qual deveriam ser gastos. A esse respeito, cabe-nos uma indagação: se mais matrículas significam mais recursos, como explicar o fato dos recursos do município de Ereré no período de 1998 a 2010 terem crescido uma média anual de 47,6%, enquanto as matrículas do Ensino Fundamental decresceram -2%? As principais hipóteses são as seguintes: os impactos provocados pelo FUNDEB que passou a considerar também as matrículas da Educação Infantil, da EJA e da Educação Especial e, principalmente o fato do valor aluno/ano ser reajustado anualmente, como demonstrado na tabela abaixo. TABELA 01 – Valor Mínimo Nacional por Aluno/Ano: 1997-201017 17 Atos legais de fixação dos valores mínimos nacionais por aluno/ano de 1997 a 2010: 1997: Art. 6º, § 4º da Lei n.º 9.424, de 24.12.1996; 1998: Dec. Nº. 2.440, de 23.12.1997; 1999: Dec. Nº. 2.935, de 11.01.1999; 2000: Dec. Nº. 3.326, de 31.12.1999; 2001: Dec. Nº. 3.742, de 01.02.2001; 2002: Dec. Nº. 4.103, de 24.01.2002: 2003: Dec. Nº. 4.861, de 20.10.2003; 2004: Dec. Nº. 5.299, de 07.12.2004; 2005: Dec. Nº. 5.374, de 17.02.2005; 2006: Dec. Nº. 5.690, de 03.02.2006; 2007: Portaria Interministerial Nº. 1.030, de 06/11/2007; 2008: Portaria Interministerial Nº. 1.027, de 19/08/2008: 2009: Portaria Interministerial Nº. 788, de 14/08/2009 e 2010: Portaria Interministerial Nº. 538-A, de 26/04/2010. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1722 Fonte: FNDE/MEC, 2012. Legenda: EE-Educação Especial; SI-Series Iniciais, SF-Series Finais; ZR-Zona Rural; ZU-Zona Urbana. (apud LIMA, 2012). Conforme o Manual de Orientações do FUNDEF (MEC, 2004), a Lei Nº. 9.424/96, que criou o FUNDEF, um valor mínimo nacional por aluno/ano é fixado, assegurado ao governo estadual e aos governos municipais para aqueles onde a relação entre o total da receita do referido Fundo e o total de alunos do Ensino Fundamental das respectivas redes de ensino for menor do que esse valor estabelecido. Para o ano de 1997 esse valor foi estabelecido pela própria lei que regulamentou o FUNDEF, em 1998 passou a ser fixado por meio de Decreto Federal, e a partir de 2000 a fixação passou a ocorrer definindo-se valores diferenciados para a 1ª a 4ª série e 5ª a 8ª série e Educação Especial (MEC, 2004: p. 6) . Além disso, no âmbito de cada estado haverá um valor por aluno/ano, calculado com base na receita do FUNDEF ou do FUNDEB e no número de alunos do Ensino Fundamental (Regular e Especial) das redes públicas estaduais e municipais do ano anterior (MEC, 2004). A partir de 2008, são computadas para efeito de cálculo do FUNDEB, as matrículas também da EJA e seus valores aluno/ano no estado do Ceará, inclusive usados para a efetuação dos repasses ao município de Ereré, referente à modalidade Avaliação no Processo, foram os seguintes: 2008: R$ 792,64; 2009: R$ 1.080,07 e 2010: R$ 1.132,78. Ademais, vale ressaltar que para cada Estado é calculado um valor por aluno/ano, tomando-se como base apenas os recursos provenientes da contribuição do governo estadual e dos governos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1723 municipais daquele Estado (sem recurso da complementação da União), o número d alunos e os fatores de ponderação. Caso o valor por aluno/ano fosse inferior ao mínimo nacional por aluno/ano vigente, torna-se necessário à garantia de recursos federais a título de complementação do Fundo no âmbito do Estado. Essa complementação ocorre, portanto, com o objetivo de assegurar o valor mínimo estabelecido. Dessa forma, haverá apenas naqueles Estados cujo per capita se situe abaixo do mínimo nacional. A complementação não alcança todos os Estados, apenas aqueles com menor valor per capita. (MEC, 2004). A complementação da União ao FUNDEB para o Estado do Ceará no período de 2007 a 2010, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e MEC (2012), foram os seguintes: em 2007, R$ 280.785.300,00; 2008, R$ 419.601.400,00; 2009, R$ 662.277.200,00 e em 2010, R$ 876.233.219,81. Com o advento do FUNDEB, que passa a vigorar a partir de janeiro de 2007, como já mencionado, passou-se a computar as matrículas, no caso específico dos municípios, tanto do Ensino Fundamental Regular, quanto da Educação Infantil, EJA e Educação Especial no cálculo do valor aluno/ano a partir de fatores de ponderação. A tabela abaixo demonstra os valores aluno/ano nos quatros primeiros anos do FUNDEB, para os segmentos educacionais do município em questão. TABELA 02 - Valor Mínimo Nacional Aluno/ano (R$) no período de 2007 a 201018 Fonte: FNDE/MEC, 2012, construção LIMA (2012). Legenda: SIU- Séries Inicias Urbanas; SFU- Séries Finais Urbanas; SIR- Séries Iniciais Rurais; SFR- Séries Finais Rurais; EE- Educação Especial; EJA- Educação de Jovens e Adultos 18 Fatores de Ponderação: Creche, (0,80); Pré-escolar, (1,00); Séries Inicias Urbanas, (1,00); Séries Finais Urbanas, (1,10); Séries Iniciais Rurais, (1,05); Séries Finais Rurais, (1,15); Educação Especial, (1,20) e Educação de Jovens e Adultos com Avaliação no Processo, (0,80). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1724 A terceira variável utilizada na análise do FUNDEF e do FUNDEB, no município de Ereré diz respeito à valorização salarial dos professores. No entanto, faz-se necessário, incialmente, que se compreendam os critérios de utilização dos recursos dos referidos Fundos. Em relação ao FUNDEF, o MEC (2004, p. 14), determina que: Os recursos do FUNDEF devem ser empregados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental público, particularmente, na valorização do seu magistério, devendo ser aplicados de modo que: o mínimo de 60% seja destinado à remuneração dos profissionais do magistério e o restante dos recursos (de até 40% do total) seja direcionado para as despesas consideradas de manutenção e desenvolvimento do ensino. De acordo com dados do Banco do Brasil (2012), durante a vigência do FUNDEF no município de Ereré, período de 1998 a 2006, este recebeu recursos da ordem de R$ 6.358.611,26, sendo que 60% desse valor correspondiam a R$ 3.815.166,75 e 40% a R$ 2.543.444,50. Isto significa que o referido município recebeu por ano em média R$ 706.512,36, com R$ 423.907,41 referentes aos 60% e R$ 282.604,94 aos 40% e dispôs de uma média mensal de R$ 58.876,03, em que R$ 35.325,62 (60%) foi para o pagamento de professores e R$ 23.550,04 (40%) para gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino. Tratando-se do FUNDEB, a obrigatoriedade do cumprimento das exigências na utilização dos seus recursos são as mesmas: Cumprida a exigência relacionada à garantia de 60% para remuneração do magistério, os recursos restantes (de até 40% do total), deveriam ser destinados para despesas diversas de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), realizadas na educação básica, na forma prevista no artigo 70 da Lei Nº. 9.394/96 (LDB), observado o seguinte critério por ente governamental: Estados: despesas com MDE no âmbito dos ensinos fundamental e médio; Distrito Federal: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio; e Municípios: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e no ensino fundamental (MEC, 2009: p. 21). Os valores do FUNDEB destinados os município de Ereré, no período de 2007 a 2010, foram da ordem de R$ 8.757.552,18, com média de R$ 2.189.380,54 por ano e R$ 182.448,40 por mês (BANCO DO BRASIL, 2012). De acordo com as determinações do MEC expostas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1725 acima esses valores foram os seguintes: 60%: total: R$ 5.254.531,31; ano: R$ 1.313.628,32 e mês: R$ 109.469,04; e 40%: total: R$ 3.503.020,87; ano: R$ 875.572,21 e mês: R$ 72.979,36. Desta forma, os recursos oriundos do FUNDEF e do FUNDEB, e aplicados no citado município, de 1998 a 2010, foram: total: R$ 15.116.133,44, representando uma média anual de R$ 116.779,46 e mensal de R$ 96.898,29. Os gastos com o magistério (60%) foram o seguinte: total: R$ 9.069.680,06; anual: R$ 70.067,67 e mensal: R$ 46.711,78; e com MDE (40%): total: R$ 6.046.453,37; anual: R$ 46.711,78 e mensal R$ 38.759,31. Portanto, constatamos que houve um aumento significativo no volume de recursos injetados no referido município. Isto deveria, consequentemente, promover um impacto positivo nos salários dos professores, na melhoria da sua formação profissional e nas suas condições de trabalho e do ensino. Diante do exposto, quando analisamos a evolução dos salários de professores percebemos que no primeiro ano de implantação do FUNDEF no município de Ereré, em 1998, houve um aumento de mais de 405%. Apesar de este parecer exorbitante, temos que levar em consideração que os salários de 1997 eram irrisórios, ou seja, R$ 62,32, colocando inclusive, estes profissionais na categoria de “sub-assalariados”, pois o salário mínimo deste ano era de R$ 120,00. Em 1998 o salário mínimo era de R$ 130,00, seus salários alcançaram os R$ 315,00. Esse ponto carece de esclarecimento: de 1998 a 2001, os professores não tiveram reajuste, nem aumento salarial, além do fato de que estes recebiam salários iguais, independentemente da formação e tempo de serviço no magistério. Mudanças dessa substancial, somente seria possível mediante a implementação de um Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração do Magistério Municipal (PCCR/MAG), fato ocorrido em 2002 e que passou a tratar da valorização da categoria. Introduziu-se nesse plano inclusive, uma das exigências do FUNDEF, remunerando estes profissionais, com base na sua formação, desempenho e tempo dedicado ao ensino. Percebemos que apesar do aumento de salário de mais de 405% durante o período do FUNDEF, 1997 a 2006, a qualificação docente do Ensino Fundamental não ocorreu de forma significativa, pelo contrário, caiu de 56,8% em 2002, para 35,4% em 2006, principalmente, até o último ano da existência do FUNDEF. As explicações mais prováveis para este acontecimento têm como base as seguintes hipóteses: a) que os professores teriam se III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1726 qualificado com o FUNDEF, e antes do término deste, se aposentado por tempo de serviço, sendo substituídos por pessoas não qualificadas; b) o fato de ter aumento o número de professores considerados leigos na função, ou seja, que lecionam no Ensino Fundamente do 6º ao 9º ano, mas não têm a formação, com habilitação por área, exigida pela LDN Nº. 9.394/96, mesmo tendo formação pedagógica, como Licenciatura em Pedagogia. Com a implantação do FUNDEB que passou também a custear a Educação Infantil, a formação profissional e atuação dos professores do município não mudou muito. Segundo os dados coletados junto ao IPECE (2011) verificamos que 17,24% dos que atuam na Educação Infantil têm formação pedagógica em Nível Superior, já no Ensino Fundamental este índice é se aproxima dos 64% em 2010, menor que o ano de 2004, quando 69,74% dos profissionais possuíam ensino superior. Logicamente o ponto ideal não foi alcançado, o referido município não avançou muito no quis diz respeito à qualificação docente, ou seja, possuir o maior número possível de seus professores com formação em Nível Superior, com Licenciatura em Pedagogia, Habilitação por Área de Ensino, e inclusive, Pós-graduados. As razões para isso estão no fato de que esta qualificação docente ocorreu, na sua grande maioria, com os professores que atuavam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental do 1º ao 5º Ano e que a apenas a formação em Nível Médio Pedagógico, ou Magistério, ou em Nível Superior com Licenciatura em Pedagogia seriam suficientes para que eles fossem considerados a lecionar nestes níveis de ensino. De acordo com os dados da SME (2011) de Ereré coletados através das avaliações realizadas pelas escolas para aferição da aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental, durante o período de 1998 a 2010, a aprovação apresentou o seguinte desempenho: 1999: aumento de 14,5%; 2000: diminuição de 16,6%; 2001: aumento de 20,7%; 2002: diminuição de 1,7%; 2003: o índice permaneceu o mesmo em 86%; 2004: aumento de 1,7%; 2005: diminuição de 18,3%; 2006: aumento de 4,2%; 2007: aumento de 4,7%; 2008: diminuição de 3,2%; 2009: aumento de 3,5% e 2010: aumento de 20,6%. Analisando ainda os índices de aprovação do referido município constatamos que este apresentou uma média de cerca de 80% de aprovação em termos absolutos, em termos relativos temos o pior desempenho foi do ano 2005, com apenas 71,5%, e o melhor o apresentado em 2010 que foi de 90,5%, além deste índice durante o período considerado ter III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1727 sido marcado por aumentos e quedas sucessivas. Verificamos também que no segundo ano de implantação do FUNDEF, portanto em 1999, este índice teve um desempenho significativo de 14,5%, saindo de 76% no ano anterior para 87% neste ano. Já em relação ano FUNDEB, no ano antes da sua implantação, em 2006, a aprovação era de 74,5% e em 2007 tem um aumento de 4,7%, subindo para 78%. Quando comparados os indicadores do Ensino Fundamental do referido município com os do estado do Ceará, a partir da implantação do FUNDEB, que apresentou seguintes indicadores: 2007: aprovação 83,8%, reprovação: 11,4% e abandono 4,8%; 2009: aprovação 87%, reprovação 9,5% e abandono 3,6%; 2010: aprovação 88,4%, reprovação 8,7% e abandono 2,9%. Comparando estes índices com os apresentados pelo município de Ereré, no mesmo período, conforme a tabela 17 temos: 2007: aprovação 78%, reprovação 14,5% e abandono 7,5%; 2009: aprovação 75%, reprovação 20,5% e abandono 4,5%; 2010: aprovação 90,5%, reprovação 8% e abandono 1,5%. Por tanto, constatamos que o único ano em que os indicadores do município analisado tiveram o desempenho melhor do que o do estado foi em 2010. O gráfico a seguir demonstra as variáveis analisadas. GRÁFICO 02 – Desempenho do Ensino Fundamental de Ereré (%): 1998-2010. FONTE: SME- Ereré(2011)/IPECE (2011)/Banco do Brasil (2012). Construção de Lima (2012) . Os dados acima demonstram definitivamente que apenas aumentar os recursos não é suficiente para garantir a promoção da melhoria do ensino, é preciso considerar a complexidade do processo educacional, a existência de outros fatores que precisam ser III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1728 lavados em consideração, como: desinteresse dos alunos, despreparo dos professores e demais profissionais do ensino, condições inadequadas para a realização de um ensino de qualidade, falta de planejamento e monitoramento das escolas e ausência de participação e acompanhamento das famílias nas atividades escolares dos alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção predominante que se tem acerca da educação, enquanto política pública social, é que esta se constitui um direito fundamental da família e um dever exclusivo do Estado. Apesar de a família ser a principal responsável pelo acompanhamento da educação escolar dos seus filhos, é o Estado que tem a grande obrigação de oferecê-la institucionalmente e os governos são encarregados de garanti-la através dos mecanismos legais existentes. Significa afirmar, que as políticas públicas constituem-se num conjunto de ações que os governos utilizam para alcançar determinados objetivos, ou seja, representam o Estado em ação, em que este implementa projetos de governo através de programas e ações voltadas para setores específicos da sociedade, inclusive, não devendo ser reduzidas apenas as políticas estatais. Neste sentido, as políticas públicas sociais, que têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX voltados aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, referem-se a ações na garantia de um padrão social utilizado pelo Estado no que diz respeito à redistribuição dos benefícios sociais, de forma a diminuir as desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. A educação é considerada como uma política pública, de corte social, apesar de ser responsabilidade do Estado, não é pensada apenas por seus organismos, mas assumem feições de acordo com suas diferentes concepções, pois se estão inseridas num Estado Capitalista, suas políticas educacionais acabam funcionando como um instrumento na obtenção dos interesses deste tipo de Estado. Em relação ao financiamento da educação pública brasileira, ficou evidente que seu histórico basicamente pode ser divido em duas etapas: uma antes e outra depois da Constituição de 1988. Com constituição avanços significativos foram observados e garantidos no Art. 205 da nossa última Carta Cidadã. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1729 O FUNDEF teve como principal objetivo corrigir as desigualdades socioeducacionais presentes na sociedade brasileira através de um ajuste econômico no campo educacional e trouxe avanços importantes para o Ensino Fundamental, como aumento das matrículas, dos recursos financeiros, dos salários dos profissionais do magistério, da qualificação docente e da melhoria das condições de ensino. No entanto a limitação de abrangência lhe rendeu duramente críticas. Em razão disso, foi criando em 2007 o FUNDEB e sua principal finalidade tem sido ampliar o financiamento a toda a educação básica, sendo necessário, também, aumentar seus recursos, que passaram de 15% para 20% das receitas resultantes de impostos e destinadas esta etapa educacional. Desta forma, o objetivo foi dar continuidade à busca pela melhoria do ensino, por meio de ajustes na forma de distribuição dos recursos e criando um padrão nacional de qualidade do ensino público brasileiro. Desta forma, constatamos que no período de vigência do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré, CE, de 1998 a 2010, os indicadores do Ensino Fundamental apresentaram matrículas em decréscimo, intervalo de 26%, uma queda anual de 2%. Isto ocorreu em função, principalmente, da diminuição da população de 0 a 14 anos de idade; aumento no número de transferências de alunos para outros municípios e elevação dos índices de abandono escolar neste nível de ensino. Se comparados os dados relativos às matrículas no período compreendido entre o FUNDEF e FUNDEB, percebemos que a tendência no âmbito nacional se repete no município em questão, tais como nos anos iniciais do FUNDEF em que foi observado aumento considerável no número das matrículas. No entanto nos anos seguintes verificam-se sucessivas quedas. Em relação aos recursos financeiros, estes apresentaram um crescimento de 618,6% durante o período considerado e uma média anual de 47,6. O que foi constado é que o aumento de tais recursos ocorreu, não por ocasião das matrículas, verificadas em queda, mas das elevações do valor/aluno/ano promovidas pelo Governo Federal. Este aumento no volume de recursos promoveu, por conseguinte, a valorização dos profissionais do magistério, através, especialmente, da melhoria dos seus salários. No entanto, como observamos tal acontecimento deveria ter provocado um salto na qualificação docente, que inclusive, está ligada intrinsicamente a esta questão. As razões para que isso não acontecesse, foi o fato de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1730 alguns profissionais terem se aposentado compulsoriamente e seus substitutos não possuírem formação pedagógica em nível superior. Após desses dados, se observou que a média de aprovação ficou em torno de 80%, apesar da mesma em alguns períodos tenha decaído. O que análises nos apontaram, é não existe necessariamente uma relação categórica entre aumento dos recursos e a garantia da melhoria do ensino. É preciso se levar em conta outras questões, pertinentes, que demonstram a complexa análise que o objeto pesquisado envolve, como: as condições de trabalho, que devem ser adequadas aos profissionais da educação, metodologias adequadas que despertem o interesse dos alunos pelos estudos, professores capacitados e comprometidos, gestão democrático-participativa, acompanhamento pedagógico efetivo, participação dos pais na vida escolar dos filhos, pois a família continua sendo referência inicial. REFERÊNCIAS ARAÚJO, T. B. Nordeste foi a região mais beneficiada no governo Lula. 2009b. Disponível em: http://www.fpabramo.org.br/artigos-e-boletins/artigos/entrevista-taniabacelar-nordeste-foi-regiao-mais-beneficiada-no-governo-. Acesso em: 20 de mai.2011. BB. Banco do Brasil S/A. Distribuição da arrecadação Federal, Estadual e Municipal. Ereré. Disponível em: http://www.bb.com.br. Acessos realizados entre: 02 e 20/02/2012. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso realizado em: 26/01/2012. _______. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso realizado em: 26/01/2012. HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos cedes, ano XXI, nº. 55, novembro/2001. Disponível em: www.scielo.br. Acesso realizado em: 5/12/2011. IPECE. Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará. Perfil Básico Municipal: Ereré, 2011. Disponível em: www.ipece.ce.gov.br. Acesso realizado em: 12/12/2010. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1731 LIMA, A. F. de. O FUNDEF e o FUNDEB no município de Ereré: expectativas e resultados. Pau dos Ferros: UERN, 2012. (Monografia de graduação). MATIAS-PEREIRA, José. Finanças Públicas: a política orçamentária no Brasil. 4 ed. São Paulo: atlas, 2009. MEC. Conselho Escolar e o financiamento da educação no Brasil / elaboração Luiz Fernandes Dourado... [et. al.]. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. _____. Manual de Orientações do FUNDEF, 2004/2006. Disponível em: www.mec.gov.br. Acesso realizado em: 10/12/2011. _____. Manual de Orientações do FUNDEB, 2009/2010. Disponível em: www.mec.gov.br. Acesso realizado em: 20/12/2011. SME. Secretaria Municipal de Educação de Ereré. Informações gerais da educação, 2012. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1732 A EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS LIMITES ABSOLUTOS DO CAPITAL: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHADOR QUALIFICADO E CONTRADIÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL Edilvan Moraes Luna19 Ana Paula dos Santos Brito20 Resumo- O referente trabalho é parte de um projeto de pesquisa em que objetiva estudar a precarização do trabalhador qualificado e a contradição da educação superior em tempos de crise estrutural do capital, procurando analisar diante das declarações da vigência de uma nova sociedade baseada no conhecimento. Em que diz prezar pela informação, aqueles que adquirem níveis de formação mais elevado, não encontram espaço no mercado de trabalho ao nível de sua formação. Sendo essas limitações imposta pelo próprio mercado e não justiçada pela falta de competência do indivíduo. Palavras-chave: Precariado- inovação- conhecimento Introdução A partir da década de 70, observou-se nas economias capitalistas um movimento na organização socioeconômica que apontava para uma tendência de esgotamento da promessa do welfare state e dos “anos dourados” que se seguiram após a segunda guerra mundial. O movimento de esgotamento do sistema capitalista pode ser visto por meio das crises que o mesmo enfrenta e as estratégias usadas na tentativa de superá-las. As crises do sistema capitalista, a partir da década de setenta, apresentou as suas peculiaridades que distaram das crises anteriores. Enquanto as crises anteriores à década de setenta tendiam a ser restrita a esferas específicas do sistema capitalista, atingindo mercados locais, com prazos limitados e cíclicos e, por fim, com erupções e colapsos abruptos, as crises após setenta serão vistas como de caráter universal, de alcance global com escala de tempo 19 Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Tel: (88) 9692-4125, Email: [email protected] 20 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Tel: (87) 9965-4711, Email: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1733 contínua e com modos de desdobramentos rastejantes, características estas que fazem das crises atuais crises estruturais do capital (MÉSZÁROS, 2002). Na tentativa de superar as crises que ameaçam sua legitimidade, surgem formas de reestruturação produtivas que acentuam a pressão sobre a natureza, o homem e, principalmente, sobre o operário e o trabalhador assalariado. Figura mais emblemática da tentativa de reestruturação produtiva é o sistema Toyota de produção, que por meio da doutrina difundida por Taiichi Ohno, criador do Sistema Toyota de Produção, se apropria tanto do físico como do subjetivo do trabalhador (ALVES, 2011). Essa dupla apropriação, apoiada em valores-fetiches, expectativas e utopias de mercado tendem a gerar pressões psicofísicas que colocam os indivíduos diante de uma situação de “subjetividade em desefetivação” (ALVES, 2011). Essa tentativa de reestruturação em tempos de crise também coloca em xeque os sonhos e esperanças dos indivíduos, principalmente dos jovens, que experimentando da promessa do consumismo e alcançando padrões de escolaridade elevada, se veem diante de uma organização econômica incapaz de suprir com seus sonhos (ALVES, 2012). Diante do cenário de crise estrutural do capital, a educação formal, “ativo” apontado como capaz de gerar a almejada mobilidade social na organização socioeconômica capitalista, se vê desvalorizado na prática. Em um ambiente no qual a educação é valorizada simbolicamente, ou em outras palavras, em um ambiente em que reina a “apologia da aprendizagem útil para a empregabilidade” (LIMA, 2012, p. 27), o mercado não é capaz de cumprir com a promessa de empregabilidade para todos, se revelando, o capitalismo, uma sociedade do desperdício, já que desperdiça a “futuridade de jovens altamente escolarizados, penhorando-se suas perspectivas de carreira e mobilidade social” (ALVES, 2012). Isso acentua ainda mais a precariedade do trabalho, acrescendo ao conceito de trabalhador precariado uma nova dimensão, a que corresponde à inserção em trabalhos precários de um número cada vez maior de jovens qualificados com nível superior. Nos países em desenvolvimento, a precariedade do trabalho se torna imperceptível devido ao ofuscamento causado por um valor-fetiche da empregabilidade, de forma que se o emprego cresce mesmo em condições precárias, ele é divulgado e celebrado como vitória de um povo, não trazendo a luz as contradições e limitações presentes no momento, confundindo III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1734 o real com o existente. Enquanto o existente é estático, visão de um momento em particular, o real é um processo dinâmico e complexo (TEIXEIRA & FREDERICO, 2008). O existente da empregabilidade, portanto, esconde o processo dinâmico que compõe o mundo do trabalho contemporâneo. É no contexto de procurar observar a realidade do trabalho e do trabalhador brasileiro que este projeto de pesquisa pretende dar início a uma pesquisa que tem como foco central o precariado brasileiro, especificamente, a sua face escolarizada e altamente qualificada, buscando responder a pergunta: neste início de século, diante das declarações da vigência de uma nova sociedade (pós-industrial, pós-moderna, pós-fordista, sociedade da informação, etc.) baseada no conhecimento e na informação, será que há espaço no mercado de trabalho brasileiro para todos aqueles que terminam um curso de graduação, espaço aquele, que esteja à altura de sonhos e pretensões que acompanham o sentido de possuir um nível superior? A hipótese que fundamenta a pesquisa é delineada da seguinte forma: a organização socioeconômica capitalista tende a limites absolutos, e que no cenário da luta de classes, dos conflitos de interesses e das relações de poder, estes limites não são aceitáveis, pois representam a perda de legitimação de um sistema que se mantém por meio de um poder simbólico calcado na promessa de bem-estar e democracia da riqueza. Embora não aceitáveis os limites absolutos do sistema capitalista, estes são cada vez mais presentes, tornando as promessas legitimadoras contraditórias. Assim, em termos do precariado que se estar proposto a estudar, se na procura por manter os padrões de crescimento de uma economia, se enfatiza o papel do conhecimento como insumo para a inovação, por outro lado, na mesma sociedade dita do conhecimento e da informação, aqueles que alcançam níveis de escolarização mais altos, diplomas de nível superior, não encontram espaço no mercado de trabalho no nível de sua formação e de sonhos e pretensões. Longe de tal tendência ser justiçada pela falta de competência do indivíduo, a dificuldade de jovens altamente escolarizados se enquadrarem no mercado de trabalho a altura dos sonhos que idealizaram é devida a limitações do próprio mercado, da própria economia, do próprio sistema capitalista, que por seguir a lógica da valorização do capital, age em detrimento do trabalho por ser este considerado um custo ou despesa. Assim, restam para muitos jovens com nível superior empregos precários, ou seja, aqueles trabalhos; a) cuja duração e continuidade no emprego é incerto; b) direitos sociais e III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1735 trabalhistas tendem a ser desrespeitados; c) baixa remuneração (1 a 2 salários mínimos, aproximadamente); d) condições de trabalhos inadequadas além de ; e) não permitirem a realização da ascensão social e de uma maior qualidade de vida. Os trabalhos precários são, portanto, os “trabajos que reducen de forma significativa la capacidad del trabajador de planificar y controlar su presente y su futuro” (CANO, p. 80, p. 1996). A pesquisa objetiva estudar o precariado brasileiro na sua dimensão escolarizada ao longo deste início de século e milênio (2000 a 2013), por ser esse período representado tanto por um crescimento da economia brasileira, marcada fortemente pela expansão do poder de consumo da classe média brasileira, como também pela expansão do ensino superior, envoltos, ambos, por um contexto político de despolitização da classe trabalhadora no governo do partido do trabalhador (PT) e de políticas públicas federais que centradas no aumento do consumo da população escondem as crises existentes no mundo do trabalho na sociedade brasileira (BRAGA, 2012). Para alcançar o objetivo proposto anteriormente, contudo, de maneira específica, serão cumpridos antes os seguintes objetivos: estudar o conceito de crise estrutural do capital presente nos trabalhos de István Mészáros, principalmente em sua obra Para Além do Capital, além de outros autores consagrados da sociologia e da economia do trabalho de forma que se obtenha subsidio teórico para reflexões a cerca do mundo do trabalho contemporâneo; observar o conceito de precariado, procurando captar sua complexidade e suas diferentes faces (repercussões no âmbito social, econômico, político); observar o contexto econômico e educacional do Brasil nos últimos dez anos, descrevendo a evolução de variáveis quantitativas tais como Produto Interno Bruto (PIB), renda, emprego, expansão das Instituições de Ensino Superior (IES), dos cursos de nível superior, do número de concludentes de ensino superior; relacionar a expansão do número de concludentes do nível superior com o incremento da precarização do trabalho no Brasil. Espera-se que com o desenvolvimento da pesquisa possa-se contribuir para o debate acerca da precarização do trabalho no Brasil, apontando tanto o real como o existente, favorecendo a superação do desafio humano de “dar sentido ao trabalho humano, tornando a nossa vida também dotada de sendo” instituindo “uma nova sociedade dotada de sentido humano e social dentro e fora do trabalho” (ANTUNES, 2009, p. 238). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1736 A sociedade do conhecimento e da informação Nas últimas décadas, de forma específica, a partir da década de 70 e 80, se intensificou nos meios intelectuais uma discussão que tem por base o fim da sociedade do trabalho e o advento de uma nova sociedade, a do conhecimento. Diante do avanço tecnológico presenciado, chegou-se a conjeturar o fim do trabalho abstrato, com a substituição do trabalho humano pelo trabalho de autômatos (SCHAFF, 1990) ou até mesmo uma Computopia na Terra com sugere Masuda21 (KUMAR, 2006). Tendo em vista o contexto histórico, econômico e político, que alteraram as condições de vida humana nas últimas décadas, alguns autores, afirmam estarmos vivendo uma nova sociedade, um novo cenário socioeconômico distinto do de duas, três décadas atrás. Esse novo cenário, ora definido como pós-moderno, ora definido como pós-industrial, para ficarmos nas duas definições mais comuns, possuem um leque de distinções com seus antecessores (a sociedade moderna ou a sociedade industrial) Dentre os eixos principais, ressaltemos aquele a qual é fundamental para desenvolvermos a tese do presente trabalho: o conhecimento e a informação. Estes dois elementos, na caracterização da sociedade pós-industrial serão alçados ao status de modo de produção, matéria-prima e mercadoria. Porém, estes três status serão compreendidos pelos autores que defendem a nova sociedade como que detentores de aspectos específicos que o tornam diferentes das características que possuíam os modos de produção e as mercadorias tradicionais antes do advento da Revolução científico-tecnológica. Um dos primeiros intelectuais a popularizar o conceito de sociedade pós-industrial foi Daniel Bell, em seu livro O Advento da Sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão social. No livro, Bell (1977) propõe separar a evolução da sociedade em três etapas: a 21 Estamos nos dirigindo para o século XXI com o nobre objetivo de construir uma Computopia na terra, em cujo monumento histórico haverá apenas vários chips, um em cada polegada quadrada de uma pequena caixa. Essa caixa, porém, armazenará numerosos registros históricos, incluindo o de como 4 bilhões de cidadãos mundiais venceram a crise de energia e a explosão demográfica, conseguiram a abolição das armas nucleares e o desarmamento completo, eliminaram o analfabetismo e criaram uma rica simbioses entre Deus e homem, sem a coação do poder ou da lei, mas pela cooperação voluntária dos cidadãos... Assim, a civilização que será construída... não terá o caráter de uma civilização material caracterizada por edificações imensas, mas será virtualmente uma civilização invisível. Para sermos precisos, ela deveria ser chamada de “civilização da informação”... (MASUDA 1985, p. 633-634 apud KUMAR, 2006, p. 54) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1737 sociedade pré-industrial, industrial e pós-industrial. A primeira compõe a sociedade organizada em torno da terra e da sua propriedade, sendo a produção, portanto, de tipo agrário e em moldes tradicionais a base da organização socioeconômica. A sociedade industrial, por sua vez, gira em torno da produção industrial, sendo caracterizada, principalmente, pela materialidade da mercadoria, a mensuração dos fatores de produção usados e a predominância do fator capital e trabalho como fatores de produção determinantes. Na sociedade industrial, a teoria do valor-trabalho possui um significativo caráter explicativo das relações sociais de produção. Contudo, com a redução do setor industrial como motor dinâmico da economia, perdendo lugar, por sua vez, para o setor de serviços, surge uma nova sociedade pautada nas tecnologias de comunicação e informação, no conhecimento e na informação, sociedade a qual Bell (1977) nomeia de pós-industrial. Essa sociedade tem como postulado o fato de que “conhecimento e informação estão se tornando os recursos estratégicos e os agentes transformadores da sociedade pós-industrial [...]”(Bell 1980 apud KUMAR, 2006, p.48). O quadro 1 abaixo descreve as distinções societárias segundo Bell. Quadro 1 – divisão da sociedade de acordo com Daniel Bell Pré-industrial Industrial Pós-industrial Modo de produção Extrativo Fabril Setor econômico Primário Agricultura, mineração, madeira Óleo e gás Processo; reciclagem; serviços Terciário Transportes Utilidades Quartanário Comércio, Finanças Seguros, Setor imobiliário Quinário Saúde, educação, pesquisa, governo, recreação Fonte transformação Secundário Produção de pesca, mercadorias, manufatura, produtos duráveis Produtos nãoduráveis, indústria de construção de Força natural Energia criada Informação Vento, água, tração Eletricidade – óleo, Computadores animal, músculos gás, carvão, força sistema e de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1738 Recursos estratégicos Tecnologia Base competências Metodologia Perspectiva tempo Design Princípio axial humanos, matéria- nuclear prima Matéria-prima Capital financeiro transmissão de dados Artesanato Tecnologia intelectual Cientistas, técnicos e profissionais liberais Tecnologia maquinaria artesão, Engenheiro, de Trabalho manual, fazendeiro trabalhadores semiqualificados Senso comum, Empiricismo, tentativa e erro, experimentação experiência de Orientação passado Jogo contra natureza Tradicionalismo Conhecimento Teorias abstratas, modelos, simulações, teorias das decisões, sistema de análises, ao Adaptações ad hoc, Orientação para experimentação futuro: previsão planejamento o e a Jogo contra futuro já Jogo contra futuros feito Crescimento Codificação do econômico conhecimento teórico Fonte: Bell (1979) apud KARVALICS (2007) Tendo diante de si o cenário pós-industrial descrito anteriormente, Bell (1977) atribui uma centralidade para o fator conhecimento e informação a ponto de propor não mais uma teoria do valor-trabalho como instrumento de compreensão social, mas sim uma teoria do valor conhecimento (KUMAR, 2006). Assim, com o setor de serviços ocupando um espaço cada vez maior na economia, como propõe Bell (1977), o autor defende a tese que na sociedade pós-industrial há a diminuição da sindicalização operária enquanto ocorre o aumento da sindicalização de outros profissionais assalariados da classe média. Essa característica da sociedade pós-industrial é devida, vale ressaltar, pela perda de espaço da indústria para o setor de serviços, criando um mercado de trabalho que demanda profissionais tais como engenheiros, economistas, publicitários e administradores, por exemplo, em detrimento de operários para a linha de montagem. Não é sem razão, portanto, que De Masi (2000, p. 35) afirma que Bell “fixa em 1956 a data do nascimento da sociedade pós-industrial, ano em que, pela primeira vez nos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1739 Estados Unidos, os trabalhadores da área administrativa superaram em termos numéricos os da área da produção”. Essa nova configuração social, muda, no entender de Bell (1977), as relações entre classes sociais, de maneira que o conflito de classes deixa de ser entre operários e capitalistas para ser entre os que detêm conhecimento e os que não o detêm. Nesta nova sociedade, pelo fato de o saber deter uma centralidade, o conhecimento, a informação, a ciência se tornam base de novas relações de poder, diferindo da sociedade industrial onde as relações de poder se centravam na posse da propriedade privada. Além de Bell, Alain Touraine também teorizou sobre a sociedade de sua época, preferindo defini-la como sociedade programada. Como a sociedade pós-industrial de Bell, a sociedade programada de Touraine (2008) também tem no conhecimento a força motriz da economia contemporânea e os vínculos sociais são desenvolvidos por meio de redes de comunicação, em um cenário onde os bens materiais dão lugar a bens de conhecimento e culturais. Para o autor, [...] o caráter mais geral da sociedade programada é o facto de as decisões e os combates económicos já não possuírem, nessa sociedade, a autonomia e a centralização que tinham num tipo anterior de sociedade, definido pelo seu esforço de acumulação e de recolha antecipada de lucros sobre o trabalho directamente produtivo. (TOURAINE, 1970, p. 9) A precarização do trabalho na Sociedade do Conhecimento e da Informação Após a Segunda Guerra Mundial, as economias capitalistas dão um longo passo em direção a e recuperação de suas economias. Essa marcha será marcada tanto pelo crescimento econômico como pela construção de um sistema de proteção e seguridade social comandado pelo Estado. Desta forma, de 1947 a 1973, “os países desenvolvidos viveram uma fase conhecida como anos dourados, com alto crescimento econômico, estabilidade monetária, pleno emprego e redução das desigualdades sociais” (POCHMANN, 2008, p. 54). Durante este “anos dourados”, os Estados Unidos da América desempenhou papel de liderança mundial, já que durante toda a II Guerra Mundial, embora tenha entrado em combate, não experimentou a destruição que o território Europeu havia experimentado. Com uma posição bem melhor do que a Europa pós-guerra, os EUA passou a financiar a recuperação da Europa III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1740 e do Japão, conseguindo o que, no entender de Arrighi (1996), nenhum outro país conseguiu até então, transformar grande parte da sua dívida externa em ativos. Contudo, ao longo dos anos dourados, os padrões de crescimento econômico e de seguridade do welfare state apontavam contradições e limitações que acenavam para o esgotamento de um modelo de organização social que por longos anos se concentrou em volta de padrões tecnológico fordista, com uma estrutura social rígida e tendo no setor industrial o sinônimo de progresso. Como exemplo das contradições e limitações presentes nos anos de recuperação pósguerra da economia global, encontra-se: as próprias limitações a exploração a força de trabalho impostas pela própria constituição do welfare state (ALVES, 2011); o acirramento da concorrência nos mercados globais, por volta da década de 1960, provenientes da recuperação da Europa e do Japão e da entrada de países do Terceiro Mundo no cenário industrial por meio de suas políticas de substituição de importação e o movimento das empresas multinacionais em direção de condições empresariais mais favoráveis (ALVES, 2011); o agravamento de problemas de natureza socioeconômica que atingiam o coração do capitalismo pós-guerra, os EUA, como por exemplo, o agravamento dos “problemas fiscais decorrentes, por um lado, da queda da produtividade e da lucratividade, por outro, do combate à pobreza e da guerra do Vietnã [...]” (ALVES, 2011, p. 13), que só seriam tratados a custa da aceleração da inflação; e a crescente importância das finanças em detrimento da economia real, com mudanças de direção das poupanças, saindo dos investimentos em direção a especulação (NEFFA, 2010). Os limites que surgem nas economias globais para manter suas taxas de crescimento e bem-estar crescentes se fazem sentir de forma intensa a partir da crise de 1973, crise esta vista por Mészáros (2002) como o início das crises estruturais do capital. É neste cenário em que foram adotadas as ações intervencionistas que geraram impactos significativos no mundo do trabalho. As principais ações intervencionistas adotadas foram: a introdução progressiva do capital privado nas empresas estatais de serviços públicos como um passo em direção há privatização; o incremento das tarifas de serviços públicos para reduzir, assim, os subsídios, e a penetração da lógica mercantil no funcionamento das instituições de seguridade social; a atração de investimentos estrangeiros diretos; redução de barreiras aduaneiras para obtenção III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1741 de acesso aos mercados exteriores, o que acirra a competência não só entre firmas, mas entre nações; o desregulamento dos mercados para estimular a competência; o aumento das taxas de juros para frear o consumo e estimular a poupança e os investimentos das famílias; maior controle dos gastos públicos sociais para reduzir o déficit fiscal, considerado como causador de inflação; moderação nos aumentos de salário para compensar a inflação, estando eles abaixo do incremento da produtividade; e freio à demanda para aumentar as taxas de investimento (NEFFA, 2010). Estas medidas, contudo, ao invés de superar os limites absolutos do capital (MÉSZÁROS, 2007), tendem a intensificá-lo, já que, se as reformas nas relações de produção vencem os obstáculos, em curto prazo, para a acumulação de capital, em longo prazo, os limites são de ordem socioeconômica e se relacionam a própria constituição do sistema do capital, que em busca de maiores retornos para o capital, termina por gerar pressões sobre o ecossistema e sobre o homem em seu trabalho. A lógica do capital, centrada em torno de variáveis quantitativas possuem seus limites, pois, como observou Mészáros (2007, p. 250251): [...] a verdade da questão é que a quantificação auto-orientada não pode, na realidade, sustentar-se de maneira alguma como uma forma de estratégia produtivamente viável mesmo no curto prazo. Pois é parcial e míope (senão inteiramente cega) preocupada apenas com as quantidades correspondentes aos obstáculos imediatos que impedem a realização de uma dada tarefa produtiva, mas não com os limites estruturais necessariamente associados ao próprio empreendimento socioeconômico que – quer se saiba ou não – decide tudo em ultima instancia [...]. Tanto as pressões sobre o ecossistema como sobre o mundo do trabalho apontam como limites a expansão da lógica capitalista. Ambas as pressões merecem atenção detalhada, contudo, por questões metodológicas, a serem explicadas posteriormente, se limitou aqui a estudar as pressões sobre o mundo do trabalho, principalmente, a sua forma mais perversa sentida na forma da precarização do trabalho. No sistema do capital, a geração de lucro surge a partir da exploração do trabalho vivo, que por transformá-lo em um fator de produção e submetê-los a condições técnicas, terminam por pressionar tanto o físico como o subjetivo do trabalhador (HARVEY, 2005; III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1742 ALVES, 2011). É neste ponto que as observações de Harvey (2005, p. 131), de que “um maior padrão material de vida para o trabalhador não é necessariamente incompatível com um aumento da taxa de exploração”, desmistifica a visão de autores que por verem na contemporaneidade uma sociedade da informação e do conhecimento e, portanto, capaz de tornar o trabalho atrativo e melhor, distante do cenário do trabalho industrial do século XIX descrito por Engels (2010) e Thompson (1997), escondem a importância do trabalho como categoria sociológica fundante do ser social (LUKÁS, 2010), chegando ao ponto de substituírem a teoria do valor trabalho por uma teoria do valor conhecimento (BELL, 1977). É a partir do conhecimento como nova categoria determinista das relações socioeconômicas que se desenvolverá um fetiche sobre a sociedade do conhecimento. A intenção, aqui, não consiste em uma tentativa de eliminar a importância e os impactos das tecnologias de comunicação e informação nas relações socioeconômicas, mas sim observar a hipótese de que por trás da exaltação da sociedade da informação – recorde-se a computopia na terra de Masuda (KUMAR, 2006) ou as previsões de Schaff (1990) – e do fim do proletariado, esconde-se a exploração e a precarização do trabalho, pois “[...] o que se vê não é o fim do trabalho, e sim a retomada de níveis explosivos de exploração do trabalho, de intensificação do tempo e do ritmo de trabalho. Vale lembrar que a jornada pode até reduzirse, enquanto o ritmo se intensifica [...]” (ANTUNES, p. 202). Assim, a precarização do trabalho, escondida por trás da exaltação do crescimento econômico impulsionado pelas inovações, estas, filhas da sociedade do conhecimento e da informação, aponta como uma das faces mais intensas da pressão do sistema do capitalismo sobre o trabalho e a vida humana, pois, embora o conceito de precarização ainda esteja longe de um consenso, o mesmo pode ser entendido por uma perspectiva social mais ampla, já que as pessoas terminam por ter “[...] un tipo de empleo que no le permite consolidar un estatus o un nivel de vida, una profesión, una estabilidad que permita planificar el futuro” (ALÓS, 1988 apud CANO, 1996, p. 80). O trabalho precário pode ser entendido como sendo relações de trabalho: a) cuja duração e continuidade no emprego é incerta; b) direitos sociais e trabalhistas tendem a ser desrespeitados; c) baixa remuneração; d) condições de trabalhos inadequadas. Estas condições de trabalho tanto pressionam a qualidade de vida do trabalhador no seu lugar de trabalho III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1743 como, no contexto mais amplo e complexo da vida, estando o trabalhador inserido em um contexto sociocultural que estabelece padrões mínimos (embora de custos altos) de consumo como forma de bem-estar e de inserção social, a incapacidade de gerar uma renda capaz de suprir com seus anseios terminam conduzindo o trabalhador tanto para o esgotamento físico – aqueles que trabalham em mais de um posto de trabalho para incrementar a renda – como psicológico, que Giovanni Alves observa como um processo no qual se tem a “subjetividade em desefetivação”, expressa, fortemente, por exemplo, “pelo surto de estresse que atinge a civilização do capital” (ALVES, 2011, p.152). É desta forma que a precarização do trabalho como limite e sinal das contradições da lógica da sociedade do capital, pois se estar, cada vez mais notório que o sonho do bem-estar promovido pelo capitalismo não está mais tão próximo e evidente como se imaginava. E isso se acentua ainda mais, quando se insere na fileira dos trabalhadores precários jovens altamente escolarizados, com nível superior, que, por estarem na “sociedade da informação” e, portanto, deveriam ser os agentes principais dessa sociedade, terminam por se encontrar diante de trabalhos precários não por culpa própria, mas sim pela incapacidade do mercado de gerar trabalho a altura das pretensões e dos sonhos que almejam e que corresponde a ideia tão bem valorizada pela mesma sociedade da informação. Em outras palavras, a contradição estar no fato de em uma sociedade onde a inovação e, por conseguinte a informação são os arautos do desenvolvimento econômico, da geração de emprego, renda e, principalmente, qualidade de vida, os agentes que se com alta escolaridade não encontram espaço nessa sociedade. Desta forma, tanto o conceito de precariado se estende, não se limitando apenas a noção comum de os mais precários postos de trabalhos estão para os que não se qualificam, como revelam o fetiche da sociedade da informação e as contradições do sistema do capital, corroborando a afirmação de Mészáros (2002) que estamos a presenciar as crises estruturais do capital e de que, possamos estar caminhando para um sociometabolismo da barbárie, caracterizado pelas “suas tendências [do capitalismo] destrutivas e seu companheiro natural, o desperdício catastrófico” (MÉSZÁROS, 2003, p. 45). Diante do exposto, trazendo a análise para o Brasil, a exposição de Mészáros (2003) sobre o caráter destrutivo e de desperdiçador catastrófico do sistema do capital é observável na precarização do trabalho no Brasil. Essa precarização adota varias faces no cenário III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1744 brasileiro, atingindo diferentes parcelas da população em menor ou maior grau de intensidade. Assim, para uma sociedade na qual o trabalho compõe a base da pirâmide social (POCHMANN, 2012), a precarização do trabalho se encontra, por exemplo, em proporção significativa, nos trabalhos terceirizados e nos trabalhos com contratos temporários (POCHMANN, 2012), na forma “louvável” do empreendedorismo (VASAPOLLO, 2005), na feminização do trabalho (NOGUEIRA, 2004) ou, como já abordado, mesmo nos setores mais informatizados da economia (WOLFF & CAVALCANTE, 2006). São relações de trabalho precárias que, na linha de pensamento de Mészáros (2003), destrói e desperdiça tanto força física como sonhos (ALVES), pois em um Brasil que desde os anos 2000 “aponta para a constituição de um novo modelo de desenvolvimento, que procura combinar de maneira favorável os avanços econômicos com os progressos sociais (POCHMANN, 2012, p. 31), sobre a sombra do crescimento econômico se encontra, por exemplo: baixa remuneração: não mais de 1,5 salário mínimo mensal no setor primário e autônomo; trabalho temporário, que no Brasil, em 2009, observou que “os micro e pequenos empreendimentos registram 13,3% de seus empregados com contrato de trabalho inferior a três meses de tempo de serviço” enquanto “as grandes empresas apresentam somente 8% do total de seus ocupados nessa condição de emprego temporário”. Tais porcentagens em um contexto onde “do total de 4,3 milhões de postos de trabalho na condição de curta duração, 47,5%” pertencem à micro e pequenas empresas (estabelecimentos com até 49 funcionários; trabalho terceirizado formal, que no país, entre 1985 e 1995, cresceu a uma média de 9% seguida do crescimento das empresas de terceirização a media de 22,5% ao ano, enquanto entre 1996 e 2010 foi de 13,1% o crescimento do trabalho terceirizado seguido por 12,4% a média anual para o crescimento das empresas de terceirização. A esses pontos acrescenta-se a situação dos que possuem maior escolaridade, principalmente, os com diplomas de nível superior. Embora um diploma repercuta fortemente no rendimento salarial, tem-se que observar que um diploma em si, não é garantia de empregabilidade, nem de empregabilidade em setores não-precários. Como bem observa Pochmann (2012, p. 36): III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1745 Na década de 2000, quase 85% do total das vagas abertas destinavam-se a trabalhadores de salário de base com escolaridade equivalente ao ensino médio, ao passo que aos ocupados que possuíam ensino superior restou uma parcela bem menor do total dos postos de trabalho. Nos anos 1990, as vagas abertas aos trabalhadores de salário de base com ensino médio representaram 68,3% do total; com ensino superior, menos de 5%. Ou, como reporta Alves (2012): (...) no decorrer da década de 2000, o desemprego aumentou significativamente entre aqueles com mais de 11 anos de estudos (36,82% em 2002, 39,84% em 2003; 43,16% em 2004; 46,19% em 2005; 47,81% em 2006; 50,70% em 2007; 52,92 em 2008; e 56,46% em 2009, segundo dados do IBGE/PME), com um leve decrescimento entre aqueles de 18 a 24 anos (1,5% entre 2002 e 2009) e um pequeno crescimento entre aqueles de 25 a 49 anos (2,4% entre 2002 e 2009). Tudo isso em um contexto onde o número de universitários cresceu significativamente, já que “segundo dados do Censo da Educação Superior, de 2001 a 2011, o crescimento de universitários no País foi de 110%” (ALVES, 2012). Se em um primeiro momento a economia pode se beneficiar da expansão da mão de obra cada vez mais qualificada, por outro lado, a expansão do ensino superior em um contexto socioeconômico no qual o setor de serviços comerciais (responsável por absorver 8,5 milhões do pessoal ocupado assalariado em 2011) é predominante e no qual o paradigma empresarial dominante é o de poupador de mão de obra (salário é custo ou despesa, portanto deve ser reduzido ao máximo sem afetar a produtividade), a propagada ideia de que educação pode tudo, até mesmo romper com a desigualdade socioeconômica, se encontra obstaculizado pela incapacidade das economias de absorver a mão de obra qualificada que cresce a cada ano, o que enfatiza ainda mais os limites absolutos do sistema do capital, como já exposto anteriormente. Além do mais, para realçar o caráter do novo precariado, aquele altamente escolarizado com relações de trabalho precárias, recordemos das observações de Bourdieu (2007) sobre a inflação de diplomas, no qual estas são desvalorizadas de acordo com que o crescimento de número de portadores de diplomas é mais rápido do que o crescimento da quantidade de cargos para os quais são destinados os diplomas. A perda de valor dos diplomas conduz a procura de níveis educacionais cada vez mais altos, freando a mobilidade social, ou III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1746 até mesmo, como apontou Peugny (2009), conforme aumentam as credenciais, o perigo de mobilidade descendente no futuro aumenta. Assim, a figura do novo precariado (ALVES, 2012) deixa transparecer questionamentos acerca dos limites da educação superior como elemento de mobilidade socioeconômica ascendente (PEUGNY, 2009), além de evidenciar os limites da sociedade do capital (MÉSZÁROS, 2002), trazendo à luz as relações de trabalho precário contemporâneo existente em pleno tempo da “sociedade da informação e do conhecimento”. Referências ALVES, Giovanni. A educação do precariado. Artigo publicado em 17 de dezembro de 2012. Disponível em < http://blogdaBoitempo Editorial.com.br/2012/12/17/a-educacao-doprecariado/> Acesso em 31 agosto 2013. ______. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011. ANTUNES, Ricardo L. C. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2 ed., 10 reimpr. ver. e ampl. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009. ______. Século XXI: nova era da precarização estrutural do trabalho?. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1749 A EXPLORAÇÃO DO LABOR À REDUÇÃO ONTOLÓGICA DO SER: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES ESTRUTURANTES DO TRABALHO INFANTIL Wellington Gomes Aguiar22 José Mario Pontes de Vasconcelos Filho23 João Adolfo Ribeiro Bandeira24 RESUMO: Este trabalho trata especificamente do trabalho infantil em face do capitalismo, sabendose que existem, além de questões sociais, questões legislativas e resolutivas, que é o caso das leis e das políticas publicas, respectivamente. Traz um estudo sobre a importância da positivação dos direitos intrínsecos ao homem, mostrando o porquê não basta apenas ter regras, mas sim ter regras e estas serem aplicadas de forma efetiva. Apresenta ainda uma evolução histórico-social do trabalho infantil junto ao capitalismo, vinculando a exploração da mão-de-obra infantil ao sistema capitalista e como acontece essa relação. Por fim, estabelece as causas e consequências do trabalho precoce, tanto para as crianças e adolescentes quanto para a sociedade de modo geral. Mostra também a forma cabível para a resolução deste problema, que seriam as Políticas Públicas. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil; Capitalismo; Exploração. INTRODUÇÃO A reprodução do capital em todas as suas composições e vertentes ocorre de forma totalitária, ainda que se discuta contemporaneamente o fenômeno de relativização dos processos de produção, atrelando-se à pós-modernidade. Neste intuito, a problemática acerca das relações de trabalho soma-se à análise contínua da evolução do sistema capitalista, adentrando nas relações socioeconômicas e político-jurídicas, ocasionando assim o processo de reificação e alienação dos axiomas, processo este que será abordado nas linhas que seguem. 22 INSTITUIÇÃO: Faculdade Leão Sampaio; Telefone (88): 9202 6153; e-mail: [email protected] 23 INSTITUIÇÃO: Faculdade Leão Sampaio; Telefone (88): 9995 7292; e-mail: [email protected] 24 INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB; Telefone: (88) 9944-9943; e-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1750 O propósito encontra-se me desnudar a relação trabalho-capital como um fator de alienação capaz de subverter e subjugar o ser humano à condição de res em sua independente da fase em este se encontra. A análise, por tanto, abordará o trabalho infantil no território brasileiro, utilizando da metodologia de revisão bibliográfica e pesquisa documental tendo como referencial teórico as teorias marxianas sobre trabalho alienado e redução ontológico por meio da deturpação axiológica. TRABALHO INFANTIL: ANÁLISE HISTÓRICA O trabalho infantil é um fenômeno antigo e relaciona-se com as primeiras formas de exploração do povo e territórios nacionais. Ainda na época da colonização os filhos de escravos já eram submetidos ao trabalho, exercitando tarefas tecnicamente impossíveis, pois exigiam esforços extremamente superiores às suas condições físicas. Com a revolução industrial e o desenvolvimento social e econômico que esta trouxe ao Brasil, o trabalho infantil sofreu transformações que estenderam as formas do trabalho precoce e logo ganhou um espaço em setores informais como a prostituição, tráfico de drogas, trabalho doméstico, entre outros. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011)25, mostram que em São Paulo, em 1890, as crianças e adolescentes totalizavam 15% do total de empregados em setores industriais. Ainda neste ano, no setor têxtil da capital paulista, o Departamento de Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo registra que um quarto da mão-de-obra empregada neste setor era composto por crianças e adolescentes. Passados vinte anos esse número evoluiu para 30%, em 1919 o número atingiu os 37% do total de trabalhadores do setor têxtil. Ao analisar o Censo 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE)2, pode-se perceber algumas conclusões em relação ao trabalho infantil. Vê-se em primeiro lugar que o trabalho infantil possui relação com a classe socioeconômica, visto que crianças de classe média alta geralmente não trabalham. 25 Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/content/emprego-juvenil. Acesso em: 10 de set. de 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1751 Em um segundo plano encontramos que quando as famílias são chefiadas por mulheres é aumentada a probabilidade de crianças trabalhando, visto que são famílias que só possuem uma fonte de renda. O planejamento familiar é outro ponto determinante para o trabalho infantil. O número de irmãos, escolaridade dos pais, gastos e renda mensal, alfabetização, entre outros são fatores que influenciam na hora de expor crianças ao trabalho. Analisamos ainda que quanto maior for o número de integrantes da família, mais possibilidades esta tem de inserir crianças, geralmente as mais velhas, no trabalho como forma de auxiliar na renda familiar para conseguir suprir todas as necessidades e sustentar a casa. Por último e não menos importante fica expresso que o trabalho infantil está diretamente relacionado com o grau de desenvolvimento do país, sabendo que países mais ricos possuem indicadores de trabalho infantil reduzido, enquanto países não desenvolvidos possuem números elevados3. É de fácil percepção que há uma inversão de valores. Uma grande parcela da sociedade acredita que é benéfico que a criança trabalhe para auxiliar na renda mensal, mas não percebem que esta é uma inversão de papeis, pois compete à família garantir o sustento às crianças e se esta não consegue assegurar esse sustento deve procurar políticas públicas que efetivem esses direitos. Existe também uma inversão de valores quanto à exploração infantil em afazeres domésticos, de acordo com o Censo do IBGE 2010, mais de 130 mil famílias brasileiras possuem como responsáveis por seus domicílios crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, que cuidam desde os afazeres domésticos, cuidando dos irmãos mais novos, até a trabalhar para obter renda e sustentar a casa. QUANDO A BRINCADEIRA É COISA SÉRIA A prática do trabalho infantil interfere de forma incisiva no desenvolvimento físico, psicológico, social, emocional e educacional das crianças e dos adolescentes. O pediatra Roberto Teixeira Mendes, do Departamento de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o trabalho precoce afeta o desenvolvimento da criança, além de acarretar em doenças mais imediatas como doenças infecciosas e traumas. Por conta da exposição destas crianças ao trabalho muitas vezes rígido, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1752 estão sujeitas a sentir dores musculares, assim como ter deformações ósseas e sofrem com frequência dores de cabeça e de coluna, fadiga, insônia e mutilações. Danos morais também são decorrentes da exploração do trabalho infantil, visto que essas crianças e adolescentes estão sendo privadas de fases essenciais para o desenvolvimento integral. Sofrimento, sentimento de abandono, autoestima rebaixada, entre outros são algumas das consequências morais que as crianças ficam sujeitadas. No âmbito social são provocados danos como a evasão escolar, que certamente será motivo para uma desqualificação profissional e logo uma baixa renda, as crianças e adolescentes que não vão à escola contribuem para a formação de um grupo desqualificado e consequentemente desempregado. Outro fator importante é o impedimento de viver a infância III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1753 e adolescência, sem ter assegurados direitos básicos como, por exemplo, direitos à educação, saúde, lazer. Segundo Mendes (2011), os efeitos danosos vão depender da faixa etária e dos trabalhos que a criança efetua, porém estes efeitos sempre vão estar presentes em crianças e adolescentes que trabalham. O trabalho pode ser exaustivo, pesado, insalubre e trazer efeitos imediatos, como intoxicação e traumas. Mas mesmo que o trabalho não tenha nada disso, só por ser trabalho vai tirar a criança do seu momento específico de vida que é brincar, fantasiar e elaborar o mundo que a cerca à sua maneira. E a criança precisa de tempo e condições para fazer isso. O trabalho infantil fere não apenas o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, mas fere também a nossa lei maior, a Constituição Brasileira de 1988. Após assinar a convenção 138 e a Recomendação 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi implantado no Brasil o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, mas o que se percebe é que com as alterações feitas no Programa a Política de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) tem se dissolvido e, por conseguinte diminuído seu grau de eficácia. A especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes e psicóloga do Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini, Nelma Silva (2008), afirma em uma entrevista exclusiva para o Jornal Pequeno do Maranhão que o trabalho precoce traz consequências gravíssimas às crianças e adolescentes. O trabalho precoce traz consequências gravíssimas que interferem diretamente no desenvolvimento, físico, emocional e social das crianças e adolescentes. Uma das principais consequências apontadas é a queda no desempenho escolar. Muitos dos que trabalham abandonam as salas de aula e os que permanecem são reprovados devido ao cansaço e ao tempo reduzido para se dedicar aos estudos. A criança gasta todas as suas energias no trabalho e não consegue acompanhar o ritmo escolar. Este ponto é bem tratado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 53, que diz que “a criança e o/a adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1754 O trabalho infantil é tratado como um problema milenar, como afirma o professor Segadas Vianna ao tratar do Código de Hamurabi, com data de mais de dois mil anos antes de Cristo, que já fazia menção protetiva às crianças e aos adolescentes que trabalhavam como aprendizes. O que deixa claro, que desde os tempos mais remotos havia uma utilização da mão-de-obra infantil. Porém os métodos para a erradicação desta prática injusta e desumana estão sendo ainda conquistadas, só após a década de 80 foi que medidas jurídicas, sociais e políticas foram tomadas para com o problema do trabalho infantil. E mais que apenas leis deu-se por entendido que as crianças também são cidadãos, tratando cidadania em seu conceito amplo, logo passou a ser questões dos direitos humanos. Dentre essas medidas a que mais vem ganhando força são as políticas públicas sociais, pois surge ai um apoio da sociedade que se incomoda com o trabalho infantil e suas consequências para a sociedade como no geral. Alguns órgãos ficam encarregados de fiscalizar se há a efetivação de políticas públicas, assim como das leis. Um destes órgãos é o Ministério Público do Trabalho (MPT) O MPT aposta em políticas públicas, campanhas educativas, entre outras formas como meio de transformação dessa realidade. Encontramos três segmentos de auxilio na erradicação do trabalho infantil no Brasil. O primeiro destes segmentos é o projeto “Políticas Públicas” que é uma forma de garantir a efetivação de políticas públicas, programas e serviços pelos municípios. E ainda políticas que visam a profissionalização e proteção do adolescente trabalhador. Como segundo segmento, encontramos o projeto “Aprendizagem Profissional” que visa garantir o cumprimento da cota mínima de aprendizes nas empresas, garantir os direitos trabalhistas mínimas do menos aprendiz. Essa tarefa se volta para a constatação, proteção e correção de possíveis situações ilícitas onde se possa ser verificada alguma irregularidade na contratação de jovens aprendizes, sendo assim buscando efetivar a aplicação eficaz da Lei de Aprendizagem Profissional. Por terceiro, o projeto “MPT na Escola” que busca a disseminação dos malefícios e mitos do trabalho infantil, rompendo com as barreiras culturais/costumeiras de aceitação do trabalho infantil. Este projeto capacita e sensibiliza a escola e comunidade sobre os direitos da criança e do adolescente, fazendo assim uma divulgação do estatuto da criança e do adolescente. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1755 Não existe apenas uma política que, sozinha, elimine o trabalho precoce. Uma prova clara é a persistência desse fato por volta de dois séculos. Apesar de não haver uma solução fácil para o problema do trabalho infantil, hoje encontramos um entendimento mais eficiente das causas e das consequências do trabalho infantil, logo permitindo pesquisar políticas públicas para erradicar ou reduzir este problema com maior eficácia. A RESSIGNIFICAÇÃO DO SER: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL O trabalho precoce deve ser abolido, e este pensamento é unanime, assim como o pensamento de que os investimentos na qualidade da educação devem ser mais incentivados. Embora pareça clichê ou repetitivo, acredita-se que a educação é sim basilar para a transformação social, assim como para a diminuição do trabalho precoce. Crianças que se ocupam com os estudos e que evidentemente são asseguradas por outras políticas que garantam saúde, alimentação, moradia, entre outros direitos básicos, consequentemente não precisará trabalhar por nenhum motivo. Há a necessidade de uma mudança do modelo de atuação Governamental, planejando e apoiando melhor as Políticas Públicas para reduzir cada vez mais o numero de crianças que trabalham e inseri-las em escolas que tenham uma educação qualificada, permitindo então que as crianças que antes se ocupavam com trabalho explorador, possam usufruir de uma boa educação e no futuro tenha uma boa qualificação, não tendo assim que também submeter filhos ao trabalho precoce. Os gastos com a educação devem ser vistos como investimentos com retorno social e econômico garantido.26 É de extrema importância que haja medidas aplicadas pelo Poder Público que operem tanto no objetivo de erradicar o trabalho infantil, quanto para o fortalecimento do planejamento familiar, assim dando cada vez mais noção da importância da educação para o processo de formação da criança, como também alertando os malefícios causados pelo trabalho precoce. Para que as medidas sejam eficazes é necessário que as Políticas Públicas se interaja com outras Políticas, como exemplo os programas de transferência de renda para famílias 26 Liebel (2004) destaca que o sistema escolar é de suma importância neste processo, pois quando têm-se um sistema educacional ineficaz, as crianças consequentemente podem ser dirigidas ao mercado de trabalho. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1756 menos favorecidas (bolsa família); as políticas de educação, para garantir uma educação de mais qualidade; políticas de fiscalização, como forma de fiscalizar a prática das demais políticas aplicadas. Percebe-se, contudo, que o trabalho infantil atinge principalmente àquelas famílias que não tem condições de se manter, famílias de baixa renda. Essa prática tende a deixar sequelas pro resto da vida da criança ou adolescente, pois gerará um baixo nível de escolaridade, logo um baixo nível de salário. Acreditamos que com estas medidas os indicadores de desenvolvimento social serão mais positivos, por consequência serão ampliadas as formas de inserção ocupacional e aumentarão as chances de termos trabalhadores obtendo salários mais elevados na vida adulta. PROCESSO DE COISIFICAÇÃO: DO SER AO TER DA CRIANÇA EXPLORADA O Sistema Capitalista tem seu estopim com a queda do Sistema Feudal, no fim da Idade Média. A partir de então, o panorama social das coletividades que o aderiu vêm sofrendo transformações essencialmente no que diz respeito à mão-de-obra e o trabalho. O capitalismo, inicialmente chamado de mercantilista, traz uma nova realidade para a sociedade, principalmente a europeia, que se lançaram ao mar atrás de novas rotas comerciais com a finalidade de por fim a hegemonia italiana (COTRIM, 1999): O desenvolvimento do Capitalismo foi impulsionado pela expansão marítimocomercial da Europa, nos séculos XV e XVI. Dessa expansão resultaram o descobrimento de novas rotas de comércio para o Oriente e a conquista e colonização da América. Contudo, o Capitalismo, quanto sistema econômico e social, alcança seu apogeu com o fim da União Soviética, assim, se consolidando em todo o mundo. Esse Sistema trouxe mudanças radicais aos grupos de indivíduos, destacando-se o modo de trabalho. O Capitalismo, desde quando foi instituído, vem proporcionando uma instigação ao ferimento de diversos princípios dos direitos humanos em detrimento da busca, incessante, de mãos-de-obra, sejam infantil ou adulta, com a finalidade de mais lucros e, consequentemente, seu acúmulo. Dentre essas mãos-de-obra se destaca a Escrava, que se solidificou na primeira III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1757 fase do Capitalismo, o Comercial, e a Infantil. Essa será abordada de forma minuciosa apresentando suas características conforme a fase do Capitalismo. Como já foi exposta, a Primeira fase do Capitalismo é o Mercantilista ou Comercial. Nesse momento, conhecido também de transição, é marcado pela chegada de um Sistema que traz uma nova visão de mundo inclusive de trabalho. Trata-se da concepção escravocrata. Vários africanos saem de sua terra natal, para um lugar distante, como escravos, obrigados a trabalharem em grandes fazendas, nas terras recém “achadas”. João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p.165) afirma que o Capitalismo Comercial “foi o período das Grandes Navegações e descobrimentos, das conquistas territoriais e também da escravização e genocídio de milhões de nativos da América e da África”. Essa realidade, considerada altamente desumana, trata-se, apenas, do início de uma era de exploração, pois, com o acúmulo de capital, através das explorações das colônias europeias, eclodem uma nova fase do Capitalismo. Essa fase, o Capitalismo Industrial, muda parcialmente às características da anterior. Não é mais lucrativo o trabalho escravo, uma vez que é necessário o trabalhador ganhar um salário, para, o mesmo, gastá-lo nas compras de mercadorias produzidas por ele. Não obstante, essa fase se confunde com a Revolução Industrial que, a partir de então, acompanha todo o processo evolutivo do Capitalismo. Essa Revolução ocasionou um grande êxodo rural na Europa, essencialmente na Grã-Bretanha. A população rural estava se direcionando para a urbana, atrás de emprego, e, também, fugindo da política dos Cercamentos. Desse modo, ocorreu um inchaço da zona urbana, ocasionando graves problemas na mobilidade urbana, saúde e o pior, a explosão da mão-de-obra infantil. Não era do interesse dos grandes donos das indústrias, que nasciam, terem prejuízo quanto ao pagamento dos salários. Com o aumento da produção industrial, a partir de meados do século XIX, as fábricas passaram a necessitar de matérias primas, de energia, de mão-de-obra e de mercados para seus produtos. (MOREIRA; SENE, 2009, p.167) Os empresários queriam pagar pouco, mas os funcionários tinham que trabalhar muito. Por isso, era mais viável o Trabalho Infantil, pois, assim, tinham altos lucros e, ainda por cima, gastariam pouco com esse tipo de mão-de-obra, de certa forma, considerada desqualificada. Nesse momento, de Revolução Industrial, a Inglaterra fervendo com as novas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1758 invenções, ficava incoerente falar em Direitos Trabalhistas. Assim, não existia lei proibindo o trabalho infantil, como também, se destacava os piores meios de trabalhos. Muitas crianças eram submetidas a trabalho árduo, sem protetores e sem um tempo definido resultando em muitas horas de trabalhos. Diante desse contexto, fundamenta-se que o Capitalismo trouxe uma nova forma de exploração – a alienação – (MÉSZAROS, 2006) com o intuito de proporcionar o aumento excessivo de lucros, excluindo o bem-estar de seus trabalhadores, ignorando suas idades e exaltando o ganho exacerbado que, na maioria das vezes, é o resultado do trabalho de pessoas que verdadeiramente deveriam estar estudando e brincando. Porém, não se falava nisso, já que o capitalismo conseguiu usurpar as mentes dos indivíduos daquele momento afirmando que o lucro é o verdadeiro sentido da vida, não importando o meio de obtê-lo (PERROT: 1996). O Jovem operário entra então de vez na idade adulta? Seguramente não. Ele requer proteção e controle. Proteção: segundo a lei de 1841(na Inglaterra), até os dezesseis anos é proibido fazê-lo trabalhador aos domingos e mais de doze horas por dia. A lei de 1892 estabelece a interdição do trabalho noturno e de descida ao fundo das minas até dezoito anos, e limita a jornada dos menores de dezesseis anos a dez horas. Após dezoito anos, o regime é o dos adultos(...). Quanto ao controle, (...) as famílias cessam de trata-los como crianças, não lhes são mais infligidos castigos corporais e podem ficar com uma parte do seu salário. Esse mecanismo de exploração foi estudado e analisado por Karl Max, um dos maiores pensadores do século XIX. Marx desenvolveu um conceito, chamado de Mais-Valia. Nele, conseguimos extrair a verdadeira essência do Capitalismo, principalmente como o trabalhador, inclusive o infantil, é visto e como o mesmo é golpeado tanto na estrutura do trabalho quanto no seu próprio salário que é seu único meio de sobrevivência. De acordo com João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 167). A toda jornada de trabalho corresponde uma remuneração, que permitirá a subsistência do trabalhador. No entanto, o trabalhador produz um valor a mais do que recebe na forma de salário, e a quantidade de trabalho não-pago permanece em poder dos proprietários das fábricas, lojas, fazendas, minas e outros empreendimentos. Dessa forma, em todo produto ou serviço vendido está embutido esse valor, que, entretanto, não é transferido a quem o produziu, permitindo o acúmulo de lucro pelos capitalistas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1759 Com esse trabalho infantil e engrandecedor dos donos das indústrias, ocorreu, enfim um acúmulo de capital acarretando o surgimento de uma nova fase do capitalismo, o Financeiro, possuidor de novas características, mas continua em parceria com o Industrial, até mesmo no que diz respeito ao trabalho infantil. Desde a implantação do Capitalismo, ficou visível que o trabalho infantil sempre esteve presente. As crianças foram vítimas do Capitalismo Comercial, Industrial e, agora, o Financeiro. Elas são submetidas a trabalhos que as reduzem a uma mera coisa, barata e ao caminho para se alcançar o capital e satisfazer a luxuria dos capitalistas. O Capitalismo Financeiro é consequência do desenvolvimento das indústrias, além de suas fusões e incorporações. Surgindo, então, os monopólios. Esses monopólios estão vinculados ao novo imperialismo, um tipo de colonização moderna. Como bem desenvolve João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 170). “Foi nesse contexto do capitalismo que ocorreu a expansão imperialista europeia na África e na Ásia”. Na verdade, esse monopólio não se limita somente as indústrias, porém, aos indivíduos. Desde o começo do Capitalismo, houve o aumento gradativamente das desigualdades sociais, o surgimento de classes que sobressaem as outras impondo sua cultura e seu poder sobre as demais. Nesse momento, o homem está hipnotizado com o capital, ele somente se preocupa com o lucro e, assim, esquece-se de “SER” humano, começando a pisotear os outros, inclusive, as crianças. É concreto, que existe algo em comum em todas as fazes do Capitalismo, o capital. Durante todo o processo evolutivo desse sistema, o acúmulo de capital sempre foi à base para as transições e, também, para a própria existência do capitalismo. Nesse contexto, torna-se mais do que necessário usar de todos os mecanismos possíveis para conseguir acumular lucros. Desse modo, vimos que durante a fase mercantilista, o trabalho escravo foi de fundamental importância para alcançar tais lucros. Por outro lado, durante as fases industrial e financeira o trabalho infantil toma o lugar do escravo. As crianças, nesse momento além de serem obrigadas a trabalhar um número de horas indefinidas, não possuíam nenhuma segurança no trabalho e estavam submissas a uma área de total desconforto sem higiene e propícia a contrair diversas doenças. Vale ressaltar, que por causa desse fato, nasce a luta da classe proletariado, em busca de melhorias tanto no salário quanto na estrutura dos trabalhos. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1760 E por fim, existe a fase do Capitalismo Informacional. Esse, o mais atual, está vinculado a globalização, merecendo destaque o avanço na propagação das informações e, criticamente, a imposição da cultura norte-americana sob os diversos países do mundo. Mesmo, com um capitalismo tão avançando e, inclusive, com o advento de direitos fundamentais que protegem as crianças proibindo o trabalho infantil, ele ainda perdura. Segundo Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick (1999, p.271): No Brasil, o artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a contratação de menores para trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso.(...) Mas o uso indiscriminado da mão-de-obra infantil e adolescente, no Brasil, vem demonstrando o quanto as leis em nosso país estão longe de se tornar realidade. Hoje, falamos em um trabalho escravo, quando se referimos a esse tipo conduta social. Nesses Estados, existe uma nova colonização que vai além da que ocorreu na Idade Moderna, nessa há um imperialismo cultural (HOBSBAWM, 2011), econômico, informacional e social, consequências da globalização. João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 175) afirmam que “a globalização é o atual momento da expansão capitalista. UMA POSSÍVEL CONCLUSÃO? A questão em debate, atualmente, está além da imposição do trabalho de crianças pelos grandes capitalistas, como foi um dia. Hoje esse meio de produção está relacionado com a desigualdade que o capitalismo criou. Especialmente, nos países subdesenvolvidos e emergentes, onde o trabalho infantil se solidifica a cada dia. Um Estado soberano, em termos de capital, sobrepõe aos outros sua cultura destruindo completamente todas as áreas sociais desse Estado que não passa de emergente. É Nele, que o trabalho infantil é árduo, as crianças são obrigadas a trabalharem para conseguirem a alimentação, vestimenta ou algo análogo, pois seu país não possui política social que tente amenizar esse tipo de trabalho, uma vez que o mesmo está debaixo das garras dos grandes Estados Globalizados, que subtraem toda sua riqueza, como é o caso dos países africanos perdedores de suas riquezas naturais para os imperadores globalizados e ficando debaixo de miséria, sem política social e proporcionando uma verdadeira seara de trabalho infantil, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1761 muitas vezes piores do que as proporcionadas pelas primeiras fábricas da Revolução Industrial. Para encontrar outra, dessas realidades, não é preciso ir longe. É somente olhar para o Estado Brasileiro, possuidor de diversas normas, Estatuto da Criança e do Adolescente, defensor dos Direitos Humanos, porém um berço do Trabalho Infantil. Nesse caso, ele assemelha, muitas vezes, com o trabalho escravo que é realizado em canaviais ou, até mesmo, em semáforos. Mesmo, nosso país possuindo políticas para por um fim a tal fato, infelizmente, não está resolvendo. Podemos afirmar que essa é mais uma herança do Capitalismo que percorrem as “veias” e “artérias” do Brasil. REFERÊNCIAS IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010. HOBSBAWM, E. J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 5ª edição, 2003. LIEBEL, M. A Will of their Own: Cross-Cultural Perspectives on Working Children. Zed Books. New York, 2004. MENDES, Roberto Teixeira apud Agência Brasil. Fórum Paulista de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, em São. http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-0725/trabalho-infantil-atrapalha-desenvolvimento-da-crianca-diz-pediatra. Acesso em: 07 de set. de 2013. MESZAROS, Istevan. A teoria de alienação em Marx. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006. MONTE, Paulo Aguiar do. Exploração do Trabalho Infantil no Brasil: Consequências e Reflexões. Revista EconomiA. Setembro/Dezembro 2008. OIT. A eliminação do trabalho infantil: Um objetivo a nosso alcance. Organização Internacional do Trabalho. Brasília: 2006. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1762 SILVA, Nelma. Jornal Pequeno, São Luís-MA. http://jornalpequeno.com.br/edicao/2008/08/10/entrevista-exclusiva-nelma-pereira-da-silva/, Acesso em: 08 de set. de 2013. VIANNA, Segadas. Et al. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. São Paulo: LTr, 1997, p. 974. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1763 A INTERDISCIPLINARIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL E A PERCEPÇÃO DAS EQUIPES SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL Carmen Silva Alves27 RESUMO: Este trabalho busca expor a percepção das equipes multidisciplinares em relação à prática do assistente social no campo da saúde mental, tomando por referência o novo cenário psiquiátrico brasileiro, adaptado a realidade da cidade de Campina Grande no ano de 2009. O estudo de cunho quati-quanlitativo compreendeu 07 serviços substitutivos, onde a temática foi dialogada com 27 profissionais de nível superior. Para coleta de dados, optamos pela observação participante com aplicação de questionários com roteiro semiestruturado, além dos registros sistematizados em diário de campo, com devida autorização dos participantes por meio do TCLE. Ainda utilizamos da pesquisa documental e bibliográfica. A análise evidenciou que o re-ordenamento proposto institui a participação do assistente social como ator prioritário na intervenção do objeto de desospitalização, ao considerar que esta identidade profissional conglomera, entre outros fatores, a superação das desigualdades sociais através de uma perspectiva crítica de cunho politizador, com vistas à democratização dos direitos sociais. Os profissionais entrevistados consideram que o assistente social consegue desempenhar suas funções em conformidade com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica, tendo em vista a utilização do instrumental teórico-metodológico, consistindo como mediador de um processo social de afirmação de direitos individuais e coletivos, sob a perspectiva da interdisciplinaridade. Palavras Chave: Serviço Social. Prática Profissional. Saúde Mental. 1 INTRODUÇÃO O novo cenário da assistência psiquiátrica brasileira aponta para uma significativa e necessária mudança na dinâmica cultural de construção das identidades específicas de cada profissão. A partir desta percepção, reconhece-se que o assistente social também é desafiado a construir novas abordagens que possam subsidiar e enriquecer sua prática. Neste viés, reconhecemos que a prática do assistente social se encontra devidamente ancorada no projeto ético-político, que vem sendo içado pela categoria desde a segunda metade da década de 1970, resultante de uma construção coletiva, capitaneada pelos interesses da classe trabalhadora. Este dispositivo valoriza a liberdade e a justiça social como 27 Mestre em Serviço Social UFPB; Faculdade Santa Maria, Cajazeiras/PB; Telefones: 83 8680 1848/ 83 9646 7208; E-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1764 núcleos éticos centrais. Assim sendo, a profissão de Serviço Social encontra-se abarcada por uma dimensão político-econômica disposta sob as várias interfaces que compõem a questão social. Nessa perspectiva, a profissão assume o compromisso com a efetiva transformação de uma sociedade justa e igualitária, primando pela autonomia, pela emancipação, pela liberdade e pela plena realização dos indivíduos. 2 Equipes multiprofissionais, interdisciplinaridade e Serviço Social Na oportunidade de vivência, bem como, na troca de conhecimentos junto às equipes multidisciplinares compositoras da Rede de Saúde Mental (RSM) em Campina Grande-PB, percebe-se que as diferentes categorias profissionais (médicos, clínicos e psiquiátricos, enfermeiros/as, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, pedagogos, farmacêuticos, educadores físicos e fisioterapeutas) enfatizaram a importância da atuação do assistente social, porém reduzem seu papel a meros executores da parte “mais difícil” do trabalho, informando que acionam o Serviço Social, como o articulador das informações, supondo uma ação em segundo plano que “ajuda” a amenizar os conflitos sociais existentes na realidade das famílias e dos usuários, transcritos no interior dos serviços. Observem-se, pois, o relato abaixo: “Eu acho assim, que o assistente social tem uma importância muito grande, principalmente no vinculo a respeito da família do usuário né, porque assim, o assistente social ele vai buscar informações sociais que é muito importante pra o tratamento do paciente. Porque o paciente, quando ele chega aqui, ele não é só um dependente [...], ele ta dentro dessa situação devido vários fatores da vida dele e a maioria desse fator é o fator social, então, eu sempre quando falo assim aos usuários a questão de saúde, eu digo assim: ‘saúde não dá pra se afastar do social’. Porque uma pessoa que não tem o que comer, uma pessoa que não tem emprego, uma pessoa que não ta vivendo bem, como essa pessoa vai ter saúde mental? Então, o social é muito importante e a assistente social, através das orientações que ela faz, através de todo esse contato com a família, as informações que ela traz pro serviço, eu acho que ajuda muito no tratamento” (Profissional Enfermagem). A falta de conhecimento sobre a importância da atuação dos assistentes sociais ante os propósitos da Reforma Psiquiátrica (RP), não reside apenas no fato de lhes delegar agouros, mas, sobretudo diz respeito ao reducionismo ao qual demarcam tal atuação. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1765 No entanto, há de se convir que a formação crítica conferida a esta categoria propicia a demarcação de um terreno favorável à execução de sua prática, visto que, é no contato direto do cotidiano com as questões da saúde pública e de realidades sociais distintas, que estes profissionais demarcam um campo fértil à medida que executam sua praticidade ante as particularidades de cada profissão, intermediando como essas questões são vivenciadas pelos sujeitos nas problemáticas do dia a dia. Tal habilidade é vista por outras categorias como um processo reducionista da função tática do assistente social, e demonstram o conhecimento que tem sobre os papéis desempenhados pelo assistente social no interior dessas equipes. “Como todos os outros profissionais, existem aquele trabalho em comum né, como acolhimento, as visitas domiciliares, mas a gente aproveita as particularidades dessa área, tipo essas questões mais sociais, de encaminhamentos, as próprias visitas são mais particularidades das assistentes sociais, essas questões mais relacionadas à família, elas resolvem com muito mais facilidade, elas tem uma visão melhor” (Profissional Pedagogo) “[...] Faz tudo! É a mesma coisa dos outros, é como eu, [...] eu atuo nas minhas atribuições [...], mas também sou assistente social, então a gente aprende um bocado, que essa questão de interdisciplinaridade você aprende o que é ser um pouquinho de educador físico, aprende o que é ser um pouquinho de psicólogo, de assistente social, é aquilo que você se amarra mais, se identifica mais, você sempre tem um elo, mas você acaba aprendendo um pouco de cada coisa, tanto que quando chega numa questão social, [...] eu posso resolver e resolvo, sabe? Eu digo: ‘eu fiz assim!’ [Então, respondem] ‘Não, isso aí é que deve ser feito mesmo!’” Então é isso, faz de tudo, é tudo” (Profissional Serviço Social28). Avalie-se, pois, que a ausência de conhecimento expresso nas falas expostas a respeito das ações próprias do Serviço Social dá vazão à interpretação equivocada dos entrevistados. Arbitrariamente incumbem os assistentes sociais de “tarefas” fora do âmbito integralista das ações desenvolvidas nos serviços. Dessa forma, o resultado do envolvimento/interação entre os profissionais CAPSianos e o Serviço Social se torna míngue, possivelmente desencadeante de um retrocesso do que se pretende promover no campo interdisciplinar. Nesse sentido, a interdisciplinaridade torna-se pontual, à medida que uma ação não é desenvolvida a partir do entendimento e do relacionamento estabelecidos entre as especificidades de cada área. Assim, tem-se as dificuldades que circundam esse meio não encontre respostas para a superação de práticas preconceituosas, pouco resolutivas, envoltas 28 Esse profissional é formado em Serviço Social, porém, desempenha função gerencial nos serviços. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1766 por disparidades complexas, gerando, por assim dizer, o descaso, o aborrecimento, e possivelmente, a desacreditação de uma efetiva reforma. Sobre a interação interdisciplinar tecida entre os membros das equipes e os assistentes sociais, relacionada em nível de desenvolvimento de ações colaborativas x conflituosas, demonstram claramente que desconhecem a finalidade interativa do exercício interdisciplinar, relegando-o a condição pessoal do outro, ao mesmo tempo em que reafirmam existir uma relação de poder pré-estabelecida pelas funções delegadas aos assistentes sociais e as suas próprias funções. Por assim dizer, vejam-se: “Não. Ela é colaborativa. Mas todas as relações eu acho, que existe entre os seres humanos são conflituosas, em alguns momentos, ela vai ser conflituosa (já que todas falam) e cada um é um ser único, então são conflituosas, se houver uma harmonia total eu não acho que essa relação é boa entende?” (Profissional Enfermagem). “[...] não tem essa ‘inter’, ela existe, mas assim, ela é conflituosa, porque às vezes a gente tem uma visão diferente, né. Os psicólogos têm uma visão diferente, o enfermeiro tem uma visão mais analítica, o médico tem uma visão mais médicoclínica que entra na questão da medicina, então há uns conflitos, há, há conflitos sim, na questão, na aceitação da idéia do social, então isso acontece... Então, a gente sempre questiona uma coisa ou outra, mas que sempre chega a um denominador comum [...]” (Profissional Psicólogo). Sob pena de se relegar a meros julgamentos, faz-se necessário abordar as considerações tecidas por Carvalho (2008) a respeito da base conceitual que cerca o desenvolvimento das práticas interdisciplinares e que chama a atenção para “os riscos cada vez maiores da ampliação da fragmentação do conhecimento, corroborando ao mesmo tempo para um saber não comprometido com uma integração científica maior” (p. 25). Assim, considera-se que só é possível falar de interdisciplinaridade a partir do momento em que essa prática apresente uma reciprocidade de conhecimentos entre as especialidades, em busca de apresenta soluções viáveis para um problema real. A disciplina operada pelas instituições disciplinares tem a capacidade de articular os indivíduos como um aparelho eficiente. Neste aparelho, o individuo torna-se um elemento que pode se movimentar e articular com os outros. Da mesma forma, o tempo de uns devem se ajustar ao tempo dos outros, de modo que as forças individuais sejam aproveitas em toda sua potencialidade e combinadas para um resultado comum e eficaz (CARVALHO, 2008, p. 26). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1767 Assim, entendemos que os processos históricos ocasionam sérias e constantes transformações no interior das diferentes instituições, que por conseguinte, influem no desenvolvimento de novas especializações constituídas ao longo de um processo industrialmente capitalizado, que marcará o campo teórico das novas profissões insurgidas ao longo do século XIX, niveladas basicamente pelas relações do poder disciplinar, que segundo Carvalho se caracterizará “pela fragmentação do objeto e pela crescente especialização do sujeito científico e o fechamento em moldes cada vez mais estanques e com forte poder de coesão” (2008, p. 28). Considere-se, pois, que a interdisciplinaridade representa uma ação de envolvimento e integração entre profissionais, o que pressupõe um trabalho respeitoso baseado no acolhimento e na realidade social. Por assim dizer, acredita-se que no âmbito da saúde mental, o desenvolvimento de atividades em parceria se torna indispensável, visto que, a problemática que circunda esse campo encontra-se permeada por diversos fatores engendrados no decorrer de processos históricos, os quais envolvem aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais e éticos presentes na constituição coletiva e individual dos sujeitos. Quanto à abordagem das falas dos entrevistados, inquirindo se a atuação do assistente social, neste meio está em conformidade com os princípios que regem a Reforma Psiquiátrica, respondem: “Eu acredito que sim. Eu acho que como todo, todo profissional que ta dentro desse processo de reforma, como já falei, da questão de ser um serviço novo, a gente também ta num processo de construção e de conhecer o serviço e de conhecer as nossas limitações enquanto profissional. A assistência social, ela tenta abranger, da melhor forma possível, o que a reforma psiquiátrica preconiza” (Profissional Terapeuta Ocupacional). “Olhe, eu acho que não vão de encontro aos princípios, mas também não tá. Eu acho que 100% não tá. Agora assim, não é por culpa do assistente social, mas por conta do próprio sistema entendeu? Aqui já foram mandados algumas vezes pro Ministério da Saúde, pela a assistente social, projetos que ela fez na questão de geração de renda, entendeu, e não foi aprovado. Ele sempre procura fazer serviços que vai ajudar cada vez mais. Mas às vezes, é o sistema, sempre tem alguma falha né, então assim, nada funciona 100%, mas assim, eu acho que as pessoas estão buscando, fazer as coisas conforme a reforma, entendeu? Claro que pode não conseguir fazer completamente, mas se tenta” (Profissional Médico). De acordo com as falas, torna-se possível perceber que os princípios reformistas permeiam o campo de atuação de cada profissional imbricado no processo, logo expõem III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1768 limitações que ultrapassam as possibilidades de cada área. No entanto, não concebem que tais limitações só podem ser sanadas por meio de um processo mais amplo, o qual diz respeito à responsabilização do poder público. Ante o exposto, fica claro que seguir e/ou efetivar os princípios reformistas não está na base de um ou de outro profissional ou categoria específica, mas sim, no desenvolvimento de ações em nível de políticas públicas que propiciem o acesso a uma assistência digna, ao mesmo tempo em que se criem novas relações entre loucura e sociedade. Para tanto, não basta apenas implantar diversos serviços de Saúde Mental, faz-se necessário, também, vinculá-los a um modelo assistencial mais amplo assumido pelo poder público. Por outro lado, os obstáculos que se apresentam na atualidade encontram entraves nas formas que o poder político conduz tais questões. A esse respeito perguntamos aos entrevistados como incide as interferências do poder institucional ante a dinâmica de relações tecidas entre os membros das equipes e na definição de seus papéis, e quanto ao assistente social, até que ponto submete-se a tal interferência, ao passo em que respondem, “Interfere. Na questão da gestão, na questão do próprio... Daquela questão que eu falei, da questão de equipe, né, que você, você sabe o que deve ser feito, você sabe como deve ser feito, mas por força maior da hierarquia aí não pode [...] você vai até onde seu limite dá, parou ali... Acho que isso é pra qualquer profissional, parou ali, não pode pular daquilo, porque você vai ta desrespeitando a hierarquia, independente de que esteja na gestão, ou a gestão maior, mas pára ali, você tem um certo limite” (Profissional Pedagogo) “Pra que o serviço caminhe da uma melhor forma possível é necessário que todos os envolvidos nesse trabalho também estejam falando a mesma língua, entendendo as dificuldades, às vezes acontece de muita coisa não tá ao nosso alcance, a gente sabe que é dever da gente, mas não tá, a gente não pode fazer por questão de gestão, a principal dificuldade que eu vejo nesse sentido é isso, muitas vezes o gestor né, os nossos superiores não entendem as nossas dificuldades, então assim, a gente sabe que tem alguma coisa pra fazer, a gente tá recebendo a ordem, mas não pode executar por questões executivas mesmo ou institucionais. A dinâmica não é compartilhada, a gente tem um entendimento e a gestão tem outro” (Profissional Farmacêutico). Ao mesmo tempo, reafirmam as controvérsias impressas pelos gerenciadores dos serviços, que acabam por afetar o exercício profissional, não só do assistente social, mas de toda a equipe, o que acaba por comprometer o desempenho dos serviços substitutivos. Então, quando questionados sobre quais as interferências que incidem sobre a prática do assistente social, relatam suas percepções: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1769 “Eu não sei se diretamente com ele com o assistente social, mas assim, que há interferência há, até porque nunca a política, ou o político, tentam falar com um membro da equipe ou alguma coisa, eles direcionam logo pra a coordenação e meio que ditam o que deve fazer, e ela chega aqui e diz o que passa pra ela e o que a gente tem que fazer na instituição” (Profissional Médico). “Percebo. Assim, práticas que a gente é, somos “obrigadas” a fazer que são totalmente contra os princípios da gente né, e do assistente social também, por exemplo: a realização de, promoção de atividades que gerem renda dentro do serviço público, que não é obrigação da gente, a gente sabe que tem recursos pra ser mantido, mas a gente faz por uma questão política (quer dizer, a renda é destinada ao serviço e não ao usuário?) não, renda pra manter coisas do serviço público, que é obrigação da gestão” (Profissional Enfermeiro). Como se pode perceber, as falas apontam para um suposto desconhecimento da gestão em relação ao desenvolvimento de uma política pública destinada à saúde mental, visto que, não incide sobre essa prática a promoção de um conjunto integralizado de ações que estejam em conformidade com a dimensão político-institucional, a qual priorize as diretrizes da reforma psiquiátrica. Complementa-se que, quando o aparelho estatal não se constitui como um conjunto articulado estrategicamente, de forma a envolver outros entes administrativos, pressupõe ações limitadas de cunho paliativo, impossibilitando a atuação democrática não só do assistente social, mas também dos demais profissionais inseridos nos serviços substitutivos. Assim pode-se ver que as respostas inerentes a influência sofrida pela a equipe recaem também sobre as relações interpessoais estabelecidas pelos membros da equipe. Considere-se, pois, que as diferentes categorias profissionais inseridas no âmbito da saúde mental, não devem servir de pretexto para o apego burocrático a uma única função. Há de se convir, que uma equipe de saúde deva compor-se de profissionais de diferentes áreas, que busquem garantir uma diversidade de trocas de suas experiências, almejando soluções viáveis e assim, poderem enriquecer mutuamente. Assim, pode-se apreender que o caracterizante no trabalho em equipe é a capacidade de participar coletivamente da construção de um projeto comum de trabalho, num processo de comunicação que respeite as experiências de cada especificidade e que propicie as trocas. Nesse sentido, Siqueira (2007), apresentando os resultados de sua pesquisa realizada em um serviço substitutivo, enfoca que: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1770 [...] a democratização das relações de poder na equipe [...] deveria acontecer em toda a prática numa relação de comunicação e reciprocidade entre os vários profissionais da instituição. Poderia ser compreendida por um trabalho em comum [...] já que a implementação da política de saúde mental é compromisso não apenas do assistente social, mas de todos da equipe (SIQUEIRA, 2007, p. 73-74). Não é o que acontece necessariamente com as equipes inseridas no âmbito da saúde mental. Talvez porque as profissões constituídas ao longo do desenvolvimento do saber/poder psiquiátrico gerem no interior dessas equipes a insatisfação com o trabalho demandado, e ao longo da história constituem-se como detentores desse saber/poder. Nessa pesquisa, observase que essa insatisfação está presente nos serviços coordenados por profissionais da ortodoxia “psi”, não apenas no campo de atuação do serviço social, mas fica patente que atinge a equipe como um todo, atando-os aos moldes hierárquicos. No entanto, alerta-se, para o fato de que o saber fechado, reduzido a uma postura freudiana ou lacaniana não responde, por si só, ao emaranhado de problemas complexos que circunavega a realidade vivencial do sujeito em sofrimento psíquico. Assim sendo, passa-se a inquirir sobre a possibilidade de desenvolver o trabalho e as ações sem a participação do assistente social, ao passo em que respondem unanimente que não, reafirmando a significativa contribuição deste profissional, principalmente no que diz respeito à abordagem familiar. Vejam-se os depoimentos abaixo: “Não. Seria muito difícil o funcionamento do serviço sem este elo que é o assistente social, entre família, usuário, equipe e serviços” (Profissional Terapeuta Ocupacional). “Acredito que não, pois o assistente social tem um papel importante no âmbito da reforma, principalmente pelos fundamentos de resgate a cidadania, conscientização de direitos/deveres, questões que fazem parte do dia-a-dia desse profissional” (Profissional Médico). Avalie-se que o reconhecimento impresso nas falas em relação à participação dos assistentes sociais nos serviços de saúde metal é fruto dos impactos ocasionados pela postura crítica deste profissional presente nas mais diversificadas dimensões que preceituam sua atuação. Nesse sentido, Siqueira reforça que: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1771 A participação do assistente social no processo de construção da integralidade na assistência a saúde e particularmente na saúde mental tem como desafio identificar o conjunto das necessidades da população usuária, buscar alternativas conjuntas em prol dos cidadãos mediante um desempenho crítico e competente capaz de fazer frente aos desafios impostos pela profissão, nos rumos da preservação e ampliação das conquistas democráticas na sociedade brasileira (SIQUEIRA, 2007, p. 53). Guiados por essas premissas e tendo em mãos os aportes teóricos metodológicos construídos ao longo da profissão, a saber: o Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão e mais recentemente os Parâmetros de Atuação dos Assistentes Sociais na Saúde, é possível acionar um leque de opções e alternativas para o desenvolvimento de atividades e de possibilidades de inserção social deste público usuário. Seguindo esse raciocínio, observou-se necessário questionar sobre em qual ação e sob quais perspectivas a prática do assistente social deixa a desejar. E assim, responderam: “O que deixa a desejar? Não sei. Não é bem o que deixa a desejar, mas às vezes ele não pode colaborar tanto dentro do serviço, em função de um trabalho externo participativo, extra-muros, como a gente diz né, fora do CAPS, que às vezes deixa a desejar assim, porque não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, tem essa questão, não é que estejam em grupos e mais grupos, nas oficinas, às vezes fica impossível porque tem muita coisa realmente importante pra ser resolvida fora” (Profissional Psicólogo) “Eu acho que justamente o que passa por todos, é o saber fechado sem dar uma abertura pra se discutir certas problemáticas, certas construções de soluções que muitas vezes, isso atrapalha na abertura, eu acho que é no diálogo que muitas vezes falta que muitas vezes não acontece, não quer dizer que é sempre, mas em alguns casos isso acontece, de se fechar no seu saber, de não abrir pra outro profissional que seria um encontro de solução junto” (Profissional Terapeuta Ocupacional) Aqui fica claro, que ao contrário do que se preceituam os discursos em favor da interdisciplinaridade, encontram-se barreiras na prática dos assistentes sociais, tanto quanto nas práticas dos demais profissionais. No entanto, também deixa claro que tais posicionamentos não são em decorrência da atuação limítrofe das especialidades, e sim, da forma como os serviços estão organizados administrativamente. Retomando o discurso sobre a interdisciplinaridade, poderemos que os impedimentos nem sempre estão impressos propriamente pela postura profissional, mas enfatizam outros aspectos, como os direcionamentos da gestão, as práticas cronificadas e individualizadas, as falhas na formação, as posturas egocêntricas, o jogo do poder político. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1772 Essa cronificação do saber/poder está presentes nas diferentes especialidades que interagem no campo da saúde mental. A nosso ver, as representações da saúde e da doença perpassam por condicionantes históricos que se caracterizam pelas relações de poder constituídas, pela estruturação de sistemas, pelo modo de produção capitalista e pela diversidade cultural do povo. Assim, pode-se considerar que foi no transcorrer da história que se estabelecem alternativas para trabalhar tais conexões, o que levou ao aperfeiçoamento de sistemas de saúde e de práticas assistenciais. Tais características ao longo do tempo foram se modificando, assim, ao se analisar esse movimento, verifica-se a verticalização dos conhecimentos, a maior divisão do trabalho e a marcante fragmentação das ações em saúde mental, que geralmente, se evidenciam na centralidade das ações, a cargo da coordenação geral do município, assim como na falta de articulação a política com os meios de comunicação e com a sociedade em geral, além disso, as estruturas dos serviços apresentam condições insalubres para o desenvolvimento e manutenção das atividades por hora propostos, conforme se apresenta nos discursos colhidos no decorrer desta pesquisa no âmbito da saúde e da saúde mental do município em questão. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considera-se, pois, que o exercício da prática dos assistentes sociais quando aplicados à saúde mental, irá requerer o envolvimento e a contribuição das diferentes categorias profissionais presentes no processo de desospitalização, bem como da própria instituição na qual o assistente social está inserido. Assim sendo, a prática do assistente social carece ser desenvolvido numa perspectiva de cunho interdisciplinar, que segundo Vasconcelos (2002), é entendida “como estrutural, havendo reciprocidade e enriquecimento mútuo, com uma tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos implicados”, o que requer negociações entre os assistentes sociais e demais profissionais da equipe, e vice-versa, apontando para uma recombinação de valores profissionais internos com vistas a práticas interdisciplinares. Porém, a efetivação dessa prática incorre em limites relacionados aos processos históricos constituintes das diferentes categorias profissionais, o que ocasiona restrições que dificultam sua realização, como bem expressa o referido autor: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1773 A proposta da interdisciplinaridade convive na prática com uma “sombra” espessa de um conjunto de estratégias de saber/poder, de competição intra e intercorporativa e de processos institucionais e socioculturais muito fortes, que impõem barreiras profundas a troca de saberes e a prática interprofissionais colaborativas e flexíveis (VASCONCELOS, 2002, p. 53). Sob esse olhar, observa-se achados da pesquisa que o profissional de serviço social preza pelo desenvolvimento de práticas interdisciplinares, sendo em sua maioria valorizados pelas demais categorias de trabalhadores inseridos na RSM/CG. No entanto, fica claro que as limitações impostas pela conjuntura nacional se interpõem sobre o cotidiano institucional, inviabilizando a implementação de métodos e técnicas que propiciem a efetivação de práticas interdisciplinares. Dentre as dificuldades enfrentadas, vale destacar a ampliação das políticas de cunho neoliberal que perpassa a sociedade brasileira desde a década de 1990, proporcionando o “desmanche” das políticas sociais, desconstruindo direitos conquistados pelo povo, numa ação antidemocrática, a qual pauta a saúde sob a perspectiva privatista, contempla entre outros aspectos a redução de gastos, a focalização da oferta, a descentralização dos serviços, sobrepondo-se as necessidades de saúde da população. Sabe-se, pois, que historicamente o cotidiano do profissional de Serviço Social é marcado por obstáculos interpostos pela conjuntura política e pela cultura institucional, sendo constantemente cobrado a tomar providências pontuais e imediatas frente a situações relacionadas à problemática econômica e social da população atendida nestes serviços. O que, não se modifica na área da saúde mental. No entanto, Iamamoto (2005) nos chama a atenção para o fato de que, o profissional de Serviço Social não trabalha sozinho. Para execução de suas funções o mesmo necessita acessar um conjunto de estruturas que viabilizem ao usuário o acesso aos serviços, seja de propriedade privada ou pública, de entidades filantrópicas, governamentais ou não governamentais, nesse sentido a autora ressalta: O assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de trabalho. Sua inserção na esfera do trabalho é parte de um conjunto de especialidades que são acionadas conjuntamente para realização dos fins das instituições (IAMAMOTO, 2005, p. 64). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1774 Portanto, se faz pertinente ressaltar que cabe ao assistente social efetivar sua prática de acordo com os propósitos do projeto ético-político da profissão, em busca de respostas às demandas resultantes das desigualdades sociais decorrentes do desenvolvimento histórico da sociedade capitalista. Como consequência desse reconhecimento, aponta-se a relevância da interdisciplinaridade e a necessidade de interação de outras esferas do conhecimento, alargando o debate para espaços externos à prática restrita do campo do Serviço Social. Tem-se, pois, que, embora existam entraves no cotidiano institucional, no que diz respeito às barreiras existentes mediante a inabilidade da gestão em lidar com um conjunto de ações complexas presente nesse tipo assistência, observou-se que é possível desenvolver e vivenciar a interdisciplinaridade, embora de forma fragmentada e pouco clara para alguns profissionais – conforme se vê nos relatos descritos –, porém, acabam executando ações interdisciplinares sem, no entanto se darem conta de que o fazem. Portanto, chega-se ao final das nossas considerações, entendendo que as limitações e tensões postas pela conjuntura políticas do país, ocasionam desfalques para a efetivação da Reforma Psiquiátrica, porém não a inviabilizam, sendo extraordinariamente importante a participação do assistente social no interior destas equipes, posto a importante mediação que exerce entre os diferentes níveis de assistência em defesa dos direitos sociais e de cidadania destes usuários historicamente excluídos. REFERÊNCIAS ALVES, Carmen Silva. O Serviço Social na rede de saúde mental em Campina Grande – PB: limites e possibilidades da prática profissional à luz da Reforma Psiquiátrica Brasileira. (Dissertação de Mestrado) – UFPB/CCHLA - João Pessoa, 2009. BISNETO, J. A. Serviço Social e Saúde Mental: uma análise institucional da prática. Cortez: São Paulo, 2007. CARVALHO, R. N. As (im) possibilidades da prática interdisciplinar no programa saúde da família em Campina Grande-PB: uma análise a partir da vivência dos profissionais do distrito IV. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. UFPB/CCHLA João Pessoa, 2008. CRESS - Coletânea de Leis - Lei de Regulamentação da Profissão. Lei nº 8.662/93. 16ª Região, Maceió/AL: Gestão 2002/2005. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1775 IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. SIQUEIRA, M. Z. A prática profissional do Serviço Social e a integralidade na assistência a saúde. Dissertação de mestrado – UFPE. CCSA. Serviço Social, 2007. VASCONCELOS, E. M. Práticas interdisciplinares em saúde mental e estrutura das políticas sociais. In: ROSA, L. C. dos S. Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. 2ª ed. – São Paulo: Cortez, 2002. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1776 A TRAJETÓRIA DO EMPREGO FORMAL FEMININO - UMA ANÁLISE DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO E EXTRATIVA MINERAL CEARENSE (19902000) Isabela da Silva Valois29 Rosane da Silva Valois30 RESUMO: No Brasil, a participação da mulher no mercado de trabalho se intensificou a partir da década de 1970, num contexto de expansão econômica e acelerado processo de urbanização brasileiro. Apesar da crise dos anos 1980, a escalada do trabalho feminino não foi interrompida. No entanto, a rápida abertura comercial expôs a indústria nacional à concorrência internacional nos anos 1990, configurando um violento processo de ajustamento, reduzindo o número de trabalhadores na indústria brasileira, com reflexos na ocupação feminina. Nesse cenário, o Ceará apresentou uma inflexão na condução de sua política econômica, a partir de 1987, o que se refletiu positivamente na dinâmica econômica e no desempenho do emprego formal estadual de 1990 a 2000, particularmente no setor industrial. Como resultado verificou-se que o pioneiro ajuste fiscal, atrelado à uma política de atração de investimentos dinamizaram a economia estadual, que apresentou elevação do PIB e do número de empregos industriais. Neste cenário a mão-de-obra feminina foi favorecida em relação a quantidade de mulheres empregadas, porém, elas ainda se concentram em setores tradicionalmente femininos (setor de calçados e têxtil e vestuário) e, apesar de terem mais anos de estudo e estarem teoricamente mais preparadas que os homens, a significativa incorporação da mulher no mercado de trabalho cearense, não é acompanhada da diminuição das desigualdades salariais entre os sexos, pois elas ainda enfrentam barreiras significativas quanto à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho. Palavras-chave: Emprego, mulher, indústria. 1. INTRODUÇÃO Para Marx (1994), a produção capitalista efetivamente começa quando trabalhadores deixam de trabalhar para si mesmo e passam a vender sua mão-de-obra aos detentores dos meios de produção. E, pela soma da força de trabalho, forma-se uma espécie de aglomeração que irá produzir de maneira cooperativa. 29 Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri – URCA; Professora Substituta do Departamento de Economia da URCA; e-mail: [email protected] 30 Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA; e-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1777 É nesse estágio de cooperação, que segundo Veblen (1964), o homem abandona o instinto predatório intimamente ligado à exploração do que é novo ou inconquistado (inexplorado), ou o substitui por um instinto construivo-produtor (embora ainda subjugado ou regido por leis predatórias superiores), que por meio da força, instituiu a propriedade privada, na qual a mulher constituía parte desta propriedade, e um objeto frágil com o qual as relações deveriam ser limitadas e distantes, além de ser dedicadas a elas, tarefas rotineiras e vulgares que inspiravam fraqueza do gênero, imposta pela forma com que foram conquistadas: A luta, juntamente com outros trabalhos que envolvem um sério elemento de exploração, se ressume em empregar homens fisicamente aptos; o trabalho diário e rotineiro do grupo é entregue às mulheres e aos fracos [...]. A fraqueza, ou seja, a incapacidade de explorar é desprezada. Uma das primeiras conseqüências desta depreciação da fraqueza é um tabu em relação à mulher e ao seu trabalho (VEBLEN, 1964, p. 51-52). A posição de objeto, ocupada há milênios pelas mulheres, foi transmitida de uma cultura para outra, ao longo do lento passar do tempo, no qual errôneas idéias a respeito deste gênero se solidificaram pelo hábito do pensamento predatório-combativo dos homens, que embora reduzidos, lideravam os fracos e os comuns, servindo como modelos para todos os grupos humanos: [Eles imprimiam o pensamento de que] o contato excessivo com as mulheres era “cerimoniosamente errado para os homens”. Isto “durou e foi transmitido a culturas posteriores, significando falta de valor ou incapacidade levítica das mulheres; por isso, até hoje, achamos impróprio as mulheres se igualarem aos homens ou representarem a comunidade em qualquer relação que exija dignidade e capacidade representativa” (HUNT, 1981, p. 356). Mas, com o surgimento do instinto construtivo-produtor e seu posterior desenvolvimento estimulado pelo capitalismo, o instinto predatório foi se extinguindo de modo a atenuar a subjugação da mulher, que iniciou uma escalada surpreendente no mundo do trabalho, em busca de independência e da conquista de seu espaço na sociedade de modo que ela pudesse ser vista em relação ao homem como igual no sentido de força, de trabalho, de renda e principalmente de direitos. A inserção da mulher no mundo do trabalho é produto da própria tentativa de sobrevivência do capitalismo, é fruto de sua reinvenção, ou seja, da reestruturação de suas formas produtivas em favor sempre do capital, em detrimento do trabalhador. As transformações ocorridas entre meados do século XVI e final do século XVIII são exemplos disso. Nesse período, onde a manufatura se desenvolve, e as operações produtivas passam a constituir operações especializadas (parceladas), ocorrendo a incorporação de inovações tecnologias (com a Revolução Industrial) como a introdução da maquinaria III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1778 que veio simplificar ao extremo o trabalho manual artesanal, é que a mulher oficialmente aparece no contexto do mundo do trabalho (dir-se oficialmente porque a mulher desde os primórdios sempre foi obrigada a trabalhar seja por necessidade de se obter o sustento, seja pela cultura que impõe obrigações ou tarefas caseiras, monótonas e diárias, embora não sejam consideradas atividades econômicas, não sendo portanto, remuneradas, ou quando o são, o saldo obtido é tão ínfimo que não pode sequer chamado de renda): Nesse momento, em que a maquinaria acabou por tornar dispensável a força muscular do trabalhador masculino (sendo substituída pela força motriz mecânica, a vapor ou hidráulica), abriu-se espaço ao trabalho feminino (e ao infantil) nas primeiras indústrias. Mas essa inserção da mulher na indústria desvalorizou o valor da mão-de-obra, fazendo com que elas tivessem que trabalhar muito mais para alcançaram a remuneração de um homem adulto. Na verdade, as máquinas contribuíram muito mais para aumentar a mais valia, do que para reduzir o tempo de trabalho humano, expondo mulheres e crianças à exploração capitalista, aumentando a jornada de trabalho além dos limites humanos (VALOIS, 2007, p. 20-21) A primeira fase de introdução da mulher no mercado de trabalho foi também a mais extrema e precária de todas elas. Nesse período, em que a indústria nascia com força, não apenas as mulheres, mas também os homens eram submetidos a jornadas de trabalho subumanas e condições desumanas de sobrevivência, pois quando não tinham família, dormiam amontoados em galpões sujos sem saneamento básico, sem camas, sem privacidade, sem conforto, sem nada, vestindo trapos negros de fuligem. Mas elas e principalmente elas, sofreram mais com a exploração devido ao peso do sistema social patriarcal31, dado que tinham que tinham que trabalhar muito mais que os homens, recebendo muito menos que eles, tendo ainda que cumprir uma jornada dupla, que envolvia os trabalhos domésticos e as responsabilidades de mãe. Devido à ausência de qualquer política de proteção ou direito para a mulher, data-se desse período um dos maiores índices de mortalidade infantil de todos os tempos, dado que extremamente ocupadas com o trabalho, as mulheres ficavam impedidas de cuidar de suas crianças ou mesmo de educá-las, de modo que estas sofriam com a desnutrição, doenças, acidentes e a própria marginalidade, quando não eram submetidas ao trabalho fabril que comumente as exauria até a morte (MARX, 1994). O trabalho nos campos e nas minas que também passou a ser enfrentado pelas mulheres que não tinham acesso às cidades era igualmente difícil. Trabalhavam submetidas a regimes próximos à escravidão, passando dias inteiros dentro das minas de carvão sem poder ver a luz, sob elevadas temperaturas, e pouco oxigênio, dado que com a introdução do trabalho feminino nestas áreas, as 31 Regime da dominação-exploração das mulheres pelo homem (Saffioti, 1979). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1779 galerias cavadas eram mais profundas e mais estreitas, alcançando distâncias que os homens jamais poderiam ter alcançado. No entanto as mulheres não ganhavam mais por isso nem viviam em condições melhores. Contrariamente, eram expostas a situações constrangedoras, tendo que dividir galpões com os homens, e submetidas a toda e qualquer expressão de vulgaridade (MARX, 1994). Com o passar do tempo, a intensificação do trabalho provocou reação da sociedade que, depois de muitas manifestações, conseguiu com que a jornada fosse legalmente limitada entre 1844 e 1850. Mesmo assim, já que para os capitalistas essa medida trazia prejuízo aos lucros, o trabalho continuou intenso dado que, os capitalistas passaram a exigir do trabalhador mais dinamismo e maior velocidade de trabalho num período mais curto, prejudicando a saúde do operário e, por conseqüência, a própria força de trabalho, mas elevando a produtividade ao mesmo nível do período anterior à limitação da jornada. Paralelo a isso, lutas pela emancipação social e direitos humanos, trabalhistas, políticos e econômicos das mulheres que já floresciam no século XVIII, em vários pontos da Europa foram fortalecidos a partir do século XIX, principalmente nos Estados Unidos, onde foram registradas várias manifestações protagonizadas por operárias de indústrias têxteis e de vestuário contra os baixos salários, e as condições de trabalho, insalubres e perigosas, que eram motivo de graves doenças e muitos acidentes. Assim, o século XX foi marcado por fortes mudanças de paradigmas, tanto no âmbito socioeconômico, como no campo das profissões. Nos países ocidentais, registrou-se o ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho, caracterizado pelo avanço da escolaridade feminina, sobretudo no nível superior de ensino, refletindo na ampliação do leque de profissões em que estas mulheres começaram a se fazer presentes. As mulheres conquistaram, com dificuldades, sua parcela no mercado formal de trabalho ao longo da história; mesmo assim, ainda enfrentam barreiras significativas quanto à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho. No Brasil, a partir dos anos de 1970 fica evidente a ampliação da participação feminina no mercado de trabalho. O crescimento significativo do Produto Interno Bruto - PIB durante o ‘‘Milagre Econômico Brasileiro’’ (1968-73) aumentou consideravelmente a oferta de empregos industriais, facilitando o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Essa tendência permanece durante toda a década de 1970, quando são mantidos fortes investimentos no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) e se consolida uma nova etapa do Processo de Substituição de Importações - PSI. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1780 Na década de 1980, quando o Brasil teve que enfrentar a maior recessão de sua história, o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho desacelerou, mas não parou. A crise de 1981-1983, intimamente associada à situação das contas externas do país e ao segundo choque do petróleo (1979), provocou uma reversão na tendência de crescimento anterior. O cenário de choques externos expôs a vulnerabilidade da economia brasileira (quadro de inflação, crescimento da dívida externa, elevadas taxas de juros, desestruturação do setor público), gerando necessidade de ajustes que desaceleraram o crescimento econômico do país, refletindo-se no mercado de trabalho, notadamente nos empregos industriais. Nos anos 1990, quando a abertura comercial e financeira estimulou a entrada de produtos importados e de capital estrangeiro, as condições de concorrência do mercado interno sofreram alterações. As empresas nacionais foram obrigadas a implementar ``estratégias de sobrevivência``, através de novas técnicas de gerenciamento, baseadas fundamentalmente na redução dos custos, estimuladas pela substituição da mão-de-obra por máquinas e equipamentos. Observa-se, portanto, um processo de ajuste às condições impostas pela concorrência internacional, marcado pela reestruturação produtiva, a qual associada aos baixos investimentos e à terceirização da economia, provocou reflexos no mercado de trabalho, causando desemprego da força de trabalho feminina. Apesar disso, a trajetória de crescimento da incorporação da mulher no mercado de trabalho não foi interrompida, mas modificada, pois detectou-se um envelhecimento da população feminina ocupada. É importante enfatizar que as mudanças ocorridas atingiram a economia de forma diferenciada, e seus efeitos, portanto, manifestaram-se diferenciadamente em níveis setoriais, regionais, estaduais etc, na medida em que se observa, na economia nacional, uma forte heterogeneidade entre os Estados da federação, os quais apresentam grandes assimetrias em seus níveis de desenvolvimento e de integração às economias nacional e internacional. Estudos como os de Melo (2002), Ikeda (2000) e Bruschini (1996), revelam que a redução do emprego formal, verificada na economia brasileira, é ainda maior quando se trata do gênero feminino, o que sugere ser esse segmento o mais atingido pelas transformações estruturais da década de 1990. No entanto, é justamente neste período, em meio a uma grave crise fiscal do Brasil, caracterizada pela perda do crédito e aumento do déficit público, altas taxas internas de juros e taxas de crescimento relativamente baixas – que o Ceará se destaca no cenário de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1781 estagnação nacional (com uma política fiscal pioneira, e políticas de incentivo à industrialização). São observadas significativas alterações na dinâmica econômica do Estado nos anos 1990, que são resultado do novo modelo de gestão implementado, tais como: crescimento do PIB estadual superior ao crescimento do PIB do Brasil, com destaque para a expressiva elevação do PIB industrial; aumento da participação do PIB estadual nos PIB nacional e regional; significativo ganho da participação da indústria na geração de emprego ao longo da década, em função da elevação no aumento do número de estabelecimentos industriais implantados no período. O cenário para esse comportamento da economia é um período de grandes mudanças no modo de regulação do Estado. Desde a segunda metade da década de 1980, a partir da primeira gestão do Governador Tasso Jereissati, uma nova estratégia de desenvolvimento econômico começa a ser posta em prática no Ceará, envolvendo medidas de saneamento da máquina estatal, forte contenção dos gastos públicos, enxugamento do quadro de pessoal, além de uma política de incentivos fiscais e investimento em infraestrutura. O providencial ajuste das contas públicas do Estado, permitiu que o Ceará revelasse um desempenho financeiro acima do esperado. Como resultado, verifica-se equilíbrio das contas públicas, disponibilidade financeira para investimentos em obras de infraestrutura econômica e obras sociais que seriam capazes de alavancar o desenvolvimento econômico-industrial do Estado. Ressalta-se que a indústria foi um setor fortemente atingido pelas transformações estruturais da economia brasileira. Particularmente no Ceará, esse setor aumenta consideravelmente sua participação na formação do PIB estadual. Assim, enquanto verificase, em nível nacional, uma forte redução no emprego industrial, tendência mantida pelo Nordeste brasileiro, o Ceará apresentou, nos anos 1990, considerável crescimento do emprego industrial, criando 49.580 novos postos de trabalho na indústria (VALOIS; ALVES, 2006). Numa análise mais qualitativa, apesar do crescimento no emprego formal, a performance da indústria cearense em relação ao rendimento médio dos trabalhadores não se mostra exatamente favorável, na medida em que se verifica uma queda nesta variável entre 1990 e 2000, diferentemente do observado na economia nacional. Assim, estão presentes na indústria cearense níveis de salários extremamente precários, no ano 2000, por exemplo, 70% dos trabalhadores industriais recebiam renda entre 1 e 2 SM (VALOIS; ALVES, 2006). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1782 Desta forma, identificam-se evidências de precarização nas relações de trabalho no Ceará. Os dados revelam elevada rotatividade da mão-de-obra industrial, permanecendo superior a já elevada rotatividade da indústria brasileira (VALOIS; ALVES, 2006). Diante do exposto, dada a maneira ágil como Estado do Ceará reagiu ao cenário de crise nacional e dada a tendência diferenciada apresentada pelo seu mercado de trabalho, entende-se ser de fundamental importância a investigação de como a força de trabalho feminina cearense se comporta dentro da dinâmica do emprego estadual. Considerando que existem lacunas em relação a estudos que contemplem o comportamento dos gêneros em nível estadual, é que se evidencia a relevância de uma análise das relações de gênero no seu mercado de trabalho, tentando identificar os caminhos do emprego feminino no cenário de transformações das economias nacional e cearense. 2. ASPÉCTOS METODOLÓGICOS Escolhido a década de 1990 para estudo, quando transformações ocorridas no cenário econômico do Brasil (crise fiscal, abertura econômica, reestruturação produtiva, etc.) fazem com que as atenções se voltem para o Ceará que apresenta comportamento diferenciado dos demais Estados nacionais, e tendo como objeto de análise a indústria, visto ser este setor largamente atingido pelas modificações estruturais ocorridas na economia brasileira, as quais forçam um processo de ajuste e reestruturação nos processo produtivos e na força de trabalho. Trabalhar-se-á, para efeito deste estudo, apenas as indústrias extrativa mineral e de transformação, dado que as mesmas contribuem com a grande maioria do emprego gerado pelo setor. A pesquisa em questão utiliza essencialmente dados secundários, obtidas junto aos principais institutos de pesquisa, nacionais e estaduais (IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística , IPECE – Instituto de Pesquisa Econômica Cearense, FIECFederação das Indústrias do Estado do Ceará, etc), que trabalham com dados sobre o comportamento da economia cearense e sobre mercado de trabalho de forma geral. O tratamento analítico utilizado para a análise do mercado de trabalho tem como foco o setor industrial, considerado aqui a partir dos dados da RAIS 32 – Relação Anual de Informações 32 A RAIS fornece dados anuais cobrindo o setor formal em todas as regiões do país. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1783 Sociais, que se constitui em um registro administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, o qual fornece informações sobre o emprego formal em 31 de dezembro de cada ano33, a partir do qual serão analisados dados sobre o mercado de trabalho industrial, com destaque para a participação dos gêneros (em particular do gênero feminino). 3. OBJETIVOS Analisar, o impacto das mudanças no mercado de trabalho formal da indústria cearense na década de 1990, particularmente da indústria de transformação e extrativa mineral, em relação ao gênero feminino. 4. PERFIL DAS TRABALHADORAS INDUSTRIASIS CEARENSES A intensa abertura econômica, os baixos níveis de investimento e o processo de ajuste e reestruturação produtiva observados na economia brasileira, tiveram reflexos nos níveis de emprego da indústria nacional, prejudicando, consequentemente, a incorporação da mulher no mercado de trabalho nos anos 1990. Acompanhando a nova dinâmica econômica estadual, com o crescimento do produto e dos postos de trabalho industriais, observa-se que a mão-de-obra feminina apresentou, ao longo da década de noventa, um crescimento de 22.401 novos postos de trabalho (Tabela 1). Essa quantidade de novos empregos representa uma taxa de crescimento de 4,76% a.a. para o Ceará, superior à taxa de crescimento do emprego industrial feminino nacional, que fica em torno de 0,78% a.a. negativos, com extinção de 116.063 postos de trabalho (Tabela 1). Na análise do desempenho do emprego segundo o ramo de atividade (Tabela 2), evidencia-se a grande concentração do emprego formal no setor de serviços cearense, tanto para homens quanto para mulheres, repetindo o desempenho da economia nacional. No caso feminino, a distribuição do emprego entre os ramos mostra-se mais desigual, com serviços concentrando em torno de 70% da mão-de-obra estadual, tanto em 1990 quanto em 2000 (enquanto que para homens concentra em torno de 50% nos dois anos em análise). Verifica-se que ao longo da década, enquanto no Brasil diminui o número de mulheres na indústria (Tabela 1), no Ceará há uma maior incorporação da mulher nesse setor, que 33 Mesmo considerando as limitações desta base de dados, já que a mesma é formada por informações prestadas pelas empresas, sendo, portanto, passíveis de erros, além de se restringir ao mercado formal de trabalho, dado o volume de informações apresentadas pela base é possível captar vários elementos da dinâmica do emprego no Estado. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1784 atinge 18,99% do contingente das trabalhadoras industriais em 2000. Apesar de também crescer o número de trabalhadores masculinos na indústria, com uma média anual de 3,34%, o crescimento da força de trabalho feminino mostra-se superior, atingindo 4,75% a.a. entre 1990 e 2000 (Tabela 2). Dado que o foco de nossa análise é o setor industrial, é preciso verificar em que setor da indústria a mão-de-obra feminina se concentra. Na tabela 3, é possível observar a evolução da participação feminina pelo diversos setores industriais. A maior parcela das mulheres no total de trabalhadores, em 1990, concentrava-se nos setores de atividade que exigiam maior criatividade e manuseio, como a indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos (53,81%) – tradicionalmente, grande locus do trabalho feminino. Assim, nesse setor, o contingente da força de trabalho feminina supera a masculina. Destacam-se, ainda, com ocupação de um grande número de trabalhadoras as indústrias de produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (43,52%), calçados (34,43%), indústria da borracha e similares (33,91%) e indústria química de produtos farmacêuticos, veterinários e perfumaria (31,69%). Os menores percentuais de participação feminina estão nos ramos de atividade que exigem, em geral, maior força física, como a indústria extrativa mineral (7,47%), indústria de produtos minerais não metálicos (8,53%), indústria mecânica (8,48%), indústria de material de transporte (7,52%) e indústria de madeira e do mobiliário (8,03%), onde o número de trabalhadores masculinos ultrapassa 90% do total da mão-de-obra da indústria. No final da década, a distribuição da mão-de-obra feminina não se altera muito, estando basicamente concentrada nos setores considerados tradicionais. O maior percentual de mulheres ainda é apresentado pela indústria têxtil (assim como para os homens), que criou 9.628 novos postos de trabalho para a mão-de-obra feminina (Tabela 4). Isso ocorre a despeito do que se verifica em nível nacional, onde se observa um processo de “retração nas indústrias tradicionais femininas (têxtil/vestuário), expressando a dramática reestruturação e falência das têxteis nacionais ao longo do período” (MELO, 2002, p.37), sofrendo reflexos da abertura comercial e sobrevalorização cambial do Plano Real, que destruíram milhares de postos de trabalho nesse setor. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1785 Apenas nos setores minerais não metálicos, material elétrico, borracha e similares, química e produtos farmacêuticos, e indústria de produtos alimentícios, houve retração na mão de obra feminina, como mostram as taxas de variação negativa para estes setores. O grande destaque fica por conta da indústria de calçados, que em 1990 empregava apenas 525 trabalhadoras e passa a empregar 14.269 em 2000. O setor calçadista, portanto, se destaca como ramo que acolhe mais intensamente a trabalhadora industrial, dado o salto de absorção de apenas 1,43% em 1990 para 24,01% em 2000, enfatizando a maciça transferência da indústria de calçados para o Ceará, através do incrível aumento do número de empregos neste setor (Tabela 4). A Tabela 4 mostra, ainda, que setores tradicionalmente masculinos como a indústria mecânica, a de madeira e a de material de transporte também apresentaram números favoráveis em relação ao ganho de participação da mulher no mercado de trabalho, comprovando o fato de que a automação industrial facilitou o acesso feminino a setores antes predominantemente masculinos. Outro atributo do emprego industrial feminino a ser analisado é a faixa etária (Tabela 5). O envelhecimento da mão-de-obra feminina empregada é um fenômeno que se tornou tendência em nível internacional e também nacional, segundo recentes estudos sobre os gêneros no mercado de trabalho. O Ceará repete os números apresentados pelo Brasil em relação à idade das trabalhadoras industriais. Observa-se que houve envelhecimento da mão-de-obra feminina, passando a concentração das mulheres da faixa de 18 a 24 anos, a qual detinha 30,03% em 1990, para a faixa de 30 a 39 anos, com 34,12% em 2000. Também houve crescimento significativo na faixa dos 40 aos 49 anos, que apresentava 3975 trabalhadoras em 1990, passando a apresentar 7601 no ano 2000. No Ceará, houve queda ao longo da década, nas duas primeiras faixas de idade, onde a população mais jovem está inserida (menos de 18 anos). O envelhecimento da mulher na indústria é, provavelmente, resultado do aumento do nível de escolaridade feminino, do acesso a informações e métodos anticonceptivos, e do adiamento da maternidade. Por outro lado, a redução nas faixas de menor idade pode significar a ausência/insuficiência de políticas públicas de incentivo ao primeiro emprego, dificultando a entrada da mulher jovem no III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1786 mercado de trabalho, que não tem como comprovar experiência profissional (BRUSCHINI; LOMBARDI, 1998) e ainda, o aumento do número de matrículas e do tempo de permanência na escola. Já é consenso, na literatura nacional, que o número de anos de estudo é maior entre as mulheres do que entre os homens34. A Tabela 6 confirma esta afirmação, com o Ceará repetindo a tendência nacional. Entre 1990 e 1995, há uma certa oscilação, mas a partir de 1996 cresce ininterruptamente o número de estudos para homens e mulheres. As mulheres têm mais tempo de estudo e em todos os anos da década de 1990, superam o gênero masculino. Observa-se que em 1993 há um pico de 7,95 anos médios de estudo para as trabalhadoras industriais cearenses, que chegam nos últimos anos da década com uma média superior aos setes anos de estudo. Desagregando a análise para faixas de níveis de escolaridade, a Tabela 7 mostra que, no Ceará, em 1990, os maiores percentuais de mulheres trabalhadoras da indústria concentravam-se em faixas salariais que iam desde a 4o série incompleta até a 8o série completa. Entre 1990 e 2000, acompanhando a tendência nacional, há ganho de anos de estudo, favorecendo o aumento do percentual de mulheres em faixas mais elevadas de escolaridade (desde a 8o série incompleta até o superior completo). Observando as taxas de variação, identifica-se uma variação negativa para faixas de escolaridade mais baixas (Analfabeto à 40 série completa). Isto indica que vem reduzindo o número de mulheres pouco instruídas, principalmente em relação aos homens, que apresentam variações negativas menores, além de variação positiva na faixa de analfabetos. É também neste Estado que ocorre a maior variação positiva de mulheres que possuem o nível superior completo, superando até o nível nacional35, apesar do número de trabalhadoras nessa faixa escolaridade ainda ser pouco representativo. Estes números são reflexos provavelmente da queda da taxa de fecundidade e da evolução dos valores sociais femininos que permite que as trabalhadoras percebam que mulheres mais instruídas e com menor número de filhos (ou que retardam a decisão de 34 O número de anos médios de estudo é calculado através de média ponderada que considera o ponto médio em anos de estudo para cada faixa de escolaridade e seu peso relativo na estrutura de emprego. 35 Para dados relativos à indústria nacional, referidos neste trabalho, ver Valois e Alves (2006). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1787 constituir família) têm mais chance de competição com os homens no mercado de trabalho (BRUSCHINI; LOMBARDI, 1998). Outra possível explicação para a elevação da escolaridade feminina está na criação de políticas de incentivo à educação, que interiorizaram o ensino superior estadual e federal, além de centros de ensino tecnológico e profissionalizante. 5. QUALIDADE NO EMPREGO INDUSTRIAL FEMININO Dentro de uma análise mais qualitativa do emprego industrial, a Tabela 8 revela a situação precária da mulher na indústria cearense, a partir da análise do tempo de serviço na indústria. Um dos indicadores que tem caracterizado a tendência de precarização das relações de trabalho no Brasil é a elevada rotatividade da mão-de-obra. O argumento utilizado é que a alta rotatividade diminui, por exemplo, os investimentos em treinamento da mão-de-obra, o que pode prejudicar a produtividade, além disso, incentiva a informalização da economia (GONZAGA, 1998). Esse alto nível de rotatividade é explicado, segundo Baltar (1996), pela facilidade que as empresas têm de admitir e demitir mão-de-obra (adequando o número de empregados ao ritmo de produção e das vendas – contratações sazonais), o que influencia na qualidade do emprego no Brasil. Acompanhando a tendência nacional, observa-se no Ceará, a ampla concentração de homens e mulheres na faixa que caracteriza menos de dois anos de tempo de serviço, caracterizando a elevada rotatividade na indústria cearense. Ao longo da década de 1990, aumenta ainda mais a rotatividade entre as mulheres, onde se verifica um percentual de 58,68% de trabalhadoras com menos de dois anos de permanência no emprego em 2000 (enquanto os homens mantém essa participação relativamente estável). Observa-se, ainda, a diminuição da concentração de mulheres em faixas de serviço mais estáveis, como cinco anos ou mais de serviço, seguindo a tendência nacional (ver Tabela 8). A análise da remuneração da indústria cearense vem confirmar os estudos já existentes, onde se evidencia que a remuneração da mão-de-obra feminina é inferior à masculina (Tabela 9 ). Isso está presente em todos os anos da década de 1990, na qual a remuneração média das trabalhadoras não chega a alcançar dois salários mínimos (com exceção de 1993 e 1995). Nesse variável, portanto, as mulheres enfrentam forte segregação em relação ao sexo masculino. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1788 Faz-se necessário chamar atenção que a grande maioria da mão-de-obra industrial cearense recebe níveis salariais extremamente precários, conforme enfatizado anteriormente. Porém, a situação das mulheres é ainda pior que a dos homens, já que se constata, em 1990, 58,38% de trabalhadores industriais recebendo entre 1 e 2 salários mínimos (contra 44,48% de homens). As péssimas condições salariais se agravam ainda mais nos anos 1990, quando esse percentual atinge 69,09% no ano 2000. Enfatiza-se que esses percentuais são significativamente maiores que os apresentados pela indústria brasileira. Na faixa de maior remuneração, apenas 3,38% das trabalhadoras recebiam acima de cinco salários mínimos (SM) em 1990, percentual que se mostra ligeiramente pior em 2000, passando a representar 3,28% (Tabela 10). Os dados mostram que a maioria das mulheres sem instrução até ensino fundamental incompleto (53,3%) e com fundamental completo até o ensino médio incompleto (42,4%) recebiam entre 1 e 2 SM em 1990. A precária situação da mão-de-obra feminina em relação à salários piora quando se comparam os dados de 1990 e 2000. Observa-se que aumenta a quantidade de mulheres em todas as faixas de escolaridade recebendo entre 1 e 2 SM, percentuais que se mostram superiores à concentração de trabalhadores masculinos nessa faixa salarial. Em 2000, 64,5% das trabalhadoras com nível superior completo recebiam acima de 5 SM, enquanto 83,5% dos homens eram remunerados na mesma faixa salarial. Portanto, embora as mulheres se mostrem mais instruídas, essa vantagem comparativa não tem se revertido na diminuição das desigualdades de rendimentos entre os sexos. Ikeda (2000, p.104) chama atenção que muitas vezes a diferença entre os rendimentos de homens e mulheres tem a justificativa de que estas se concentram “no mercado informal, especialmente em serviços domésticos, cujo trabalho é tipicamente precário”. Porém, o que se observou é que essa “segregação por gênero” está presente mesmo no mercado formal de trabalho, como ficou evidenciado na indústria cearense. Com isso, pode-se dizer que fazer com que o trabalho feminino seja financeiramente reconhecido é um dos grandes desafios a ser enfrentado pelas mulheres, seja em nível nacional ou no Ceará, já que elas passam mais tempo na escola e estão intelectualmente melhor preparadas que os homens, e a tecnologia tem cada vez mais contribuído para que a força física não seja um empecilho para a entrada e ascensão das mulheres no mercado de trabalho industrial. 6. CONCLUSÕES Apesar de ser histórica a luta da mulher na tentativa de se inserir em atividades remuneradas do mercado de trabalho, isto só corre maciçamente partir do século XX, depois III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1789 que a Revolução Industrial introduziu tecnologias poupadoras de força física na execução de grande parte das atividades produtivas industriais. Em nível nacional, isso se dá a partir dos anos 1970, principalmente devido ao rápido processo de industrialização e urbanização do país durante o Milagre Econômico (1968 a 1973) e durante o II PND, na segunda metade da década de 1970. Nos anos de 1980, apesar do cenário de crise (hiperinflação, aumento dos juros externos e internos, políticas ortodoxas, etc.), a escalada da mulher no mercado de trabalho continua a se definir. Já a partir de 1990, com os processos de abertura comercial (que elevou a concorrência no mercado interno), reestruturação produtiva e terceirização, o emprego feminino vai ser afetado. Porém, dado o modo diferenciado como as mudanças atingiram os Estados brasileiros, verificou-se que o Ceará se destacou no cenário de estagnação, apresentando performance positiva do emprego industrial. De fato, depois que a tradicional política coronelista saiu de cena, abrindo espaço para um “governo de mudanças”, o providencial e pioneiro ajuste fiscal, atrelado à uma política de atração de investimentos (enfatizando a desconcentração industrial), transformaram o Estado num ambiente atrativo para o investimento produtivo, o que se reflete na dinamização da economia do Ceará. Os primeiros resultados do sucesso na transformação política e econômica foram sentidos principalmente a partir de 1990, quando houve elevação do número de indústrias que procuraram se instalar no Estado. Desta forma, observa-se considerável crescimento do PIB (inclusive a taxa superior ao nível nacional, que cresce 2,65% a.a. na década de 1990, enquanto no Ceará, esse crescimento é de 4,24%), além do aumento da participação da indústria na composição setorial do PIB do Estado. Enquanto, na economia brasileira, o processo de ajuste imposto ao setor industrial se reflete na diminuição dos postos de trabalho feminino, no Ceará há um crescimento de emprego industrial para a mão-de-obra feminina, que cresce a taxas superiores às masculinas. Mas, apesar desse crescimento, as mulheres ainda são minoria no mercado de trabalho industrial do Estado. As mulheres cearenses ainda estão concentradas onde é tradicional a participação da mão-de-obra feminina; o grande destaque fica por conta do setor calçadista, que apresenta uma performance extraordinária na criação de postos de trabalho e onde é brutal a elevação da participação feminina. Porém, as trabalhadoras industriais começam a ser mais nitidamente III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1790 acolhidas em redutos tradicionalmente masculinos, como a indústria mecânica, possibilitado pela maior automação nesses setores industriais. Os fenômenos do envelhecimento da força de trabalho feminina e do aumento da escolaridade desse segmento, onde mulheres apresentam mais anos de estudo que homens, observados em nível nacional, também se repetem na indústria cearense. Porém, acompanhando a tendência nacional, as disparidades entre os gêneros revelaram-se enormes quando se comparam os salários; observou-se que a representatividade feminina está maciçamente concentrada nas faixas salariais mais baixas. Além disso, a remuneração média das mulheres é inferior a dos homens em todos os anos da série analisada. Desta forma, apesar das fortes dificuldades para o ingresso no mercado de trabalho, quando a mulher tem que enfrentar “dupla jornada de trabalho” e “a conciliação das esferas familiar e produtiva” (IKEDA, 2000), observa-se que a significativa incorporação da mulher no mercado de trabalho cearense, não é acompanhada da diminuição das desigualdades salariais entre os sexos. Logo, pode-se dizer que na indústria cearense, o maior desafio para as mulheres ainda é igualar as remunerações com o gênero masculino. As mulheres ainda enfrentam barreiras significativas quanto à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho. Portanto, para que haja maior equidade entre homens e mulheres, é preciso que se implantem políticas públicas específicas que possam reduzir, ou até mesmo eliminar a discriminação entre os gêneros, visando garantir a valorização da mão-de-obra feminina. REFERÊNCIAS BALTAR, Paulo Eduardo de A. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano no Brasil. Economia e Sociedade, nº 6, jun/1996, Campinas: IE/UNICAMP. 1996. BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. O trabalho da mulher brasileira nos primeiros anos da décadas de noventa. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 10, 1996. Caxambu, MG, Anais... Belo Horizonte: ABEP, 1996.. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1791 GONZAGA, Gustavo. Rotatividade e qualidade do emprego no Brasil. Revista de Economia Política, vol.18, nº 1(69), janeiro-março/1998. HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1981. IKEDA, Marcelo. “Segregação por gênero” no mercado de trabalho formal. In: Revista do BNDES, vol.7, n.13, junho/2000, Rio de Janeiro: BNDES, 2000. MARX, Karl. O Capital: crítica à economia política. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1792 ANEXOS TABELA 1: Ceará e Brasil - Taxa de Crescimento do Emprego Industrial Feminino (1990/2000) Anos Ceará Brasil 1990 37.805 1.544.401 2000 60.206 1.428.338 Tx. Cresc. 4,76 -0,78 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS. TABELA 2: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado por sexo segundo o ramo de atividade (1990/2000) 1990 2000 Ramo de atividade Homens % Industria 66.650 Mulheres % 22,98 37.805 Homens % 15,25 92.583 Mulheres % 24,75 60.206 18,99 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1793 Construcao civil 19.519 6,73 1.079 0,44 26.184 7,00 1.562 0,49 Comercio 40.774 14,06 21.704 8,76 58.874 15,74 34.379 Serviços 142.604 49,17 174.802 70,52 187.392 50,10 219.476 69,22 10,84 Agrop. extr veg, caca e pesca 10.749 3,71 1.342 0,54 8.970 2,40 1.464 0,46 Outros/ignorado 9.745 3,36 11.137 4,49 0 0,00 3 0,0009 Total 290.041 100 247.869 100 374.003 100,00 317.090 100,00 Fonte: RAIS TABELA 3: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado segundo sexo por setor da indústria (1990/2000) 1990 2000 Setores Extrativa mineral Homem (%) 92,53 Mulher (%) 7,47 Homem Mulher (%) (%) 94,18 5,82 Indústria de produtos minerais nao metálicos 91,47 8,53 94,03 5,97 Indústria metalúrgica 89,99 10,01 89,39 10,61 Indústria mecânica 91,52 8,48 87,31 12,69 Indústria do material elétrico e de comunicações 74,09 25,91 74,41 25,59 Indústria do material de transporte 92,48 7,52 88,77 11,23 Indústria da madeira e do mobiliário 91,97 8,03 88,8 11,2 Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica 78,95 21,05 76,45 23,55 Ind. da borracha, fumo, couros, peles, similares, ind. diversas 66,09 33,91 74,42 25,58 Ind. química de produtos farmacêuticos, veterinários, perf. 68,31 31,69 76,94 23,06 Indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos 46,19 53,81 41,29 58,71 Indústria de calçados 65,57 34,43 47,71 52,29 56,48 43,52 65,19 34,81 Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1794 etílico Total 62,08 37,92 59,38 40,62 Fonte: RAIS TABELA 4: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado por sexo segundo setor da indústria (1990/2000) Tx. 1990 Setor da indústria H* Extrativa mineral 2000 % M** % H* Variaçao (1990/2000) % M** % Homem Mulher 1.735 2,89 140 0,38 2.556 2,94 158 0,27 47,32 12,86 metálicos 5.759 9,59 537 1,46 6.757 7,78 429 0,72 17,33 -20,11 Ind. Metalúrgica 4.884 8,13 543 1,48 4.918 5,66 584 0,98 0,70 7,55 Ind. Mecânica 1.435 2,39 133 0,36 2.064 2,38 300 0,50 43,83 125,56 0,97 983 1,13 338 0,57 -3,72 -5,32 0,15 1.075 1,24 136 0,23 56,02 142,86 3.091 5,15 270 0,74 4.400 5,06 555 0,93 42,35 105,56 2.933 4,88 782 2,13 3.315 3,82 1.021 1,72 13,02 Ind. de prod min nao Ind. do mat. elétr. e comum. 1.021 1,70 357 Ind. do material de transporte Ind. da 689 madeira e 1,15 56 do mobiliário Ind. papel, papelao, edit. Graf. 30,56 Ind. borr, fumo, cour., peles, … 3.264 5,44 1.675 4,57 2.898 3,34 996 Ind. Quím.. -40,54 Farm., veter., perf. Ind. 1,68 -11,21 3.571 5,95 1.657 4,52 4.741 5,46 1.421 2,39 32,76 têxtil artef.tecidos vest. -14,24 e 16.16 26,9 18.83 51,3 20.01 23,0 28.46 47,9 9 3 9 5 8 4 7 0 23,80 51,11 1201,80 2617,90 38,92 -3,71 13.01 14,9 14.26 24,0 Ind. De calçados 1.000 1,67 525 1,43 8 8 9 1 Ind. prod. Alim., beb. e 14.50 24,1 11.17 30,4 20.14 23,1 10.75 18,1 álc.etíl. 0 5 2 5 3 8 7 0 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1795 60.05 1 Total * 36.68 100 6 86.88 100 6 59.43 100 1 100 44,69 62,00 ** Fonte: RAIS ( H = Homem; M = Mulher.) TABELA 5: Ceará - Faixa etária por sexo na indústria (1990/2000) Faixa etária 1990 2000 H % M H M 10 a 14 anos 42 0,07 23 0,06 5 0,01 3 0,01 15 a 17 anos 649 1,08 581 1,58 668 0,77 439 0,74 18 a 24 anos 15.830 26,36 11.017 30,03 25.330 29,15 16.378 27,56 25 a 29 anos 13.818 23,01 9.285 25,31 18.351 21,12 13.252 22,30 30 a 39 anos 16.684 27,78 10.443 28,47 26.334 30,31 20.277 34,12 40 a 49 anos 8.198 13,65 3.975 10,84 11.190 12,88 7.601 12,79 50 a 64 anos 4.052 6,75 1.044 2,85 4.756 5,47 1.455 2,45 65 anos ou mais 263 0,44 23 0,06 241 0,28 24 0,04 Ignorado 515 0,86 295 0,80 11 0,01 2 0,00 Total 60.051 100,00 36.686 100,00 59.431 100,00 86.886 100,00 Fonte: RAIS (H = Homem; M = Mulher.) TABELA 6: Ceará - Escolaridade média por sexo na indústria (1990-2000) Homens Mulheres 1990 5,51 5,84 1991 5,67 6,19 1992 5,75 6,02 1993 6,42 7,95 1994 6,04 6,34 1995 5,95 6,47 Anos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1796 1996 5,90 6,12 1997 6,22 6,57 1998 6,54 7,10 1999 6,72 7,40 2000 6,86 7,58 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS TABELA 7: Ceará - Faixa de escolaridade por sexo na indústria (1990/2000) Tx. Faixa de 1990 2000 Variaçao (%) escolaridade H % M % H % M % H M Analfabeto 2.701 4,5 891 2,43 2.815 3,24 554 0,93 4,07 -37,82 15.19 25,3 23,7 11.13 12,8 8 1 3 7 2 3.705 6,23 -26,72 -57,43 10.80 17,9 3 9 -12 -14,53 11.97 19,9 3 4 4ª série incom. 4ª série com. 8ª série incom. 8.704 15,4 5.652 8.699 12,9 8ª série com. 7.764 3 4.887 10,9 1 9.507 4 4.831 8,13 23,7 21.07 24,2 16.44 27,6 1 4 5 3 7 76,01 89,02 13,3 18.20 20,9 14.55 2 4 5 8 24,5 134,47 197,89 130,9 176,26 11,9 2º grau incom. 3.547 5,91 2.574 7,02 8.190 9,43 7.111 7 10,7 13.25 15,2 10.60 17,8 2º grau comp. 5.447 9,07 3.951 7 4 5 4 4 143,33 168,39 Superior incom. 731 1,22 343 0,93 1.008 1,16 592 1 37,89 72,59 Superior com. 1.252 2,08 658 1,79 1.701 1,96 1.033 1,74 35,86 56,99 Ignorado 635 1,06 327 0,89 0 0 0 0 -100 -100 100 44,69 62 60.05 Total 1 36.68 100 6 86.88 100 6 59.43 100 1 Fonte: RAIS III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1797 TABELA 8: Ceará - Tempo de serviço por sexo na indústria (1990/2000) Tempo de serviço 1990 2000 Homens (%) Mulheres (%) Homens (%) Mulheres (%) Menos de 2 53,73 49,68 53,91 58,68 2a3 12,17 14,21 12,81 13,13 3a5 16,10 19,19 14,34 14,19 5 ou mais 17,86 16,83 18,,88 13,95 Ignorado 0,13 0,09 0,06 0,05 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte:RAIS TABELA 9: Ceará - Remuneração média por sexo na indústria 1990-2000 (em salários mínimos) Homens Mulheres 1990 2,67 1,57 1991 2,86 1,75 1992 2,86 1,73 1993 4,11 2,88 1994 3,18 1,98 1995 2,96 1,75 1996 4,60 2,69 1997 2,99 1,73 1998 2,91 1,83 1999 2,71 1,72 Anos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1798 2,60 2000 1,64 Fonte: RAIS TABELA 10: Ceará - Faixa salarial por sexo na indústria (1990/2000) Faixa salarial 1990 2000 Homens % Mulheres % Homens % Mulheres % Até 1 7275 12,11 5811 15,84 10127 11,66 6820 11,48 Entre 1 e 2 26949 44,88 21417 58,38 46937 54,02 41058 69,09 Entre 2 e 3 10345 17,23 4658 12,70 12315 14,17 4273 7,19 Entre 3 e 5 7131 11,87 1423 3,88 7297 8,40 3801 6,40 Acima de 5 6098 10,15 1239 3,38 8369 9,63 1.949 3,28 Ignorado 2.253 3,75 2.138 5,83 1.841 2,12 1.530 2,57 Total 60.051 100,00 36.686 100,00 86.886 100,00 59.431 100,00 Fonte: RAIS III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1799 ANALISANDO O PERFIL DOS ALUNOS COM O BENEFÍCIO SOCIOECONÔMICO DA UFSM campus PALMEIRA DAS MISSÕES E SUAS IMPLICAÇÕES NA REGIÃO A PARTIR DA EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA Cassia Engres Mocelin36 Jaqueline Sganzerla37 Joice Liara Both38 Luana Hanauer39 RESUMO: O presente artigo teve como objetivo traçar o perfil dos alunos da UFSM campus Palmeira das Missões que possuem Benefício Socioeconômico (BSE), também abordando a expansão universitária no CESNORS e sua contribuição e importância para a região norte do RS. Como metodologia utilizou-se uma abordagem quantitativa descritiva dos dados, que foram disponibilizados e coletados no Núcleo de Apoio Pedagógico-PM, através da técnica da pesquisa documental, levando em conta questões como o curso de graduação, profissão e escolaridade dos pais, região de origem, renda familiar e renda per capita, dentre outras. Posteriormente, os dados foram analisados estatisticamente. Os resultados apontaram que a maioria dos alunos advém da mesorregião Noroeste do RS, são oriundos de escolas públicas, possuem pais com ensino fundamental incompleto e agricultores. O estudo concluiu que a expansão universitária está contribuindo para a ampliação da oferta do ensino superior público na região, conforme os dados quantitativos apontados acima e também quando se referem à cidade de origem dos alunos. Em virtude dos dados de matrículas, podemos dizer que houve considerável expansão do ensino superior público mediante a criação dos cursos da UFSM-PM, abrindo-se vagas a parcelas da população às quais a possibilidade de graduação era dificultada. Também podemos verificar uma transição sócioeducacional de uma geração para outra considerando a escolaridade que os pais ou responsáveis dos acadêmicos tiveram. Palavras-chave: Benefício Socioeconômico; Assistência Estudantil; Expansão Universitária. INTRODUÇÃO E REFERENCIAL TEÓRICO 36 Assistente Social da Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões (UFSM-PM), Mestre em Extensão Rural. [email protected] 37 Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM [email protected] 38 Acadêmica do Curso de Administração da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM [email protected] 39 Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1800 O sistema educacional brasileiro tem passado por um movimento no sentido de democratização do acesso ao ensino superior, como é possível ser observado nos resultados do Censo da Educação Superior (PACHANE E PEREIRA, 2004). Através do Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007 foi instituído o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), sendo umas das ações integrantes do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) em reconhecimento ao papel estratégico das universidades federais para o desenvolvimento econômico e social do país (BRASIL, 2007). Dentre suas metas, o REUNI objetivava que através da expansão ocorra um acesso democrático ao ensino superior público, aumentando o contingente de estudantes menos favorecidos economicamente, assim como a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos (COSTA et al, 2009). A necessidade de expansão da Educação Superior em nosso país é premente, visto que, em média nacional, apenas 24,3% dos jovens brasileiros, com idade entre 18 e 24 anos, têm acesso ao ensino superior. Com o Reuni, o Governo Federal adotou uma série de medidas a fim de retomar o crescimento do ensino superior público (BRASIL, 2009). Em 2005, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), através de seu Conselho Universitário, aprovou a criação do Centro de Educação Superior Norte -RS (CESNORS) com campus em Palmeira das Missões e Frederico Westphalen. A expansão ocorreu no norte do estado do Rio Grande do Sul, em decorrência dos baixos indicadores socioeconômicos da região, falta de oferta de ensino superior público e gratuito neste território, e também para sanar as dificuldades decorrentes da grande distância existente entre o extremo norte do Estado e as regiões onde estão localizadas outras Instituições Federais, visando à expansão do ensino superior (UFSM/CESNORS, 2013). Com a criação do CESNORS/UFSM perseguem-se duas metas, a interiorização da educação pública e o estabelecimento de condições para a inversão do atual percentual de alunos matriculados no ensino superior considerado muito baixo frente à demanda. O REUNI, com a proposta de democratização do ensino superior público no Brasil, vem ao encontro do aparato legal já instituído a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, quando a educação ganhou status de direito social, tornando-se assim, dever do Estado. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1801 O ensino passou a ter como um de seus princípios a igualdade de condições para o acesso e permanência. Nesse sentido, surgiu a necessidade de ações voltadas à permanência dos estudantes, principalmente os que se encontram em vulnerabilidade social, através da assistência estudantil. As ações de assistência estudantil refletem a opção constitucional compreendendo a educação superior pública, gratuita e de qualidade, como direito dos estudantes universitários, tendo em vista a alocação dos recursos necessários às ações desenvolvidas, objetivando, sempre, que os estudantes universitários em vulnerabilidade social também possam desenvolver seus estudos com um bom desempenho curricular, minimizando o percentual de abandono, trancamento de matrículas e evasão nos cursos de graduação e pós-graduação. As ações de assistência estudantil fortalecem e complementam a proposta do REUNI, considerando que não basta apenas incrementar o quantitativo numérico de vagas, mas também pensar qualitativamente nesses alunos e na perspectiva social de educação. A assistência estudantil está regulamentada pelo Decreto nº 7.234 de 19 de Julho de 2010, que instituiu o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) representando um marco histórico e de importância fundamental para essa questão. Tais ações estão previstas no PNAES, Art. 4º, Parágrafo Único: “as ações de assistência estudantil devem considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de oportunidades, contribuir para melhoria do desempenho acadêmico e agir, preventivamente nas situações de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras” (BRASIL, 2010). O PNAES tem como objetivos ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal, democratizar a educação, minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior, reduzindo as taxas de retenção e evasão, e contribuindo para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010). Na Universidade Federal de Santa Maria, as ações de assistência estudantil são de responsabilidade da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE). O principal programa da UFSM que operacionaliza a Política de Assistência Estudantil é o Benefício Socioeconômico (BSE) regulamentado no âmbito da UFSM através da Resolução nº 005/2008, que possibilita aos estudantes a concessão da Bolsa Alimentação, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1802 Bolsa Transporte, Moradia Estudantil, e também outras ações aos estudantes em situação de vulnerabilidade social. A Assistência Estudantil vem sendo executada na UFSM campus de Palmeira das Missões através das ações desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), órgão setorial do campus que oferece apoio pedagógico e assistência estudantil, contribuindo com o desenvolvimento, adaptação e permanência do estudante na universidade. A partir do atendimento aos alunos, verificou-se a necessidade de sistematizar os dados cadastrais que possuímos, para que além de conhecê-los, possamos também melhorar o atendimento prestado, propor novas ações e avaliar os possíveis impactos de uma extensão universitária na região e no perfil das famílias. A justificativa do trabalho leva em conta que o diagnóstico/perfil dos alunos que possuem o Benefício Socioeconômico pode subsidiar a exclusão, reformulação ou implantação de novas ações de assistência estudantil na UFSM campus Palmeira das Missões, considerando as especificidades e peculiaridades do CESNORS constituindo-se como um campus de uma Universidade Pública fora da sua sede, mas que também demanda ações para a permanência dos alunos que estão e que também chegarão. A pesquisa teve como objetivo geral traçar o perfil dos alunos da Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões que possuem Benefício Socioeconômico (BSE). METODOLOGIA Como metodologia a pesquisa foi do tipo quantitativo descritiva, conforme GIL (2007, p. 44) as mesmas “tem por objetivo estudar as características de um grupo”. Em relação ao método, será utilizado o estatístico, por meio deste é possível a redução de dados de natureza social, política e econômica a termos quantitativos e permite também manipular estatisticamente as relações dos fenômenos entre si, obtendo generalizações tanto sobre sua natureza, ocorrência ou significado (MARCONI e LAKATOS, 2007). A técnica utilizada na coleta dos dados foi a documental, através dos formulários dos alunos que possuem o BSE, disponibilizados pela UFSM campus Palmeira das Missões, disponibilizados através do NAP. A pesquisa documental se caracteriza pela coleta de dados utilizando como fonte documentos escritos ou não oriundos de fontes primárias (MARCONI e LAKATOS, 2007). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1803 RESULTADOS E DISCUSSÃO A população foi os alunos que possuem o Benefício Socioeconômico nos anos de 2010 a 2013 (até o primeiro semestre letivo), totalizando 231 alunos. Dentre os resultados, o estudo apontou que 87% dos alunos que possuem o BSE são do sexo feminino, e 13% do sexo masculino, com as seguintes faixas-etárias, apresentadas graficamente a seguir: Gráfico 1: Distribuição das idades dos alunos na data de solicitação do BSE- UFSMPM. Fonte: elaborado pelos autores. Os alunos são oriundos de escola pública de ensino médio 98,27%, e de escola particular de ensino médio 1,73%, realizaram ensino fundamental em escola pública 99,14% e 0,86% fizeram em escola privada de ensino fundamental. Estão distribuídos nos seguintes cursos de graduação presencial, conforme gráfico abaixo: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1804 Gráfico 2: Distribuição dos alunos com BSE por cursos de graduação – UFSM-PM. Fonte: elaborado pelos autores. Os grupos familiares são formados em média por 3,45 pessoas por residência. Em relação à responsabilidade pelo grupo familiar, 10,82% são realizadas pelos alunos, e 89,18% pelos familiares, sendo que destes, 67,31% das famílias dos alunos que possuem o BSE, a responsabilidade pelo grupo familiar foi atribuída a ambos os pais, 26,44% das famílias estão sob responsabilidade das mulheres, enquanto que somente 2,88% das famílias são chefiadas por homens, e 3,37% possuem outros familiares como responsáveis (tios, avós, etc.). Quanto à escolaridade dos pais dos alunos, o gráfico a seguir nos dá o entendimento através de percentuais que vão desde o analfabetismo até o ensino superior completo. Gráfico 3: Distribuição da escolaridade dos pais dos alunos com BSE – UFSM – PM. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1805 Fonte: elaborado pelos autores. Em relação à profissão dos pais dos acadêmicos que possuem BSE, podemos verificar as profissões e o percentual de cada, no gráfico abaixo: Gráfico 4: Profissões dos pais dos alunos com BSE – UFSM – PM. Fonte: elaborado pelos autores. Com base no próximo gráfico, podemos observar a distribuição da renda total mensal das famílias dos estudantes com BSE da UFSM – PM. Gráfico 5: Renda familiar mensal total dos alunos com BSE – UFSM – PM. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1806 Fonte: elaborado pelos autores. O gráfico 6 especifica a renda per capita familiar dos alunos com BSE da UFSM campus Palmeira das Missões. Gráfico 6: Renda per capita familiar dos alunos com BSE – UFSM – PM. Fonte: elaborado pelos autores. Analisando os dados da cidade de origem dos alunos, percebe-se que 83,55% dos alunos são oriundos da mesorregião da UFSM-PM, a Mesorregião Noroeste do Rio Grande do Sul que apresenta 13 microrregiões. A UFSM-PM está localizada na microrregião de Carazinho, mas apresenta em seu corpo discente, estudantes advindos de outras microrregiões também pertencentes a mesorregião Noroeste, e alguns estudantes oriundos de outras III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1807 mesorregiões do Estado. O 7º gráfico apresenta em percentuais essa distribuição das microrregiões de origem dos alunos com BSE – UFSM – PM. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1808 Gráfico 7: Distribuição das microrregiões de origem dos alunos com BSE-UFSM-PM. Fonte: elaborado pelos autores. Em relação ao perfil do estudante que acessa ao benefício sócioeconômico pode se dizer que o perfil que se sobressai a partir da análise dos dados é a estudante do sexo feminino, mantida pelos pais, estudou em escola pública, tem renda familiar de 1000 reais a 1500 reais com grupo familiar, advinda de cidades da mesorregião Norte. Vale ressaltar que o perfil é a característica mais presente em cada temática pesquisada. CONCLUSÃO Através desse estudo concluímos que a expansão universitária está contribuindo para a ampliação da oferta do ensino superior público na região, conforme os dados quantitativos apontados acima e também quando se referem a cidade de origem dos alunos. Podemos inferir ainda que cerca de 34% dos estudantes são provenientes do campo ou que os pais se relacionam com o campo através da agricultura. A partir do pesquisado podemos questionar se a universidade contribui para o êxodo rural de jovens na região ou garante a fixação destes estudantes nos seus municípios depois de formados, como profissionais qualificados. Também podemos verificar uma transição sócioeducacional de uma geração para outra considerando a escolaridade que os pais ou responsáveis dos acadêmicos tiveram. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1809 Em virtude dos dados de matrículas, podemos dizer que houve considerável expansão do ensino superior público mediante a criação dos cursos da UFSM-PM, abrindo-se vagas a parcelas da população às quais a possibilidade de graduação era dificultada. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto n. 6.096 de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm>. Acesso em: 25 de jul de 2013. BRASIL. MEC/SESu/DIFES. Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Reuni 2008 – Relatório de Primeiro. Ano, 2009. On Line. Disponível em: <http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=28>. Acesso em 20 jul. 2013. BRASIL. Decreto n. 7234 de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm>. Acesso em: 25 de jul de 2013. COSTA, A. M.; COSTA, D. M.; GOTO, M. M. M. Expansão da Educação Superior no Brasil: uma análise descritiva dos Programas do Governo Federal. On Line. IX Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul, Florianópolis: 2009. 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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1811 AS REPERCUSSÕES DA CRISE DO TRABALHO PARA O SERVIÇO SOCIAL Maria Aparecida Vieira40 Suamy Rafaely Soares41 Géssica de Paula Lacerda42 Juliana Alves de Sá43 RESUMO: Atualmente alguns autores como Netto (2007) e Antunes (2003, 2009) fazem uma discussão a respeito da relação entre Serviço Social e a categoria trabalho, ressaltando as disparidades existentes quanto a aceitação da assistência social como forma de trabalho. Este artigo tem como objetivo fazer uma discussão a respeito das transformações societárias advindas do processo de acumulação do capital e o seu reflexo no trabalho do assistente social no mercado atualmente. Em seguida, apresentaremos uma reflexão sobre as transformações na sociedade e a sua relação com a crise do capital, assim como, as suas repercussões na sociedade brasileira. Tais discussões são necessárias para que compreendamos que mesmo com uma absorção dos profissionais de Serviço Social no mercado, ainda existam grandes taxas de desemprego e poucas melhorias nas condições de trabalhos destes profissionais. Palavras-chave: Trabalho. Crise do capital. Serviço Social ABSTRACT: Currently some authors as Netto (2007) and Antunes (2003, 2009) make an argument about the relationship between social work and work category, highlighting the disparities regarding acceptance as a form of social work. This article aims to make a discussion about the societal changes resulting from the process of capital accumulation and its reflection in the work of the social worker in the market today. Next, we present a reflection on the changes in society and its relationship to the crisis of capital, as well as their impact on Brazilian society. Such discussions are necessary for us to understand that even with an uptake of Social Service professionals in the market, there are still high rates of unemployment and little improvement in the conditions of work of these professionals. Keywords: Job. Crisis of capital. Social Service 1. Introdução 40 Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email [email protected] 41 Profa. Ma. do Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email: [email protected]; 42 Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email [email protected]; 43 Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email, [email protected]; III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1812 Este trabalho é o resultado de uma pesquisa sobre a metamorfose no processo de constituição do capitalismo contemporâneo a partir das mudanças que ocorreram no mundo do trabalho e suas consequências mais imediatas para a classe trabalhadora. As referências bibliográficas utilizadas para a sua elaboração são compostas principalmente pelas obras do autor Ricardo Antunes, sendo elas: “Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho” (2009), e o livro “Adeus ao trabalho?”, ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho” (2003). Na contemporaneidade existe uma discussão sobre a relação entre Serviço Social e a categoria trabalho, uma polêmica que permeia a profissão quanto a ser considerado trabalho ou não. Há uma discordância entre profissionais e estudiosos. Para alguns autores como Yolanda Guerra (1995) e Marilda Yamamoto (1982) o Serviço social é trabalho, considerado como uma profissão interventiva, pois, possui a finalidade de se utilizar de meios e instrumentos para a intervenção em seu objeto ou matéria-prima, ou seja, a questão social e as políticas sociais. Por outro lado, autores como Sergio Lessa (2003) se embasam nos estudos de Marx e Lukács para mostrar que Serviço Social não é trabalho. Na definição de Karl Marx só é trabalho se acontecer à relação entre homem e a natureza, por isso que, nesse sentido, o Serviço Social se enquadra como uma profissão em que não há a interação entre o homem e a natureza para se realizar determinados trabalhos. As transformações no mundo do trabalho foram marcadas decorrentes da crise de produção e da forma de acumulação do capitalismo. Essas crises contemporâneas implicaram e implicam em mudanças não apenas no mundo do trabalho, mas também na economia, na cultura entre outros aspectos. Os projetos e sujeitos com as transformações e redefinições do Estado e das políticas sociais, acabam desencadeando novas requisições e demandas ao trabalho do assistente social. Desta dimensão surge um aspecto estrutural da crise do capital, que resulta no conjunto de respostas imediatas à lógica do fim do capital e seus efeitos negativos para o metabolismo social. 2. Trabalho: transformação da natureza e constituição do ser social III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1813 Na base da atividade econômica está o trabalho, é ele que torna possível a produção de qualquer bem, criando valores que constituem a riqueza social. O trabalho é uma categoria que além de indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade (LESSA, 2003). As condições materiais de existência e reprodução da sociedade obtêm-se numa interação com a natureza: a sociedade, através dos seus membros, transforma matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada através da atividade a que denominamos trabalho. Portanto, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. O trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou esgota no trabalho, no ser social desenvolvido, o trabalho é uma das suas objetivações. O ato de produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho, é a partir do trabalho, em sua cotidianidade, que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas. 3. As repercussões da crise do trabalho A crise do capital apresentou mudanças econômicas, sociais, políticas e ideológicas que tiveram forte impacto no proletariado. Neste sentido, após um longo período de acumulação de capital, ocorrido durante o apogeu do Fordismo44 e da fase keynesiana45, o capitalismo, a partir do início dos anos 1970, começou a dar sinais de um quadro crítico, cujos traços mais evidentes foram: a queda da taxa de lucros; o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; a crise do Welfare State e o incremento acentuado das privatizações. 44 Fordismo é o nome dado ao modelo de produção automobilística em massa, instituído pelo norte americano Henry Ford. Esse método consistia em aumentar a produção através do aumento de eficiência e baixar o preço do produto, resultando no aumento das vendas que, por sua vez, iria permitir manter baixo o preço do produto. 45 A Escola Keynesiana ou Keynesianismo é a teoria econômica consolidada pelo economista inglês John Maynard Keynes em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (General theory of employment, interest and money) e que consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções neoliberalistas, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego. Tais teorias tiveram uma enorme influência na renovação das teorias clássicas e na reformulação da política de livre mercado. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1814 Essa crise estrutural trouxe a implementação de um amplo processo de reestruturação do capital, estruturado sobre o Taylorismo/Fordismo afetando fortemente o mundo do trabalho. O Taylorismo/Fordismo caracterizado pela exploração intensa do trabalhador baseava-se na produção em massa de mercadorias na indústria automobilística. Com a organização do trabalho taylorista/ fordista criou-se um sistema que procurava delimitar o campo da luta de classes, onde se buscava a obtenção dos elementos constitutivos do Welfare State, ou Estado de Bem Estar Social que representou para o proletariado, a garantia de ‘seguridade social’, gerando direta ou indiretamente um salário, garantindo de algum modo o direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação, entre outros. Entretanto, o ciclo de expansão e vigência do final da década de 1970 deu sinais de crise acentuando a luta de classes. As lutas por melhorias nas condições de trabalho e pelo controle social da produção tiveram papel determinante no rompimento da separação entre elaboração e execução, uma vez que reivindicaram uma maior participação do operariado na organização do trabalho. Durante o período em que estiveram sob domínio dos trabalhadores, as empresas alteraram as suas formas de funcionamento e reorganizaram-se intensamente. Percebeu-se então que, os operários eram capazes de controlar o funcionamento das empresas, eles demonstraram que, também, eram dotados de inteligência e capacidade organizacional, assim os capitalistas compreenderam que poderiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação e a capacidade de cooperação. Como resposta do capital à confrontação do mundo do trabalho desenvolveu-se a tecnologia eletrônica e os computadores, remodelando os sistemas de administração de empresa, implantando assim, um novo modelo de produção conhecida como toyotismo46, que passou a vigorar o operário como polivalente e multifuncional capaz de trabalhar com diversas máquinas simultaneamente. Portanto, com a derrota da luta operária pelo controle social da produção inicia-se a retomada do processo de reestruturação do capital. O ser humano tem idealizado em sua consciência a configuração que quer imprimir ao objeto do trabalho antes de sua realização, isto ressalta a capacidade teleológica do ser social. 46 Toyotismo é o modelo japonês de produção, criado pelo japonês Taiichi Ohno e implantado nas fábricas de automóveis Toyota, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o novo modelo era ideal para o cenário japonês, ou seja, um mercado menor, bem diferente dos mercados americano e europeu, que utilizavam os modelos de produção Fordista e Taylorista. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1815 De acordo com Antunes (2009), o trabalho é um ato consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto de determinadas finalidades e de determinados meios, isto destaca, a dimensão fundamental da subjetividade do ser, à dimensão teleológica. Segundo Marx (apud Antunes 2009), o trabalho é o ponto de partida do processo de humanização do ser social e ao se objetivar na sociedade capitalista torna-se degradado e aviltado, em suma torna-se estranhado. O que deveria ser a forma humana de realização do individuo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído, isso mostra a precariedade e a perversidade do trabalho na sociedade capitalista. Como resultante da forma do trabalho na sociedade capitalista tem-se a desrealização do ser social como resultado do processo de trabalho. Nesse caso, o produto aparece junto ao trabalhador como um ser alheio, como algo alheio e estranho ao produtor e que se tornou coisa. Tem-se, então, que essa realização efetiva do trabalho aparece como não efetivação do trabalhador. (ANTUNES, 2003). Seguindo as ideias desses autores, dentro do modelo capitalista o trabalhador repudia o trabalho, ou seja, não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas compulsório, trabalho forçado, não é a satisfação de uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. O estranhamento, enquanto expressão de uma relação social fundada na propriedade privada e no dinheiro é a abstração da natureza específica, pessoal do ser social, que atua como homem que se perdeu a si mesmo, desumanizado. (ANTUNES, 2003). No sistema capitalista tem-se que tudo é coisificado, ou seja, o individuo é tido como mero objeto, completamente alienado. O capitalismo controla o processo de trabalho extraindo o máximo de excedente da atividade do trabalhador, através da exploração da força de trabalho e da intensificação do ritmo de trabalho. 4. Serviço social e processo de trabalho O Serviço Social está inserido no processo de trabalho e consiste muitas vezes de grandes divergências, primeiro por parte dos próprios profissionais, depois, entre os estudiosos, criando uma linha divisória entre os que classificam o Serviço Social como trabalho e os que não classificam a profissão nesta categoria. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1816 O Serviço Social consiste em uma especialidade do trabalho coletivo, sua atuação como trabalho, cujo exercício profissional se dá mediante a inserção em processos de trabalho. De acordo com Lessa. O Serviço Social não se configura como um trabalho, pois não atua diretamente com a transformação dos recursos da natureza necessários para a reprodução social. Ele afirma que o Serviço Social se configura como um complexo social, responsável pela organização dos indivíduos para o trabalho. (2001, P.18) A relação de trabalhador assalariado do Assistente Social lhe enquadra na relação de compra e venda de sua força de trabalho, e na sua inserção sócio institucional na sociedade. Visto que estas relações de trabalho se transformam em relações desregulamentadas e flexibilizadas no processo produtivo. Nesta perspectiva, a ação profissional se posiciona em outra direção, pois agora o assistente social, também é um trabalhador assalariado, ou seja, ele vende sua força de trabalho para intermediar as relações coletivas de trabalho. No entanto, estas relações de trabalho envolvem os parâmetros institucionais e trabalhistas que direcionam as relações de trabalho e estabelecem as normas que regulam as relações coletivas nas instituições públicas e privadas. Identifica-se que a questão social se constitui como a gênese da organização social do sistema produtivo, cuja função do assistente social é trabalhar nos desdobramentos desta, visto que, busca seu respaldo na ética profissional. Para isto, devem possuir grande flexibilidade frente às mudanças do cotidiano na dinâmica da sociedade. Mudanças estas já vistas, como: o modo de vida, a cultura, as classes sociais, o cotidiano, os valores, as crenças, e políticas. No âmbito da sociedade capitalista o Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão que tem como detentores e panos de fundo o fortalecimento do sistema capitalista industrial e a expansão da urbanização. Tendo em vista que é diante desta efervescência do capital e do acentuado processo de urbanização que emerge as respostas sobre as exigências apresentadas pela realidade histórica, mas para tanto o maior contingente profissional vem das camadas médias da sociedade que também sofre com os impasses da política econômica amplamente desfavorável sobre os setores da sociedade. No campo das relações sociais, o Serviço Social contribui para a construção de uma sociedade que supere a contradição capital/trabalho, que despontencialize a questão social, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1817 pois, a intervenção profissional se consolida de forma diferenciada de acordo com o espaço sócio-ocupacional no qual o assistente social está inserido. Diante desta perspectiva o Serviço Social não atua de forma isolada com outros profissionais por está inserido em um processo coletivo de trabalho para atender as demandas postas pelo sistema capitalista. 4. Considerações finais Observamos que os aspectos societários na acumulação capitalista frente às formas do processo de trabalho na sociedade, cujo tema tem como foco as repercussões que refletem a crise do trabalho nas classes trabalhadoras, tiveram ainda têm repercussões em todo o processo de trabalho, pois, abrangem todas as categorias profissionais dentro do processo sócio histórico do capitalismo na contemporaneidade diante das crises do capitalismo. Nesse contexto, consideramos que a crise do capital trouxe vários questionamentos sobre o surgimento das lutas da classe trabalhadora em favor das expressões da questão social, que levou a regulamentação da profissão de Serviço Social e o controle social da sociedade. Referências ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2003, p.200. __________________Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. Ed. São Paulo: Bomtempo, 2009, p.287. GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1995. ________________ A instrumentalidade no trabalho do assistente social. http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf; Acesso em 10 de outubro de 2012. IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no Brasil - esboço de uma interpretação histórico metodológica. 2a. Ed. São Paulo: Cortez, 1982. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1818 LESSA, S. A materialidade do trabalho e o "trabalho imaterial". 2003 http://www.sergiolessa.com/artigos_02_07/trab_trabimaterial_2003.pdf Acesso em: 10 de outubro de 2012 __________ A Ontologia de Lukács. Edufal, 1996. NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992. __________________Economia política: uma introdução crítica. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2007. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1819 AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E OS IMPACTOS NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO Glaucia Maria de Oliveira Carvalho47 Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de problematizar a conjuntura de mercantilização do ensino superior brasileiro, situando a política educacional num processo mais amplo de contrarreforma estatal, direcionada pelo neoliberalismo, a política econômica dos organismos financeiros internacionais. Essa conjuntura tem transformado a educação superior em um dos setores de investimento mais lucrativos para o empresariado nacional e estrangeiro, mais nitidamente no âmbito do ensino à distância. Na materialização do trabalho utilizamos como aspecto metodológico a reflexão teórica, a partir da revisão literária e bibliográfica produzida no bojo da mais contemporânea produção intelectual crítica. Por conseguinte, sob essas vias, consubstanciamos que a educação passa a ter dupla função: produzir profissionais afeitos à lógica imperante e possibilitar a expansão desenfreada da acumulação do capital. Palavras-Chave: transformações societárias, neoliberalismo, reestruturação universitária. Introdução Nas últimas décadas o Ensino Superior brasileiro tem sido alvo de intenso processo de mercadorização, vez que se coloca como orientação dos organismos multilaterais como estratégia de expandir o acesso à educação aos setores mais pauperizados da população e como mecanismo para dinamizar a economia dos países periféricos acometidos pela conjuntura de crise do capital. Nesta perspectiva, sumariamos as transformações societárias e no mundo do trabalho que insurgem no final da década de 1970, direcionadas pela política econômica neoliberal, que impacta diretamente no bojo das políticas sociais, entre elas, a política de educação, foco do nosso estudo, que na transferência das atribuições estatais à esfera do mercado, deixa de ser um direito e se torna um serviço, para o cidadão que pode consumi-lo. Esse conjunto de iniciativas de desqualificação do repasse intelectual do conhecimento no ensino superior, tem se tornado a pedra-de-toque da ofensiva neoliberal, vez que não sendo mais prioridade do Estado, a educação passa a ter dupla função: produzir profissionais afeitos à lógica imperante e contribuir para a expansão desenfreada da acumulação do capital. 47 Universidade Estadual da Paraíba-UEPB (Mestranda em Serviço Social), TELEFONE: (83) 9611-7135, EMAIL: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1820 Para o empresariado da educação, o ensino privado seja ele presencial ou, especialmente, na modalidade à distância, se tornaram um dos nichos econômicos mais lucrativos para o capital, implantado através do discurso antidemocrático da oportunidade e do fácil acesso. Por conseguinte, à luz do pensamento crítico dialético, o texto pretende analisar a reforma da educação superior brasileira, enquanto um movimento inserido na dinâmica complexa de crise do capital e os rebatimentos desse processo na construção de uma universidade que deve atender aos anseios imediatos do mercado/capital. As transformações societárias contemporâneas Partindo do pressuposto que o trabalho é uma das categorias da obra marxiana que permite analisar no plano ontológico e reflexivo as relações sociais estabelecidas na dinâmica da sociedade capitalista, busca-se compreender as novas configurações do mundo do trabalho e, por conseguinte, a dinâmica imposta ao ensino superior. O trabalho é a categoria fundante do homem enquanto ser social e é a partir dele que o ser humano desenvolve suas potencialidades, portanto, a relação que este estabelece de interação com a natureza, para a satisfação de suas necessidades, é a condição material de existência e reprodução da sociedade (NETTO; BRAZ, 2010, p. 30). Assim, o percurso que nos detemos a assinalar corresponde às transformações societárias que ocorreram durante a década de 1970, marcado pelo fim dos “anos de ouro”48 do capital e seus desdobramentos na contemporaneidade. Por conseguinte, o referido contexto é permeado por uma brusca mudança na atuação do Estado e na esfera da produção/trabalho mais diretamente. Demarca, pois, uma ruptura com o modelo de Bem Estar Social que se desenvolveu durante o final da Segunda Guerra Mundial e perdurou até o início da década de 1970. Neste sentido, a conjuntura onde predominava as altas taxas de crescimento do capital em seu estágio monopolista, atrelado à intervenção do Estado, sob a inspiração das ideias de Keynes, e a organização do trabalho industrial fundamentado no taylorismo-fordismo, no 48 Expressão utilizada pioneiramente por Hobsbawm em sua obra Era do Extremos: o breve século XX, para caracterizar os anos de expansão capitalista durante o pós Segunda Guerra Mundial, até a crise do capital em 1970. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1821 âmbito dos países capitalistas centrais (SERRA, 2008, p. 203, ANTUNES, 1999, p. 36-37), seria substituída pelo modo de “acumulação flexível” (HARVEY, 2009). A autora Rose Serra (2008, p. 202-203) afirma que a expansão da pragmática neoliberal se constituiu como o pilar da transformação estrutural desse período, uma vez que as alternativas de enfrentamento à crise vieram sob as formas de privatizações e desregulações de todo tipo, da economia às relações trabalhistas, do mundo financeiro às regulações fiscais. Essa realidade vem derruir as conquistas da classe trabalhadora, uma vez que a garantia do pleno emprego e de políticas sociais universais são substituídos pelas formas mais bárbaras de precarização da vida social, traduzidas no “desemprego estrutural” e nas “políticas sociais de cunho focalizado, fragmentado e seletivo” (BERHING; BOSCHETTI, 2011, p. 156). Sob essa perspectiva, Netto e Braz (2010, p. 214) remetem que a “onda longa expansiva” pela qual passou o capitalismo durante esses trinta anos gloriosos, foi substituída por uma “onda longa recessiva”, onde as crises passaram a ser dominantes e não mais superficiais. Ademais, as consequências segundo os autores foram drásticas: [...] A taxa de lucro, rapidamente, começou a declinar: entre 1968 e 1973, ela cai, na Alemanha Ocidental, de 16, 3 para 14, 2%, na Grã-Bretanha, de 11,9 para 11,2%, na Itália de 14,2% para 12,1%, nos Estados Unidos, de 18,2 para 17,1% e, no Japão, de 26,2 para 20,3%. Também o crescimento econômico se reduziu: nenhum país capitalista central conseguiu manter as taxas do período anterior. Entre 1971 e 1973, dois detonadores [...] anunciaram que a ilusão do “capitalismo democrático” chegava ao fim: o colapso do ordenamento financeiro mundial, com a decisão norteamericana de desvincular o dólar do ouro (rompendo, pois, com os acordos de Bretton Woods que, após a Segunda Guerra Mundial, convencionaram o padrãoouro como lastro para o comércio internacional e a conversibilidade do dólar em ouro) e o choque do petróleo, com a alta dos preços determinada pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo/OPEP. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 213, grifos originais) O capital no marco dos monopólios implementa, portanto, uma estratégia política de desconstrução dos direitos sociais, acusando o movimento sindical e as políticas sociais de serem os responsáveis pela desestruturação dos gastos públicos nos anos de vigência do Welfare State, “essa ideologia legitima precisamente o projeto do capital monopolista de romper com as restrições sociopolíticas que limitam a sua liberdade de movimento” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 227). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1822 Deste modo, a “satanização do Estado” (NETTO, 2000, p. 17), consubstancia-se como estratégia fulcral do capitalismo na implementação das reformas estruturais orientadas pelos organismos multilaterais (FMI, BM), reformas que vêm perdendo o seu sentido etimológico, de conquistas de direitos, e passando a representar a supressão dos mesmos, por isso caracterizado pelos intelectuais críticos49 de contrarreforma50. Contrarreforma que tem início no processo de privatização pela qual passou o aparato estatal, na sua intervenção econômica direta, onde este “entregou ao grande capital, para exploração privada e lucrativa, complexos industriais inteiros [...] e serviços de primeira importância [...]” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 228). Conforme Antunes (1995), após a crise econômica vivenciada pelo capitalismo, foi gestado um novo padrão de produção, baseado na lógica destrutiva de flexibilização das relações trabalhistas, desde a contratação da força de trabalho às condições de objetivação do mesmo. Por conseguinte, a reestruturação produtiva, propiciada pela implementação do modo de produção toyotista e seu modelo de acumulação flexível51, encabeçada pelas demandas econômicas do referido contexto, passam a expressar e também exigir a flexibilização dos direitos do trabalho, como meio de aumentar os mecanismos de exploração da força de trabalho. Dessa forma, Antunes (2008) afirma que: As mutações que vêm ocorrendo no universo produtivo em escala global, sob o comando do chamado processo de globalização ou de mundialização do capital, vem combinando, de modo aparentemente paradoxal, a “era da informatização”, através do avanço tecnocientífico, com a “época da informalização”, isto é, uma precarização ilimitada do trabalho, que também atinge uma amplitude global. (ANTUNES, 2008, p. 48-49) 49 Netto e Braz (2010), Berhing (2008) entre outros. Termo utilizado por Behring (2008) e incorporado ao presente texto, posto que traduz o significado real da conjuntura político-econômica regida pelo neoliberalismo classificada de “reforma” e, da qual comungamos, que expressa, pois, “uma forte evocação do passado no pensamento neoliberal, bem como um aspecto realmente regressivo quando da implementação de seu receituário, na medida em que são observadas as condições de vida e de trabalho das maiorias, bem como as condições de participação política.” (p. 58-59). 51 Para Harvey (2009, p. 140) “A acumulação flexível [...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.” 50 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1823 Compreendemos, consequentemente, que as mudanças contemporâneas do trabalho originam-se de um momento histórico, caracterizado pela mundialização da economia marcada pela hegemonia do capital financeiro e pela revolução tecnológica e científica, as quais proporcionaram o estreitamento de laços internacionais e a dependência cada vez maior dos países considerados subdesenvolvidos aos desenvolvidos. Sob esse prisma, Netto e Braz (2010, p. 233-235) remetem que a financeirização passa a constituir o sistema nervoso do capitalismo, posto que reflete a instabilidade e os desequilíbrios da economia nessa terceira fase do estágio imperialista, ao mesmo tempo que evidencia como os países dependentes e periféricos tornaram-se exportadores de capital para os países centrais. Nessas vias, a ofensiva do capital sobre o trabalho tem impactos severos na vida da massa trabalhadora, tornando-os sujeitos expostos à subcontratação, à jornada de trabalho temporária, flexibilização do trabalho, informalidade, terceirização, ou seja, “[...] é somente a restauração de formas de exploração de homens e mulheres que o próprio capitalismo parecia ter superado” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 237, itálicos não originais). É marcante neste contexto, uma desenfreada transferência das responsabilidades estatais à sociedade, uma lógica de transformar o cidadão portador de direitos em “cidadãoconsumidor”52 (MOTA, 2008, p.115), satisfazendo suas necessidades no mercado, fazendo insurgir também as organizações do chamado “Terceiro Setor”53, no apelo ideológico do Estado movido pela participação e solidariedade social. Tais aspectos demarcam um caldo de cultura que reconfigura nitidamente a transferência de investimentos do fundo público para a esfera privada, nos termos de Netto: um Estado mínimo para o social e máximo para o capital (2007, p. 81; 2009, p. 25). Os impactos da implementação da ideologia neoliberal nas economias capitalistas periféricas tiveram suas peculiaridades, uma vez que alguns países como é o caso do Brasil, não passaram pela conjuntura socioeconômica de Bem Estar Social. Termo Utilizado por Mota (2008), “[...] em seu estudo acerca das tendências da seguridade social brasileira no contexto do avanço da hegemonia do capital por meio do fomento de uma cultura da crise [...]” (BERHING, 2008, p. 251). 53 Segundo Montaño (2010, p. 14), o Terceiro Setor é uma construção ideológica que concebe a sociedade subdividida em três setores (respectivamente, Estado, Mercado e Sociedade Civil) e, caracteriza um fenômeno que envolve as instituições e as organizações não governamentais (ONGs), sem fins lucrativos (OSFL), instituições filantrópicas, empresas cidadãs, entre outras, e sujeitos individuais voluntários ou não. 52 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1824 A contrarreforma brasileira no contexto da crise capitalista A implementação do neoliberalismo no Brasil se deu por vias completamente adversas do que se configurou nos países de capitalismo central, ainda que mantendo suas características essenciais, o que cabe sinalizar, inicialmente, que a formação socioeconômica do país influenciou para esta distinção no âmbito de sua inserção na dinâmica capitalista no marco dos monopólios. Neste sentido, Netto (1996, p. 104) acrescenta que à particularidade brasileira, colocada face ao projeto neoliberal apresenta feições singulares, dentre as quais vale assinalar: [...] Não há, aqui, um Welfare State a destruir; a efetividade dos direitos sociais é residual; não há “gorduras” nos gastos sociais de um país com indicadores sociais que temos – indicadores absurdamente assimétricos à capacidade industrial instalada, à produtividade do trabalho, aos níveis de desenvolvimento dos sistemas de comunicação e às efetivas demandas e possibilidades (naturais e humanas) do Brasil. [...] (NETTO, 1996, p. 104) Assim, Behring aponta que Fernandes periodiza o desenvolvimento brasileiro em três fases: a primeira concerne à eclosão de um mercado capitalista especificamente moderno, um padrão neocolonial de desenvolvimento, que iria da abertura dos portos até meados dos anos 1860, marcado pelo enlace entre a economia interna e o mercado mundial, articulado ao escravismo; a segunda fase é a de formação e expansão do capitalismo competitivo, na qual o sistema econômico se diferencia, inclusive com a fixação das bases da industrialização que vai da década de 1860 até a década de 1950; e, a terceira fase é a de irrupção do capitalismo monopolista, marcada pelas operações comerciais, financeiras e industriais das grandes corporações no país, que se acentua nos anos 1950 e adquire caráter estrutural após o golpe de 1964 (2008, p. 103). A autora assinala que, após a segunda fase delineada por Fernandes, tornou-se perceptível o fato de que aqui houve o “desenvolvimento de um mercado competitivo induzido de fora, adaptando a economia brasileira aos dinamismos das economias centrais, mas sem desencadear maiores possibilidades de autonomia” (2008, p. 103). As consequências desse desenvolvimento para o país ficaram expressas na gritante desigualdade social e racial que cresciam, em prol dos interesses capitalistas em extrair lucro III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1825 das economias periféricas e, estrategicamente, mantê-las sempre na condicionalidade de subordinação ao capital externo. Logo, Oliveira (2003, p. 49-50), aponta que a industrialização no referido país se deu visando atender às necessidades da acumulação, fundamentado na ideologia desenvolvimentista, que apontava serem os países periféricos “subdesenvolvidos”, conceito estratégico à expansão do capitalismo para estas regiões. No entanto, a industrialização tardia do Brasil se desenvolveu num período em que a acumulação já disponibilizava de trabalho morto, ou seja, de um arsenal tecnológico que foi transferido pelos países centrais, possibilitando desta maneira, que nos países periféricos fossem puladas etapas do processo de produção industrial. (OLIVEIRA, 2003, p. 67) Destarte, a consolidação do capitalismo monopolista no Brasil se dá via autocracia burguesa54, uma “visão tecnocrática da democracia restrita” (BEHRING, 2008, p. 105), proveniente da articulação entre iniciativa privada e mercado mundial, no pós-64, combinada à orientação modernizadora de um governo forte, num Estado sincrético, autocrático e oligárquico. (Idem, p. 106) Sob esse ângulo, Netto (2010, p. 16) aborda que o golpe Militar de 1964, a “contrarrevolução preventiva”, tinha finalidades estrategicamente articuladas de adequar os padrões de desenvolvimento nacionais e de grupos de países ao novo quadro do interrelacionamento econômico capitalista, marcado por um ritmo e uma profundidade maiores da internacionalização do capital; golpear e imobilizar os protagonistas sociopolíticos habilitados a resistir a esta reinserção mais subalterna no sistema capitalista; e, enfim, dinamizar em todos os quadrantes as tendências que podiam ser catalisadas contra a revolução e o socialismo. Desta maneira, ainda conforme o autor, essa conjuntura permite ao país a reafirmação da heteronomia, da exclusão e das soluções pelo alto, possibilitadas pela atuação antinacional e antidemocrática desenvolvidas pelo Estado, que ao invés de criar novas formas de desenvolvimento econômico, refuncionou o modelo latifundiário já existente. As características do que Netto (2010, p. 31) classificou como “modernização conservadora” tem finalidades claras de acentuar o poder de concentração e centralização: 54 Termo cunhado por Florestan Fernandes em sua obra A Revolução Burguesa no Brasil. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1826 [...] a internalização e a territorialização do imperialismo; uma concentração tal da propriedade e da renda que engendrou uma oligarquia financeira; um padrão de industrialização na retaguarda tecnológica e vocacionado para fomentar e atender demandas enormemente elitizadas no mercado interno e direcionados desde e para o exterior; a constituição de uma estrutura de classes fortemente polarizada apesar de muito complexa; um processo de pauperização relativa praticamente sem precedentes no mundo contemporâneo; a acentuação vigorosa da concentração geopolítica das riquezas sociais, aprofundando brutais desigualdades regionais. [...] (NETTO, 2010, p. 32) Com efeito, todo esse processo foi acompanhado também pela repressão e enquadramento da política educacional, especialmente voltada ao mundo da cultura e ao meio universitário, visando à propagação da doutrina ideológica de segurança nacional apregoada pelo desfecho militar-fascista/ditatorial-terrorista desencadeado durante a segunda metade da década de sessenta, mais notadamente a partir dos anos 1968, acompanhado de inúmeras “reformas”, de cunho privatizante. (Idem, p. 53-68) No entanto, foge ao objetivo deste trabalho se esgotar detalhadamente no que consistiu o processo de instauração e as consequências da autocracia burguesa no Brasil, mas apenas incipientemente, como peculiaridade inerente à formação social e econômica brasileira até o espraiamento da ideologia neoliberal55. Neste sentido, na década de 1980 tem-se o agravamento da dívida externa, com o aumento das taxas de juros por parte dos credores, bem como a queda das exportações de matérias-primas nos países latino-americanos, entre eles o Brasil, ocorrendo, desta forma, um estrangulamento da economia nestes países (BEHRING, 2008, p. 134). Sem embargo, tem-se o espraiamento do crescimento da estagnação do centro para a periferia do capital, estava anunciada a crise da Ditadura Militar, pondo em xeque a deslegitimação deste modelo de governo e, a entrada da possibilidade da transição democrática. O primeiro divisor de águas foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 que, de acordo com Behring (2008, p. 143) se constituiu num “processo duro de mobilizações e contramobilizações de projetos e interesses mais específicos, configurando campos definidos de forças.” Nesse contexto, Collor assume o governo com a promessa de deter a inflação, com medidas de orientação explicitamente neoliberais, colocando em andamento reformas 55 Para um estudo mais detalhado sobre a autocracia burguesa ver Netto (2010). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1827 estruturais. De acordo com Mota (2008, p. 106) suas prioridades foram a reforma administrativa, entendida como medida saneadora das instituições governamentais, a privatização das empresas estatais, como meio de retirar algumas áreas produtivas da esfera estatal, e a reforma da previdência social, como medida de equilíbrio do orçamento fiscal e adequação à situação do emprego na crise. De fato, o referido presidente foi o precursor da contrarreforma neoliberal no Brasil, uma vez que “preconizou as reformas orientadas para o mercado como complemento do processo de modernização, tendo em vista a recuperação da sua capacidade financeira e gerencial” (BEHRING, 2008, p. 153). Neste aspecto, Netto corrobora que: [...] Aqui, um projeto burguês de hegemonia não pode, com a rude franqueza da Sra. Thatcher, incorporar abertamente a programática compatível com a “desregulamentação” e a “flexibilização” – deve travestir-se, mascarar-se com uma retórica não de individualismo, mas de “solidariedade”, não de rentabilidade, mas de “competência”, não de redução das coberturas, mas de “justiça”. E por mais que suas práticas estejam dirigidas à “desregulamentação” e à “flexibilização”, seu escamoteado neoliberalismo também deve ser matizado [...]. (NETTO, 1996, p. 104) O descontentamento das amplas camadas sociais levou ao Impeachment de Collor, levando a ascensão de Itamar Franco à presidência, este contando com o apoio do então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso para a implementação do Plano Real, patrocinado pelos organismos internacionais participantes do Consenso de Washington. Tal implementação foi o principal motivo da eleição de FHC, que usou da dura “pedagogia da inflação” (BEHRING, 2008, p. 155), acompanhada do cansaço da população em relação à superinflação e à instabilidade política da época, além das exigências da mundialização, assegurando, sobremaneira, os gestores da nova política econômica56. Sob esse prisma, todo esse jogo político-econômico ocasionou vantagens às empresas por meio das renúncias fiscais, ao passo que se criou uma situação de crescimento econômico 56 Segundo Behring (2008, p. 157) os impactos do Plano Real foram: o bloqueio de qualquer possibilidade de desconcentração de renda; uma desproporção entre a acumulação especulativa e a base produtiva real, cujo custo recai sobre o Estado na forma de crise fiscal e compreensão dos gastos públicos em serviços essenciais; alienação e desnacionalização do patrimônio público construído nos últimos cinquenta anos; um remanejamento patrimonial de grandes proporções e com fortes consequências políticas; inibição do crédito e inadimplência dos devedores; mudança no perfil do investimento das indústrias que tende a ser em redução de custos e manutenção, mas não em ampliação da base, em virtude dos riscos. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1828 restrito e, uma forte onda de desemprego estrutural, que não foi absorvido sequer pelo setor de serviços, intensificando a informalidade e o crime organizado. (BEHRING, 2008, p. 160) À política social, tornada “nicho incômodo” (LESSA et al, 1997 apud BEHRING, 2008, p. 160), resta lidar com as consequências do aumento do desemprego, que tende a demandar por serviços sociais, estes por sua vez tornados flexibilizados, privatizados e seletivos em decorrência do ajuste neoliberal, que preconiza o corte com os gastos públicos. Neste sentido, “o lugar da política social no Estado social-liberal57 é deslocado: os serviços de educação, dentre outros, serão contratados e executados por organizações públicas não-estatais competitivas” (BEHRING, 2008, p. 173). Tais aspectos seguem o raciocínio expresso no Plano Diretor da Reforma do Estado, direcionado pelo ministro Bresser Pereira, com reformas totalmente orientadas para o mercado, estabelecendo, portanto, uma crítica ao modelo de Estado desenvolvimentista, de Estado comunista e o Welfare State, onde conforme o mesmo estariam localizadas as causas da crise. (BEHRING, 2008, p. 172-173) Tal conjuntura assenta suas bases nos argumentos de que a crise brasileira foi uma crise do Estado, que ao desviar-se da execução de suas funções básicas, ocasionou a deterioração dos serviços públicos e, consequentemente o agravamento da crise fiscal e da inflação. (BEHRING, 2008, p.177) A solução, conforme Bresser Pereira (1996, apud BEHRING, 2008, p. 176), seria um pacto de modernização, voltado à Reforma Gerencial do Estado – que nada teria de moderno – com reformas econômicas voltadas para o mercado, acompanhadas de intensas privatizações, no intuito de fortalecer a competitividade da indústria nacional. A “reforma” do governo Cardoso propõe a redefinição do papel do Estado, onde de acordo com Behring (2008, p. 178) se passaria para o setor privado as atividades que poderiam ser controladas pelo mercado, ou até a descentralização de atividades que podem ser apenas subsidiadas pelo Estado, para o “setor público não-estatal”, num processo caracterizado de publicização. Conforme Bresser Pereira (1996 apud BEHRING, 2008, p. 173) “É um Estado social-liberal porque está comprometido com a defesa e a implementação dos direitos sociais definidos no século XIX, mas é também liberal porque acredita no mercado porque se integra no processo de globalização em curso, com o qual a competição internacional ganhou uma amplitude e uma intensidade historicamente novas, porque é resultado de reformas orientadas para o mercado.”, tendo em vista que o neoliberalismo no Brasil é implementado travestido de “justiça social”. 57 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1829 A flexibilização passa a ser o elemento da contrarreforma usado como combatente do desemprego, e como aquela que reduz os entraves à modernização e à competitividade da indústria nacional, a partir da redução do custo do trabalho, no intuito de atrair investidores estrangeiros sob os auspícios da redução de encargos. (BEHRING, 2008, p. 220) Entretanto, Behring (2008, p. 234-235) coloca que ao contrário do que preconizava a política econômica do governo supramencionado, a flexibilização trouxe trágicas consequências ao trabalhador, com o aumento do desemprego, precarização das relações de trabalho, aumento da informalidade, bem como o desmantelamento de direitos, especificamente da legislação trabalhista, das condições de trabalho e, uma “passivização” do trabalhador (MOTA; AMARAL, 2008, p. 39), expressa no “consentimento ativo” e no processo de fragilização/cooptação dos movimentos sociais das classes subalternas. Há ainda, uma crescente lógica de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho em cooperativas, modelos de produção fundamentados na ideia de negócio próprio onde o trabalhador se torna o patrão, mas que mascara a realidade de insegurança social a que ficam expostos. Não obstante, os governos que seguiram a gestão de FHC na presidência, Lula da Silva e atualmente Dilma Rousseff, vieram a dar continuidade ao desmantelamento das políticas sociais que se iniciaram na década de 1990 com Collor e foram aprimoradas por Cardoso, sob a égide da pragmática econômica neoliberal. A Reforma Universitária que teve início em 1968, sob a Ditadura Militar, passa por um novo processo em 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), que amplia a privatização do ensino superior no Brasil, e posteriormente, com o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), já no governo Lula da Silva. A reestruturação do Ensino Superior no Brasil Pensar o processo de mercantilização do Ensino Superior requer perceber os rumos que a política educacional brasileira vem tomando a partir da implementação da ideologia neoliberal e, que essa direção faz parte de um processo mais amplo de reforma do Estado, que no Ensino Superior se inicia durante o período ditatorial acirrando-se durante os anos 1990. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1830 Por conseguinte, a Ditadura Militar, conforme Ribeiro (2009, p. 88), possibilitou os primeiros passos para a privatização do ensino superior brasileiro, onde sob o governo de Costa e Silva ocorreu a Reforma Universitária de 1968, promovida pela política educacional. Netto (2010, p. 55), coloca que a “reforma” pela qual a universidade passa durante o regime militar, é proveniente da alteração na estrutura da demanda social por educação institucional. O autor continua: [...] seus condicionamentos societários mais fortes provêm das exigências e implicações do padrão de desenvolvimento vinculado à industrialização pesada – de uma parte, uma qualificação distinta para a força de trabalho e, doutra, as consequências da urbanização. No seu aspecto quantitativo, esta alteração se evidencia pela crescente magnitude dos contingentes que pressionam o sistema educacional e que tem um de seus picos (globais) precisamente na segunda metade da década de sessenta. [...] (NETTO, 2010, p. 55, grifos originais) A educação universitária passa, portanto, a representar a qualificação da mão-de-obra, ao mesmo tempo em que expressa as demandas das camadas médias urbanas, de obter ascensão econômica, política e social. A crise do sistema educacional, resultante da crescente demanda universitária, possibilitou o protagonismo do movimento estudantil entre os anos 1967-1968 colocando a educação como questão prioritária. (NETTO, 2010, p. 56) Essa conjuntura no auge da autocracia burguesa e das intervenções repressivas do Estado militar-fascista, consequentemente viabilizou o controle e o enquadramento do sistema educacional (NETTO, 2010, p. 56). Está posta a refuncionalização da educação ao modelo econômico direcionado pela autocracia, e todas as consequências repressivas a ele inerente58. Sem embrago, o autor supracitado (2010, p. 62) considera que a política educacional da ditadura transformou o ensino superior num setor para investimentos capitalistas privados extremamente rentáveis. Deste modo: [...] a chamada livre iniciativa encontrou aí um de seus vários paraísos, estabelecendo as suas universidades – o que não impediu, por vários canais, que nelas fossem injetados vultuosos recursos públicos -, preferencialmente frequentadas (e pagas) por alunos oriundos e/ou situados dos/nos níveis socioeconômicos inferiores [...]. (NETTO, 2010, p. 62-63, grifos originais) 58 De acordo com Netto (2010, p. 58), a intimidação e repressão do corpo docente e discente, ilegalização da União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras medidas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1831 Assim, a universidade que se gestou no pós-68 foi uma universidade neutralizada, esvaziada, reprodutiva e asséptica, hábil a produzir profissionais afeitos à lógica formalburocrática (NETTO, 2010, p. 66-67), subjacente ao ordenamento tecnocrático da ditadura. Logo, o Ensino Superior passou por uma significativa perda de sua capacidade críticopropositiva, servindo para a legitimação ideológica do regime autocrático burguês, perdurando até a possibilidade da transição democrática. A reforma administrativa do aparelho estatal, sob os ditames da política neoliberal, apenas acentuou o que se iniciou durante a autocracia burguesa, certo que de forma mais voraz, especialmente no governo Cardoso, dirigida pelo ministro Bresser Pereira. Por conseguinte, o governo FHC apenas deu continuidade ao processo iniciado por Collor e Itamar Franco, em atender aos ditames neoliberais de, através da educação, produzir um trabalhador que contribua para a superação da crise capitalista, subordinando a escola aos interesses empresariais do capital. (NEVES, 1999, p. 134) Todavia, Netto (2000, p. 27) consubstancia que não foi somente uma imposição dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial, que direcionaram a contrarreforma do Ensino Superior no Brasil, mas o fato de que aqui há uma perfeita sincronia entre os interesses do capital estrangeiro e das elites brasileiras. Pois bem, tais organismos referem que a universidade latino-americana, dentre elas a brasileira, passa por um processo de deterioração das instituições de ensino, quanto à estrutura física, e aos recursos para materiais didáticos em geral, bem como a ineficiência no uso destes recursos, relacionada à utilização em programas que não são considerados gastos educacionais como, por exemplo, a assistência estudantil, preconizando que a prioridade dos gastos estatais deveriam ser direcionados ao ensino básico e secundário (IAMAMOTO, 2000, p. 39-40). Desta forma, o governo Cardoso operou a contrarreforma do Ensino Superior, modificando o arcabouço normativo da educação, a gestão do sistema educacional, o conteúdo curricular, recorrendo ao uso de decretos e ao consenso ativo da população, até então excluída desse nível de ensino, conforme aponta Neves (1999, p. 135). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) foi a política educacional que deu sustentação ao projeto de reforma do III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1832 referido governo, tendo em vista que preconiza a educação superior voltada ao mercado, favorecendo a mercantilização do ensino em seus mais variados níveis. Iamamoto (2000, p. 36) afirma que a regulamentação da LDB se deu sob um processo de expedição de leis, medidas provisórias, decretos, emendas constitucionais, resoluções e portarias do Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e de seu órgão assessor, o Conselho Nacional de Educação (CNE), viabilizando o processo de flexibilização da educação e a privatização acelerada das Instituições de Ensino Superior. O autor Netto (2000) enfatiza ainda que a política do ensino superior, nas bases definidas pela LDB possui cinco traços: [...] o primeiro traço é o desavergonhado favorecimento à expansão do privatismo [...] a transformação do ensino superior em área de investimento capital [...]; o segundo traço é a liquidação, na academia, da relação ensino/pesquisa e extensão [...]; o terceiro traço dessa política – a supressão do caráter universalista da universidade [...]; o quarto traço está vinculado ao nexo organizador da vida universitária – a subordinação dos objetivos universitários às demandas do mercado, o mercado passa a ser uma das referências da vida acadêmica porque passa a legitimar a eficácia universitária [...]; o quinto traço, trata-se [...] da redução do grau da autonomia universitária [...]. (NETTO, 2000, p. 27-29) Esses traços apontados pelo autor remetem ao processo de desconstrução da universidade pública, laica, gratuita e de qualidade, em detrimento de uma universidade tecnocrática, parasitária e burocratizada (herdada da Ditadura), funcional ao capital e ao processo vigente de mercadorização do ensino superior brasileiro. Assim, Boschetti (2000, p. 85) refere que as medidas adotadas pelo Estado nas Instituições de Ensino Superior públicas, para instigar a expansão das IES privadas, rebatem no estímulo às aposentadorias precoces, a proibição da realização de concursos públicos, a restrição de recursos destinados à manutenção e preservação dos espaços físicos, equipamentos e acervo bibliográfico, a redução de quotas (sic) de bolsas e financiamento para pesquisas e extensão, a ausência de aumentos salariais, o que provoca a transferência do quadro docente titulado e qualificado para as instituições particulares. De fato, todas as limitações que os organismos internacionais vêm apontando como problemáticas no âmbito da universidade pública se torna um incentivo para a deterioração cada vez mais acirrada destas instituições, em prol de uma política que desfaz o III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1833 comprometimento com a formação cidadã e a transforma em formação voltada para o mercado. Essa realidade traduz a leitura que o Banco Mundial e seus aliados têm do ensino superior, segundo os mesmos critérios utilizados no mundo empresarial, conforme Iamamoto (2000, p. 40) o “custo/benefício, a eficácia/inoperância e produtividade”. Assim, a autora coaduna que as universidades privadas regidas por critérios empresariais, são tidas como a referência organizacional, sendo consideradas mais ágeis, eficientes, financeiramente equilibradas, por apresentarem maior diferenciação institucional e menor índice de conflitos e tensões políticas (Idem, Ibidem). Isso rebate seriamente no processo educacional, que seguindo o que é posto pelo Banco Mundial, além de tornar o ensino uma mercadoria, é precarizado em todos os âmbitos, especialmente se visto através do pano de fundo do ensino à distância59, que traz consigo o “fetiche da ampliação do acesso e do aumento do índice de escolarização, mascarando dois fenômenos que vêm ocorrendo nos países periféricos: o aligeiramento da formação profissional e o processo de certificação em larga escala” (LIMA, 2008, p. 19). O aligeiramento do ensino via educação à distância, conforme Guerra (2010a, p. 728) é um dos “novos nichos de mercado cobiçado por empresários dos setores nacionais e estrangeiros”, que tem se utilizado da flexibilização do MEC à essa modalidade de ensino, tornando assim, as universidades “fábricas de diplomas”. Logo, a educação à distância na lógica da política regida pelo Banco Mundial e pelos demais organismos financeiros internacionais tem a finalidade de atender às demandas educacionais dos segmentos populacionais pauperizados, ou seja, como coloca Lima, “tais cursos são direcionados aos trabalhadores e filhos de trabalhadores da periferia do capitalismo” (2008, p. 21). Assim, a autora (2008, p. 24) ressalta ainda que, a imposição dessa modalidade de ensino via “ampliação do acesso” aos segmentos mais pobres é uma estratégia dos países capitalistas centrais que têm no ensino à distância um mercado altamente lucrativo e que concentra praticamente a totalidade das empresas produtoras das Tecnologias da Informação e 59 O ensino à distância tem respaldo legal na LDB (Lei 9.394 de 20/12/1996) em seu artigo de número 80, que incumbe ao Poder Público a determinação de incentivar o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1834 da Comunicação (TIC). Tais peculiaridades acabam por reforçar, sob um verniz democratizante, a mercantilização do ensino superior. (DAHMER, 2008, p. 43) Neste sentido, é que Chauí atenta a essa problemática denominou certeiramente o que seriam as “universidades operacionais”, geridas no processo de contrarreforma universitária, onde a educação, como outras políticas deixam de ser prioridade do Estado, o que significa dizer: “a) que a educação deixou de ser concebida como um direito e passou a ser considerada um serviço; b) que a educação deixou de ser considerada um serviço público e passou a ser considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado” (2003, p. 2). A autora supracitada coloca que a atual configuração do ensino transforma a universidade em “organização social”60, desvirtuando-a de sua forma tradicional de “instituição social” voltada para a universalidade e, reconfigurado-a como uma prática social voltada para interesses particulares (2003, p. 2-3). Destarte, a universidade nesses moldes, impulsionada por um pensamento pósmoderno61, transforma o processo de formação profissional num conjunto esvaziado de uma dimensão crítica, sem o aporte do tripé essencial ensino-pesquisa-extensão. Têm-se, portanto, um reforço ao pragmatismo e ao burocratismo. Neste sentido, Neves (1999, p. 141) aponta que a promulgação do decreto 2.207 (de 15/04/1997) que regulamenta o Sistema Federal de Ensino estabelece que as IES públicas e privadas se organizem em cinco modalidades, entre elas, universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades, e institutos ou escolas superiores, sendo que somente as universidades possuem a obrigatoriedade da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A universidade enquanto “organização social” é “regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microrganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual” (CHAUÍ, 1999a, p. 05). 60 61 Jameson (1996 apud BEHRING, 2008, p. 68) corrobora que a pós-modernidade é uma dominante cultural que promove uma crise da historicidade, na qual a produção cultural apresenta-se como um amontoado de fragmentos, uma prática de heterogeneidade e do aleatório é, pois, um pensamento que permeia a construção ideológica que o neoliberalismo necessita para sua consolidação e espraiamento. Contudo, foge ao objetivo do presente trabalho o estudo aprofundado das tendências pós-modernas no seio da produção intelectual da categoria profissional de Serviço Social, sendo elencada apenas em nível de esclarecimento teórico. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1835 Por conseguinte, a consequência desse rebaixamento na formação é uma universidade esvaziada intelectual e culturalmente, que atende fielmente aos anseios do capital e sua lógica monopólica de mercantilização do ensino. Vale mencionar ainda, a continuidade que a reestruturação universitária perpassou durante o Governo Lula da Silva, com referido destaque ao Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), a implementação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES)62 e a expansão das IES na modalidade à distância. O ProUni, segundo Yolanda Guerra (2010, p. 727) foi criado em 2004, e consiste na concessão de bolsas de estudo integral ou parcial em universidades particulares e em cursos sequenciais, promovendo a isenção de impostos às unidades de ensino concedentes. Desde 2005, as renúncias fiscais com ProUni somam mais de 3 bilhões de reais (Brasil de Fato, 2013, p. 5). O Reuni, segundo a referida autora, tem como objetivo dotar as universidades federais das condições necessárias para a ampliação do acesso e a permanência dos estudantes na educação superior. Conforme Silva (2010, p.418), no caso do Reuni a realidade é a seguinte, “vem ocorrendo em condições de infraestrutura precárias, condições de trabalho inadequadas, quadros de docentes e técnico-administrativos insuficientes, ausência de políticas de assistência estudantil e plano de qualificação docente”. Todavia, tais programas são resultantes da Parceria Público-Privado (PPP) firmada pelo governo Lula, que redefinem o dever do Estado na realização do direito universal à educação, ampliando a esfera privada em detrimento da pública (LEHER; SADER, s/d, p. 12). Castro (2010, p. 203), afirma que o Ensino Público Superior Brasileiro é um dos mais elitistas e um dos mais privatizados na América Latina, apresentando cerca de 90% de instituições privadas e apenas 10% públicas, com 73% das matrículas no setor privado e apenas 27% no setor público. 62 O Fies atende hoje 871 mil universitários em todo o país (Brasil de Fato, 2013, p. 5). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1836 De acordo com o Censo da Educação Superior 2011 do MEC, em matéria publicada no mês de abril do corrente ano no Jornal Brasil de Fato (2013, p.5), das 2.365 instituições de ensino superior no Brasil, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas, o que corrobora os dados anteriormente elencados por Castro. A autora supramencionada remete que com as reformas educacionais a universidade privada passa a ser um captador do mercado, e a Universidade Aberta criada pelo governo Federal passa a ser um disseminador nas Universidades Públicas do Ensino à distância, tendo em vista a meta do governo em “inserir” 30% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior (CASTRO, 2010, p. 207; BEHRING, 2000, p. 103). Ademais, conforme Leher (2004, p. 9) o discurso da democratização do ensino é absorvido pela sociedade possibilitando uma massificação desqualificada do ensino, onde ocorre uma educação pobre para os segmentos mais pauperizados da população, ou seja, uma educação aligeirada e minimalista, com ênfase nos processos pragmáticos e nas ideias imediatistas. Ou seja, tem-se uma refuncionalização da educação por meio do atendimento aos anseios do capital em cooptar a subjetividade dos sujeitos a partir da produção de conhecimento intrinsecamente voltada aos interesses mercantis, ao passo em que dilui as fronteiras entre o público e o privado que no âmbito da educação passam a representar um único sistema, já que ambas as esferas recebem recursos do Estado (LEHER; SADER, s/d, p. 13). Por conseguinte, conforme Leher e Sader (s/d, p. 18, grifos não originais) como resultado desse processo “em lugar de formação a meta agora é o adestramento profissional aligeirado ou a formação por competências”. Koike confirma essa realidade mercantilizada com os números levantados pelo empresariado da educação no país, onde “[...] a movimentação financeira da educação superior, em 2003, foi de R$ 45 bilhões e para as empresas que negociam no setor o lucro foi de 15 bilhões” (ILAESE, 2004, apud KOIKE, 2009, p. 205, grifos não originais). A mesma aponta ainda que o mercado e a inovação tecnológica referenciam a reforma educacional, onde a lógica é de que o mercado democratiza o acesso, a democracia aqui é vista como poder de compra, e a inovação tecnológica tida como meio e finalidade da III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1837 educação por uma espécie de virtualidade intrínseca, que asseguraria a inserção social (2009, p. 205) Conforme Mészáros, uma das principais funções da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (2008, p. 45). Nessa conjuntura é perceptível que a lógica mercadológica do ensino faz parte do processo mais amplo de contrarreforma universitária que rebate diretamente na formação de novos quadros profissionais, pelas vias da precarização e na formação em larga escala de sujeitos desprovidos de uma base teórico-metodológica crítica. Considerações Finais A reestruturação do ensino superior no Brasil direcionada pelos organismos multilaterais nos anos 1990, alegando ser a universidade perdulária e elitista, carrega consigo o discurso da democratização do ensino, além de torná-lo mercadoria, incorporando os anseios provenientes da formação tecnológica, apta a instrumentalizar a educação, para atender as demandas imediatas do mercado de trabalho contribuindo para a acumulação capitalística e para a formação de sujeitos afeitos à lógica operante. Tal fator afasta, consequentemente, a dimensão do direito à universidade pública, tornando-se o “Canto da Sereia” (SANTOS; ABREU, 2011, p. 132) aos setores populares que não chegavam à universidade, sob a roupagem do acesso, que desvincula a função precípua da educação superior de socialização do conhecimento, através de atividades que envolvam o tripé ensino-pesquisa-extensão. É sob esse prisma que comungamos da ideia expressa por Mészáros, quando afirma que no âmbito educacional as soluções não podem ser formais, elas devem ser essenciais, deve abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida; o que precisa ser confrontado é todo o sistema de internalização estabelecido na educação formal, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas; romper com a lógica do capital na área da educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa concreta e abrangente (2008, p. 45-47). Referências III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1838 ANTUNES, Ricardo. As formas contemporâneas de trabalho e a desconstrução dos direitos sociais. In: SILVA E SILVA, Maria Ozanira; YASBEK, Maria Carmelita (orgs). 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Como resultado, destacamos a relevância da disciplina para a compreensão dos aspectos sócio-históricos da sociedade brasileira, como também, a percepção dos (as) alunos (as) na implementação da ementa da disciplina analisada. Palavras-chave: Disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil, Diretrizes Curriculares, Projeto Político Pedagógico. 1. Introdução O presente artigo tem por objetivo analisar a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil no currículo do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE), que apresenta como objetivo apreender o processo de constituição sóciohistórica da sociedade brasileira. Expomos dados consolidados da pesquisa intitulada “História dos 60 anos do Curso de Serviço Social no Ceará: particularidades da formação profissional na UECE”66. Como trajetória metodológica, recorremos à utilização de pesquisa bibliográfica, através da revisão de literatura de autores que ofereceram suporte teórico para 63 Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL: [email protected], Tel: 85-87214965. 64 Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL: [email protected], Tel: 85-8585-6168. 65 Profa. Dra. do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL: [email protected], Tel: 85- 8706-0105. 66 O Laboratório de Pesquisas e Estudos em Serviço Social (LAPESS) realiza a pesquisa “História dos 60 anos do Curso de Serviço Social no Ceará: particularidades da formação profissional na Universidade Estadual do Ceará” que tem como objetivo analisar o processo histórico da formação acadêmica do Serviço Social no Estado do Ceará no período de 1970 a 2015. Este artigo apresenta dados consolidados da segunda fase da pesquisa que vem acompanhando as turmas da manhã e da noite de 2011.2 até a conclusão do curso em 2015, (a primeira turma com semestre regular depois das greves de 2006, 2007 e 2008 na UECE). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1843 as discussões apresentadas; pesquisa documental nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS, no Projeto Político Pedagógico, na ementa da disciplina de Formação Sócio-Histórica do Brasil do curso; e pesquisa de campo, por meio da aplicação de cinquenta e dois questionários com perguntas abertas e fechadas que tinham o escopo de obter respostas objetivas e subjetivas, a cinquenta e dois alunos (as) das duas turmas do segundo semestre, do período manhã e noite, que ingressaram no curso em 2011.2. As discussões explicitadas nos levaram a elencar alguns dos principais desafios na implantação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS no Curso de Serviço Social da UECE, a partir da análise da disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil. 2. O Processo de Construção das Diretrizes Curriculares da ABEPSS: avanços e desafios à formação profissional A revisão curricular na década de 1990 no âmbito do Serviço Social tornou-se um espaço privilegiado de reconstrução de um novo projeto de formação profissional. As Diretrizes Curriculares apontaram para a redefinição dos pressupostos e princípios da direção social do processo formativo, requisitando-se um novo perfil de profissional, num movimento de superação do currículo compreendido tão somente como um conjunto de disciplinas isoladas, e estimulando a inserção dos (as) alunos (as) nas atividades de iniciação científica, monitoria, pesquisa e extensão, dentre outras (CARDOSO, 2000). O processo de construção das Diretrizes Curriculares foi fruto de um amplo debate entre unidades de ensino, docentes e discentes, entidades representativas da categoria67. É preciso compreender que o processo de construção das Diretrizes Curriculares se engendrou em meio a quadro sociopolítico marcado pela intensificação da ideologia neoliberal, da desregulamentação dos direitos sociais, da reestruturação produtiva e seus impactos no mundo do trabalho, sobretudo, num período de contrarreforma da educação superior, que tem impactado de forma negativa na formação profissional em Serviço Social em todo o país. 67 Registramos que entre 1993 e 1996 foram realizadas aproximadamente duzentas oficinas locais nas sessenta e sete Unidades Acadêmicas filiadas à ABESS, vinte e cinco oficinas regionais e duas nacionais. As discussões empreendidas resultaram na Proposta Nacional de Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social, apreciada na II Oficina Nacional de Formação Profissional e aprovada em Assembleia Geral da ABESS, ambas realizadas no Rio de Janeiro, entre os dias 7 e 8 de novembro de 1996 (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, 1996). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1844 A nova lógica curricular organizou-se em núcleos de fundamentação, um conjunto de conhecimentos indissociáveis constitutivos da formação profissional, os quais são: núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, objetivado a compreender o ser social historicamente situado na sociedade; núcleo de fundamentos das particularidades da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, que se refere ao conhecimento acerca da constituição sócio-histórica da sociedade brasileira; e núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que considera a profissão de Serviço Social como especialização do trabalho. Igualmente, foram definidas matérias, que expressam áreas do conhecimento necessárias ao processo formativo e que se desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios, atividades complementares e outros componentes curriculares68 (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, 1996). O objetivo da nova lógica curricular é o de reafirmação do trabalho como atividade essencial na composição do ser social, promovendo, de tal modo, uma proposta de superação da fragmentação no processo de ensino/aprendizagem, buscando uma maior vivência acadêmica entre professores, alunos e sociedade. De acordo com as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, cada Instituição de Ensino Superior (IES) elabora o seu currículo pleno e este deve refletir o atual contexto histórico, além da capacidade de realizar projeções para o futuro (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, 1996). Segundo Iamamoto (2012) as discussões referentes às Diretrizes Curriculares dimensionam um repensar sobre a formação profissional em Serviço Social, possibilitando um balanço crítico do debate que estimula o desenvolvimento de pesquisas que buscam decifrar as novas demandas que se apresentam à profissão. Uma das condições essenciais para se viabilizar a adequação da formação profissional aos desafios dos novos tempos, é superar uma visão endógena do Serviço Social, de forma que é necessário alargar os horizontes voltados para a história da sociedade brasileira diante das transformações societárias na contemporaneidade. Tendo em vista as considerações acima explicitadas, compreendemos que as Diretrizes Curriculares dimensionam a existência da matéria Formação Sócio-Histórica do 68 Segundo Mota (2007), com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, a proposta do novo currículo mínimo do curso de Serviço Social precisou adequar-se as exigências da LDB, que passou a substituir o currículo mínimo por Diretrizes Gerais para a formação profissional. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1845 Brasil, pertencente ao núcleo de fundamentos das particularidades da formação sócio-histórica da sociedade brasileira. Para a matéria acima citada, o conteúdo programático exigido referese à apreensão da: [...] herança colonial e a constituição do Estado Nacional. Emergência e Crise da República Velha. Instauração e colapso do Estado Novo. Industrialização, urbanização e surgimento de novos sujeitos políticos. Nacionalismo e desenvolvimentismo e a inserção dependente no sistema capitalista mundial. A modernização conservadora no pós-64 e seu ocaso em fins da década de 70. Transição democrática e neoliberalismo (Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social, p. 16, 1996). Diante do exposto, discutiremos a seguir o Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social da UECE, construído a partir das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, dando destaque a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil. 3. Trajetória do Projeto Político Pedagógico e análise da disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil no Curso de Serviço Social da UECE O atual Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da UECE, implementado em 2006.1, foi resultado de várias e intensas discussões e debates entre docentes, discentes e técnicos de apoio de estágio (hoje os supervisores de campo) da Universidade Estadual do Ceará, no período de 1997 a 2004. Em tal documento são contemplados os objetivos do curso e de seu currículo, perfil dos formados, princípios da formação profissional, identificação da direção social do curso e estruturação dos componentes curriculares (Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2007). O Curso de Serviço Social da UECE assume um Projeto Político Pedagógico orientado pelas propostas da ABESS/ABEPSS preconizando, assim, a formação de assistentes sociais detentores de capacitação ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa para o enfrentamento das diversas expressões da questão social (Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2007). No Projeto Político Pedagógico visualizamos a matriz curricular que norteia a formação profissional em três núcleos mencionados anteriormente. Daremos foco ao núcleo que trata da discussão referente às particularidades da Formação- Sócio histórica brasileira, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1846 que consiste em análises acerca dos fatores econômicos, políticos, sociais e culturais da constituição da sociedade brasileira. Esta disciplina de quatro créditos é ofertada no segundo semestre69 do curso, tem por objetivo a apreensão do processo de colonização brasileira e a constituição do Estado Nacional; a emergência e a crise na primeira República; a instauração e colapso do Estado Novo; a industrialização, urbanização e surgimentos de novos sujeitos políticos; a inserção do país no sistema capitalista mundial; a modernização conservadora no pós-64; a transição democrática e o neoliberalismo (Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social, 2007). Apresentamos os dados da pesquisa de campo realizada em 2012.1 por meio da aplicação de cinquenta e dois questionários com perguntas abertas e fechadas que tinham o escopo de obter respostas objetivas e subjetivas, aos cinquenta e dois estudantes das duas turmas do segundo semestre, do período manhã e noite, ingressas em 2011.2. Portanto, no que tange a bibliografia aplicada, os principais autores estudados foram: Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Marilena Chauí. No que concerne aos títulos mais citados, foram apontados: Raízes do Brasil, Casa Grande e Senzala e O Mito Fundador. Nesse sentido, tem-se a apreensão de que o conteúdo, segundo as respostas dos (as) alunos (as) nos questionários, contemplou parcialmente as discussões propostas pela ementa da disciplina. De tal modo que, conteúdos como o nacional-desenvolvimentismo, a dinâmica de inserção do Brasil no sistema capitalista, a modernização conservadora no pós-64, o processo de transição democrática e a ascensão do neoliberalismo não foram ministrados A ausência dessas discussões na disciplina poderá colaborar para o processo de fragilização da formação acadêmica, pois os temas em questão são basilares para assegurar o princípio adotado pelas Diretrizes Curriculares, de apreensão das particularidades sócio-históricas da realidade social e do Serviço Social. 69 O Curso de Serviço Social da UECE tem a duração de quatro anos, com uma grade curricular distribuída em oito semestres. As disciplinas do primeiro semestre são: Introdução ao Serviço Social, Metodologia do Trabalho Científico, Teorias Psicológicas, Fundamentos de Filosofia e Sociologia Clássica. No segundo semestre além de Formação Sócio-Histórica do Brasil são oferecidas as disciplinas: Seminário de Serviço Social I, Antropologia Cultural, Economia Política, Correntes Modernas da Filosofia das Ciências e Sociologia Contemporânea. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1847 Conforme a avaliação dos alunos a bibliográfica utilizada, foi considera ótima para 11,54%; boa para 34,6%; regular para 21,5% ; ruim para 7,7% ; e 25% dos alunos 70 não responderam a essa questão. Assim, percebemos que os (as) alunos (as), por serem recémingressos na universidade, avaliaram de forma positiva a bibliografia. Quando relacionados ementa, objetivos, conteúdos programáticos e referências bibliográficas concluímos que os programas não foram implantados em sua totalidade e ainda o conteúdo por tratar-se da história da sociedade brasileira, se aproxima das discussões realizadas ao longo do ensino médio ou nos cursos preparatórios para o vestibular. Ao explicitarmos a didática utilizada pelo (a) professor (a), os dados mostraram que 42,3% avaliaram como boa ou ótima, sendo realizadas ao longo do semestre, aulas expositivas, dialogadas e de campo ( por meio de viagem a cidades históricas do estado do Ceará e visita ao Centro Comercial e histórico da Cidade de Fortaleza). Destarte, ainda no que concerne a didática do (a) professor (a) 24,9% dos (as) alunos (as) atestaram ser razoável, ruim ou péssima, afirmado serem as aulas cansativas, com conteúdo excessivo e que havia a ausência de recursos audiovisuais nas aulas tornando as mesmas monótonas. Já 33,7% destacaram como as aulas eram desenvolvidas, isto é, por meio de aulas expositivas, dialogadas e de campo. Também fora explicitado que os docentes tinham um distanciamento ante o debate sobre o Serviço Social e suas interfaces com o conteúdo da disciplina.71 Ao questionarmos sobre as sugestões que os (as) alunos (as) poderiam dar a disciplina de Formação Sócio-Histórica do Brasil, obtivemos que: 44,2% não responderam; 15,4% pediram a troca do (a) professor (a); 5,8% melhoria na bibliografia; 3,8% a existência de textos relacionados ao Serviço Social melhoraria; 1,9% revisão da didática uma maior 70 Por meio da análise dos dados, visualizamos que a categoria “Não Respondeu” é recorrente em várias perguntas no questionário, o que apresenta desafios para análise das respostas, dado que por tratar-se de uma avaliação curricular, a existência de respostas mais discursivas nos possibilitaria, por meio dos relatos, apreender dados mais sólidos sobre os desafios do processo formativo, a partir do currículo do curso. 71 Os professores que ministram a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil em sua maioria são do curso de História ou de Ciências Sociais da UECE. A particularidade da realidade estudada nos mostra que os dois professores que ministravam a disciplina, tanto do período noturno, quanto diurno são efetivos e do curso de História. No entanto, por serem de departamentos diferentes acabam por não terem a garantia de que nos semestre seguintes continuaram a lecionar na mesma disciplina e no mesmo curso, o que acaba por inviabilizar, muitas vezes, o amadurecimento das discussões da disciplina, assim como a compreensão acerca das particularidades do curso. Além disso, é preciso destacar a precarização do trabalho docente, alijada a lógica do produtivismo acadêmico como fatores negativos ao processo formativo. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1848 abordagem sobre a questão social; 1,9% mais atividades de campo e 9,6% disseram que não havia sugestão a ser dada. Diante do exposto, é basilar compreender a importância da disciplina Formação SócioHistórica do Brasil na formação profissional, dado que a mesma permite apreensão da constituição da sociedade brasileira o que vai implicar no entendimento do processo de constituição e consolidação do Serviço Social. No entanto, em tempos de contrarreforma da educação superior, com implicações na precarização da universidade pública, os desafios postos a implementação das Diretrizes Curriculares e do Projeto Político Pedagógico do curso a partir da análise da realidade da disciplina pesquisada são complexos para o corpo docente e discente do Curso de Serviço da UECE. 4. Considerações Finais Ao problematizarmos a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil, conseguimos compreender como a discussão em questão vem sendo realizada à luz das Diretrizes Curriculares da ABEPSS e do Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social da UECE, salientando sua relevância ao processo formativo do assistente social, ao realizar discussões referentes à constituição sócio-histórica da realidade brasileira. Por fim, concluímos que o Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da UECE está em consonância com os princípios de suas diretrizes curriculares, entretanto os impactos da contrarreforma da educação superior introduzem desafios à consolidação dos objetivos, conteúdos programáticos e bibliografia da disciplina analisada. Referências Bibliográficas ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social. Rio de Janeiro, 1996. CARDOSO. Franci Gomes. 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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo. Cortez, 2007. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ. Projeto político pedagógico do curso de Serviço Social. Fortaleza, março de 2007. (Digitado). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1850 ECONOMIA DE COMUNHÃO: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DE RETOMADA DO DEBATE ÉTICO NA ECONOMIA. Francisco Rafael Félix de Sousa72 Pedro Ferreira Barros73 RESUMO Este trabalho se constitui na realização de uma pesquisa bibliográfica para compreensão da Economia de Comunhão – EdC no contexto da complexa sociedade globalizada. Pode-se afirmar a desigualdade social, que marca esta sociedade, é fruto do sistema econômico vigente, o capitalismo, cujo desenvolvimento é orientado para a produção do lucro concentração da riqueza nas mãos daqueles que já detêm a propriedade dos meios de produção. Este sistema produziu e reproduz a desigualdade social através do processo de produção de mais valia via exploração do trabalho e acumulação do capital. Os modelos de desenvolvimento capitalista hoje enfrentam crises ao desprezar os aspectos sociais e fragmentar a relação economia-sociedade. Isto faz surgir iniciativas como alternativas de gestão e de organização do trabalho que visam garantir a subsistência, e mais que isto, a qualidade de vida das pessoas comprometida pelas conseqüências negativas do capitalismo. Com este trabalho pretende-se conhecer melhor o modelo de Economia de Comunhão – EdC, o qual, sem romper com o sistema vigente no que diz respeito ao modo de produção, procura realizar as transformações necessárias para uma sociedade mais igualitária e mais justa. Com isto a EdC se coloca como uma práxis social fundamentada na ética fazendo com que o pensamento econômico retome o debate da questão da ética na economia. Palavras-Chave: Desigualdade social. Economia de Comunhão. Transformações sociais. 1. Introdução O desenvolvimento capitalista enfrenta crises na atualidade por tratar-se de um sistema que tem por base o aumento constante da rentabilidade econômica e da competitividade nos mercados, desprezando os aspectos sociais. A organização democrática da sociedade faz surgir também movimentos sociais e políticos que entram em contradição com os princípios utilitarista e individualista provenientes do capitalismo. Por razões de necessidade, iniciativas 72 Aluno do X Semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – Urca e-mail: [email protected] - Fone: (88) 8823 6507. 73 Professor Adjunto do Departamento de Economia da Urca. Mestre em Sociologia, Doutor em Educação – UFC. e-mail [email protected]. – Fone: (88) 3511-3610. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1851 alternativas de organização do trabalho ou de gestão visam garantir a subsistência e melhor qualidade de vida às pessoas afetadas pelos rumos que foram tomados pelas nações das quais fazem parte. Dentre as propostas alternativas a Economia de Comunhão ou EdC, como é mais popularmente chamada, surge com a finalidade principal de luta contra a miséria como um meio para construção de um mundo mais justo e mais fraterno, visando contribuir para a edificação de um sistema econômico e de uma sociedade de comunhão sob a inspiração dos princípios cristãos. Estes princípios são defendidos por um Movimento ligado à Igreja Católica conhecido como Movimento dos Focolares74 - MF. Os Folcolares se constituem num movimento ecumênico, de inspiração cristã, aberto ao diálogo e à parceria com aqueles que mesmo não professando uma fé querem construir a unidade, o Mundo Unido, a fraternidade universal. Para autores como Sen (1999) a economia nasce de duas vertentes: a engenharia e a ética. Em busca de uma ciência mais “neutra” as Ciências Econômicas foram esquecendo cada vez mais a segunda vertente, como se a omissão dos valores extinguisse a sua existência. Já a Economia de Comunhão, surge embasada numa proposta espiritual, podendo ser considerada como uma proposta que privilegia a questão dos valores e da ética nas escolhas econômicas. Os sujeitos produtivos da EdC são empresários, trabalhadores, até mesmo clientes e fornecedores, e demais agentes empresariais, que buscam inspiração em princípios fundamentados numa cultura diferente da pratica e da teoria econômica vigente. Essa cultura pode ser definida como “cultura do dar” em antítese a “cultura do ter”. O dar econômico é a expressão do “dar-se” no sentido de “ser”. Em outras palavras, revela uma concepção antropológica que não é individualista e nem coletivista, mas de comunhão. A “cultura do dar” não se confunde com filantropia nem com assistencialismo, ambas, virtudes da abordagem individualista. Considerando que a essência da pessoa é estar em comunhão, a EdC se caracteriza como cultura de comunhão. As empresas são a espinha dorsal do projeto. Estas são empresas inseridas no mercado, que adotam as formas jurídicas comuns, mas que, por decisão livre dos 74 O Movimento dos Focolares (do italiano: focolare = fogo-lareira, lar). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1852 seus titulares, se propõem destinar os seus lucros de acordo com critérios ditados pelo bem comum. Bruni (2011b) argumenta que essa nova cultura de comunhão é para ser uma nova ordem econômico-social, que repensa e liga duas realidades hoje opostas no capitalismo: a empresa e a pobreza. Nesse sentido, uma economia que mostre o perfil da comunhão e, portanto, uma economia com perfil realmente humano. Assim, diante dessa nova economia nos propomos a este estudo visando compreender a sua forma de inserção entre as abordagens teóricas das Ciências Econômicas, relevando a sua vertente ética. Posto isso, procuramos estudar a fundamentação dessa proposta, princípios ético-filosóficos e fundamentos social e econômico, bem como o contexto de seu surgimento, com o intuito de apreender a EdC enquanto práxis e retomada do debate ético na Economia. 2. Uma questão para a atualidade O sistema econômico vigente, orientado cada vez mais para a produção de riquezas, tem sido apresentado como produtor e reprodutor da desigualdade social. A pobreza e a miséria são, portanto, consequências da concentração da riqueza nas mãos de alguns, enquanto que a maioria não consegue satisfazer adequadamente suas necessidades básicas. Nesse sentido, a pobreza está para além da insuficiência de renda e engloba outros aspectos, como a falta de acesso a alimentos, à moradia, à proteção, à saúde e à educação. Os desequilíbrios da concentração de renda entre países e entre classes sociais, principalmente nos países periféricos, permanecem como um dos grandes problemas da atualidade. As instituições econômicas, sociais, politicas e culturais que foram concebidas nesse sistema reproduzem a desigualdade social e muitas vezes se amparam em um arcabouço teórico econômico que traz modelos de desenvolvimento que reduzem a complexidade das escolhas econômicas, desconsiderando o debate ético. Também o processo de globalização nesse contexto capitalista que o mundo vem vivenciando faz com que os mercados se tornem altamente competitivos de forma que pode comprometer a sobrevivência de produtores pequenos que não possuem capitais suficientes para manter-se. Segundo Sposati (1997), o processo de globalização dos mercados consiste na disseminação de ideias neoliberais que têm, entre outros objetivos, o da unificação do capital. O processo de globalização tem acarretado sérios problemas sociais e econômicos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1853 principalmente para os países que buscam o desenvolvimento como é o caso do Brasil. No Brasil as consequências desse novo paradigma já podem ser notadas. Trata-se dos vários desempregados que o País possui. Estes estão desempregados porque não tiveram oportunidade de se inserir no mercado de trabalho ou foram expulsos deste por não terem a capacitação desejada. Esses são alguns dos entraves para o desenvolvimento, que segundo Bertucci (2010) está em crise. Afirma ele: A expansão da atual concepção de desenvolvimento, compreendido como crescimento econômico se expande a partir da metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, quando foi criado um clima favorável ao chamado “desenvolvimentismo”, cujo carro-chefe era formado pela industrialização e urbanização. O crescimento da economia, medido pelo aumento da produtividade e da produção de riquezas, pela ampliação da capacidade de consumo nas cidades e pela modernização tecnológica, na produção e nos bens de consumo, virou sinônimo de desenvolvimento. (BERTUCCI, et al, 2010, p. 11) No entanto, os indicadores econômicos e sociais marcam as fronteiras da pobreza e da riqueza entre continentes, países e suas populações. Os modelos de desenvolvimento capitalista hoje enfrentam crises, pois tratam-se de modelos que têm por base o aumento constante da rentabilidade econômica e da competitividade nos mercados, desprezando os aspectos sociais e fragmentando a relação economia-sociedade75. Sendo assim, os debates teóricos e políticos em torno da dialética econômico-social se subdividem: [...] em dois “partidos”: os que concebem o campo econômico e os mercados, como construtores do campo social, e os que, ao contrário, consideram o campo econômico em conflito endêmico com o social. A tradição da economia política liberal está incluída no primeiro partido, enquanto a tradição sociológica no segundo. Os teóricos da economia liberal (desde Adam Smith, no passado, a Amartya Sen, na atualidade) consideram o mercado expressão da sociedade civil; o desenvolvimento econômico, indicador do desenvolvimento social; a liberdade econômica, pré-requisito de outras liberdades. [...] No lado oposto a essa primeira tradição, encontramos autores que consideram os campos econômico e social realidades conflitantes entre si. Essa tradição, que conta entre seus expoentes autores muito diferentes entre si, como Marx e Polanyi, Weber e Simmel, considera a esfera 75 A visão da relação economia-sociedade típica da Economia de Comunhão (EdC) alinha com a tradição da chamada economia civil, tradição que aprofunda suas raízes no pensamento clássico, no período medieval cristão e no humanismo civil italiano (especialmente na escola napolitana do século XVIII, de Antonio Genovesi), e age, por conseguinte, a partir de uma perspectiva radicalmente diferente das duas visões hoje predominantes. A ideia central é olhar a experiência da sociabilidade humana e da reciprocidade dentro da vida econômica normal; nem ao lado, nem antes nem depois. Ela afirma que os princípios outros, que não o lucro e a troca instrumental, podem – querendo – encontrar espaço dentro da atividade econômica. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1854 econômica regida por princípios substancialmente em conflito com os princípios que regem a esfera social. (BRUNI, 2011a, p.16-17). Em diversos países, em períodos iguais ou distintos, na maioria dos casos nasceram desse contexto, por razões de necessidade, iniciativas alternativas de organização do trabalho ou de gestão visam garantir a subsistência e melhor qualidade de vida às pessoas negativamente afetadas pelos rumos que foram tomados as nações das quais fazem parte. Com isso, é possível pensar em outras possibilidades de organização da economia, que não seja orientada pela ganância, pela sede de lucros que vão sendo acumulados e geram desigualdade. Ainda segundo Bruni (2002): Muito embora o individualismo da ciência econômica tenha sobrevivido e saído fortalecido de todo gênero de crítica, um número sempre crescente de economistas está insatisfeito com essa orientação da teoria econômica predominante, porque houve uma tomada de consciência do fato que ter expulsado da economia a dimensão relacional impede a compreensão de muitas realidades e comportamentos econômicos. (BRUNI, 2002, p.47). É possível, então, repensar a economia a partir de outros valores – da justiça, da igualdade, da solidariedade. E esse não é só um convite de grupos de cristãos-católicos, por exemplo, mas algo que vem sendo defendido por autores das Ciências Econômicas, como Amartya Sen (1999). A economia, assim, pode ser também geradora de igualdades, desde que seja orientada pela justiça social, que significa a partilha justa dos bens e recursos que possam satisfazer as necessidades de todos e não apenas de alguns. A economia pode ser uma alternativa de geração de emprego e renda para as pessoas que acreditarem neste novo modo de ver a economia. Diante de um mercado globalizado, altamente competitivo e individualista surge uma economia que coloca o homem no centro do processo constituindo unidades produtivas alicerçadas na comunhão e na solidariedade. É nesse cenário que se apresenta a EdC que tenciona promover uma visão do agir econômico como compromisso para a promoção integral das pessoas e da sociedade, através de ações e comportamentos inspirados na fraternidade. A EdC é uma variante da economia social e da economia solidária; é um movimento que promove alternativas às tradicionais relações econômicas, considerando a pessoa e o seu crescimento no centro da economia. A EdC é uma proposta de geração de riqueza dentro do sistema capitalista. Ainda não III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1855 é amplamente conhecida por todos, no entanto, para aqueles que têm contato com a mesma, ocorre uma curiosidade e uma admiração por esta via que prevê um modo mais justo e fraterno de ampliação da oferta de bens e serviços. Desde o seu nascimento, em 1991, por ocasião de uma visita a São Paulo pela sua idealizadora Chiara Lubich, esta nova economia, tem aumentado o numero de adeptos (empresários, empresas, associações, instituições econômicas, intelectuais, estudantes, trabalhadores, consumidores, simpatizantes, pobres, ricos e muitos outros). Mas, como surgiu essa novidade? Que ideal motivou esse novo jeito de ver e fazer a economia? A seguir apresentaremos de forma um tanto breve a gênese e o desenvolvimento da proposta da EdC procurando fazer esta identificação descritiva sem descuidar de conferir ao relato o necessário aprofundamento para que o leitor possa compreender a sua essência como uma nova cultura econômica. 3. Economia de Comunhão: História e Profecia A EdC é fruto da inspiração da sua fundadora Chiara Lubich (1920-2008), uma italiana idealizadora de um carisma, o Movimento dos Focolares (MF) nascido em Trento na Itália, em 1943, em meio da II Guerra Mundial. Em reuniões a beira de fogueiras com suas amigas adolescentes, em um cenário de destruição provocado por bombardeios, Chiara teve a intuição “sobre quem é verdadeiramente Deus: é Amor” (LUBICH, 2000, p. 37). Diante desta intuição ela assumiu que postas em prática às palavras do Evangelho provocariam uma revolução. Ali mesmo começaram a fazer o que podiam. Preocupavam-se em ajudar o próximo, encontrando refugio para os desabrigados, alimentos para quem tinha fome, se preocupando sempre com os mais necessitados, fazendo comunhão de bens a fim de minimizar os efeitos sobre as pessoas das consequências da guerra que se constituiu. Assim, é possível perceber claramente na origem do Movimento dos Focolares seu cunho religioso e social. Em 1962, o Movimento foi aprovado pela Igreja Católica76, com o nome oficial de Obra de Maria, e em 1967 já era responsável por mil obras sociais no mundo. 76 Em 1962 acontece a primeira aprovação pontifícia ad experimentum. O papa João XXIII reconhece o Movimento com o nome de Obra de Maria. Disponível em: http://www.focolare.org/pt/movimento-deifocolari/storia/>. Acesso em: 27 de Maio 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1856 Apesar de ser um movimento católico, participam dele pessoas de diversas denominações, inclusive pessoas sem vínculos religiosos, mas todas ligadas ao propósito de construir um mundo unido e fraterno. Assim o diálogo inter-religioso também é um traço fundamental do movimento. No Movimento existem pessoas das mais diversas crenças e convicções. Há judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas, ortodoxos e muitos outros que resolveram viver essa cultura da partilha e da unidade. Há também pessoas sem convicção religiosa, os chamados ateus, que lutam juntamente com o movimento por um mundo de mais solidariedade, justiça e paz. Espalhando-se pelo mundo o MF chegou ao Brasil em 1958. Já no ano seguinte dois centros de formação foram abertos em Recife e logo o movimento se espalhou por todo o País. Atualmente, no Brasil há em torno de 55 bases do movimento, estando ele presente em quase todas as capitais Brasileiras. A sede do movimento no Brasil é em São Paulo na cidademodelo (ou cidade-testemunho) Mariápolis Ginetta77, na região de Vargem Grande Paulista, no Estado de São Paulo. Há ainda outras duas Mariápolis no País, a Mariápolis Glória em Benevides, no Pará e a Mariápolis Santa Maria em Igarassu, no Pernambuco. Hoje, de acordo com o site oficial o Movimento conta com mais de 2,2 milhões de adeptos entre membros e simpatizantes espalhados por 182 países em todo o mundo. O MF possui uma estreita ligação com o social. Frequentemente o movimento se reúne para discutir assuntos ligados ao social com o intuito de fazer brotar novas ideias para tentar minimizar as barreiras sociais. Surgidos nessa área existem pessoas das mais diversas profissões e estes colocam suas capacidades intelectuais a serviço da organização e de todos, afinal, o objetivo principal dos Focolares é divulgar a partilha em todas as suas dimensões. Com isso, sociólogos, economistas, empresários e muitos outros profissionais discutem questões a apresentam ideias para solução de problemas mundiais e locais. No campo econômico o grande projeto deste movimento é sem dúvida a Economia de Comunhão. Uma iniciativa desafiadora diante da realidade econômica do Brasil e do mundo. A EdC, versão empresarial e econômica do Movimento, surgiu no Brasil em 1991. A ideia central é a criação de empresas dirigidas por pessoas éticas, honestas e competentes, que se 77 As cidades-testemunho – Mariápolis permanentes - do Movimento dos Focolares são “laboratórios de uma pequena cidade”, cuja lei fundamental é o Mandamento Novo de Jesus, o amor mútuo vivido entre todos. Elas contêm todas as expressões da vida: trabalho, estudo, oração etc. Desejam ser um esboço de uma “sociedade nova”, totalmente renovada pelo evangelho. Hoje existem trinta e três delas, nos cinco continentes. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1857 disponham, livremente, a partilhar parte dos lucros a serviço do bem comum. É interessante saber, de forma mais precisa, como brota a ideia de EdC. A esse respeito Chiara Lubich narra que enquanto atravessava a cidade de São Paulo para chegar na comunidade do movimento, foi vendo de um lado prédios imensos e luxuosos, e, do outro, um subúrbio e uma pobreza alarmante. Aqui existe carência, sobretudo de amor verdadeiro e autêntico, especialmente se pensarmos na “coroa e espinhos” (como o cardeal de São Paulo, D. Evaristo Arns, fala do cinturão de pobreza e miséria da periferia), coroa que circunda a cidade repleta de arranha-céus. É o grande problema destas terras em via de desenvolvimento, um dos maiores problemas de nosso Planeta, pelo qual nós poderemos fazer muito pouco. Mas, Deus Pai pode cuidar da solução. E também pela nossa fé de filhos seus [...].(LUBICH, Apud. QUARTANA, 1992, p. 15). Isso fez com que ela pensasse em como o movimento poderia ajudar para minimizar, e quem sabe, extinguir essa desigualdade no Brasil e no mundo. Recorremos ao relato de Quartana (1992), para conhecer o pensamento de Chiara, a fim de saber como se dá a inspiração para idealizar a Economia de Comunhão: Em 1900 São Paulo era uma cidade pequena. Agora é uma Floresta de arranhacéus. É grande o poder do capital nas mãos de alguns e tamanha é a exploração dos outros. E pergunto: mas por que este poderio todo não se orienta para a solução dos imensos problemas do Brasil? Porque falta amor ao irmão; o que domina é o interesse, o egoísmo [...]. Que caricatura é o mundo sem Jesus (LUBICH, Apud. QUARTANA, 1992, p. 15). Diante da conjuntura de pobreza, que naquela época já assolava o cenário mundial e motivada pela cena de enorme desigualdade social presenciada de modo pessoal e especifico em São Paulo, a italiana Chiara Lubich, inconformada, decidiu lançar um projeto com objetivo de colaborar para a diminuição das desigualdades sociais e a erradicação da miséria. Esse projeto denominado Economia de Comunhão foi lançado em 29 de maio de 1991 na sede do Movimento no Brasil, em São Paulo. Compreende-se que este projeto tenha nascido justamente no Brasil devido às desigualdades que este País possui. A conjuntura econômico-social que sofria, e sofre ainda hoje o país, com uma intensa desigualdade social, tendo muito poucos ricos e milhares ou até milhões de pessoas muito pobres corroborou a criação da EdC. O projeto Economia de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1858 Comunhão na Liberdade78, como também ficou conhecido inicialmente, consistiu numa ideia de criar uma rede social que envolve empresas que destinassem parte do lucro aos pobres, relacionando a atividade econômica à promoção da fraternidade entre os homens. A inspiração da italiana é então objetivada na forma de intervenção econômica através da criação e gerenciamento de empresas também capitalistas, mas diferenciadas daquelas já existentes movidas exclusivamente pela ambição do lucro. Chiara Lubich propunha algo viável economicamente, e não um estilo de produção utópica, conforme afirma: Embora eu não seja especialista em problemas econômicos, pensei que poderiam ser criadas, por pessoas do movimento, empresas que canalizassem capacidades e recursos de todos para juntos produzirem riqueza, em prol dos que se encontravam em dificuldade. Sua gestão deveria ser confiada a pessoas competentes, capazes de fazê-las funcionar com eficácia e obter lucros (LUBICH, 2002, p. 15). Vemos, então, que a proposta inicial de Chiara de criar empresas e pólos produtivos e anos depois um movimento cultural que desse “dignidade científica” à pratica das empresas, dentro do sistema econômico vigente, não caiu no vazio: ela foi acolhida por milhares de pessoas, na maioria dentro, mas, recentemente, também fora do Movimento dos Focolares; pessoas e instituições que estão tentando fazer frutificar aquela semente lançada a 22 anos. De acordo com relatórios mais recentes da EdC79, em outubro de 2012 havia 861 empresas das mais variadas dimensões: Europa 501 (das quais 242 em Itália); América do Sul 257; Estados Unidos e Canada 35; Ásia 25 e África 43. Segundo o site oficial da EdC, nos últimos cinco anos 115 empresas decidiram aderir a esta ação econômica; 32 delas em 2012. Esta nova cultura econômica visa apoiar um novo conceito do agir econômico, não apenas utilitarista, mas orientando-se para a promoção integral e solidária do homem e da sociedade80. Também já foram realizadas diversas teses acadêmicas e artigos científicos que contribuem para a formação teórica de um projeto que nasceu da prática e da insatisfação 78 Costuma-se dizer que o projeto Economia de Comunhão se apresenta como uma experiência de liberdade, ou seja, é totalmente livre a participação de uma empresa ou pessoa neste projeto. As medidas a serem tomadas e coerência com o projeto depende do próprio indivíduo. (Ver. Bruni, 2002, p. 95). 79 Relatório Economia da Comunhão 2010/2011. Os dados sobre a destinação dos lucros, o censo das empresas no mundo, a cultura de comunhão e uma sondagem sobre a Identidade da EdC, estão disponíveis na íntegra no site: http://www.edc-online.org/br/quem-somos/partilha-dos-lucros/2186-il-rapporto-economia-di-comunione20102011-e-online.html 80 Disponível em: <http://www.edc-online.org/br/quem-somos/a-difusao.html> Acesso em: 05 Dez 2012. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1859 empírica com a desigualdade. Os dados têm evidenciado a capacidade da “coragem carismática” da EdC em enfrentar todos os desafios que tem se levantado na economia no decorrer da história a essa proposta de um novo modelo econômico. Dessa forma vê-se a profecia de Chiara se configurando na história, tendo condições de dar a sua contribuição ao bem comum dos homens e mulheres de hoje (e de amanhã), difundindo uma nova cultura econômica dentro e fora dos mercados. 3.1. Uma nova cultura econômica: EdC Assim como o capitalismo necessita para o seu crescimento da acumulação constante e crescente, a EdC necessita da formação e difusão de uma cultura que não seja pautada puramente pelos princípios capitalistas, mas que traga uma distinção primordial. Segundo Ferrucci (1998) e Mulatero (2001), a EdC busca ser uma resposta pacífica aos desafios contemporâneos, especialmente o combate à pobreza, através da promoção de uma nova cultura, pautada no uso moderado e na partilha dos bens (materiais e não materiais). Os autores afirmam ainda que as empresas de EdC promovem a distribuição da riqueza através de doações monetárias, criação de empregos, investimento em projetos de expansão, compartilhamento de experiências e patentes entre as empresas que participam do projeto, e financiamento para criação de novas empresas de EdC. Na EdC, a cultura da partilha se contrapõe ao individualismo e à competição, estruturando-se sobre relações baseadas em princípios de amor, solidariedade, gratuidade e unidade em busca da consolidação dos bens relacionais capazes de suportar as fragilidades do sistema econômico dominante. É nesse contexto que a EdC contribui com seu modus operandi pautado no respeito ao ser humano, colocando-o como centro da empresa. As firmas vinculadas à EdC "são empresas privadas, inseridas no mercado, que salvaguardam a propriedade particular dos bens, colocando o lucro em comunhão: uma visão humanista cristã do mundo dos negócios" (LEITÃO e SPINELLI, 2008, p. 453). Segundo Calliari (2000), a ideia inicial do projeto Economia de Comunhão, denominado antes de “Projeto Brasil”, era ajudar os membros e simpatizantes do movimento que estavam em necessidades. Neste sentido, Chiara propôs a ideia de formar pessoas com uma capacidade de gestão que pudessem gerir empresas, no qual, gerariam impostos para a região e o lucro seria partilhado em três partes: uma voltaria para a empresa na forma de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1860 reinvestimento, outra seria para a formação de “homens novos”, e a última para ajudar os necessitados. Chiara, ao deparar-se com a urgência de fazer algo para modificar aquela realidade toma como exemplo aquilo que criou na Itália: o testemunho dos Focolares: Naqueles primeiríssimos dias, a ideia delineou-se de modo mais preciso. O lucro das empresas deveria ser colocado em comum, mas destinado a três objetivos precisos: 1) para o desenvolvimento da empresa; 2) para a difusão da chamada “cultura da partilha” e da comunhão; 3) para os pobres, primeiramente para aqueles que frequentam as comunidades dos Focolares. (CHIARA, Apud, BRUNI, 2011, p.27) A primeira parte é altamente necessária para a manutenção da empresa que vive no sistema capitalista e que precisa de recursos para operar, portanto, o reinvestimento se destina a compra de matérias-primas e para manter um capital de giro que possa atender as necessidades imprevistas da unidade produtiva. A segunda parte destina-se à formação de “homens-novos”, compreende a formação de pessoas que possam ter esse carisma da unidade do Movimento Focolares, ou seja, essa parte do lucro serve para a difusão da Economia de Comunhão, de forma que o movimento possa ter cada vez mais adeptos, dessa nova forma de pensar a economia e a sociedade. Tratase de desenvolver e espalhar por todo o mundo a chamada “cultura da partilha”. A terceira parte consiste na preocupação que a EdC tem com os marginalizados pela sociedade, ou seja, aqueles que não possuem vida digna e que, algumas vezes, já perderam a esperança. Dessa forma, na empresa de Economia de Comunhão, os dirigentes e os funcionários conversam e escolhem uma comunidade pobre para então ajudar seus integrantes em suas necessidades. Essa é a parte principal do projeto, pois, de acordo com o site81, ao longo desses vinte e dois anos de economia de comunhão, milhares de pessoas foram ajudadas. É preciso ressaltar que a ajuda aos mais necessitados não precisa ser necessariamente financeira. O movimento não tem o objetivo de fazer filantropia. É algo que vai, além disso.Segundo Bruni (2000), a proposta é fazer (re)nascer nessas pessoas a autoconfiança, a solidariedade, e, consequentemente uma melhor qualidade de vida. Nesse caso, a ajuda pode 81 http://www.edc-online.org/br/ III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1861 ser através de cursos de alfabetização, mutirão de casas, fazer despertar na comunidade carente uma atividade econômica que possa suprir as necessidades dos mesmos, enfim, não se trata de um assistencialismo e, sim, de mostrar para essas pessoas que elas são capazes de, por si mesmas, superarem as suas dificuldades. Nessa tentativa de responder aos desafios contemporâneos, Gui e Bruni (2001) afirmam que a EdC não entra em conflito com o capitalismo, sendo que a própria distribuição dos lucros não é tida como algo revolucionário e novo. Para eles, o radicalismo da proposta encontra-se nos aspectos antropológico e cultural, ao propor um modelo econômico pautado na comunhão, amor, gratuidade e reciprocidade. Tais afirmações geram certa perplexidade: não é contraditório afirmar que uma proposta que introduz tais conceitos não entre em conflito com um modelo econômico pautado na acumulação, competição, instrumentalidade e individualismo, como é o capitalismo? A resposta é clara, pois a EdC, não perde de foco a realidade econômica na qual está inserida. Indo ao encontro da principal finalidade do lucro em uma empresa capitalista (maximizar a riqueza dos acionistas, além das duas tradicionais destinações dadas a ele: distribuição para os acionistas e reinvestimento na empresa), a EdC pauta-se por uma nova forma de partilhar o lucro, uma das principais suas características. Contudo, não se trabalha somente para a obtenção do lucro ou o salário, como afirma Ferrucci (1992), o objetivo maior é mudar a mentalidade dos indivíduos que trabalham fazendo crescer entre todos, dirigentes e operários, uma comunhão em todas as dimensões. Carvalho e Guareschi (2009), acrescentam que para a EdC, a busca pelo lucro não deve ser vista como um fim em si mesmo ou tendo por objetivo apenas o enriquecimento do empresário, mas como uma finalidade social, que deve ser gerado para depois ser distribuído pela sociedade. Nas empresas de Economia de Comunhão desenvolve-se uma cultura de maximização das relações sociais e não de pura maximização do lucro como nas empresas puramente capitalistas, ou que são guiadas por uma racionalidade utilitarista. O centro da empresa deve ser o homem, portanto, o objetivo de abrir empresas com o espírito de comunhão é exatamente fazer desenvolver-se naquele local e em outros uma relação entre as pessoas de forma que possa nascer e desenvolver-se entre elas a fraternidade. Para alcançar este objetivo foi criado um movimento internacional, em formato de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1862 rede social envolvendo empresas que se comprometem a gerar nova riqueza, criar postos de trabalho, com criatividade e inovação, e partilhar seu lucro: uma parte para os mais pobres, outra para a promoção de “homens novos”, que Lubich (2002) define como homens e mulheres que formados numa nova cultura, poderão contribuir para a realização de uma sociedade nova, renovada, mais justa e mais fraterna que valoriza a pessoa humana. E uma terceira parte a ser reinvestida na própria empresa. Os sujeitos produtivos da economia de comunhão são empresários, trabalhadores, até mesmo clientes e fornecedores, e demais agentes empresariais, que buscam inspiração em princípios fundamentados numa cultura diferente da pratica e da teoria econômica vigente. Contudo, as empresas são a espinha dorsal do projeto. Estas são empresas inseridas no mercado, que adotam as formas jurídicas comuns, mas que, por decisão livre dos seus titulares, se propõem destinar os seus lucros de acordo com critérios ditados pelo bem comum. Essa cultura pode ser definida como “cultura do dar” em antítese a “cultura do ter”. O dar econômico é a expressão do “dar-se” no sentido de “ser”. Em outras palavras, revela uma concepção antropológica que não é individualista e nem coletivista, mas de comunhão. A “cultura do dar” que também não se confunde com filantropia nem assistencialismo, ambas as virtudes de abordagem individualista. A essência da pessoa é estar em comunhão. Portanto, a EdC se caracteriza pela cultura de comunhão. Bruni (2011b) argumenta que essa nova cultura de comunhão é para ser uma nova ordem econômico-social, que repensa e liga duas realidades hoje opostas no capitalismo: a empresa e a pobreza. De forma que mostre uma economia com perfil da comunhão e, portanto, com um perfil realmente humano. De acordo com Lubich (2000), a visão religiosa também é um traço marcante desse projeto. A Economia de Comunhão é, também, antes de tudo, um projeto inspirado da ética cristã. Essa visão religiosa é a que dá aos indivíduos um otimismo de que seus empreendimentos podem dar certo, principalmente, entre os dirigentes das empresas que acreditam na ação da Providência Divina na resolução de alguns problemas, como folha de pagamento ou encomendas inesperadas. Atribui-se a isso a presença de Deus na empresa. Essa atitude gera um ambiente de otimismo dentro da unidade produtiva. Por isso, Lubich cunhou na base da economia de comunhão vínculos antecedentes com o Evangelho a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1863 serem afirmados na prática pelos empresários(as), trabalhadores(as) e membros da comissão de EdC, que voluntariamente se integraram à proposta. O quadro apresentado em seguida permite visualizar os fundamentos da economia clássica e da economia de comunhão. Alertamos que o mesmo não tem caráter comparativo tendo em vista o estatuto de ciência que detem a primeira. QUADRO 1 - Fundamentos da Economia Clássica e da Economia de Comunhão ECONOMIA CLÁSSICA ECONOMIA DE COMUNHÃO Adam Smith fundador da economia política Chiara Lubich fundadora da economia de clássica. Um homem. comunhão. Uma mulher. Modo de produção de economia de Modo de produção capitalista. comunhão. A linha original de continuidade entre ética A linha de originalidade entre ética e e economia é retomada. economia é interrompida. O individualismo na base das relações A solidariedade na base das relações econômicas. econômicas. Cultura do ter. Cultura do dar. A racionalidade consiste na utilidade, na A racionalidade consiste na doação e partilha acumulação e em elevar ao máximo o lucro do lucro e pressupõe a personalização do privado. relacionamento e a felicidade humana. Homo Economicus, Homo Consumérico Homo doador. Solidário. Homo espiritual. individualista, hedonista, egoísta. Oposição entre bem individual e bem Não oposição entre o bem individual e o bem social. social. O capital tem primazia em relação ao O homem tem primazia em relação ao capital. homem. A relacionalidade incorpora sempre o A relacionalidade incorpora sempre o elemento de condicionalidade. elemento de gratuidade. Prevalência da racionalidade substantiva, da Prevalência da racionalidade instrumental. razoabilidade que segundo Aristóteles contém Racionalidade do Eu. elementos de sabedoria. Racionalidade do Eu com Todos. Os indivíduos não estão ligados uns aos Os indivíduos estão ligados uns aos outros por outros por nexos indivisíveis antes de nexos indivisíveis antes de iniciar a troca. iniciar a troca. A cultura do ser para si. A cultura do ser com o outro. Apropriação do excedente privada e Apropriação privada do excedente. partilhada com dois atores beneficiários fora III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1864 Foco na avaliação. Esquecimento da premissa antropológica. Empresa e sociedade. Isenção de valores religiosos. do processo produtivo. Foco nos atores sociais. Afirmação da premissa antropológica. Empresa na sociedade. Inclusão de valores religiosos. Fonte: Revista Cadernos de Administração. nº 01 Jan/Jun 2008. Centralidade das empresas de economia de comunhão. Adaptado do documento "Os quatro aspectos essências" produzido pelo Movimento dos Focolares. Castelgandolfo, 5 de abril de 2001. Esse modelo de economia, tendo em vista os muitos casos de sucesso, vem se apresentado como viável. Bruni (2011a) aponta alguns casos que exemplificam essa temática, haja vista que com a valorização do trabalho torna-se palpável uma interligação entre os setores organizacionais. Há muitas experiências a esse proposito. Por exemplo, há uma empresa italiana cujos sócios, a fim de tornar visível a primazia da comunhão inclusive na organização da empresa, perceberam a exigência de institucionalizar uma reunião periódica com todos os componentes da empresa, de modo que, antes de serem dirigentes, ou trabalhadores, eles sentissem uma relação de reciprocidade (BRUNI, 2011 a, p.82). Segundo Bruni (2000), a Economia de Comunhão faz nascer na Ciência Econômica novas categorias que diferem de outras categorias já existentes dentro da Ciência. Uma delas é a categoria comunhão: A categoria comunhão apresenta-se, portanto, como algo diferente da troca de equivalentes (de mercado). A doação, a reciprocidade e a solidariedade emergem, neste contexto, como categorias explicativas da Economia de Comunhão e, ao mesmo tempo, fornecem um paradigma de referência também para o mais amplo movimento da economia civil (BRUNI, 2000, p.53-54). Hoje este modelo de economia está presente em empresas de mais de 40 países dos cinco continentes, atuando em praticamente todos os ramos de atividades, produção, comércio, serviços, levando uma nova realidade para aqueles que aderem a este modelo econômico. Dentre estas empresas, algumas estão inseridas em Polos Industriais (ou produtivos). A ideia dos Polos Produtivos faz parte dos elementos básicos que compõem a primeira intuição da EdC. São concebidos como um laboratório visível e ponto de referência ideal e operativo também para as outras empresas do projeto. Existem polos empresariais na III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1865 Argentina, Itália, Croácia, Bélgica e Brasil. O Brasil, pioneiro do projeto, já apresenta mais de 140 empresas de Economia de Comunhão e três polos industriais: o polo Gineta, em Recife (PE), Francois Neveux, em Belém (PA) e o polo Spartaco, em Cotia (SP), a 50 km da capital. Estes polos podem ser considerados como embriões de solidariedade e fraternidade aplicadas ao modelo de gestão empresarial cuja centralidade é a cultura da partilha dentro e fora da empresa. Há vários relatos que atestam que a Economia da Comunhão é eficaz e viável como, por exemplo: Uma empresária das Filipinas explicava porque a empresa de consultoria que ela fundara para participar do projeto, deixando seu emprego num banco, tornara-se, em cinco anos, a mais importante do Sudoeste da Ásia no seu setor: “Deus nos ajuda porque temos muitos irmãos carentes a ajudar, crianças que, se não foram tratadas logo, ficarão cegas [...]” (BRUNI, 2002, p.39). A cultura da partilha é a cultura da doação, não um doar contaminado pelo poder, pelo assistencialismo, pelo utilitarismo, pelo interesse privado, mas um doar gratuito sem a expectativa de retribuição no qual as relações humanas são vividas como dom e não esperam retribuição. Porém, há que se manifestar os conceitos de reciprocidade e as estruturas de comunhão. Uma gratuidade de valores e de dons pessoais e não somente materiais (ARAÚJO, 2001, p. 39-48). Com essa visão muitas empresas estão mudando o paradigma dominante e a ideologia produtivista que lhe dá sustentação, ao se orientarem para uma forma de economia solidária, de partilha. Essas empresas trazem em sua bagagem conceitual o germe da mudança. Talvez o mais importante sobre elas seja estarem demonstrando o quanto pode ser feito quando se tem vontade política para fazê-lo, diferenciando o que é factível da utopia a partir de uma motivação de origem espiritual. Uma vez que as empresas de Economia de Comunhão não buscam apenas o lucro, mas um crescimento sustentável, que considere igualmente o meio ambiente, seus funcionários e pessoas necessitadas da comunidade onde está inserida, os efeitos positivos se estendem para fora de seus limites empresariais. O movimento de EdC pode adquirir, assim, dimensões de fenômeno social. Porém, ao contrário de organizações filantrópicas ou assistenciais, que atuam somente como iniciativas de cunho social, a Economia de Comunhão é uma tentativa III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1866 de inserir o social no cerne da economia (SORGI, 1998, p.34). 3.2. EdC e Economia Solidária: uma distinção de necessária Observa-se desde o final do século XX e início do século XXI, uma série de mudanças que as relações econômicas, especialmente as relações de trabalho, vêm sofrendo, mas que não chegam a superar o modo de produção capitalista, que continua central. Carvalho e Guareschi (2009) afirmam que, nesse cenário, para legitimar e garantir a reprodução das relações básicas de produção capitalistas, novas construções sociais, ideológicas, políticas e religiosas (dentre outras), estão surgindo. Nesse contexto Apresentamse iniciativas que surgiram na sociedade a partir do século passado. Iniciativas que têm no princípio da solidariedade a força motriz de sua implementação. Dentro dessa perspectiva, dois modelos merecem ser discutidos e diferenciados: o da EdC cujo estudo é objeto deste trabalho e o da Economia Solidária (ES). A EdC oferece possibilidades para enfrentar os desafios que a atualidade impõe à sociedade. Em conjunturas como essa é esperado que surjam alternativas para conceber a economia de um modo diferente. A EdC também propõe uma maneira de reagir à situação atual de mal-estar e aridez da economia capitalista, fundamentando-se no princípio de solidariedade. Neste sentido, a EdC mostra-se como uma filosofia empresarial que se materializa no modo de gestão, onde as relações internas e externas se dão de modo a atuar a partilha, a ética e o respeito frente aos agentes relacionados à empresa. Como foi explanado em outro momento, ela nasce no Brasil, , em 1991, por inspiração de uma italiana, e, a partir de então, foi adotada por empresários brasileiros e de diversos outros países que se identificaram com a proposta. O que ela propõe, todavia, é uma nova mentalidade de gestão que pode fazer o meio empresarial perder sua característica típica de acumulação, para evidenciar outras práticas, como a da comunhão, necessárias aos dias atuais. Para realizar esta proposta, a EdC investe na atividade laboral e a empresa se estrutura com base na economia moderna. Além disso, se orienta no sentido de colocar em comum os recursos disponíveis, revitalizados por homens dispostos a viverem o princípio da solidariedade, abertos ao exterior em direção a uma economia a serviço da comunidade local e mundial. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1867 A EdC vai além da proposta da comunhão de bens, porque trata-se da vivência desta comunhão, não se limita mais a doá-los simplesmente, mas estes são colocados em circulação na sociedade para que outros produzam com ele. Ela propõe a expressão econômica de uma vida de comunhão concretizada nas relações econômicas, entre homens que doam livremente em função do bem comum, os talentos, as capacidades empresariais, o profissionalismo ou o próprio dinheiro. A Economia Solidária, por sua vez, apresenta-se como um conceito ainda em construção, divergente entre alguns autores ou interpretado de forma diferenciada, podendo abranger um numeroso leque de atividades. Essa falta de coesão de seu conceito, todavia, é visto como algo positivo, por ser a ES um ato de vontade de construir uma sociedade melhor do que a que vem se apresentando. Assim é que Paul Singer (2005) entende a multiplicidade de conceitos em torno da Economia Solidária como algo positivo, uma riqueza para a própria conceituação; diz ele: Temos o direito de conceber a Economia Solidária de acordo com nossos princípios e de acordo com nossos valores. Por isso que há tantas concepções diferentes de Economia Solidária. Eu acho essa diferença desejável. Eu acharia uma perda se nós nos colocássemos agora em acordo e disséssemos ‘Economia Solidária é isso e quem não achar isso está errado’ (SINGER, 2005, p.11) . Singer (2002), sustenta que a Economia Solidária surgiu como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. Para Singer (2002) e Santos (2002) o início da Economia Solidária é contemporâneo do capitalismo industrial na Grã-Bretanha, recebendo influência dos socialistas utópicos, como Owen, justamente em função da onda de desemprego que a industrialização causou na época. Este autor e alguns outros, portanto, fazem referência às origens da ES como sendo coincidentes com a origem do cooperativismo. Alguns autores relacionam a ES com o cooperativismo remetendo-a para o início do a no de 1844 com os chamados pioneiros de Rochdale – 28 tecelões de uma pequena cidade da Inglaterra chamada Rochdale - os quais se juntaram e formaram uma sociedade cooperativa, também embasada no pensamento dos chamados socialistas utópicos, entre eles Robert III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1868 Owen82. A unidade característica da Economia Solidária é a cooperativa de produção, onde os princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperados não é grande) ou por representação, repartição da receita líquida entre os cooperados por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os cooperadores. Nascendo em um contexto europeu de condições de trabalho precárias o seu início no Brasil deu-se na década de 1980, desenvolvendo-se de modo mais expressivo a partir da década de 1990. A ES conquistou o interesse de estudiosos, do poder público e da sociedade civil, mostrando-se hoje ao país de maneira mais articulada, por meio, inclusive, de uma Secretaria dentro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). Ela visa, por meio de modos de organização de produção e de consumo diferenciados, criar alternativas de melhores condições de vida, sobretudo para pessoas que se encontram à margem do sistema, constituindo-se uma solução alternativa para o desemprego. A EdC e a ES são duas propostas de cunho social e empresarial ao mesmo tempo, que buscam a promoção do ser humano. Por terem objetivos semelhantes, assim como seus próprios nomes que sugerem algo voltado para o social, a clareza a respeito de cada uma dessas iniciativas muitas vezes é comprometida no meio acadêmico. A partir da visão de Singer (2005) seria possível afirmar que a EdC estaria inserida no contexto da ES, dada a flexibilidade do conceito de ES que o autor propõe. Todavia, o conhecimento das duas iniciativas leva a uma análise diferenciada, afinal, academicamente falando, essa singularidade dos termos e do que significam tem também a sua relevância. Chiara quando lançou a EdC certamente não estava pensando em um movimento 82 Em meio à exploração dos trabalhadores pelos industriais, comum na época, entre os próprios industriais destacaram-se alguns que tiveram uma visão diferenciada sobre o modo de se relacionar com os trabalhadores, como Robert Owen. Ele decidiu limitar a jornada de trabalho de seus operários e passou a não aceitar crianças trabalhando e ao invés disso as incentivou a estudarem. Esse seu modo de gerir sua indústria lhe trouxe também maior lucratividade, pois aumentou a produtividade. Owen se transformou em um dos mais importantes socialistas utópicos mediante a criação de várias comunidades industriais. Fonte: brasilescola.com III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1869 datado anteriormente pela experiência dos pioneiros de Rochdale83, assim, ao invés disso, a EdC nasceu da realidade brasileira dos anos 1990, que inclusive se assemelha em grande parte com aquela presente nas origens da ES. A Economia de Comunhão, por tudo o que já foi visto a respeito, tem sua origem igual e distinta da ES ao mesmo tempo. Igual porque foi inspirada pela situação de pobreza presente no Brasil, mesma problemática da Inglaterra na época, onde essa mesma situação apresentava-se nas duras condições de trabalho às quais se submetiam os trabalhadores. Distinta porque nasceu de dentro de uma comunidade, com uma filosofia própria que inspirou a comunhão já vivida internamente nessa comunidade a estender-se ao meio empresarial. Além disso, a forma do próprio empreendimento é distinta, uma vez que na ES encontram-se o cooperativismo e a autogestão como umas de suas principais características. A EdC, por outro lado, tem como base a empresa capitalista. Nela é o proprietário dos meios de produção que tem a oportunidade de fazer algo, enquanto na ES são os próprios trabalhadores que se organizam entre si. Enquanto a EdC propõe um modelo alternativo de gestão, a ES propõe um modelo alternativo de organização da produção. Algo a ser colocado em evidência é que a EdC e a ES, entre tantas outras iniciativas, são, cada uma a seu modo e segundo seus próprios princípios, formas alternativas que nossa conjuntura vêm forçando a existir, ou seja, o país passa por um momento onde a sociedade civil se encontra no papel de pressionar o poder público e de fazer ela mesma a sua parte para buscar formas alternativas de gestão e produção, que propiciem às pessoas recuperar, em última instância, sua condição de cidadão. (MARTINS, et al, 2006. p. 12) Nesse sentido, surge uma questão: mas, uma empresa de Economia Solidária não é também uma empresa de Economia de Comunhão e vice-versa? Até que ponto um modelo não contém também o outro? Segundo Bruni (2005), a Economia Solidária traz à tona um novo formato de empresas, como o caso das cooperativas, que se caracterizam, principalmente, pelo fato de 83 Apesar de Singer remeter a origem da ES à Owen e aos demais autores denominados socialistas utópicos, ele vê a ES como sendo não o fruto da criação intelectual de alguém, mas, segundo Singer (2003a, p.13) “a Economia Solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores contra o capitalismo”. O que a ES condena no capitalismo, na visão do autor, é a ditadura do capital da empresa que dá ao empresário o direito de tomar atitudes segundo sua vontade mesmo se em detrimento do trabalhador e de seu emprego. De fato, “a empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo” (SANTOS, 2002, p.83). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1870 não terem fins lucrativos. A Economia de Comunhão por sua vez não propõe novas formas de empresas, mas uma nova cultura que estimula a comunhão entre as pessoas na organização. Na saída do processo o lucro gerado - perpetuando a perspectiva de comunhão, que não se limita à organização - é colocado em comum com aqueles que não conseguem suprir suas necessidades materiais e uma parte contribui com a difusão desta proposta em favor do bem comum e formação de homens novos. Bruni acrescenta que se a comunhão não se tornar cultura, não haverá qualquer esperança de a EdC durar no tempo. Como se pode ver a Economia Solidária e a Economia de Comunhão nasceram da identificação e necessidade de resolver o problema social, mas com estrutura e perspectivas diferentes. Assim, as compreensões das especificidades, o alcance de cada uma dessas iniciativas e a distinção de seus conceitos, pode assegurar a importância de cada uma e, sobretudo, oferecer uma melhor compreensão da EdC a qual se quer evidenciar. Todavia, é importante ajuntar que o objetivo não é de estabelecer qualquer tipo de hierarquia da Economia de Comunhão, mas compreender melhor o tema proposto a fim de poder contribuir para sua difusão e desenvolvimento. 4. Considerações Finais Na EdC não se modificam as características e os princípios do capitalismo, mas renova-se sua dimensão cultural para descobrir a verdade integral sobre o homem e permitir assim se relacionar com o mesmo dinamismo econômico, porém com uma ética autenticamente humana, que respeite a dignidade e liberdade do homem. Sendo a economia uma ciência social, uma aproximação às questões éticas é de todo inevitável pelos teóricos da economia. Sen (2006), por exemplo, afirma que o empobrecimento das teorias econômicas modernas se dá devido ao distanciamento entre economia e ética. A EdC instiga esse debate ao reintroduzir a ética nas relações de produção, distribuição e consumo, retomada por muitos economistas, fornecendo hoje para a Teoria Econômica a capacidade de exercer as atividades que são pertinentes à Economia no que tange à produção de bens num ambiente ético e harmônico, mostrando que é possível conciliar crescimento econômico e empresarial com ética e solidariedade. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1871 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Vera. Qual homem e qual sociedade para a Economia de Comunhão. Separata de: ABBA – Revista da Cultura, SP: Cidade Nova, Ano 2001, Nº 3, 2002. ASSOCIAÇÃO NACIONAL POR UMA ECONOMIA DE COMUNHÃO. Disponível em: <http://anpec-edc.com.br/>. Acesso em: 20 set. BERTUCCI, Ademar. et al. 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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1874 ESTÁGIO CURRICULAR E CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: UM DEBATE NECESSÁRIO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO Alano do Carmo Macêdo84 Tatiana Raulino de Sousa85 Resumo No âmbito da educação um tema amplamente discutido pelo serviço social, refere-se ao estágio supervisionado, principalmente após ser sancionada a Lei 11.788/2008 de 25 de setembro de 2008, a aprovação da Resolução Conselho Federal de Serviço Social nº. 533/2008 e da Política Nacional de Estágio (PNE) da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nossas inquietações ocorrem devido ao trabalho desenvolvido no Conselho Regional de Serviço Social - 3ª Região (CRESS/CE), junto a Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), através dos processos de fiscalização do exercício profissional dos assistentes sociais. Iamamoto (2009) apontava o Brasil com o segundo maior contingente de assistentes sociais, na época com 82 mil profissionais, sendo superando apenas pelos Estados Unidos da América (EUA). Dados do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) relativos a setembro de 2012 apontam para um quantitativo de 121.234 assistentes sociais aptos ao exercício profissional. Cabe aqui ainda expressar que, no XIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em novembro de 2012, foi problematizado que vivenciamos historicamente, pela primeira vez, no serviço social brasileiro, um número de alunos em processo de graduação (143 mil) superior ao quantitativo de profissionais em exercício (121.234). Diante dessa conjuntura de mercantilização da educação, com o aumento descontrolado dos cursos de serviço social, que por sua vez acentua a demanda por campos de estágio, temos enfrentado situações cada vez mais complexas de inadequações desses campos. Este trabalho objetiva problematizar essa realidade complexa e contraditória do estágio curricular supervisionado em serviço social. Palavras-chave: Educação. Formação profissional. Estágio curricular . 1. Introdução Desde os anos de 1990, vem ocorrendo, no Brasil, um processo de reestruturação do Estado e desregulamentação das relações econômicas e sociais, produto da política neoliberal. Esta reestruturação como destaca Boschetti (2007), ocorre em três áreas: nas funções típicas onde se inclui segurança nacional, emissão de moeda, corpo diplomático e fiscalização; nas políticas públicas, entre elas a educação; e no setor de serviços. No âmbito da educação um tema amplamente discutido pelo serviço social, refere-se ao estágio supervisionado, principalmente após ser sancionada a Lei 11.788/2008 de 25 de 84 Universidade Estadual do Ceará, Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social, [email protected], (85) 8500-8585 85 Universidade Estadual do Ceará, Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social, [email protected], (85) 8785-4686 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1875 setembro de 2008, a aprovação da Resolução Conselho Federal de Serviço Social nº. 533/2008 e da Política Nacional de Estágio (PNE) da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nossas inquietações com essa temática ocorrem devido ao trabalho desenvolvido no Conselho Regional de Serviço Social - 3ª Região (CRESS/CE), junto a Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), através dos processos de fiscalização do exercício profissional dos assistentes sociais. No contexto sinalizado anteriormente por Boschetti (2007), verificamos profundas mudanças no exercício e formação profissional, identificadas com a precarização das condições de trabalho, provocando mudanças no perfil da categoria, bem como uma intensa privatização do ensino superior, centrada na abertura desenfreada de vários cursos de graduação em serviço social nas modalidades presencial e à distância, e consequentemente, uma exponenciação na demanda por campo de estágio. Iamamoto (2009) apontava o Brasil com o segundo maior contingente de assistentes sociais, na época com 82 mil profissionais, sendo superando apenas pelos Estados Unidos da América (EUA). Dados do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) relativos a setembro de 2012 apontam para um quantitativo de 121.234 assistentes sociais aptos ao exercício profissional. Ou seja, em três anos houve um aumento de aproximadamente 50% no número desses profissionais. Cabe aqui ainda expressar que, no XIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em novembro de 2012, foi problematizado que vivenciamos historicamente, pela primeira vez, no serviço social brasileiro, um número de alunos em processo de graduação (143 mil) superior ao quantitativo de profissionais em exercício (121.234). Mediante o levantamento de dados estatísticos do ano de 2012, realizado pela COFI do CRESS/CE, observamos a existência de 22 unidades de ensino superior que oferecem o curso de serviço social no Estado do Ceará. Dessas, 14 ocorrem na modalidade presencial 86 e oito 86 IES Presenciais: Universidade Estadual do Ceará (UECE); Faculdade do Vale do Jaguaribe (FVJ); Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio (FLS); Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – Campus Iguatu; Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO); Faculdade Vale do Salgado (FVS); Faculdade Kurios (FAK); Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA); Faculdade Teológica e Filosófica (RATIO); Faculdade de Fortaleza (FAFOR); Faculdade Cearense (FAC); Faculdade Terra Nordeste (FATENE); Faculdade Princesa do Oeste (FPO) e Faculdade Maurício de Nassau de Fortaleza (FMN Fortaleza). Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 04/12/2012.. Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 30/03/2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1876 na proposta de educação à distância (EAD)87. Dados do CRESS/CE obtidos dos mapeamentos dos campos de estágio apontam unidades na modalidade EAD em pelo menos 20 dos 184 municípios do Ceará. Isso revela que 11% dos municípios do Estado possuem cursos de graduação em serviço social nessa proposta de educação. Em uma análise mais detalhada desses dados, com relação às instituições presenciais, constatamos que sete estão localizadas em Fortaleza, uma na Região Metropolitana e as demais estão em outros municípios cearenses, a saber: Aracati, Crateús, Icó, Iguatu, Juazeiro do Norte e Sobral. Observamos ainda que, destes 22 cursos, apenas dois são oferecidos por instituições públicas, sendo: Universidade Estadual do Ceará (UECE), cujo curso completou 60 anos de existência em 2010; e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – Campus Iguatu, tratando-se de grande conquista para a nossa categoria na defesa do ensino de qualidade, laico, público e presencial. Dados do CRESS/CE revelam ainda que até o ano de 2009 todos os assistentes sociais formados no Ceará eram oriundos da UECE, situação totalmente alterada pelo contexto contemporâneo em razão das implicações ocasionadas pela eclosão de outras instituições de ensino. Para corroborar esta informação, no ano de 2010, temos a Faculdade Doutor Leão Sampaio que formou a primeira turma de assistentes sociais proveniente de unidade de ensino particular no Estado federativo do Ceará. Importa expressar que outras instituições, nos anos subsequentes, já disponibilizaram, no mercado de trabalho, profissionais com graduação em serviço social, a saber: INTA, UNOPAR, UNITINS e UNIDERP. Os dados apontam ainda, parafraseando Iamamoto (2009), para a formação de um crescente “exército de reserva” de assistentes sociais, ao constatarmos que em 2010 o CRESS/CE realizou a inscrição de 362 novos profissionais em serviço social, dado que foi superado em 2011 pelo quantitativo de 642, ampliado em 2012 pelo pleito de 696, chegando, até março de 2013, a 304 inscritos aptos ao exercício da profissão. Constatamos que a precarização da formação superior e o crescimento desordenado e sem critérios de cursos de serviço social se expressam hoje como o centro das atenções e 87 IES EAD: Universidade Estácio de Sá (UNESA); Universidade Norte Paraná (UNOPAR); Universidade Paulista (UNIP); Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Universidade Anhanguera Uniderp (UNIDERP); Universidade do Tocantins (UNITINS) (foi descredenciada pelo MEC, mas ainda está em processo de estágio); Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES); Centro Universitário do Instituto de Ensino Superior COC (COC). Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 01/09/2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1877 preocupações de todas as entidades de defesa da categoria. Verificamos, por outro lado, que estas expressões contemporâneas têm impactos deletérios nas condições cotidianas de trabalho do assistente social, na medida em que aumenta a demanda por benefícios e serviços exponencialmente com o aumento da desigualdade e da pauperização absoluta e relativa, no mesmo passo em que diminuem as condições de atendimento físicas, éticas e técnicas, incluindo-se impactos, também, na remuneração (BEHRING, 2009). Diante dessa conjuntura de mercantilização da educação, com o aumento descontrolado dos cursos de serviço social, que por sua vez acentua a demanda por campos de estágio, temos enfrentado situações cada vez mais complexas de inadequações desses campos. O Conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO) apontam o estágio supervisionado como “nó górdio”, em especial na modalidade EAD, ressaltando ser este o alvo do maior quantitativo de denúncias que chegam a estas entidades. Das inúmeras denúncias destacamos: a quantidade de alunos que ultrapassa o permitido pela Resolução do CFESS nº. 533/2008 para cada profissional que atua como supervisor de campo; o descumprimento da orientação da Política Nacional de Estágio quanto ao número de alunos por supervisor acadêmico; o exercício ilegal da profissão; a supervisão de campo à distância; a ausência do acompanhamento sistemático da supervisão acadêmica, entre outras. Diante do exposto, este trabalho objetiva problematizar essa realidade complexa e contraditória do estágio curricular supervisionado em serviço social, enfocando suas bases legais e os desafios postos a esse cenário contemporâneo. 2. Estágio curricular em serviço social no contexto de crise capitalista. As configurações atuais do estágio supervisionado em serviço social nos inquietam com a necessidade de aprofundar o debate em torno desse tema de fundamental importância para a formação profissional. Nesse sentido, a legislação tem papel essencial, em destaque: as diretrizes curriculares, a lei de estágio e a resolução de estágio, conforme introduzimos anteriormente. As diretrizes curriculares do curso de serviço social são resultantes de um vasto e ordenado debate promovido pelas unidades de ensino ocorrido de 1994 a 1996, período no qual foram realizados, de acordo com dados da ABPESS (1996, p.2), “aproximadamente 200 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1878 (duzentas) oficinas locais nas 67 (sessenta e sete) unidades acadêmicas filiadas à ABEPSS, 25 (vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais”. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9. 394, datada de 20 de dezembro de 1996, as diretrizes curriculares passam a ter como uma das atividades indispensáveis integradoras do currículo o estágio supervisionado, definido como, uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional, objetivando capacitá-lo para o exercício profissional, o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão será feita pelo professor supervisor e pelo profissional do campo, através da reflexão, acompanhamento e sistematização, com base em planos de estágio elaborado em conjunto pelas unidades de ensino e organizações que oferecem estágio (BRASIL, 1996) . A Lei nº. 11.788/2008 trouxe possibilidades para a compreensão e realização de estágio, referendando esta atividade como parte inerente do projeto pedagógico do curso, além de compor o processo de formação do educando. Dessa forma, o estágio é definido como ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008). Consideramos que, a lei responsável pela regulamentação do estágio no Brasil, representa do ponto de vista acadêmico um respaldo legal para todos os alunos que buscam um estudo prático na área de seu curso, tendo em vista a possibilidade de deslegitimar as funções que fogem das competências do seu campo acadêmico. Destacamos também a imprescindível vinculação que deve haver entre a formação teórica do estagiário e a suas atividades de estágio, possibilitando a articulação entre teoria e prática no processo de formação profissional. Cabe pontuar que a legislação específica, ao regulamentar as atuações das supervisões de campo e acadêmica, viabilizou para além de um estágio normatizado, contribuiu para que os processos de fiscalização ocorressem de forma mais consistente, uma vez que, como afirma III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1879 Buriolla (2008), a base legal sobre estágio, seja na dimensão geral ou especifica, atribui, na sua execução, um caráter de “proteção” e de formação prática ao aluno. Múltiplas questões despontam frente ao cenário contemporâneo, e os desafios relativos ao estágio se multiplicam na mesma proporção que os novos cursos de serviço social proliferam, entre as quais podemos destacar: dificuldade quanto à entrega do plano de estágio pela supervisão acadêmica e de campo; o aumento do número de cursos de serviço social rebate no crescimento do quantitativo de estagiários por supervisor de campo; estagiário cumprindo horas referentes a dois níveis num único semestre; mesmo profissional desempenhando os papéis de supervisor de campo e acadêmico junto ao mesmo estagiário. Outras situações se referem aos profissionais que são ameaçados de perder o emprego caso não aceitem supervisionar estagiário, sendo frequentemente constrangidos pelos “responsáveis” das IES, prefeitos, secretários e empresários de alguns dos municípios, desrespeitando a legislação pertinente e utilizando do estágio como moeda de troca, fortalecendo o “jogo” de interesses e a troca de favores. Tal como assinala Buriolla (2008) a questão da supervisão se destaca como uma situação cada vez mais complexa e polêmica, sendo identificada nos casos já mencionados. Objetivando sanar algumas situações irregulares o CFESS aprovou a Resolução nº. 533/2008, sendo produto de um debate amadurecido pela categoria, tendo como foco a relação entre Política Nacional de Fiscalização e o estágio supervisionado em serviço social. Sua elaboração foi justificada, considerando, dentre outros aspectos [...] que a norma regulamentadora, acerca da supervisão direta de estágio em Serviço Social, deve estar em consonância com os princípios do Código de Ética dos Assistentes Sociais, com as bases legais da Lei de Regulamentação da Profissão e com as exigências teórico-metodológicas das Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social aprovadas pela ABEPSS, bem como o disposto na Resolução CNE/CES 15/2002 e na lei 11.788, de 25 de setembro de 2008; a necessidade de normatizar a relação direta, sistemática e contínua entre as Instituições de Ensino Superior, as instituições campos de estágio e os Conselhos Regionais de Serviço Social, na busca da indissociabilidade entre formação e exercício profissional; a importância de se garantir a qualidade do exercício profissional do assistente social que, para tanto, deve ter assegurada uma aprendizagem de qualidade, por meio da supervisão direta, além de outros requisitos necessários à formação profissional; que a atividade de supervisão direta do estágio em Serviço Social constitui momento ímpar no processo ensino-aprendizagem, pois se configura como elemento síntese na relação teoria-prática, na articulação entre pesquisa e intervenção profissional e que se consubstancia como exercício teórico-prático, mediante a inserção do aluno nos diferentes espaços ocupacionais das esferas públicas e privadas, com vistas à III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1880 formação profissional, conhecimento da realidade institucional, problematização teórico-metodológica (Resolução CFESS nº. 533 de 29/09/2008). O Conjunto CFESS/CRESS tem oportunizado consideráveis avanços com a Resolução nº. 533/2008, principalmente com relação a postura profissional dos supervisores de campo, uma vez que, considerando os atos normativos, esses profissionais estão adequando a supervisão ao que está previsto na referida resolução. Entendemos ainda que esse é um trabalho conjunto entre as unidades de ensino e a unidade campo de estágio, devendo ser articulado para viabilizar condições efetivas de diálogos. São dilemas postos pela própria dinâmica do exercício profissional do assistente social frente à uma lógica neoliberal, compreendendo os avanços e desafios que vão além de ter uma supervisão qualificada ou ter um supervisor, tanto acadêmico ou de campo que atenda as questões da formação. A ABEPSS (2011, p.13) delineou uma política nacional de estágio na esfera do serviço social “entendendo-a como fundamental para balizar os processos de mediação teórico-prática na integralidade da formação profissional do assistente social”. Destacamos que esta política foi produto de uma construção coletiva, que teve início em maio de 2009 com o lançamento do “documento-base”, que fundamentou o amplo debate na categoria. A concepção dessa política conseguiu realizar grande mobilização em todo o Brasil. Em 2009, foram realizados 80 eventos, com a presença 175 unidades de formação e participação de 4.445 profissionais. Outros dados são ressaltados pela ABEPSS como “o relatório da pesquisa avaliativa da implementação das Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social”, que indicava a necessidade de elaboração de uma política nacional de estágio. Ramos (2007, p.17) já apontava o imperativo de problematizar algumas questões, como [...] a reflexão sobre a relação da quantidade de estudantes estagiários por supervisores e a qualidade do processo pedagógico; necessidade de ampliação dos fóruns de supervisores de estágio,sobretudo nas IES públicas; o aprofundamento da articulação das UE's com os CRESS em relação à supervisão de estagiários vinculados a cursos de graduação à distância em Serviço Social [...] dentre outras. Consideramos o contexto como instigante para a discussão sobre o estágio supervisionado em serviço social, como está posto pela ABEPSS (2011, p.19) ao destacar o debate do estágio “como estratégia na defesa do projeto de formação profissional em consonância com o Projeto Ético-Político do Serviço Social”. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1881 Corroboramos com a posição de Guerra (2009) ao reforçar a importância da articulação das unidades de formação com os CRESS e em especial com a Comissão de Orientação e Fiscalização e os agentes fiscais, a fim de almejar uma construção coletiva que enfrente os desafios pertinentes quando do estágio supervisionado, garantindo a qualidade na formação pautada na luta histórica do serviço social delineada ao longo dos anos. 3. Reflexões Finais Atualmente somos desafiados por uma elava demanda de questões provenientes do tema por ora encetado. Contudo, percebemos que a realidade em sua dinâmica complexa tem exigido uma postura mais contundente das instituições diretamente imbricadas nos processos de estágio em serviço social. Identificamos que, com o avanço no aparato legal, a postura das unidades de ensino e das instituições cedentes de campo de estágio tem avançado no sentido de dar respostas em consonância ao que prevê o arcabouço normativo. Como destaca Guerra (2009, p.532), “a supervisão em Serviço Social aparece como uma atribuição profissional desde a primeira versão da lei de regulamentação da profissão, que data de 1952, sendo aprovada em 1957”. Dessa forma, se constitui em objeto de pesquisa, produção teórica e constante debate. A promoção de fóruns junto aos supervisores tem propiciado um espaço de socialização de estratégias diante de um contexto deveras desafiante, conforme já pontuamos anteriormente. Cabe o registro do crescente quantitativo de profissionais que tem aderido ao evento com participação ativa nos debates. É importante ressaltar que os fóruns estão acontecendo via CRESS, mas também oportunizado pelas unidades de ensinos públicas e privadas presenciais. Destacamos a identificação de avanços e desafios nessa arena contemporânea. Consideramos que a criação da Resolução CFESS nº. 533/2008 e da PNE da ABEPSS visibilizaram e estimularam as demandas em prol da fiscalização das condições do estágio. Os desdobramentos das situações são complexos e demandam estudo, aprofundamento e discussão com a equipe da COFI, gerando orientação junto ao conjunto CFESS/CRESS, além de trabalho articulado com a ABEPSS, Comissão Permanente de Ética, assessoria jurídica e Grupo de Trabalho e Formação Profissional via CRESS. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1882 Consideramos central este debate no seio da categoria profissional, em prol de uma formação crítica e de qualidade que esteja articulada com os valores, princípios e diretrizes do Projeto Ético-Político. Refletir sobre o estágio supervisionado em serviço social nos possibilita articular as dimensões do fazer profissional nos aspectos teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo, oportunizando, aos estudantes em processo de formação, um pensar crítico-reflexivo em prol da concatenação entre teoria e prática, negando a máxima que historicamente esteve presente na categoria, qual seja, “na prática a teoria é outra”. Referências bibliográficas ABEPSS. Política Nacional de Estágio da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Brasília, 2010. ______. Política Nacional de Estágio. In: Instruções Normativas aos Supervisores de Estágio. Fortaleza/Ceará. CRESS 3ª. Região, 2011. BEHRING, E. R. Graduação à distância impossibilita formação profissional de qualidade. In: Revista Inscrita nº11. Brasília: CFESS, Maio de 2009. BOSCHETTI, I. Subsídios ao Debate sobre Estágio Supervisionado Com vistas à Regulamentação, pelo CFESS, da Supervisão Direta. 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Tal processo é indissociável da exploração do trabalhador, que se vê à mercê das transformações e seus rebatimentos sobre o modo de produzir que, ao longo da evolução dos ciclos capitalistas e das mudanças nos padrões de demanda; vai do completo conhecimento dos processos produtivos, à ultra especialização das atividades, passando para a polivalência máxima do trabalhador. Nesse contexto, através do resgate histórico dos modelos de processo de produção do trabalho segundo Marx, Taylor, Ford e Toyota, este artigo pretende verificar como as mudanças nos modelos paradigmáticos de produção afetaram o mundo do trabalho e como contribuíram para a desregulamentação do trabalho no Brasil. Palavras-chave: Trabalho; Capitalismo, Desregulamentação. 1. INTRODUÇÃO A busca pela máxima utilização do trabalho remonta ao período clássico dos estudos econômicos, quando o capitalismo ainda firmava suas bases. Com sua consolidação, observou-se que os movimentos de expansão (recuperação) e refreamento (recessão) econômico provocaram oscilações desarmônicas entre os produtos potencial e real, configurando hiatos característicos de um crescimento cíclico. Assim, modelos paradigmáticos de produção surgem da tentativa de dar sobrevida ao sistema econômico capitalista, quando este se insere num contexto de crise, de modo que as formas de exploração das riquezas pelo capital através da reestruturação produtiva são resultados da evolução histórica dos processos de produção capitalista (ANGELI, 2008). 88 Graduanda em Direito, Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 8142-0768, e-mail: [email protected] 89 Professora Substituta do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 3521-1397, e-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1885 Nesse sentido, as mudanças ocorridas no processo trabalho desde a produção artesanal e os estágios da manufatura e maquinaria, até as transformações mais recentes, envolvendo os modelos de produção taylorista e fordista, até os métodos de acumulação flexível, como o toyotismo, contribuíram de forma fundamental para acelerar o processo de desregulamentação do mercado de trabalho (ou desregulação do trabalho), passando pela desapropriação dos instrumentos de trabalho, até a destruição e reconstrução das habilidades intelectuais do trabalhador, culminando com a precarização das relações trabalhistas, intensificada principalmente a partir da década de 1970, num contexto de crescente globalização da economia, quando na tentativa de reorganizar o capital, as ideologias neoliberais ganharam força, através das privatizações e desregulamentação dos direitos trabalhistas, flexibilização do trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Este artigo realizado com base em pesquisa bibliográfica tem o objetivo de verificar os rebatimentos das transformações dos modelos produtivos sobre o mercado de trabalho, e se divide em dois capítulos além da introdução e conclusão. No primeiro capítulo é descrito a evolução histórica dos processos de trabalho, começando por Marx e sua visão sobre cooperação, manufatura e maquinaria; passando pela administração científica de Taylor; pela ultra especialização do trabalho no fordismo; e alcança as bases da acumulação flexível, tomando como exemplo o Toyotismo. No capítulo seguinte, são feitas algumas considerações sobre o rebatimento dos modelos reestruturantes de produção sobre o mercado de trabalho no Brasil, pela ótica da desregulamentação do modo de trabalho. 2. PROCESSOS DE PRODUÇÃO E TRABALHO E SUA EVOLUÇAO HISTÓRICA 2.1 CONSIDERAÇÕES DE MARX 2.1.1 Cooperação90 Para Marx, a produção capitalista efetivamente começa quando trabalhadores deixam de trabalhar para si mesmo e passam a vender sua mão-de-obra detentores dos meios de produção. Pela soma desta força de trabalho forma-se uma espécie de aglomeração que irá produzir de maneira cooperativa. 90 É importante destacar que, num período anterior à Marx, as questões da Cooperação, da divisão e especialização do trabalho, já haviam sido discutidas por Adam Smith. Porém, o corte metodológico dado nesta pesquisa tem o propósito de fazer um breve histórico da evolução da organização do trabalho, e não da evolução do emprego nas diferentes escolas do pensamento econômico. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1886 Mas a cooperação, para Marx (1994), não tem o sentido de uma aglomeração de trabalhadores produzindo para si e dividindo o lucro da venda entre os cooperados. Cooperação é antes o emprego simultâneo de um grande número de trabalhadores desenvolvendo processos de produção de maneira coordenada. Essa organização surgiu a partir da idéia e da observação de que uma certa quantidade de trabalhadores reunidos produzem mais e mais rapidamente do que produziriam a mesma quantidade de trabalhadores, trabalhando individualmente em todos os processos produtivos de um produto. Ou seja, a cooperação contribui para que se alcance um resultado que nenhum homem isolado poderia alcançar, dado que o trabalho combinado dos diferentes trabalhadores (trabalho coletivo) não corresponde ao trabalho produzido pelo trabalhador individual, dado que há elevação da força produtiva individual através de uma nova força produtiva – a força coletiva. A cooperação também eleva a produtividade em escala, além de intensificar a redução dos custos. Embora não constitua nenhum modo de desenvolvimento da produção capitalista dado que o processo de trabalho ainda se conserva em nível artesanal. 2.1.2 Manufatura A manufatura se desenvolveu de meados do século XVI ao final do século XVIII, a partir da concentração de trabalhadores produzindo sob o comando de um mesmo capitalista. Tendo que em seu início era realizada pela reunião de trabalhadores que executavam diferentes operações independentes, trabalhando o produto até seu acabamento final, com o passar do tempo, tornando-se um sistema com produção dividida em diversas operações especializadas, em que os trabalhadores executavam a mesma e única tarefa e a soma dos trabalhos parciais gerava o produto final. Para Marx, a manufatura era caracterizada através de duas formas: a manufatura orgânica (onde o artigo era passado de uma mão para outra e cada mão deixava impresso nele um trabalho parcial que a cada artesão, ia se completando até que alcançasse o último operário, o qual o transformaria em um produto pronto); e a manufatura heterogênea (onde a produção era fracionada em vários processos que exigiam tempos desiguais de trabalhos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1887 parciais, embora combinados em determinada proporção e força de trabalho com diferentes graus de formação, permitindo estabelecer uma hierarquia na escala salarial). A manufatura inicializou a divisão do trabalho, transformando o operário ‘‘num trabalhador que, sua vida inteira, executa uma única operação transformando seu corpo em órgão automático e especializado’’ (MARX, 1994, p.381). Nesse estágio a exploração do trabalhador se traduz na destituição do conhecimento total das etapas de produção, e na aceleração das atividades em que se imprime cada vez menos tempo de trabalho em um nível cada vez maior de produto. 2.1.3 Maquinaria A partir do século XVIII, com a Revolução Industrial e a incorporação das inovações tecnológicas, que dispensavam grande parte do trabalho manual, as máquinas começaram a ter um papel de destaque nos processos produtivos. Nesse estágio, as operações que cada operário deveria realizar foram simplificadas ao extremo e o trabalho humano aderiu características secundárias de apenas corrigir manualmente o erro das máquinas, manuseá-las e observar seu funcionamento, cabendo agora às máquinas, a atividade de transformar matéria prima em produto. Na produção mecanizada desaparece o princípio subjetivo da divisão do trabalho. Nela o processo por inteiro é examinado objetivamente em si mesmo, em suas fases componentes e o problema de levar a cabo cada um dos processos parciais e entrelaçá-los é resolvido com a aplicação técnica da mecânica, da química etc. [...] Na manufatura, o isolamento dos processos parciais é um princípio fixado pela própria divisão do trabalho; na fábrica mecanizada, ao contrário é imperativa a continuidade dos processos parciais. (MARX, 1994, p. 433) Na manufatura enquanto o fundamento do processo de produção era a habilidade profissional do trabalhador, na indústria moderna, passa a ser o instrumento do trabalho, que se converte em maquinaria. Esse processo acarretou a desqualificação da mão-de-obra operária, fazendo com que cada operário fosse responsável por uma parcela cada vez menor e mais simples do processo de produção e deste modo, surgisse, mais rapidamente, uma quantidade maior de pessoas prontas para assumir um posto de trabalho. Nesse momento, em que a maquinaria acabou por tornar dispensável a força muscular do trabalhador masculino (sendo substituída pela força III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1888 motriz mecânica, a vapor ou hidráulica), abriu-se espaço ao trabalho feminino (e ao infantil) nas primeiras indústrias desvalorizando a mão de obra e aprofundando a desigualdade de remuneração entre os gêneros. Na verdade, as máquinas além de reestruturarem todo o processo produtivo, buscando recompor a taxa de lucro do capital, ao mesmo tempo em que gera uma profunda desagregação das classes menos favorecidas, impedindo a organização dos trabalhadores em partidos, sindicatos e associações, para enfrentarem as investidas do capital, contribuíram muito mais para aumentar a mais valia, do que para reduzir o tempo de trabalho humano, expondo mulheres e crianças à exploração capitalista, aumentando a jornada de trabalho além dos limites humanos. Com o passar do tempo, a intensificação do trabalho provocou reação da sociedade que, depois de muitas manifestações, conseguiu com que a jornada fosse legalmente limitada entre 1844 e 1850. Mesmo assim, já que para os capitalistas essa medida trazia prejuízo aos lucros, o trabalho continuou intenso dado que, os capitalistas passaram a exigir do trabalhador mais dinamismo e maior velocidade de trabalho num período mais curto, prejudicando a saúde do operário e, por conseqüência, a própria força de trabalho, mas elevando a produtividade ao mesmo nível do período anterior à limitação da jornada. A maquinaria também precarizou as relações de trabalho e destruiu a segurança que o trabalhador artesanal ou manufatureiro tinha, transformando e alocando a mão-de-obra das indústrias em cargos perfeitamente rotativos sem interromper o processo produtivo. Mesmo assim, segundo Marx, economistas burgueses tais como Mill, Torrens e Senior afirmavam que a maquinaria não seria responsável pelo desemprego dos trabalhadores do ramo industrial e acreditavam que caso a maquinaria os dispensassem, eles poderiam ser realocados em outros ramos, correspondendo, desta maneira, ao que os autores chamaram de teoria da compensação. O processo de organização da força de trabalho dá um salto significativo no século XX, com a incorporação, no processo produtivo, das idéias que ficaram conhecidas como Taylorismo. 2.2 O PROCESSO TAYLORISTA DE PRODUÇÃO III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1889 Quando Frederick Winslow Taylor (1856-1915) assumiu a chefia da Midvale Steel Company, no final do século XIX, nos Estados Unidos, ele revolucionou não apenas o seu ambiente de trabalho, mas a relação que o homem tinha com o trabalho em todos os lugares do mundo. Seu objetivo principal era aumentar a produtividade da empresa em que trabalhava e, para isso, Taylor fez uma análise geral da estrutura da empresa, começando pelos trabalhadores da produção, identificou causas para a baixa produtividade e sugeriu modificações que iniciaram uma nova fase de reestruturação produtiva que buscou reverter a queda tendencial da taxa de lucro do investimento produtivo (GUILHERMETI, 2004). É preciso enfatizar que nesse período, segundo Guilhermenti (2004), o contexto vivido pelos Estados Unidos era de crise geral do capitalismo. O desenvolvimento industrial, que até então se baseava em lucros comerciais, levou a capacidade de absorção das mercadorias ao declínio e o aumento da produtividade era visto como a única alternativa para a expansão das indústrias e para a geração de lucros. Diante desse cenário, Taylor edificou seus postulados a partir da necessidade de ampliação do ritmo de produção e do barateamento do custo do trabalho vivo, através de sua redução a trabalhos elementares que dispensavam a qualificação profissional. O termo taylorismo pode ser definido, portanto, da seguinte maneira: [...] a soma total das relações de produção interna do processo de trabalho que tendem a acelerar a conclusão do ciclo mecânico dos movimentos do trabalho. Essas relações são expressas num princípio geral de organização que reduz o grau de autonomia dos trabalhadores e os coloca sob uma permanente vigilância e controle das ordens de produção. (MORAES NETO, 1989, p. 69). Segundo Taylor, o operário não tinha capacidade intelectual, nem formação, nem meios para analisar cientificamente o seu trabalho e estabelecer racionalmente qual o método ou processo mais eficiente para realizá-lo. Mesmo assim, as operações de produção ficavam sob o livre arbítrio dos operários, porque a própria administração desconhecia os processos e o tempo necessário de produção do produto que fabricavam. Para Taylor, esta era a grande fraqueza da administração: o absoluto domínio que os operários tinham sobre seu ofício. Para solucionar o problema, Taylor retirou da responsabilidade do operário à obrigação de ‘’pensar’’, criando um sistema que expropriou a criatividade e a iniciativa dos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1890 trabalhadores, transformando-os em meras máquinas vivas que deveriam seguir um processo já planejado: A chave da administração científica estabelecido por Taylor [...] é o princípio da separação da concepção e execução ou seja, a separação do trabalho mental e manual; o conhecimento científico é apenas um suporte para que o capital, por um lado explore as particularidades do homem enquanto máquina, e por outro, aperfeiçoe os mecanismos de controle dos passos do trabalhador coletivo (MORAES NETO , 1989, p.41- 43). Para tanto, Taylor estudou o tempo e os padrões de produção aplicando vários testes até encontrar a combinação ótima de cada processo; estudou também, a supervisão funcional, padronizou ferramentas e instrumentos, planejou tarefas, providenciou a execução, utilizou réguas de cálculo e instrumentos para economizar o tempo, aplicou fichas de instruções de serviço. Associou, ainda, a execução eficiente de tarefas a prêmios de produção, classificou produtos e materiais utilizados na manufatura e criou um sistema de delineamento da rotina de trabalho. A partir destas atividades, segundo Guilhermenti (200-), ele formulou e inseriu princípios científicos de administração das atividades operárias que, podem ser resumidos em quatro conjuntos: 1. Princípio do planejamento – os processos de produção deveriam ser planejados pela administração a partir de estudos científicos. 2. Princípio da preparação dos trabalhadores – os operários deveriam ser selecionados de acordo com suas habilidades específicas para atender às exigências do trabalho e receber instruções sistemáticas e treinamentos que os preparassem para seguir uma rotina de trabalho preestabelecida, com métodos planejados de produção, para que deste modo, produzissem mais, em menos tempo e com maior qualidade. 3. Princípio do Controle - o trabalho deveria ser controlado através da supervisão do cumprimento das normas estabelecidas e segundo o plano previsto. 4. Princípio da Execução – tarefas distintas deveriam ser distribuídas de acordo com as aptidões dos operários, para que a execução do trabalho fosse mais disciplinada. A substituição de métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos nos processos de produção, na tentativa de eliminar desperdícios e aumentar a produtividade, introduzida por Taylor, ficou mundialmente conhecida como Organização Racional do III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1891 Trabalho (ORT), e se trata também de uma nova divisão do trabalho, caracterizado pela separação da concepção e execução das tarefas, do trabalho físico e mental, além de um modelo paradigmático de reestruturação produtiva. O modelo taylorista de conceber a produção invadiu as indústrias americanas e rompeu as fronteiras do mundo. Seus métodos, aceitos e utilizados até hoje, vigoraram com força total até meados dos anos 1970, juntamente com o Fordismo, que remodelou os princípios da administração científica de Taylor, ao aplicá-los nas linhas de produção de suas fábricas. 2.3 O SISTEMA DE PRODUÇÃO FORDISTA O período em que se caracteriza o fordismo (1913) coincide com o período de Guerra Mundial e sua consolidação se dá no pós primeira guerra. É nesse contexto que surgem as estruturas monopolistas de produção. O regime que impera é o de acumulação intensiva baseado em ganhos de produtividade; mas o cenário econômico já dava evidências de que a redução da demanda provocaria um excessivo nível de produção que dificilmente encontraria caminhos para ser escoada. No entanto, o modelo fordista nos anos que antecedem à crise de superprodução de 1930, e os anos que a sucedem, como uma nova forma de reestruturação da produção, tenta superar os hiatos do ciclo econômico, reinventando o modo de produção e de controle gerencial, injetando dinheiro na economia (através dos salários dos operários) para incentivar a demanda efetiva e produzindo em massa para gerar demanda em massa. Para Ford, este modelo artesanal de produção não se encaixava às novas exigências do mercado. Portanto, resolveu remodelar o seu sistema de produção aprofundando o taylorismo no processo de trabalho. Na prática, ele procurou aplicar os métodos da organização científica de Taylor, concentrando-se em cinco transformações principais (MORAES NETO, 1991, p.70): 1. A racionalização das operações efetuadas pelos operários, afim de reduzir o tempo de produção, os custos e consequentemente o preço de venda do automóvel: O fordismo desenvolveu ainda mais a mecanização do trabalho, incrementou a intensidade do trabalho, radicalizou a separação entre trabalho manual e trabalho mental, submeteu rigorosamente os trabalhadores à lei da acumulação e tornou o III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1892 progresso científico contra eles como um poder a serviço da expansão uniforme do valor.`` (AGLIETTA, 1989, apud MORAIS NETO, 1991, p. 72) 2. A desqualificação dos operários; 3. A criação da linha de produção (esteira rolante) que fixa o operário no local determinado de modo a executar as tarefas em uma seqüência cooperativa que uniria os trabalhos individuais através do movimento do produto ao longo do processo. 4. A padronização das peças (através da integração vertical), que reduziria os movimentos dos operários a gestos simples, sem desperdício de tempo para adaptação do componente ao automóvel; 5. Automatização das fábricas (esteiras automáticas) para reduzir tempo de produção de um automóvel de doze horas e meia para duas horas e trinta e oito minutos. Um dos problemas a serem resolvidos por Ford era a falta de mão-de-obra não especializada. Para garantí-la, estipulou jornada de trabalho de 8 horas diárias, com intervalo para consumo e lazer, além de um salário de 5 dólares ao dia, enquanto a concorrência pagava apenas 2,5 dólares. Assim, em apenas dois dias, tinha a sua inteira disposição 10 mil homens, que concorriam às cinco mil vagas de sua fábrica. O pensamento de Ford estava em sintonia com o pensamento de Keynes, pois, como visto, acreditava que a produção em massa gerava o consumo em massa. Deste modo, era necessário manter um nível elevado de salários, de forma a garantir renda disponível para efetuar a demanda efetiva. Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder cooperativo... e era tal a sua crença no poder corporativo de regulamentação da economia com um todo que a sua empresa aumentou os salários no começo da Grande Depressão na expectativa de que isso aumentasse a demanda efetiva, recuperasse o mercado e restaurasse a confiança da comunidade de negócios. Mas as leis coercitivas da competição se mostraram demasiado fortes mesmo para o poderoso Ford, forçando-o a demitir trabalhadores e cortar salários. Foi necessário o New Deal de Roosevelt para salvar o capitalismo – fazendo-o através da intervenção do Estado, o que Ford tentara fazer sozinho. (HARVEY, 1989, p. 122) Mesmo assim, com a rígida aplicação do taylorismo, somado às linhas de produção, apesar do aumento dos custos salariais, Ford consegue reduzir o preço de venda do veículo porque a produção se intensifica com maior velocidade, assim como o consumo em massa de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1893 seus automóveis. Seu estilo de produção conquista rapidamente o mercado norte-americano, e em seguida os mercados mundiais, chegando em 1921, apenas sete anos depois da aplicação da estratégia fordista, a representar 53% dos veículos consumidos no mundo; além de ‘‘ elevar o capital de sua empresa de 2 milhões de dólares em 1907, para 250 milhões em 1919’’ (GOUNET, 1999, p. 20). Logo: A nova organização do trabalho implica certa adesão dos operários, ao menos durante o tempo necessário para que o sistema se generalizasse. É o que levou Henry Ford a propor a diária de 5 dólares, para atrair os operários às suas fábricas e retirá-los dos seus concorrentes. Ele pode fazê-lo graças aos ganhos fenomenais que [obteve] com os novos métodos de produção... os rivais foram obrigados a seguí-lo para não desaparecerem ou saírem do mercado. De forma que o sistema se estendeu a ponto de restarem apenas as empresas que o adotaram. (GOUNET, 1999, p. 22) Apesar disso, o fordismo enfrentou, inicialmente, problemas para se disseminar. A familiarização do trabalhador com processos rotinizados e que dispensavam habilidades manuais tradicionais e o conhecimento ou o controle do trabalhador sobre o projeto, além do próprio ritmo e da organização do processo produtivo, e da altíssima rotatividade da mão-deobra, eram ponto de pauta para constantes discussões com os sindicatos dos trabalhadores. Estes acabaram por fortalecer a esfera da negociação coletiva nas indústrias de produção em massa, garantido um certo controle sobre as especificações de tarefas de produção, segurança, promoções, benefícios, salário mínimo, seguridade social etc. Mas o próprio modelo de produção em massa enfrentou resistência das indústrias européias antes da metade dos anos 1930. O acúmulo de trabalhadores nas fábricas, organizados em sindicatos, era uma ameaça constante de fortalecimento do poder da classe trabalhadora. Por isso, a colaboração com o sistema fordista de produção só se dava através de ganhos de salário que estimulassem a demanda efetiva. É nesse estágio que a intervenção do Estado se torna fundamental para a manutenção do sistema. Ele teria que funcionar como um regulador social (walfare state ou Estado de bem estar social) que além de atacar politicamente os elementos radicais do movimento operário, principalmente a partir de 1945; deveria ser capaz de criar uma situação de demanda para os automóveis, de modo a garantir através do crescimento da produção e do consumo, o relativo pleno emprego. Além disso, o Estado adotaria políticas redistributivas que fornecessem à população excluída do modelo de produção fordista (mulheres, negros e III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1894 uma minoria desprivilegiada), espécies de salários sociais, seguridade social, assistência médica, educacional etc; ou seja, elementos que visassem remediar as desigualdades geradas pela rigidez no mercado de trabalho (que empregava basicamente homens brancos) e a insatisfação das massas. O cenário internacional também influenciou o fordismo, que só conseguiu ser implantado na Europa e no Japão a partir de 1940, e sua expansão e consolidação ocorreu no pós-guerra, quando os mercados exteriores passaram a receber ajuda financeira americana através do Plano Marshall, além de significativos investimentos diretos. A absorção do método Ford de produção também se beneficiou do poder econômico e financeiro dos Estados Unidos, baseado no domínio militar, principalmente após o acordo de Bretton Woods (1944), que transformou o dólar em moeda-reserva mundial. Embora o modelo fordista tenha se mantido forte até 1975, já em meados dos anos 1960 começaram a surgir indícios de sérios problemas que viriam por fim, estagnar o sistema. A recuperação das economias européia e japonesa provocou redução da demanda efetiva para os produtos americanos (principalmente automóveis). Os Estados Unidos direcionaram sua economia para a corrida aeroespacial , e para a guerra contra o Vietnã; mas problemas fiscais somados à aceleração inflacionária tornaram a moeda instável, sendo a mesma desvalorizada em 1973 (quebra do acordo de Bretton Woods). Adicionalmente destaca-se a concorrência dos países recém-industrializados, da formação dos euromercados (1966-1967), e da substituição das taxas de câmbio fixas por taxas flutuantes. Nesse período, o fordismo também sofre consequências da crise do Estado de bem-estar social, deflagrado pela insustentabilidade de manutenção dos programas sociais devido ao endividamento do Estado; além da crise do petróleo de 1973. Com todas essas flutuações e crises, depois de quase meio século esgotava-se o modelo fordista de produção em massa, abrindo espaço para novos modelos reestruturantes de acumulação, mais adequados a um ciclo econômico com demanda desaquecida, associado a um novo sistema político em que o Estado deixa de ser interventor e passa a ter orientação neoliberal. 2.4 O MODELO DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1895 A partir de meados da década de 1970, o mundo passou por profundas transformações nos métodos de organização produtiva. A rigidez do modelo fordista de produção entrou em confronto com o novo cenário econômico de desaceleração da demanda, onde a produção em massa já não podia mais ser absorvida. A recuperação das economias no pós-guerra, somada às novas economias dos países recém-industrializados, aumentaram incrivelmente a competição entre as indústrias, parcelando os mercados em fatias cada vez menores, reduzindo as margens de lucro e aumentando a taxa de desemprego. Nesse estágio, a economia de escala da produção fordista teve que ser substituída pela economia de escopo91, com produção de bens variados, a preços baixos e em pequenos lotes. A idéia principal da acumulação flexível, ao contrário do modelo fordista que alcançava lucros exorbitantes, é a de manter as empresas no mercado através da máxima eliminação de custos, da tecnologia multifuncional e da tecnologia de informação. Esse regime emerge para satisfazer necessidades muito específicas das empresas que já não podiam manter características fordistas tais como: rigidez salarial e a estabilidade do emprego que praticamente deixa de existir nesse novo contexto de reestruturação produtiva, dando lugar ao contratos de trabalho mais flexíveis, às subcontratações, ao trabalho autônomo e ao agenciamento temporário. O trabalhador desqualificado (parcial), agora assume características de trabalhador multifuncional; as esteiras das linhas de montagem, que antes individualizavam o trabalho do operário, abrem espaço para a organização celular, ou seja, ao trabalho em equipe; a integração vertical é também outra característica do método Ford de produzir que a modernização flexível não consegue manter devido aos altos custos que ela representa. A flexibilidade veio também para adequar as empresas à demanda que também sofre transformações drásticas em relação às preferências do consumidor, agora ditadas por modas fugazes. Ou seja, os produtores teriam que acelerar o tempo de giro da produção e dos estoques (de matéria-prima e de produto pronto) em função do novo tempo de giro do consumo. Os arranjos de empregos flexíveis (subcontratação, temporários, e toda categoria de emprego periférico, ou seja, sem estabilidade) da nova estrutura do mercado de trabalho dos 91 Economia de escopo ocorre quando uma empresa pode produzir quaisquer combinações de dois produtos com menos gastos que duas empresas independentes, produzindo um único produto cada. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1896 anos 1970, abriu espaço para a proliferação de um mercado paralelo – o setor informal – que cresceu rapidamente nos países subdesenvolvidos e também nos capitalistas avançados. Mesmo os empregos que ainda permaneceram formais e com uma certa estabilidade sofreram precarização: a perda do poder sindical trabalhista abriu espaço para que o capitalismo trouxesse de volta a antiga exploração do trabalho, com extensão da jornada (hora extra) ao invés de realizar novas contratações, prejudicando deste modo, a saúde do trabalhador. Além disso, a antiga preferência pela mão-de-obra feminina e mal paga nesse cenário de transição para a acumulação flexível passa a ter um papel de maior consistência nas organizações produtivas. A participação das mulheres no mercado de trabalho, portanto, aumentou em cerca de 40%, segundo Harvey (1989, p. 146), em muitos países de capitalismo avançado, ainda que em condições de trabalho pouco favoráveis. A flexibilização, segundo Antunes (2003, p. 25) possibilitou a criação ou recriação de novas formas produtivas, permitiu a articulação do desenvolvimento tecnológico com a desconcentração produtiva, baseando-se em empresas médias e pequenas e que produzem para um mercado mais localizado e regional. Ou seja, a especialização da produção buscou adequar os agentes produtivos a um novo cenário econômico com mercados segmentados e instáveis, através da flexibilização dos processos, que nada mais era além uma forma de reestruturar a produção através da combinação de modelos baseados inclusive no próprio fordismo, mas com modificações mais específicas. A exemplo disso tem-se o toyotismo que foi um dos modelos readaptados às novas formas de rentabilidade em um novo contexto do capitalismo, onde é marcante a crise de produção e os padrões da demanda, que teve maior destaque, implantado no Japão antes mesmo do método Ford extinguir-se. 3 RÁPIDAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL A crise estrutural do capital permitiu a expansão de princípios liberais afetando fortemente o mundo do trabalho, subjugando o trabalhador a novos moldes reestruturantes de produção, demarcados pelo avanço tecnológico e a acumulação flexível. Nesse contexto, antigos valores e ideais do liberalismo político e econômico herdados do pensamento iluminista e da evolução econômica decorrentes da Revolução industrial ocorrida no final do século XVIII, são retomados a partir da década de 1970, configurando-se como uma “nova III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1897 doutrina”, agora chamada de Neoliberalismo, a qual buscou reduzir a um nível mínimo, a participação do Estado na economia, conduzindo a realização de privatizações, terceirizações, além de forte resistência aos movimentos sindicais trabalhistas. No Brasil, entre as décadas de 1920 e 1930 a classe trabalhadora também tentou resistir à implantação do modelo paradigmático taylorista, dado que a normatização de suas novas técnicas produtivas ultrapassariam o estágio de novidade técnico organizacional, passando a interferir diretamente no movimento de destituição e instituição de direitos trabalhistas. Seguindo a mesma tendência, também o modelo fordista implementado ainda no governo Kubtschek (1956-1961), foi repudiado pela classe trabalhadora e pelos sindicatos. Porém, após o golpe de 1964, por intermédio da coerção e da força que reprimiu as lutas sociais opositoras ao projeto, tal modelo foi consolidado. Entretanto, segundo Druck (1999), o desemprego estrutural crônico preexistente no cenário econômico brasileiro impediu a instauração do pleno emprego proposto pelo fordismo, e o bem estar social não pôde acontecer. A crise econômica da década de 1970, deflagrada no bojo da implementação do II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (que buscava eliminar as lacunas da estrutura industrial brasileira e os problemas cambiais da segunda crise do petróleo) impactou o modelo político desenvolvimentista brasileiro, revertendo a tendência de crescimento econômico do país. A desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, o combate cerrado ao sincicalismo classista, a propagação de um subjetivismo e de um individualismo exarcebados da qual a cultura “pós-moderna” bem como uma clara animosidade contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital, são traços marcantes deste período recente (ANTUNES, 2003, p. 40). As práticas neoliberais, primeiramente adotadas na Inglaterra, ganharam destaque no cenário econômico mundial através da política econômica conservadora da primeira ministra Margareth Thatcher, em 1979. Nos Estados Unidos, o paradigma neoliberal passou a vigorar a partir de 1981, servindo de modelo para os países latino-americanos que enfrentavam conseqüências de inflações crônicas. Os novos postulados permitiram que o governo norte americano sustentasse o país na liderança do capitalismo mundial, através da prática de rígida política externa que defendia os interesses políticos e econômicos do país; além de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1898 implantação de política econômica interna com vistas para a redução do poder estatal sobre a economia. O Brasil absorve o neoliberalismo ainda na primeira metade da década de 1980, durante o governo Figueiredo, quando o país teve que enfrentar a maior recessão de sua história – a crise de 1981-1983 que caracterizou os anos 1980 como “a Década Perdida” - , intimamente associada à difícil situação das contas externas do país e ao segundo choque do petróleo (1979). O cenário de choques externos expôs a vulnerabilidade da economia brasileira (quadro de inflação, crescimento da dívida externa, elevadas taxas de juros, desestruturação do setor público), gerando necessidade de ajustes que desaceleraram o crescimento econômico (VALOIS, 2007). Nesse cenário em que segundo Pochmann (2001), a taxa média anual de crescimento do PIB nacional era de apenas 3%, o processo de privatização das empresas estatais inseridas num panorama de desgaste financeiro e elevado grau de endividamento, passou a fazer parte das novas estratégias públicas de desenvolvimento, concentradas em elevar a competitividade e a eficiência econômica do Brasil, além de reequilibrar as finanças públicas do país, libertando o Estado de atividades improdutivas (ANDRADE; QUEIROZ, 2008) As práticas neoliberais no Brasil foram continuadas pelo governo Sarney na segunda metade da década de 1980, porém com menos ênfase nas privatizações. Nesse período, a desarticulação do modelo de desenvolvimento industrial, além das fracassadas tentativas de ajustamento econômico (1979/1983) que conduziram o país à estagnação, também romperam com o padrão estrutural do mercado de trabalho, refletindo em realocação setorial das ocupações urbanas, inflação do desemprego e informalidade, tendência à precarização do trabalho com vistas para a inconsistência salarial , perda de direitos sociais, previdenciários e trabalhistas, elevação do período de jornada de trabalho e subemprego; além de aumentar a disparidade distributiva da renda, iniciando uma trajetória de desregulação do trabalho, configurada pelas transformações dos parâmetros mínimos de utilização do trabalho (regulamentação das condições de contratação, demissão e jornada de trabalho; regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, política previdenciária, requalificação profissional, e ação sindical) (CARDOSO JR., 2001). Antunes (2003) também aponta o desmoronamento da União Soviética e do Leste Europeu como um fator responsável pelo desmoronamento do movimento sindicalistas nesse período. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1899 A partir de 1990, as reformas econômicas idealizadas no Consenso de Washington no mesmo período, focadas em políticas de abertura comercial e minimização do Estado através da privatização das atividades produtivas, foram acatadas pelo governo Collor (1990-1992), e seus respectivos postulados, aprofundados pelo governo Fernando Henrique Cardoso (19941998), quando o processo de privatização das empresas públicas e a redução dos gastos governamentais foram mais impactantes. Paralelo a estas mudanças, também ocorria o intenso processo de abertura comercial e financeira, que expôs as empresas nacionais à forte concorrência internacional, e aos novos modelos reestruturantes de produção, desencadeando um processo de realocação espacial da indústria. Nesse período (1990-1999), quando segundo Pochmann (2001) o crescimento anual do país chega a apenas 1,7%, o aumento dos níveis de desocupação e o desemprego aberto surgem como fatores que intensificam o fenômeno da desestruturação do mercado de trabalho, associados também aos impactos da abertura comercial e financeira, além das conseqüências da implementação do Plano Real, que apesar de ter alcançado relativo sucesso no combate a inflação, influenciou as baixas taxas de crescimento, principalmente durante a segunda metade da década de 1990, conduzindo a economia brasileira a armadilhas tais como: (...) a estagnação econômica em que se contata certa incapacidade das forças de mercado em operar o milagre da retomada do crescimento sustentado, em claros sinais de que a estabilização sem crescimento do produto não pode se manter indefinidamente; (...) a crise fiscal e financeira do estado brasileiro, pela qual se verifica o crescente esgotamento dos mecanismos clássicos de financiamento das contas públicas; (...) e os próprios sustentáculos da estabilização, cujos anteparos tem se mostrado extremamente vulneráveis e dependentes das condições do mercado internacional. A abertura não seletiva com câmbio flutuante (pós desvalorização em janeiro de 1999) impacta negativamente o crescimento. A estagnação econômica com juros elevados inviabiliza qualquer tentativa de recomposição das condições de financiamento do setor público. Por fim, o estado em situação financeira ponzi92 acelera a deteriorização do cenário político, sintoma inequívoco do aprofundamento da crise latente no país (CARDOSO JR., 2001, p.12). 92 Ponzi game: situação na qual um devedor executa uma rolagem perpétua de sua dívida, cobrindo os juros e o principal de sua dívida passada cm mais dívida no presente (...). Durante os anos 1980, o endividamento externo brasileiro também teve uma trajetória parecida com o ponzi game, na medida em que se tentou perpetuar o mecanismo de pagar os encargos da dívida externa, aumentando este estoque com endividamento adicional. No momento em que os credores internacionais, temerosos dos eventuais efeitos em cadeia da moratória mexicana (1982), reduziram seus empréstimos para a continuação da rolagem da dívida externa brasileira, o sistema entrou em crise em 1994, estabeleceu-se um novo acordo para o pagamento da nossa dívida externa (SANDRONI, 2008, p. 669). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1900 O cenário macroeconômico recessivo somado à ineficácia, ou mesmo ausência de políticas públicas de garantia de renda e assistência social aos trabalhadores e desempregados na década de 1990, contribuíram para a aceleração do processo de desestruturação no mercado de trabalho (ou desregulação do trabalho) iniciado nos anos 1980, caracterizado, principalmente, segundo Cardoso Jr. (2001), pelo crescimento patológico do setor terciário (resultado da migração intersetorial das ocupações, além de relativa contribuição do número de jovens e mulheres na composição da população economicamente ativa – PEA); expressivo crescimento das relações informais de trabalho (incrementado pela onda de terceirização das ocupações, declínio relativo do emprego formal, e elevação do desassalariamento voluntário e involuntário pode ser resultado da racionalização produtiva das empresas impostas pelos novos padrões de concorrência internacional, afetando a demanda por mão-de-obra e consequentemente elevando o desemprego); a precarização das relações de trabalho ( intensificada pela informalização das ocupações, mas também pelo processo de reorganização produtiva e tecnológica que introduziu a flexibilização das relações trabalhistas que afetaram os níveis de renda, jornada de trabalho e de estabilidade das relações trabalhistas, elevando consequentemente, a rotatividade do emprego no Brasil); estagnação da dinâmica distributiva funcional da renda93 , e da distribuição pessoal dos rendimentos (compõe o quadro mais geral da desestruturação do mercado de trabalho brasileiro, onde a ausência de força sindical, de políticas públicas de transferência de renda e proteção social reflete em hiatos permanentes entre ganhos de produtividade e repasses reais dos salários, fazendo com que a participação dos salários na renda nacional apresente defasagens dado que os ganhos de produtividade obtidos pelas empresas quase nunca são convertidos em aumentos reais dos salários, contribuindo para uma deficiente distribuição da renda). Apesar do histórico de crise econômica se arrastar desde a década de 1980, refletindo negativamente na situação do trabalhador em todos os campos do trabalho, Cardoso Jr (2001) ainda afirma que somente a partir de 1994, durante o Governo Itamar Franco, é que se contextualizam as primeiras iniciativas de desregulamentação do trabalho, no tocante das condições de contratação e de jornada de trabalho, através de leis tais como a Lei das Cooperativas (lei n0 8.949) que extingue os vínculos empregatícios entre cooperativas e 93 Participação dos salários na renda nacional. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1901 associados, destituindo os trabalhadores de direitos trabalhistas essenciais (registro em carteira, férias, 130 salário, previdência social, descanso semanal remunerado, etc.) constituindo em um uma forma de flexibilização extrema do uso da mão-de-obra que precarizou as condições e relações de trabalho, dado que os trabalhadores ficaram desprotegidos da regulamentação do trabalho, ficando expostos à excessiva jornada de trabalho, além de rendimentos menores. A Lei n0 9.601 e MP n0 1.709de 1998, que apesar de assegurar os direitos essenciais do trabalhador, legaliza a contratação temporária estendida por um período máximo de dois anos, contribuindo para o aumento da rotatividade do emprego no Brasil. Nesse sentido, trabalhadores do setor público também foram afetados pela desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, quando a MP n0 1.522 de dezembro de 1997 autorizou a demissão de servidores públicos para a realização do ajuste quantitativo do quadro de pessoal, provocando a extinção dos cargos esvaziados, e a posterior regularização da contratação temporária também para este setor (CARDOSO JR, 2001). A remuneração do trabalhador também foi afetada por leis de desindexação que proibiram seu reajuste automático (CARDOSO JR, 2001). A reorientação das leis para a realização da reforma do sistema previdenciário brasileiro também buscaram reduzir e mesmo eliminar as aposentadorias proporcionais por tempo de serviço, mediante a introdução do fator previdenciário, que rebaixou o valor final dos benefícios, reforçando ainda mais a situação de prejuízo para o trabalhador na histórica trajetória de transformações do mundo capitalista do trabalho, relegando ao operário o papel de coadjuvante no processo produtivo e ao capital (ou o próprio capitalismo), o papel principal, cuja atuação jamais poderá ser prejudicada, mesmo que para isso (e como tem sido sempre), o coadjuvante tenha que ser sacrificado. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS As descontinuidades e incertezas conjunturais dos ciclos econômicos mundiais, na incessante busca pela retomada do crescimento (pós-crise) têm reinventado as formas de exploração do capital, desde a consolidação do modelo capitalista, irradiando reflexos negativos sobre o campo do trabalho. Para Marx (1994), a própria consolidação do capitalismo já se já como uma forma inexorável de prejuízo ao trabalhador, que destituído de suas ferramentas, torna-se um III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1902 “homem mercadoria”, um “fator de produção”, através da reprodução do seu trabalho num ambiente cooperativo. O processo produtivo manufatureiro num período seguinte, constitui-se em uma nova etapa simplificada de reestruturação produtiva, uma especialização das operacionalidades do trabalho, que ganhou um caráter de contribuição parcial por parte do trabalhador, nas etapas do processo produtivo. Em mais um estágio do capitalismo, dada a emergência de uma nova fase, as forças produtivas inseridas num contexto de inovação, incorporam a tecnologia maquinaria nos processos produtivos, elevando o nível de exploração do trabalho, que passou a exigir do trabalhador mais dinamismo em menos tempo, aumentando a jornada de trabalho a níveis extremos. A administração científica do modelo taylorista no final do século XIX, substituindo métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos no processo de produção através da separação da concepção e execução das tarefas (trabalho físico e mental), mais uma vez afeta as relações de trabalho e a condição do trabalhador em favor da recuperação do capital, inserido num contexto de crise. A identificação de métodos pré-estabelecidos que tornou a produção mais eficiente, significou também a utilização de métodos mais intensos de trabalho, além de redução do grau de autonomia do trabalhador, destituindo-o de sua capacidade intelectual, expropriando a criatividade e a iniciativa dos trabalhadores, transformando-os em “máquinas vivas”. Com a reorientação econômica voltada para a acumulação intensiva baseada em ganhos de produtividade, afim de potencializar o consumo em massa através da produção em massa com baixo custo, a partir de 1913 o Fordismo remodela os princípios tayloristas da administração científica, introduzindo a linha de produção (automatização das fábricas através de esteiras rolantes); padronização das peças (integração vertical); além de mais uma vez promover mudanças no papel do trabalhador no contexto produtivo, através de um novo estágio de intensificação da racionalização das operações efetuadas ( agora em muito menos tempo), e o parcelamento das tarefas a níveis muito pouco complexos (estimulando a rotatividade do emprego), promovendo desta forma, a desqualificação do trabalhador, o qual perderia a visão geral do processo produtivo, e teria sua participação reduzida a uma tarefa muito simplificada. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1903 A recuperação das economias européia e japonesa no segundo pós guerra e conseqüente redução da demanda efetiva dos produtos americanos, estagnaram o sistema fordista de produção em massa. O novo cenário de crise fiscal, instabilidade da moeda americana, aceleração inflacionária, concorrência de países recém industrializados, crise do estado de bem estar, além de mais um choque do petróleo, exige uma reinvenção do capitalismo. Nesse contexto, a reorientação neoliberal a partir de meados da década de 1970 afasta o Estado das atividades produtivas, e abre-se espaço para novos modelos reestruturantes da produção. A acumulação flexível, marcadamente representada pelo Toyotismo, reconfigura o modo de produzir e a posição do trabalhador no cenário produtivo. As empresas agora, com o acirramento da competição em nível global, buscaram se manter no mercado através da máxima eliminação de custos, tecnologia multifuncioal e tecnologia de informação. O “novo” trabalhador, tendo que se adaptar a uma nova realidade, de desemprego estrutural, volatibilidade dos contratos de trabalho, terceirização, e subempregos, obrigou-se à submissão do trabalho multifuncional com organização celular, ampliação da jornada de trabalho (hora extra), complexidade das tarefas executadas que exige polivalência e elevado grau de qualificação que não condiz com os retornos salariais, devido ao enfraquecimento dos sindicatos. O Brasil também tem acompanhado as tendências mundiais de transformação do trabalho em favor do capitalismo e em prejuízo ao trabalhador, desde o Taylorismo entre 1920 e 1930, passando pelo Fordismo a partir de 1964 e intensificando as mudanças do mundo do trabalho principalmente a partir da década de 1990, quando os princípios neoliberais foram mais fortemente adotados pelo país, e a abertura causou forte impacto sobre as empresas nacionais e conseqüentemente sobre o mercado de trabalho, que tem apresentado tendencial crescimento do desemprego estrutural, e aumento da informalidade, inclusive acelerados por iniciativas de desestruturação do mercado de trabalho através de leis que extinguiram direitos trabalhistas e precarizaram as relações de trabalho no Brasil. REFERÊNCIAS III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1904 ANGELI, José Mario. 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Visto que a globalização vem se colocando como internacionalização do capitalismo, acreditamos que tal projeto vem servindo a poucos e se colocando como perversidade para a grande maioria das pessoas. Vejamos: o que se defende é a liberdade individual para competir, entretanto, nem todos – a não ser abstratamente falando –, tem condições iguais para competir. O que se tem então? Nada mais que um projeto de conservação e perpetuação de uma sociedade de opressores e oprimidos. Tal projeto global vem afetando diretamente a educação, sua gestão e as relações humanas posto que venha impondo sobre os encontros humanos o modos operandi do mercado. Nas relações sociais o diálogo vai se tornando cada vez mais monólogo ou contato técnico do que encontros de homens e mulheres para pronunciarem o mundo. Defendemos, portanto, que professores e gestores devam se assumir como intelectuais orgânicos críticos para junto à comunidade escolar se posicionarem ante as ofensivas do projeto neoliberal que a tudo quer submeter. Nesse sentido sugerimos que o corpus teórico do movimento de Educação Popular freiriano pode subsidiar aos intelectuais orgânicos nesse posicionamento. PALAVRAS-CHAVE: Globalização – Intelectuais – Educação popular. INTRODUÇÃO O presente trabalho constitui-se de uma reflexão acerca da globalização nos moldes em que esta vem se dando e dos seus efeitos na educação e nas relações sociais. Acreditamos que a globalização poderia ser, caso acontecesse com outras bases 95, oportunidade e possibilidade para um diálogo mais amplo entre culturas e pessoas, culminando em uma globalização pautada na solidariedade e na ética. Todavia, não é o que vem acontecendo. 94 Graduação em pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Especialista em Gestão Escolar pela (URCA); Docente na rede municipal do Crato: E.E.I.E.F. Luiz Gonzaga da Fonseca Mota; Telefones: 0 xx (88) 3572.2986 / 0 xx (88) 9958.7443; E-mail: [email protected] 95 Referimo-nos a princípios pautados em valores éticos de solidariedade e sentimento de comunidade. Princípios esses que são marcos teórico do movimento de Educação Popular (EP) de que trataremos ao longo do texto. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1907 O aporte teórico sobre o qual a globalização se assenta é o neoliberal que tem como princípios o individualismo e a competitividade que culminam na exclusão que são nada menos que transgressões do que Freire (2000) chama de ética universal do ser humano. Portanto, partindo da premissa de que esta globalização serve e funciona para alguns e acontece como perversidade e exclusão para a grande maioria, procuramos fazer uma leitura e uma denúncia do alcance que tal projeto global tem tido sobre os diversos setores da vida e sociedade dentre os quais: a educação e as relações humanas. Queremos fazer uma reflexão sobre educação e relações humanas com vistas a transformações sociais autênticas. Mas como fazê-la sem falar de ética? Contudo, para falar de ética faz-se imprescindível tecer um breve comentário sobre este movimento global neoliberal que vem afetando perversamente, em nome da liberdade individual e em detrimento do coletivo, os melhores valores éticos. A educação tem sido alvo constante de um modelo de gestão que é nada menos que a transposição, para dentro da escola, das formas de gestão e administração das empresas. Nesse sentido – além de se fazer uma redução da educação formal a apenas uma entidade formadora de mão de obra para o mercado de emprego –, procura-se trazer para o interior da escola o modus operandi do mercado que se pauta na competitividade, no individualismo e na ausência de solidariedade. A educação, por sua vez, não se faz dissociada das relações sociais. Nesse sentido, falar das distorções que logo se manifestam nas relações humanas estabelecidas também se constitui interesse desse trabalho. Em contraponto ao projeto neoliberal de sociedade trazemos alguns princípios fundamentais de um movimento educacional Latino Americano. Educação Popular (EP). O principal aporte teórico desse movimento são as obras de Paulo Freire e este defendia, sobretudo, que qualquer projeto de educação e sociedade deveria partir do olhar, da perspectiva do oprimido (1980), caso contrário o que sempre se teria seria a conservação do que se tem. Uma educação e uma sociedade diferenciadas para cada classe social. Tomamos emprestado de Gramsci (1982) e Giroux (1997) o termo intelectual orgânico e crítico e o relacionamos aos marcos teórico da EP para refletir acerca do quanto, professores e gestores da educação, assumindo-se como intelectuais, podem ser importantes atores, dentro das escolas e movimentos educacionais, no sentido de estimular uma reflexão mais ampla que III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1908 envolva cada vez mais a comunidade escolar (pais, alunos, associações de bairros, etc.) para um posicionamento crítico antes as ofensivas neoliberais ao humano. 1. UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO Nem a educação, nem as relações humanas se dão de forma ilhada. Portanto, sendo estas um âmbito social elas acontecem atreladas a agentes influenciadores. Se mesmo as pessoas individualmente ou coletivamente e os setores informais sofrem influência o que podemos dizer dos condicionamentos intencionais e determinações conscientes sobre os modos como a gestão da educação formal e das relações sociais deve acontecer? A globalização, tal como vem se dando, não acontece com objetivo de interligar as pessoas ou de proporcionar um diálogo autêntico de culturas pela via de uma comunicação mais ampla criando assim oportunidades de globalizar valores éticos e humanizadores. “O termo globalização carrega consigo uma imagem ilusória de integração [...]. Esta imagem nada tem a ver com o processo de fragmentação e desintegração social que mobiliza” (Pino in Gentili & Frigotto [orgs], p. 2002, p. 74). Coronil (2005, p. 50) diz que alguns dos discursos defensores da globalização vigente levam à “crença de que as diversas histórias, geografias e culturas que dividiram a humanidade estão se unindo no cálido abraço da globalização, entendido este como um processo progressivo de integração planetária.” Entretanto, ele prossegue dizendo que “os relatos mais matizados desautorizam a imagem estereotipada da emergência de uma aldeia global, popularizada pelas corporações, pelos estados metropolitanos e pelos meios de comunicação” (Idem, ibidem, p.50). Estes mesmos relatos, alternativos aos discursos hegemônicos, continuam sua exposição dizendo que a atual modalidade da globalização, a “neoliberal polariza, exclui e diferencia, mesmo quando gera algumas configurações de interação translocal e de homogeneização cultural.” (Idem, ibidem, p. 50) Nas palavras de Milton Santos “a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (2001, p. 23). É nesse sentido que muitas das medidas que aparentam serem tomadas para favorecer as pessoas, como, por exemplo, a ampliação da tecnologia, na verdade tem como motivação principal aumentar a capacidade do mercado de produzir e acumular. Sendo assim qualquer coisa que surja como empecilho ao III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1909 cumprimento instrumental e sem critério de seu projeto, mesmo que sejam pessoas, é extirpado. Onde está então o forte e cálido abraço de que Coronil fala, acima? Os principais formuladores do aporte teórico sobre o qual a globalização vem se apoiando – o neoliberal – são Milton Friedman e Frederich Hayek e estes em suas teses apontam como bases principais: (i) O individualismo, (ii) a competitividade, (iii) a liberdade total de mercado, (iv) a minimização do Estado e (v) as privatizações de tudo. Na série televisiva chamada “Livres para Escolher96” algumas pessoas ilustres aparecem para, junto com Friedman, fazerem uma defesa do pensamento neoliberal dentre elas está o ator e político Arnold Schwarzenegger que depois de se auto afirmar um liberal convicto diz que as coisas devem funcionar como em uma corrida onde “todos devem começar juntos, mas de forma algum terminar juntos”97 demonstrando assim, claramente, o individualismo, a competitividade e a ausência de solidariedade defendidas por esse modelo. Friedman nesta mesma série defendendo a privatização da educação vai dizer que “a faculdade vende escolarização. Os alunos desejam comprar [...] os pais e os estudantes são clientes”98. Em outro momento ele vai dizer que a história está bem clara e que vão prosperar os que podem fazer escolhas. Ele fala de uma aparente autonomia e liberdade individual de fazer escolhas, entretanto, sob esse discurso esconde-se o fato de que a esmagadora maioria da população não tem nem por onde começar a fazer escolhas que as emancipe financeiramente muito menos ainda no sentido amplo a que nos referimos quando falamos de emancipação humana que, dentre outras coisas, é quando as pessoas, em comunidade, desenvolvem a plenitude de suas potencialidades (MARX, 2007) dando vazão à sua vocação humana de serem mais (FREIRE, 1980, 1996, 2000). É uma redução simplista e ideológica dizer que a liberdade de escolhas individuais serão suficientes para que todos os cidadãos possam se emancipar posto que estamos falando de uma competição que é estrutural e intrínseca a esse modelo e, sendo uma competição, sempre haverão uns poucos vencedores e uma grande maioria de perdedores. Marx, nos Grundrisse, vai dizer que a ideologia propalada pela economia política, conquanto seja simples, é eficaz. Ele diz que 96 Série criada nos anos 1980 e exibida nos anos 1990 dividida em cinco episódios baseada no livro Livres para Escolher de Milton Friedman. 97 Fala transcrita da série Livres para Escolher. 98 Fala transcrita da série Livres para Escolher. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1910 [...] toda essa sabedoria, portanto, em nada mais consiste do que parar nessas relações econômicas mais simples, as quais, tomadas autonomamente, são puras abstrações; abstrações que na realidade são mediadas pelas mais profundas antíteses e só mostram um lado, aquele em que a expressão das antíteses está apagada. (2011, p. 191) Ou seja, na realidade as contradições são as mais profundas, entretanto, mostra-se apenas o lado simples onde todo indivíduo, abstratamente falando, é dotado de liberdade para se envolver em relações de troca. Todavia, conforme diz Dussel (2012, p. 110) fica evidente que se [...] abstrai todo condicionamento ou posição nas relações de produção, todo indivíduo (seja A ou B) é igual – todos são iguais por definição. No entanto, construir sobre essa igualdade abstrata qualquer discurso concreto é uma operação puramente ideológica. Portanto, esse pensamento – o neoliberal – é nada mais que a conservação e perpetuação do que vivemos desde muito tempo. Os mais fortes serão os que continuarão mais fortes. Eventualmente alguns raros conseguirão prosperar... Entretanto, a mídia, que favorece, em sua maioria, esse tipo de pensamento, também conhecido como “pensamento único”, fará uma apologia massiva destes fatos isolados para fazer a defesa dessa liberdade e autonomia distorcidas que na verdade é para muito poucos. Não podemos fazer de exceções regras e geralmente é isso que o atual modelo faz, na própria série a que nos referimos é feita uma seleção de fatos e pessoas isolados para fazerem a defesa do liberalismo. Eduardo Chaves99, um defensor tenaz do liberalismo, em seu artigo Em defesa do liberalismo vai enumerar alguns pontos desse modelo sob o qual vem se dando a globalização. Falando sobre a minimização do Estado Chaves vai dizer que “melhor estado é aquele que governa menos”100, todavia, o estado não deve desaparecer, posto que os liberais, segundo Chaves, não são tão otimistas em relação à natureza humana e, portanto, acreditam que na ausência de Estado a liberdade individual não poderia ser assegurada. Nesse sentido, o Estado, para ele, deve ter apenas três funções e nada mais, e estas funções são: função policial 99 Ex-professor da Unicamp, foi também subsecretário de Ensino Superior durante o governo de José Serra (BIANCHI, 2008) 100 Extraído do artigo Em defesa do liberalismo de Eduardo Chaves disponível em seu site http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1911 (para proteger os indivíduos de outros indivíduos), função judicial (para arbitrar as desavenças) e a função militar (para proteção externa), fora isso o Estado não deve se “meter” em mais nada. Chaves vai dizer que os interesses dos liberais se assemelham aos dos anarquistas, a diferença principal, segundo ele, é que os anarquistas são otimistas em relação à natureza humana e por esse motivo não há necessidade de haver Estado. Fazendo uso das palavras do próprio Chaves não fica difícil pensar na conveniência deste pensamento para alguns e na perversidade para a grande maioria. Vejamos: Os liberais, segundo Chaves, não confiam na natureza humana e por isso o Estado deve regular apenas a proteção dos indivíduos e as questões judiciais. Entretanto, eles confiam radicalmente no mercado? A história vem mostrando que o mercado não é tão digno de confiança, até porque é administrado por pessoas, muitas das quais fazem da busca pelo poder e se manter no poder um fim em si mesmo. Portanto, se for preciso passar por cima de qualquer um para chegar aos seus fins é o que o mercado fará. Segundo a lógica do capital tudo vai adquirindo valor de troca e consumo e por isso vão ficando extremamente voláteis os melhores valores éticos e humanos, onde a confiança e solidariedade vão cada vez mais se extinguindo. É nesse tipo de ente que se deve depositar a nossa confiança? Chaves é bem claro ao dizer que, no que diz respeito ao mercado e tudo o que for privado e privatizado, o Estado não deve regular nem regulamentar, posto que este deposite toda sua fé no mercado e em que ele vai cuidar da igualdade e equidade global. Portanto, se o Estado tem que cumprir sua função de proteção não deveria ele proteger os indivíduos das perversidades inomináveis e infindáveis do mercado que é seletivo, excludente e gerador de todo tipo de violências? Freire (1980) diz que opressor é quem inaugura a violência, não quem, por ter sido isolado, culpado, excluído e rotulado de fracassado e incompetente comete atos menores de violência em reação inconsciente ou consciente a uma violência inaugural muito mais selvagem e inescrupulosa.101 101 Não estamos aqui defendendo os pequenos criminosos o que estamos querendo dizer é que é muito fácil colocar toda a culpa da violência sobre eles enquanto que a inauguração da violência não advém destes pequenos criminosos que são mais vítimas que vilões. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1912 Diante disso é preciso que se faça ecoar cada vez mais a denúncia de que estamos diante de uma ditadura, nas palavras de Milton Santos (2001), do dinheiro. Ricardo Antunes, na apresentação do livro Para Além do Capital de Mészáros, nos diz que [...] não se pode pensar em outro sistema de controle maior e inexorável – e nesse sentido “totalitário” – que o sistema de capital globalmente dominante, que impõe “seu critério de viabilidade em tudo, desde as menores unidades de seu ‘microcosmo’ até as maiores empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais até os mais complexos processos de tomada de decisões nos consórcios monopólicos industriais, favorecendo sempre o mais forte contra o mais fraco”. (2011, p.17) E esse sistema totalitário neoliberal que impõe seu critério de viabilidade em tudo, o impõe sobre a escola, seus meios de gestão e sobre as relações sociais. Cristina Carriego, educadora popular e autora do livro Gestión Institucional, diz que o poder político “parece abandonar a la lógica del mercado la definición de las condiciones institucionales e materiales que aseguran el trabajo cotidiano” (2007, p. 23). Não podemos deixar de reafirmar que para “a grande maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades” (SANTOS, 2001, p. 19), diante disso nossa ênfase e denúncia são tecidas na certeza de que alternativas são possíveis e por isso precisam ser buscadas incansavelmente. A educação se constitui um campo que pode ser – em sendo encaminhado para uma direção que procure perceber a realidade e mobilizar suas práticas a partir do olhar dos oprimidos – um ambiente de luta e busca por uma alternativa. Acreditamos que a educação formal, sendo um lugar onde a grande maioria das pessoas precisam passar anos importantes de sua vida, pode contribuir para a formação do caráter e da personalidade propiciando assim uma formação humana e ética pautada em valores que sonhem com a emancipação humana. 2. PROBLEMATIZAÇÃO OU ACOMODAÇÃO: OS PROFESSORES COMO INTELECTUAIS CRÍTICOS. Para Friedman (um dos maiores idealizadores do neoliberalismo) a história está bem clara, ou seja, não há necessidade de continuar a fazer história, pois ela está pronta e finalizada. Não é novidade que para os neoliberais a história chegou ao seu fim, ou pelo III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1913 menos é o que, os que se acham os “únicos protagonistas” da história, querem que todos os demais indivíduos pensem. David Ibarra, professor de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México, em seu artigo O neoliberalismo na América Latina contribui com nossa discussão quando diz que o pós-modernismo neoliberal anuncia o fim da história, dos grandes relatos filosóficos e suas ideologias, e inclusive a do Estado-Nação com suas responsabilidades sociais e seu empenho em cuidar do bem comum, da soberania e identidade nacionais. Em troca, situa a esperança na eficiência de mecanismos automatizados, fora do desejo humano, como o mercado ou estado de direito construído ex professo, em torno do próprio cânone neoliberal. (2011, p. 239) Portanto, após esse anúncio e essa simplificação de como as coisas serão de agora em diante: (i) a história chega ao seu fim, (ii) basta manter o fluxo como está que melhorará, pois não há alternativa, (iii) os Estados diminuem sua atuação e (iv) a solução de tudo está nas mãos do livre mercado. A conclusão a que chegamos é a de que não há mais necessidade de problematizar a realidade. Bom... Isso é o que querem os defensores dessa ideologia, entretanto, na realidade “vivemos num mundo confuso e confusamente percebido” (Santos, 2001, p.17). Diante disso precisamos de ferramentas que nos ajudem a fazer diagnósticos acertados sobre a realidade e os problemas socioeducacionais que dela emanam, nesse sentido, João Francisco de Souza apresenta a Educação Popular (EP) como uma teoria geral da educação onde a pedagogia é “compreendida como resultado de uma reflexão diagnóstica, judicativa, teleológica sobre os problemas socioeducacionais de uma determinada sociedade na perspectiva dos interesses dos grupos culturais subordinados” (2010, p. 123). Portanto, acreditamos ser importante uma leitura, por parte dos professores e gestores dos enunciados teóricos da EP posto que dentre seus caminhos esteja a busca pela problematização, apreensão e interpretação da realidade. Não estamos dizendo que ali encontramos respostas, mas uma grande reflexão entorno dos problemas o que já é suficiente para nos manter em posição de combate e não de passividade ante as ofensivas da lógica atual. Contudo, cabe a nós, professores e gestores, como intelectuais orgânicos e críticos, um engajamento comprometido com a busca por um entendimento maior do mundo e da realidade para que possamos planejar melhor nossa ação. “A capacidade de criar uma nova III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1914 bagagem cultural que desmonte a ordem social vigente e que desestruture as ‘verdades’ sobre as quais se alicerçam as formas contemporâneas do poder” (LEDEZMA & BAZAM, 2006, p. 137) faz parte da luta do movimento de EP e acreditamos dever ser parte da luta de todos os que se propõem a fazer da educação um meio de libertação, humanização e emancipação. Um agravante dessa situação de acomodação da classe trabalhadora é a divisão de trabalho que nas sociedades capitalistas opera separando o trabalho intelectual do trabalho manual (Jezine e Almeida, 2010) o que afirma a prática vigente de que uns pensam para que outros executem. Isso dificulta um maior envolvimento, por parte de quem executa, com a totalidade de uma produção seja lá qual for, e, por consequência, um menor entendimento e escassez de subsídios para questionamento, problematização e intervenção, posto que nesse formato de produção fragmentada um entendimento fragmentado também é gerado. Nesse sentido os professores e gestores da educação básica estão entre os que executam, posto que existam organismos superiores estatais e privados que pensam, criam pacotes e nos entregam para que os executemos. Diante disso urge a necessidade de, nos apercebendo disso, não ficarmos passivos e acomodados posto que acreditemos que uma alternativa ao que temos atualmente não é “loucura” e sim possibilidade. Mesmo que a cada dia acentuem-se as ofensivas que viabilizam a mercantilização de todos os setores sociais, dentre eles a educação e as relações humanas e mesmos conscientes de que essa ação é penetrante, velada e acontece sobre discursos que atenuam suas reais intenções, tornando ainda mais difícil a sua captação e compreensão, insistimos que é preciso e possível apreender esta realidade em seus pormenores com vistas a uma “ação política para desmercantilizar a economia [afim de que] a cultura da vida possa se sobrepor ao processo de ‘coisificação’ dos seres humanos” (LEHER, 2010, p. 31). É preciso, portanto, que estejamos atentos aos discursos ideológicos como, por exemplo – assunto proposto por Maria Teresa Leitão de Melo – a questão da gestão da educação enquanto sendo manipulada para que seja uma extensão dos modos de gestão empresariais. 3. QUALIDADE TOTAL DA EDUCAÇÃO (GQT) Melo (2009) diz que nos tempos de vigência do neoliberalismo o tema gestão está ligado a mudanças conservadoras que são nada mais que variações dos mesmos temas antigos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1915 que surgem como discurso de novas políticas para melhorar a educação. Todavia, quando tais discursos são questionados e problematizados em relação a questões como: democracia, inclusão e público, logo são desmitificados posto que na verdade o que se quer é trazer para o interior da escola a tese da qualidade total da educação que “propõe como fórmula a ser aplicada, a da gestão empresarial, na qual a busca por resultados [e] o pragmatismo pedagógico [...] deixam patente a competividade como método e a busca pelo sucesso individual como regra” (MELO, 2009). Rose Mary Juliano Longo (1996), defensora da gestão qualidade total (GQT), tanto aplicada ao mercado quanto a educação, em seu artigo “Gestão da Qualidade: Evolução Histórica, Conceitos Básicos e Aplicação na Educação” diz que a Gestão da Qualidade Total [GQT], exemplo de excelência gerencial nas empresas, pode contribuir de maneira significativa para a melhoria do ensino no Brasil. As reais mudanças começam a ocorrer quando os princípios, conceitos e fundamentos da GQT se integram à cultura da organização, ao dia-a-dia das pessoas e dos processos organizacionais. (1996, p. 12) Ou seja, na visão de quem adere a esse modelo, já que a GQT é um modelo de excelência gerencial para as empresas, para o mercado, naturalmente será também para a educação. Entretanto, não se pode ignorar que escolas não são empresas e por isso possuem especificidades que não podem simplesmente ser adequadas ao modo de gestão empresarial. Dizer que as escolas devem ser “gerenciadas” da mesma forma que as empresas é fazer da escola nada menos que uma instituição que serve à lógica do capital. Não é novidade que a escola seja, em muitos casos, apenas um lugar que não faz mais que preparar para o mercado de trabalho ou oferecer escolarização mínima necessária para que a admissão nos empregos seja possível. Todavia, defendemos e enfatizamos que a escola deve ser lugar de formação humana, também de qualificação técnica, mas longe de ser apenas isso. A escola deve ser um lugar de encontro de pessoas complexas habitantes de um mundo complexo que por meio do diálogo autêntico criam condições para pronunciarem o mundo (FREIRE, 1980). Sendo assim a escola deve ser um lugar de construção de saber e cultura e por tudo isso um lugar de emancipação humana. Todavia, a emancipação genuína é promovida quando III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1916 o humano é percebido de modo integral e não fragmentado, e (ou) limitado a uma pessoa pragmática, eficiente, empregável ou competitiva. A emancipação verdadeira é favorecida quando as pessoas são estimuladas a darem vasão à sua vocação ontológica de serem mais. Contudo, de acordo com a perspectiva neoliberal, segundo Gentili (1996), o mercado não se modifica e, portanto, tudo o mais deve girar em torno dele, ou seja, a educação deve se adaptar ao mercado. Entretanto, não podemos deixar de frisar que é justamente no mercado onde se encontram as raízes da exclusão que é nada menos que uma violência inaugurada por este ente (mercado) e que vai ter relação, de modo direto, com a exclusão que acontece dentro da escola e da sociedade. Ou seja, dentro das escolas encontramos alunos que são vítimas da violência estrutural e histórica do mercado visto que seus pais, seus avós, etc., já vinham sofrendo essa violência antes e não foram capazes de oferecer aos seus filhos suporte emocional, afetivo e nem uma cultura de valorização da leitura, dos estudos, enfim, da educação. A culminância disso, na maioria dos casos, é a exclusão da educação (mesmo que o educando esteja dentro da escola). Portanto, o mercado é excludente e de modo direto é um dos grandes responsáveis pela exclusão na (e da) educação. Longo (1995, p. 7) diz que o objetivo principal das transformações em que vivemos é a “elevação do nível global de competitividade da economia, e, nesse contexto, a centralidade do papel da educação e da produção do conhecimento é reconhecida por todos”. O que é enfatizado por Longo, enquanto defensora da GQT, é que com o aumento da competitividade global os olhares e reconhecimentos se voltam para a educação visto que esta tem papel central em relação à produção de conhecimentos. Entretanto, essa produção de conhecimento não é percebida como fruto da expressão humana criativa. O conhecimento que é tratado aqui é fruto da razão instrumental102 que tem como objetivo o uso pragmático e utilitário desse conhecimento o que culmina no sequestro do conhecimento pelo capital. Zitkoski, citado por, Alves (2012, p. 3) diz que “[...] o que está na raiz das teorias sobre Qualidade Total na educação, de reengenharia do ensino, da excelência do ensino é a 102 De acordo com Horkheimer (2002) a razão instrumental é uma faculdade intelectual, cuja eficiência pode ser aumentada pela remoção de qualquer fator não-intelectual, tais como emoções conscientes e inconscientes. Nesse sentido a razão instrumental perde qualquer capacidade de julgamento ante os critérios utilizados para um determinado objeto de estudo. Sendo assim esta razão deve servir a qualquer empenho, seja ele bom ou mal. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1917 razão instrumental [...]” que tecnifica o conhecimento atrofiando a “capacidade critica e criativa do ser humano” (Idem, Ibidem). Posto que, como diz Longo (Idem), a GQT só se concretiza quando cada um dos passos desta é praticado sem falhas, nesse sentido, como dar vasão à expressividade criativa e crítica dos educandos e educandas se a base de gestão da educação em que eles estão inseridos é engessada acreditando que só é possível uma gestão de qualidade se cada passo de seu aporte deve ser matematicamente obedecido? Essa razão instrumental, a que nos referimos, limita-se a fazer cálculos e encontrar probabilidades para que se saiba objetivamente o que é necessário ser feito aqui ou ali. Entretanto, o que implica desde os dias em que esse tipo de razão veio à tona, período iluminista (BIANCHI, 2008), é o fato de que esta deseja ter “supremacia [...] sobre a razão crítica” (Idem, p. 51) e, nas palavras de Bianchi, a “perda de toda autoconsciência pela razão” (Idem, Ibidem, p.51). Ou seja, em nome desse tipo de razão, acaba-se perdendo a capacidade judicativa acerca do que deve ou não ser feito de fato já que esta vê em sua frente apenas a busca pela resolução de seus problemas objetivos e pragmáticos, sem levar em consideração os contextos, as nuances e incertezas da vida. “O pensamento é, assim, servo de todo empenho, seja ele bom ou mau” (Idem, Ibidem, p.54). Uma educação que se paute nos princípios de uma razão instrumental, que procure em tudo, de acordo com a filosofia da qualidade total, fazer dos seus educandos eficientes e pragmáticos só poderá aprofundar a ideologia mercantilista que se estrutura sobre a competividade e individualismo acirrado esquecendo-se de algo que para a vida da coletividade, ou seja, da sociedade, é fundamental. A solidariedade. 4 INDIVIDUALIDADE E COMPETITIVIDADE EM DETRIMENTO DA ÉTICA Como já vimos, o modelo de gestão da educação baseado nos pressupostos neoliberais tem como regra e metodologia a competitividade, ou seja, nada menos que a regra e metodologia das corporações e empresas, tal como vem se apresentando, transferidos para educação. Longo (1996), em seu texto supracitado, deixa claro que a educação deve servir utilitariamente a produção de conhecimento para que a competitividade seja fomentada o que reforça o fato de que o modelo neoliberal que se transpõe às formas de gestão, seja de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1918 empresa, seja de instituições educacionais, tem como regra a competitividade e a busca pelo sucesso individual. Santos (2001, p.31) diz que “o exercício da competitividade torna exponencial a briga entre as empresas e as conduz a alimentar uma demanda diuturna de mais ciência, de mais tecnologia, de melhor organização, para manter-se à frente da corrida.” Ciência e tecnologia são produzidos pela educação, entretanto, estas são encomendadas pelas empresas não necessariamente com a finalidade de melhorar a vida das pessoas e da sociedade, mas para aquecer o mercado. Ou seja, a educação é sequestrada e obrigada a trabalhar para o capital e este, por sua vez, depende, para se manter, de uma competitividade acirrada entre os seus agentes. Não estamos falando aqui de uma concorrência amigável que tem como finalidade a melhoria das tecnologias para beneficiar a humanidade, estamos nos referindo à barbárie, à selvageria e perversidade advindas de um desejo irracional de crescimento e acúmulo de dinheiro. Estamos falando de ausência total de solidariedade posto que esta, a solidariedade, para ser, precisa acontecer como fruto da ética no seu melhor significado que tem a ver com o agir, reconhecer e respeitar o outro. Ou seja, a ética humana é humanizadora por natureza e, por excelência, diz respeito ao outro, portanto, essa ética que Freire (2000) chama de ética universal do ser humano anda na contra mão do individualismo e egoísmo que são a base da filosofia neoliberal defendida pelos autores citados (Friedman, Hayke e Chaves). Esse individualismo e competitividade na busca pelo sucesso são filiados à lógica do capital que Freire, por sua vez, chama de ética do mercado que é a transgressão da ética humana. Ele diz que a ética do mercado, sob cujo império vivemos tão dramaticamente neste fim de século, é em si, uma das afrontosas transgressões da ética universal do ser humano. Perversa pela própria natureza [...] No momento em que fosse amainada sua frieza ou indiferença pelos interesses humanos legítimos, dos desvalidos, o de ser, o de viver dignamente, o de amar [...] na perspectiva de permanente sim à vida, já não seria ética do mercado. (Freire, 2000, pp. 117, 118) Na medida em que a ética universal do ser humano é por natureza humanizadora a ética do mercado é por natureza desumanizadora posto que oprime e opera contra o sonho, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1919 contra à vida, contra a solidariedade visto que se paute pelo lucro. Essa lógica acaba por tomar posse de diversos âmbitos da vida e das relações humanas. O homem na maioria das vezes não se percebe fragmentado, quebrado, incapaz de solidez nas relações afetivas. Extremamente frágil no que diz respeito à lealdade e amizade, indisposto na busca por aprofundamentos em diversos sentidos posto que julgue não ter tempo para nada que não seja fazer desse tempo, já que tempo é dinheiro, mais um momento para lucrar em algo. Essa competitividade e individualismo logo se expressam no diálogo entre as pessoas. Vivemos numa sociedade onde todos querem falar e poucos querem ouvir, entretanto, diálogo é falar e ouvir com a mesma disposição. Martin Buber (1982) ao tecer suas muitas reflexões acerca da relação entre as pessoas, diz que conhece três tipos de diálogo, o autêntico, o técnico e o monólogo disfarçado de diálogo. Quando ele fala do diálogo autêntico diz que esse é aquele onde as pessoas, comprometidas, voltam-se, em inteira reciprocidade, umas para as outras. Ele diz que nesse momento, mesmo que em silêncio, o diálogo se estabelece posto que os sujeitos de tal diálogo estejam levando o outro ou os outros em consideração no seu modo de ser, em sua alteridade. No diálogo técnico o que se vê, segundo Buber, é o encontro meramente utilitário e objetivo de pessoas, que querem chegar a um entendimento sobre algo, ou seja, o que se busca aqui é fazer do momento e do encontro uma reunião para esclarecimento sobre quaisquer coisas. Em relação ao monólogo disfarçado de diálogo ele vai dizer que os participantes de tal momento “falam, cada um consigo mesmo, por caminhos tortuosos estranhamente entrelaçados e creem ter escapado, contudo, ao tormento de ter que contar apenas com os seus próprios recursos” (1982, p. 54). Desses três tipos de diálogo Buber vai dizer que o primeiro se tornou raro. E não fica difícil concordar com ele, pois a impressão que se tem é a de que nos encontros entre as pessoas poucos são os que de fato estão inteiros e entregues ao encontro para fazer daquele momento um tempo de reciprocidade viva. Percebemos com muita frequência os encontros casuais, rápidos e superficiais, seja para esclarecimento e entendimento objetivo, seja para falar narcisisticamente consigo mesmo (só que com plateia) ou enfim, para falar III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1920 soberbamente apenas para que os outros ouçam posto que só “você” tenha o que dizer e ensinar. Acreditamos enfaticamente que tal perversão, no que diz respeito a essa distorção nas relações humanas, seja em boa medida, agravada pela “ética” (lógica) do mercado que vem se transpondo para todos os setores da vida. Sánchez Torrado (in ESCLARIN, 2003, P. 16) falando sobre esses objetivos finais enquanto necessidade que se tem pelo lucro, pelo acúmulo, enfim, pelo poder diz que tal [...] produce esclerosis y miopia. Lo que debería ser un medio, se convierte en un fin: mantenerse en el poder. [...] Cada vez se hace más amenazadora la perversión del poder y con ella la perversión del hombre. El poder como presencia dominante y como valor absoluto contamina la libertad e impide el recto ejercicio de la democracia. A busca individualista, competitiva e desenfreada por poder, seja em grande ou pequena escala, é uma busca cega e irracional posto que o faça sem levar em conta nada além de sua finalidade que, como Sánchez disse, deveria ser um meio para atingir outras finalidades que contribuíssem para a emancipação humana. Entretanto, a meta é o poder como fim em si mesmo e a manutenção deste. A verdadeira emancipação e liberdade não vêm do sucesso individual, estas só são possíveis na coletividade, é preciso que os indivíduos sejam capazes de saírem de si mesmos e se voltarem para os outros, como sujeitos, para que a plenitude de suas potencialidades venha à tona. Nesse ponto recorremos à Buber mais uma vez quando, no texto citado, ele fala, sobre as pessoas, que no monólogo, tem a necessidade de falarem para as outras ouvirem. Ali ele diz que as pessoas fazem racionalizações de que estão dialogando porque não querem ter que contar apenas com seus recursos. Concordando com Buber, acreditamos que de fato, para vivermos em plenitude e em liberdade, nossos recursos individuais são parcos, escassos e limitados. Precisamos, inevitavelmente, dos outros, dos intercâmbios e da dialogicidade autêntica com os outros e isso só acontece na coletividade, na comunidade e nunca no individualismo, portanto, tal lógica que se coloca como transgressão da ética humana não contribui para liberdade e emancipação humana posto que encerra o homem em si mesmo. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1921 Nesse ponto acreditamos ser importante pensar sobre a questão do local, da comunidade, da construção de identidade e do sentimento de comunidade posto que estes venham sendo comprometidos no “frenesi” da globalização. 5. O GLOBAL E O LOCAL Arturo Escobar traz uma reflexão importante sobre a questão do lugar, do local. Ele diz que no “frenesi” da globalização o lugar, o local, vem desaparecendo, entretanto, é no lugar, diz ele, que se vivem experiências de localidade, de conexão com a vida diária, de enraizamento, de construção de identidade. Portanto, o lugar continua sendo importante para a maioria das pessoas, senão para todas. Nesse sentido, “este enfraquecimento do lugar tem consequências profundas em nossa compreensão da cultura, do conhecimento, da natureza, e da economia.” (2005, p. 63). O movimento de EP procura olhar a realidade a partir da perspectiva do local, das comunidades e do oprimido. Entende-se que o mundo funciona para uns poucos em detrimento de muitos. Nesse sentido faz-se necessária uma defesa intensa do lugar e do entorno mais direto. A imposição das culturas dominantes sobre as “outras” vem acontecendo de modo que o local vem sofrendo as consequências disso. Por sua vez, a educação e as relações sociais também vão ficando cada vez mais fragmentas devido ao desaparecimento paulatino do local como num ciclo vicioso. As comunidades menos favorecidas e, portanto, menos detentoras de meios de comunicação e produção acabam por terem inibida sua expressividade, criatividade e potencialidades. O que acontece aqui, nada mais é que uma violência transgressora da ética humana que, conforme suas maneiras de agir vêm atropelando tudo e todos que, de certa forma, não cooperam com a globalização cultural capitalista. Afinal para que tal globalização se torne viável faz-se necessário à dominação cultural e ideológica onde faz parte da estratégia levar as pessoas a acreditarem que existe uma cultura e um pensamento que sejam melhores do que outros. Diante disso, uma educação e sua gestão que tenham como aporte teórico a qualidade total e a razão instrumental (i) contribuirá inevitavelmente para a supressão da cultura local, ao invés de estimulá-la e (ii) não fará grandes esforços para atrelar o trabalho escolar à III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1922 comunidade em que a escola se encontra posto que a finalidade do seu trabalho é o global e não o local. CONCLUSÃO Diante disso acreditamos que gestores e professores, profissionais que se reconhecendo condicionados, mas não inexoravelmente determinados (Freire, 2000), devem se posicionar criticamente ante a ditadura do mercado que a tudo quer submeter. Portanto, enquanto profissionais da educação professores e gestores não poderiam se limitar a pensar apenas a escola em suas questões técnicas, devem, todavia, buscar a leitura da realidade, a compreensão da história e a problematização do mundo para que como intelectuais, no modo de falar de Gramsci (1982), possam se engajar na luta contra a dominação do mercado, não apenas na educação, mas na sociedade como um todo. Não perceber ou não buscar perceber os temas atuais da realidade local e global faz com que os profissionais da educação fiquem alienados apenas às questões instrumentais e técnicas dentro do âmbito da escola, entretanto, no momento em que entendem que devem expandir seu olhar, acabam por obter uma compreensão mais concreta do que acontece dentro da escola melhorando assim sua incidência nos trabalhos pedagógicos. Sabemos que, enquanto profissionais da educação, por vezes temos sido tomados por um volume perverso de trabalho o qual nos tira o tempo para reflexão sobre assuntos imprescindíveis. Portanto, o desafio de captar os temas atuais e problematizá-los torna-se ainda maior, contudo, não podemos abrir mão dessa busca contínua pelo entendimento do mundo e da realidade para que possamos fazer lúcidas e certeiras intervenções. Acreditamos que alternativas ao modelo neoliberal existem, são possíveis e devem ser buscadas. Defendemos que a escola e o trabalho docente podem ser espaços e instrumentos importantes nessa busca e na construção de relações sociais verdadeiramente pautadas em valores éticos que busquem transformações sociais que para serem autênticas devem objetivar e emancipação humana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. 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Depreende-se que à medida que as atividades agrícolas se dinamizam e se modernizam uma gama de atividade se desenvolvem com consequência contribuindo para a formação de grupos de indivíduos com características bem particulares para o meio onde vivem. Sendo que essas novas atividades tendem a se expandirem de forma significativas. Palavras-Chave: Mercado de trabalho rural; Baixo Jaguaribe; Trabalho Agrícola; Trabalho Não Agrícola. ABSTRACT The development of activity among employed rural pluriactive is certainly one of the most important phenomena in the analysis of rural settings. Thus, this paper develops a characterization of these new patterns of labor relations induced by changes in the rural world to the Lower Jaguaribe - CE. The data used in the study come from the population censuses of 2000 and 2010. It appears that as the agricultural activities is streamline and modernize a range of activities to develop thus for the formation of groups of individuals with very specific characteristics for the environment where they live. Since these new activities tend to expand so significant. Key-words: rural labor market; Low Jaguaribe; Agricultural Work, Non-Farm Labor. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, a agricultura brasileira vem esboçando um contínuo processo de transformação de seu panorama. Essas mudanças envolvem a redimensão e redefinição do papel da agricultura na economia brasileira, sob a luz das transformações capitalistas que atingem os sistemas de gestão da produção e do trabalho nos diferentes segmentos da economia. A agenda de transformações envolve, portanto, a ação ‘modernizadora’ do 103 Docente do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri; (85) 9710-6400; [email protected] 104 Mestrando em economia Rural pela Universidade Federal do Ceará; (85) 97299825; [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1927 processo produtivo na cadeia agrícola, conferindo-a um caráter mais individualizado e consonante com a lógica de acumulação capitalista, possibilitando uma maior integração da unidade produtiva primária às redes de produção agrícolas e não agrícolas. Isso tem levado ao avanço de novas atividades no interior da própria agropecuária. Esse processo está ligado à manifestação de um caráter “pluriativo” nas atividades desse setor, principalmente condicionada pela emergência e multiplicação dos chamados “agronegócios”. Deste modo, seguindo os ciclos de transformações da agricultura, identificam-se diversos componentes que traduzem as mudanças nas atividades agrícolas e no meio rural como um todo. A análise além da ótica da produtividade aponta que as transformações da agricultura têm sido socialmente excludentes, provocando a diminuição abrupta das populações rurais, sendo também ambientalmente prejudiciais aos ecossistemas naturais. Nesse sentido, apesar da elevação da produção, parte considerável da população mundial, inclusive nos países onde a modernização tecnológica tem sido mais intensa, não consegue sequer atingir os limites alimentares mínimos (SCHNEIDER; NAVARRO, 2006, p. 1). O comportamento do mercado de trabalho, subordinado às lógicas das relações de produção, passa a ser ditado pelo movimento dos fenômenos que afetam o paradigma agrícola, traduzindo-se em uma elevação contínua da produtividade do trabalho nas tarefas agropecuárias. A esse respeito, Silva (1998) enfatiza que em função das mudanças nas unidades produtivas agropecuárias, duas grandes transformações ocorrem no mercado de trabalho agrícola: i) nova divisão do trabalho no interior das unidades familiares, liberando alguns membros das famílias para se ocuparem em outras atividades, alheias a sua unidade produtiva; ii) os membros da família que já conduziam individualmente a atividade agrícola têm o seu tempo de trabalho reduzido, de tal sorte a possibilitar a combinação da produção agrícola na sua unidade com outra atividade externa, agrícola ou não. Silva (1998) afirma, ainda, que a diferença entre os termos está na unidade de análise: o primeiro diz respeito às famílias e seus membros; enquanto que o segundo diz respeito ao estabelecimento agropecuário, observando-se o tempo dedicado ao estabelecimento pelas pessoas envolvidas nas suas atividades agropecuárias. Desse modo, no primeiro caso, os indivíduos liberados pelo processo de modernização/mecanização da produção mantêm sua estrutura domiciliar ligada ao meio rural, mais deslocam sua força de trabalho para atividades não necessariamente agrícolas, ampliando e consolidando uma categoria de indivíduos rurais III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1928 que exercem atividades não agrícolas. A forma de inserção desse trabalhador no mercado de trabalho não agrícola, em muitos casos, dá-se de forma precária, devido às mais frágeis condições de qualificação dessa mão de obra. No entanto, isso não significa o rebaixamento do padrão de qualidade das ocupações em relação ao trabalho na agricultura, pois a estrutura produtiva agrícola anterior ao processo de modernização revela indícios de precarização muito mais intensos, quando comparado aos setores não agrícolas. Nesse sentido, as conclusões de Balsadi e Silva (2008, p.2) ganham relevância ao mostrar que “os movimentos gerais da agricultura tiveram como resultado o aumento das discrepâncias na qualidade do emprego agrícola entre as diferentes categorias de empregados, reforçando uma tendência de polarização dentro do mercado de trabalho assalariado agrícola”. Assim, considerando o fato das ocupações agrícolas diminuírem nos ambientes urbanos, concomitante ao aumento de ocupações não agrícolas, até mesmo no meio rural, percebe-se um claro processo de uma urbanização para além dos limites das cidades. Para Monte-Mór (2006, apud CORDEIRO NETO, ALVES, 2009 p. 328) observa-se [...] a tese de urbanização extensiva, caso brasileiro que trata de uma “urbanização que ocorreu para além das cidades e áreas urbanizadas, e que carregou com ela as condições urbano-industriais de produção (e reprodução) como também a práxis urbana e o sentido de modernidade e cidadania”. Assim, o urbano no mundo contemporâneo seria “uma síntese da antiga dicotomia cidade-campo, um terceiro elemento na oposição dialética cidade-campo, a manifestação material e sócioespacial da sociedade urbano-industrial contemporânea estendida, virtualmente, por todo o espaço social”. Considerando tal cenário, o trabalho em questão pretende desenvolver reflexões acerca das transformações no meio rural na região do Baixo Jaguaribe-CE, sobre o prisma do mercado de trabalho. Para isso, são discutidos, inicialmente, aspectos relevantes sobre as novas determinações do meio rural e suas implicações sobre o mercado de trabalho, contextualizando as alterações recentes pelas quais passa a região do Baixo Jaguaribe Cearense. A caracterização demográfica e socioeconômica da região é explorada na seção três, seguida, na seção quatro, de um panorama do comportamento do mercado de trabalho na região, a partir de dados dos censos demográficos de 2000 e 2010. Por fim, são feitas as considerações finais deste trabalho. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1929 A REGIÃO DO BAIXO JAGUARIBE E AS NOVAS DINÂMICAS NO MEIO RURAL CEARENSE Os anos 1970 na economia nacional são marcados por diversas transformações na estrutura produtiva, que envolvem a consolidação da matriz industrial brasileira, com fortes investimentos na indústria de bens intermediários e de capital. O modelo de desenvolvimento do período promove alterações na base produtiva que passam a contemplar também fortes modificações na base agrícola, no processo conhecido como “modernização conservadora”, envolvendo reorientações na base técnica e nas relações sociais de produção. O setor primário assume então uma estrutura diversificada e heterogênea, complexa e multideterminada, constituída por diferentes complexos agroindustriais (CAIs) (SILVA, 1998). A intervenção pública oferece subsídios para o fortalecimento dos elos da cadeia agroindustrial105 e sinaliza para ações de implantação de perímetros públicos irrigados, através de uma política estatal de irrigação. Nos anos 1980, a crise fiscal do Estado, refletida na incapacidade do mesmo de formular políticas de desenvolvimento e, consequentemente, políticas setoriais, terá rebatimentos no ajuste estrutural experimentado pelo setor agrícola. A necessidade de geração de superávits comerciais, da primeira metade da década, redireciona investimentos públicos para culturas de exportação e na segunda metade dos anos 1980, as políticas públicas impulsionam um novo modelo de irrigação, privilegiando a irrigação privada106. Mas é na década de 1990 que esse modelo se consolida e os espaços agrícolas se modernizam na perspectiva de articulação dos modelos locais à dinâmica internacional globalizada. Nesse cenário, áreas produtivas, “manchas férteis” presentes na região semiárida nordestina, integram-se aos interesses hegemônicos do agronegócio, incorporadas a um novo circuito produtivo de empresas nacionais e estrangeiras, determinando um novo papel na divisão internacional do trabalho agrícola (ELIAS, 2006), onde o desenvolvimento da fruticultura irrigada passa a ser um dos pilares das estratégias governamentais voltadas para a região Nordeste. Apesar das históricas adversidades climáticas da região, um conjunto de 105 Através de programas como: Programa de Assistência Financeira à Agroindústria e à Indústria de Insumos, Máquinas, Tratores e Implementos Agrícolas (PROTERRA/PAFAI), 1971 e Programa de Desenvolvimento da Agroindústria do Nordeste (PDAN), criado pelo Banco do Nordeste e pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, a partir de 1974. 106 Destacam-se, nesse período, o Programa Nacional de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis (PROVÁRZEAS) e o Programa de Financiamento para Equipamentos de Irrigação (PROFIR). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1930 elementos condiciona a mesma como espaço de materialização da agricultura científica e do agronegócio globalizado: condições naturais favoráveis à fruticultura, com a presença de solos diversificados e férteis, baixa umidade relativa do ar e luminosidade acentuada; políticas de irrigação; intervenção pública na criação de infraestrutura, com melhorias nos sistemas viários e de escoamento da produção e incentivos fiscais e financeiros, fundamentais para atração de investimentos externos. Neste modelo, há um “incremento da oligopolização do espaço agrícola brasileiro, acompanhado de um paralelo processo de fragmentação” do mesmo (GOMES, 2010, p.61), onde as políticas públicas se direcionam de forma seletiva para determinados espaços, promovendo a constituição de “arranjos territoriais produtivos agrícolas” e especializando suas culturas. Há que se destacar o cenário que caracteriza a economia estadual, marcada, na década de 1990, por uma estratégia de crescimento econômico baseada em medidas de saneamento da máquina estatal e rigoroso ajuste fiscal, investimentos em infraestrutura e no uso intensivo de incentivos fiscais e financeiros para atração de investimentos industriais107, que garantiram uma dinâmica consistente de crescimento do produto e emprego industrial cearense. Para o setor agrícola estadual, os programas implementados tiveram como objetivo a ênfase na modernização da produção agrícola, na consolidação de agropólos e agronegócios, com projetos de irrigação108 e fortalecimento dos complexos agroindustriais, como forma de propiciar o aumento da renda, produtividade e competitividade no meio rural. Assim, o Ceará também se insere na nova lógica de acumulação capitalista do campo e a “força da modernização capitalista legitima no território do Estado as racionalidades ditadas pelo mercado, erigindo novas organizações espaciais em benefício das trocas globais” (PEREIRA JÚNIOR, 2005, p. 130). Como consequência, o agronegócio como um todo admite uma fração de extrema importância para a economia cearense e estudos demonstram que cerca de 107 Os chamados FDI, Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI-PROVIN, pós 1989) possibilitaram ao Estado o estabelecimento de incentivos, sob a forma de empréstimos, utilizando como base o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (VASCONCELOS, ALMEIDA, SILVA, 1999), revertidos como capital de giro, destinado principalmente às empresas que se instalassem ou que resolvessem se modernizar, ampliar e relocalizar suas plantas industriais no Ceará. A partir de 2002, a concessão de incentivos no estado do Ceará passou a ser orientada pela visão de cadeias produtivas, com o objetivo de que os investimentos possam integrar e aumentar a competitividade de polos produtivos, diminuindo a necessidade de novos incentivos. 108 Impulsionados pelo Programa Cearense de Agricultura Irrigada (PROCEAGRI), da Secretaria de Agricultura Irrigada (SEAGRI). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1931 “um terço da economia estadual depende do setor agropecuário e de suas conexões” (GUILHOTO; AZZONI; ICHIHARA, 2009, p. 19). É a partir da regulação desse novo modelo de base econômica e com a incorporação de novos perímetros irrigados, voltados para os padrões de competitividade internacional, que a Região do Baixo Jaguaribe cearense desponta como uma nova organização espacial de produção capitalista no Brasil, destacando-se como “uma das “manchas” de expansão e desenvolvimento desse mais recente modelo de racionalidade produtiva cearense” (PEREIRA JÚNIOR, 2005, p. 133), sendo beneficiada por um vale úmido próximo à Chapada do Apodi e uma rede hidrográfica de grande importância para a região. Como observam Elias, Muniz e Bezerra (2007, p. 34), “a velocidade das transformações em curso na região do Jaguaribe (CE) pode ser observada pelas metamorfoses das forças produtivas introduzidas pelas empresas agrícolas, das relações sociais de produção, assim como pelas transformações dos regimes de exploração do solo, com a expansão da exploração direta por parte de grandes empresas agrícolas, nacionais e multinacionais”. Desse modo, a microrregião do Jaguaribe (CE) vem obtendo resultados significativos no setor agropecuário graças, em grande parte, aos programas de fomento das atividades primárias na região que ajudaram-na a se inserir no cenário interno, e até mesmo internacional, da produção agrícola, baseado principalmente na fruticultura, ao colocar em curso esforços no sentido de promover a viabilidade daquelas empresas na região. Um dos pontos de maior destaque na evolução da atividade agropecuária na região do Baixo Jaguaribe pode ser notado a partir da expansão da participação da microrregião no PIB agropecuário do estado, a qual passa de apenas 7,5% em 2000, passando a representar 13,5%, em 2008. A expansão do agronegócio na região também contribui para que a mesma amplie sua participação no PIB total do estado de 2,6% para 3,2%, no período referido. O que reforça a noção de que os programas governamentais de fomento do setor primário ajudaram a colaborar para esse resultado. Vale enfatizar, ainda, que a expansão do emprego formal agropecuário se deu de forma bastante rápida ao longo da década de 1990, onde se concentra grande parte das intervenções governamentais com o intuito de promover uma dinâmica econômica baseada na modernização das atividades primárias. Verifica-se, no período recente, crescimento vigoroso tanto do número de estabelecimentos e emprego formal como na distribuição dos mesmos pelos municípios que compõem a região, passando o número de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1932 empresas de 4 para 55 e os empregados de 52 para 2.921, de 1985 para 2002, respectivamente (ELIAS, MUNIZ; BEZERRA, 2007, p. 32-47). A consolidação do agronegócio no Baixo Jaguaribe materializa processos de transformações locais de todos os aspectos, que passam a determinar novos padrões de organização socioespacial, transformação nas tradicionais estruturas agrárias, amplas alterações nas relações campo-cidade e na divisão territorial do trabalho, bem como sensíveis impactos sobre o meio ambiente. Particularmente no vetor ambiental, as externalidades geradas pelas empresas refletem-se no padrão de vida das populações ligadas diretamente ou não às atividades do agronegócio. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA ECONÔMICA DO BAIXO JAGUARIBE Nas últimas décadas do século XX, a microrregião do baixo Jaguaribe, no nordeste do Ceará, passou a se destacar pelos elevados níveis de crescimento econômico. Os resultados da economia da microrregião estão, certamente, ligados ao desenvolvimento de atividades primárias, que contribuíram para inseri-la nas redes de comércio, tanto nacional como internacional. Os dados apresentados no tabela 1 representam indicadores demográficos e socioeconômicos dos dez municípios que compõem a microrregião do Baixo Jaguaribe. A população residente da região é de cerca de 313.474 pessoas, sendo o município de Russas o mais populoso, com 69.883 habitantes. Em termos de área, o Baixo Jaguaribe se estende por aproximadamente 9.951 Km2. TABELA 01 Baixo Jaguaribe Indicadores demográficos e socioeconômicos selecionados - 2010 Município Alto Santo Ibicuitinga Jaguaruana Limoeiro do Norte População 16.359 11.335 32.236 56.264 Área 1.338,7 424,2 867,3 751,5 Densidade Demográfica 12,2 26,7 37,2 74,9 PIB per capita R$ R$ R$ R$ 4.712,45 4.000,43 7.384,47 7.145,92 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1933 Morada Nova Palhano Quixeré Russas São João do Jaguaribe Tabuleiro do Norte Baixo Jaguaribe 62.065 8.866 19.412 69.833 7.900 29.204 313.474 2.779,2 442,8 616,8 1.588,1 280,4 861,8 9.951 22,3 20,0 31,5 44,0 28,2 33,9 31,5 R$ R$ R$ R$ R$ R$ R$ 6.169,23 5.287,00 39.997,39 7.950,07 5.308,22 5.835,82 9.379,10 Fonte: IPECE, (2013) e IBGE, (2013). O município com maior densidade demográfica é Limoeiro do Norte (74.9), que é também o segundo mais populoso da região. Entretanto, a densidade demográfica da microrregião é em geral baixa, sugerindo um mercado de trabalho rural de dimensões relativamente elevadas, dada a estrutura agrícola de envergadura significativa que ali tem se desenvolvido. Dentre os municípios com maior PIB per capita destaque especial deve ser dado ao município de Quixeré, apresentando, nessa variável, valores correspondentes a R$ 39.997,39, sendo o município que mais cresceu nos últimos anos. Os dados do tabela 02 ajudam a dimensionar o padrão de crescimento esboçado pelo Baixo Jaguaribe nos anos recentes. O crescimento médio do Produto Interno Bruto da região foi de 19,4%, entre 2005 e 2010. O município de Quixeré teve um crescimento médio de 97,8% no mesmo período, muito embora tenha sido o mais afetado pelo quadro recessivo iniciado no último trimestre de 2008, com um recuo de -31,7% no seu PIB no ano de 2009, quando os efeitos da crise econômica de 2008 tornaram-se mais evidentes e severos. TABELA 02 Baixo Jaguaribe Produto Interno Bruto a preços de mercado – 2005-2010 [R$ mil] Municípios 2005 2006 2007 2008 Alto Santo Ibicuitinga 37 997 26 404 45 155 32 101 51 972 29 141 64 910 38 409 Jaguaruana 117 739 145 685 146 261 184 526 Limoeiro do Norte 270 192 330 732 402 049 490 508 2009 2010 72 421 77 096 40 277 45 345 238 209 210 068 356 309 402 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1934 Morada Nova 193 659 234 803 265 724 320 942 351 118 Palhano 18 641 22 406 33 356 31 036 38 838 Quixeré 128 897 163 727 178 359 198 347 135 489 Russas 290 900 346 242 377 166 431 695 441 189 São João do Jaguaribe 24 732 28 381 29 835 33 992 37 257 Tabuleiro do Norte 81 331 95 296 100 116 121 734 137 985 Ceará 40 935 248 46 303 058 50 331 383 60 098 877 65 703 761 180 383 023 46 890 776 829 555 646 41 946 170 464 77 865 415 Fonte: IPECE, (2012). Esse comportamento do PIB dos municípios da região ajuda a compor uma perspectiva do grau de integração da cadeia produtiva do Baixo Jaguaribe aos grandes fluxos de comércio internacional. No entanto, esses mesmos dados evidenciam que as atividades econômicas desenvolvidas naquela região apresentam alta sensibilidade às flutuações da economia internacional. Esse comportamento segue a tendência da economia brasileira na primeira década dos anos 2000, que tem parte da dinâmica de sua demanda agregada condicionada ao contexto internacional favorável no mercado de bens, o qual manteve a expansão do comércio mundial, valorização do preço internacional das commodities e momentos de expansão da liquidez, mas que pelos mesmos mecanismos, também torna mais vulnerável as economias com alto nível de integração à cadeia internacional. Percebe-se, ainda, a elevada assimetria nos níveis de desenvolvimento econômico da região, através das disparidades apresentadas pelo PIB nos diferentes municípios. Outro importante dado acerca de caracterização econômica da região é a estrutura setorial do PIB municipal. Nas unidades municipais de maior porte é mais forte a presença do setor de serviços, dado o maior nível de complexidade da economia dessas cidades. Em contrapartida, nos municípios menores a participação de atividades primárias é mais significativa. De forma geral, depreende-se uma forte participação da agricultura na formação do PIB da microrregião de estudo, seja como contribuição direta de agropecuária, como mostrado no tabela 3, ou por seus efeitos de propagação nas cadeias industriais e/ou de serviços, como evidenciado pela literatura. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1935 TABELA 03 Baixo Jaguaribe Estrutura setorial do valor adicionado a preços básicos – 2009 e 2010 (%) Municípios Alto Santo Ibicuitinga Jaguaruana Limoeiro do Norte Morada Nova Palhano Quixeré Russas São João do Jaguaribe Tabuleiro do Norte 2009 2010 Agropecuári Indústri Serviço Indústri Serviç Agropecuária a a s a os 27.8 14.5 20.7 18.2 13.2 30.2 40.7 7.4 11.9 10.6 25.1 20.7 30.2 9.5 12.6 25.9 60.3 75.0 54.2 61.1 56.6 60.3 46.7 66.8 24.4 11.6 16.7 14.0 12.6 31.4 3.6 10.8 13.9 11.8 27.6 21.8 28.9 10.0 6.1 24.3 61.7 76.6 55.6 64.1 58.5 58.6 90.2 64.9 24.0 10.8 65.2 21.9 12.7 65.4 10.2 18.5 71.3 8.7 21.4 70.0 Fonte: IPECE, (2012). ESTRUTURA DO MERCADO DE TRABALHO DO BAIXO JAGUARIBE Os novos processos de acumulação no meio rural conferem às áreas mais desconectadas das grandes cidades a possibilidade de auferirem uma dinâmica econômica de certa envergadura e complexidade, de forma a se inserir nos fluxos nacionais e internacionais de comércio. Esses fenômenos, certamente, implicaram em novos padrões e formas de contratos de trabalho no espaço rural que permitiram/induziram novas determinações das relações de emprego, com fortes reflexos no perfil do trabalhador rural. Nos estudos das relações de trabalho no meio rural, há que se observar que na medida em a agricultura se torna mais mecanizada, as antigas relações de trabalho, características desse setor, vão sendo extintas e em seu lugar surgem novas formas de ocupação. Ao mesmo tempo, novas determinações alteram o comportamento dos trabalhadores rurais, levando-os a assumirem novas características, tornando-os, por exemplo, mais pluriativos, tendo-se, como consequência, o aumento do desemprego agrícola decorrente desse processo. Assim, ao longo de várias décadas o mundo rural foi palco de um intenso fluxo de migração de áreas rurais para áreas urbanas, contribuindo para que as atividades primárias III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1936 fossem se constituindo num “reservatório” de mão de obra barata, com baixos níveis de qualificação, que poderia ser ocupada ou subocupada em atividades não agrícolas urbanas. Esses movimentos ainda podem ser percebidos de forma ainda intensa em regiões onde as áreas rurais são significativamente mais atrasadas. Os estudos sobre as questões do meio rural, nos últimos anos, todavia, sugerem uma suavização desse fluxo espacial. No entanto, o fluxo setorial vem se intensificando na medida em que as atividades não agrícolas ampliam sua participação no número de trabalhadores rurais, o que pode ser caracterizado como um processo de urbanização para além dos limites das cidades. Pode-se considerar, então, uma alteração importante na configuração das relações de migração rural, havendo, pois, uma substituição de migrações espaciais para migrações setoriais. Com isso, assiste-se modernamente ao desenvolvimento dos chamados “novos rurais”, onde a dinâmica da produção dos agronegócios, prática que congrega as redes de produção agrícolas e não agrícolas, mas que estão ligadas ao universo agropecuário, repercute decisivamente na configuração, qualidade e dinâmica do emprego agrícola no Ceará. Os dados apresentados a seguir ilustram as alterações das relações de trabalho para a região do Baixo Jaguaribe, no Estado do Ceará. Essa região, com enfatizado em seções anteriores, congrega grandes redes de produção agrícolas que alcançaram um desenvolvimento significativo nos últimos anos e pode servir como um parâmetro para avaliação dos impactos das transformações no mundo rural sobre as novas determinações das relações de emprego. Depreende-se, de início, um crescimento muito mais intenso das atividades não agrícolas, até mesmo no meio rural (que apresenta uma taxa de variação maior para esse tipo de ocupação do que o próprio meio urbano, 35,3%, contra 34,1%). Conclui-se que a expansão das atividades não agrícolas é quase que uma decorrência do próprio processo de desenvolvimento agrícola, pois na medida em que os arranjos agropecuários se consolidam, os efeitos de encadeamentos gerados tendem a repercutir decisivamente nas atividades não agrícolas. Estas atividades, por sua vez, congregam uma gama de segmentos onde a oferta de emprego é necessariamente muito maior que das atividades primárias que as determinaram. Na análise comparativa entre os censos de 2000 e 2010, o emprego agrícola teve uma redução de 2,6% no total, o que mostra que as atividades primárias, em termos de geração de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1937 emprego, são muito menos dinâmicas que as atividades não primárias. No entanto, é importante se ter em mente que os empregos no setor primário costumam ser largamente mais precários que os não agrícolas e são exatamente tais tipos de ocupação que tradicionalmente costumam ser destruídas no processo de modernização do campo. Assim, na dinâmica de criação e destruição de formas e padrões de ocupação no campo, desencadeada por suas novas configurações produtivas, as atividades primárias perdem postos de trabalho no meio rural, que são mais precárias, e geram postos de trabalho agrícola, mas ocupados por indivíduos do setor urbano que tendem a ter maior qualidade. É necessário atentar que as dinâmicas do mercado de trabalho em cada espaço têm padrões muito distintos, pois na medida as ocupações agrícolas se reduzem no espaço rural (redução de 10,7% na década de intervalos dos censos) o emprego agrícola urbano vem aumentando (crescimento de 22,3% no mesmo período). TABELA 04 Baixo Jaguaribe Dinâmica do Mercado de Trabalho Agrícola e Não Agrícola - 2000 e 2010 SITUAÇ ÃO Urbano Rural Total NÃO AGRÍCOLA 45.935 14.392 60.327 2000 AGRÍCO LA 9.558 29.373 38.931 TOTA L 55.493 43.765 99.258 NÃO AGRÍCOLA 61.606 19.474 81.080 2010 AGRÍCO TOTA LA L 11.688 73.294 26.219 45.693 118.98 37.907 7 Censos Demográficos do IBGE. Com relação às dinâmicas do mercado de trabalho urbano e rural, percebe-se um volume bem mais intenso na geração de postos de trabalho nas áreas urbanas, que apresentaram uma variação de 32,1%, ao passo que o mercado de trabalho rural teve uma expansão de apenas 4,4%; vale notar que esse crescimento positivo só foi possível graças a aumento do emprego em atividades não agrícolas, mas ocupadas por indivíduos do grupamento rural. O novo dimensionamento do mundo rural traz alterações importantes não só em termos de dinâmica do mercado de trabalho, mas também na qualidade das ocupações III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1938 agrícolas, que passam a assumir uma estrutura mais qualificada em virtude das atividades não agrícolas contratarem de forma mais formalizada e com melhores níveis de rendimentos, por exemplo. Desse modo, uma das transformações mais interessantes nas relações de trabalho no meio rural certamente é o aumento considerável do nível de formalização das ocupações. Como resultado da expansão do agronegócio, responsáveis pela difusão de um novo modelo de produção agropecuária, fazendo destas áreas pontos de conexão de circuitos espaciais da produção do sistema alimentar globalizado, o comportamento endógeno das relações de trabalho vêm sendo transformado. Desse modo, a mudança do padrão de produção acompanha-se de um aumento do mercado de trabalho agrícola em moldes capitalistas, especialmente a partir dos anos 1990 (ELIAS, 2006, p. 41). O tabela 05 traz informações acerca das posições do mercado de trabalho na região do Baixo Jaguaribe. Onde se verifica a expansão das ocupações formais em volume superior às informais (crescimento de 65,9% para as primeiras e de 21,3 para a segunda), aumentando sua participação de 30% para 37% da mão de empregada. TABELA 05 Baixo Jaguaribe População Ocupada Rural segundo posição de Ocupação - 2000 e 2010 POSIÇÃO DE OCUPAÇÃO Empregados Com Carteira Sem Carteira Trabalho Doméstico Com Carteira Sem Carteira Conta própria Empregadores Não remunerados Próprio consumo 2000 2010 VARIAÇÃO 36.667 10.873 25.794 1.599 43 1.556 12.737 392 6.026 5.896 49.318 18.041 31.277 1.812 59 1.752 10.315 223 1.358 9.203 34,5 65,9 21,3 13,3 37,2 12,6 -19,0 -43,1 -77,5 56,1 Censos Demográficos do IBGE. Outro ponto a ser destacado é o crescimento da taxa de assalariamento na região, que passa a representar cerca de 68% das população ocupada rural, ao passo de posições menos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1939 qualificadas com o trabalho por conta própria e os não remunerados apresentarem reduções importantes de 6 e 8 pontos percentuais, respectivamente. Assim como observa Elias: [...] as profissões ligadas ao setor da agropecuária são as que apresentam o maior número de admissões na região do baixo Jaguaribe. Assim, o mercado de trabalho agrícola tem hegemonia sobre o mercado de trabalho formal total da região. Desta forma, confirma-se a tendência de expansão da agricultura e de relações capitalistas baseadas no trabalho assalariado (ELIAS, 2006, p. 41). Sendo assim, o mercado de trabalho sofre indícios de um processo de uma nova territorialização que estão subordinadas as lógicas de reestruturação do espeço agrícola regional. Logo, as novas dinâmicas da agricultura determinam as múltiplas faces do perfil dos trabalhadores rurais e modificam até mesmo os mercado de trabalho urbano, dando-lhe novas dinâmicas e configurações, que por sua vez transformam e/ou retransformam o mercado de trabalho agrícola, em uma processo de retroalimentação. Em outras palavras, a dinâmica do mercado de trabalho agrícola segue no rastro das alterações produtivas e se reflete, assim, em profundas modificações no âmbito socioeconômico (ELIAS, 2006). A que se observar, no entanto, o surgimento de polos agrícolas nos subespaços do semiárido no interior do Nordeste alinhados as lógicas de produção e consumo globalizado, do qual o Baixo Jaguaribe é um exemplo, não são eficientes/suficientes para rompe com os tradicionais níveis de pobreza desse espaços, pois segundo Elias (2006, p. 46) “ocorrer com grande produção de riqueza, cada vez mais concentrada, paralelamente a uma enorme produção de pobreza, cada vez mais difundida, além de criar muitas novas desigualdades socioespaciais.” CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento de atividades não agrícolas em espaços antes concebidos como sendo exclusivamente rurais e agrícolas criam novas relações de ocupações, que conferem ao mundo rural uma dinâmica baseada no desenvolvimento daquelas atividades, que por sua vez alteram até mesmo a percepção acerca do meio rural, que passa a ser compreendido agora como um espaço de reprodução também do capital não agrícola. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1940 Essas novas alterações no padrão de dinâmica e do próprio mercado de trabalho parecem ser um fenômeno consolidado que tende a se diversificar e ampliar à medida que as cadeias produtivas agrícolas e não agrícolas se integrem. A microrregião do Baixo Jaguaribe no Ceará apresenta um desenvolvimento do mercado trabalho de certa magnitude. Não obstante, nota-se que o meio rural dessa região sofre rupturas importantes, pois a oferta de trabalho não agrícola tende a ser muito mais elevada que a essencialmente agrícola, até mesmo no mundo rural. Conclui-se, também, que os níveis de formalização no meio rural aumentaram significativamente com a expansão das atividades não primárias, como um indicativo que os novos padrões de contratos de trabalho no meio rural sejam de maior qualidade em termos de ocupação. No entanto, esse processo ocorre alheio ao desenvolvimento de políticas públicas que garantam que esse processo se consolide de forma equilibrada em termos de melhora na condição de vida dos trabalhadores rurais. REFERÊNCIAS BALSADI, Otávio Valentim; SILVA, José Francisco Graziano da . A polarização da qualidade do emprego na agricultura brasileira no período 1992-2004. Revista Economia e Sociedade. Campinas, v. 17, n. 3, p. 493-524, dez. 2008. CORDEIRO NETO, José Raimundo; ALVES, Christiane Luci Bezerra. Ruralidade no vale do submédio São Francisco: observações a partir da evolução econômica do pólo Juazeiro-BA Petrolina-PE. Revista Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (IDEAS). Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 324-361, jul/dez. 2009. ELIAS, D. Globalização e fragmentação do espaço agrícola do Brasil. Revista Electrônica de Geografía Y Ciencias Sociales. Universidad Barcelona. Vol. X, n. 218 (03), 2006. ______. Ensaios sobre os espaços agrícolas de exclusão. 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RESUMO O objetivo desse texto é analisar a formação profissional do assistente social via modalidade de ensino a distância no contexto da contrarreforma da educação superior brasileira, apresentando os limites e as implicações que essa forma de ensino acarreta para a profissão de acordo com o que é preconizado pelo projeto ético-político do Serviço Social. Nesse sentido, através desta reflexão teórica elencamos breves considerações acerca da trajetória histórica do serviço social brasileiro e consolidação da hegemonia de um projeto profissional crítico, mas permeado por desafios na medida em que a formação profissional na contemporaneidade se encontra submetida aos moldes da mercantilização do ensino superior e da expansão do ensino a distância. Palavras-chave: Ensino a distância; Serviço Social; projeto ético-político. ABSTRACT The aim of this paper is to analyze the training of social workers via distance learning mode in the context of counter-reform of Brazilian higher education, with the limits and the implications that this form of teaching brings to the profession in accordance with what is recommended by ethical-political project of Social Work. Accordingly, through this theoretical reflection we list some brief remarks about the historical trajectory of the Brazilian social service and consolidation of hegemony a professional design critic, but permeated with challenges as the professional training in contemporary times is subjected to molds commodification of higher education and the expansion of distance education. Keywords: Distance learning; Social Work; ethical-political project Introdução 109 110 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (84) 9922-1905 [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (84) 9936-3507 [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1943 Este artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica acerca da mercantilização da educação superior brasileira, que tanto evidencia a lógica da quantidade em detrimento da qualidade do ensino e daremos ênfase à modalidade de Ensino a Distância (EaD) que se apresenta na atualidade como uma das formas mais evidentes da precarização da educação superior. Dentro dessa perspectiva, trabalharemos a inserção do curso de Serviço Social no EaD em virtude da visibilidade que este tema tem alcançado nos inúmeros debates que estão ocorrendo no âmbito da categoria profissional. Dessa forma, esta produção bibliográfica centra-se numa abordagem sobre a trajetória do Serviço Social no Brasil e a construção de um projeto profissional crítico e hegemônico no interior da categoria, balizado pela defesa intransigente dos direitos humanos e da liberdade como valor ético central, preconizando a formação profissional de qualidade e tendo como pressuposto a elaboração de currículos e projetos pedagógicos compatíveis com as diretrizes do curso. As exigências da formação profissional de qualidade no contexto da contrarreforma do ensino superior são colocadas em pauta no âmbito da profissão, tendo em vista o aumento da privatização do ensino e o crescimento da modalidade de ensino à distância. Para uma melhor compreensão serão utilizados dados retirados do site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que possam ajudar na exemplificação das informações que serão explanadas. Esses dados serão analisados de forma breve, numa perspectiva dialética que poderá nos fornecer subsídios para uma abordagem crítica que melhor trabalhe o tema em questão. Por último, traçaremos breves considerações acerca do movimento histórico em que o Serviço Social brasileiro se engaja em um projeto de ruptura com setores conservadores da sociedade e o envolvimento da categoria com a classe trabalhadora. Dessa forma, abordamos como o projeto ético-político profissional se desenvolve e se consolidada em um contexto de efervescência política; de participação massiva dos/as assistentes sociais em fóruns de debate, seminários, oficinas e etc. Analisaremos também, os limites e as implicações que essa forma de ensino acarreta para a profissão de acordo com o que é preconizado pelo projeto ético-político do Serviço Social, por entendermos que a formação é um processo permanente que se apresenta com um dos seus pilares constitutivos. Portanto, procuraremos problematizar porque a graduação à III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1944 distância é incompatível com o Serviço Social e quais as consequências para a formação profissional em relação à expansão desta modalidade. Para tanto, realizaremos uma revisão bibliográfica do tema, procurando dialogar com autores, assim como também nos propomos analisar documentos balizadores do exercício profissional do assistente social, tais como o Código de Ética e as Diretrizes Curriculares. A conjuntura da contrarreforma do Estado brasileiro e a mercantilização do ensino superior Para contextualizar as mudanças ocorridas no Brasil no que diz respeito à educação, temos que ressaltar que a Contrarreforma111 do Estado brasileiro não pode ser compreendida de maneira isolada, mas sim, em associação ao contexto de transformações mais profundas, como a crise mundial do capital dos anos 1970, que ocasionou uma série de transformações na estrutura social. Como consequência e resposta a essa crise vivenciamos a chamada restruturação produtiva que trouxe para a sociedade mudanças nunca antes pensadas para o mundo do trabalho cujo objetivo era restabelecer o padrão de acumulação do sistema capitalista através da recuperação do seu ciclo produtivo que anteriormente havia dado sinais de esgotamento. Mas essa reestruturação não se limitou apenas ao aspecto econômico, pois, o sentido da acumulação capitalista compreende a reprodução da totalidade da vida social, e que, portanto, deveria abranger também as dimensões social, política e cultural. Segundo Behring (2008), o padrão de crescimento capitalista, que teve o seu auge no pós-guerra, apresentou a sua primeira exaustão mundial. Em meados da década de 1970, houve uma expressiva queda nos lucros, endividamento internacional e consequente superacumulação, ocasionando mudanças no regime de acumulação. Esse regime até o momento era baseado no modelo fordista-keynesiano, de produção em massa, tendo como característica o aparato Estatal intervencionista e de bem-estar. Com a crise, o modelo de produção passou para um novo regime de acumulação, o chamado toytismo japonês, que tem a sua fundamentação da produção e do trabalho baseado em um 111 De acordo com Granemann (2004, p. 30), a contrarreforma se configura como um conjunto de “alterações regressivas nos direitos do mundo do trabalho. [...] em geral, alteram os marcos legais – rebaixados – já alcançados em determinado momento pela luta de classe em um dado país”. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1945 novo padrão tecnológico de base microeletrônica, passando do padrão rígido fordista à produção flexível, onde traz também a refuncionalização do Estado capitalista. “Como o toyotismo é baseado em tecnologias capital-intensivas e poupadoras de mãe-de-obra, os efeitos sobre a força de trabalho têm sido devastadores” (BEHRING, 2008). De acordo com Antunes (2009), a crise do capital trouxe mutações intensas no aspecto econômico mundial, uma vez que se buscava recuperar o ciclo de produção do capital, mas também inseriu significativas mudanças nos aspectos políticos, sociais e ideológicos, na qual puderam ser evidenciados mais fortemente com o advento do neoliberalismo112. O Neoliberalismo tem sua dinâmica de inserção própria para cada nação a partir das intermediações concretas entre as características econômica, política, social e cultural, e que na sociedade brasileira, traz o favor como fator de mediação, em que a burguesia nacional faz do "Estado o seu instrumento econômico privado por excelência”, trazendo mudanças significativas na sua ação reguladora, onde o Estado mínimo para o trabalho torna-se "o Estado máximo para o capital", visando com isto à supressão de direitos sociais e repassando a sociedade civil as suas responsabilidades, com transformações radicais no mundo do trabalho, criando regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, passando a redução do emprego regular a trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado (NETTO, 1996, p. 100). Essas mudanças estruturais do novo modo produtivo capitalista provocou maior desigualdade social, determinando novas expressões a questão social e que tem a sua origem na relação entre o trabalho e o capital, que nada mais é do que a apropriação privada da produção coletiva do trabalho, causador estrutural das mazelas sociais. O contexto de reforma do Estado do Brasil deve ser analisado dentro da conjuntura de crise do capital e do advento do neoliberalismo onde a acessibilidade aos direitos sociais terá uma nova configuração, pois a Contrarreforma que vem “mascarada” na perspectiva de ajuste fiscal, acaba por intensificar as privatizações, desregulamentando os direitos do trabalho e diminuindo principalmente os gastos no setor social. 112 De acordo com Sader (1995), o neoliberalismo é uma estratégia da classe burguesa que reuni um conjunto de ideias políticas, econômicas e ideológicas com a defesa da pouca ou não participação do Estado na economia para que haja total liberdade do mercado e assim um país possa crescer e se desenvolver. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1946 Iniciando as considerações acerca da Contrarreforma na educação brasileira, abordaremos a questão do mercantilismo na educação superior. De acordo com Pereira (2008), em virtude da crise do capital e consequente avanço do neoliberalismo com diminuição drástica nos gastos sociais, algumas políticas sociais consideradas como direito vieram a ser tratadas como serviços, nesse sentido, o cidadão passou a ser considerado consumidor, ou seja, o acesso a política de educação não ocorreria mais de maneira universal e boa parte da população só teria acesso se dispusesse de poder aquisitivo para o pagamento de matrículas e mensalidades. Contraditoriamente ao que foi posto, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na Declaração Mundial sobre a Educação Superior no século XXI reforça que esta é um bem público, um direito fundamental e que, por isso, não deve ser tratada como um serviço. Mas, conforme o pensamento de Meszáros (p.16), na atualidade não é isso o que acontece, pois: No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se vende, tudo se compra”, “tudo tem um preço”, do que a mercantilização da educação. Mas, a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 6º expressa que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Porém, o que podemos observar atualmente é uma desresponsabilização do estado frente a educação onde o acesso a esta no nível superior não possuiu mais caráter universal como política pública. Este cenário passou a ser visto como um excelente campo de lucratividade, por isso, a exploração do setor se acentuou drasticamente, pois o retorno financeiro era certo. Apesar de na teoria o Brasil não mencionar a educação como um serviço, na prática é isso que podemos observar, muito em virtude das pressões do capital em transformar a educação em mais um serviço que precisa dar rentabilidade. Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que foram iniciadas as reformas na educação brasileira e que estavam dentro de uma reforma mais ampla que era a de Estado. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1947 Essas reformas foram se justificando pela necessidade de se investir nos ensinos fundamental e médio em detrimento do ensino superior que passaria a ser responsabilidade do mercado através do oferecimento nas instituições privadas sob a ótica de que a ascensão social da população viria através da educação superior. Na área educacional, aquele governo [FHC] não ampliou significativamente o acesso ao Ensino Superior, mas efetivamente processou um estrangulamento das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), por meio da não realização de concursos públicos durante oito anos, e ampliou expressivamente a participação do setor privado no nível superior de ensino, atuando como um forte regulador e incentivador (PEREIRA, 2012, grifos nossos). Esse processo de expansão e consequentemente mercantilização do ensino superior que foi iniciado no governo FHC, continuou nos governo de Lula e Dilma, e poderá ser observado abaixo através da exposição de alguns dados. De acordo com o Plano Nacional da Educação (PNE) que compreendeu o período de 2001 – 2011 previu-se a necessidade de ampliar o número de jovens na faixa etária dos 18 a 24 anos com acesso a educação superior, pois o Brasil ocupa a penúltima posição dos países latino americanos no percentual de jovens com acesso a essa fase de educação como mostra o trecho a seguir: No conjunto da América Latina, o Brasil apresenta um dos índices mais baixos de acesso à educação superior, mesmo quando se leva em consideração o setor privado. Assim, a porcentagem de matriculados na educação superior brasileira em relação à população de 18 a 24 anos é de menos de 12%, comparando-se desfavoravelmente com os índices de outros países do continente. [...] o Brasil continua em situação desfavorável frente ao Chile (20,6%), à Venezuela (26%) e à Bolívia (20,6%) (BRASIL, 2001). De acordo com dados do Censo 2011 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a evolução do percentual de jovens de 18 a 24 anos que frequentam ou já concluíram o ensino superior teve a seguinte evolução no período de 14 anos: em 1997 esse percentual era de 7,1%, em 2004, 12,1% e em 2011 17,6%. O objetivo do PNE para o final da década era que esse percentual chegasse aos 30%, mas pode-se perceber que o número ultrapassou apenas pouco mais da metade do objetivado. Para o período atual, o objetivo expresso no projeto de lei do Plano Nacional de Educação para o período de 2011 a 2020 é que esse percentual chegue aos 33% levando-se em consideração todas as modalidades de ensino. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1948 Esse baixo percentual no número de jovens no ensino superior configura-se como um fator a mais para explicar a solidificação do ensino superior por instituições privadas e principalmente na modalidade a distância. Para isso, utiliza-se a justificativa de democratizar o acesso e de diversificar a oferta de cursos e instituições no ensino superior e de suas fontes de financiamento, no qual segundo Lima (2008), são as características principais da contrarreforma da educação superior brasileira. Ainda utilizando dados do INEP, no que diz respeito às instituições de nível superior, 4,3% destas são federais, 4,7% são estaduais, 3,0% municipais e 88% são privadas. Esse percentual bastante elevado vem corroborar com a ideia da mercantilização da educação citada anteriormente, pois, o acesso a educação pública como um direito social não atende um número significativo de estudantes. Ao mesmo tempo, essa elevada taxa de instituições privadas é justificada por organismos internacionais como sendo de extrema importância por elevar o número de pessoas com nível superior, mas, é sabido que muitas vezes não se leva em consideração a forma como isso vem ocorrendo e a qualidade das mesmas. Ainda de acordo com dados do INEP (2011), com relação ao tipo de instituições de ensino superior, temos um total de 2.365, onde 190 são universidades, 2.004 são faculdades, 131 são centros universitários e 40 são Institutos Federais. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), as universidades têm que compreender além do ensino, a pesquisa e a extensão e contar no seu quadro de docentes um terço destes em regime de tempo integral e com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado. Por isso, podemos observar um número bastante superior de faculdades, já que estão isentas dessas obrigações ocasionando uma formação profissional sem as vivências em projetos de pesquisa e extensão, o que também não podemos ser levianos em dizer que os alunos de Universidades sempre terão essas experiências, porque na prática não é sempre que isso acontece. O total de matrículas das instituições públicas das três esferas de governos é de 1.773.315 matrículas, enquanto que nas instituições privadas esse número é de 4.966.374, compreendendo assim, 73,7% do total de matrículas em cursos de graduação (INEP, 2011). Com relação às modalidades de ensino, 85,3% das matrículas são de cursos presenciais e 14,7% de cursos à distância. No ensino presencial 73,2% são cursos de bacharelado, 43,3% licenciatura, 26,6% cursos tecnológicos. No ensino a distância, 30,2% são III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1949 cursos de bacharelado, 43,3% de licenciaturas e 26,6% ensino tecnológico. Esse percentual de matrículas em cursos a distância é bastante significativo, e tem aumentado com o passar dos anos, sendo justificados, muitas vezes, pela necessidade mercadológica onde cada vez mais as pessoas precisam se qualificar e não têm tempo disponível de cursar um ensino superior na modalidade tradicional. Além desses dados citados houve uma intensa expansão no setor privado, conforme corroboraram os dados acima e uma significativa expansão no setor público, porém, em menor proporção, mas que merece reflexão. Uma das formas de expansão no setor privado se deu com o Programa Universidade para todos (PROUNI). De acordo com o Ministério da Educação (MEC), esse programa surgiu em 2004 através de iniciativa do governo federal e objetivou conceder bolsas de estudo para cursos superiores em instituições privadas para estudantes brasileiros que concluíram o ensino médio em escola pública ou instituições particulares com bolsa integral; estudantes com algum tipo de deficiência comprovada ou professores da rede pública de ensino desde que o curso fosse na modalidade licenciatura. A adesão ao Prouni proporciona inúmeras isenções fiscais as Instituições de Ensino Superior, a exemplo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). O objetivo de garantir a permanência do aluno não acontece, pois a preocupação das IES acaba pautando-se apenas em ações que propiciem o acesso do mesmo e não a sua permanência e conclusão. Outra forma de expansão através do financiamento público ao setor privado se deu com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que financia a graduação de estudante de cursos superiores reconhecidos pelo MEC ampliando as vagas e otimizando os recursos. Já na área pública, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e expansão das Universidades Federais (REUNI) foi instituído pelo Decreto nº 6.096 do ano de 2007 e tem como principal objetivo “ampliar o acesso e a permanência da educação superior”. Esse programa se daria através do acréscimo de 20% no orçamento das Universidades Federais e também com um melhor aproveitamento da infraestrutura e dos recursos humanos já existentes nessas instituições. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1950 Alguns dos objetivos do programa como dobrar as matrículas nos cursos de graduação, elevar a taxa de conclusão dos alunos para 90% e estabelecer uma relação professor-aluno de 1:18, parecem ser excelentes metas a serem alcançadas, mas na realidade não é isso que vem acontecendo. Para dobrar o número de matrículas há que se pensar nas condições físicas e humanas para isso, e o que pudemos vivenciar em algumas universidades foi a criação de cursos sem as devidas condições, e somente com o passar do tempo é que a infraestrutura veio acompanhar, inclusive existindo turmas que já concluíram sem ter bibliotecas, laboratórios e até mesmo sala de aula, problemas esses que podem ser mais evidenciados quando tratamos de campis no interior dos estados. A taxa de conclusão de 90% é um número bastante utópico uma vez que as Universidades ainda não conseguem oferecer 100% de condição para que haja a permanência no ensino superior. Percebemos que há um enfoque muito grande, quase que exclusivamente no acesso dos alunos aos cursos superiores e não na permanência dos mesmos. A qualidade dos cursos oferecidos em algumas instituições passam a ser questionada, pois temos mais fortemente um ensino pautado em ações privatistas que não garantem condições para que os alunos permaneçam e concluam o ensino superior com êxito. Contextualizando a Educação a Distância (EaD) no Serviço Social A expansão do ensino superior, em especial na modalidade de Educação a Distância (EaD), vem ocasionando inúmeros debates no que diz respeito a formação profissional. O Decreto nº 5.622 de 19 de dezembro de 2005 em seu artigo primeiro caracteriza a educação à distância como sendo: Modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação. Existem várias legislações acerca do assunto que propiciam que a modalidade EaD venha se fortalecendo e funcione como a “salvadora dos problemas” da educação brasileira sob a aparência de ampliação do acesso, de ser uma política inclusiva que vai elevar a média de escolarização da população e favorecer a inclusão digital dos mesmos, segundo os diversos organismos internacionais (Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Unesco, etc). Mas, ao analisarmos criticamente podemos empreender que a preocupação principal desses organismos do capital e dos nossos governos neoliberais é pautada em números e não III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1951 se leva em consideração muitas vezes a qualidade da formação. Dessa forma, essa modalidade de ensino se configura como mais uma forma existente de privatização da educação. No EaD, o perfil do professor é substituído pelo tutor e os alunos acabam não tendo experiências com pesquisa, extensão e movimentos sociais, sobretudo os estudantis. Os cursos são predominantemente da área de humanas, pois, no geral nessa área não há necessidade de grandes investimentos em laboratórios e aparatos tecnológicos. O Serviço Social, como uma profissão desenvolvida a partir das necessidades sociais, é requerida e fundada a partir de quando o Estado passa a tratar a Questão Social, não mais apenas pela coerção, mas pela via do consenso, modificando as suas bases de produção a cada mudança do modelo econômico capitalista, tendo no momento atual o seu maior agravamento, já que a reestruturação produtiva, com a flexibilização do trabalho, transformou o trabalho em dimensões nunca antes processadas, trazendo dois tipos de trabalhadores, os de emprego fixo e os temporários, subcontratos. Isto posto, entende-se que mesmo sendo as políticas sociais, a área de intervenção do Assistente Social, a definição da Questão Social como elemento fundante da profissão, se explica por ser a questão social determinada pela relação do Estado e da sociedade, explicando e trazendo as políticas públicas como alternativa a permanência ou apaziguamento das desigualdades sociais, originárias do modelo econômico. Uma profissão como a de Serviço Social, com importante inserção no mercado de trabalho, em especial na formulação e execução de políticas públicas configurou-se como uma área bastante atrativa também para o mercado educacional. Associado a isso, não exige grandes investimentos tecnológicos ou financeiros, em sua maioria, necessita apenas de recursos humanos e infraestrutura (salas de aulas e materiais didáticos). Por isso, de acordo com dados do INEP (2010), o curso de Serviço Social tem o terceiro maior número de estudantes matriculados na modalidade de Ensino a Distância, ficando atrás somente dos cursos de Pedagogia e Administração. No ano de 2004 os cursos de Serviço Social à distância foram autorizados a funcionar, mas foi somente em 2006 que efetivamente começaram. De acordo com dados atuais do EMEC, atualmente existem no Brasil 440 cursos de Serviço Social em atividade, dos quais 57 oferecem os cursos de forma gratuita e 383 são privados, representando assim 13% e 87% III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1952 respectivamente. Vale salientar que algumas instituições apresentam mais de um curso de Serviço Social. Com relação a modalidade a distância, foi possível analisar que há atualmente (2013) no Brasil, 19 instituições nesse tipo de ensino, todas em cursos não gratuitos, totalizando o número de 66.415 de vagas autorizadas pelo MEC para funcionar. Com relação ao Rio Grande do Norte, temos o total de 19 instituições atuando no estado que oferecem o curso de Serviço Social. Deste número apenas duas são instituições públicas universitárias que oferecem ensino presencial com o número anual de 140 vagas. As outras 17 instituições são predominantemente faculdades, sendo oito na modalidade de ensino presencial e nove a distância, e uma delas é apresentada como sendo de natureza jurídica pública estadual, mas que na realidade trata-se de uma fundação pública de direito privado. Todos esses dados vem corroborar com o que foi posto acerca da mercantilização do ensino superior, em especial na modalidade EaD, pois vemos que a “quantidade” ainda prevalece mais do que a qualidade do ensino, uma vez que os cursos vêm maquiados sob a perspectiva da democratização do acesso. A formação profissional, o projeto ético-político e a dicotomia entre ensino à distância e Serviço Social No lastro das transformações societárias engendradas ao longo da trajetória do Serviço Social no Brasil, que segundo Netto (1996) são transformações que acarretam alterações nas profissões, na divisão sócio-técnica do trabalho. Nessa conjuntura, no âmbito da formação profissional podemos elencar diversos elementos que perpassaram este processo, que vão desde o momento de intenção de ruptura com setores conservadores113, influenciado pelo Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina, em meados da década de 1960 até a construção e consolidação do próprio projeto ético-político profissional, pautado na defesa intransigente dos direitos humanos, que ganhou visibilidade a partir da década de 1980. 113 Sobre o momento de intenção de Ruptura do Serviço Social com o conservadorismo, para uma análise mais detalhada consultamos como referência base a obra Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-1964. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1953 Sobre a trajetória histórica do serviço social no Brasil, concordamos com Silva e Silva (1995) que o Projeto de Ruptura se consolida em três momentos: 1) um momento de efervescência e de mobilização política, na qual se dá a instituição da ruptura no contexto de uma luta intensa pela hegemonia, no interior das entidades nacionais do Serviço Social, especificadamente da ABESS e do CFAS; 2) um momento de aprofundamento e consolidação do projeto de ruptura com instituição da hegemonia em face da luta com outras perspectivas de projeto profissional, especialmente na segunda metade da década de 1980; 3) um momento de refluxo e de repensar da profissão, no final da década de 1980 e nos anos 90, que se situa no contexto da ofensiva neoliberal, da crise do Welfare State e da crise do socialismo real e dos paradigmas teórico conceituais (SILVA E SILVA, p. 103-104, 2007). Dessa maneira, são nas últimas três décadas que o Serviço Social brasileiro vem redefinindo sua trajetória política no cenário brasileiro, especificamente nos marcos do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), o “Congresso da Virada” de 1979. É também nesse contexto de efervescência cultural e de lutas populares dentro do processo de redemocratização da sociedade brasileira, que os/as assistentes sociais adquirem uma posição crítica no âmbito da sua atuação profissional, que segundo Iamamoto (2008), define este momento como sendo: Uma relação de continuidade e ruptura. É uma relação de continuidade, no sentido de manter as conquistas já obtidas, preservando-as; mas é também uma relação de ruptura em função das alterações históricas de monta que se verificam no presente, da necessidade de superação de impasses profissionais vividos e condensados em reclamos da categoria profissional. (Iamamoto, p. 51, 2008). Como acima mencionado, a década de 1980 possibilitou, como aponta Netto (1996) a consolidação do projeto de ruptura com o conservadorismo no Serviço social, e concordamos com o autor quando ele expressa que: Essa ruptura não significa que o conservadorismo (e, com ele, o reacionarismo) foi superando no interior da categoria profissional; significa apenas, que posicionamentos ideológicos e político de natureza crítica e contestadora em face a ordem burguesa conquistaram legitimidade para se expressarem abertamente . Nessa perspectiva, entre as décadas de 1980 e 1990, o projeto ético-político consolida sua hegemonia, sendo caracterizado pela construção de valores comprometidos com a emancipação humana e com uma nova forma de sociabilidade (RAMOS, 2009). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1954 Segundo Netto (1999), a conquista da hegemonia do projeto ético-político do Serviço Social teve como elementos propulsores “o crescente envolvimento da categoria nos fóruns de debate, nos espaços de discussão, nos eventos profissionais [...] nas oficinas regionais da ABESS, nos encontros nacionais patrocinados pelo conjunto CFESS/CRESS” (NETTO, 1999, p. 106). Ainda na mesma linha de pensamento do referido autor, podemos perceber que essas conquistas foram fruto de debates coletivos, não apenas da vontade individual dos sujeitos envolvidos nesse processo, visando assim, a construção de um projeto profissional articulado a um projeto societário que possibilita a aproximação com as lutas das classes trabalhadoras. A construção de um determinado projeto, ou seja, algo que se quer alcançar, faz-se de diferentes formas, visto a existência de projetos individuais, coletivos e societários, estes considerados projetos de classe, que possui no seu interior uma dimensão política, ou seja, uma relação de poder. O projeto profissional hoje hegemônico no Serviço Social surgiu num contexto de lutas e movimentos sociais e tem sustentação em alguns aparatos legais do Serviço Social como a Lei nº 8.662 que regulamenta a profissão, o Código de Ética profissional e as Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. Concordamos com Netto, 1990, p. 95, quando ele afirma: Os projetos profissionais [inclusive o projeto ético-político do Serviço Social] apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas e públicas [...]. Com relação à formação profissional, o referido projeto se opõe radicalmente a educação mercantilista tão presente na realidade brasileira; é a favor da formação contínua processual e não terminal, por entender que o conhecimento é algo que está em permanente transformação; e apoia as três dimensões fundamentais de sustentação da formação e exercício profissional: a ético-política, a teórico-metodológica e a técnico-operativa para que não surja um novo perfil profissional essencialmente operativo em detrimento das outras dimensões. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1955 Essas dimensões citadas devem estar articuladas entre si, havendo o cuidado de não “transformarem-se em limites que vêm tecendo o cenário de algumas das dificuldades, identificadas pela categoria profissional, que necessitam ser ultrapassadas: o teoricismo, o militantismo e o tecnicismo” (IAMAMOTO, 2009). Considerado um dos aparatos do projeto ético político da profissão, as Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social foi um documento elaborado pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), na época ainda chamada ABESS, junto da categorial profissional e que objetivava a normatização do currículo para o curso de Serviço Social. Foi criado na década de 1990, onde pudemos evidenciar inúmeras transformações na sociedade impulsionadas pelo aprofundamento da questão social fruto das transformações no cenário mundial que trouxe para o Brasil também consequências na vida social e principalmente no mundo do trabalho. Pautou-se na leitura da realidade e nos princípios do Código de Ética dos assistentes sociais para criar um projeto de formação crítico que levasse em consideração seus princípios fundamentais. Os projetos profissionais são organizados a partir de um sujeito coletivo: a categoria profissional, que fortemente organizada contribui para que seu projeto seja consolidado, firmado na sociedade. No seu interior são identificadas diversas opiniões, diversos pontos de vista, prevalecendo assim, o pluralismo, que pode ser entendido como “elemento factual da vida social e da profissão mesma” (NETTO, 1999, p. 96). Portanto, o pluralismo é elemento imprescindível na construção de um projeto profissional, na medida em que possibilita o respeito a correntes teóricas diversas existentes no âmbito de uma determinada categoria profissional. Partindo desse pressuposto, o projeto profissional do Serviço Social se pauta na defesa de princípios como a defesa da liberdade como valor ético central; defesa intransigente dos direitos humanos; compromisso com as lutas das classes trabalhadoras (CFESS, n. 273, 1993). Esses princípios fundamentais estão materializados no novo Código de Ética Profissional do/a Assistente Social, aprovado em 1993 e que foi fruto de amplos debates coletivos no âmbito da categoria, que expressam notadamente avanços na medida em que elege valores e princípios, como “o compromisso com valores ético-políticos emancipadores referidos à conquista da liberdade” (BARROCO, 2008, p. 200). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1956 Faz-se necessário, para tanto, compreender a conjuntura em que esse projeto profissional se consolida, bem como compreender a importância das discussões coletivas para a organização política dos/as assistentes sociais. Conforme Amaral (2009), o Projeto Profissional adquire a nomenclatura de “Projeto Ético-Político” apenas na década de 1990, porém é identificado na década de 1970, quando os/as assistentes sociais “declaram sua organicidade aos interesses e projetos da classe trabalhadora, afirmando a direção política da profissão” (AMARAL, 2009, p. 49). A autora ainda coloca que essa organicidade, impulsionada inicialmente pelo reconhecimento e pelo apoio às greves das classes trabalhadoras, especificamente aos/as trabalhadores/as do ABC paulista que reivindicavam o fim repressão política da ditadura militar, “veio a se constituir num forte movimento organizativo e político-acadêmico do Serviço Social brasileiro, configurando o que hoje se concebe como projeto profissional” (AMARAL, 2009, p. 49). Portanto, podemos perceber que o projeto profissional do Serviço Social foi sendo construído através da articulação e o compromisso com as lutas e reivindicações das classes trabalhadoras num momento de forte repressão aos movimentos sociais. Assim, é notória a conquista da hegemonia do projeto ético-político num contexto em que os/as assistentes sociais se organizam em torno das discussões e das lutas pela (re)democratização do Estado, período que aflorava os movimentos sociais. Logo, “o projeto do Serviço Social foi gestado na luta pela democratização da sociedade como os trabalhadores organizados como sujeitos políticos” (AMARAL, 2009, p. 50). Podemos afirmar que, vários elementos deram sustentabilidade aos avanços e a conquista da hegemonia do projeto ético-político do Serviço Social, como constatamos em Braz (2009, p. 191): O primeiro elemento se relaciona com a explicitação de princípios e valores éticopolíticos; o segundo se refere à matriz teórico-metodológica em que se ancora; o terceiro emana da crítica radical à ordem social vigente – a da sociedade do capital – que produz e reproduz a miséria ao mesmo tempo em que exibe uma produção monumental de riquezas; o quarto se manifesta nas lutas e posicionamentos políticos acumulados pela categoria através de suas formas coletivas de organização política em aliança com setores mais progressistas da sociedade brasileira. Diante do que foi evidenciado, podemos analisar que o projeto ético-político se ancora em elementos essenciais tais como, a aproximação com correntes teóricas mais críticas, num III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1957 momento de recusa às práticas conservadoras, resultando num avanço teórico-metodológico da profissão, “pela capacidade de formulação de propostas e políticas que lhes permite exercitar o seu papel intelectual na construção de alternativa coletivas” (AMARAL e MOTA, 2009 p. 53). Expressam, portanto, um amadurecimento intelectual dos/as assistentes sociais. Os pressupostos que passaram a nortear essa formação profissional do assistente social colocam a questão social sempre em destaque e segundo Iamamoto (2009), “decifrar os determinantes e as múltiplas expressões da questão social, eixo fundante da profissão, é um requisito básico para avançar na direção indicada”. A qualidade da formação e do exercício profissional também constitui parte integrante do projeto ético-político, logo, uma das preocupações com o ensino a distância se dá por essa modalidade ser centrada exclusivamente no ensino e não no tripé ensino, pesquisa e extensão. Entendemos que não só no exercício profissional, mas no processo de formação, a pesquisa da realidade social é um dos instrumentos indispensáveis para o assistente social e não uma atividade que pode ser feita apenas se houver condições objetivas favoráveis (IAMAMOTO, 2009). Conforme mostrou o documento elaborado pelas entidades da categoria profissional (CFESS, CRESS, ABEPSS e ENESSO, 2008), muitos projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social desrespeitam flagrantemente o que é preconizado, ofertando conteúdos que não condizem com a realidade do curso. Também observamos inúmeros problemas com relação aos estágios, pois, muitas vezes acontecem sem supervisão, ou com o número de estudantes para o supervisor bem superior ao que preconiza a lei nº 11.788 (Lei do Estágio), a transferência da responsabilidade de conseguir campo de estágio para os alunos e não para a instituição e algumas vezes esse supervisor não é assistente social, fato estes que são totalmente contrários ao que está disposto na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço Social. Os projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social a distância se mostram conservadores e não estão em conformidade com os pilares do projeto ético-político da profissão, pois, entre outras coisas limita a possibilidade da criticidade e acabam por reproduzir uma visão formalista do currículo sem ocorrer interação entre professores, alunos e a comunidade. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1958 Não há como garantir respostas profissionais crítica e qualificada acerca da realidade social que o profissional se deparará no seu exercício profissional com uma frágil formação baseada num ensino tutorial, formado por profissionais com contrato de trabalho cada vez mais precarizado, sem exigência de titulação, sem acesso muitas vezes às bibliotecas, e com material didático composto de apostilas resumidas e que sintetizam apenas as ideias principais que os autores de referência para o Serviço Social trabalham. Ao desenvolver a análise da profissão do Serviço Social no mundo atual, concordamos com Iamamoto (2009, p. 20) quando ela cita a necessidade de "romper com a visão focalista [...] olhar para o movimento de classes sociais e do Estado em suas relações com a sociedade". E que o profissional do Serviço Social, tem historicamente implementado políticas sociais, especialmente políticas públicas, onde no momento atual a sua intervenção vai além da função de executores trazendo as demandas para área da formulação das políticas sociais e tem como elemento fundante do seu conhecimento o desenvolver da capacidade de analisar criticamente a realidade, sendo este o seu meio de trabalho, ultrapassando a visão das técnicas como instrumental para sua intervenção, o que lhe possibilitará a apreensão das modificações nela contida, criando espaços e possibilidades ao profissional. Conclusão A partir do exposto pode-se perceber que a formação profissional via ensino a distância tem aumentado significativamente, acentuando o processo de privatização da educação brasileira e causando enormes impactos na formação profissional se analisarmos de acordo com o que preconiza o nosso projeto ético-político profissional. Questionamos não o aluno de Educação a Distância na sua individualidade, mas na totalidade desse processo social por entendermos que não se trata de uma posição preconceituosa, mas sim, uma posição contrária as diversas formas de mercantilização do ensino superior e afirmação do fortalecimento das instituições públicas de ensino, na defesa da democratização do acesso e da qualidade do ensino ofertado como direito assegurado pela Constituição Federal brasileira. Há necessidade de lutar para melhorar a qualidade da formação e não se preocupar apenas com números para satisfazer os ensejos dos organismos nacionais e internacionais que estão a serviço do capital. Nos preocupamos com o perfil do profissional egresso dessas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1959 instituições de ensino, uma vez que há efêmera ou nenhuma participação dos mesmos em projetos de pesquisa, extensão e movimentos sociais, sobretudo os estudantis, mas, não esquecendo que um curso presencial também não garante a participação efetiva do seu alunado nessas ações. Sabemos que a formação profissional não se limita aos conhecimentos teóricos adquiridos, é algo mais abrangente que objetiva a construção de uma nova consciência através de questões éticas e políticas, por isso o debate entre os sujeitos torna-se imprescindível, algo que no EaD vai ser bastante prejudicado. Na área das políticas sociais, as propostas neoliberais têm na sua determinação as reduções dos gastos sociais, passando a redefinir as políticas públicas com redução dos direitos sociais, trazendo a lógica focalista, descentralizadas e privatistas com o enxugamento do Estado na esfera das políticas sociais, transferindo a sociedade civil as suas responsabilidades. Nesse sentido, entendemos que com a educação isso não é diferente e concordamos e, a partir de tudo que foi exposto, com Lima (2008) quando ela diz que “os cursos EaD não são opção dos estudantes e sim, falta de opções”. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. – São Paulo, SP: Boitempo, 2009. BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 2. ed. – São Paulo, SP: Cortez, 2008. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. ______. 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Diante desse contexto, enfatizamos a discussão da vinculação da figura feminina a um contexto familiar vulnerabilizado e que tem a esta como responsável central pelo sustento do lar, colocando assim em pauta a monoparentalidade feminina. Palavras chave: Família, Monoparentalidade Feminina, Pobreza. ABSTRACT This article presents the new family arrangements, which locate and highlight the Brazilian female lone parent. Therefore, this literature makes brief remarks about the significant changes occurred in the socio economic and cultural development of capitalist society, in order to explain what actually ended up interfering with the dynamics and structure of the family, causing changes in its pattern of organization. In this context, we emphasize the discussion of attachment of the female figure to a family context vulnerabilized and have this as a central responsibility for the support of the home, thus putting at stake female single parenthood. Keywords: family, single parenthood Women, Poverty. INTRODUÇÃO Este artigo objetiva analisar a família como um processo social em construção e em frequente mudança, tendo como intuito apresentar os novos arranjos familiares, no qual 114 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected] /Contato: (82)8109-2221 115 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected] /Contato: (82) 9954-7723 116 Profª. Mrs. da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas [email protected]/ Contato: (82) 9908-5781 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1964 localizamos e destacamos a família monoparental feminina brasileira, em especial as de situação de vulnerabilidade social. Dessa forma, a importância desta pesquisa se dar na necessidade de perceber com se perpetua na sociedade a efetivação de ações que promovam a família, em especial a monoparental feminina, tendo como imprescindível analisar sua inserção social e o papel que ela está atualmente destinada, além de conhecer como se efetua no sistema capitalista a implementação de políticas públicas de caráter compensatório frente a esse arranjo familiar. Para tanto, utilizamos como base teórica para esse estudo a perspectiva históricocrítica, por entender a sociedade como um todo constituído de determinações, políticas, sociais, econômicas e culturais que atingem e influenciam a estrutura e dinâmica da entidade familiar. Neste sentido, usamos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica para conhecer e aprofundar nosso objeto de estudo. Para sua organização, este trabalho se apresenta de maneira linear e progressista, sendo escrito de maneira simples e objetiva, tendo o interesse de fazer o leitor refletir e indagar sobre a temática explicitada. Vale colocar ainda, que grande parte desse texto que ora apresentamos em forma de artigo foi fruto do nosso Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “Mulher Chefe de Família: um estudo sobre as famílias monoparentais femininas atendidas pelos programas de transferência de renda no Brasil”, no qual foi defendido na Faculdade de Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL em maio de 2013. Adverte-se, porém, que o artigo no qual essa pesquisa se transformou exigiu esforços para adequação do texto original tendo em vista, obviamente, a necessidade de atender ao propósito do III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento, além de está articulada a temática escolhida “Trabalho, educação e transformações sociais”. Diante disso, buscamos com esse artigo contribuir de alguma forma, para uma particularização do debate sobre a “Monoparentalidade Feminina: novo modelo familiar em meio à vulnerabilidade”, levando em consideração a formação e o desenvolvimento do sistema capitalista. Visto que suas transformações ao longo da história acabaram repercutiram em mudanças substanciais no modo como os homens se relacionavam e pensavam o mundo e a si mesmos. Assim, é neste espaço permeado por contradições e consequências negativas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1965 ligadas organicamente as mudanças no mundo do trabalho que os novos arranjos familiares se ampliam e tornam visibilidade na sociedade, como veremos a seguir no decorrer do texto. A família, desde os tempos mais primitivos, se configura como um grupo social que exerce influência sobre a vida dos indivíduos, sendo entendida como uma organização complexa, inserida em sociedade com a qual mantém constante interação. Em sua evolução histórica, com o estabelecimento da sociedade moldada ao regime capitalista de produção, às famílias passam por um processo de desenvolvimento que lhes possibilitam novas características e atribuições, que apesar de se adequarem a emergentes necessidades sociais não rompem com as tradicionais concepções já existentes117 1. Dentro desse contexto econômico que emerge envolto a expansão industrial, surgem modernas concepções que para além do aspecto família, também afetaram os meios e os modos de produção, proporcionando ainda para a segunda metade do século XX um grande avanço econômico e social, no qual podemos enquadrar a inserção formal da mulher no mercado de trabalho. Esse envolvimento da mulher no ambiente do trabalho que se intensifica no processo de reestruturação produtiva118, apresenta a divisão sexual do trabalho como algo que emerge para organizar o mundo laborativo na estrutura social, expressando como categorias as relações de poder que se partilham de forma desigual e expõem a subordinação da mulher e sua invisibilidade no processo histórico. Essa inserção representa um impulso para o rompimento da necessidade de se ter uma família nuclear como única forma de se conseguir uma visibilidade na sociedade, o que contribui para o surgimento de um novo modelo de família (CARLOTO; GOMES, 2011). Além disto, outras mudanças de âmbito sócio-econômico interferiram na dinâmica e na estrutura familiar, acarretando mutações em seu padrão de organização, fazendo com que a família passe a se estruturar de novas maneiras. 117 Nesta concepção, a família burguesa de meados do século XIX apresenta-se como uma família urbana, com baixo índice de fertilidade e mortalidade, assumindo um padrão diferente de afetividade e privacidade. A responsabilidade do marido era manutenção econômica, sendo este autoridade dominante na família. À esposa cabia a tarefa de cuidar dos filhos e toda a responsabilidade em relação ao desempenho destes lhes era cobrada (SOUZA; RODRIGUES, S/D). 118 Decorrente da crise do capital e da queda do padrão fordismo/ taylorismo a reestruturação produtiva emerge a partir da década de 1970, em meio ao processo de produção e acumulação industrial. Baseia-se aos sucessivos processos de transformação nas empresas e indústrias, caracterizados pela desregulamentação e flexibilização do trabalho, fruto da acumulação flexível e das novas tecnologias. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1966 Os reflexos negativos do neoliberalismo sobre a renda familiar com a diminuição dos postos regulamentados de trabalho e o alto índice de desemprego implicaram na diminuição dos rendimentos familiares advindos do trabalho dos provedores masculinos, resultando na necessidade de uma maior participação feminina no orçamento doméstico. Diante disso, começa a surgir uma nova concepção de família, muito mais igualitária, ficando evidentes as mudanças nas condições de reprodução da população119, nos padrões de relacionamento entre seus membros, nos modelos de autoridade e na posição relativa da mulher que se altera profundamente, engrenando uma gradativa revisão da rígida divisão social de tarefas. Este desmembramento de papeis se dá devido ao avanço na mudança das divisões sociais em que a figura feminina não se torna mais a imagem da mãe dedicada exclusivamente aos cuidados domésticos, que despertava no homem a necessidade de sua presença no lar. Da mesma forma, a visão do homem indispensável à mulher como único meio para lhe garantir a renda se desfaz, surgindo assim novos motivos para as uniões, no qual a procura pela felicidade se torna prioridade. Com isso, o padrão de família baseado no comprometimento duradouro entre o casal através do casamento ganha uma nova roupagem muito mais flexível, pois deixa de ser indissolúvel, perdendo assim o seu caráter sagrado. Essa liberalização dos ditames religiosos, bem como os novos padrões sociais, permite a ampliação do modelo de família, embora a família nuclear ainda seja considerada a forma mais aceita, possibilitando que esta deixe de ser compreendida no singular e possa englobar uma pluralidade de conceitos. Desse modo, o casamento perde a condição de ser a única forma de união 120, ou seja, passam a existir outros modelos de família, diferentes do modelo clássico, uma vez que as uniões sem casamento passam a ser aceitas tanto pela sociedade, como pela legislação. No aspecto legal, com a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 226 § 4º, a família é fortalecida como base da sociedade, reconhecendo como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher ou qualquer um deles e seus descendentes. 119 Isto não significa que desigualdade de gênero acabou, ela persiste enquanto durar uma sociedade essencialmente pautada pela desigualdade de classe. 120 Durante a Idade Média o casamento religioso era a única forma reconhecida de união legitima entre um casal. O casamento civil surgirá em 1767 na França, porém se mantendo a validade da união religiosa. No contexto contemporâneo isso irá mudar, uma vez que a Constituição Federal de 1988 reconhece a união estável entre homem e mulher ou qualquer de seus descendentes como entidade familiar. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1967 Acrescido a esta, o código civil aprovado em 2001 reforça a visão legal de família, visando acompanhar a revolução nos costumes, padronizar leis recentes, como a do divórcio, e dispositivos constitucionais referentes à família; e regulamentar jurisprudência que, nos tempos atuais, não mais poderiam pautar-se pelo Código Civil vigente, escrito em 1916 (SANTOS, 2010). Devido a essas evidentes aberturas, vários são os indícios das profundas mutações na concepção de família à qual podem se associar o aumento das separações e dos divórcios, o adiamento do casamento entre jovens, a redução significativa da nupcialidade, o incremento do número de famílias reconstituídas, das uniões de fato, das famílias monoparentais e das chefiadas por mulheres. Esses novos arranjos que embarcam variados formatos dos quais podemos citar: as Famílias Reconstituídas- englobando as famílias que após vivenciado o processo de divórcio ou viuvez, o indivíduo constitui uma outra família com um novo parceiro; as Famílias Constituídas através de uniões estáveis- Tratando-se de uniões efetuadas quando a relação de convivência entre o homem e a mulher é duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar, sem a necessidade do casamento civil e religioso121; e as Famílias nas quais avós moram e cuidam de seus netos- Tipo de família ampliado na sociedade contemporânea devido aos desdobramentos para manutenção de sobrevivência e que se constitui em um modelo em que a presença dos pais é substituída pela presença dos avós, ou apenas um deles. Além desses, outros arranjos assumem visibilidade na sociedade rompendo com um conceito ideal burguês de família, sendo estes: Famílias formadas por uniões homossexuais, constituindo um núcleo familiar gerado por casais que possuem o mesmo sexo com a presença ou não de filhos; Famílias Unipessoais, englobando ao modo de vivência em que a família é formada por uma única pessoa, decisão que nem sempre advém uma escolha 121 Antes relacionadas ao concubinato, essas relações passam a ser legalizadas no Brasil através de seu reconhecimento legítimo na Constituição de 1988, sendo, portanto, consideradas pela Constituição como um instituto capaz de constituir uma família. A união estável que não se confunde com o casamento é protegida pelo Estado, sendo os seus integrantes rodeados pelos deveres de lealdade, respeito e assistência mútuos, além dos deveres de guarda, sustento e educação dos filhos que surgirem (Silva & Godoy, 2008). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1968 dos indivíduos; e as Famílias Anaparentais que dizem respeito a núcleos familiares que não se restringem tão somente aos parentes, mas são formadas por laços de afetividade122. Esses novos formatos de família que se estabelecem a partir das diferentes performances que perpassam a sociedade em seu processo histórico, serão acrescidos ainda de outro importante núcleo que se constitui fundamental aspecto de nosso objeto de estudo, as Famílias Monoparentais123 . Esse modelo, o qual se tornou um elementar arranjo familiar na modernidade, engloba aos sujeitos que se encontram sem cônjuges e que vivem com um ou mais de seus descendentes. Conforme Leite (2003, p.29): [...] Pode tratar-se de um pai só que no passado, vivenciou a situação de um casal “legítimo”, mas que se encontra sozinho após uma separação ou um divórcio. Pode tratam-se de um pai, ou de uma mãe, que vivenciou um passado de concubinagem e que, em razão de um vazio jurídico, permanece falsamente solteiro. “O genitor pode ser um pai ou uma mãe solteira (o) ou, ainda, um pai só adotando; pode ser um viúvo ou uma viúva, e se sempre estaremos em face da monoparentalidade”. (LEITE, 2003, p.29). Diante disso, socialmente, a família monoparental afetiva se estabelece a partir do momento em que existe um filho convivendo com apenas um dos pais. Ela acontece mediante fatores externos à vontade do genitor, quanto por sua própria disposição, mas também é formada devido ao fim de uma família clássica ou uma família estruturada nos modelos não convencionais. Assim, os fatores socioeconômicos, demográficos e regionais interferem significativamente para a formação dessas famílias. Segundo Leite (2003, p. 7), a monoparentalidade se impôs como fenômeno social com maior intensidade nos últimos vinte anos, coincidindo com o período em que se constata o maior número de divórcios. Para o autor, esse tipo de família não se constitui como algo novo, pois sempre existiu, apenas não sendo percebida como categoria especifica, implicando 122 É importante explicitar que mesmo que esses novos modelos não estejam associados aos padrões classistas idealizados socialmente, eles continuam sendo instituições sociais responsáveis pelos cuidados, proteção e educação dos filhos, como também representam os principais canais de iniciação dos afetos, dos valores, dos conhecimentos, possibilitando a garantia da reprodução e da sobrevivência do ser humano, visto que os sujeitos vão estabelecer e desenvolver relações sociais. 123 O termo “família monoparental” surgiu na França em um estudo desenvolvido em 1981 pelo Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos (INSEE), posteriormente a noção se espalhou por toda a Europa III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1969 sua marginalidade no mundo jurídico, o que se modifica com a Carta Magna de 1988 que lhe reconhece como entidade familiar e lhe dedica à mesma proteção social da família nuclear. Esse modelo familiar que ganhou maior visibilidade e intensidade nos anos 70 vai se apresentando de forma ampla na atualidade, visto que expõem em sua organização situações contemporâneas e antigas, sendo as atuais advindas dos desligamentos voluntários de casamentos e uniões, e as antigas oriundas de morte, abandono de um dos cônjuges e nascimentos extramatrimoniais. Com isso, fica possível estabelecer as principais características da família monoparental, pois essas situações estão inseridas no seu próprio conceito. Conforme Dandurand (apud Leite 2003): Sempre existiram viúvos e viúvas, mães solteiras e mulheres separadas ou abandonadas por seus maridos que assumem, por inteiro, o encargo de sua progenitora. Mas, o crescimento dos anos 60 nos países industrializados produziu um impacto sobre a configuração das famílias. Como a maioria dos casais desunidos tem filhos, os lares dirigidos por um só genitor sofreram um aumento considerável e uma intensa visibilidade. Os analistas sociais lhes atribuem, então, uma denominação inédita: famílias monoparentais. O neologismo é amplo e procura designar, ao mesmo tempo, novas formas de monoparentalidade oriundas de rupturas voluntárias de uniões, bem como formas antigas (e desaparecidas) decorrentes de falecimentos e deserções de cônjuges, como também os nascimentos extramatrimoniais. (DANDURAND apud LEITE; 2003, p. 24). Diferentemente da família nuclear, as crianças desse modelo têm que se desenvolver frente às situações e problemas comuns a essa forma de família, sendo o primeiro deles as conseqüências advindas da ausência de um dos pais na relação cotidiana, o que pode vir a interferir em seu desenvolvimento e despertar o sentimento de rejeição. Além disso, essa situação reforça o conceito sobre qual monoparentalidade pode ser compreendida por um único genitor que assume a total responsabilidade de criar e educar sozinho a seus filhos, desempenhando dois papéis (pai e mãe) em um único sujeito. Diante dessa situação, vários podem ser os fatores que direcionam e resultam na formação desse modelo solitário de responsabilidades, sendo eles o celibato, a separação ou divórcio, a união livre, as mães sozinhas e a viuvez. O fator do celibato, enquanto condicionante elementar para monoparentalidade, enquadra como celibatários os indivíduos que vivem na sua maioria em uniões passageiras, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1970 totalmente sem compromisso, ou em estado de casado, mas sem a necessidade de um vínculo legal para comprovar essa união, livrando-se de qualquer forma de obrigatoriedade. Diante dessa falta de obrigações frente a esse novo modelo de vida, a maioria dos indivíduos rompem com frequência seus relacionamentos, envolvendo-se em novas uniões sem qualquer limite imposto pela sociedade, gerando apreensão por elevar cada vez mais a proporção de nascimentos decorridos dessas uniões, o que contribui para o aumento do número de famílias monoparentais. Já ao se tratar do fator de separação ou divórcio, observa-se que este se encontra ligado a tendências atuais de precocidade do casamento e menor frequência de novas recomposições dos divorciados, revelando a moderna mentalidade que não mais concebe casamentos frustrados e duradouros. Apesar disso, o casamento continua a ser predominante na constituição da família, sendo sua ruptura entendida como uma eventualidade que pode ser continental. Essa terminologia foi usada para distinguir as uniões constituídas por um casal, dos lares compostos por um progenitor solteiro, separado, divorciado ou viúvo (LEITE, 2003, p.21-2). prevista pelos novos casais contemporâneos, como afirma Commalle (apud Leite 2003; p.38); “longe de corresponder ao desvio de conduta, o divórcio124 se escreve cada vez mais como ato normal em projeto no casamento, tal como é concebido nos novos modelos matrimoniais”. No Brasil, com a criação da Lei do Divórcio (6.515/77), o conceito de casamento passa a ser totalmente alterado, ajustando-se às novas mudanças de valores e costumes presentes na sociedade capitalista, tornando a “união legitima”, o casamento, um simples contrato legal125. Desse modo, as crises conjugais podem levar ao fim de uma união, fazendo com que novos espaços sejam abertos para formações de modernas formas de relacionamentos, proporcionando certa diversidade no âmbito familiar. 124 Segundo Santos e Santos (2009), a dissolução do vínculo conjugal tem, praticamente, o mesmo tempo de existência da instituição do casamento, ocorrendo nas sociedades primitivas através do repúdio, sendo esse de direito exclusivo dos homens. As rupturas no âmbito familiar começaram a ser ampliadas de forma mais intensa a partir dos anos 60, delineando-se em um quadro inquietante a partir de 1965. Essa tendência separatista se iniciou na Europa do Norte e na Suécia, ganhando todo o mundo em 1972, devido ao grande número de divórcios. 125 No Brasil, o maior numero de pedidos de divórcios efetivados segundo o IBGE advêm de mulheres por diversos motivos, eles geralmente podem ser de duas ordens: 1. ou elas se sentem anuladas no lar, em decorrência de uma relação de dependência, ou pela ausência de interesses comuns com seu marido; 2. ou elas compreendem que o seu marido não correspondeu àquilo que elas desejavam (ou, na maioria das vezes, haviam imaginado)” (LEITE, 2003; p.43). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1971 Antes da criação dessa lei, a ausência da legislação do divórcio no Brasil favorece na década de 60 o acesso às uniões livres. Nessa década, com o advento da revolução sexual, as relações passaram por um processo de mudanças em que, em contraposição ao casamento, surge a tendência das relações pré-matrimoniais. Como forma de experiência conjugal, as relações passam a se dar de maneira mais livre, desassociadas dos ditames legais, ocorrendo o matrimonio apenas nos casos de gravidez inesperada ou por desejo do casal126. Essa maneira de relacionamento que garante a individualidade, não estabelece nenhum compromisso, promessa, responsabilidade ou fidelidade entre parceiros, sendo tratada como ensaio ou experiência que determinaria no futuro um enlace matrimonial. Devido a essa abertura, vários problemas foram gerados em meados dos anos 80, como o grande número de nascimentos de filhos ilegítimos, concebidos em relacionamentos extra matrimoniais, em que as mães assumiam a tarefa do cuidado sem a presença dos pais 127. No Brasil, até a metade desse século, essas mães eram alvo de discriminação por causa da denominação dos seus filhos, visto que os mesmos eram reconhecidos como ilegítimos aos olhos da Igreja e da sociedade, sendo fortemente marginalizadas pela opinião pública. Essa categoria só será reconhecida a partir do decreto n. 3.200/41 que regulou a guarda do filho natural, acrescida das Leis n. 883/49 que admite o reconhecimento do filho adulterino, e da Lei n.7.841/89 que permitiu o reconhecimento do filho incestuoso. A Constituição Federal de 1988 dará continuidade a essa visibilidade, no seu artigo 227, §6º, proporcionando os mesmos direitos e qualificações aos filhos gerados ou não do matrimônio, além de proibir qualquer tipo de qualificação discriminatória. Em acordo com esta, é formulada a Lei n. 8.560/92 que permite as mães solteiras fazerem uma ação investigativa de paternidade e reconhecimento de filiação, mesmo que o pai seja casado. Já a formulação da Lei n. 8.971/94, regulamenta os direitos dos companheiros a alimentos e à 126 É importante colocar aqui que essa aceitação não se configura como uma evolução pacifica e natural na sociedade, este faz parte de uma ampliação do leque de mercado de consumo para o capital, que vê nesses novos arranjos um potencial de mercado que se ajusta a seus interesses, sendo necessário para tanto que certas aberturas sejam postas no âmbito social 127 É importante explicitar que essa categoria de mães solteiras independe da classe social e do poder aquisitivo que possuem, não sendo estas redutíveis a um único tipo de maternidade. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1972 herança, permitindo e alargando estes, visto que anteriormente esse direito só era dado aos casados. Historicamente, mães solteiras sempre existiram na humanidade. Segundo Lê Gall e Martina (1987 apud Leite 2003, p. 58), estas podem se organizar em quatro tipos de modelos, sendo: 1. As “maternidades impostas”, quando se trata de mães solteiras que não decidiram ter, nem conservar o filho, mas que não estão autorizadas pela lei a interrupção voluntária da gestação, o que as obriga a assumir sua gravidez [...]; 2. As “maternidades involuntárias” quando, mesmo a gravidez não tendo ocorrido por opção, após a concepção, decidem ter e educar sozinhas o filho; 3. As “maternidades voluntárias”, estas, sim, tomaram a decisão de ter e assumir sozinhas os filhos; 4. As “maternidades de coabitantes”, neste caso as mães solteiras decidem em conjunto com o coabitante ter e educar o filho. (LÊ GALL; MARTINA 1987, apud LEITE, 2003, p. 58). Além dessas, outro fator que historicamente possuiu uma expressiva presença nesse tipo de família é a viuvez. Essa categoria se tornou mais relevante em meados de 1968, quando, para cada duas mulheres chefes de famílias monoparentais, uma era viúva. Já em 1982, essa taxa diminui, à medida que se aumenta a expectativa de vida do gênero masculino e o divórcio ou separação começa ocorrer a antes mesmo da morte do outro companheiro. Com apenas um dos companheiros, a constituição da monoparentalidade acontece sem que haja o desejo dos indivíduos de sua formação. Em meio a todo esse contexto que diversifica os motivos para a formação do núcleo familiar aqui estudado, a evolução e o desenvolvimento da sociedade diante da revolução nos costumes e valores deixam claro que a influência religiosa sobre a vida dos sujeitos perde sua força, à medida que a sociedade passa a aceitar o que antes era discriminado, como a união livre, o divórcio ou separação, celibato e as mães solteiras, aceitando seus direitos reconhecidos na legislação vigente. Apesar de todos esses fatores que materializam e evidenciam sua ampliação no cenário contemporâneo, o padrão ainda aceito culturalmente é o modelo de família tradicional, mesmo esse padrão sendo alvo de ameaças devido à conjuntura de aumento do desemprego masculino dos anos 1990, assim como a pressão exercida por movimentos de mulheres em III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1973 busca de maior igualdade, o que favorece transformações nas relações de gênero, no âmbito da sociedade, da família e do mercado de trabalho128. Apesar das mudanças atualmente postas devido a essas transformações, a mulher que possui a responsabilidade de cuidar sozinha de sua família sobrevive em meio a problemas específicos dessa situação e ainda é vitima de uma subjugação social que lhe atribui à dificuldade de se autogerir. Essa afirmação se dá em meio ao fato de que a mulher tem que dedicar seu tempo para alimentação, abrigo, vestimenta, educação, saúde, assim como para o aconchego, o cuidado com as pessoas que não têm condições de se autocuidar (crianças, idosos e pessoas com deficiência física e mental), mesmo que isso não seja percebido como parte da organização social do seu tempo. Contudo, observamos que a responsabilidade pela esfera domestica e pelo cuidado dos filhos se torna mais dificultosa sem uma rede de proteção social, e por vezes sem acesso ao trabalho e salários dignos, deixando-as dependentes de benefícios providos pelas Políticas de Assistência, os quais em sua grande maioria são quantitativamente baixos, seletivos, focalizados e temporários. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, a monoparentalidade feminina já representava 18,5 milhões de famílias brasileiras. A maior parte dessas famílias se encontram em situação de vulnerabilidade social, fazendo com que estas muitas vezes estejam relacionadas diretamente à pobreza, à exploração e ao próprio abuso, seja ele psicológico ou físico129. Já em 2011 em pesquisa realizada por esse mesmo instituto, foi constatado que o número de mulheres chefes de família cresceu mais de quatro vezes nos últimos dez anos, representando 37% no total, salientando que destas famílias pesquisadas cuja a chefia esta atribuída a figura feminina, 88,7% são famílias monoparentais. Dando continuidade a essa questão, é necessário destacar ainda que, com base na 128 É preciso colocar que a mulher como chefe de família é algo que está exposto na realidade brasileira e que foge de padrões que classificam a família como ideal. Caracterizado por grande parcela de unidades familiares apresentarem uma condição econômica baixa, esse modelo supõe um vinculo entre a monoparentalidade feminina e a pobreza, formando, assim, dois pensamentos cruciais e opostos: o primeiro que mulher não tem “capacidade” de cuidar e de administrar uma família sem a figura masculina e o segundo que a mulher, atualmente conquistou maior independência e, portanto, pode assumir sua família 129 Dados recolhidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)- Síntese de indicadores sociais 2007: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=987 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1974 Pesquisa Nacional por Amostragem Demográfica (PNAD-2006), verifica-se que, do total dessas famílias monoparentais femininas, 32,3% vivem com uma renda de até ½ de um salário mínimo e 14,8% de até ¾ de um salário mínimo, renda essa baixa para quem é responsável pela manutenção de um lar e cuidados relativos a seus dependentes. A dimensão de pobreza se aprofunda se vinculada a monoparentalidade e cuidados com os filhos menores de 16 anos de idade. Segundo a PNAD, esses representam 42,8% das famílias monoparentais femininas. Além disso, 44,8% vivem com um rendimento per capita familiar de até ½ de salário mínimo (ver PNAD 2006)130, evidenciando, assim, a precariedade social em que essas famílias monoparentais vivem. Outro ponto a ser colocado é que a situação de vulnerabilidade social a qual parte destas famílias vivenciam não se encontra apenas associada à má distribuição de renda no país, mas também a dinâmica da vida familiar, o acesso a serviços públicos, a possibilidade de obter trabalho com qualidade e remuneração adequadas, e a existência de garantias legais e políticas que apresentam dessa maneira, a complexidade existente no Brasil e no mundo em que se faz presente a desigualdade e a exclusão social. Nesse sentido, a vulnerabilidade social é entendida aqui pelas condições biopsicossociais que vitimizam a família e seus membros a condições degradantes, de pouca perspectiva e causadoras de segregação social, já que, os indivíduos que se encontram em situação de pobreza, geralmente são pessoas possuidoras de histórico de vida marcado por adversidades de cunho desagregador no ambiente familiar, pouco ou nenhum acesso de qualidade à educação, saúde, habitação e qualificação profissional (BRITO; FERREIRA, S.d.). É dentro desta situação de pobreza que se encontram as famílias monoparentais, se fazendo presente dentro desse contexto de vulnerabilidade social 131, que as expõem constantemente a fragilidades nos aspectos de natureza econômica, de vínculos afetivosoportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e 130 Dados recolhidos no IBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem Demográfica 2006 Embora não se tenha pretensão de discutir com ênfase a vulnerabilidade social, é importante destacar que ela está sendo compreendida nesse trabalho como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de relacionais (abandono, violência e exploração) e de pertencimento social. 131 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1975 mobilidade social dos atores (VIGNOLI, 2001; FILGUEIRA, 2001 apud ABRAMOVAY et al, 2002). Recebendo como resposta pública a esta situação programas de transferência de renda nos quais as famílias monoparentais femininas são potenciais recebedoras, estas encontram nos programas sociais um suporte complementar renda para auxiliar na sobrevivência. Remetido ao âmbito social, este caminho acaba apenas por reduz minimamente a pobreza, não a erradicando, o que faz com que o enfrentamento das desigualdades sociais continue a ser um dos maiores desafios das políticas públicas nesta segunda década do século XXI. No Brasil não existe uma política específica para este tipo de família, porém estas estão inseridas no arcabouço de políticas direcionadas a famílias no geral que por vezes acabam por estar baseadas em um conceito burguês nuclear de padrão familiar. As políticas direcionadas para as famílias em situação de vulnerabilidade social despertam para a necessidade de uma análise mais precisa de como estas interferem nas estratégias de sobrevivência familiar, e como se configuraram ao longo de sua formação. É importante frisar, que é nesse cenário que as famílias monoparentais femininas, assumem uma dupla jornada, se tornando reféns do precário acesso renda e alvo de uma má qualidade de vida, que segundo o IBGE só vem se ampliando no Brasil. Mesmo com a inserção no mercado de trabalho, da maneira precarizada como se deu, e com as conquistas protagonizadas pelos movimentos feministas, a situação de pobreza das famílias chefiadas por mulheres se perpetua até os dias atuais. Sozinhas, além de conviverem com o preconceito, por não atender a padrões tradicionais de família, grande parcela dessas mulheres não fazem parte do mercado formal de trabalho, ou seja, precisam de alguma maneira conseguir manter uma fonte de renda, e para isso, estão sujeitas a empregos que não lhes oferecem garantias legais de proteção, além de baixos salários. Essa inserção no mundo da produção feita de forma desregulamentada e precária, em meio a uma sociedade historicamente machista, exige dessa mulher o desempenho concomitante de múltiplas funções. Mãe, trabalhadora, chefe de família e responsável pelos cuidados domésticos, essas mulheres sobrevivem vinculadas a um estado de extrema pobreza e exclusão, o que as direcionam para a necessidade do auxílio de políticas que lhes III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1976 proporcionem um complemento para sobrevivência. Para Carvalho (1998 apud Pinto e Makhoul et al 2011, p. 170): [...] as famílias chefiadas por mulheres das camadas mais pobres da população, são em grande parte associadas às situações de vulnerabilidade econômica, pois a mulher, como único membro adulto do domicílio, é sua provedora, além de assumir funções domésticas e o cuidado com os filhos, o que implica sua vinculação em trabalhos mal remunerados em tempo parcial ou intermitente, gerando assim maiores dificuldades para garantir a subsistência da própria família. (CARVALHO 1998, apud PINTO &MAKHOUL et al ,2011, p. 170). Apesar de atingir um universo de indivíduos indistintamente, a vulnerabilidade social, se apresenta de forma mais cruel para as mulheres, visto que as condições objetivas de trabalho para elas é mais difícil do que para os homens. Como afirma Melo (2005 apud Carloto e Gomes 2011): Para as mulheres, esta realidade de carências é mais aguda, uma vez que elas realizam uma gama enorme de atividades não remuneradas, seja no âmbito mercantil, seja no seio da família, pela dedicação às atividades do lar fazem ser majoritariamente dependentes da provisão masculina para o sustento de suas famílias. [...] há uma nítida relação entre divisão do trabalho e a pobreza das mulheres; a inserção feminina aconteceu em paralelo com o crescimento das atividades informais, das atividades sem remuneração e aumento das taxas de desemprego. (MELO 2005, apud CARLOTO; GOMES 2011, p. 136). As transformações que ocorreram no mundo do trabalho a partir de 1970 e que impactaram negativamente nas condições de vida dessas famílias, intensificaram sua relação com a situação de pobreza entre as mulheres chefes de família. Para as mulheres, as condições de trabalho cada vez mais precarizadas vieram acompanhadas de uma divisão sexual de trabalho extremamente perversa em que a representação da figura feminina aparece associada à imagem do lar, da reprodução e da desqualificação para atividades que exijam maior poder de concentração e inteligência. Dessa forma, a mulher tornou-se fonte essencial para exploração da força de trabalho, mostrando, apenas, uma “igualdade” entre o sexo masculino e feminino, conquistada com feminização do trabalho. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1977 Com isso, pode-se afirmar que a maneira com se dá a divisão sexual do trabalho na esfera produtiva expressa e evidencia as relações de poder existentes entre homens e mulheres na sociedade, poder este que se distribui de forma desigual, conformando historicamente a subordinação feminina e sua invisibilidade no processo histórico. De acordo com Lobo (1991 apud Carloto e Gomes 2011): A divisão sexual do trabalho é construída como prática social, ora conservando tradições que ordenam tarefas masculinas e tarefas femininas na indústria, ora criando modalidades da divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas relações de trabalho masculinas e femininas manifesta-se não apenas na divisão de tarefas, mas nos critérios que definem a qualificação das tarefas, nos salários, na disciplina do trabalho. A divisão sexual do trabalho não é tão somente uma conseqüência da distribuição do trabalho por ramos ou setores de atividade, mas também o princípio organizador da desigualdade no trabalho. (LOBO 1991, apud CARLOTO; GOMES, 2011, p.134). Essa vulnerabilidade presente no âmbito das famílias monoparentais, principalmente as femininas, expressa além dos aspectos já explicitados, o descompromisso do Estado na execução dos direitos sociais conquistados e na escassa efetivação das políticas públicas, marcadas em seu contexto histórico pela ausência de estruturas e medidas pensadas em favor da figura feminina. Contudo, é dentro deste contexto que os novos arranjos familiares se perpetuam, especialmente os das famílias monoparentais. Apresentando-se desprotegidas pelo Estado por não ter, na maioria das vezes, meios suficientes para o provimento da família, sendo reconhecidas como famílias vulnerabilizadas por vivenciarem situações com mínimas chances de superação, visto que o Estado atua através de políticas e programas sociais residuais e focalizados. Tendo como foco principal a acumulação e ampliação do capital. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a trajetória de estudos percorrida até aqui, podemos concluir que a construção social da família assinala para sua relação direta com a forma de sociedade na qual esta inserida em cada momento histórico. Dessa forma, o pensamento norteador do modelo econômico que se encontra em cada fase da sociedade, vincula a essa instituição papeis e valores que se modificam e aderem III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1978 novos formatos no decorrer de seu desenvolvimento. Assim, no capitalismo a monoparentalidade feminina assume lugar na sociedade como novo modelo familiar que, apesar de sempre existir, se legitima e ganha visibilidade atrelada ao cenário de extrema pobreza em que se estrutura a sociedade e que, por determinados motivos, condicionam as mulheres a assumirem sozinhas a chefia do lar. Nesse sentido, podemos observar que a monoparentalidade e a pobreza estabelecem, em sua articulação, uma relação consequência x resposta, no qual, sendo a pobreza vivenciada por esse tipo de família consequência da lógica que rege ao capitalismo, recebe como resposta a essa situação auxílios monetários efetivado através das políticas públicas que, apesar de aparentemente estar vinculada uma proposta de mais igualdade social, contém em seu interior um amplo jogo de interesses e objetivos que ultrapassam a essa aparência. Essa forma de pensamento na qual a família monoparental feminina é inserida, acaba por reforçar o direcionamento do Estado de retirada de suas obrigações para com os direitos sociais arduamente alcançados ao longo da história. Isto se efetiva uma vez que a proteção social passa a ser vinculada prioritariamente a prestação de benefícios seletivos e focalizados, que direcionam suas ações a processos minimalistas e repassando para o setor privado sua gestão. Diante disso, o foco de preocupação em defesa da família, no âmbito das políticas públicas brasileiras, demonstra que, ao mesmo tempo em que esses programas amenizam a desigualdade de renda e procuram melhorar as necessidades básicas da população, eles continuam sendo uma política assistencialista e compensatória que acaba ajudando a perpetuar a pobreza, contribuindo para a manutenção e acumulação do capitalismo, além de expressar o ideário tradicional de que a mulher é associada à figura do lar e dos filhos. 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Tendo como fundamento as categorias básicas de análise marxistas, as reflexões apresentadas remetem a compreensão de trabalho como categoria fundante na constituição do ser social, bem como a um debate reflexivo sobre trabalho sob a lógica de exploração capitalista. São expostos os elementos que caracterizam a tese do desenvolvimento desigual e combinado expressa nos regimes sustentados pela sociabilidade capitalista, e por fim é feita uma análise dos processos funcionais à lógica da exploração do trabalho no contexto de acumulação flexível. Conclui-se que a informalidade e o empreendedorismo são processos funcionais e fundamentais à manutenção do grande capital, pois mantêm o desenvolvimento desigual e combinado que permite o sistema de dominação na sociedade capitalista. Palavras-chave: Trabalho. Desenvolvimento desigual e combinado. Exploração capitalista. INTRODUÇÃO O presente ensaio tem como objetivo desenvolver uma breve discussão acerca do trabalho no modo de produção capitalista, a partir de categorias básicas de análise marxista, considerando a lei do desenvolvimento desigual e combinado. No primeiro momento, discutimos a categoria trabalho em referência à perspectiva marxiana, considerando que, ao modificar a Natureza através do trabalho, o homem transforma a si mesmo, desenvolvendo novas necessidades e possibilidades na sociabilidade humana. É o trabalho que diferencia o homem do ser natural, e o eleva à condição de ser social, modificando o seu modo de ser e as sociedades. 132 Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE; (81) 95064594/ (88) 99887232; [email protected] 133 Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ; (21) 80682039; [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1982 No entanto, sob a lógica da exploração capitalista, o trabalho passa a ser subjugado ao capital, e supre agora necessidades e utilidades exteriores que são impostas à classe trabalhadora. No segundo momento do trabalho, são pontuadas questões relativas à tese do desenvolvimento desigual e combinado, processo inerente e necessário a essa formação social, cujas bases de produção voltam-se, necessariamente, para o lucro. Posteriormente, discutem-se o regime fordista de produção e a acumulação flexível, identificando as principais características desses diferentes regimes, bem como as expressões do desenvolvimento desigual e combinado neles presentes. O empreendedorismo e a informalidade são abordados como processos acentuados pela acumulação flexível, bem como sua funcionalidade à lógica da exploração do trabalho. É necessário ressaltar o caráter inicial e aproximativo da discussão aqui proposta, já que a temática em questão é extremamente complexa e, nos limites desse trabalho, não é possível abordar as inúmeras determinações que ela comporta. 1. Trabalho e ser social Ao pensar sobre a categoria trabalho enquanto processo histórico relacional entre homem e natureza, faz-se necessário compreender o significado da centralidade do trabalho na constituição do ser social. Partimos da compreensão de trabalho com base na perspectiva marxiana, que o compreende enquanto categoria que representa a atividade transformadora e fundante da sociabilidade do homem. Marx define trabalho na obra O Capital da seguinte forma: Antes de tudo, o trabalho é um processo que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. [...] Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (MARX, 2013, p. 202) O trabalho se configura, portanto, como a atividade criadora dos homens que, movidos por necessidades objetivas, conhecem e transformam o mundo ao mesmo tempo em que também se transformam. A partir do trabalho surgem novas necessidades, permitindo ao homem ir para além de suas necessidades imediatas. Pontes (2000), falando sobre a relação homem e natureza, afirma que o trabalho assume o papel de condicionador da existência III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1983 humana na medida em que proporciona a sociabilização humana, e que é mediador entre as categorias do ser natural e do ser social, fazendo prevalecer as categorias deste sobre aquele, e as determinações sociais sobre as naturais. O homem, portanto, se diferencia dos outros seres naturais quando tem a capacidade de idealizar e projetar determinado objetivo, a que chamamos de causalidade. O trabalho é a ação que media teleologia e causalidade. É através da teleologia que o sujeito deixa de se constituir como ser natural e transforma-se em ser social: idealiza um propósito e os meios de se chegar até ele. São esses meios que chamamos de trabalho (NETTO, BRAZ, 2007). O trabalho como processo entre o homem e a natureza a fim da obtenção de um resultado previamente pensado é a objetivação teleologicamente intencionada dos seres humanos. Conhecendo então os meios para a realização do trabalho, o sujeito precisa transmitir esse conhecimento para que outras pessoas também possam efetivá-lo: eis o lugar da comunicação. Através da comunicação e a partir da necessidade do homem em compartilhar e reproduzir as representações do trabalho este se realiza de forma coletiva (idem). Com o desenvolvimento das forças produtivas, no momento em que o sujeito “sociabiliza” conhecimento através da comunicação articulada, o trabalho se torna coletivo e, portanto, social. É por isso que “[...] o trabalho não é apenas uma atividade específica de homens em sociedade, mas é, também e ainda, o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses homens, o ser social.” (NETTO; BRAZ, 2007, p.34). O então ser social, dotado de maior complexidade, transforma a natureza e as relações entre os homens, ampliando e transformando o conhecimento entre as gerações. Esse ser gerado do trabalho é cercado por amplas possibilidades de relações e criam, através da práxis134, sua própria forma de ser, identificando-se como “criativos e autoprodutores” (NETTO; BRAZ, 2007, p 44). Toda a humanidade passa então a se constituir como tal, desenvolvendo novas possibilidades, necessidades e novas formas de organização social, tendo como alicerce o trabalho. 134 Compreendemos práxis como categoria abrangente que, fundada pelo trabalho, inclui todas as objetivações humanas (que incidem na natureza e na sociedade), enquanto atividade prática que cria e recria as condições necessárias à reprodução da sociedade. Para análise mais aprofundada ver Netto e Braz (2007); Lessa (2000); Vásquez (1977). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1984 O processo de trabalho enquanto processo de intercâmbio material entre homem e natureza é, segundo Marx, composto por três elementos essenciais: 1 - trabalho enquanto atividade adequada a um fim; 2 – objeto de trabalho; 3 – instrumental de trabalho (MARX, 2013, p. 202). Apenas o homem enquanto ser social é dotado da capacidade teleológica de planejar em sua mente a materialização de um objeto antes de transformá-lo em realidade. Para tal, necessita exercer a atividade direcionada a um fim, convertendo o objeto de trabalho naquilo que já estava posto em sua consciência antes mesmo do início desse processo. Como intermédio entre o trabalhador e o objeto de trabalho, os instrumentais são os meios de trabalho que medem o desenvolvimento da força humana de trabalho e indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho. “O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz.” (MARX, p.204) São os meios de trabalho que indicam o desenvolvimento das forças produtivas e as condições sociais em que o trabalho é exercido. No fim do processo de trabalho, a transformação do objeto por meio dos instrumentais se materializa no produto do trabalho. O trabalho foi incorporado ao objeto e o trabalhador pode ver seu trabalho corporificado no produto em que operou. No entanto, é necessário diferenciar trabalho de trabalho abstrato, compreendendo que este último é alienado pelo capital. Na sociabilidade capitalista, o fetichismo da mercadoria escamoteia o trabalho corporificado no produto do trabalho, e dá a aparência de autonomia das coisas sobre quem as produziu. É o que será abordado no próximo tópico, através da delimitação das características do mundo do trabalho na lógica capitalista. 2. Exploração do trabalho na sociabilidade capitalista Marx apresenta dois fenômenos característicos sobre o processo de trabalho quando este ocorre como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista: 1 - “O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence o seu trabalho” (MARX, 2013, p.209) O capitalista organiza a produção de modo que haja um maior aproveitamento do tempo de trabalho e não haja desperdício; 2 “ [...] o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador.” (MARX, 2013, p.209) Ao final do processo de trabalho o produto não pertence a quem o produziu, mas ai capitalista. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1985 Dessa forma, é o capitalista que organiza e controla todo o processo de trabalho, retirando o poder do trabalhador de administrar o tempo e o ritmo de trabalho. No capitalismo, o processo de trabalho não tem mais como objetivo suprir as necessidades materiais do trabalhador e sua família, mas de prover as necessidades do capital. Essas, para além do imprescindível para reprodução da força de trabalho, incluem a produção da maisvalia, condição precípua a acumulação: [...] o trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso não é mais suficiente que ele apenas produza. Ele tem de produzir mais valia. Só é produtivo o trabalhador que produz mais valia para o capitalista, servindo assim à auto-expansão do capital. (MARX, 2013, p.584) Nesse processo de desapropriação do trabalhador sobre o controle do trabalho, há uma inversão na relação entre homens e produtos de trabalho, na medida em que estes últimos passam a ter autonomia e controle superior aos seus próprios criadores. A esse fenômeno histórico Marx atribui o caráter de estranhamento, designado pelo trabalho alienado: na produção capitalista o ser humano é subjugado pelos produtos de suas próprias mãos. A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte e objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e com ele se defronta como uma força autônoma. A vida que ele deu a objeto volta-se contra ele como uma força estranha e hostil. (MARX, primeiro manuscrito – trabalho alienado) Nas sociedades capitalistas o trabalho tal como mediação entre ser humano e natureza para satisfação de suas necessidades materiais passa a ser forjado na medida em que o homem não tem domínio sobre a totalidade do processo de transformação da matéria-prima em produto. O trabalhador é então despojado do pertencimento ao objeto e a apropriação deste se configura enquanto estranhamento, na contradição de que quanto mais objetos o trabalhador produz, menos pode possuir e “mais fica sob o domínio do seu produto, do capital” (Marx & Engels apud. Antunes, 2004, p.144). [...] Também ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados, desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem uma III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1986 das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (MARX, 2013, p. 44-45) Na medida em que, o capital se reproduz em escala ampliada, o trabalho é cada vez mais submetido ao julgo da necessidade voraz do capitalista de extração de mais-valia. O controle sobre o trabalho é levado a cabo de diversas formas. O desenvolvimento das forças produtivas é, sempre, um mecanismo acionado para combinar formas de extrair trabalho nãopago, ou seja, formas de produzir mais-valia absoluta e relativa135. O autor alemão expõe da seguinte forma: todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos da acumulação, e toda expansão da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos. [...] A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital. (idem, p. 275) Esse processo tende a expelir trabalhadores sempre na medida das necessidades de acumulação do capital. Uma população excedente, um exército industrial de reserva é, ao mesmo tempo, condição e alavanca desse modo de produção. Não é, portanto, algo conjuntural, mas sim condição estrutural. O capital desenvolve métodos de extrair mais-valia, possibilitando acumulação, que por sua vez engendra formas novas de extração de mais-valia, conforme citado anteriormente. Nesse movimento, a burguesia tende a desenvolver formas pelas quais o trabalho vivo no processo de produção seja sempre menor, para evitar os constrangimentos impostos pelas reivindicações do trabalho à produção. Nessa mesma direção, a manutenção de um exército de reserva, sua reprodução e aprofundamento, além de ser uma forma de reduzir custos de produção são também à maneira pela qual se exerce pressão sob os salários numa tendência decrescente, bem como para fomentar focos de conflitos e concorrência entre os trabalhadores. A complexificação da divisão do trabalho se dá mediante o desenvolvimento das forças produtivas. Tal desenvolvimento não se realiza de modo homogêneo nos diversos 135 “A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a maisvalia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa” (MARX, 1985a, p. 432). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1987 países e ramos do capitalismo. Este congrega formas “desiguais e combinadas” de desenvolvimento, com implicações diretas sob a forma de exploração da força de trabalho. 3. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo A produção de riqueza no âmbito do capitalismo traz no seu cerne a produção de pobreza e se expressa, também, no desenvolvimento de formas sofisticadas de produção que existem em paralelo a modelos arcaicos de produzir. A manutenção de formas desiguais e combinadas não é uma acidente econômico, expressão de desenvolvimento de determinadas sociedades e de subdesenvolvimento de outras. Na verdade, isso nada mais é que condição funcional ao capital e sua direção para o crescimento (MANDEL, 1982). Löwy (1995) chama atenção para o fato de que Marx, em virtude do contexto histórico em que estava situado, – antes da era imperialista – não analisa essa problemática que está diretamente ligada à expansão mundial do capital. Entretanto, na Introdução à crítica da economia política (1857) o autor de O Capital fornece indicações interessantes sobre o modo como uma produção dominante exerce hegemonia sobre as outras. Vejamos à passagem a que se refere Löwy. Em todas as formas de sociedade, é uma produção específica que determina todas as outras, são as relações engendradas por ela que atribuem a todas as outras o seu lugar e a sua importância. É uma luz universal onde são mergulhadas todas as outras cores e que as modifica no seio de sua particularidade. É um éter particular que determina o peso específico de toda a existência que aí se manifesta (MARX apud LÖWY, 1995, p. 01). É com Trotsky que o problema do desenvolvimento desigual e combinado será, de modo mais consistente, tratado. Analisando a História da Revolução Russa, Trotsky (1977), introduz a tese do desenvolvimento desigual e combinado, apontando que, a desigualdade do ritmo, lei mais geral do processo histórico, evidencia-se mais vigorosamente nos países “atrasados”. E aponta: “sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos (TROTSTY, 1977, p. 25). Para explicitar essa lei geral numa realidade concreta o autor detalha a maneira pela qual a Rússia “saltou” etapas de desenvolvimento (ou seja, não cumpriu aqueles estágios de produção como os países de industrialização avançada) e da repercussão disso no direcionamento da Revolução Russa. Em decorrência dessa tendência de desigualdade tem-se III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1988 a lei do desenvolvimento combinado, “que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas” (idem). Mandel (1982) indica elementos fundamentais para adensar a tese do desenvolvimento desigual e combinado. O modo de produção capitalista se desenvolveu no âmbito de uma estrutura, de um momento socioeconômico específico. O capitalismo reproduz “em formas e proporções variáveis uma combinação de modos de produção passados e presentes, ou mais precisamente, de estágios variáveis, passados e sucessivos, do atual modo de produção” (MANDEL, 1982, p. 14). Essa combinação, enfatiza o autor, não é, de modo algum, secundária. É, ao contrário, “em grau considerável, precisamente uma função de validade universal da lei do desenvolvimento desigual e combinado” (Idem). Essa lei opera tanto num dado território nacional, como nas relações entre países de capitalismo avançado e periferia. A questão é que, o capital ao impor sua lógica de acumulação, submete tudo e todos. É assim que os países mais ricos, detentores de capitais mais poderosos, ao revolucionarem constantemente suas forças produtivas, impõem o atraso à periferia. Os meios de produção bem como as relações de produção são constantemente reconfiguradas, destruindo e mantendo formas não-capitalistas de produção de acordo com sua intrínseca necessidade expansionista e acumulativa. Neste sentido, “a história desse modo de produção torna-se a história do antagonismo em desenvolvimento entre capital e as relações econômicas semi-capitalistas e pré-capitalistas, que o mercado mundial capitalista incorpora permanentemente a si mesmo” (Idem, p.28). Vejamos, a seguir, alguns elementos básicos acerca do fordismo e da acumulação flexível e como é possível identificar as formas pelas quais o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo se expressam em diferentes regimes de produção. 4. Do fordismo à acumulação flexível O fordismo constitui-se num regime de produção situado em uma estrutura socioeconômica específica. Embora a produção de massa para consumo de massa seja um princípio básico dessa forma específica de produzir mercadorias, nem de longe esgota suas peculiaridades. Considerando que, as relações de produção são, em última instância, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1989 determinantes da totalidade da vida em sociedade, é necessário considerar que, “o fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção em massa do que como modo de vida total” (HARVEY, 2009, p. 13). Resultado de um complexo e longo movimento histórico, o fordismo consolidou-se como estratégia de retomada das possibilidades acumulativas do capital face a um contexto de crise. Antes de tornar-se a maneira dominante de estruturar a produção teve que enfrentar duas barreiras importantes no entre-guerras: 1) o estado de relações de classe – que implicava a dificuldade do trabalhador em se adequar a um ritmo intenso de horas de trabalho rotinizada, bem como a quase inexistência de controle do trabalhador sobre o objeto; 2) modos e mecanismos de intervenção estatal (HARVEY, 2009). No entanto, foi uma série de “compromissos”, num contexto em que o capital explicitava de forma selvagem suas contradições internas, expressas em uma profunda crise, que quase levaram ao colapso da economia na década de 1930, que possibilitaram a disseminação e consolidação do fordismo. Tais compromissos envolviam os principais atores do capitalismo. O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para assumir com mais lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativas ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção (HARVEY, 2009, p. 125). O Estado então combinava políticas fiscais e monetárias que garantissem o equilíbrio econômico, bem como políticas sociais que indiretamente aumentavam o poder de consumo do trabalho. O capital, por sua vez, se empenhava em investimentos estáveis e desenvolvimento racionalizado e planejado, baseado em padrões de eficiência definidos. A classe trabalhadora teria que se adequar e cooperar com as técnicas fordistas de produção, angariando, com isso, alguns benefícios em termos de aumento do salário real e do “salário indireto” pela via das políticas sociais. Teve, no entanto, que abrir mão de um projeto de perspectiva revolucionária, enveredando pela alternativa reformista da social-democracia. Botelho sumariza o fordismo como “conjunto de práticas econômicas, técnicas, gerenciais, políticas e sociais que, combinadas, formam uma estratégia específica do capital reproduzir-se de forma ampliada” (2008, p. 32). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1990 Enquanto estratégia de reprodução ampliada, esse regime de produção possibilitou um período expansionista. O Capital auferiu altas taxas de lucro e o trabalho teve melhorias significativas nas condições de vida. Embora os ganhos para o trabalho tenham sido significativos face a outros momentos históricos, o fordismo não constituiu possibilidade de socialização dos meios de produção, nem de uma mudança social radical. De fato, mesmo que a divisão do fundo público tenha sido, nesse contexto, relativamente equilibrada, os moldes da produção fordista implicaram um aprofundamento da divisão do trabalho, ao mesmo tempo que, destituiu o trabalho de qualquer conteúdo e impôs um modo peculiar de controle exacerbado sobre ele (BOTELHO, 2005). Harvey (2009) chama atenção para o caráter desigual de desenvolvimento no fordismo. Esse caráter se expressou tanto nas relações entre os países, já que o fordismo engendrou processos de internacionalização dos mercados, o que implica reconhecer amplo desenvolvimento em países centrais do mundo capital e o simultâneo atraso de países periféricos, bem como entre setores produtivos. Os rebatimentos sobre o trabalho, portanto, foram significativos, já que se combinaram práticas estáveis e seguras de contratação com “base não-fordista de subcontratação” (Idem, p. 132). Ainda em relação a esse caráter desigual e combinado de integração dos diversos países ao desenvolvimento fordista, Botelho (2005, p. 46) coloca que “essa integração não significa igualdade de ‘desenvolvimento’ econômico e social. O ‘centro’ do sistema mundial capitalista – os países ricos e industrializados [...] continua com seu papel dominante, subordinando a periferia”. Esse período de larga expansão, portanto, favoreceu, sobretudo, os países ricos. Entretanto, era dotado de um limite histórico que se expressou numa profunda crise, cujo ápice se verifica entre 1973, a qual evidenciou a incapacidade do fordismo perante as contradições internas do capitalismo. Os atores envolvidos no “compromisso fordista” já não conseguiam cumprir devidamente suas funções, uma vez que estas estavam comprometidas, dada a lógica de valorização do capital que, no âmbito do fordismo, se exauria. O Estado não detinha fundo suficiente para manter a estrutura de políticas sociais universais e as estratégias anti-crises; o capital não suportava mais os investimentos pesados, a superacumulação; o trabalho, por sua III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1991 vez, não era mais tão facilmente controlável, superando, em larga medida, a posição corporativista e burocratizada dos sindicatos tradicionais. De acordo com Harvey (2009), essa crise relacionava-se diretamente à rigidez. Rigidez na produção, na alocação de recursos e nos contratos de trabalho. É, pois, em contraposição a essa rigidez que uniam o grande trabalho, o grande capital e o grande Estado que se efetivaram os processos de reestruturação que marcam a década de 1970 e 1980. A transição do regime fordista para o que o autor denomina de acumulação flexível não é meramente uma mudança na forma de produzir, é, antes, “uma transição no regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política a ele associado” (HARVEY, 2009, p. 117). A flexibilidade é, nesse sentido, elemento fundamental nessa forma de acumulação. Trata-se de flexibilização nos processos e mercados de trabalho e nos produtos e padrões de consumo. Altas tecnologias, mobilidade geográfica, compressão espaço-tempo, inovações comerciais e organizacionais, dominância financeira na coordenação do capital, formação de novos mercados são características dessa estrutura sócio-econômica. E ainda, “acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas” (Idem, p. 140). O autor aponta que, acumulação flexível engendra um radical movimento de reestruturação da estrutura do mercado de trabalho e da estrutura da produção/organização industrial. Ao fazê-lo traz elementos que permitem visualizar o caráter desigual desse desenvolvimento. Vejamos em que sentido se dá tais reestruturações. No que tange a questão do mercado de trabalho, temos: imposição de regimes e contratos de trabalhos flexíveis, redução do emprego regular em favor do trabalho em tempo parcial, temporário e subcontratado. Disso resulta uma estrutura de mercado de trabalho que mantém um grupo de centro – trabalhadores de melhores condições de trabalho, seguro, estável, com maiores rendimentos. Esse número é cada vez menor; a periferia – divide-se em dois grupos: um comporta empregados em tempo integral, facilmente disponível no mercado de trabalho; o outro, empregados em tempo parcial, temporário. Em relação à reestruturação na organização industrial, Harvey (2009) aponta que as economias de escopo – produção em pequenos lotes – ocupam lugar das economias de escala – produção em massa. Neste sentido, inovações em produtos, diminuição de tempo de giro do III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1992 capital, diminuição de tempo de vida útil do produto, sistema de gerenciamento de estoque, exploração de novos ninchos de mercado, etc são fundamentais na consolidação desse regime de acumulação flexível. No que diz respeito às inovações organizacionais no interior da firma capitalista, especificamente, Botelho (2005) indica duas direções: sistema just in time e a auto-ativação da produção.O primeiro pode ser sintetizado na adaptação do estoque ao ritmo da produção; o segundo, diz respeito ao aumento na unidade de trabalho, ou seja, aumento e complexificação das funções de um mesmo trabalhador. Conforme sinalizamos, a esfera das finanças assume primazia na condição dos macroprocessos socioeconômicos e políticos da era flexível. Isto é, a constituição de um mercado financeiro global, sua volatilidade, mobilidade, fundamentados na desregulamentação e liberalização da economia, bem como pela prioridade que o fundo público-estatal lhe confere – e não menos importante da quase impotência dos Estados nacionais perante os ditames do capital financeiro especulativo internacional – tem conferido determinado poder de coordenação a esta fração do capital (HARVEY, 2009). Esta fração, mas que qualquer outra tem a preponderância da flexibilidade. Em suma, a acumulação flexível é um amplo processo que responde as necessidades de retomada de acumulação do capital, que, coordenado pelo capital financeiro, flexibiliza processos e contratos de trabalho, combinando técnicas altamente avançadas de produção com modelos atrasados, domésticos, informais de produzir mercadorias. Sob o lastro do desemprego que engendra esse regime de acumulação, o capital detém, em sua totalidade, dominância sob os processos sofisticados e arcaicos de produção. Na medida em que impossibilita, cada vez mais, trabalhadores de se inserirem no mercado seguro de trabalho, cria alternativas informais de envolvimento desses mesmos trabalhadores no circuito produtivo, de modo que, mesmo as práticas aparentemente autônomas contribuem para a acumulação exacerbada do capital. 5. O empreendedorismo e a informalidade: a exploração do trabalho e as formas de desenvolvimento desigual e combinado Os processos anteriormente discutidos são levados a cabo por relações sociais historicamente determinadas e são fincadas em fortes mecanismos ideológicos de sustentação. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1993 Harvey (2009) é enfático ao ressaltar a cultura e estética pós-moderna, cujos elementos mais caros são o fragmento, o caos, o efêmero, as mudanças intensas, a fluidez a não-definição, o individualismo, a ausência de projetos coletivos amplos, entre outros, como assento básico das mudanças processadas no regime de produção. Ao produzir a existência sob o julgo do capital a sociedade acaba por legitimar um modo de viver que seja condizente com as necessidades capitalistas. Ao mesmo tempo em que expele os trabalhadores dos centros dinâmicos da produção, produz e reproduz noções de sociabilidade específicas. Discutindo as transformações da governança urbana no capitalismo tardio, Harvey (2005) demonstra que a ascensão do empreendedorismo urbano em detrimento da perspectiva administrativa teve papel importante na transição do capitalismo do regime fordistakeynesiano para o regime de acumulação flexível. Esta mudança se relaciona, diretamente, a formas novas de governanças locais que favoreçam o grande capital global. Nessa direção, o autor deixa claro ainda que, governança urbana resulta de relações sociais complexas, viabilizadas por coalizões e alianças político-sociais de grande envergadura. Esse novo empreendedorismo é caracterizado, principalmente, pela parceria públicoprivada. Aqui os governos locais assumem riscos de investimentos e devem criar o ambiente propício para que os grandes capitais possam investir com segurança. Nesse sentido, enfoca “o investimento e o desenvolvimento econômico, por meios da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico” (HARVEY, 2005, p. 174). A ênfase nas pequenas empresas, na terceirização, são apontadas como tendências que tem levado ao aumento da informalidade. Como conseqüência mais ampla, essa modalidade de empreendedorismo carrega a marca do controle do local por uma burguesia cada vez mais internacional, que, ao final, serve “para sustentar e aprofundar as relações capitalistas de desenvolvimento geográfico desigual” (HARVEY, 2005, p. 190). A precarização, terceirização, subcontratação, trabalho em tempo parcial, enfim, a informalidade, são expressões os processos de redefinições da acumulação flexível, fomentadas, entre outras coisas, pelo empreendedorismo. No entendimento de Noronha (2003), o termo informalidade é demasiado genérico para dar conta da gama de situações de contratos de trabalhos atípicos que ao longo das últimas décadas vem se multiplicando. As percepções com relação às diversas formas de contratos de trabalho podem ser percebidas nos pares contrastantes: formal e “informal”, legal III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1994 e “ilegal”, justo e “injusto”. Nessa perspectiva, os padrões de trabalho formal são sempre precisados pelo registro na carteira de trabalho, pelos benefícios ligados à CLT. Logo, são esses os padrões pelos quais os diversos atores definem as demais situações de informalidade, ilegalidade e injustiça. A legitimidade dos contratos de trabalho, entretanto, varia de acordo com os grupos envolvidos, a conjuntura e o contexto. Isto é, as linhas divisórias entre contratos de trabalho “ideal”, “justo”, “aceitável” “pessoalmente inaceitável”, “injusto” ou “socialmente intolerável” são tênues e misturam noções de necessidade pessoal, de eficiência, de éticas pessoais e familiares, de justiça e de valores, normas e hábitos socialmente definidos (NORONHA, 2003, p. 121). Num contexto em que a cultura do empreendedorismo fomenta e incentiva a informalidade como possibilidade de autonomização e de alternativa ao desemprego crescente, os níveis de justiça, legalidade e aceitação social descerão cada vez mais a patamares de mera sobrevivência, ainda que, nem de longe possam assegurar melhores condições de vida, de trabalho e, tão pouco, socialização da riqueza. Ao discutir a questão da informalidade, Alves e Tavares (2006) chamam atenção para o fato de que, a informalidade, transmutada em ares de autonomia, expressa, na realidade, a efetivação de precarização do trabalho. Nesse contexto, de expansão da informalidade, ela deixa de ser uma forma de inserção sócio-econômica intersticial para se tornar, cada vez mais essencial. Tal essencialidade se verifica tanto na perspectiva de sobrevivência de grande contingente de trabalhadores como estratégia de valorização e reprodução ampliada do capital. A informalidade crescente desde a década de 1990 engloba uma diversidade de situações que incluem atividades informais tradicionais e novas modalidades. As autoras traçam uma interessante caracterização dos diversos grupos de trabalhadores inseridos nesse âmbito da produção. Vejamos. Os trabalhadores informais tradicionais requerem baixa capitalização e incluem uma categoria dos menos instáveis (possuem mínimo de conhecimento profissional e de meios de trabalho) e os instáveis (recrutados temporariamente sendo remunerado por peça ou serviço prestado); trabalhadores assalariados sem registro. Podem ser empregados em pequenas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1995 empresas, ou mesmo em serviços domiciliares terceirizados por grandes empresas; trabalhadores por conta própria, pequenos ofícios, pequenos comércios, atividades ocasionais diversas. Essa apresentação sumária não dá conta da densidade de situações discutida pelas autoras anteriormente mencionadas. O objetivo é apenas demonstrar que a informalidade é complexificada cada vez mais por uma heterogeneidade de situações de trabalho que torna ainda mais difícil mensurá-la. Em comum, no entanto, é a condição de precarização, insegurança, instabilidade e baixos rendimentos. Além de formas arcaicas de produção terem sido mantidas no capitalismo desenvolvido, a terceirização encarregou-se de recuperar outras, a exemplo das cooperativas, do trabalho domiciliar e da pequena empresa. Estas não são formas independentes, externas à dinâmica capitalista, ao contrário, são parte essencial da estratégia de acumulação flexível, articulados pelos mecanismos da divisão internacional do trabalho (ALVES e TAVARES, 2006, p. 441). A suposta autonomização, que apontam essas modalidades de trabalho como independentes do capital, é a face ideológica de uma estratégia bem articulada que envolve capital e Estado, não apenas no sentido de legitimar e legalizar a informalidade, mas de embutir na luta dos trabalhadores mais esse desafio de superar a fragmentação. Essa ofensiva, entre outras coisas, leva algumas camadas trabalhistas a arrogarem independência face a luta da classe destituída dos meios de produção. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos marcos da sociedade capitalista, o trabalho enquanto categoria fundante do mundo dos homens é alienado pelo capital. O fetichismo da mercadoria escamoteia o trabalho corporificado no produto do trabalho, e dá a aparência de autonomia das coisas sobre quem as produziu. Nessa conjuntura, as estratégias de exploração do trabalho pelo capital são vinculadas à necessidade do capital extrair mais-valia, tendo o controle sobre o trabalho como estratégia imprescindível que se apresenta de diversas formas. A produção de riqueza nesse sistema exige a manutenção de formas desenvolvidas de produção associadas a modelos arcaicos de outras. Trotsky (1977) trata dessa condição funcional ao capital analisando a História da Revolução Russa e elabora a tese do desenvolvimento desigual e combinado. Foi possível observar nesse texto que, na lógica de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1996 acumulação imposta pelo capital, é imprescindível que, além de estarem submetidos ao atraso, é imposto aos países periféricos a combinação de formas arcaicas e modernas de desenvolvimento. No lastro do desenvolvimento das forças produtivas é possível identificar formas de desenvolvimento desigual e combinado. As principais características da produção fordista eram a produção em massa, grandes estoques, redução de custos, tarefas intensas e repetitivas, monovalência, aumento da produção e do lucro (HARVEY, 1993, p.167). Com a crise desse modelo de produção, deu-se início um processo de reestruturação do capital e de seu arcabouço ideológico e político, através de estratégias de caráter neoliberal, que postulavam o “Estado Mínimo, fim da estabilidade no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias e dos gastos, em geral, com as políticas sociais” (FRIGOTTO, 1995, p.73). O processo de acumulação flexível repercutiu em várias mudanças no processo do desenvolvimento desigual no âmbito da produção. Os processos altamente sofisticados são combinados com formas arcaicas, como é o caso do trabalho doméstico, patriarcal, feitos em casa. Os modelos de produção são pautados na combinação dessas formas de exploração do trabalho como extratégia de manutenção e expansão do domínio capitalista. O movimento geral do capital no sentido de expelir força de trabalho dos ramos produtivos mais dinâmicos não é um empecilho à manipulação das formas de sobrevivência engendradas pelos trabalhadores de modo a introduzi-los ao circuito do valor. Os grandes centros da economia estão cada vez mais dominados por altas tecnologias e sofisticados meios de trabalho, sempre poupando mão-de-obra. Todavia, a retomada de formas arcaicas de produção, em que informalidade e empreendedorismo se entrecruzam, é, também na acumulação flexível, funcional e fundamental ao grande capital, pois, mantém o desenvolvimento desigual e combinado que permite a dominação da fração dominante da sociedade capitalista sobre os demais. O reaparecimento de formas outrora tidas como superadas não são incidentes ou uma mazela com a qual o capital não pretende lidar, são em última análise, um processo histórico inerente a esse sistema de incrementar formas de trabalho e regimes produções cuja desigualdade e inferioridade cumprem com o seu papel na acumulação do capital. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1997 REFERÊNCIAS ALVES, M. P.; TAVARES, M. A. A dupla face da informalidade do trabalho: “autonomia” ou precarização? In: ANTUNES, R. (Org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. 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Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1998 MARX, K. A mercadoria. O Capital: crítica da economia política. Livro I Tomo. I, Nova Cultural, São Paulo: 1985a - 2ª Ed. _______. A lei geral de acumulação capitalista. O Capital: crítica da economia política. Livro I Tomo. II, Nova Cultural, São Paulo: 1985b - 2ª Ed. NETTO, J. P. e BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. 2a.ed. São Paulo: Cortez Editora, 2007. NORONHA, E. G. (2003). Informal, ilegal, injusto: percepções do mercado de trabalho no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 18 nº. 53 outubro, p.111-129. TROTSKY, Leon. A História da Revolução Russa: A Queda do Tzarismo. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª. Edição, 1977 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1999 PERCEPÇÃO DAS PARTICIPANTES DO PROJETO MULHERES MIL DO IFCE, CAMPUS IGUATU, ACERCA DA EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA. Anny Kariny Feitosa136 RESUMO O Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Iguatu, oferta à comunidade cursos técnicos integrados ao ensino médio, cursos técnicos subsequentes, graduação e pós-graduação e projetos de extensão, dentre os quais se destaca o Projeto Mulheres Mil, que tem como objetivo oferecer as bases de uma política social de inclusão e gênero, onde mulheres em situação de vulnerabilidade social têm acesso à educação profissional, ao emprego e renda. Neste sentido, a Educação Cooperativa é importante elemento que colabora para a construção da consciência e valorização do ser humano e da ação democrática, corroborando como alternativa para a geração de emprego e renda. Assim sendo, o presente projeto tem como objetivo inserir a educação cooperativista no âmbito do Mulheres Mil e refletir sobre a percepção acerca da sua contribuição para o sucesso profissional e melhoria na condição socioeconômica das mulheres participantes, no IFCE, Campus Iguatu. Palavras-chave: Mulheres Mil, Educação Cooperativista, Desenvolvimento Humano. 1. Introdução O Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Iguatu, oferta à comunidade cursos técnicos integrados ao ensino médio, cursos técnicos subsequentes, graduação e pósgraduação e projetos de extensão, dentre os quais se destaca o Projeto Mulheres Mil, que tem como objetivo oferecer as bases de uma política social de inclusão e gênero, onde mulheres em situação de vulnerabilidade social têm acesso à educação profissional, ao emprego e renda. O Mulheres Mil foi implantado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), por meio de portaria ministerial datada de 11 de agosto de 2011, e contou com a parceria da Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro (AI/GM), da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica (Redenet), do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), da Agência Canadense 136 Economista, Mestranda em Economia do Setor Público pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Mestre em Direção Estratégica pela Universidad de León (Espanha). Docente no Instituto Federal do Ceará – IFCE, (88) 96248900, [email protected], [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2000 para o Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e da Associação dos Colleges Comunitários do Canadá (ACCC) e Colleges parceiros. A execução foi realizada pelos Institutos Federais de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins (BRASIL, 2011). No IFCE, Campus Iguatu, no primeiro semestre de 2013, 50 mulheres foram beneficiadas com um curso profissionalizante em Panificação e Confeitaria, no âmbito do Projeto Mulheres Mil, que teve por objetivo viabilizar o ingresso e a permanência na instituição da população feminina do município de Iguatu, com maior vulnerabilidade, visando à inclusão educacional, à promoção social e econômica dessas mulheres, permitindolhes, por meio da formação e elevação da escolaridade, melhorar o seu potencial de empregabilidade, qualidade de suas vidas, de suas famílias e de suas comunidades. Outros sim, o Mulheres Mil representa um dos instrumentos de viabilização do direito social ao trabalho, assegurado na Constituição Federal de 1988. Diante do cenário de desigualdades existentes no Brasil e no mundo, faz-se necessário e urgente o estímulo às iniciativas que promovam inclusão social pelas vias da educação e do trabalho, aos segmentos que se encontram em situação mais desfavorecida, entre eles o das mulheres, que estatisticamente são cada vez mais as responsáveis pela manutenção das famílias, participando ativamente da composição da renda familiar (IBGE, 2010). Nesse sentido, entende-se que a educação profissional funciona como um instrumento de mudança, contribuindo para o desenvolvimento humano e social do indivíduos envolvidos, além de minimizar as desigualdades e prover conhecimento necessário à inclusão no mundo do trabalho. Ao falar no desenvolvimento humano, sabe-se que nele também está inserido o processo de formação da consciência e é a partir do alargamento desta que o indivíduo se reconhece como cidadão, parte de uma política social, econômica, cultural, religiosa e educacional entre outros. Paulo Freire (2002, p.56) afirma que “na medida em que os seres humanos atuam sobre a realidade, transformando-a com seu trabalho, que se realiza de acordo como esteja organizada a produção nesta ou naquela sociedade, sua consciência é condicionada e expressa esse condicionamento através de diferentes níveis”. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2001 Assim, o indivíduo encontra recursos, através da perspectiva educacional, consolidando as bases de sua subjetividade e permitindo desenvolver suas potencialidades e o vislumbre de horizontes mais distantes da realidade que lhe fora imposta. Desta maneira, segundo Brandão (1995, p. 26), a educação se constitui, portanto, em “um meio de produção de poder da sociedade civil e, através dele, um caminho de conquista de participação ativa e consciente dos rumos da sociedade”. Diante do processo de convivência social, de sua sobrevivência e afirmação, na sua relação com a natureza e com os demais seres humanos, o indivíduo constrói o conhecimento, processa a educação, aprende e desenvolve suas capacidades. O movimento cooperativo, segundo Schneider (1999) relaciona a educação como princípio histórico fundamental do processo de organização e funcionamento de uma cooperativa, desde a experiência cooperativa Rochdale, iniciada em 1844, na Inglaterra. É possível, portanto, apontar para uma relação histórica entre práticas cooperativas e educação. O associativismo e o cooperativismo são processos construtores de enlaces sociais, admitindo responsabilidades e apelos históricos de ampla dimensão "não apenas por razões de competitividade econômica, mas também sob a pressão de uma verdadeira urgência social” (LÉVY, 2007, p. 42-43). Nessas circunstâncias, além da importância da qualificação técnica, “impõe-se à educação como sua tarefa essencial a construção da cidadania” (SEVERINO, 2005, p. 149). No movimento cooperativo a educação é tida “como mola-mestra de geração de novas potencialidades e habilidades a serem adquiridas pelos indivíduos” (GOHN, 2005, p. 73). Admite-se, portanto, que a Educação Cooperativa contribui para a conscientização e valorização do ser humano, pois se concentra na formação de pessoas mais solidárias, justas, democráticas, capazes de situar o interesse da coletividade ao mesmo nível de importância do interesse individual e familiar. Segundo Ferrinho (1985), “A Educação Cooperativista” é um processo permanente de desenvolvimento integral e cooperativo das pessoas, ensejando a autocapacidade para a geração de conhecimento e de poder, de viabilizar condições de progresso, formando um verdadeiro conjunto orgânico, onde as diferenças individuais são úteis para o desenvolvimento do próprio grupo”. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2002 Assim, com base no tema abordado, formula-se a questão norteadora para o presente estudo: qual a contribuição do ensino da educação cooperativista para as mulheres beneficiárias do Projeto Mulheres Mil, do IFCE Campus Iguatu? Diante deste cenário, a presente pesquisa teve como objetivo inserir a educação cooperativista no âmbito do Mulheres Mil e refletir sobre a percepção acerca da sua contribuição para o sucesso profissional e melhoria na condição socioeconômica das mulheres participantes, no IFCE, Campus Iguatu. 2. Procedimentos metodológicos O presente trabalho foi elaborado utilizando-se de pesquisa bibliográfica sobre o objeto de estudo, através de coleta de dados em livros, revistas especializadas, artigos científicos e bancos de dados disponíveis na Internet. Além disso, constou de um estudo de caso para atender aos objetivos determinados no trabalho realizado, que, conforme Gil (2007) consiste em um estudo profundo que permite um amplo e detalhado conhecimento do objeto estudado. A pesquisa aconteceu durante os meses de fevereiro a junho de 2013. Inicialmente, houve pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema em questão. Em seguida, procedeu-se com a realização das oficinas de capacitação, que ocorreram no mês de abril de 2013, provocando a inserção da educação cooperativista no composto curricular do projeto Mulheres Mil. Posteriormente, foram realizadas as entrevistas, por meio de formulário semiestruturado, envolvendo 20 alunas do Projeto Mulheres Mil do IFCE, campus Iguatu, que pretendeu responder a questões sobre a educação aplicada ao conceito de cooperativismo, com um enfoque quanti-qualitativo. Alvarenga (2010, p. 9) diz que o enfoque quantitativo trabalha com amostras probabilísticas, cujos resultados têm possibilidade de generalizar a população em estudo. Segundo Alvarenga (2010, p.10), o paradigma qualitativo “tenta descrever e compreender as situações e os processos de maneira integral e profunda, considerando inclusive o contexto que envolve a problemática estudada”. Portanto, essa pesquisa teve um enfoque misto ou quali-quantitativo de nível descritivo, com a finalidade de analisar a sistemática da evolução das alunas do Projeto III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2003 Mulheres Mil de uma instituição pública do Nordeste brasileiro, além de possibilitar a potencialização das ações de ensino-aprendizagem do cooperativismo. 2.1. Universo e amostra Segundo Lavado; Castro (2001) população ou universo diz respeito a um conjunto de todos os elementos onde, cada um deles, apresenta uma ou mais características em comum. Quando se extrai um conjunto de observações da população, ou seja, toma-se parte desta para a realização do estudo, tem-se a amostra. A população alvo para a participação das oficinas de capacitação de Cooperativismo e Associativismo constitui as 50 mulheres atendidas pelo projeto Mulheres Mil do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Campus Iguatu. No total, foram entrevistadas 20 alunas que se disponibilizaram a participar, constituindo portanto a amostra do estudo. Tanto a participação na oficina como a colaboração com a realização da pesquisa foi voluntária, garantindo o anonimato das alunas, sendo as mesmas tratadas ao longo do trabalho por suas iniciais. 2.2. Coleta de dados e Análise das Informações Segundo Zentgraf (2003), a realidade pode ser investigada sob os mais variados aspectos, em diferentes níveis de profundidade e com diferentes objetivos. De acordo com as especificações anteriores, esta pesquisa trabalhou com entrevista semi-estruturada, objetivando ver, analisar e ordenar as informações obtidas na perspectiva de comprovar ou refutar as hipóteses que norteiam o presente objeto de estudo. Para a análise das informações foi utilizado o método foi da Análise de Discurso (AD), cuja transcrição se constrói as categorias de análise, e concordando com Orlandi (2001), na AD procura-se compreender a língua fazendo sentido, inserindo aquele discurso no seu contexto. Gil (2007) complementa dizendo que o discurso não ocorre em um vácuo social, ele é construído para nos ajustarmos a um determinado contexto, portanto ele é circunstancial. Por evidenciar a relação entre o indivíduo enunciador, como produtor de discursos, e seu contexto sócio-histórico e cultural, ou seja, o seu lócus de produção do discurso, a AD permite compreender em profundidade a realidade social, manifestada pela formação discursiva através de discursos individuais (CAREGNATO e MUTTI, 2006). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2004 3. Resultados e Discussões 3.1 Perfil das Participantes da Pesquisa O diagnóstico socioeconômico das participantes foi um momento de grande importância, pois possibilitou o conhecimento do nível de inclusão/exclusão social das alunas selecionadas, considerando-se vários quesitos, como: escolarização, renda familiar, acesso a programas sociais, expectativas, entre outros. Tal instrumento visou à identificação da situação familiar de cada participante. Do perfil socioeconômico das mulheres participantes do Projeto Mulheres Mil, turma Panificação e Confeitaria, IFCE Campus Iguatu, destacam-se as seguintes características: Gráfico 1 – Faixa-etária das Alunas Participantes Faixa-etária das participantes 10 9 8 8 6 4 3 2 0 20 a 30 anos 31 a 40 anos 41 a 50 anos De acordo com o gráfico 1, a maioria das alunas está compreendida em uma faixaetária de 20 a 40 anos de idade, o que está de acordo com as políticas de seleção do público de interesse do programa, que seleciona mulheres com idade entre 18 e 65 anos, preferencialmente (BRASIL, 2011). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2005 Gráfico 2 – Ocupação das Alunas Participantes Ocupação das Participantes 12 11 10 8 6 4 3 2 2 1 1 1 1 0 Doméstica Autônoma Lavadeira Dona de Casa Merendeira Voluntária Não informado O gráfico 2 aponta para uma maioria de “donas de casa” participantes do programa. Tal fato fundamenta e justifica a necessidade de existência do projeto Mulheres Mil para alcançar a finalidade de proporcionar a inserção destas mulheres no mercado de trabalho, aumentando sua auto-estima e melhorando suas condições de vida de uma maneira geral. Para isso, também a educação cooperativista surge como alternativa de transformação social e econômica da realidade destas mulheres. Gráfico 3 – Renda familiar das Alunas Participantes Renda Familiar 10 8 9 7 6 4 2 2 2 0 De meio até 1 salário mínimo Não informado Até meio salário-mínimo De 1 a 2 salários mínimos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2006 De acordo com o gráfico 3, a renda familiar da maioria das alunas é de até 1 (um) salário mínimo. Gráfico 4 – Benefícios do Governo Federal recebidos Benefícios do Governo Federal 14 13 12 10 8 6 6 4 1 2 0 Bolsa família Não recebe Não informado No gráfico 4 é possível perceber que a maioria das participantes do programa recebe o benefício social do Governo Federal, Bolsa Família. Deste modo, torna-se visível que tal benefício compõe a renda familiar das mulheres e corrobora com a iniciativa do projeto Mulheres Mil, que emerge como fortalecedor da política de inclusão social e econôica dessas mulheres, permitindo-lhes, melhorar o seu potencial de empregabilidade, qualidade de suas vidas, de suas famílias e de suas comunidades. 3.2 Categorização das Falas das Participantes De acordo com a entrevista realizada, foi possível construir 3 (três) categorias: 1. Entendimento sobre cooperativismo 2. Contibuição do cooperativismo para o sucesso profissional 3. Perceção de melhoria da condição socioeconômica por meio da atividade cooperativista III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2007 Com relação à categoria 1, que trata do entendimento sobre cooperativismo, as respostas obtidas foram: “É um grupo de pessoas que se unem para trabalhar, gerar renda, sendo todos com as mesmas expectativas e com os mesmos objetivos” (TDMS). “É uma sociedade de no mínimo 20 pessoas físicas, com interesse comum economicamente” (FGS). “Uma sociedade, um grupo de pessoas com interesse comum e economicamente organizada” (ND). “É um grupo de pessoas reunidas em um único objetivo, trabalhar e gerar rendas para a comunidade” (FSS). “É um meio de trabalho para a comunidade” (NA). “Entendo que através de uma cooperativa, surgem algumas oportunidades que quando sozinho não conseguiria. Para mim é algo bom, uma oportunidade de ser patrão em vez de empregado, ou seja, ser mais independente. Cooperativismo é um conjunto de pessoas unidas num só propósito” (NID). “Cooperativismo é um tipo de associação” (MA). “É uma oportunidade para a pessoa.” (NC). “É uma estrutura onde pessoas se organizam para o trabalho, com vários membros, onde irão melhorar seus estilos de vida, podendo ter a sua própria empresa estruturada.” (NG). “Eu acho que é desenvolvimento para ajudar as pessoas que precisam na sua comunidade.” (FFNM). “É um grupo de pessoas que se unem para conseguir um só objetivo” (NCA). “Um grupo de pessoas unidas para melhorar a vida da sua comunidade” (AA). “Cooperativismo é a busca pelo desenvolvimento” (NCN). “É um grupo de pessoas que se reunem para trabalhar” (MLR). Conforme pode ser percebido, as entrevistadas foram unânimes em entender o cooperativismo como um processo de organização para o trabalho em prol de alcançar objetivos comuns, tendo em vista a geração de renda e melhorias para a comunidade. Tal afirmação corrobora com o pensamento de Singer (2000) que afirma ser a cooperação uma forma de integração social, na qual as pessoas se unem para alcançar o mesmo objetivo, sendo uma boa estratégia para legitimar social e legalmente aqueles que estão à margem da sociedade. Na categoria 2, que aborda a contibuição do cooperativismo para o sucesso profissional, as participantes da pesquisa afirmaram: “Contribui e muito para ter uma boa vida” (NI). “Melhora as condições socioeconômicas da comunidade e da família” (ND). “Acho muito importante, mas também muito difícil, pois as pessoas pensam diferente e acaba não dando certo a união” (FSS). “Permite trabalhar e prosperar, ser dona da empresa” (ES). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2008 “Contribui para conhecer o desenvolvimento em cooperativa, ter mais educação, mais desenvolvimento social e econômico” (NCN). “Contribui para abrir um negócio de artesanato” (NA). “É importante financeiramente, ou seja, juntos podemos mais; pelo companherismo, não estou só diante dos obstáculos que poderão surgir; e, para conseguir aquilo que quero, em conjunto com outras pessoas, no mesmo propósito” (NID). “É importante pois posso colocar um projeto em prática, aumentar minha renda e melhorar ainda mais meu saber” (MA). “Contribui como oportunidade de emprego” (NC). “É importante porque se aprende a trabalhar em grupo, tendo assim uma boa organização de vida melhor para nossas famílias” (NG). “Uma boa ajuda para quem exerce o trabalho em casa mesmo” (FFNM). “Contribui para o sucesso profissional no geral e aprendizagem de relacionamento com outros, em grupo, a respeitar a opinião dos outros” (NCA). “É muito importante para o sucesso profissional meu, como também das pessoas que participam” (AA). “É importante demais, porque ensina como começar em um trabalho, manter uma empresa, com mais união e organização” (NCN). “Contribui pois constitui uma sociedade justa, livre, fraterna e democrática” (MLR). A respeito da categoria 3, em que se busca observar a percepção de melhoria da condição socioeconômica por meio da atividade cooperativista, as entrevistadas responderam de maneira afirmativa à indagação. Dentre as respostas, estão: “Sim, tenho capacidade de melhor minha condição socioeconômica, mas preciso de mais preparo” (TDMS). “Sim, ajudando a todos na melhoria de vida” (NI). “Sim, procurando mostrar interesse e disponibilidade para as pessoas e com o trabalho que está sendo feito” (ND). “Sim. Podemos melhorar bastante, com persistência e iniciativa. É fazer um bom desempenho que dá certo.” (FSS). “Eu acredito que sim e confio no meu talento” (ES). “Sim, pode melhorar e eu gostaria de montar uma cooperativa com minha família”(NCN). “Sim, desde que todos sejam unidos e organizados” (NA). “Sim, podemos empregar vários jovens que não têm o que fazer e eles no futuro podem ser pequenos empresários” (NID). “Sim. Posso melhorar a condição de uma vida melhor” (NG). “Sim, como uma boa ajuda em dinheiro e desenvolvendo meu trabalho” (FFNM) “Sim, junto com outras pessoas fica mais fácil melhorar de condição” (NCA). “Sim, acredito” (AA). “Sim, melhora mais a vida” (NCN). “Sim, poderemos melhorar muito” (MLR). Como se pode observar nos relatos das entrevistadas, a atividade cooperativista é tida como importante fator para melhorar a condição socioeconômica da entrevistada e sua família. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2009 4. CONCLUSÃO O estudo realizado enfatiza a percepção de 20 alunas participantes do Projeto Mulheres Mil, no IFCE, Campus Iguatu, especificamente quanto à contribuição do cooperativismo à atuação profissional e ao desenvolvimento humano, econômico e social. Evidenciando-se os dados da literatura pesquisada e correlacionando com o levantamento realizado, pode-se concluir que os resultados indicam não apenas a possibilidade de inclusão social produtiva das mulheres, mas também a ressignificação de suas vidas, gerando expectativa de um futuro melhor e atuando como divulgadoras dos benefícios adquiridos pelo curso, fazendo com que outras mulheres sintam-se encorajadas a percorrerem caminhos semelhantes. Com os relatos da pesquisa, foi possível perceber que as mulheres desenvolveram a autoconfiança, vislumbrando oportunidades de se apropriar do saber e assumir uma postura de sujeito da sua própria vida, bem como um maior fortalecimento dos vínculos comunitários. Neste sentido, a importância deste projeto está, principalmente, na oportunidade da qualificação para o mercado de trabalho, no crescimento pessoal e profissional, na socialização com os colegas e professores, o que, de certa forma, vai ajudar a inserção dessas pessoas, com mais facilidade, no mercado de trabalho ou na criação do seu próprio negócio. O Mulheres Mil no IFCE, Campus Iguatu, tem grande valor para a sociedade, como demonstram as alunas selecionadas para dele participarem. Isso porque elas passaram a apresentar uma nova concepção de mundo, como mulheres transformadoras de conhecimento, pessoas motivadas e esperançosas. Neste contexto, conclui-se pela importância da educação cooperativa como elemento parte do processo de qualificação das mulheres, que viabiliza a inserção no ambiente educacional e, principalmente, como alternativa para o ingresso no mercado de trabalho, geração de renda e melhoria da condição socioeconômica, por meio da atividade cooperativa. 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Foram estimados dois modelos empíricos sendo uma regressão múltipla e um modelo logit. Os resultados apontaram que o desempenho do aluno no ensino médio impacta de forma positiva na nota de entrada. Por outro lado, alunos de escola pública têm notas de entrada menores. Não foram encontradas diferenças significativas em função da raça e sexo. Nos determinantes do desempenho acadêmico foi evidenciada a maior probabilidade de ter reprovação para os alunos com baixo desempenho no ensino médio e aqueles que cursaram o ensino médio em escola pública não havendo diferença significativa entre gênero, sexo e raça. Um aspecto positivo é a eficiência do Programa de Monitoria, haja vista que os alunos que participam têm menor probabilidade de ter reprovação. Assim, os resultados sugerem que a implantação e ampliação da política afirmativa de criação de cotas para entrada nos cursos da UFC-CARIRI deve priorizar os alunos provenientes de escolas públicas a despeito de raça, renda e sexo. Observou-se, também a necessidade de adoção de políticas complementares à criação de cotas para que os alunos das escolas públicas possam ter melhor desempenho na sua formação acadêmica. Os resultados, contudo, devem ser vistos com cautela, haja vista que a universalização do sistema de cotas como recomendado pelo MEC pode mudar os resultados. Palavras-Chave: Políticas afirmativas, Política de cotas, UFC-CARIRI, Curso superior, Desempenho acadêmico. 1. INTRODUÇÃO Após a aprovação de uma lei que institui o sistema de cotas para ingresso nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas a Universidade Federal do Ceará Campus Cariri iniciou a implantação a partir de 2013. 137 Professor Associado do Curso de Economia da URCA. Doutor em Economia pelo PIMES-UFPE. [email protected] 138 Graduanda do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) de Crato – CE. Bolsista da FUNCAP. [email protected] 139 Graduanda do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) de Crato – CE. Bolsista da URCA. [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2013 Para Pereira et al. (2010) apesar do debate sobre a implantação das cotas raciais em instituições de ensino tenha evidência na atualidade, alguns estudos apontam que não foram elaboradas pensando na população negra, mas tiveram sua origem em países do oriente, nas sociedades divididas por castas, como Índia e China. O sistema de cotas faz parte de Políticas Afirmativas quando se pretende corrigir alguma distorção entre grupos na sociedade. No caso específico das cotas para ingresso nas IES tem sido argumentada pela dificuldade que os alunos das escolas públicas associada a outras características étnicas e econômicas têm para ter acesso. Debates calorosos foram feitos antes da promulgação da Lei. O debate não se estendeu por muito tempo como gostariam àqueles que se posicionam contra. Contudo, o governo Federal acelerou o processo e contando com maioria no congresso conseguiu a sua aprovação. Algumas questões foram levantadas para direcionar os debates. Uma delas questionava que a pouca participação de alunos de escolas públicas, negros e estudantes de famílias de baixa renda seria em virtude da pouca quantidade de vagas ofertadas pelas IES públicas comparada ao total de vagas nas IES no Brasil. Nesse sentido, a partir de 2008 o governo acelerou a criação de vagas nos cursos existentes e a criação de novos cursos e novas Universidades e Institutos Federais de Educação Técnica. A argumentação dos que se posicionam a favor da lei das cotas é que a escola pública não está preparando adequadamente os seus alunos para que estes possam concorrem com as mesmas chances de ingressarem nos cursos de graduação das Universidades Públicas e, que, por isso, precisariam de um mecanismo para tornar mais equitativo as oportunidades. A questão é que com esta argumentação estaria deixando o mérito da competência para ingresso nas IES públicas para uma parcela das vagas destinadas aos cotistas enquanto durasse o período da política de cotas que seria aumentado progressivamente e após um determinado período seria extinto. Tem-se argumentado, por exemplo, que o Governo Federal tem designado grande volume de recursos para conceder bolsas para alunos de baixa renda ter acesso às faculdades privadas de qualidade duvidosa. Assim, estes recursos poderiam ter sido destinados à concessão de bolsas para alunos da rede pública cursarem bons colégios e competir em igualdade de condições com alunos de famílias de maior renda não afetando o desempenho dos alunos da IES públicas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2014 Além da questão do ingresso, outra questão tem sido levantada e explorada na literatura que é o desempenho dos alunos cotistas assim como a sua permanência ao longo da sua formação acadêmica. Assim, estudos que abordem esta temática identificando os determinantes do desempenho escolar e acadêmico ajudam na compreensão do problema e dá suporte para criação de políticas complementares visando manter os alunos cotistas nos seus respectivos cursos até a conclusão, bem como tendo desempenho igual ou superior ao dos alunos provenientes das escolas privadas. Nesse sentido este artigo faz um estudo de caso que tem como objetivo identificar os determinantes da nota de entrada nos cursos de graduação da UFC-CARIRI e identificar os fatores determinantes do desempenho acadêmico. Este trabalho contribui para o debate da problemática das políticas afirmativas ao identificar simultaneamente os fatores que determinam a entrada e o desempenho dos alunos durante a sua graduação por meio de modelos empíricos, antes da efetivação e da ampliação do sistema de cotas pela respectiva UFC-CARIRI que passará a ser Universidade Federal do Cariri (UFCA). Além desta introdução o artigo tem mais três seções. A segunda seção faz-se uma fundamentação teórica. Na terceira seção é apresentada a metodologia. A quarta seção apresentam-se os resultados e finalmente a última seção têm-se as conclusões. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA De acordo com o IPAE (2010) entende-se por sistema de cotas uma medida governamental que cria uma reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para determinados segmentos sociais. Esta medida é considerada uma forma de ação afirmativa, segundo conceito surgido nos Estados Unidos na década de 1960. No Brasil o assunto vinha sendo debatido amplamente, sem um posicionamento final do Legislativo Federal e do Judiciário Federal. Há leis estaduais e decisões monocráticas e de Tribunais de Justiça, mas sem que existisse a deliberação final do Supremo que aconteceu em 2012 com decisão favorável à criação do sistema de cotas. Do ponto de vista político o sistema de cotas é visto como uma possibilidade de superação das desigualdades socioeconômicas e é imposta como uma das metas de qualquer sociedade que aspira a uma maior equidade social. Haja vista os problemas sociais. algumas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2015 alternativas são propostas para atenuação de desigualdades que mantém em condições díspares cidadãos de estratos distintos. Uma das alternativas pensadas é o sistema de cotas que visaria a acelerar um processo de inclusão social de grupos à margem da sociedade. Para o IPAE (2010) o conceito de cotização de vagas aplica-se às populações específicas, geralmente por tempo determinado. Estes grupos populacionais podem ser grupos étnicos ou raciais, classes sociais, imigrantes, deficientes físicos, mulheres, idosos, dentre outros. A argumentação para este sistema de cotas é que certos grupos específicos, em razão de algum processo histórico depreciativo teriam maior dificuldade para aproveitarem as oportunidades que surgem no mercado de trabalho com melhor remuneração em virtude da maior escolaridade, bem como seriam vítimas de discriminações nas suas interações com a sociedade. Na constituição brasileira de 1988 já continha cota para acesso a concursos públicos para deficientes físicos de acordo com o Artigo 37 (Capítulo VIII). Com o passar do tempo outros grupos sociais passaram a reivindicar a cotização para garantir uma participação mínima em certos setores da sociedade a exemplo das Universidades Públicas. Segundo IPAE (2010) nas universidades públicas a adoção de reserva de vagas começou em 2000, com a aprovação da lei estadual 3.524/00 de 28 de dezembro de 2000. Esta lei garante a reserva de 50% das vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, para estudantes da rede pública municipal e estadual de ensino. A lei passou a ser aplicada no vestibular de 2004 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Já a lei 3.708/01 de 2001 institui o sistema de cotas para estudantes denominados negros ou pardos, com percentual de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passou a ser aplicada no vestibular de 2002 da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais como a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) também aderiram a este sistema, tendo como critérios os indicadores socioeconômicos. ou a cor ou raça do indivíduo. De acordo com o IPAE (2010) o sistema de cotas é considerado uma medida polêmica, gerando debates fervorosos na academia. Esta medida divide opiniões, embora seja um consenso de que algo deva ser feito para diminuição das desigualdades entre os cidadãos e grupos sociais. Alguns argumentam que o problema é de base e que atacar as consequências não resolve o problema. apenas cria outro. No que diz respeito às contradições do sistema de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2016 cotas de cunho racial diz respeito à institucionalização do racismo. Criada por lei a distinção de etnias pode agravar o racismo. Por outro lado tem a questão da autodeclaração da cor para fins de receber o benefício. A implantação de uma lei de cotas ou quaisquer ações afirmativas 140 deve ter em mente que a sua aplicabilidade e seus possíveis ônus e bônus deve ser por um tempo determinando. Antes da criação da lei de cotas algumas Universidades Públicas implantaram um sistema de programas de ação afirmativa: Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Universidade Estadual de Montes Claros. Universidade de Brasília. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Universidade Estadual do Norte Fluminense. Universidade Federal do Acre. Universidade Federal de Alagoas. Universidade Estadual da Paraíba. Universidade Federal da Bahia. Universidade Federal do Espírito Santo. Universidade Federal do Maranhão. Universidade Federal do Pará. Universidade Federal da Paraíba. Universidade Federal do Paraná. Universidade Federal de Pernambuco. Universidade Federal do Piauí. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Universidade Federal de Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Maria. Universidade Federal de São Carlos. Universidade Federal de Sergipe. Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. IPAE (2010). Segundo o PNAE (2010) para o Conselho de Representantes da CONFENEN a posição da entidade quanto às reservas de vaga e cotas nas IES assemelha-se a “dar um prato de comida para quem tem fome ao invés de dar um emprego”. Para eles estão atacando os efeitos e não removendo as causas que são escolas públicas deficientes e pobreza. O privilégio das cotas é um atestado de que a escola pública de educação básica. Assim, o sistema de cotas derruba o mérito e despensa tratamento desigual. Em meio a estas controvérsias em 2012, segundo o MEC (2013) o Governo Federal conseguiu aprovar a Lei de cotas. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012 e garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino 140 Ação afirmativa é “qualquer política que, operando com o critério de discriminação positiva, vise favorecer grupos socialmente discriminados por motivo de sua raça, religião, sexo e etnia e que, em decorrência disto, experimentam uma situação desfavorável em relação a outros segmentos sociais” (AMARO, 2005, p. 74). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2017 médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. Segundo o MEC (2013) o Decreto nº 7.824/2012 define as condições gerais de reservas de vagas e sistematiza o acompanhamento das reservas de vagas e regra de transição para as IES. A Portaria Normativa nº 18/2012 do Ministério da Educação estabelece os conceitos básicos para a aplicação da lei. regulamente as modalidades para concorrer às vagas reservadas e sistematiza o preenchimento das vagas reservadas. De acordo com a lei 50% das vagas devem ser reservadas às cotas e serão divididas, sendo metade para estudantes oriundos de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a sum salário mínimo e meio per capita e a outra metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Nos dois casos será levado em consideração o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas em cada estado de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE. Para o MEC (2013) a Lei será implantada gradualmente. Em 2013 pelo menos 12.5% das vagas ofertadas deverão ser reservadas. O restante do percentual previsto em lei será gradual nos próximos quatro anos até atingir o limite estabelecido por lei. Durante o período de implementação da lei o MEC (2013) orienta os estudantes cotistas a disputar as vagas pelo critério de cotas e pelo sistema tradicional. Quando totalmente implantado aí vai ficar a critério de cada IES. O estabelecimento das cotas pelo critério racial será autodeclaratório, assim como ocorre no Censo Demográfico e em toda política de afirmação no Brasil. Já o critério de renda terá de ser comprovada por documentação. Em outra área de atuação o governo amplia a política de assistência estudantil. No ano de 2013 o Programa de Assistência Estudantil (PNAES) recebe reforço de R$ 600 milhões. Sowell (2004) examinou a aplicação de ações afirmativas em vários países e concluiu que apesar de todos os princípios, hipóteses e assertivas têm-se utilizado para respaldar os programas de ação afirmativa comuns a vários países outros mais peculiares. O fato notável é que raramente essas noções são empiricamente testadas, ou logicamente examinadas muito menos pesada em relação aos custos que muitas vezes se impõem. Apesar das afirmativas feitas em prol dos programas de ação afirmativa um exame das suas consequências reais torna difícil o apoio a tais programas ou mesmo dizer se esses programas foram benéficos ao III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2018 cômputo geral. A não ser que a afirmação de que qualquer quantidade de reparação social, por qual meio que seja, vale o vulto dos custos e perigos por maiores que sejam. 3. METODOLOGIA 3.1 Natureza e Fonte dos Dados Neste artigo trabalhou-se com dados primários obtidos através da aplicação de questionários com os alunos da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri (UFCCARIRI) no período de 9 do mês de abril a 18 do mês de junho de 2013. Antes da aplicação dos questionários definitivos foram aplicados questionários pilotos onde se notou a necessidade de fazer ajustes em algumas perguntas. A amostra foi calculada com base na população estudantil fornecida pela IES seguindo a fórmula de amostragem expressa por: Considerando-se um erro de estimação de 5% (E=0,05), a abscissa Z=1,645, ao nível de confiança de 95% e p = q = 0,5, obteve-se um tamanho da amostra (n) igual a 225. 3.2 Caracterização da Área de Estudo Segundo a UFC-CARIRI (2013) o Conselho Universitário (CONSUNI) aprovou a criação do Campus Cariri através do Programa de Expansão do Sistema Federal de Educação Superior no dia 22 de novembro de 2005 juntamente com o campus da Região Norte. O objetivo era seguir a missão da IES de disseminar um padrão de qualidade para o ensino superior no estado do Ceará. Desta forma a UFC esperava contribuir para o desenvolvimento econômico e social de forma includente, permitindo que no futuro o Campus Cariri pudesse ser transformado em uma universidade como aconteceu em 2013 com a criação da UFCA. No Campus Cariri foram ofertados os cursos de Administração. Biblioteconomia. Engenharia Civil. Filosofia. Comunicação Social (Jornalismo). Engenharia de Materiais. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2019 Educação Musical e Design do Produto no Município de Juazeiro do Norte. o curso de Medicina em Barbalha e o curso de Agronomia no Município de Crato. Além dos cursos de graduação a IES conta com um curso de mestrado em Desenvolvimento regional. Está em implantação o Programa de Pós-Graduação em Agropecuária do Semiárido e funciona também, o Programa de Residência Médica em Barbalha. Existe plano para criação de novos cursos de graduação nos três municípios e no município de Brejo Santo no Cariri Oeste e de novos cursos de mestrado e Doutorado. Os municípios sede dos cursos estão localizados na Região Metropolitana do Cariri. A tabela 1 traz alguns indicadores da Região Metropolitana do Cariri. A Região Metropolitana do Cariri é composta por nove municípios. O mais populoso é Juazeiro do Norte e o de menor população é o de Nova Olinda. Juazeiro do Norte também se destaca por apresentar o maio PIB per capita, maior número de trabalhadores formais e a menor área. O município de Nova Olinda apresenta a menor taxa de mortalidade infantil. O segundo município de maior expressão populacional e econômico é o município de Crato seguido pelo município de Barbalha. Não diferente da realidade brasileira percebe-se uma desigualdade intrarregional. O PIB per capita de Santana do Cariri representa menos de 40% do PIB per capita de Juazeiro do Norte. Tabela 1 Indicadores socioeconômicos da Região Metropolitana do Cariri Municípios População Residente em 2010 PIB per capita em 2008 Barbalha Caririaçu 55.323 26.393 121.428 Crato Farias Brito Jardim Juazeiro do Norte Missão velha Nova Olinda Área absoluta km² Nº de trabalhadores formais (2010) 5.528 2.877 5.569 Taxa de Mortal./ por 1000 nascidos vivos 17.44 22.39 21.56 479.18 623.82 1.009.20 7477 1941 16.440 19.007 26.688 249.9 3.021 3.128 8.060 16.56 18.44 13.59 503.7 651.11 248.55 1.203 2.013 39.503 34.274 3.316 20.54 651.11 2.068 14.256 3.409 7.60 284.40 1.410 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2020 Santana do Cariri Total 17.170 3.151 28.57 768.77 1.155 564.439 38.059 18.52 602.703 72.055 Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IPECE (2011). 3.3 Descrição das variáveis Na estimação dos modelos econométricos foram utilizadas as seguintes variáveis de acordo com o quadro 1. Quadro 1 Descrição das variáveis Variável Sexo Idade Raça Riqueza Escolapública Notadeentrada Notanoensinomédio Ira Semestre Turno Renda Escolaridadepai Escolaridademãe Descrição Dummy que assume valor se homem Variável contínua em anos Dummy que assume valor 1 se branco de acordo com a autodeclaração da cor Variável construída com base nas informações de posse de moradia, automóvel, eletrodoméstico, computador, telefone, acesso a internet Dummy que assume valor 1 se o estudante cursou o ensino médio em escola pública Variável contínua da nota de entrada no vestibular Variável contínua por faixas de rendimento de acordo com a autodeclaração de desempenho no ensino médio Variável contínua por faixa de acordo com a autodeclaração de desempenho acadêmico Variável contínua de acordo com o semestre cursado Turno frequentado 1 se manhã e 2 se noite Variável contínua por faixa de renda em Salário Mínimo Variável contínua por faixa de escolaridade Variável contínua por faixa de escolaridade 3.4 Modelos Empíricos A fim de atender os objetivos serão estimados dois modelos empíricos. O primeiro é um modelo de regressão múltipla expresso da seguinte forma: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2021 Yi =β1 +β2X2i +...+βk Xki +u i (1) Onde Yi é a variável dependente, β1 a β k são os parâmetros a serem estimados, X 2i X ki são as variáveis explicativas, u i é a perturbação estocástica. O segundo é o modelo Logit que tem como base uma função logística de probabilidade acumulada definida como: ) Considera-se (2) , uma variável binária entre sucesso ou fracasso do evento se: (3) A esperança condicionada de é definida da seguinte forma: (4) A função pode ser observada como a probabilidade condicionada de assumir o valor 1, para certo valor dentro do intervalo (0,1). Dito de outra forma: (5) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2022 A estimação do logit é feita através do método máxima verossimilhança. Freeman III (2003) define-se a função a verossimilhança: (6) A estimação do vetor deve maximizar esta função. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 Evidências sobre o Ensino Universitário no Brasil Segundo o MEC (2013) o número de cursos de graduação presencial no Brasil passou cerca de cinco mil em 1991 para mais de trinta mil em 2011 conforme pode ser visto no gráfico 1. Esta expansão se deu de forma mais acentuada a partir de 1988. A expansão se deu em grande parte pelo aumento da oferta de cursos pelas faculdades e universidades privadas. O número de cursos ofertados pelas universidades estaduais e municipais quase não se altera ao longo da série. Já a oferta de cursos de graduação nas Universidades públicas tem um ligeiro aumento a partir de 2008 com pela criação de novos cursos. criação de novos campi universitários e da criação de novas universidades federais especialmente no interior. Gráfico 1 Número de cursos de graduação presencial no Brasil por dependência administrativa:19912000. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP (2013). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2023 Simultaneamente à expansão do número de cursos de graduação presencial no Brasil tem-se o crescimento no número de alunos matriculados. No gráfico 2 é possível observar que a quantidade de alunos matriculados em cursos de graduação presencial passou de menos de dois milhões em 1991 para cerca de seis milhões em 2011. Deste volume cerca de quinhentos mil são matriculados nas Universidades Federais. A grande maioria dos graduandos está na rede privada. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2024 Um dos fatores para explicar a grande fatia do mercado universitário nas faculdades privadas se dá pelo aumento da renda per capita média no Brasil ao longo deste período o que aumenta a possibilidade do brasileiro em pagar uma mensalidade de uma faculdade privada. Este movimento é reforçado pelo aumento do crédito assim como da diminuição dos juros da taxa SELIC que obrigou os grandes bancos privados a buscarem novos produtos bancários e um deles tem sido o crédito para financiamento universitário. É possível financiar um curso universitário pagando as prestações com o dobro do prazo do curso o que faz diminuir o valor da mensalidade e permite que mais pessoas possam ter acesso a um curso superior. Tem também a política de concessão de bolsas pelo governo federal através do PROUNI141 e o crédito educativo com taxas de juros e prazos diferenciados e o FIES142. Finalmente o crescimento da oferta de cursos tem aumentado a concorrência entre as faculdades e refletido na diminuição dos valores das mensalidades em algumas cidades. Gráfico 2 Número de matrículas na graduação presencial no Brasil por dependência administrativa: 1991-2010. Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP-MEC. 141 Segundo o MEC (2013) é um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal em 2004, que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros, sem diploma de nível superior. É voltado para - Estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsistas integrais da própria escola; estudantes com deficiência e professores da rede pública de ensino do quadro permanente que concorrerem a cursos de licenciatura. 142 Para o MEC (2013) é o Fundo de Financiamento Estudantil e é voltado para o candidato que contemplado com uma bolsa de 50% não possa pagar a outra metade da mensalidade. Para isso, é necessário que a instituição para a qual o candidato foi selecionado tenha firmado Termo de Adesão ao Fies e ao Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2025 A tabela 2 traz a estatística descritiva das variáveis utilizadas na análise. Observa-se do total de alunos pesquisados metade é de homens e metade de mulheres. Cerca de 38% apenas estuda. A idade média é 21.56 anos. A idade mínima é de 16 e a máxima é de 59 anos. 65.33% se autodeclaram como brancos. Em média a escolaridade dos pais é o fundamental incompleto e da mãe o fundamental completo. Para cerca de 18% a família recebe algum benefício social. A renda média da família e é de aproximadamente R$1.200.00. Em relação à formação no ensino médio 64% concluíram em escola pública. Já em relação ao desempenho no ensino médio os alunos declaram que em média obtiveram resultado entre 7.5 a 8.5. Na média os alunos estão cursando o quarto semestre. A nota média de entrada foi de 663.33 pontos com a mínima de 437 e a máxima de 900 pontos. A reprovação é de 0.69 com a mínima de zero. Ou seja, tem aluno sem nenhuma reprovação até o máximo de 7 reprovações. Na média os alunos cursaram 19.3 disciplinas com mínimo de 3 e máximo de 46. O número médio de avaliações finais é de 2.2 com mínimo de o e o máximo de 28. O índice de rendimento acadêmico médio é de 2.25. Aproximadamente 15% dos alunos já fizeram ou estão fazendo monitoria. Tabela 2 Estatística descritiva das variáveis Variável Média Desvio padrão Mínimo Máximo Sexo 0.50667 0.5010 0 1 Estuda 0.3866 0.4880 0 1 Idade 21.56 4.3122 16 59 Cor 0.6533 0.4769 0 1 Escolpai 3.1517 1.8422 0 7 Escolamae 3.808 2.0053 1 7 Bensocial 0.1777 0.3831 0 1 Renda 1.7733 0.9715 0 4 0.64 0.4810 0 1 Ensinomedio III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2026 Notaensmedio 2.6177 0.7592 1 4 Turno 1.4044 0.4918 1 2 Semestre 4.2977 2.047482 2 9 Notadeing 663.3692 73.7756 437 900 Reprovação 0.6977 1.1715 0 7 Cadeiracursadas 19.2933 11.8707 3 46 Ndeavfs 2.2533 3.3928 0 28 Ira 2.1377 1.0912 0 4 Monitoria 0.14666 0.3545 0 1 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa . Com o objetivo de identificar os possíveis determinantes da nota de ingresso dos alunos da UFC-Cariri143. Foi estimado o modelo de regressão múltipla seguindo a equação (1), cujo resultado encontra-se na tabela 3. A regressão múltipla foi estimada com erros padrões robustos à heteroscedasticidade por meio da técnica de Bootstrap utilizando os software Stata 11.2. Por meio da matriz de correlação foi detectado que a variável dummy de interação genenroriqueza possivelmente causaria multicolinearidade. Desta forma, suprimiu-se esta variável do modelo144. Entre as características individuais foram significantes os coeficiente da variável idade a 1% e a dummy de interação raçagênero a 5%. Assim, pelo sinal positivo do coeficiente da variável idade, tem-se que quanto maior a idade do candidato maior a nota de entrada. Tem-se também que há um efeito adicional no sentido de aumentar a nota de entrada para homens brancos. De forma isolada pela não significância das dummies de gênero e de cor,. não há diferença significativa na nota de entrada entre homens e mulheres e entre indivíduos brancos e não 143 Hoje Universidade Federal do Cariri (UFCA). Para não ficar entediante para o leitor, lembramos que na regressão múltipla o coeficiente de cada variável explicativa mede o efeito parcial desta na variável dependente tudo mais constante, isto é Coeteris paribus. 144 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2027 brancos. Por este resultado não haveria justificativa para a implantação de cota racial para ingresso na IES. No que diz respeito às características familiares a não significância do coeficiente da variável escolaridade do pai e da mãe, renda familiar e riqueza nada se pode afirmar sobre possíveis efeitos destas variáveis na nota de entrada apesar de todas apresentarem os sinais esperados. Este é um resultado importante na tomada de decisão da implantação de políticas afirmativas no ingresso na IES. Já em relação às variáveis relacionadas à formação escolar do candidato, tem-se um efeito positivo do desempenho escolar no ensino médio. Dito de outra forma, já que o coeficiente da variável desempenho no ensino médio foi significante a 1% e positivo, indica que quanto melhor o desempenho no ensino médio maior a nota de entrada atingindo em média quase 24 pontos a mais. por conseguinte aumentando a chance de entrada na Universidade. Este resultado é intuitivo e é utilizado por aqueles que se posicionam contra a criação de cotas ao afirmarem que o foco é no desempenho do aluno no ensino médio. Por outro lado. o sinal negativo da dummy que indica onde o candidato cursou o ensino médio foi significante a 1% e negativo. Ou seja, em média os alunos que cursaram o ensino médio em escola pública têm nota de entrada menor em quase 32 pontos. Os coeficientes da dummies que captam o fato do indivíduo ter feito cursinho pré-vestibular ou terem feito vestibular antes não foram significantes indicando que não há como identificar algum efeito destas características educacionais na nota de entrada do indivíduo a despeito dos sinais estarem de acordo com o esperado. O modelo consegue explicar 45% da variação da nota de entrada na IES e o teste de Wald valida o modelo. Ou seja, atesta que todas as variáveis explicativas em conjunto são importantes para explicar a variação da variável dependente. Tabela 3 Fatores determinantes da nota de entrada na UFC Variável dependente: Notadeing Variável Sexo Coeficiente Desvio padrão T Statisc -7.3119 16.2960 -0.45 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2028 Idade 2.5011** 1.37987 1.81 Raça -13.9425 14.0035 -1.00 Racagenero 37.2867* 17.6049 2.12 Escolpai 3.9688 2.7459 1.45 Escolamae 0.5301 2.5746 0.21 Renda 0.0035 0.0089 0.40 Riqueza -0.7368 1.2911 -0.57 Ensinomedio -31.2997* 11.5686 -2.71 Notaensmedio 23.7859* 6.96806 3.41 Fezprevest 0.4708 9.0179 -0.05 Vestbantes 0.5183 8.7824 0.06 Constante 556.8617* 52.47429 10.61 R2 = 0.45 Wald chi2(12) Prob > chi2 = 61.26 = 0.0000 Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa. Nota: * significante a 1%; ** significante a 5%. Em seguida foi estimado um modelo logit para identificar as características individuais. familiares e de formação escolar que determinam o desempenho do aluno ao longo do curso. A ideia aqui é verificar se os alunos que possivelmente se enquadrariam em políticas afirmativas teriam o mesmo desempenho durante a sua formação acadêmica. Ou seja, busca responder a indagação se os possíveis alunos cotistas teriam o mesmo desempenho acadêmico dos não cotistas durante a sua formação acadêmica. O resultado do modelo logit é apresentado na tabela 4. No que diz respeito aos coeficientes das variáveis que apreendem os possíveis efeitos das características pessoais: sexo, idade e raça na probabilidade de reprovação. não foram significantes. Ou seja, a idade não afeta a probabilidade de reprovação. Já que as dummies de sexo e raça também não foram significantes e isto indica que não há diferença na probabilidade de reprovação entre homens III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2029 e mulheres e nem entre brancos e não brancos. Desta forma a implantação de uma política de cotas baseado no critério de cor poderia não afetar o rendimento médio dos alunos da IES. Há de se ponderar, contudo, na amostra pesquisada não se tem cotistas, pois a aplicação dos questionários foi antes da implantação. É possível que uma vez implantado possa haver resultados diferentes. Além de que, há discussões controversas nesse sentido indicando que a partir da universalização do regime de cotas isto poderia afetar sim para menor o rendimento médio no médio dos alunos no médio prazo. O coeficiente da variável riqueza é significante a 5% e negativo. Isto indica que alunos com maior riqueza têm menor chance de ter reprovação. Por outro lado, não há um efeito adicional ao fazer a interação da riqueza e raça. Isto é, o coeficiente da dummy de interação riquezaraça não é significante. Dito de outra forma, não há um efeito adicional na probabilidade de ter reprovação para indivíduos mais ricos e brancos. Na mesma direção pode ser dito sobre a interação raçasexo. Ou seja, também não se tem um efeito adicional para homens brancos. No entanto, tem-se um efeito positivo na interação de sexoescolapública. Isto é, haja vista que o coeficiente da respectiva variável é significante e positivo isto indica que o fato de ser homem que fez o ensino médio em escola pública tem maior probabilidade de ter reprovação. Os resultados ressaltam a importância da formação básica do aluno no desempenho acadêmico. Uma vez que o coeficiente da variável dummy escolapública é significante e negativo indica que alunos que cursaram o ensino médio nestas escolas têm maior probabilidade de ter reprovação. Este resultado é corroborado pela nota de entrada na IES. Ou seja, como o coeficiente desta variável é significante e negativo indica que alunos com menores notas de entrada têm maior probabilidade de reprovação. Este resultado vai de encontro àqueles que se posicionam contrário à criação de cotas nas IES ao justificarem que o governo precisa atacar as causas e não corrigir as consequências145. Tabela 4 Resultados da estimação do modelo logit Variável dependente: Dreprovação =1 se tem reprovação Variável Coeficiente Desvio padrão Estatística t 145 Mendes Junior e Mello e Souza (2012) apontam que a expansão das cotas na UERJ teve o efeito perverso em alguns cursos ao diminuir em muito a competição e baixar bastante a nota de entrada. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2030 Sexo -1.0959 1.5035 -0.73 Idade 0.0311 0.0458 0.68 Raca -0.0283 0.7478 -0.04 Riqueza -0.1304* 0.0639 -1.98 Raçariqueza 0.5428 0.6752 0.80 Sexoriqueza 0.0457 0.1025 0.45 Raçasexo 0.7487 0.8891 0.84 Sexoescolapublica 1.0975 0.4043 2.21 Notaensmedio -0.0550* 0.0227 -2.20 Ensinomedio -1.5072* 0.6431 -2.34 Notadeing -0.0034* 0.0015 -2.12 Monitoria -2.3966 0.8956 -2.68 Bolsa -0.2306 0.4911 -0.47 Ira -1.5635 0.2531 -6.18 Cadeirascursadas 0.0106 0.0514 0.21 Semestre 0.4019 0.2813 1.43 Turno 0.2480 0.4697 0.53 Estuda 0.3853 0.4965 0.78 Constante 3.9076 2.7911 1.40 LR chi2(18) = 125.65 Prob > chi2 = 0.0000 Pseudo R2 = 0.4290 Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2031 O coeficiente da variável monitoria é significante e negativo. Isto é, esta política de integração doa aluno na sua formação acadêmica tem sido eficiente. Isto é, diminui a probabilidade dos alunos monitores ter reprovação. O mesmo não é percebido para os bolsistas haja vista que o coeficiente desta variável não foi significante. Uma possível explicação para este resultado é que os alunos bolsistas tenham alguma reprovação após o período de bolsa ou se a IES não impeça que alunos que já tivessem alguma reprovação, a não ser na disciplina afim, possam receber alguma bolsa. Outra possível explicação é porque não se faz distinção se a bolsa é de iniciação científica ou de extensão. No tocante ao semestre cursado e número de cadeiras cursadas não afetam a probabilidade do aluno ter reprovação tendo em vista que o coeficiente destas duas variáveis não forma significantes. Por outro lado, o coeficiente da variável Ira foi significante e negativo indicando que alunos com maior índice de rendimento acadêmico têm menor probabilidade de reprovação o que intuitivamente é esperado. Também não afeta a probabilidade de reprovação se o aluno somente estuda uma vez que o coeficiente desta variável dummy não foi significante. O modelo apresenta um pseudo R2 de 0.43 que é considerado bom para este tipo de modelo. Finalmente o teste LR valida o modelo uma vez que a hipótese nula de que todos os coeficientes simultaneamente das variáveis explicativas são iguais a zero146. 5. Conclusões A discussão da necessidade de adoção de políticas afirmativas para compensar distorções sociais das mais diversas origens tem sido discutida em vários países e tem sua origem atribuída na China e Índia. No caso brasileiro e mais especificamente no âmbito deste trabalho o foco é no acesso aos cursos de graduação nas Universidades Públicas. Este estudo faz um estudo de caso com alunos da Universidade Federal do Ceará no Campus Cariri com o objetivo de identificar os determinantes da nota de entrada assim como os determinantes do desempenho destes alunos na sua formação acadêmica. 146 Em geral os resultados encontrados são compatíveis com os encontrados por Mendes Junior e Mello e Souza (2012) para a análise da política de cotas na UERJ. Os autores também encontraram diferenças na nota de entrada de alunos provenientes de escolas públicas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2032 Os resultados sugerem que não há diferença significativa na nota de entrada a depender de características pessoais como sexo e raça e há, contudo um efeito positivo da idade. Nas características familiares também não foi identificadas diferenças significativas na renda familiar, escolaridade do pai e da mãe e nem na riqueza. Desta forma os resultados sugerem que políticas afirmativas de criação de cotas baseada nestas características pare não serem justificadas. Os resultados, porém devem ser vistos com cautela haja vista que somente a partir deste semestre é que foi implantado o sistema de cotas na referida IES. Há possibilidade como mostrada em outros estudos que a universalização do ingresso através da ampliação do sistema de cotas como recomendado pelo MEC pode alterar estes resultados147. Por outro lado, um resultado bastante robusto verificado é a importância do desempenho escolar do aluno no ensino médio e o local desta formação. Dito de outra forma, os alunos que tiverem bom desempenho no ensino médio obtêm maiores notas de entrada assim como àqueles que se formaram nas escolas públicas têm menores notas. Este resultado vai de encontro àqueles que se posicionam contra a criação do sistema de cotas ao mostrar que se devem corrigir as causas e não combater as consequências. Outra discussão levantada na literatura é o desempenho dos alunos provenientes do sistema de cotas ao longo da sua formação acadêmica. Desta forma a estimação de um modelo empírico que buscou identificar os determinantes do desempenho do aluno na sua formação acadêmica verificou que há diferenças significativas na probabilidade do aluno ter disciplinas reprovadas a depender das características pessoais como idade, sexo e raça, mas há um efeito positivo da riqueza. Isto é alunos com melhores condições financeiras tem maior probabilidade de não terem reprovação. A importância da formação do aluno no ensino médio é mais uma vez evidenciado. Ou seja, os alunos que têm melhor desempenho no ensino médio têm menor chance de ter reprovação no curso superior. Novamente deficiência na formação da escola pública fica evidente, haja vista que alunos que concluíram o ensino médio nestas escolas têm maior chance de ter reprovação. Uma política que pode completar a política de cotas que tem se mostrada eficiente é o programa de Monitoria que diminui a probabilidade do aluno que participa ou participou de ter reprovação. 147 Mendes Junior e Mello e Souza (2012) apontaram que na UERJ que após vários anos de implantação do sistema de cotas houve caso da participação de determinada categoria beneficiada passou a ter uma proporção maior de vagas que a participação na população e a consequência foi a diminuição do esforço para ingressar na instituição. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2033 Como pode ser visto uma parte deste problema é a baixa participação dos cursos e de alunos matriculados nas Universidades Públicas no total de cursos e de alunos matriculados, respectivamente. Ainda que a partir de 2008 perceba-se um aumento considerável. Isto eleva a concorrência para ingressar nestas IES diminuindo, assim, as chances de alunos provenientes de escolas públicas ingressarem nos cursos de graduação presencial destas IES. Estes resultados sugerem que a implantação e ampliação da política afirmativa de criação e ampliação do sistema de cotas para ingresso na IES em estudo, deve ser complementada com outras políticas tais como uma política de complementação de renda e política de nivelamento para que os alunos provenientes das escolas públicas beneficiadas pelo programa possam apresentarem melhor desempenho na sua formação acadêmica como forma de compensar possíveis falhas na sua formação no ensino médio que norteia a decisão de criação da política de cotas. Por outro lado, deve-se ter em mente que a política de cotas deve ser temporária até se corrigir as causas das diferenças entre a formação escolar nas escolas públicas e privadas. Referências AMARO. Sarita. A questão racial na assistência social. Serviço Social e Sociedade. São Paulo. Cortez. n. 81. p. 58-81. 2005. INSTITUTO DE PESAUISAS AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO. IPAE. Documento técnico. Rio de Janeiro. 2010. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. MEC. << <http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html>> acesso em 06 de setembro de 2013. PEREIRA. A. B.. RODRIGUES. E.. GUILHERME. R.C. Ações Afirmativas: política de cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas. Textos & Contextos. Porto Alegre. v. 9. n. 2. p. 244 - 250. ago./dez. 2010 SOWELL. Thomas. Ação Afirmativa ao redor do mundo: estudo empírico. Trad. Joubert de Oliveira Brízida. 2ª ed. Rio de Janeiro: Universidade Editora. 2004. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2034 MENDES JUNIOR, A. A. F., MELLO e SOUZA, A. de. Uma análise dos determinantes do acesso à universidade sob uma ação afirmativa: o caso da UERJ. IN: Anais do 40º Encontro Nacional de Economia. ANPEC, Ipojuca, 2012. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CAMPUS CARIR. UFC-CARIRI. << http://ufccariri.gov.br >> acesso em 06 de setembro de 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2035 RESTAURAÇÃO CAPITALISTA E MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL E NO NORDESTE148 Franciclézia de Sousa Barreto Silva149 RESUMO O artigo aborda algumas particularidades do desenvolvimento do capitalismo em solo brasileiro – desenvolvimento tardio. Destacamos, principalmente, os desdobramentos da reestruturação produtiva, intensificada a partir do fim do século XX. A análise desse processo histórico nos permite explicitar elementos e determinantes centrais da restauração capitalista em nosso país, mais particularmente, demonstrar as implicações do uso de processos flexíveis na gestão do trabalho e na forma de ser e viver da classe trabalhadora. Processos que coibiram, dentre outras coisas, a própria tentativa de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, cedendo lugar a uma heterogeneidade ocupacional, que tem permitido a propagação de variadas formas de reprodução da força de trabalho, a exemplo da intensificação das atividades informais, que servem de ocupação para um número expressivo da População Economicamente Ativa (PEA). Nossa classe trabalhadora – independente de região – tem sofrido ao longo de décadas, as agruras do desemprego, subemprego, com exploração de toda ordem. Uma particularidade: no Nordeste esta situação é agravada pelos condicionantes do desenvolvimento desigual brasileiro. Com efeito, as atuais condições e relações de trabalho, no Brasil, de um modo geral, têm incitado constantemente o crescimento das práticas informais, as quais passam a servir de peça fundamental a reprodução capitalista e condição de ocupação considerável da força de trabalho ativa. Palavras- chave: Restauração Capitalista. Mercado de trabalho. Informalidade. INTRODUÇÃO Com seu desenvolvimento hipertardio, o Brasil, passa a experimentar os primeiros impulsos “reestruturantes”, com processos flexíveis de produção e gestão da força de trabalho, apenas na década de 1980, a partir da crise da dívida externa. Nesse contexto, “[...] a deterioração das contas externas do país debilitou ainda mais as condições de reprodução do 148 Este trabalho é um recorte da dissertação de mestrado da autora, intitulada: “As faces e os disfarces da informalidade no capitalismo contemporâneo: um estudo do comércio de rua em Pau dos Ferros/RN, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/UFRN. Atualmente professora do Departamento de Economia da UERN. 149 Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN); E-mail: [email protected]; Fone: (84) 81161635 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2036 capitalismo industrial no Brasil”, evidenciando a necessidade para o capital de promover mudanças que assegurassem sua permanência enquanto modo dominante de produção e de reprodução social (ALVES, 2005, p. 120). O período iniciado nos anos 1980 foi marcado pela elevação da taxa internacional de juros, o que agravou o serviço da dívida externa brasileira, ao mesmo tempo em que facilitou a entrada de capitais voláteis, especulando no mercado financeiro. Na concepção de Lacerda (2002, p. 88), a situação de endividamento, “[...] colocou a questão externa como variável determinante do ajuste interno que se seguiu implicando restrições fiscais e monetárias e arrocho dos salários que determinaram uma forte diminuição da atividade produtiva interna”. O endividamento aparece, portanto, como solução para os problemas financeiros do Brasil e, concomitantemente, serve de abertura à financeirização. As medidas implementadas revelam, sobretudo, o uso da superexploração do trabalho, nos termos apontados por Marini (2008). O arrocho salarial, desse período, evidencia a violação do valor da força de trabalho, é a opção brasileira para contornar as restrições externas. Constitui o artigo um recorte da dissertação de mestrado da autora, intitulada: “As faces e os disfarces da informalidade no capitalismo contemporâneo: um estudo do comércio de rua em Pau dos Ferros/RN, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/UFRN. Aborda, portanto, algumas particularidades do desenvolvimento do capitalismo em solo brasileiro – desenvolvimento tardio. Destacamos, principalmente, os desdobramentos da reestruturação produtiva, intensificada a partir do fim do século XX. A análise desse processo histórico nos permite explicitar elementos e determinantes centrais da restauração capitalista em nosso país, mais particularmente, demonstrar as implicações do uso de processos flexíveis na gestão do trabalho e na forma de ser e viver da classe trabalhadora. Processos que coibiram, dentre outras coisas, a própria tentativa de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, cedendo lugar a uma heterogeneidade ocupacional, que tem permitido a propagação de variadas formas de reprodução da força de trabalho, a exemplo da intensificação das atividades informais, que servem de ocupação para um número expressivo da População Economicamente Ativa – PEA. Aliás, na contemporaneidade, algumas atividades informais, longe de serem extintas, apresentam como aspecto central serem funcionais ao capital. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2037 RESTAURAÇÃO CAPITALISTA – implicações sobre o mercado de trabalho no Brasil A deterioração do cenário da economia brasileira, com a crise do balanço de pagamentos, o estrangulamento das contas externas e altos índices inflacionários, coloca o Brasil à mercê dos ajustes impostos pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. Implicou clara adoção de políticas recessivas com fins de promover o “equilíbrio” no balanço de pagamentos e a aquisição de meios de pagamentos para o serviço da dívida. Esse processo culmina na imposição de medidas de ajustes visando à reestruturação produtiva, à adoção de processos flexíveis, com novas formas de produção e organização da força de trabalho. Com efeito, tratou-se de uma nova ofensiva do capital sobre o trabalho, configurando um verdadeiro retrocesso com relação às conquistas trabalhistas. Principalmente, porque as manifestações da crise do capital evidenciam fortes implicações para a não realização no mercado mundial do que se produzia internamente no Brasil. O capital internacional não estava mais interessado em financiar formas de produções pretéritas, o que implicou a ruptura com o modelo de produção substitutiva e na submissão às novas regras mundiais da produção capitalista. Frente à alta e persistente inflação então existente no Brasil, o receituário neoliberal se mostra determinante e implacável sob o então governo Collor (1990-1992). Nesse momento, as bases internas de sustentação da economia foram solapadas pela política comercial de liberalização, acirrando a competitividade, pressionando a indústria nacional à modernização, com vistas à inserção no mercado externo (BEHRING, 2008). A partir de 1994, com o Plano Real, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, esse processo se intensifica, a estabilidade financeira valida às reformas implementadas na última década do século XX, retirando de nosso país a capacidade de fazer política econômica. A propósito, esse período foi favorável justamente aos investimentos externos diretos voltados, em grande medida, à compra das empresas nacionais, o que significou entrega escancarada do patrimônio nacional ao capital transnacional. Problematizando esse processo, Pochmann (2010, p. 28) cita o caso da privatização dos bancos públicos150, que teria 150 No início do século XXI, o crescimento do poder do capital privado transnacional no âmbito do sistema bancário brasileiro mostra-se evidente. Jinkings (2006, p.190) analisa os dados do Banco Central, cuja evolução do sistema nacional se expressa pelo aumento do percentual dos bancos com controle estrangeiro no Brasil, que alcançou em 2003, 20,73%; quando em 1997, esse número não ultrapassa os 12,82%. No setor bancário, os programas de qualidade total e de remuneração variável foram altamente difundidos, criando nos trabalhadores a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2038 repercutido no fechamento dos bancos privados nacionais e na expansão dos estrangeiros, totalizando dez anos depois, menos de 170 bancos em todo o país, redução significativa se considerarmos que em 1995 existiam 230 bancos entre públicos e privados. Dentre as consequências das privatizações, especificamente no caso dos bancos, destacamos o desemprego e o uso da terceirização; esta última, de início, passa a ser utilizada como justificativa para as empresas se concentrarem em atividades centrais e externalizarem aquelas atividades que julgavam secundárias, o que não ocorreu de fato. Esse processo tem nos revelado que as formas de subcontrato e a terceirização são fios condutores de uma gama de configurações pertinentes à acumulação capitalista no Brasil, as quais acirram a degradação do assalariamento e promovem condições precárias de trabalho para as classes trabalhadoras. Na medida em que esse processo rende ganhos expressivos de lucratividade, minimiza, ao mesmo tempo, a capacidade de resistência sindical dos trabalhadores, dificultando sua organização no espaço de trabalho. O caso dos bancos figura apenas como um exemplo, dentre tantos outros, dessa onda privatizante151. As consecutivas privatizações no Brasil associadas a forte onda de fusões e aquisições no próprio setor privado, expressam, em grande medida, a desnacionalização de nossa economia. Por isso, afirmarmos que esse processo minou o projeto de desenvolvimento nacional. Por certo, a crescente presença de empresas estrangeiras em nosso país, fez crescer a remessa de lucros e, consequentemente, reduziu o nível dos recursos que permaneceram em solo brasileiro, debilitando o fechamento das contas nacionais e a condução das políticas internas. Uma verdadeira perda de autonomia do Brasil na gestão dos próprios recursos. Todo esse processo repercutiu negativamente no volume do emprego gerado no âmbito do mercado de trabalho, durante a década de 1990, com efeitos nefastos à classe trabalhadora. Os dados apresentados por Pochmann fazem referência ao saldo total negativo de 3,2 milhões de empregos assalariados formais destruídos na economia somente da década em referência. Deste total, 17,1% teriam sido provenientes da reformulação do setor produtivo estatal. “[...] Ou seja, de cada cinco empregos perdidos, nos anos de 1990, um pertencia ao ilusão da possibilidade de se tornarem parceiros do capital, práticas eivadas de discurso ideológico que tenta mascarar a realidade. Ora, sabemos que contradições estruturais inerentes à sociabilidade capitalista determinam relações antagônicas entre as classes e frações de classes que compõem o todo social. Deste modo, parece-nos impossível que trabalhadores e capitalistas se associem de fato, pois seus interesses são contraditórios 151 Alguns outros exemplos: A companhia Vale do Rio Doce (1997); Telebrás (1998); Eletropaulo (1999), dentre outras. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2039 setor estatal”. (POCHMANN, 2001, p.29). Nos anos 2000, por exemplo, nosso país passou a ocupar o terceiro lugar no ranking do desemprego mundial, contrariando as altas taxas de formalização dos anos de 1980, que se faziam em torno de 70%. No Brasil, o período histórico em análise é também caracterizado por intenso processo de descentralização produtiva o qual permitiu às indústrias tradicionais, a exemplo da têxtil, sob a alegação da concorrência internacional, lançar mão de estratégias de desterritorialização se reimplantando em outras regiões. O objetivo foi claro: a busca de espaços em que pudessem produzir com menores custos, em geral onde se podiam contratar por menores salários, frágil organização sindical, incentivos fiscais, etc. Explicitamos aqui, o caso do setor calçadista, com diversas empresas se transferindo para a região de Franca, no interior de São Paulo, ou da região do Vale dos Sinos, localizada no Rio Grande do Sul, para os estados do Nordeste, como Ceará e Bahia, segundo nos relata Antunes (2006, p. 18). Além disso, muitas dessas empresas aproveitaram o fator da proximidade com as fontes de matéria-prima, como cana-de-açúcar, algodão, frutas, cacau, dentre outros, isso para produção dos respectivos produtos: açúcar e álcool, têxtil, sucos, chocolates. A implantação de indústrias e a criação de postos de trabalho em determinados estados da região Nordeste têm sido facilitadas pelos governos locais, por meio da oferta de isenções fiscais e de outros subsídios. As modificações nas formas de contrato, além do uso indiscriminado do trabalho terceirizado têm facilitado grande rotatividade da força de trabalho. Mais claramente, tratou-se da utilização de uma miríade de atividades informais, as quais muitas vezes invadiram os próprios espaços domésticos. No setor têxtil, por exemplo, Antunes (2006, p.18) faz referência a uma diminuição de 50% no nível de emprego formal, com utilização da terceirização da força de trabalho, com uso crescente da força de trabalho feminina. Esta estratégia tem transformado o lar de muitas trabalhadoras em extensão da fábrica. Não podemos deixar de nos referir ao período reestruturante, como um momento propício ao fortalecimento de pequenas empresas e de incentivo ao desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais – APLs152, de forte impulsão no Nordeste. Segundo o site “Inova 152 Para RedeSist (apud GONÇALVES; GUIMARÃES, 2005, p. 3), arranjos produtivos são: “[...] Aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2040 Brasil153” (2010), já foram investidos mais de R$ 95 milhões em APLs do Nordeste. Na verdade, as APls constituem em subsidiárias da acumulação capitalista, favorecendo, sobretudo, ao grande capital. A maneira como se instituem os investimentos privados ou programas do Estado direcionados a estas, não resulta no desenvolvimento regional. Reflete, se muito, no aumento da capacidade produtiva de determinados espaços isolados, quando se considera que os outros espaços que não são produtivos ao capital ficam relegados ao abandono. Principalmente, se considerado que os incentivos do Estado são de cortes setoriais e/ou regionais. Revela, sobretudo, a capacidade do capital em espraiar-se em espaços diversos extraindo o que é próprio de cada região. A partir da década de 1990, a economia do Nordeste no contexto de mundialização, resulta de nova dinâmica regional, não mais comandada pelo Estado e, sim, pelo mercado. Referimo-nos à suspensão, a partir de então, de uma política regional que vinha sendo conduzida no país com o objetivo de desconcentrar as atividades produtivas sediadas no centro sul para outras regiões do país154. Explicitando um pouco esse movimento de desconcentração produtiva pós-1960, se apoiando nas análises de Cano, Araújo (2000, p. 117) considera tratar-se de um processo de integração do mercado nacional, de um movimento que “[...] forçava o surgimento de ‘complementaridades’ inter-regionais e fazia desenvolverse ‘especializações’ regionais importantes”. Para a autora, esta constitui uma alternativa, frente à incapacidade de “industrializações autônomas”, como assim desejava o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, no fim da década de 1950. Tal interrupção, comandada pelo mercado e referendada na condução das políticas públicas atingiu, sobretudo, o rumo da economia regional e a divisão social do trabalho nas diversas localidades. interação de empresas – que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes, entre outros – e suas variadas formas de representação e associação. Incluem também diversas outras instituições públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos, como escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento”. 153 Trata-se de um programa impulsionado pelos Estados e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), realizado em parceria com os governos locais. Esse programa tem por objetivo investir em projetos que “potencializem o desenvolvimento regional, em especial [incentive] os pequenos produtores, por meio do uso de instrumentos integrados”. 154 Descreve-nos Araújo que, embora ainda muito concentrado, esse processo de desconcentração iniciado em 1960, permitiu que entre 1970 e 1990, o Sudeste caísse de 65% para 60% seu peso no PIB brasileiro. O Nordeste, Norte e Centro Oeste ganhavam relativa importância quando passam juntos de 18% para 23% de participação no PIB brasileiro (ARAÚJO, 2000, p.117). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2041 A análise desenvolvida por Diniz (1995) esclarece bem esse processo de reconcentração das atividades produtivas a partir desse período. Para a autora, se trata de um movimento reverso pautado na política econômica conduzida em nível nacional, de bases eminentemente neoliberais, apoiado em mudanças tecnológicas e na reestruturação produtiva, mudanças intensificadas em nosso país, a partir dos anos 1990 e que, aqui, ao longo do texto, já explicitamos algumas características desse momento. Dantas e Brettas corroboram tal análise ao afirmarem que: As mudanças políticas e econômicas ocorridas nas últimas décadas tendem a romper a prioridade dada à montagem de uma base econômica que ia lentamente desconcentrando atividades para as regiões periféricas. A crise do Estado, principal incentivador das políticas regionais, deixou as decisões dominantes para serem tomadas pelo mercado, o que causou interrupção do movimento de desconcentração (2006, p. 8). Desse modo, o movimento anterior de desconcentração produtiva fez surgir determinados espaços, com especializações, a exemplo do desenvolvimento de Polos produtivos em alguns pontos do Nordeste do País, o que significou especificamente a intensificação da heterogeneidade regional. Mas, com a “globalização”, nos anos 1990, esta heterogeneidade orientou-se, doravante, para fins de integração produtiva, processo pautado em uma lógica da acumulação mais complexa que passava a vigorar nesses espaços, tendo por base a reprodução de uma dinâmica diversa e desigual. Assim, no atual contexto, a expansão dos arranjos produtivos locais tem se revelado estratégias traçadas pelo capital para se reproduzir na periferia do sistema. Diante das regras definidas pela divisão internacional do trabalho no mercado mundial, esta foi a parte que coube às economias do Nordeste do Brasil. Dentro deste contexto, temos a chamada “guerra fiscal” que representa bem a guerrilha entre os estados para se tornarem sede dessas indústrias. Para Araújo (2000, p. 127), a deflagração da guerra fiscal, busca “[...] contribuir para consolidar alguns ‘focos de dinamismo’ em suas áreas de atuação”. Resultaram, de fato, em relegar áreas tidas como espaços não competitivos, deixando à margem as possibilidades de desenvolvimento, dentro das quais pequenos espaços são valorizados e integrados à dinâmica mais geral de acumulação capitalista. As desigualdades intra-regionais são, portanto, refletidas na concentração e intensificação dos investimentos em polos. No Rio Grande do Norte, mais especificamente, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2042 estes processos acontecem no litoral oriental, concentrador das atividades turísticas, industriais e comerciais e na região de Mossoró, com a agricultura irrigada e a indústria extrativa (petróleo e sal). Determinam, concomitantemente, as formas de reprodução da classe trabalhadora nestes espaços, relegando os demais a altos índices de empobrecimento. Afirmamos com isso que o histórico hiato social construído não se resolve com “focos” de desenvolvimento. Corroboramos com Araújo (2009, p. 2), quando afirma que o Estado Federal destacase como agente importante no desenho e implementação de políticas de desenvolvimento; todavia, os governos subnacionais são igualmente relevantes, no enfrentamento das desigualdades em nosso país, principalmente, quando o foco é a construção de uma “[...] política nacional de desenvolvimento regional (e não apenas uma política federal)”. Entretanto, reconhecemos que tais soluções são passiveis de amenizar as desigualdades, mas não podem extingui-las no âmbito do sistema capitalista. É evidente que houve um aumento da participação do Nordeste no PIB brasileiro, o que sinaliza certo dinamismo à região. Os dados entre 1995-2008, por exemplo, mostram que a região Nordeste ganhou maior participação, avanço que ficou concentrado em 0,9 pontos percentuais entre 1995-2002 e, 0,1 entre 2002 e 2008, significativos se considerado a perda de participação do Sudeste155. (IBGE, 2010). Estas mudanças que têm se processado no Nordeste e, em particular no estado do Rio Grande do Norte, têm se expressado no aumento de empregos formais e crescente número de assalariados. Tal realidade tem conduzido, inclusive, as recentes elaborações de autores como Araújo (2009) e Pochmann (2010). Cada um a seu modo, tem se voltado à certificação dos pontos considerados por estes, como avanços da política do governo Lula, principalmente no campo social, que teria atingido o Nordeste em particular, principalmente, quando da reprodução de uma possível “redução da desigualdade no país”. Araújo (2009), por exemplo, tem enaltecido a opção estratégica da política econômica do país que teria beneficiado o Nordeste, quando associada a uma política de transferência de 155 A perda de participação do Sudeste se resume, no primeiro período (1995- 2002) de -2,4 pontos percentuais e, no segundo, -0,7 pontos (2002-2008). Os dados também apresentam o bom desempenho das regiões Norte, (0,5 ponto percentual) e Centro-Oeste (0,4 ponto percentual) para primeiro período e, 0,4 pontos percentuais de ambos, para o segundo período. O Sul ganhou 0,7 pontos percentuais entre 1995-2002 e perdeu 0,3 entre 2002 e 2008, em contrapartida. (IBGE, 2010). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2043 renda. Principalmente, na opinião da autora, se considerado que esta região possui 28% da população do país, 50% de sua população ocupada percebendo um salário mínimo. O crescimento do salário mínimo real de 50% entre 2002 e 2008, permitiu dinamizar o mercado interno, destaca Araújo (2009). Já o Pochmann (2010, p. 47-48), tem referenciado a valorização salarial em números quando afirma que cerca de 1 trilhão foram colocados nas mãos dos trabalhadores de salário base entre 2003 e 2010. Das diversas modalidades de políticas de transferência de renda à população, entre 2002 e 2008, houve um adicional de R$ 170 bilhões. (POCHAMANN, 2010, p. 47-48). Quando analisamos o total de formalizados por região, notamos as regiões Norte e Nordeste se destaca por apresentarem maior aumento na proporção de postos formais, acréscimo de 27,4% e 24,6%, respectivamente (IPEA, 2011, p. 7-8). O aumento de formalizações no Nordeste se associa, principalmente, aos movimentos decorrentes da reestruturação capitalista, com o capital fragmentando-se para reproduzir-se em territórios diversificados. Citamos aqui como exemplo, o Complexo Industrial de Suape, em Pernambuco. Somente o Estaleiro Atlântico Sul abriu uma quantidade de vagas para cidades como Ipojuca, em Pernambuco, equivalente a 15% da população local, considerando que, hoje, a cidade tem 70 mil habitantes, segundo o Censo de 2010. Soma-se a esta, a refinaria instalada no município de Abreu e Lima, ambas responsáveis pela geração de cerca de 20 mil empregos locais. (TRABALHO, 2010, p. 14). A instalação do Complexo Suape, em Pernambuco, relatado aqui, no âmbito da expansão da ocupação, representa a lógica empreendida pelo capital em solo brasileiro, expressa pela concentração de focos de dinamismo, já que não se pode visualizar essa realidade de expansão das ocupações no todo da região Nordeste. Muitas outras cidades são relegadas à extrema pobreza, à dependência de recursos diretos do Governo Federal. Apesar dos dados apresentados pelos autores sinalizarem certos avanços na economia do Nordeste, não se pode negligenciar o fato de que esta região, em se tratando do mercado de trabalho, ainda se destaca como a menos formalizada, em que apenas 30% das ocupações são classificadas como formais. Um número que se mantém baixo, apesar desta região ter sido apresentada como aquela que obteve maior avanço na proporção de ocupações formais do período considerado (aumento de 27,4%). De certo, as atividades informais no Nordeste têm garantido ocupação para considerável número de pessoas, no entanto, estas ocorrem sob o III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2044 jugo de precárias condições de trabalho e de baixa remuneração que nos imprimem a reinvenção de formas pretéritas de ocupação e remuneração do trabalho, já relatadas por Marx em O’Capital (2009), a exemplo do trabalho por peça156. Quando observamos o número de ocupados por regiões, com destaque para contribuição previdenciária, a precariedade ocupacional é evidente: ora, mais de 40% dos trabalhadores no Brasil trabalham sem ter garantidos os seus direitos mínimos. No caso do Nordeste, essa situação é ainda mais crítica. Mesmo que tenha sido registrado acréscimo de contribuintes de 2008 para 2009, mais 60% dos ocupados ainda se encontram em ocupações desprotegidas. (IBGE/PNAD, 2009). Os dados apresentados evidenciam o elevado nível de desproteção social dos ocupados no Nordeste. Estes trabalhadores estão envolvidos em atividades informais, sem qualquer garantia de direitos. No Rio Grande do Norte, por exemplo, “[...] o emprego doméstico cresceu 12,63% em 2009. Do total de 12 mil postos de trabalho criados, nove eram informais”, noticia o jornal Tribuna do Norte (2011). Segundo a mesma reportagem, “[...] atualmente existem 5,2 milhões de domésticas informais e 1,9 formais no Brasil”. Esta é a expressão de uma realidade dura que caracteriza o mercado de trabalho Potiguar e Nordestino, perfeitamente associada à dinâmica mais geral brasileira. A saída para a sobrevivência de muitos trabalhadores, de um modo geral, no nosso país, tem sido inserirem-se em ocupações e/ou na execução de atividades à margem da legislação, sem qualquer proteção previdenciária, mesmo que mais recentemente tenha havido interesse do governo federal em rever este quadro de desproteção. O capitalista acirra a concorrência entre os trabalhadores, os exclui dos direitos trabalhistas dando-lhes um tratamento de parceiro do capital. Promove mudanças no sentido de autonomia, o que, concomitantemente, propicia ganhos exorbitantes ao capital. Teixeira faz referência a peculiaridades dessa nova maneira de pagamento, utilizada pelo capital na atualidade, ao descrever: Diferentemente do salário por tempo, do salário negociado e estabelecido no contrato de trabalho, a receita dos trabalhadores ‘vendedores de trabalho objetivado’, ao contrário, depende do quantum de mercadorias que eles fornecem às unidades finais de produção. O 156 Um exemplo que expressa essa realidade, foi apresentado pelo trabalho de Rodrigues (2010) nas Apls, voltadas à produção de jeans em Pernambuco. No estudo, o autor explicita as precárias condições de trabalho e as formas de remunerações reinventadas à moda do atual modo do capital se reproduzir, reintegrando a lógica e as formas de exploração, o salário por peça. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2045 valor do seu dia de trabalho se mede pelo trabalho despendido, pelo número de unidades que produzem. Seu salário é, portanto, determinado por sua capacidade de produção por unidade de tempo (TEIXEIRA, 1995, p. 10). De igual modo, convém relembrarmos a crítica à propalada queda da desigualdade em nosso país. Na realidade, o cálculo da desigualdade tem se restringido a bases equivocadas, quando se negligenciam os rendimentos do capital, portanto, como afirmar a redução desta no âmbito nacional? Por certo, a proteção da renda na base da pirâmide social brasileira, com aumento do salário mínimo e políticas de transferência de renda, previdenciárias e assistenciais, aliviou um pouco o quadro social degradante em nosso país. Não estamos aqui a desconsiderar esse fato, todavia, em nenhum momento nos é permitido afirmar que é possível sobreviver de um salário mínimo no Brasil, e dar garantias futuras aos trabalhadores e suas famílias. Afirmar isso seria um tanto pretensioso e enganoso. Na verdade, entre os políticos, a realidade propalada de queda da “pobreza e da desigualdade” tem consagrado o discurso acerca das benesses da inserção da massa populacional no mercado de consumo. Faz-se suficiente, aqui, evidenciar as propagandas do governo federal que expõem a lógica do consumo, em demonstrações numéricas do aumento da compra de bens como: fogão (98,5%157), geladeira (93,9%), máquina de lavar roupas (44,8%), celulares, dentre outros (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010). É notória a afirmativa de que o consumo se relaciona à renda; também não desconsideramos que a posse de determinados bens garante certa comodidade, daí o desejo de possuí-los. Queremos apenas ressaltar o uso ideológico do consumo e do consumismo para legitimar políticas e estratégias governamentais e conformar segmentos da classe trabalhadora. No Brasil, o estímulo ao consumo foi notório, e o resultado deste se deu pelo aumento da demanda de determinados bens de consumo e/ou duráveis, o que propicia à economia a dinâmica requerida, e ao capital a acumulação necessária, sem entraves em curto prazo, considerando aqui sua natureza intrínseca. A estratégia do capital, materializada pelo Estado, diante dos processos reestruturantes foi intensificada com base em uma ideologia pautada no apoio ao desenvolvimento local, alternativa considerada, em tese, capaz de fomentar o desenvolvimento social e econômico 157 Percentual de domicílios com cada característica no total de domicílios particulares permanentes (%). (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2046 das regiões. De acordo com esta lógica, ao trabalhador combina duas alternativas: tornar-se patrão de si mesmo, ou procurar qualificação para melhorar sua empregabilidade, o que não significava garantia de ocupação, apenas mais um elemento de enfrentamento da crescente concorrência por postos de trabalho. Isso porque o desemprego não mais se limita aos indivíduos com baixa escolaridade158; inúmeras estatísticas atestam que o perfil do desemprego também se modifica ao longo dos anos. Nesse sentido, cidades têm se revelado lócus por excelência dessas transformações. Principalmente, como afirma Araújo (2000), considerando-se que a fase de desconcentração no Brasil tem se mostrado modesta, gerando uma tendência de concentração espacial do dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos dinâmicos). Para a autora, a repetição de concentração espacial, que reflete diretamente o acirramento de desigualdades regionais, se dá num contexto mais complexo (década de 1990). Isso porque a inserção do país e das regiões na economia mundial implica envolvimento numa maior competição; o Estado apresenta ainda maior debilidade para definir e implementar estratégias que possam rebater os custos sociais oriundos da maior desigualdade regional. Ademais, não se desconsidera o fato de que o Brasil é uma “[...] federação em crise, como têm ressaltados vários estudos recentes da FUNDAP” (AFFONSO; SILVA apud, ARAÚJO, 2000, p. 127). No caso do Nordeste, cita Pontes (2006, p. 334), as “[...] cidades médias 159 passaram por significativas reformulações nos seus papéis”. A dinâmica foi alterada na medida em que, “[...] as cidades médias do Nordeste também têm maior crescimento do que as cidades grandes, as metrópoles de menor porte continuam crescendo em níveis superiores àqueles das grandes metrópoles”, como afirma Araújo (2008, p. 3). Natal tem crescido mais que Recife e Salvador, por exemplo. Nesse sentido, há uma necessidade clara de uma política para essas 158 Entre 1992-2002, por exemplo, o aumento da escolaridade mostrou-se insuficiente para impedir o desemprego. Neste período, “[...] para os indivíduos com catorze anos de estudo, por exemplo, a variação do desemprego foi de 76,9% - uma diferença três vezes maior que a verificada para aqueles que têm três anos de estudo” (POCHMANN, 2006, p. 66). 159 Para Pontes, a cidade média destaca-se como: “[...] um centro urbano com condições de atuar como suporte às atividades econômicas de sua hinterlância, bem como atualmente ela pode manter relações com o mundo globalizado, constituindo com este uma nova rede geográfica superposta à que regularmente mantém com suas esferas de influência. Esta segunda rede à que nos reportamos, diz respeito ao sistema de relações realizadas sob o território com áreas rurais ou outras cidades próximas ou mais ainda distantes sobre as quais ela exerce uma condição de comando”. (2006, p. 334). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2047 cidades “médias” e para as metrópoles de menores portes. Principalmente, se consideradas as transformações ocorridas no modo de produção capitalista nas últimas décadas, as quais tiveram implicações significativas na estrutural do território, sobretudo, nos estados do Nordeste. Com efeito, as mudanças no cenário brasileiro, com a invasão da flexibilização no “mundo do trabalho”, reconfigurando as condições e relações de trabalho anteriormente estabelecidas, refletiram sobremaneira no (des) assalariamento de parcela considerável da População Economicamente Ativa, e o desemprego. Constituíram estas, no fulcro propulsionou do aumento do exército de sobrantes para o capital, na ampliação significativa da superpopulação relativa. Notoriamente a expansão dos serviços, setor inscrito na esfera de reprodução do capital, constituiu importante papel na absorção da mão de obra, mas este tem, enfim, um limite, quando não pode absorver por completo. As informações apresentadas, embora não revelam a totalidade das reais implicações desse momento para a classe trabalhadora, evidenciam quão precárias têm sido as relações e condições de trabalho em nosso país, denunciando a problemática das ocupações no território brasileiro. Faz, igualmente, surgir certo desencanto e descrédito no meio acadêmico quanto à possibilidade de o Brasil voltar a gerar condições mais favoráveis ao seu mercado de trabalho e à vida de sua população, em particular, de variados segmentos da classe trabalhadora. Nesse sentido, poderemos afirmar que a “reforma” no papel e nas estruturas do Estado foi geradora de desemprego, em um contexto de reestruturação produtiva, o qual permite estratégias que envolvem programas de demissão voluntária, a instituição de organizações sociais e de agências executivas. As relações trabalhistas modificam sua natureza, a estabilidade perde espaço em beneficio das formas flexíveis de contrato (BERHING, 2008). Essas mudanças resultam em aumento na demanda por serviços sociais em um contexto, no qual o paradigma econômico neoliberal insiste no corte de gastos, na regressão de direitos sociais, na focalização das politicas sociais. A perda ou restrições dos direitos constitucionais que foi justificada em nome do equilíbrio fiscal, está na concepção de Berhing (2008) integrada à macroeconomia do Plano Real, que impôs constantemente uma lógica de gestão dos recursos. O objetivo inicial foi claro: destinar o máximo de recursos para investimentos do Estado, bem como e, principalmente, para pagar os encargos financeiros da União, manter com isso, firme os III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2048 compromissos assumidos com o Fundo Monetário Internacional – FMI. Paradoxalmente, quando nossa Constituição160 apontava, inicialmente, para uma perspectiva de ampliação e universalização de direitos, o processo de ajuste estrutural e de contrarreforma do Estado restringe as possibilidades de materialização de direitos. O agravante disso tudo: estas mesmas políticas existentes serviram de alvo a inúmeras críticas, de ataque ao Estado, e a forma intervencionista deste. Ademais, no contexto neoliberal na qual esboçamos nossa análise, não poderemos afirmar que estas tenham sido conduzidas de forma autônoma, o que se configura na subordinação das políticas sociais à reorientação macroeconômica. Analisando o contexto mais recente – início do século – Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 161) relatam e destacam que a junção das políticas econômicas ortodoxas para propiciar crescentes superávits primários, com políticas de combate à pobreza, implicou a redução das já limitadas políticas universais. Poderemos considerar a Desvinculação das Receitas da União161, como exemplo desse movimento contraditório, uma vez que a resguarda de 20% das receitas governamentais constitui importante fator para os elevados superávits primários. Além de cobrir os serviços da dívida, estes recursos servem também, de acordo com Boschetti e Salvador (apud BOSCHETTI, 2009, p. 335), “[...] para cobrir aposentadorias do poder público, investimentos em infraestrutura dos Estados e vale-transporte e auxílio alimentação de servidores públicos”. Trata-se de um verdadeiro ataque aos direitos previstos constitucionalmente, não sendo os mesmos reconhecidos, universalizados. Como destaca a autora, Diversas contrarreformas, como a da previdência de 1998, 2002 e 2003, sendo as primeiras no Governo Fernando Henrique Cardoso e outra no Governo Lula, restringiram direitos, reforçaram a lógica do seguro, reduziram valor de benefícios, abriram caminho para a privatização e para a expansão dos planos privados, para os fundos de pensão, ampliaram o 160 Nesta, a seguridade passou a ser composta pela previdência social, assistência social e Sistema Único de Saúde. 161 A partir de 1994, os governos começaram a desvincular 20% do total de impostos e contribuições federais conforme as suas conveniências políticas. Preferencialmente, estes recursos foram revertidos para o pagamento de juros da dívida pública. Segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal – UNAFISCO, citado por Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 159), “os recursos desviados, via mecanismo da DRU, corresponderam a 18% do total arrecadado da CPMF no período 1997-2006. Segundo Pochmann (2010, p. 34), esta desvinculação tem representado quase dois terços do superávit primário. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2049 tempo de trabalho e contribuição para obterem a aposentadoria (BOSCHETT; SALVADOR, apud BOSCHETT, 2009, p. 333). Em relação ao sistema previdenciário, Pochmann (2010) chama a atenção para os crescentes problemas de financiamento dos custos dos beneficiários atendidos e para as consequências significativas do crescimento das aposentadorias decorrentes do envelhecimento da população e da admissão de novos beneficiários sem prévia contribuição. Estes resultados sintetizam o desaparelhamento do setor público, da burocratização e fragmentação dos recursos públicos. Acrescente-se a isso, a compressão sobre o mercado de trabalho, haja vista a contenção dos valores dos benefícios sociais162. Além da PEA ingressante anualmente, o mercado sofre pressão por parte daqueles que continuavam inseridos em ocupações, com fins de complementação de suas rendas, em virtude dos baixos rendimentos da aposentadoria, estas que na maioria das vezes, são precárias. Dessa forma, a concentração maciça de trabalhadores tem pressionado o mercado de trabalho por vagas, no contexto de uma economia já comprometida com a destruição de ocupações, herança da década de 1990. Adicione-se a isso, o surgimento de outras formas de ocupação, muitas das quais não regulamentadas. Todo esse movimento tem afetado negativamente o ambiente social como um todo e pressionado o sistema de proteção social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfim, as características aqui sintetizadas, apresentam peculiaridades sob as quais o capitalismo vem se desenvolvendo no Brasil. Elas evidenciam o modo como o capital se apropria inclusive de formas antigas e tidas, hoje, como alternativas para se reproduzir, impulsionando forçosamente o trabalhador a ocupações precárias, que evidenciam a espoliação desses trabalhadores e de recursos naturais promovidos no âmbito do atual padrão de acumulação. No cerne desses processos, ganha cada vez mais realce as atividades informais presentes tanto no âmbito da produção como da circulação de mercadorias, mesmo se 162 Segundo dados apresentados por Pochmann (2010, p.31): “[...] em 2007, que cerca de um terço dos aposentados e pensionistas mantinham-se ainda ativos no interior do mercado de trabalho, enquanto o país possuía quase 8 milhões de trabalhadores desempregados. (POCHAMNN, 2010, p. 31). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 2050 considerado, na atualidade, um quadro favorável de crescimento das ocupações formais em nosso país, que constituem um novo movimento no âmbito do mercado de trabalho brasileiro. No núcleo dessa discussão, Tavares (2002, p. 25) enfatiza a afirmativa de Pochmann, e cita: “O Nordeste vem se transformando no que Pochmann denomina de ‘grande feira mundial de concorrência pelos menores custos do trabalho”. Essa afirmativa revela que, na prática, o capital circula e se instala no espaço físico propício a sua reprodução e à acumulação. Se o Nordeste, ou qualquer outra região, oferece vantagens na oferta de mão de obra barata, o que reduz os custos empresariais, é nela que o capital instalará os mecanismos técnicos e de infraestrutura necessários a sua reprodução. Ressaltamos que, a terceirização e a relação empresa-cooperativa163, têm sido utilizadas pelo capital como experiência bem sucedida da expansão, nessa região, dos processos flexibilizantes. Nestes termos, corroboramos com Tavares para a qual (2002, p. 25) “[...] só é possível pensar a questão social no Nordeste se formos capazes de compreender as particularidades dessa região e o modo como a mesma se insere na economia globalizada”. Essa compreensão dos determinantes da questão social no Nordeste, fundada nas elaborações de Tavares, nos permite reafirmar que essa região não foge às determinações gerais vistas em nível nacional. Nossa classe trabalhadora sofre – independente de região – as agruras do desemprego, subemprego, com exploração de toda ordem. Uma particularidade: no Nordeste esta situação é agravada pelos condicionantes do desenvolvimento desigual brasileiro. Com efeito, as atuais condições e relações de trabalho, no Brasil, de um modo geral, têm incitado constantemente o crescimento das práticas informais, as quais passam a servir de peça fundamental e condição de ocupação considerável da força de trabalho ativa. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005. 163 Tavares (2002, p. 26) exemplifica a égide da flexibilização e sua invasão no espaço nordestino, citando o caso no estado do Ceará, e a instauração da empresa Kao-lin, de um grupo empresarial de investidores de Taiwan. Segundo a autora, a referida empresa contrata apenas a mão de obra especializada, a exemplo de engenheiros, administradores, etc. A montagem das peças cabe à “subcontratação”, por meio das cooperativas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. 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