A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BRASILEIRA: uma construção histórica na
perspectiva das transformações sociais
Patrícya Karla Ferreira e Silva1
Cecília Bezerra Leite 2
Rita Fabiana Arrais do Nascimento3
Paulo Cesar Figueredo dos Santos4
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da construção histórica da educação escolar
indígena brasileira considerando os rebatimentos do desenvolvimento da educação formal. A breve
reflexão traz a tona o processo de alargamento da política de educação e as interferências históricas do
sistema capitalista no seu percurso. A partir daí perscrutamos as contradições entre a educação
indígena e a educação escolar indígena e seus avanços no transcorrer da sociedade brasileira.
Apontamos também os relevantes desafios que possui a educação escolar indígena, sobretudo após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, quando os índios deixam de ser considerados uma
categoria social em fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados,
com direito a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais
vislumbrando assim as transformações sociais das quais se faz tão necessária a este segmento social.
Palavras-chaves: Educação; Educação Escolar Indígena; Transformações sociais.
INTRODUÇÃO
A educação é inerente à sociedade humana e como é sabido “o estágio de
desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado pelo domínio que ela exerce
sobre a natureza [...]”, assim “nas comunidades primitivas não se encontram escolas
nem método de educação reconhecido como tal [...]” (SAVIANI, 2003, p. 02)
1
Mestre em Serviço Social pela UFPB e Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Leão Sampaio
(FALS). E-mail: [email protected]
2
Especialista em Docência do Ensino Superior pela FALS e em Língua Portuguesa e Arte e Educação pela
URCA. Professora do Curso de Serviço Social da FALS. E-mail: [email protected]
3
Mestre em Sociologia pela UFPB e professora do Curso de Serviço Social e do Curso de Administração da
FALS. E-mail: [email protected]
4
Contador (UFPB) e Especialista em Controladoria e Auditoria pela FALS. E-mail: [email protected].
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Ao tratarmos de educação, particularmente de educação escolar indígena na sociedade
brasileira, perscrutamos que o processo de educação se iniciou aqui muito antes de sua
colonização. Uma vez que nas terras brasileiras já vivia um povo com costumes e crenças, o
que revela que este fazer ao qual denominamos de “educação” não acontece só na escola nem
se aprende apenas a partir do formalismo de programas implementados e articulados por meio
de currículos específicos, a educação possui uma amplitude maior e definitivamente
considerável.
Nesta perspectiva, a Educação Escolar Indígena é assegurada às comunidades
indígenas como um direito que garante uma educação escolar diferenciada e uma utilização de
suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Estes aspectos são garantidos
pelos instrumentos jurídico-legais a exemplo da Constituição Federal de 1988 e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
Assim, embora na prática os desafios sejam imensos, nos aspectos assegurados pela
Constituição Federal de 1988, os índios deixam de ser considerados uma categoria social em
fase de extinção e passaram a ser respeitados como grupos étnicos diferenciados, com direito
a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições culturais.
1.1 História da Educação Brasileira
Historicamente conforme Romanelli (1980) o marco inicial da história da educação
brasileira se dá no ano de 1549, quando aqui chegaram com Tomé de Souza, quatro padres
jesuítas chefiados por Manoel da Nóbrega, o qual tratou de traçar um plano de instrução que
se iniciava com o aprendizado do português (para os indígenas) a doutrina cristã, e com a
escola de lê e escrever e, ainda o aprendizado agrícola de um lado e, do outro lado, com a
gramática latina para os que se destinavam as realizações de estudos superiores na Europa.
Esta ação foi denominada como Plano de Nóbrega5. O referido plano continha uma
preocupação voltada para os interesses dos colonos. Era um plano universalista, adotado por
todos os jesuítas. E ao mesmo tempo elitista para serem destinados aos filhos dos colonos e
excluíam os indígenas, tornando-se um instrumento de formação da elite colonial, voltado
5
Ver: CARDOSO, Tereza Fachada Levy. As Aulas Régias no Brasil. In: STEPHANOU, Maria (org.). Histórias
e Memórias da Educação no Brasil.. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. P. 179 - 191.
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para os objetivos do português colonizador, manter a população, através da ignorância,
pacífica e obediente. Pois assegurar a posse da terra era seu objetivo principal.
Destarte, conforme Ribeiro (2007, p. 96):
Os jesuítas não se limitaram às instruções das primeiras letras, pois mantinham
cursos de Letras e Filosofia, entendidos como auxiliares, e o curso de Teologia e
Ciências Sagradas, de nível superior, para formação de sacerdotes. Os filhos de
famílias ricas que tinham intuito de seguirem outras carreiras precisariam estudar
fora do país, nas universidades europeias.
O contexto ora citado decorreu anteriormente aos períodos pelos quais a educação
formal foi constituída. Deste modo, podemos entender que a política educacional no Brasil foi
marcada por uma periodização influenciada pelos modelos específicos da economia brasileira
conforme Barbara Freitag (1986).
Nesta perspectiva, Freitag (1986) apresenta estes períodos assim caracterizando-os:
primeiro momento, que abrange o Período Colonial, o Império e a I República (1500 – 1930).
Para esse período é característico o modelo agroexportador de nossa economia. Ao segundo
período, que vai de 1930 a 1960, corresponde o modelo de substituição das importações. E o
terceiro período vai de 1960 até os nossos dias e foi caracterizado como o período da
“internacionalização do mercado interno”. Ainda conforme as análises realizadas pela autora
neste ponto, enfatizar-se-á um pouco mais de cada período acima citado.
Para Freitag (1986), o período de 1500 a 1930 foi um período marcado pela
organização da economia na produção de produtos primários, destinados à exportação para as
metrópoles. A economia centrava-se em produtos específicos de exportação6. A política
educacional estatal era quase que inexistente, apenas contava-se com um restrito sistema
educacional estruturado pelos padres jesuítas, que cumpriam uma série de funções
consideradas importantes para a coroa de Portugal.
Portanto, a igreja católica além de assumir a hegemonia na sociedade civil, também
penetrava na política, através da educação. Ela tinha como função, subjugar a população
indígena, tornando-a mais dócil. Dessa forma auxiliava também a classe dominante da qual
6
Produtos como o açúcar, o ouro, o café, e a borracha.
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participava, subjugando de forma especifica as classes subalternas assim como a relação de
produção.
Entretanto, com a expulsão dos jesuítas do Brasil no fim do século XVIII, a igreja
preservou sua influência na sociedade civil. Na fase do império e da república, poucas foram
às mudanças na economia. Mas, no final do império traços embrionários de uma política
estatal se mostravam presentes.
Os jesuítas estiveram no comando da educação brasileira de 1549 até 1759. O
Marquês de Pombal, primeiro ministro de Portugal (1750–1777) defendia as ideias
“despotismo esclarecido7”, empreendeu reforma no campo educacional, implantando a escola
pública. Ao expulsar os jesuítas em 1759, o Marquês de Pombal, pois um fim ao único
modelo de educação até então existente no país. A reforma pombalina 8 trouxe consequências
no campo educacional, com a saída dos jesuítas e a falta de professores, levando ao
fechamento de muitas escolas, entretanto mantiveram-se algumas missões, residências e
alguns estabelecimentos de ensino nas capitais mais importantes do país.
Já a partir 1808, com a instalação da família real no Brasil, fugidos da invasão
polonesa, sua preocupação educacional principal restringiu-se apenas a formação das elites do
governo e dos quadros da segurança do país. Criou o curso de cirurgia e anatomia em 1808.
Em 1810 deu-se a criação dos cursos técnicos e artísticos.
Em 1891, a Constituição Republicana instituiu a neutralidade do ensino religioso
ministrado nos estabelecimentos públicos. Após a instauração da independência em 1822
foram criadas no Brasil (1827) duas faculdades de direito, uma em São Paulo e outra em
Recife, onde se formavam as elites, consolidando-se o ensino discriminatório e dualista do
modelo anterior, uma vez que faziam parte deste sistema, aqueles que possuíam condições.
Destarte podemos afirmar que até a Proclamação da República em 1889, praticamente
nada se fez de concreto pela educação brasileira. Portanto, como afirma Romanelli (1978):
7
Despotismo esclarecido foi a prática de apoio e incentivo dos monarcas em relação às novas ideias (exaltação
do Estado e do poder do soberano, é animada pelos ideais de progresso).
8
Esta reforma teve por objetivo proceder a uma adequação da instituição escolar à nova configuração necessária
ao Estado moderno, e nesse sentido, agenciar o ensino de maneira a atender os interesses seculares da coroa.
(BOTO, 2008, p. 170).
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Com a Proclamação da República a Constituição de 1824 é substituída pela Primeira
vez Constituição da República em 24 de fevereiro de 1890 promulgada em 1891
“[...] que instituiu o sistema federativo de governo, consagrou também a
descentralização do ensino [...]” (ROMANELLI, 1978, p. 41).
O segundo período que vai de 1930 a 1960 pode ser compreendido a partir da análise
da questão econômica. De acordo com Behring e Boschetti (2007), a política econômica de
1930 a 1945 foi marcada pela crise mundial de 1929 que encaminha mudanças estruturais que
vão caracterizar o modelo substitutivo das importações. Os latifundiários, cafeicultores, são
forçados a dividir com a burguesia emergente. Como consequência dessa nova situação, há
uma reorganização dos aparelhos repressivos dos estados. Com apoio da burguesia e de certos
grupos militares, o presidente Getúlio Vargas assume o poder em 1930, e implanta o Estado
Novo9 com uma política ditatorial.
Nesta perspectiva Freitag (1979) afirma que:
A política educacional do Estado Novo visa transformar o sistema educacional em
um instrumento mais eficaz de manipulação das classes subalternas, reproduzindo
em sua dualidade a dicotomia estrutural da classe capitalista. (FREITAG, 1979, p.
39).
Na realidade educacional brasileira vê-se que a compreensão da política educacional
enquanto política pública de natureza social implica necessariamente no reconhecimento de
que o contexto socioeconômico, cultural e político são elementos fundamentais dos processos
que geram a sua formulação e implementação. Compreender esses processos é fundamental
para entender a base educacional da sociedade brasileira.
Neste sentido, como afirma Martins (1994), se a cultura de um povo é a democracia,
ele atua nas decisões políticas e é provável que sua política educacional acate as sugestões e
os anseios da população, mas em contextos autoritários, nos quais o povo é subjugado por
uma cultura extremamente dominadora, é comum predominar uma política educacional que
não se materializa na prática.
9
Estado Novo é o nome que se deu ao período em que o Presidente Getúlio Vargas governou o Brasil de 1937 a
1945. Este período ficou marcado, no campo político, por um governo ditatorial.
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Nos primeiros anos do século XX, os sucessivos governos criaram diversas escolas de
formação profissional para a educação primária, considerando o analfabetismo do povo
brasileiro como o cerne das crises sociais do país.
Surge nesse período o movimento cívico patriótico, destacava-se o nome de Olavo
Bilac que combatia o analfabetismo. Nesse contexto é criado em 1924 a Associação Brasileira
de Educação (ABE), que reunia os maiores nomes da educação brasileira, e resultou no
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 193210. Esse movimento era em favor do
ensino fundamental público, gratuito e obrigatório. A ideia de que a Constituição de 1934
assegurou um capítulo reservado sobre a educação todos os direitos referentes a educação não
satisfazia os estudiosos da época. Esse período foi marcado por inúmeras reformas no campo
educacional, procurando criar uma boa estrutura de funcionamento do ensino básico e
superior.
Com a revolução de 1930, ocorreram grandes mudanças no campo educacional,
criação do Ministério da Educação e o Estatuto das Universidades Brasileiras. A criação da
Universidade de São Paulo. Um dos primeiros atos do governo após a vitória da revolução de
30 foi à criação do Ministério da Educação e Saúde para cuidar prioritariamente da
reformulação educacional a qual era muito reivindicada pela sociedade, o então ministro da
educação Clemente Mariano apresentou a Assembleia Legislativa o projeto da primeira Lei de
Diretrizes e Base da Educação brasileira em 194811, que significou um avanço para a política
de educação daquele momento.
Referimo-nos agora ao terceiro período da educação brasileira, a partir da década de
1960 que evidencia-se os governos militares e suas ações. Ações deste governo que abrira
naquele momento o ensino para a iniciativa privada, assim como a educação as políticas de
saúde e habitação também foram direcionadas a iniciativa privada. Tal iniciativa possuía
justificativa para o regime militar. Neste sentido, Bravo (2007), aponta:
10
Este manifesto consolidava a visão de um segmento da elite intelectual que, embora com diferentes posições
ideológicas, vislumbrava a possibilidade de interferir na organização da sociedade brasileira do ponto de vista da
educação. Ele foi um marco inaugural do projeto de renovação educacional do país, onde propunha que o Estado
organizasse um plano geral de educação e defendia a bandeira de uma escola única, pública, laica, obrigatória e
gratuita.
11
Esta lei foi encaminhada pelo poder executivo ao legislativo em 1948, entretanto ela foi publicada apenas em
1961, passados treze anos até o texto ser finalizado.
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Em face da “questão social” no período 64/74, o Estado utilizou para sua
intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial ampliada,
burocratizada e modernizada pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o
poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir
legitimidade para o regime, como também servir de mecanismo de acumulação do
capital. (BRAVO, 2007, p. 93)
Nesta perspectiva, para Bravo (2007) a ditadura, significou para a totalidade da
sociedade brasileira a afirmação de uma tendência de desenvolvimento econômico-social e
político que modelou um país novo. Os grandes problemas estruturais não foram resolvidos,
mas aprofundados, tornando-se mais complexos e com uma dimensão definitivamente ampla
e dramática.
Não obstante o Regime Militar por suas propostas ideológicas de governo acabou
reproduzindo na educação um caráter antidemocrático. E com o intuito de erradicar o
analfabetismo da época foi instituído o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL),
que em sua ideológica didática possuía o Método Paulo Freire. Entretanto de acordo com
Bello (2001), o movimento não conseguiu erradicar o analfabetismo no Brasil como
propunha. Posteriormente, acabou ser extinguindo e, no seu lugar criou-se a Fundação
Educar.
Dentre outras ações que ocorreram neste período o corte de verba para a educação, foi
um dos mais preocupantes. O regime militar ficou marcado no campo educacional por suas
mudanças dentre elas a do ensino superior (1968) e a do ensino básico (1971) que passou a
chamar-se 1º e 2º grau, confirmando a tendência tecnicista e burocrática na educação pública.
De acordo com Vieira (2008) em meados dos anos 80, com o fim do regime militar a
nação pôde respirar os ares da liberdade política, mas a situação econômica foi de arrocho
salarial e crises em todas as esferas do poder público culminando com uma década
considerada “perdida” do ponto de vista econômico para a maior parte da população
brasileira.
Nesta perspectiva, em 1988 com a promulgação da Constituição Federal brasileira, no
seu capítulo próprio para a educação, ela é definida como prioridade absoluta do estado e
direito do cidadão. Como observamos no artigo 205, da Constituição Federal de 1988:
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A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, CAPÍTULO III, ARTIGO 205)
A educação de acordo com o artigo 206 da constituição defende que o ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios12:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
Na política e nas ações nacionais de educação para a Constituição Federal (art.211,
§1º), a união deve exercer “função supletiva e redistributiva” em matéria de educação, por
meio de “assistência técnica e financeira” o estado, distritos federal e municípios, tem o
objetivo de assegurar a equidade e o padrão de qualidade da educação escolar. Segundo a
LDB (art. 8º, § 1º), cabe à união a coordenação da política nacional de educação, articulando
com os diferentes níveis de sistema de ensino.
A partir da constituição deu-se a criação da nova Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional (LDB - Lei n. º 9.394, de 12 de dezembro de 1996), que representa um grande passo
para a educação, um marco legal de toda a reforma e expansão do sistema educacional
brasileiro.
A nova LDB demarcou a educação infantil, o ensino fundamental e o médio em um
único nível de ensino passando a ser chamada de educação básica, representando o referencial
de universalização da educação básica para toda a população, com requisito mínimo de acesso
à cidadania.
12
Artigo 206, Capítulo III, Constituição Federal, 1988.
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Estas condições postas pela constituição e posteriormente pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação constituem elementos básicos para a materialização de uma educação
comprometida com a defesa de condições de igualdade para todos.
É neste contexto que a população brasileira passa a contar, pelo menos numa
perspectiva jurídica e legal com o direito a educação, incluindo também os segmentos
diferenciados, como os povos ribeirinhos, quilombolas e indígenas.
1.2 Educação Escolar Indígena
No Brasil a implementação da educação escolar indígena tem sido marcada de um lado
pela imposição de um modelo de educação dominadora, negando a identidade étnica dos
povos indígenas, homogeneizando as culturas e por outro lado fica evidenciado a educação
defendida pelos índios, buscando a valorização e o respeito a sua cultura.
Ao nos reportarmos a história acerca da política de educação escolar indígena
brasileira se faz necessário à compreensão dos processos citados anteriormente pela educação
formal. Vale salientar que um olhar de valorização da educação escolar indígena é bem
recente. Emerge, sobretudo com a organização dos próprios povos indígenas e o avanço da
perspectiva de garantia de direitos dos segmentos diferenciados revelado com o advento da
Constituição Federal de 1988.
Tratando dos aspectos históricos a educação escolar desenvolvida entre os povos
indígenas no Brasil pode ser compreendida por algumas fases. A primeira delas situa-se no
contexto do Brasil Colônia, quando a escolarização do índio esteve a cargo exclusivo de
missionários católicos, conhecido como jesuítas. A segunda fase se inicia a partir da criação
em 1910 do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), demonstrando que o Estado resolveu
formular uma política indigenista não mais baseada no extermínio dos povos indígenas, mas
através de estratégias positivistas13 que marcaram as ações do Estado no começo do século
XX. A terceira fase começa no final dos anos 70 quando o termo Educação Escolar Indígena
13
Para Ribeiro (1996), a formulação dessa nova política está baseada no evolucionismo humanista de August
Comte, defendendo a autonomia das nações indígenas na certeza de que evoluiriam espontaneamente, uma vez
libertadas das pressões externas e amparadas pelo Estado.
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passa a ser utilizado para diferenciar a educação autóctone14 que pode ser entendida como a
aprendizagem espontânea em que a criança ou jovem aprendem no convívio social nas
aldeias, das atividades formais transmitidas aos alunos por professores. Segundo Collet (2006)
já a Educação Escolar Indígena é a educação transmitida formalmente através da escola.
Para Meliá (1979) o conceito de educação indígena parte do pressuposto de que as
sociedades indígenas possuem mecanismos próprios para transmitir seus conhecimentos às
novas gerações, incluindo seus costumes, sua visão de mundo, as relações com os outros, sua
religião. Desta forma, a educação é “para o índio um processo global” ligado ao viver e a sua
cultura, “distinto do que normalmente se entende por educação de tipo escolar”. Desse modo:
Nas sociedades de parentesco a qual nos referimos aqui prevalece à ideia da
comunidade, o sujeito encontra seu lugar no mundo porque está inserido em uma
coletividade, ali ele aprende seus deveres e os deveres da coletividade para com ele
(CALEFFI, 2008, p. 36).
Assim, percebemos que há diferenças entre a educação indígena e a educação escolar
indígena. No caso particular da educação oferecida aos povos indígenas há esperanças que
através de uma educação formal seja garantido o respeito à cultura, a diversidade e a
valorização das suas tradições no seu próprio território. Ou seja, conforme diz Libâneo (1998)
que a educação não intencional, informal, que se refere às influências do meio natural e social
sobre o homem e interfere em sua relação com o meio social não seja abandonada através de
um processo de aculturação que não permite aos indígenas resistir diante de tamanha
interferência sociocultural.
Entretanto, muitas escolas de aldeias indígenas espalhadas pelo Brasil têm sido, com
raras exceções, réplicas das escolas das cidades, configurando a mesma proposta de
currículos, de critérios de avaliação, carga horária, e estrutura de funcionamento. A escola
sendo pensada como possibilidade de que os grupos indígenas se "incluam" na sociedade
nacional, abandonando com o passar do tempo o seu modo próprio de ser.
Logo,
14
O mesmo que “educação indígena”. Veja: CALEFFI, Paula. Educação Autóctone nos séculos XVI ao XVIII
ou Américo Vespúcio tinha razão? In: STEPHANOU, Maria (org). Histórias e Memórias da Educação no Brasil.
2008. p. 32 – 44.
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As escolas indígenas, por conseguinte, deverão ser específicas e diferenciadas, ou
seja, as características de cada escola, em cada comunidade, só poderão surgir do
diálogo, do envolvimento e do compromisso dos respectivos grupos indígenas, como
agentes e co-autores de todo o processo. (DIRETRIZES PARA A POLÍTICA
NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 1994, p. 01)
Destarte, o desafio da educação escolar indígena é propor um sistema de ensino de
qualidade e diferenciado, no sentido de atender as especificidades de um povo diferente da
sociedade nacional, considerando que seus horizontes de futuro não são os mesmos.
Entretanto, de acordo com Meliá (1996), quanto ao desenvolvimento da educação
indígena que atualmente se inscreve no contexto dos movimentos e lutas por direitos
indígenas, esta ainda não tem recebido a atenção necessária por parte dos educadores,
governantes e demais categorias ligadas a esta esfera, uma vez que o caminho ainda pode ser
considerado longo e sinuoso.
CONCLUSÕES
Diante da contextualização realizada aqui, assim como de todo o processo histórico da
educação no Brasil mencionado no decorrer deste breve estudo, podemos compreender que a
sociedade brasileira foi experimentando novas formas de culturas, educação e modos de
produção, segundo interesses políticos e econômicos representados por cada período
histórico.
Assim, a política de educação vem mudando seu sentido e seu objetivo ao longo dos
tempos. E apesar de todas as evoluções contidas nesse processo, tal política brasileira não
progrediu muito em relação ao sentido universalista e gratuito garantidos em lei, conforme
deveria ser direcionada segundo a noção de proteção social aos seguimentos diferenciados
como os povos indígenas.
De acordo com Plano Nacional de Educação (2001), desde o século XVI no Brasil, a
oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela
catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional. Dos
missionários jesuítas aos positivistas do Serviço de Proteção aos Índios, do ensino catequético
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ao ensino bilíngue, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os índios, fazer com que
eles se transformassem em algo diferente do que eram. Nesse processo, a instituição da escola
entre grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de
identidades e culturas diferenciadas.
Portanto, no processo pelo qual a educação escolar indígena passou, alguns
instrumentos jurídicos legais foram criados para garantir uma educação que possibilite o
respeito e a valorização da diversidade cultural e o processo de aprendizagem dos alunos das
escolas sejam elas indígenas ou não. Neste sentido, resta, sobretudo implementar as diretrizes
contidas nos arcabouços jurídicos legais que são resultados de diversas lutas e mobilizações
sociais.
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A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS: uma análise da
aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré no período de 1998
a 201015
Franciclézia de Sousa Barreto Silva16
RESUMO
O artigo apresenta suscintamente, resultados da pesquisa realizada no município de Ereré no período
de 1998 a 2010. Tratou-se de um trabalho descritivo e exploratório, de natureza bibliográfica e
documental que objetivou analisar a aplicação dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município,
com fins a demonstrar os avanços do financiamento da educação no Brasil; bem como as
possibilidades existentes na promoção da melhoria da qualidade do ensino no município escolhido
como lócus da pesquisa. Pode-se considerar o FUNDEF e o FUNDEB um avanço no sistema de
financiamento da educação e, consequentemente, na busca da melhoria da qualidade do ensino, por
permitiu o aumento de recursos financeiros, dos salários dos professores, da qualificação docente, da
melhoria das condições de trabalho e do ensino. No entanto, ressalta-se que os resultados do município
de Ereré apresentados, não correspondem às expectativas, não repercutiu na qualidade de ensino
pretendida, pelo menos no nível desejado. Perduram e é de fácil detecção problemas relacionados às
condições de trabalho, do ensino; ausência de melhor preparo dos professores, quando se registrou
queda no número de profissionais qualificados, pouca participação e acompanhamento das famílias no
processo educacional dos filhos, entre outros.
Palavras- Chave: Brasil. Políticas Públicas. Educação.
INTRODUÇÃO
Políticas Públicas podem ser compreendidas pelo termo, “Estado em ação”, estas não
podem se resumir a políticas de governo. É o Estado implementando e mantendo ações, a
partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes
organismos e agentes da sociedade relacionados à política implementada. É, portanto, um
15
Este trabalho é um recorte da monografia de graduação, intitulada: O FUNDEF e o FUNDEB no município de
Ereré/CE – expectativas e resultados, apresentado ao curso de Ciências Econômicas do Campus Avançado Prof.ª
Maria Elisa de Albuquerque Maia - CAMEAM/UERN – 2012, de autoria de Antonia Félix de Lima (in
memoriam), recorte para este artigo feito pela orientada, Prof.ª Ma. Franciclézia de Sousa Barreto Silva,
DEC/UERN. Atualmente professora do Departamento de Economia da UERN.
16
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), E-mail: [email protected], Fone: (84)
81161635.
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instrumento de ação coletiva. Na concepção de Matias-Pereira (2009) cabe ao Estado prover
bens e serviços demandados pela população, objetivando um bem maior, de todos.
Avançando nesta abordagem, passamos a dimensão das políticas públicas como
políticas sociais, para a qual se torna oportuna às considerações utilizadas por Azevedo (2001
apud MARTINS, 2010: p. 498), quando considera que estas políticas “referem-se a ações que
determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado no que concerne à
redistribuição dos benefícios sociais”. O objetivo é claro: “[...] diminuir as desigualdades
estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico”. Destaca também que estas
têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos
entre capital e trabalho.
Nestes termos, para Höfling (2001, p.32), a educação é uma política social, pública de
corte social, de responsabilidade do Estado, mas “[...] não pensada somente por seus
organismos”. Pois para esta, “[...] as políticas sociais – e a educação – se situam no interior de
um tipo particular de Estado. São formas de interferência do Estado, visando à manutenção
das relações sociais de determinada formação social”. Nesse ínterim as políticas públicas
sociais assumem faces diferentes em diferentes sociedades, cujas concepções de Estado
também divergem. Höfling (2001) destaca que é impossível se ter uma ideia de Estado fora de
uma concepção política e de uma teoria social que abranja a sociedade na sua totalidade.
Desta forma, o Estado tem o papel primordial de oferecer a Educação,
prioritariamente, em sua rede oficial de ensino. No entanto, para que isto aconteça são
necessários meios, que são obtidos, a partir de um sistema de financiamento baseado na
arrecadação de impostos pagos pela população.
No caso brasileiro, foi somente com a Constituição de 1988 no seu Art. 212 que a
Educação ganha expressão em se tratando de financiamento. Representou um acontecimento
bastante significativo, pois, entre outras coisas, se determinou quanto deveria ser gasto em
cada sistema se ensino, de acordo com a esfera administrativa de governo, ou seja, a União
aplicaria, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos,
compreendida a proveniente de transferências, na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
(MDE).
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Porém, apesar desses avanços, ainda existiam algumas lacunas que precisavam ser
preenchidas, como a questão das competências em relação ao ensino oferecido nas redes
oficiais. Em função disso, a LDB Lei Nº 9.394/96, surge como uma tentativa de aperfeiçoar e
solucionar estas questões e seu Art. 11 especifica que os municípios incumbir-se-ão de
oferecer a Educação Infantil em Creches e Pré-Escolas, e, com prioridade, o Ensino
Fundamental, sendo permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando
estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos
acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal ao MDE.
Contudo, ainda foi preciso se criar novos mecanismos de distribuição e vinculação de
recursos destinados à educação. A despeito disso, foi criado em 1996 o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Com
vigência de 1997 a 2006, este Fundo tinha como um de seus principais objetivos priorizar o
Ensino Fundamental através da vinculação de recursos e promover a qualidade do ensino. A
maioria das críticas feitas ao FUNDEF foi justamente em relação ao fato de que todos os
olhares e atenções teriam se voltados para este nível de ensino, em detrimento dos demais
como a Educação Infantil e o Ensino Médio. Em função disso, foi implantado em 2007 o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB) e que cobriria toda a educação básica.
Diante do abordado, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de pesquisa
realizada no município de Ereré, no período de 1998 a 2010, a análise se voltou à aplicação
dos recursos do FUNDEF e do FUNDEB no referido município. Trabalho de conclusão
apresentado ao curso de Ciências Econômicas do Campus Avançado Profª Maria Elisa de
Albuquerque Maia (CAMEAM/UERN, 2012). Buscou-se identificar os avanços e os limites
dos respectivos fundos; bem como as possibilidades existentes na promoção da melhoria da
qualidade do ensino.
2 QUADRO GERAL DA EDUCAÇÃO DE ERERÉ
O Município de Ereré localiza-se no Sudeste do Ceará, divisa com o Estado do Rio
Grande do Norte, possui uma população de 6.840 habitantes numa área territorial de 396,016
km² (IBGE, 2010). Mais de 50% da população reside na sede do município. Trata-se de um
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município pobre, que enfrenta sérios problemas sociais e econômicos, reflete sem dúvida
aspectos da região que se insere – a Nordeste. Região que possui 28% da população pobre do
país, 50% desta ocupada percebendo um salário mínimo. (ARAÚJO, 2009).
Os dados
socioeconômicos explicam por si só, vejamos: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no
ano de 2000 estava no valor de 0,619 ocupando a 114 posição no Ranking Estadual; Índice de
Desenvolvimento Municipal (IDM) que em 2008 era 21,60 e se encontrava na posição 148;
Índice de Desenvolvimento Social de Oferta (IDS-0) no mesmo ano com o valor 0,370 e a
112 lugar e Índice de Desenvolvimento Social de Resultado (IDS-R), que no ano 2008
possuía o seguinte valor 0,335 e a 169 posição no Ranking.
No referente a taxas de analfabetismo funcional para pessoas com 15 anos ou mais,
segundo dados do IBGE (apud IPECE, 2011), no ano de 2010 o município possuía uma
população residente nessa faixa etária equivalente a 5.139 pessoas. Sendo 3.560 alfabetizados
e uma taxa de 30,73 de analfabetos funcionais. Quando analisados os dados referentes ao
estado do Ceará veremos uma taxa de analfabetismo inferior ao verificado no município de
Ereré. Esta taxa no estado sofreu uma queda de -7,76, entre os anos de 2000 e 2010, passando
de 26,54 no primeiro ano para 18,78 em 2010. Houve no período considerado, um aumento de
1.459,879 no número de pessoas alfabetizadas, passando de 3.627,614 em 2000 para
5.087,493 em 2010 (IBGE apud IPECE, 2011).
Conforme informações do IPECE (2011), o município de Ereré apresentou uma
matricula inicial total no ano de 2010 de 1.810 alunos, sendo: 169 alunos da rede estadual e
1.641 alunos pertencentes à rede municipal de ensino, divididos da seguinte forma: 322
encontram-se na Educação Infantil (0 a 5 anos), 1.104 estão matriculados no Ensino
Fundamental (6 a 14 anos) e 215 na Educação de Jovens e Adultos.
Em relação ao número de estabelecimentos de ensino existente no município
constatamos que o município possui uma total de 15 estabelecimentos, sendo que 12 desses
encontram-se na zona rural, enquanto a zona urbana apresenta apenas 03, onde 01 é da rede
estadual e 02 da municipal, distribuídos da seguinte forma: 01 creche e 01 escola de ensino
fundamental. Ressalta-se que a maior concentração dos alunos regulamente matriculados se
dá na sede do município, no Ensino Fundamental, atendidos pela Escola de Ensino
Fundamental 04 de Junho.
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Quanto aos indicadores educacionais do Ensino Fundamental e Médio do município
de Ereré no ano de 2010, o mesmo possuía em termos percentuais uma escolaridade liquida
de 26,5%, onde 90,9% desses alunos foram aprovados, 3,0% reprovados e 6,1% abandonaram
as salas de aulas (SEDUC apud IPECE, 2011). Para cada sala de aula existia em média 33
alunos. No tocante ao número de professores das redes municipais e estaduais de ensino, o
município contava com um total de 99 professores, distribuídos da seguinte forma: 7
professores na rede estadual e 92 na municipal (SEDUC apud IPECE, 2011).
Quanto à formação de seus docentes para o ano de 2010, este contava com os
seguintes percentuais: docentes com Nível Médio na Educação Infantil equivalente a 82,76%
e com Nível Superior 17,24% (SEDUC apud IPECE, 2011). Já quanto aos professores do
Ensino Fundamental, com Nível Superior, no ano de 2004 era de 69,74% mas, para o ano de
2010 esse valor sofreu uma queda para 63,46%. Quando comparados esses valores com
estado do Ceará verificamos, a ocorrência inversa, pois em 2004 o Estado contava apenas
com 60,68% de seus docentes com nível superior, ou seja, 4,6% a menos que o município de
Ereré, porém em 2010 esse quadro se inverte e o Ceará supera os valores do município de
Ereré, em 6,91%. Ver gráfico 01.
GRÁFICO 01 – Percentual de docentes com nível superior no Ensino Fundamental em Ereré
2004-2010
Fonte: IPECE (apud LIMA, 2012).
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No que se refere à diminuição na qualificação docente dos professores do município
de Ereré, pressupomos ser esta proveniente, das aposentadorias compulsórias dos professores
efetivos qualificados, bem como, do ingresso de substitutos sem qualificação pedagógica em
nível superior.
A rede municipal de ensino de Ereré oferece a Educação Infantil, constituída de
Creche Parcial: de 02 a 03 anos e Pré-Escolar: de 04 e 05 anos, e o Ensino Fundamental do 1º
ao 9º Ano; além da Educação de Jovens e Adultos e do processo de inclusão de alunos com
deficiência nas salas de aulas regulares. Seu principal desafio é oferecer uma educação de
qualidade e com sustentabilidade.
3 APLICAÇÃO DOS RECURSOS DO FUNDEF E DO FUNDEB NO MUNICÍPIO DE
ERERÉ NO PERÍODO DE 1998 A 2010
Analisando a educação do município de Ereré constatamos que esta pode ser dividida
basicamente em três fases: antes, durante e depois do FUNDEF. Significa que este fundo foi
significativo na educação pública deste município.
A primeira etapa vai desde o surgimento da rede oficial de ensino de Ereré em 1990, à
implantação do FUNDEF neste município em janeiro de 1998. A educação era mantida,
exclusivamente, com recursos resultantes de receitas provenientes de impostos e
transferências, conforme assegura a Constituição de 1988, art. 122. Este percentual,
estabelecido era de 25%, teria que ser aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
(MDE). A segunda etapa é a compreendida durante o período de implantação do FUNDEF no
município, ou seja, de 1998 a 2006. A terceira e última etapa é a considerada pós - FUNDEF e
inicia-se com o funcionamento do FUNDEB em Ereré, em 2007, até os dias atuais,
considerando o recorte da pesquisa (até 2010).
Não obstante, o dispositivo constitucional referido (art.122) anteriormente tenha
representado um grande avanço no sentido de garantir recursos para a manutenção e
desenvolvimento da educação pública brasileira, este não especificava de que modo e em que
os recursos deveriam ser gastos. Neste sentido, é que depois de um intenso debate no
Congresso Nacional, foi instituído pela Emenda Constitucional Nº. 14, de 12 de setembro de
1996 e regulamentado pela Lei Nº. 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano e pelo Decreto
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Nº. 2.264, de 27de junho de 1997, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). No entanto, sua implantação só
acontece a partir de 1º de janeiro de 1998, quando passa a vigorar em todo o país, exceto no
Pará, onde esta aconteceu ainda em junho de 1997, por força de lei estadual. Segundo o MEC
(2004, p. 7).
A maior inovação do FUNDEF consistiu na mudança de estrutura de financiamento
do Ensino Fundamental Público no País, pela subvinculação de uma parcela dos
recursos da educação a esse nível de ensino, com distribuição de recursos realizada
automaticamente, de acordo com o número de alunos matriculados em cada rede de
ensino fundamental, promovendo a partilha de responsabilidades entre Governo
Estadual e os Governos Municipais. As receitas e as despesas correspondentes, por
sua vez, deverão estar previstas no orçamento e a execução, contabilizada de forma
específica.
Assim, a propaganda oficial da época encarregou-se de criar um sentimento de fortes
expectativas na sociedade em torno da implantação e do funcionamento do FUNDEF e que
este seria uma espécie de panaceia que resolveria os problemas da educação, principalmente
os do Ensino Fundamental Público. As expectativas eram alimentadas por argumentos
defendidos de segmentos organizados da sociedade, principalmente de sindicatos ligados à
educação, intelectuais e organismos internacionais, de que a melhoria da qualidade da
educação se associava à questão da quantidade de recursos destinados a esta, ou seja, mais
recursos significariam melhor qualidade do ensino. Isso se justificava no fato de que o
aumento do volume de recursos para a educação proporcionaria necessariamente melhorias na
formação, valorização e nas condições de trabalho dos profissionais da educação; além de
melhorias no ensino, através da dotação de uma infraestrutura física, como livros, materiais e
equipamentos didáticos, merenda e transporte escolar, entre outros, adequados à oferta de uma
educação de qualidade, que deveriam ser expressos pelo aumento dos índices de aprovação e
diminuição da reprovação e, concomitante, abandono escolar.
As diferentes abordagens apresentadas nos motiva ao estudo referente à aplicação dos
recursos do FUNDEF e do FUNDEB no município de Ereré no período de 1998 a 2010. Será
uma oportunidade de avaliamos alguns dos elementos apontados como pertinentes a qualidade
de ensino, se podem estes ser aplicados ao município em analise. Para isso, utilizaremos as
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seguintes variáveis: matrícula, recursos, salário e formação dos professores, aprovação,
reprovação e abandono escolar.
Como o mecanismo de distribuição dos recursos do FUNDEF era baseado no número
de matrículas do ano anterior significava que quanto mais alunos fossem matriculados no
Ensino Fundamental, mais recursos seriam repassados para este nível de ensino. Inclusive
uma das críticas feitas por especialistas, estudiosos e autoridades em relação ao FUNDEF foi
justamente por este priorizar apenas um nível de ensino e de certa forma estimular a sua
matrícula deliberada, sendo verificados em vários municípios, principalmente das Regiões
Norte e Nordeste, casos de “alunos fantasmas”.
No caso do município de Ereré, a trajetória das matrículas do Ensino Fundamental de
sua rede oficial apresentou o seguinte comportamento: em 1998, primeiro ano de implantação
do FUNDEF no município analisado, a matrícula cresceu mais de 31%, acontecimento
previsto se considerado, o estímulo em matricular o maior número de alunos no Ensino
Fundamental, positivamente quando se gerou uma oportunidade de se universalizar o acesso a
este nível de ensino. No ano seguinte este crescimento passou para algo em torno de 11,2%,
em 2002 para próximo de 11,5% e em 2004 para 1,1%. Todos os demais anos do referido
fundo, no caso, 2000, 2001, 2003, 2005 e 2006, foram marcados por quedas sucessivas.
Porém, conforme os dados do INEP/MEC (2012), as matrículas no Ensino Fundamental no
Município de Ereré durante a vigência do FUNDEF, ou seja, de 1998 a 2006, tiveram um
decréscimo total de - 9,4% e anual de -1,04%.
Sobre as razões das matrículas terem apresentado índices decrescentes nos cincos anos
referidos, quando, na verdade, pela nova lógica implantada com o FUNDEF, elas deveriam
crescer, podem ser atribuídas aos seguintes fatores: queda no percentual da população de 0 a
14 anos, na qual estão inseridos os alunos em idade ideal de estarem matriculados no Ensino
Fundamental, ou seja, de 6 a 14 anos, que segundo o IBGE apud IPECE (2011), passou de
42,41% em 1991 para 24,87% em 2010; aumento no número de transferências desses alunos
para outros municípios e elevação dos índices de abandono escolar neste nível de ensino,
como veremos posteriormente quando formos analisar os indicadores educacionais do
município de Ereré.
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As matrículas do Ensino Fundamental do município de Ereré com o FUNDEB no
período de 2007 a 2010 apresentaram o seguinte quadro: crescimento negativo de -15,5% no
período e de -4% ao ano, sendo que as razões para justificarem tal comportamento das
matrículas são consideradas as mesmas referidas para o período do FUNDEF. De forma geral
constatamos que as matrículas do Ensino Fundamental do município de Ereré no período de
1998 a 2010 tiveram o seguinte comportamento: decréscimo total de -26% e anual de -2%;
sendo que com o FUNDEF, 1998 a 2006, este foi de -9,4% e -1,04% e com o FUNDEB, de
2007 a 2010, -15,5% e -4%, respectivamente.
No entanto, com implantação do FUNDEB, passam a serem consideradas, para efeitos
de cálculos dos recursos deste fundo, não só as matrículas do Ensino Fundamental, mas de
toda a Educação Básica, que segundo o Manual de Orientação do FUNDEB (FNDE/MEC,
2009), são as seguintes: Educação Infantil (Creche e Pré-Escolar): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008
e 3/3 em 2009; Ensino Fundamental (Regular e Especial): 3/3 em 2007, 2008 e 2009; Ensino
Fundamental (EJA): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009; Ensino Médio (Regular,
Profissional Integrado e EJA): 1/3 em 2007, 2/3 em 2008 e 3/3 em 2009. Lembrando que até
2011 são considerados por todo o período de 2008 a 2011, os dados das matrículas do Censo
Escolar de 2006.
Desta forma, as matrículas do município de Ereré, mesmo considerando a Educação
Infantil (Creche e Pré-Escolar), o Ensino Fundamental (Regular, Especial e EJA), excluindo
apenas o Ensino Médio por não ser oferecido pela rede municipal de ensino, tiveram uma
queda de -10,4% total de e anual de -2,6% no período de 2007 a 2010, conforme dados do
INEP-MEC/SME (2012), enquanto o Ensino Fundamental Regular analisado separadamente
teve um decréscimo de -15,5% e -4% respectivamente, ou seja, maior do que o sistema de
ensino como um todo.
Após a análise das matrículas, passamos para o estudo recursos financeiros. De 1998 a
2010 o município de Ereré recebeu proveniente do FUNDEF e FUNDEB o valor de R$
15.116.133,44, o que representa uma média anual de R$ 116.779,49 e mensal de R$
96.898,29. Em termos percentuais estes recursos tiveram um crescimento de 618,60% durante
o período considerado, sendo 47,6% anual e 3,96% mensal. No entanto, se consideramos
apenas os recursos do FUNDEF, de 1998 a 2006, o referido município teve uma receita de R$
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6.358.611,26, com uma média de R$ 706.512,36 ano e R$ 58.876,03 ao mês. Isto significa
um crescimento de 222,73% no período, com 24,74%, anual e 2,06% mensal.
Em relação ao FUNDEB, de 2007 a 2010, os recursos foram de R$ 8.757.522,18,
numa média anual de R$ 2.189.380,54 e mensal de R$ 182.448,40, representando um
crescimento de 48%, 12% e 1% respectivamente. Observa-se uma trajetória positiva, ou seja,
sempre crescente, muito embora com índices anuais distintos. Vale destacar que em 2006
acontece um decréscimo de aproximadamente -4%. Momento que caracteriza todo o período
de 1998 a 2010 e ocorre em função da queda das matrículas e das receitas, mas
principalmente pelos ajustes necessários realizados pelo Governo Federal na preparação da
implantação do FUNDEB que ocorreria em todo o país a partir de janeiro de 2007.
Outro aspecto que consideramos importante diz respeito ao mecanismo valor
aluno/ano utilizado para calcular os recursos, tanto do FUNDEF, quanto do FUNDEB, bem
como, a forma na qual deveriam ser gastos. A esse respeito, cabe-nos uma indagação: se mais
matrículas significam mais recursos, como explicar o fato dos recursos do município de Ereré
no período de 1998 a 2010 terem crescido uma média anual de 47,6%, enquanto as matrículas
do Ensino Fundamental decresceram -2%? As principais hipóteses são as seguintes: os
impactos provocados pelo FUNDEB que passou a considerar também as matrículas da
Educação Infantil, da EJA e da Educação Especial e, principalmente o fato do valor aluno/ano
ser reajustado anualmente, como demonstrado na tabela abaixo.
TABELA 01 – Valor Mínimo Nacional por Aluno/Ano: 1997-201017
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Atos legais de fixação dos valores mínimos nacionais por aluno/ano de 1997 a 2010: 1997: Art. 6º, § 4º da Lei
n.º 9.424, de 24.12.1996; 1998: Dec. Nº. 2.440, de 23.12.1997; 1999: Dec. Nº. 2.935, de 11.01.1999; 2000: Dec.
Nº. 3.326, de 31.12.1999; 2001: Dec. Nº. 3.742, de 01.02.2001; 2002: Dec. Nº. 4.103, de 24.01.2002: 2003: Dec.
Nº. 4.861, de 20.10.2003; 2004: Dec. Nº. 5.299, de 07.12.2004; 2005: Dec. Nº. 5.374, de 17.02.2005; 2006: Dec.
Nº. 5.690, de 03.02.2006; 2007: Portaria Interministerial Nº. 1.030, de 06/11/2007; 2008: Portaria
Interministerial Nº. 1.027, de 19/08/2008: 2009: Portaria Interministerial Nº. 788, de 14/08/2009 e 2010: Portaria
Interministerial Nº. 538-A, de 26/04/2010.
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Fonte: FNDE/MEC, 2012. Legenda: EE-Educação Especial; SI-Series Iniciais, SF-Series Finais; ZR-Zona
Rural; ZU-Zona Urbana. (apud LIMA, 2012).
Conforme o Manual de Orientações do FUNDEF (MEC, 2004), a Lei Nº. 9.424/96,
que criou o FUNDEF, um valor mínimo nacional por aluno/ano é fixado, assegurado ao
governo estadual e aos governos municipais para aqueles onde a relação entre o total da
receita do referido Fundo e o total de alunos do Ensino Fundamental das respectivas redes de
ensino for menor do que esse valor estabelecido.
Para o ano de 1997 esse valor foi estabelecido pela própria lei que regulamentou o
FUNDEF, em 1998 passou a ser fixado por meio de Decreto Federal, e a partir de
2000 a fixação passou a ocorrer definindo-se valores diferenciados para a 1ª a 4ª
série e 5ª a 8ª série e Educação Especial (MEC, 2004: p. 6) .
Além disso, no âmbito de cada estado haverá um valor por aluno/ano, calculado com
base na receita do FUNDEF ou do FUNDEB e no número de alunos do Ensino Fundamental
(Regular e Especial) das redes públicas estaduais e municipais do ano anterior (MEC, 2004).
A partir de 2008, são computadas para efeito de cálculo do FUNDEB, as matrículas
também da EJA e seus valores aluno/ano no estado do Ceará, inclusive usados para a
efetuação dos repasses ao município de Ereré, referente à modalidade Avaliação no Processo,
foram os seguintes: 2008: R$ 792,64; 2009: R$ 1.080,07 e 2010: R$ 1.132,78. Ademais, vale
ressaltar que para cada Estado é calculado um valor por aluno/ano, tomando-se como base
apenas os recursos provenientes da contribuição do governo estadual e dos governos
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municipais daquele Estado (sem recurso da complementação da União), o número d alunos e
os fatores de ponderação.
Caso o valor por aluno/ano fosse inferior ao mínimo nacional por aluno/ano vigente,
torna-se necessário à garantia de recursos federais a título de complementação do Fundo no
âmbito do Estado. Essa complementação ocorre, portanto, com o objetivo de assegurar o valor
mínimo estabelecido. Dessa forma, haverá apenas naqueles Estados cujo per capita se situe
abaixo do mínimo nacional. A complementação não alcança todos os Estados, apenas aqueles
com menor valor per capita. (MEC, 2004).
A complementação da União ao FUNDEB para o Estado do Ceará no período de 2007
a 2010, segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e MEC (2012),
foram os seguintes: em 2007, R$ 280.785.300,00; 2008, R$ 419.601.400,00; 2009, R$
662.277.200,00 e em 2010, R$ 876.233.219,81.
Com o advento do FUNDEB, que passa a vigorar a partir de janeiro de 2007, como já
mencionado, passou-se a computar as matrículas, no caso específico dos municípios, tanto do
Ensino Fundamental Regular, quanto da Educação Infantil, EJA e Educação Especial no
cálculo do valor aluno/ano a partir de fatores de ponderação. A tabela abaixo demonstra os
valores aluno/ano nos quatros primeiros anos do FUNDEB, para os segmentos educacionais
do município em questão.
TABELA 02 - Valor Mínimo Nacional Aluno/ano (R$) no período de 2007 a
201018
Fonte: FNDE/MEC, 2012, construção LIMA (2012).
Legenda: SIU- Séries Inicias Urbanas; SFU- Séries Finais Urbanas; SIR- Séries Iniciais Rurais; SFR- Séries
Finais Rurais; EE- Educação Especial; EJA- Educação de Jovens e Adultos
18
Fatores de Ponderação: Creche, (0,80); Pré-escolar, (1,00); Séries Inicias Urbanas, (1,00); Séries Finais
Urbanas, (1,10); Séries Iniciais Rurais, (1,05); Séries Finais Rurais, (1,15); Educação Especial, (1,20) e
Educação de Jovens e Adultos com Avaliação no Processo, (0,80).
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1724
A terceira variável utilizada na análise do FUNDEF e do FUNDEB, no município de
Ereré diz respeito à valorização salarial dos professores. No entanto, faz-se necessário,
incialmente, que se compreendam os critérios de utilização dos recursos dos referidos Fundos.
Em relação ao FUNDEF, o MEC (2004, p. 14), determina que: Os recursos do FUNDEF
devem ser empregados exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do Ensino
Fundamental público, particularmente, na valorização do seu magistério, devendo ser
aplicados de modo que: o mínimo de 60% seja destinado à remuneração dos profissionais do
magistério e o restante dos recursos (de até 40% do total) seja direcionado para as despesas
consideradas de manutenção e desenvolvimento do ensino.
De acordo com dados do Banco do Brasil (2012), durante a vigência do FUNDEF no
município de Ereré, período de 1998 a 2006, este recebeu recursos da ordem de R$
6.358.611,26, sendo que 60% desse valor correspondiam a R$ 3.815.166,75 e 40% a R$
2.543.444,50. Isto significa que o referido município recebeu por ano em média R$
706.512,36, com R$ 423.907,41 referentes aos 60% e R$ 282.604,94 aos 40% e dispôs de
uma média mensal de R$ 58.876,03, em que R$ 35.325,62 (60%) foi para o pagamento de
professores e R$ 23.550,04 (40%) para gastos com a manutenção e desenvolvimento do
ensino. Tratando-se do FUNDEB, a obrigatoriedade do cumprimento das exigências na
utilização dos seus recursos são as mesmas:
Cumprida a exigência relacionada à garantia de 60% para remuneração do magistério,
os recursos restantes (de até 40% do total), deveriam ser destinados para despesas diversas de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), realizadas na educação básica, na forma
prevista no artigo 70 da Lei Nº. 9.394/96 (LDB), observado o seguinte critério por ente
governamental: Estados: despesas com MDE no âmbito dos ensinos fundamental e médio;
Distrito Federal: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e dos ensinos
fundamental e médio; e Municípios: despesas com MDE no âmbito da educação infantil e no
ensino fundamental (MEC, 2009: p. 21).
Os valores do FUNDEB destinados os município de Ereré, no período de 2007 a 2010,
foram da ordem de R$ 8.757.552,18, com média de R$ 2.189.380,54 por ano e R$ 182.448,40
por mês (BANCO DO BRASIL, 2012). De acordo com as determinações do MEC expostas
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1725
acima esses valores foram os seguintes: 60%: total: R$ 5.254.531,31; ano: R$ 1.313.628,32 e
mês: R$ 109.469,04; e 40%: total: R$ 3.503.020,87; ano: R$ 875.572,21 e mês: R$ 72.979,36.
Desta forma, os recursos oriundos do FUNDEF e do FUNDEB, e aplicados no citado
município, de 1998 a 2010, foram: total: R$ 15.116.133,44, representando uma média anual
de R$ 116.779,46 e mensal de R$ 96.898,29. Os gastos com o magistério (60%) foram o
seguinte: total: R$ 9.069.680,06; anual: R$ 70.067,67 e mensal: R$ 46.711,78; e com MDE
(40%): total: R$ 6.046.453,37; anual: R$ 46.711,78 e mensal R$ 38.759,31.
Portanto, constatamos que houve um aumento significativo no volume de recursos
injetados no referido município. Isto deveria, consequentemente, promover um impacto
positivo nos salários dos professores, na melhoria da sua formação profissional e nas suas
condições de trabalho e do ensino.
Diante do exposto, quando analisamos a evolução dos salários de professores
percebemos que no primeiro ano de implantação do FUNDEF no município de Ereré, em
1998, houve um aumento de mais de 405%. Apesar de este parecer exorbitante, temos que
levar em consideração que os salários de 1997 eram irrisórios, ou seja, R$ 62,32, colocando
inclusive, estes profissionais na categoria de “sub-assalariados”, pois o salário mínimo deste
ano era de R$ 120,00. Em 1998 o salário mínimo era de R$ 130,00, seus salários alcançaram
os R$ 315,00. Esse ponto carece de esclarecimento: de 1998 a 2001, os professores não
tiveram reajuste, nem aumento salarial, além do fato de que estes recebiam salários iguais,
independentemente da formação e tempo de serviço no magistério. Mudanças dessa
substancial, somente seria possível mediante a implementação de um Plano de Cargos,
Carreiras e Remuneração do Magistério Municipal (PCCR/MAG), fato ocorrido em 2002 e
que passou a tratar da valorização da categoria. Introduziu-se nesse plano inclusive, uma das
exigências do FUNDEF, remunerando estes profissionais, com base na sua formação,
desempenho e tempo dedicado ao ensino.
Percebemos que apesar do aumento de salário de mais de 405% durante o período do
FUNDEF, 1997 a 2006, a qualificação docente do Ensino Fundamental não ocorreu de forma
significativa, pelo contrário, caiu de 56,8% em 2002, para 35,4% em 2006, principalmente,
até o último ano da existência do FUNDEF. As explicações mais prováveis para este
acontecimento têm como base as seguintes hipóteses: a) que os professores teriam se
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1726
qualificado com o FUNDEF, e antes do término deste, se aposentado por tempo de serviço,
sendo substituídos por pessoas não qualificadas; b) o fato de ter aumento o número de
professores considerados leigos na função, ou seja, que lecionam no Ensino Fundamente do 6º
ao 9º ano, mas não têm a formação, com habilitação por área, exigida pela LDN Nº. 9.394/96,
mesmo tendo formação pedagógica, como Licenciatura em Pedagogia.
Com a implantação do FUNDEB que passou também a custear a Educação Infantil, a
formação profissional e atuação dos professores do município não mudou muito. Segundo os
dados coletados junto ao IPECE (2011) verificamos que 17,24% dos que atuam na Educação
Infantil têm formação pedagógica em Nível Superior, já no Ensino Fundamental este índice é
se aproxima dos 64% em 2010, menor que o ano de 2004, quando 69,74% dos profissionais
possuíam ensino superior. Logicamente o ponto ideal não foi alcançado, o referido município
não avançou muito no quis diz respeito à qualificação docente, ou seja, possuir o maior
número possível de seus professores com formação em Nível Superior, com Licenciatura em
Pedagogia, Habilitação por Área de Ensino, e inclusive, Pós-graduados. As razões para isso
estão no fato de que esta qualificação docente ocorreu, na sua grande maioria, com os
professores que atuavam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental do 1º ao 5º Ano e que
a apenas a formação em Nível Médio Pedagógico, ou Magistério, ou em Nível Superior com
Licenciatura em Pedagogia seriam suficientes para que eles fossem considerados a lecionar
nestes níveis de ensino.
De acordo com os dados da SME (2011) de Ereré coletados através das avaliações
realizadas pelas escolas para aferição da aprendizagem dos alunos do Ensino Fundamental,
durante o período de 1998 a 2010, a aprovação apresentou o seguinte desempenho: 1999:
aumento de 14,5%; 2000: diminuição de 16,6%; 2001: aumento de 20,7%; 2002: diminuição
de 1,7%; 2003: o índice permaneceu o mesmo em 86%; 2004: aumento de 1,7%; 2005:
diminuição de 18,3%; 2006: aumento de 4,2%; 2007: aumento de 4,7%; 2008: diminuição de
3,2%; 2009: aumento de 3,5% e 2010: aumento de 20,6%.
Analisando ainda os índices de aprovação do referido município constatamos que este
apresentou uma média de cerca de 80% de aprovação em termos absolutos, em termos
relativos temos o pior desempenho foi do ano 2005, com apenas 71,5%, e o melhor o
apresentado em 2010 que foi de 90,5%, além deste índice durante o período considerado ter
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1727
sido marcado por aumentos e quedas sucessivas. Verificamos também que no segundo ano de
implantação do FUNDEF, portanto em 1999, este índice teve um desempenho significativo de
14,5%, saindo de 76% no ano anterior para 87% neste ano. Já em relação ano FUNDEB, no
ano antes da sua implantação, em 2006, a aprovação era de 74,5% e em 2007 tem um
aumento de 4,7%, subindo para 78%.
Quando comparados os indicadores do Ensino Fundamental do referido município
com os do estado do Ceará, a partir da implantação do FUNDEB, que apresentou seguintes
indicadores: 2007: aprovação 83,8%, reprovação: 11,4% e abandono 4,8%; 2009: aprovação
87%, reprovação 9,5% e abandono 3,6%; 2010: aprovação 88,4%, reprovação 8,7% e
abandono 2,9%. Comparando estes índices com os apresentados pelo município de Ereré, no
mesmo período, conforme a tabela 17 temos: 2007: aprovação 78%, reprovação 14,5% e
abandono 7,5%; 2009: aprovação 75%, reprovação 20,5% e abandono 4,5%; 2010: aprovação
90,5%, reprovação 8% e abandono 1,5%. Por tanto, constatamos que o único ano em que os
indicadores do município analisado tiveram o desempenho melhor do que o do estado foi em
2010. O gráfico a seguir demonstra as variáveis analisadas.
GRÁFICO 02 – Desempenho do Ensino Fundamental de Ereré (%): 1998-2010.
FONTE: SME- Ereré(2011)/IPECE (2011)/Banco do Brasil (2012). Construção de Lima (2012) .
Os dados acima demonstram definitivamente que apenas aumentar os recursos não é
suficiente para garantir a promoção da melhoria do ensino, é preciso considerar a
complexidade do processo educacional, a existência de outros fatores que precisam ser
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1728
lavados em consideração, como: desinteresse dos alunos, despreparo dos professores e demais
profissionais do ensino, condições inadequadas para a realização de um ensino de qualidade,
falta de planejamento e monitoramento das escolas e ausência de participação e
acompanhamento das famílias nas atividades escolares dos alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A concepção predominante que se tem acerca da educação, enquanto política pública
social, é que esta se constitui um direito fundamental da família e um dever exclusivo do
Estado. Apesar de a família ser a principal responsável pelo acompanhamento da educação
escolar dos seus filhos, é o Estado que tem a grande obrigação de oferecê-la
institucionalmente e os governos são encarregados de garanti-la através dos mecanismos
legais existentes. Significa afirmar, que as políticas públicas constituem-se num conjunto de
ações que os governos utilizam para alcançar determinados objetivos, ou seja, representam o
Estado em ação, em que este implementa projetos de governo através de programas e ações
voltadas para setores específicos da sociedade, inclusive, não devendo ser reduzidas apenas as
políticas estatais.
Neste sentido, as políticas públicas sociais, que têm suas raízes nos movimentos
populares do século XIX voltados aos conflitos surgidos entre capital e trabalho, referem-se a
ações na garantia de um padrão social utilizado pelo Estado no que diz respeito à
redistribuição dos benefícios sociais, de forma a diminuir as desigualdades estruturais
produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.
A educação é considerada como uma política pública, de corte social, apesar de ser
responsabilidade do Estado, não é pensada apenas por seus organismos, mas assumem feições
de acordo com suas diferentes concepções, pois se estão inseridas num Estado Capitalista,
suas políticas educacionais acabam funcionando como um instrumento na obtenção dos
interesses deste tipo de Estado.
Em relação ao financiamento da educação pública brasileira, ficou evidente que seu
histórico basicamente pode ser divido em duas etapas: uma antes e outra depois da
Constituição de 1988. Com constituição avanços significativos foram observados e garantidos
no Art. 205 da nossa última Carta Cidadã.
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1729
O FUNDEF teve como principal objetivo corrigir as desigualdades socioeducacionais
presentes na sociedade brasileira através de um ajuste econômico no campo educacional e
trouxe avanços importantes para o Ensino Fundamental, como aumento das matrículas, dos
recursos financeiros, dos salários dos profissionais do magistério, da qualificação docente e da
melhoria das condições de ensino. No entanto a limitação de abrangência lhe rendeu
duramente críticas.
Em razão disso, foi criando em 2007 o FUNDEB e sua principal finalidade tem sido
ampliar o financiamento a toda a educação básica, sendo necessário, também, aumentar seus
recursos, que passaram de 15% para 20% das receitas resultantes de impostos e destinadas
esta etapa educacional. Desta forma, o objetivo foi dar continuidade à busca pela melhoria do
ensino, por meio de ajustes na forma de distribuição dos recursos e criando um padrão
nacional de qualidade do ensino público brasileiro.
Desta forma, constatamos que no período de vigência do FUNDEF e do FUNDEB no
município de Ereré, CE, de 1998 a 2010, os indicadores do Ensino Fundamental apresentaram
matrículas em decréscimo, intervalo de 26%, uma queda anual de 2%. Isto ocorreu em
função, principalmente, da diminuição da população de 0 a 14 anos de idade; aumento no
número de transferências de alunos para outros municípios e elevação dos índices de
abandono escolar neste nível de ensino. Se comparados os dados relativos às matrículas no
período compreendido entre o FUNDEF e FUNDEB, percebemos que a tendência no âmbito
nacional se repete no município em questão, tais como nos anos iniciais do FUNDEF em que
foi observado aumento considerável no número das matrículas. No entanto nos anos seguintes
verificam-se sucessivas quedas.
Em relação aos recursos financeiros, estes apresentaram um crescimento de 618,6%
durante o período considerado e uma média anual de 47,6. O que foi constado é que o
aumento de tais recursos ocorreu, não por ocasião das matrículas, verificadas em queda, mas
das elevações do valor/aluno/ano promovidas pelo Governo Federal. Este aumento no volume
de recursos promoveu, por conseguinte, a valorização dos profissionais do magistério, através,
especialmente, da melhoria dos seus salários. No entanto, como observamos tal
acontecimento deveria ter provocado um salto na qualificação docente, que inclusive, está
ligada intrinsicamente a esta questão. As razões para que isso não acontecesse, foi o fato de
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alguns profissionais terem se aposentado compulsoriamente e seus substitutos não possuírem
formação pedagógica em nível superior. Após desses dados, se observou que a média de
aprovação ficou em torno de 80%, apesar da mesma em alguns períodos tenha decaído.
O que análises nos apontaram, é não existe necessariamente uma relação categórica
entre aumento dos recursos e a garantia da melhoria do ensino. É preciso se levar em conta
outras questões, pertinentes, que demonstram a complexa análise que o objeto pesquisado
envolve, como: as condições de trabalho, que devem ser adequadas aos profissionais da
educação, metodologias adequadas que despertem o interesse dos alunos pelos estudos,
professores capacitados e comprometidos, gestão democrático-participativa, acompanhamento
pedagógico efetivo, participação dos pais na vida escolar dos filhos, pois a família continua
sendo referência inicial.
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2012.
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A EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS LIMITES ABSOLUTOS DO CAPITAL:
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHADOR QUALIFICADO E CONTRADIÇÃO DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR EM TEMPOS DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL
Edilvan Moraes Luna19
Ana Paula dos Santos Brito20
Resumo- O referente trabalho é parte de um projeto de pesquisa em que objetiva estudar a
precarização do trabalhador qualificado e a contradição da educação superior em tempos de crise
estrutural do capital, procurando analisar diante das declarações da vigência de uma nova sociedade
baseada no conhecimento. Em que diz prezar pela informação, aqueles que adquirem níveis de
formação mais elevado, não encontram espaço no mercado de trabalho ao nível de sua formação.
Sendo essas limitações imposta pelo próprio mercado e não justiçada pela falta de competência do
indivíduo.
Palavras-chave: Precariado- inovação- conhecimento
Introdução
A partir da década de 70, observou-se nas economias capitalistas um movimento na
organização socioeconômica que apontava para uma tendência de esgotamento da promessa
do welfare state e dos “anos dourados” que se seguiram após a segunda guerra mundial. O
movimento de esgotamento do sistema capitalista pode ser visto por meio das crises que o
mesmo enfrenta e as estratégias usadas na tentativa de superá-las.
As crises do sistema capitalista, a partir da década de setenta, apresentou as suas
peculiaridades que distaram das crises anteriores. Enquanto as crises anteriores à década de
setenta tendiam a ser restrita a esferas específicas do sistema capitalista, atingindo mercados
locais, com prazos limitados e cíclicos e, por fim, com erupções e colapsos abruptos, as crises
após setenta serão vistas como de caráter universal, de alcance global com escala de tempo
19
Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Tel: (88) 9692-4125, Email: [email protected]
20
Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri- URCA, Tel: (87) 9965-4711, Email: [email protected]
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1733
contínua e com modos de desdobramentos rastejantes, características estas que fazem das
crises atuais crises estruturais do capital (MÉSZÁROS, 2002).
Na tentativa de superar as crises que ameaçam sua legitimidade, surgem formas de
reestruturação produtivas que acentuam a pressão sobre a natureza, o homem e,
principalmente, sobre o operário e o trabalhador assalariado. Figura mais emblemática da
tentativa de reestruturação produtiva é o sistema Toyota de produção, que por meio da
doutrina difundida por Taiichi Ohno, criador do Sistema Toyota de Produção, se apropria
tanto do físico como do subjetivo do trabalhador (ALVES, 2011). Essa dupla apropriação,
apoiada em valores-fetiches, expectativas e utopias de mercado tendem a gerar pressões
psicofísicas que colocam os indivíduos diante de uma situação de “subjetividade em
desefetivação” (ALVES, 2011). Essa tentativa de reestruturação em tempos de crise também
coloca em xeque os sonhos e esperanças dos indivíduos, principalmente dos jovens, que
experimentando da promessa do consumismo e alcançando padrões de escolaridade elevada,
se veem diante de uma organização econômica incapaz de suprir com seus sonhos (ALVES,
2012).
Diante do cenário de crise estrutural do capital, a educação formal, “ativo” apontado
como capaz de gerar a almejada mobilidade social na organização socioeconômica capitalista,
se vê desvalorizado na prática. Em um ambiente no qual a educação é valorizada
simbolicamente, ou em outras palavras, em um ambiente em que reina a “apologia da
aprendizagem útil para a empregabilidade” (LIMA, 2012, p. 27), o mercado não é capaz de
cumprir com a promessa de empregabilidade para todos, se revelando, o capitalismo, uma
sociedade do desperdício, já que desperdiça a “futuridade de jovens altamente escolarizados,
penhorando-se suas perspectivas de carreira e mobilidade social” (ALVES, 2012). Isso
acentua ainda mais a precariedade do trabalho, acrescendo ao conceito de trabalhador
precariado uma nova dimensão, a que corresponde à inserção em trabalhos precários de um
número cada vez maior de jovens qualificados com nível superior.
Nos países em desenvolvimento, a precariedade do trabalho se torna imperceptível
devido ao ofuscamento causado por um valor-fetiche da empregabilidade, de forma que se o
emprego cresce mesmo em condições precárias, ele é divulgado e celebrado como vitória de
um povo, não trazendo a luz as contradições e limitações presentes no momento, confundindo
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o real com o existente. Enquanto o existente é estático, visão de um momento em particular, o
real é um processo dinâmico e complexo (TEIXEIRA & FREDERICO, 2008). O existente da
empregabilidade, portanto, esconde o processo dinâmico que compõe o mundo do trabalho
contemporâneo.
É no contexto de procurar observar a realidade do trabalho e do trabalhador brasileiro
que este projeto de pesquisa pretende dar início a uma pesquisa que tem como foco central o
precariado brasileiro, especificamente, a sua face escolarizada e altamente qualificada,
buscando responder a pergunta: neste início de século, diante das declarações da vigência de
uma nova sociedade (pós-industrial, pós-moderna, pós-fordista, sociedade da informação,
etc.) baseada no conhecimento e na informação, será que há espaço no mercado de trabalho
brasileiro para todos aqueles que terminam um curso de graduação, espaço aquele, que esteja
à altura de sonhos e pretensões que acompanham o sentido de possuir um nível superior?
A hipótese que fundamenta a pesquisa é delineada da seguinte forma: a organização
socioeconômica capitalista tende a limites absolutos, e que no cenário da luta de classes, dos
conflitos de interesses e das relações de poder, estes limites não são aceitáveis, pois
representam a perda de legitimação de um sistema que se mantém por meio de um poder
simbólico calcado na promessa de bem-estar e democracia da riqueza. Embora não aceitáveis
os limites absolutos do sistema capitalista, estes são cada vez mais presentes, tornando as
promessas legitimadoras contraditórias. Assim, em termos do precariado que se estar proposto
a estudar, se na procura por manter os padrões de crescimento de uma economia, se enfatiza o
papel do conhecimento como insumo para a inovação, por outro lado, na mesma sociedade
dita do conhecimento e da informação, aqueles que alcançam níveis de escolarização mais
altos, diplomas de nível superior, não encontram espaço no mercado de trabalho no nível de
sua formação e de sonhos e pretensões. Longe de tal tendência ser justiçada pela falta de
competência do indivíduo, a dificuldade de jovens altamente escolarizados se enquadrarem no
mercado de trabalho a altura dos sonhos que idealizaram é devida a limitações do próprio
mercado, da própria economia, do próprio sistema capitalista, que por seguir a lógica da
valorização do capital, age em detrimento do trabalho por ser este considerado um custo ou
despesa. Assim, restam para muitos jovens com nível superior empregos precários, ou seja,
aqueles trabalhos; a) cuja duração e continuidade no emprego é incerto; b) direitos sociais e
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trabalhistas tendem a ser desrespeitados; c) baixa remuneração (1 a 2 salários mínimos,
aproximadamente); d) condições de trabalhos inadequadas além de ; e) não permitirem a
realização da ascensão social e de uma maior qualidade de vida. Os trabalhos precários são,
portanto, os “trabajos que reducen de forma significativa la capacidad del trabajador de
planificar y controlar su presente y su futuro” (CANO, p. 80, p. 1996).
A pesquisa objetiva estudar o precariado brasileiro na sua dimensão escolarizada ao
longo deste início de século e milênio (2000 a 2013), por ser esse período representado tanto
por um crescimento da economia brasileira, marcada fortemente pela expansão do poder de
consumo da classe média brasileira, como também pela expansão do ensino superior,
envoltos, ambos, por um contexto político de despolitização da classe trabalhadora no
governo do partido do trabalhador (PT) e de políticas públicas federais que centradas no
aumento do consumo da população escondem as crises existentes no mundo do trabalho na
sociedade brasileira (BRAGA, 2012).
Para alcançar o objetivo proposto anteriormente, contudo, de maneira específica, serão
cumpridos antes os seguintes objetivos: estudar o conceito de crise estrutural do capital
presente nos trabalhos de István Mészáros, principalmente em sua obra Para Além do Capital,
além de outros autores consagrados da sociologia e da economia do trabalho de forma que se
obtenha subsidio teórico para reflexões a cerca do mundo do trabalho contemporâneo;
observar o conceito de precariado, procurando captar sua complexidade e suas diferentes
faces (repercussões no âmbito social, econômico, político); observar o contexto econômico e
educacional do Brasil nos últimos dez anos, descrevendo a evolução de variáveis quantitativas
tais como Produto Interno Bruto (PIB), renda, emprego, expansão das Instituições de Ensino
Superior (IES), dos cursos de nível superior, do número de concludentes de ensino superior;
relacionar a expansão do número de concludentes do nível superior com o incremento da
precarização do trabalho no Brasil.
Espera-se que com o desenvolvimento da pesquisa possa-se contribuir para o debate
acerca da precarização do trabalho no Brasil, apontando tanto o real como o existente,
favorecendo a superação do desafio humano de “dar sentido ao trabalho humano, tornando a
nossa vida também dotada de sendo” instituindo “uma nova sociedade dotada de sentido
humano e social dentro e fora do trabalho” (ANTUNES, 2009, p. 238).
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A sociedade do conhecimento e da informação
Nas últimas décadas, de forma específica, a partir da década de 70 e 80, se intensificou
nos meios intelectuais uma discussão que tem por base o fim da sociedade do trabalho e o
advento de uma nova sociedade, a do conhecimento. Diante do avanço tecnológico
presenciado, chegou-se a conjeturar o fim do trabalho abstrato, com a substituição do trabalho
humano pelo trabalho de autômatos (SCHAFF, 1990) ou até mesmo uma Computopia na
Terra com sugere Masuda21 (KUMAR, 2006).
Tendo em vista o contexto histórico, econômico e político, que alteraram as condições
de vida humana nas últimas décadas, alguns autores, afirmam estarmos vivendo uma nova
sociedade, um novo cenário socioeconômico distinto do de duas, três décadas atrás. Esse novo
cenário, ora definido como pós-moderno, ora definido como pós-industrial, para ficarmos nas
duas definições mais comuns, possuem um leque de distinções com seus antecessores (a
sociedade moderna ou a sociedade industrial)
Dentre os eixos principais, ressaltemos aquele a qual é fundamental para
desenvolvermos a tese do presente trabalho: o conhecimento e a informação. Estes dois
elementos, na caracterização da sociedade pós-industrial serão alçados ao status de modo de
produção, matéria-prima e mercadoria. Porém, estes três status serão compreendidos pelos
autores que defendem a nova sociedade como que detentores de aspectos específicos que o
tornam diferentes das características que possuíam os modos de produção e as mercadorias
tradicionais antes do advento da Revolução científico-tecnológica.
Um dos primeiros intelectuais a popularizar o conceito de sociedade pós-industrial foi
Daniel Bell, em seu livro O Advento da Sociedade pós-industrial: uma tentativa de previsão
social. No livro, Bell (1977) propõe separar a evolução da sociedade em três etapas: a
21
Estamos nos dirigindo para o século XXI com o nobre objetivo de construir uma Computopia na terra, em cujo
monumento histórico haverá apenas vários chips, um em cada polegada quadrada de uma pequena caixa. Essa
caixa, porém, armazenará numerosos registros históricos, incluindo o de como 4 bilhões de cidadãos mundiais
venceram a crise de energia e a explosão demográfica, conseguiram a abolição das armas nucleares e o
desarmamento completo, eliminaram o analfabetismo e criaram uma rica simbioses entre Deus e homem, sem a
coação do poder ou da lei, mas pela cooperação voluntária dos cidadãos... Assim, a civilização que será
construída... não terá o caráter de uma civilização material caracterizada por edificações imensas, mas será
virtualmente uma civilização invisível. Para sermos precisos, ela deveria ser chamada de “civilização da
informação”... (MASUDA 1985, p. 633-634 apud KUMAR, 2006, p. 54)
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1737
sociedade pré-industrial, industrial e pós-industrial. A primeira compõe a sociedade
organizada em torno da terra e da sua propriedade, sendo a produção, portanto, de tipo agrário
e em moldes tradicionais a base da organização socioeconômica. A sociedade industrial, por
sua vez, gira em torno da produção industrial, sendo caracterizada, principalmente, pela
materialidade da mercadoria, a mensuração dos fatores de produção usados e a predominância
do fator capital e trabalho como fatores de produção determinantes. Na sociedade industrial, a
teoria do valor-trabalho possui um significativo caráter explicativo das relações sociais de
produção.
Contudo, com a redução do setor industrial como motor dinâmico da economia,
perdendo lugar, por sua vez, para o setor de serviços, surge uma nova sociedade pautada nas
tecnologias de comunicação e informação, no conhecimento e na informação, sociedade a
qual Bell (1977) nomeia de pós-industrial. Essa sociedade tem como postulado o fato de que
“conhecimento e informação estão se tornando os recursos estratégicos e os agentes
transformadores da sociedade pós-industrial [...]”(Bell 1980 apud KUMAR, 2006, p.48). O
quadro 1 abaixo descreve as distinções societárias segundo Bell.
Quadro 1 – divisão da sociedade de acordo com Daniel Bell
Pré-industrial
Industrial
Pós-industrial
Modo de produção
Extrativo
Fabril
Setor econômico
Primário
Agricultura,
mineração,
madeira
Óleo e gás
Processo; reciclagem;
serviços
Terciário
Transportes
Utilidades
Quartanário
Comércio, Finanças
Seguros,
Setor imobiliário
Quinário
Saúde,
educação,
pesquisa,
governo,
recreação
Fonte
transformação
Secundário
Produção
de
pesca, mercadorias,
manufatura, produtos
duráveis
Produtos
nãoduráveis, indústria de
construção
de Força natural
Energia criada
Informação
Vento, água, tração Eletricidade – óleo, Computadores
animal,
músculos gás, carvão, força sistema
e
de
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1738
Recursos
estratégicos
Tecnologia
Base
competências
Metodologia
Perspectiva
tempo
Design
Princípio axial
humanos,
matéria- nuclear
prima
Matéria-prima
Capital financeiro
transmissão de dados
Artesanato
Tecnologia
intelectual
Cientistas, técnicos e
profissionais liberais
Tecnologia
maquinaria
artesão, Engenheiro,
de Trabalho
manual, fazendeiro
trabalhadores semiqualificados
Senso
comum, Empiricismo,
tentativa
e
erro, experimentação
experiência
de Orientação
passado
Jogo
contra
natureza
Tradicionalismo
Conhecimento
Teorias
abstratas,
modelos, simulações,
teorias das decisões,
sistema de análises,
ao Adaptações ad hoc, Orientação para
experimentação
futuro: previsão
planejamento
o
e
a Jogo contra futuro já Jogo contra futuros
feito
Crescimento
Codificação
do
econômico
conhecimento teórico
Fonte: Bell (1979) apud KARVALICS (2007)
Tendo diante de si o cenário pós-industrial descrito anteriormente, Bell (1977) atribui
uma centralidade para o fator conhecimento e informação a ponto de propor não mais uma
teoria do valor-trabalho como instrumento de compreensão social, mas sim uma teoria do
valor conhecimento (KUMAR, 2006).
Assim, com o setor de serviços ocupando um espaço cada vez maior na economia,
como propõe Bell (1977), o autor defende a tese que na sociedade pós-industrial há a
diminuição da sindicalização operária enquanto ocorre o aumento da sindicalização de outros
profissionais assalariados da classe média. Essa característica da sociedade pós-industrial é
devida, vale ressaltar, pela perda de espaço da indústria para o setor de serviços, criando um
mercado de trabalho que demanda profissionais tais como engenheiros, economistas,
publicitários e administradores, por exemplo, em detrimento de operários para a linha de
montagem. Não é sem razão, portanto, que De Masi (2000, p. 35) afirma que Bell “fixa em
1956 a data do nascimento da sociedade pós-industrial, ano em que, pela primeira vez nos
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Estados Unidos, os trabalhadores da área administrativa superaram em termos numéricos os
da área da produção”.
Essa nova configuração social, muda, no entender de Bell (1977), as relações entre
classes sociais, de maneira que o conflito de classes deixa de ser entre operários e capitalistas
para ser entre os que detêm conhecimento e os que não o detêm. Nesta nova sociedade, pelo
fato de o saber deter uma centralidade, o conhecimento, a informação, a ciência se tornam
base de novas relações de poder, diferindo da sociedade industrial onde as relações de poder
se centravam na posse da propriedade privada.
Além de Bell, Alain Touraine também teorizou sobre a sociedade de sua época,
preferindo defini-la como sociedade programada. Como a sociedade pós-industrial de Bell, a
sociedade programada de Touraine (2008) também tem no conhecimento a força motriz da
economia contemporânea e os vínculos sociais são desenvolvidos por meio de redes de
comunicação, em um cenário onde os bens materiais dão lugar a bens de conhecimento e
culturais. Para o autor,
[...] o caráter mais geral da sociedade programada é o facto de as decisões e os
combates económicos já não possuírem, nessa sociedade, a autonomia e a
centralização que tinham num tipo anterior de sociedade, definido pelo seu esforço
de acumulação e de recolha antecipada de lucros sobre o trabalho directamente
produtivo. (TOURAINE, 1970, p. 9)
A precarização do trabalho na Sociedade do Conhecimento e da Informação
Após a Segunda Guerra Mundial, as economias capitalistas dão um longo passo em
direção a e recuperação de suas economias. Essa marcha será marcada tanto pelo crescimento
econômico como pela construção de um sistema de proteção e seguridade social comandado
pelo Estado. Desta forma, de 1947 a 1973, “os países desenvolvidos viveram uma fase
conhecida como anos dourados, com alto crescimento econômico, estabilidade monetária,
pleno emprego e redução das desigualdades sociais” (POCHMANN, 2008, p. 54). Durante
este “anos dourados”, os Estados Unidos da América desempenhou papel de liderança
mundial, já que durante toda a II Guerra Mundial, embora tenha entrado em combate, não
experimentou a destruição que o território Europeu havia experimentado. Com uma posição
bem melhor do que a Europa pós-guerra, os EUA passou a financiar a recuperação da Europa
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e do Japão, conseguindo o que, no entender de Arrighi (1996), nenhum outro país conseguiu
até então, transformar grande parte da sua dívida externa em ativos.
Contudo, ao longo dos anos dourados, os padrões de crescimento econômico e de
seguridade do welfare state apontavam contradições e limitações que acenavam para o
esgotamento de um modelo de organização social que por longos anos se concentrou em volta
de padrões tecnológico fordista, com uma estrutura social rígida e tendo no setor industrial o
sinônimo de progresso.
Como exemplo das contradições e limitações presentes nos anos de recuperação pósguerra da economia global, encontra-se: as próprias limitações a exploração a força de
trabalho impostas pela própria constituição do welfare state (ALVES, 2011); o acirramento da
concorrência nos mercados globais, por volta da década de 1960, provenientes da recuperação
da Europa e do Japão e da entrada de países do Terceiro Mundo no cenário industrial por
meio de suas políticas de substituição de importação e o movimento das empresas
multinacionais em direção de condições empresariais mais favoráveis (ALVES, 2011); o
agravamento de problemas de natureza socioeconômica que atingiam o coração do
capitalismo pós-guerra, os EUA, como por exemplo, o agravamento dos “problemas fiscais
decorrentes, por um lado, da queda da produtividade e da lucratividade, por outro, do combate
à pobreza e da guerra do Vietnã [...]” (ALVES, 2011, p. 13), que só seriam tratados a custa da
aceleração da inflação; e a crescente importância das finanças em detrimento da economia
real, com mudanças de direção das poupanças, saindo dos investimentos em direção a
especulação (NEFFA, 2010).
Os limites que surgem nas economias globais para manter suas taxas de crescimento e
bem-estar crescentes se fazem sentir de forma intensa a partir da crise de 1973, crise esta vista
por Mészáros (2002) como o início das crises estruturais do capital. É neste cenário em que
foram adotadas as ações intervencionistas que geraram impactos significativos no mundo do
trabalho. As principais ações intervencionistas adotadas foram: a introdução progressiva do
capital privado nas empresas estatais de serviços públicos como um passo em direção há
privatização; o incremento das tarifas de serviços públicos para reduzir, assim, os subsídios, e
a penetração da lógica mercantil no funcionamento das instituições de seguridade social; a
atração de investimentos estrangeiros diretos; redução de barreiras aduaneiras para obtenção
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de acesso aos mercados exteriores, o que acirra a competência não só entre firmas, mas entre
nações; o desregulamento dos mercados para estimular a competência; o aumento das taxas de
juros para frear o consumo e estimular a poupança e os investimentos das famílias; maior
controle dos gastos públicos sociais para reduzir o déficit fiscal, considerado como causador
de inflação; moderação nos aumentos de salário para compensar a inflação, estando eles
abaixo do incremento da produtividade; e freio à demanda para aumentar as taxas de
investimento (NEFFA, 2010).
Estas medidas, contudo, ao invés de superar os limites absolutos do capital
(MÉSZÁROS, 2007), tendem a intensificá-lo, já que, se as reformas nas relações de produção
vencem os obstáculos, em curto prazo, para a acumulação de capital, em longo prazo, os
limites são de ordem socioeconômica e se relacionam a própria constituição do sistema do
capital, que em busca de maiores retornos para o capital, termina por gerar pressões sobre o
ecossistema e sobre o homem em seu trabalho. A lógica do capital, centrada em torno de
variáveis quantitativas possuem seus limites, pois, como observou Mészáros (2007, p. 250251):
[...] a verdade da questão é que a quantificação auto-orientada não pode, na
realidade, sustentar-se de maneira alguma como uma forma de estratégia
produtivamente viável mesmo no curto prazo. Pois é parcial e míope (senão
inteiramente cega) preocupada apenas com as quantidades correspondentes aos
obstáculos imediatos que impedem a realização de uma dada tarefa produtiva, mas
não com os limites estruturais necessariamente associados ao próprio
empreendimento socioeconômico que – quer se saiba ou não – decide tudo em
ultima instancia [...].
Tanto as pressões sobre o ecossistema como sobre o mundo do trabalho apontam
como limites a expansão da lógica capitalista. Ambas as pressões merecem atenção detalhada,
contudo, por questões metodológicas, a serem explicadas posteriormente, se limitou aqui a
estudar as pressões sobre o mundo do trabalho, principalmente, a sua forma mais perversa
sentida na forma da precarização do trabalho.
No sistema do capital, a geração de lucro surge a partir da exploração do trabalho
vivo, que por transformá-lo em um fator de produção e submetê-los a condições técnicas,
terminam por pressionar tanto o físico como o subjetivo do trabalhador (HARVEY, 2005;
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ALVES, 2011). É neste ponto que as observações de Harvey (2005, p. 131), de que “um
maior padrão material de vida para o trabalhador não é necessariamente incompatível com um
aumento da taxa de exploração”, desmistifica a visão de autores que por verem na
contemporaneidade uma sociedade da informação e do conhecimento e, portanto, capaz de
tornar o trabalho atrativo e melhor, distante do cenário do trabalho industrial do século XIX
descrito por Engels (2010) e Thompson (1997), escondem a importância do trabalho como
categoria sociológica fundante do ser social (LUKÁS, 2010), chegando ao ponto de
substituírem a teoria do valor trabalho por uma teoria do valor conhecimento (BELL, 1977).
É a partir do conhecimento como nova categoria determinista das relações
socioeconômicas que se desenvolverá um fetiche sobre a sociedade do conhecimento. A
intenção, aqui, não consiste em uma tentativa de eliminar a importância e os impactos das
tecnologias de comunicação e informação nas relações socioeconômicas, mas sim observar a
hipótese de que por trás da exaltação da sociedade da informação – recorde-se a computopia
na terra de Masuda (KUMAR, 2006) ou as previsões de Schaff (1990) – e do fim do
proletariado, esconde-se a exploração e a precarização do trabalho, pois “[...] o que se vê não
é o fim do trabalho, e sim a retomada de níveis explosivos de exploração do trabalho, de
intensificação do tempo e do ritmo de trabalho. Vale lembrar que a jornada pode até reduzirse, enquanto o ritmo se intensifica [...]” (ANTUNES, p. 202).
Assim, a precarização do trabalho, escondida por trás da exaltação do crescimento
econômico impulsionado pelas inovações, estas, filhas da sociedade do conhecimento e da
informação, aponta como uma das faces mais intensas da pressão do sistema do capitalismo
sobre o trabalho e a vida humana, pois, embora o conceito de precarização ainda esteja longe
de um consenso, o mesmo pode ser entendido por uma perspectiva social mais ampla, já que
as pessoas terminam por ter “[...] un tipo de empleo que no le permite consolidar un estatus o
un nivel de vida, una profesión, una estabilidad que permita planificar el futuro” (ALÓS, 1988
apud CANO, 1996, p. 80).
O trabalho precário pode ser entendido como sendo relações de trabalho: a) cuja
duração e continuidade no emprego é incerta; b) direitos sociais e trabalhistas tendem a ser
desrespeitados; c) baixa remuneração; d) condições de trabalhos inadequadas. Estas condições
de trabalho tanto pressionam a qualidade de vida do trabalhador no seu lugar de trabalho
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como, no contexto mais amplo e complexo da vida, estando o trabalhador inserido em um
contexto sociocultural que estabelece padrões mínimos (embora de custos altos) de consumo
como forma de bem-estar e de inserção social, a incapacidade de gerar uma renda capaz de
suprir com seus anseios terminam conduzindo o trabalhador tanto para o esgotamento físico –
aqueles que trabalham em mais de um posto de trabalho para incrementar a renda – como
psicológico, que Giovanni Alves observa como um processo no qual se tem a “subjetividade
em desefetivação”, expressa, fortemente, por exemplo, “pelo surto de estresse que atinge a
civilização do capital” (ALVES, 2011, p.152).
É desta forma que a precarização do trabalho como limite e sinal das contradições da
lógica da sociedade do capital, pois se estar, cada vez mais notório que o sonho do bem-estar
promovido pelo capitalismo não está mais tão próximo e evidente como se imaginava. E isso
se acentua ainda mais, quando se insere na fileira dos trabalhadores precários jovens
altamente escolarizados, com nível superior, que, por estarem na “sociedade da informação”
e, portanto, deveriam ser os agentes principais dessa sociedade, terminam por se encontrar
diante de trabalhos precários não por culpa própria, mas sim pela incapacidade do mercado de
gerar trabalho a altura das pretensões e dos sonhos que almejam e que corresponde a ideia tão
bem valorizada pela mesma sociedade da informação. Em outras palavras, a contradição estar
no fato de em uma sociedade onde a inovação e, por conseguinte a informação são os arautos
do desenvolvimento econômico, da geração de emprego, renda e, principalmente, qualidade
de vida, os agentes que se com alta escolaridade não encontram espaço nessa sociedade.
Desta forma, tanto o conceito de precariado se estende, não se limitando apenas a
noção comum de os mais precários postos de trabalhos estão para os que não se qualificam,
como revelam o fetiche da sociedade da informação e as contradições do sistema do capital,
corroborando a afirmação de Mészáros (2002) que estamos a presenciar as crises estruturais
do capital e de que, possamos estar caminhando para um sociometabolismo da barbárie,
caracterizado pelas “suas tendências [do capitalismo] destrutivas e seu companheiro natural, o
desperdício catastrófico” (MÉSZÁROS, 2003, p. 45).
Diante do exposto, trazendo a análise para o Brasil, a exposição de Mészáros (2003)
sobre o caráter destrutivo e de desperdiçador catastrófico do sistema do capital é observável
na precarização do trabalho no Brasil. Essa precarização adota varias faces no cenário
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brasileiro, atingindo diferentes parcelas da população em menor ou maior grau de intensidade.
Assim, para uma sociedade na qual o trabalho compõe a base da pirâmide social
(POCHMANN, 2012), a precarização do trabalho se encontra, por exemplo, em proporção
significativa, nos trabalhos terceirizados e nos trabalhos com contratos temporários
(POCHMANN, 2012), na forma “louvável” do empreendedorismo (VASAPOLLO, 2005), na
feminização do trabalho (NOGUEIRA, 2004) ou, como já abordado, mesmo nos setores mais
informatizados da economia (WOLFF & CAVALCANTE, 2006). São relações de trabalho
precárias que, na linha de pensamento de Mészáros (2003), destrói e desperdiça tanto força
física como sonhos (ALVES), pois em um Brasil que desde os anos 2000 “aponta para a
constituição de um novo modelo de desenvolvimento, que procura combinar de maneira
favorável os avanços econômicos com os progressos sociais (POCHMANN, 2012, p. 31),
sobre a sombra do crescimento econômico se encontra, por exemplo: baixa remuneração: não
mais de 1,5 salário mínimo mensal no setor primário e autônomo; trabalho temporário, que no
Brasil, em 2009, observou que “os micro e pequenos empreendimentos registram 13,3% de
seus empregados com contrato de trabalho inferior a três meses de tempo de serviço”
enquanto “as grandes empresas apresentam somente 8% do total de seus ocupados nessa
condição de emprego temporário”. Tais porcentagens em um contexto onde “do total de 4,3
milhões de postos de trabalho na condição de curta duração, 47,5%” pertencem à micro e
pequenas empresas (estabelecimentos com até 49 funcionários; trabalho terceirizado formal,
que no país, entre 1985 e 1995, cresceu a uma média de 9% seguida do crescimento das
empresas de terceirização a media de 22,5% ao ano, enquanto entre 1996 e 2010 foi de 13,1%
o crescimento do trabalho terceirizado seguido por 12,4% a média anual para o crescimento
das empresas de terceirização.
A esses pontos acrescenta-se a situação dos que possuem maior escolaridade,
principalmente, os com diplomas de nível superior. Embora um diploma repercuta fortemente
no rendimento salarial, tem-se que observar que um diploma em si, não é garantia de
empregabilidade, nem de empregabilidade em setores não-precários. Como bem observa
Pochmann (2012, p. 36):
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Na década de 2000, quase 85% do total das vagas abertas destinavam-se a
trabalhadores de salário de base com escolaridade equivalente ao ensino médio, ao
passo que aos ocupados que possuíam ensino superior restou uma parcela bem
menor do total dos postos de trabalho. Nos anos 1990, as vagas abertas aos
trabalhadores de salário de base com ensino médio representaram 68,3% do total;
com ensino superior, menos de 5%.
Ou, como reporta Alves (2012):
(...) no decorrer da década de 2000, o desemprego aumentou significativamente
entre aqueles com mais de 11 anos de estudos (36,82% em 2002, 39,84% em 2003;
43,16% em 2004; 46,19% em 2005; 47,81% em 2006; 50,70% em 2007; 52,92 em
2008; e 56,46% em 2009, segundo dados do IBGE/PME), com um leve
decrescimento entre aqueles de 18 a 24 anos (1,5% entre 2002 e 2009) e um
pequeno crescimento entre aqueles de 25 a 49 anos (2,4% entre 2002 e 2009).
Tudo
isso
em
um
contexto
onde
o
número
de
universitários
cresceu
significativamente, já que “segundo dados do Censo da Educação Superior, de 2001 a 2011, o
crescimento de universitários no País foi de 110%” (ALVES, 2012). Se em um primeiro
momento a economia pode se beneficiar da expansão da mão de obra cada vez mais
qualificada, por outro lado, a expansão do ensino superior em um contexto socioeconômico
no qual o setor de serviços comerciais (responsável por absorver 8,5 milhões do pessoal
ocupado assalariado em 2011) é predominante e no qual o paradigma empresarial dominante é
o de poupador de mão de obra (salário é custo ou despesa, portanto deve ser reduzido ao
máximo sem afetar a produtividade), a propagada ideia de que educação pode tudo, até
mesmo romper com a desigualdade socioeconômica, se encontra obstaculizado pela
incapacidade das economias de absorver a mão de obra qualificada que cresce a cada ano, o
que enfatiza ainda mais os limites absolutos do sistema do capital, como já exposto
anteriormente.
Além do mais, para realçar o caráter do novo precariado, aquele altamente
escolarizado com relações de trabalho precárias, recordemos das observações de Bourdieu
(2007) sobre a inflação de diplomas, no qual estas são desvalorizadas de acordo com que o
crescimento de número de portadores de diplomas é mais rápido do que o crescimento da
quantidade de cargos para os quais são destinados os diplomas. A perda de valor dos diplomas
conduz a procura de níveis educacionais cada vez mais altos, freando a mobilidade social, ou
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até mesmo, como apontou Peugny (2009), conforme aumentam as credenciais, o perigo de
mobilidade descendente no futuro aumenta.
Assim, a figura do novo precariado (ALVES, 2012) deixa transparecer
questionamentos acerca dos limites da educação superior como elemento de mobilidade
socioeconômica ascendente (PEUGNY, 2009), além de evidenciar os limites da sociedade do
capital (MÉSZÁROS, 2002), trazendo à luz as relações de trabalho precário contemporâneo
existente em pleno tempo da “sociedade da informação e do conhecimento”.
Referências
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A EXPLORAÇÃO DO LABOR À REDUÇÃO ONTOLÓGICA DO SER: ANÁLISE
DAS CONDIÇÕES ESTRUTURANTES DO TRABALHO INFANTIL
Wellington Gomes Aguiar22
José Mario Pontes de Vasconcelos Filho23
João Adolfo Ribeiro Bandeira24
RESUMO: Este trabalho trata especificamente do trabalho infantil em face do capitalismo, sabendose que existem, além de questões sociais, questões legislativas e resolutivas, que é o caso das leis e das
políticas publicas, respectivamente. Traz um estudo sobre a importância da positivação dos direitos
intrínsecos ao homem, mostrando o porquê não basta apenas ter regras, mas sim ter regras e estas
serem aplicadas de forma efetiva. Apresenta ainda uma evolução histórico-social do trabalho infantil
junto ao capitalismo, vinculando a exploração da mão-de-obra infantil ao sistema capitalista e como
acontece essa relação. Por fim, estabelece as causas e consequências do trabalho precoce, tanto para as
crianças e adolescentes quanto para a sociedade de modo geral. Mostra também a forma cabível para a
resolução deste problema, que seriam as Políticas Públicas.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil; Capitalismo; Exploração.
INTRODUÇÃO
A reprodução do capital em todas as suas composições e vertentes ocorre de forma
totalitária, ainda que se discuta contemporaneamente o fenômeno de relativização dos
processos de produção, atrelando-se à pós-modernidade.
Neste intuito, a problemática acerca das relações de trabalho soma-se à análise
contínua da evolução do sistema capitalista, adentrando nas relações socioeconômicas e
político-jurídicas, ocasionando assim o processo de reificação e alienação dos axiomas,
processo este que será abordado nas linhas que seguem.
22
INSTITUIÇÃO:
Faculdade
Leão
Sampaio;
Telefone
(88):
9202
6153;
e-mail:
[email protected]
23
INSTITUIÇÃO: Faculdade Leão Sampaio; Telefone (88): 9995 7292; e-mail: [email protected]
24
INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB; Telefone: (88) 9944-9943; e-mail:
[email protected]
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1750
O propósito encontra-se me desnudar a relação trabalho-capital como um fator de
alienação capaz de subverter e subjugar o ser humano à condição de res em sua independente
da fase em este se encontra.
A análise, por tanto, abordará o trabalho infantil no território brasileiro, utilizando da
metodologia de revisão bibliográfica e pesquisa documental tendo como referencial teórico as
teorias marxianas sobre trabalho alienado e redução ontológico por meio da deturpação
axiológica.
TRABALHO INFANTIL: ANÁLISE HISTÓRICA
O trabalho infantil é um fenômeno antigo e relaciona-se com as primeiras formas de
exploração do povo e territórios nacionais.
Ainda na época da colonização os filhos de escravos já eram submetidos ao trabalho,
exercitando tarefas tecnicamente impossíveis, pois exigiam esforços extremamente superiores
às suas condições físicas. Com a revolução industrial e o desenvolvimento social e econômico
que esta trouxe ao Brasil, o trabalho infantil sofreu transformações que estenderam as formas
do trabalho precoce e logo ganhou um espaço em setores informais como a prostituição,
tráfico de drogas, trabalho doméstico, entre outros.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011)25, mostram que em São
Paulo, em 1890, as crianças e adolescentes totalizavam 15% do total de empregados em
setores industriais. Ainda neste ano, no setor têxtil da capital paulista, o Departamento de
Estatística e Arquivo do Estado de São Paulo registra que um quarto da mão-de-obra
empregada neste setor era composto por crianças e adolescentes. Passados vinte anos esse
número evoluiu para 30%, em 1919 o número atingiu os 37% do total de trabalhadores do
setor têxtil.
Ao analisar o Censo 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE)2,
pode-se perceber algumas conclusões em relação ao trabalho infantil. Vê-se em primeiro lugar
que o trabalho infantil possui relação com a classe socioeconômica, visto que crianças de
classe média alta geralmente não trabalham.
25
Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/content/emprego-juvenil. Acesso em: 10 de set. de 2013.
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Em um segundo plano encontramos que quando as famílias são chefiadas por
mulheres é aumentada a probabilidade de crianças trabalhando, visto que são famílias que só
possuem uma fonte de renda. O planejamento familiar é outro ponto determinante para o
trabalho infantil. O número de irmãos, escolaridade dos pais, gastos e renda mensal,
alfabetização, entre outros são fatores que influenciam na hora de expor crianças ao trabalho.
Analisamos ainda que quanto maior for o número de integrantes da família, mais
possibilidades esta tem de inserir crianças, geralmente as mais velhas, no trabalho como
forma de auxiliar na renda familiar para conseguir suprir todas as necessidades e sustentar a
casa.
Por último e não menos importante fica expresso que o trabalho infantil está
diretamente relacionado com o grau de desenvolvimento do país, sabendo que países mais
ricos possuem indicadores de trabalho infantil reduzido, enquanto países não desenvolvidos
possuem números elevados3.
É de fácil percepção que há uma inversão de valores. Uma grande parcela da
sociedade acredita que é benéfico que a criança trabalhe para auxiliar na renda mensal, mas
não percebem que esta é uma inversão de papeis, pois compete à família garantir o sustento às
crianças e se esta não consegue assegurar esse sustento deve procurar políticas públicas que
efetivem esses direitos. Existe também uma inversão de valores quanto à exploração infantil
em afazeres domésticos, de acordo com o Censo do IBGE 2010, mais de 130 mil famílias
brasileiras possuem como responsáveis por seus domicílios crianças e adolescentes de 10 a 14
anos, que cuidam desde os afazeres domésticos, cuidando dos irmãos mais novos, até a
trabalhar para obter renda e sustentar a casa.
QUANDO A BRINCADEIRA É COISA SÉRIA
A prática do trabalho infantil interfere de forma incisiva no desenvolvimento físico,
psicológico, social, emocional e educacional das crianças e dos adolescentes. O pediatra
Roberto Teixeira Mendes, do Departamento de Pediatria Social da Faculdade de Medicina da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o trabalho precoce afeta o
desenvolvimento da criança, além de acarretar em doenças mais imediatas como doenças
infecciosas e traumas. Por conta da exposição destas crianças ao trabalho muitas vezes rígido,
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estão sujeitas a sentir dores musculares, assim como ter deformações ósseas e sofrem com
frequência dores de cabeça e de coluna, fadiga, insônia e mutilações.
Danos morais também são decorrentes da exploração do trabalho infantil, visto que
essas crianças e adolescentes estão sendo privadas de fases essenciais para o desenvolvimento
integral. Sofrimento, sentimento de abandono, autoestima rebaixada, entre outros são algumas
das consequências morais que as crianças ficam sujeitadas.
No âmbito social são provocados danos como a evasão escolar, que certamente será
motivo para uma desqualificação profissional e logo uma baixa renda, as crianças e
adolescentes que não vão à escola contribuem para a formação de um grupo desqualificado e
consequentemente desempregado. Outro fator importante é o impedimento de viver a infância
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e adolescência, sem ter assegurados direitos básicos como, por exemplo, direitos à educação,
saúde, lazer.
Segundo Mendes (2011), os efeitos danosos vão depender da faixa etária e dos
trabalhos que a criança efetua, porém estes efeitos sempre vão estar presentes em crianças e
adolescentes que trabalham.
O trabalho pode ser exaustivo, pesado, insalubre e trazer efeitos imediatos, como
intoxicação e traumas. Mas mesmo que o trabalho não tenha nada disso, só por ser
trabalho vai tirar a criança do seu momento específico de vida que é brincar,
fantasiar e elaborar o mundo que a cerca à sua maneira. E a criança precisa de tempo
e condições para fazer isso.
O trabalho infantil fere não apenas o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, mas
fere também a nossa lei maior, a Constituição Brasileira de 1988. Após assinar a convenção
138 e a Recomendação 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi implantado
no Brasil o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, mas o que se percebe é que com as
alterações feitas no Programa a Política de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) tem se
dissolvido e, por conseguinte diminuído seu grau de eficácia.
A especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes e psicóloga do
Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini, Nelma Silva (2008), afirma em uma entrevista
exclusiva para o Jornal Pequeno do Maranhão que o trabalho precoce traz consequências
gravíssimas às crianças e adolescentes.
O trabalho precoce traz consequências gravíssimas que interferem diretamente no
desenvolvimento, físico, emocional e social das crianças e adolescentes. Uma das
principais consequências apontadas é a queda no desempenho escolar. Muitos dos
que trabalham abandonam as salas de aula e os que permanecem são reprovados
devido ao cansaço e ao tempo reduzido para se dedicar aos estudos. A criança gasta
todas as suas energias no trabalho e não consegue acompanhar o ritmo escolar.
Este ponto é bem tratado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu
artigo 53, que diz que “a criança e o/a adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho”.
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O trabalho infantil é tratado como um problema milenar, como afirma o professor
Segadas Vianna ao tratar do Código de Hamurabi, com data de mais de dois mil anos antes de
Cristo, que já fazia menção protetiva às crianças e aos adolescentes que trabalhavam como
aprendizes. O que deixa claro, que desde os tempos mais remotos havia uma utilização da
mão-de-obra infantil. Porém os métodos para a erradicação desta prática injusta e desumana
estão sendo ainda conquistadas, só após a década de 80 foi que medidas jurídicas, sociais e
políticas foram tomadas para com o problema do trabalho infantil. E mais que apenas leis
deu-se por entendido que as crianças também são cidadãos, tratando cidadania em seu
conceito amplo, logo passou a ser questões dos direitos humanos.
Dentre essas medidas a que mais vem ganhando força são as políticas públicas sociais,
pois surge ai um apoio da sociedade que se incomoda com o trabalho infantil e suas
consequências para a sociedade como no geral. Alguns órgãos ficam encarregados de
fiscalizar se há a efetivação de políticas públicas, assim como das leis. Um destes órgãos é o
Ministério Público do Trabalho (MPT)
O MPT aposta em políticas públicas, campanhas educativas, entre outras formas como
meio de transformação dessa realidade. Encontramos três segmentos de auxilio na erradicação
do trabalho infantil no Brasil. O primeiro destes segmentos é o projeto “Políticas Públicas”
que é uma forma de garantir a efetivação de políticas públicas, programas e serviços pelos
municípios. E ainda políticas que visam a profissionalização e proteção do adolescente
trabalhador.
Como segundo segmento, encontramos o projeto “Aprendizagem Profissional” que
visa garantir o cumprimento da cota mínima de aprendizes nas empresas, garantir os direitos
trabalhistas mínimas do menos aprendiz. Essa tarefa se volta para a constatação, proteção e
correção de possíveis situações ilícitas onde se possa ser verificada alguma irregularidade na
contratação de jovens aprendizes, sendo assim buscando efetivar a aplicação eficaz da Lei de
Aprendizagem Profissional.
Por terceiro, o projeto “MPT na Escola” que busca a disseminação dos malefícios e
mitos do trabalho infantil, rompendo com as barreiras culturais/costumeiras de aceitação do
trabalho infantil. Este projeto capacita e sensibiliza a escola e comunidade sobre os direitos da
criança e do adolescente, fazendo assim uma divulgação do estatuto da criança e do
adolescente.
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Não existe apenas uma política que, sozinha, elimine o trabalho precoce. Uma prova
clara é a persistência desse fato por volta de dois séculos. Apesar de não haver uma solução
fácil para o problema do trabalho infantil, hoje encontramos um entendimento mais eficiente
das causas e das consequências do trabalho infantil, logo permitindo pesquisar políticas
públicas para erradicar ou reduzir este problema com maior eficácia.
A
RESSIGNIFICAÇÃO
DO
SER:
POLÍTICAS
PÚBLICAS
DE
ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL
O trabalho precoce deve ser abolido, e este pensamento é unanime, assim como o
pensamento de que os investimentos na qualidade da educação devem ser mais incentivados.
Embora pareça clichê ou repetitivo, acredita-se que a educação é sim basilar para a
transformação social, assim como para a diminuição do trabalho precoce. Crianças que se
ocupam com os estudos e que evidentemente são asseguradas por outras políticas que
garantam saúde, alimentação, moradia, entre outros direitos básicos, consequentemente não
precisará trabalhar por nenhum motivo.
Há a necessidade de uma mudança do modelo de atuação Governamental, planejando
e apoiando melhor as Políticas Públicas para reduzir cada vez mais o numero de crianças que
trabalham e inseri-las em escolas que tenham uma educação qualificada, permitindo então que
as crianças que antes se ocupavam com trabalho explorador, possam usufruir de uma boa
educação e no futuro tenha uma boa qualificação, não tendo assim que também submeter
filhos ao trabalho precoce. Os gastos com a educação devem ser vistos como investimentos
com retorno social e econômico garantido.26
É de extrema importância que haja medidas aplicadas pelo Poder Público que operem
tanto no objetivo de erradicar o trabalho infantil, quanto para o fortalecimento do
planejamento familiar, assim dando cada vez mais noção da importância da educação para o
processo de formação da criança, como também alertando os malefícios causados pelo
trabalho precoce.
Para que as medidas sejam eficazes é necessário que as Políticas Públicas se interaja
com outras Políticas, como exemplo os programas de transferência de renda para famílias
26
Liebel (2004) destaca que o sistema escolar é de suma importância neste processo, pois quando têm-se um
sistema educacional ineficaz, as crianças consequentemente podem ser dirigidas ao mercado de trabalho.
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menos favorecidas (bolsa família); as políticas de educação, para garantir uma educação de
mais qualidade; políticas de fiscalização, como forma de fiscalizar a prática das demais
políticas aplicadas.
Percebe-se, contudo, que o trabalho infantil atinge principalmente àquelas famílias que
não tem condições de se manter, famílias de baixa renda. Essa prática tende a deixar sequelas
pro resto da vida da criança ou adolescente, pois gerará um baixo nível de escolaridade, logo
um baixo nível de salário.
Acreditamos que com estas medidas os indicadores de desenvolvimento social serão
mais positivos, por consequência serão ampliadas as formas de inserção ocupacional e
aumentarão as chances de termos trabalhadores obtendo salários mais elevados na vida adulta.
PROCESSO DE COISIFICAÇÃO: DO SER AO TER DA CRIANÇA
EXPLORADA
O Sistema Capitalista tem seu estopim com a queda do Sistema Feudal, no fim da
Idade Média. A partir de então, o panorama social das coletividades que o aderiu vêm
sofrendo transformações essencialmente no que diz respeito à mão-de-obra e o trabalho. O
capitalismo, inicialmente chamado de mercantilista, traz uma nova realidade para a sociedade,
principalmente a europeia, que se lançaram ao mar atrás de novas rotas comerciais com a
finalidade de por fim a hegemonia italiana (COTRIM, 1999):
O desenvolvimento do Capitalismo foi impulsionado pela expansão marítimocomercial da Europa, nos séculos XV e XVI. Dessa expansão resultaram o
descobrimento de novas rotas de comércio para o Oriente e a conquista e
colonização da América.
Contudo, o Capitalismo, quanto sistema econômico e social, alcança seu apogeu com
o fim da União Soviética, assim, se consolidando em todo o mundo.
Esse Sistema trouxe mudanças radicais aos grupos de indivíduos, destacando-se o modo de
trabalho. O Capitalismo, desde quando foi instituído, vem proporcionando uma instigação ao
ferimento de diversos princípios dos direitos humanos em detrimento da busca, incessante, de
mãos-de-obra, sejam infantil ou adulta, com a finalidade de mais lucros e, consequentemente,
seu acúmulo. Dentre essas mãos-de-obra se destaca a Escrava, que se solidificou na primeira
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fase do Capitalismo, o Comercial, e a Infantil. Essa será abordada de forma minuciosa
apresentando suas características conforme a fase do Capitalismo.
Como já foi exposta, a Primeira fase do Capitalismo é o Mercantilista ou Comercial.
Nesse momento, conhecido também de transição, é marcado pela chegada de um Sistema que
traz uma nova visão de mundo inclusive de trabalho. Trata-se da concepção escravocrata.
Vários africanos saem de sua terra natal, para um lugar distante, como escravos, obrigados a
trabalharem em grandes fazendas, nas terras recém “achadas”.
João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p.165) afirma que o Capitalismo
Comercial “foi o período das Grandes Navegações e descobrimentos, das conquistas
territoriais e também da escravização e genocídio de milhões de nativos da América e da
África”.
Essa realidade, considerada altamente desumana, trata-se, apenas, do início de uma era
de exploração, pois, com o acúmulo de capital, através das explorações das colônias
europeias, eclodem uma nova fase do Capitalismo.
Essa fase, o Capitalismo Industrial, muda parcialmente às características da anterior.
Não é mais lucrativo o trabalho escravo, uma vez que é necessário o trabalhador ganhar um
salário, para, o mesmo, gastá-lo nas compras de mercadorias produzidas por ele. Não
obstante, essa fase se confunde com a Revolução Industrial que, a partir de então, acompanha
todo o processo evolutivo do Capitalismo. Essa Revolução ocasionou um grande êxodo rural
na Europa, essencialmente na Grã-Bretanha. A população rural estava se direcionando para a
urbana, atrás de emprego, e, também, fugindo da política dos Cercamentos. Desse modo,
ocorreu um inchaço da zona urbana, ocasionando graves problemas na mobilidade urbana,
saúde e o pior, a explosão da mão-de-obra infantil. Não era do interesse dos grandes donos
das indústrias, que nasciam, terem prejuízo quanto ao pagamento dos salários.
Com o aumento da produção industrial, a partir de meados do século XIX, as fábricas
passaram a necessitar de matérias primas, de energia, de mão-de-obra e de mercados para seus
produtos. (MOREIRA; SENE, 2009, p.167)
Os empresários queriam pagar pouco, mas os funcionários tinham que trabalhar muito.
Por isso, era mais viável o Trabalho Infantil, pois, assim, tinham altos lucros e, ainda por
cima, gastariam pouco com esse tipo de mão-de-obra, de certa forma, considerada
desqualificada. Nesse momento, de Revolução Industrial, a Inglaterra fervendo com as novas
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invenções, ficava incoerente falar em Direitos Trabalhistas. Assim, não existia lei proibindo o
trabalho infantil, como também, se destacava os piores meios de trabalhos. Muitas crianças
eram submetidas a trabalho árduo, sem protetores e sem um tempo definido resultando em
muitas horas de trabalhos.
Diante desse contexto, fundamenta-se que o Capitalismo trouxe uma nova forma de
exploração – a alienação – (MÉSZAROS, 2006) com o intuito de proporcionar o aumento
excessivo de lucros, excluindo o bem-estar de seus trabalhadores, ignorando suas idades e
exaltando o ganho exacerbado que, na maioria das vezes, é o resultado do trabalho de pessoas
que verdadeiramente deveriam estar estudando e brincando. Porém, não se falava nisso, já que
o capitalismo conseguiu usurpar as mentes dos indivíduos daquele momento afirmando que o
lucro é o verdadeiro sentido da vida, não importando o meio de obtê-lo (PERROT: 1996).
O Jovem operário entra então de vez na idade adulta? Seguramente não. Ele requer
proteção e controle. Proteção: segundo a lei de 1841(na Inglaterra), até os dezesseis
anos é proibido fazê-lo trabalhador aos domingos e mais de doze horas por dia. A lei
de 1892 estabelece a interdição do trabalho noturno e de descida ao fundo das minas
até dezoito anos, e limita a jornada dos menores de dezesseis anos a dez horas. Após
dezoito anos, o regime é o dos adultos(...). Quanto ao controle, (...) as famílias
cessam de trata-los como crianças, não lhes são mais infligidos castigos corporais e
podem ficar com uma parte do seu salário.
Esse mecanismo de exploração foi estudado e analisado por Karl Max, um dos
maiores pensadores do século XIX. Marx desenvolveu um conceito, chamado de Mais-Valia.
Nele, conseguimos extrair a verdadeira essência do Capitalismo, principalmente como o
trabalhador, inclusive o infantil, é visto e como o mesmo é golpeado tanto na estrutura do
trabalho quanto no seu próprio salário que é seu único meio de sobrevivência. De acordo com
João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 167).
A toda jornada de trabalho corresponde uma remuneração, que permitirá a
subsistência do trabalhador. No entanto, o trabalhador produz um valor a mais do
que recebe na forma de salário, e a quantidade de trabalho não-pago permanece em
poder dos proprietários das fábricas, lojas, fazendas, minas e outros
empreendimentos. Dessa forma, em todo produto ou serviço vendido está embutido
esse valor, que, entretanto, não é transferido a quem o produziu, permitindo o
acúmulo de lucro pelos capitalistas.
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Com esse trabalho infantil e engrandecedor dos donos das indústrias, ocorreu, enfim
um acúmulo de capital acarretando o surgimento de uma nova fase do capitalismo, o
Financeiro, possuidor de novas características, mas continua em parceria com o Industrial, até
mesmo no que diz respeito ao trabalho infantil. Desde a implantação do Capitalismo, ficou
visível que o trabalho infantil sempre esteve presente. As crianças foram vítimas do
Capitalismo Comercial, Industrial e, agora, o Financeiro. Elas são submetidas a trabalhos que
as reduzem a uma mera coisa, barata e ao caminho para se alcançar o capital e satisfazer a
luxuria dos capitalistas.
O Capitalismo Financeiro é consequência do desenvolvimento das indústrias, além de
suas fusões e incorporações. Surgindo, então, os monopólios. Esses monopólios estão
vinculados ao novo imperialismo, um tipo de colonização moderna. Como bem desenvolve
João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 170). “Foi nesse contexto do capitalismo
que ocorreu a expansão imperialista europeia na África e na Ásia”.
Na verdade, esse monopólio não se limita somente as indústrias, porém, aos
indivíduos. Desde o começo do Capitalismo, houve o aumento gradativamente das
desigualdades sociais, o surgimento de classes que sobressaem as outras impondo sua cultura
e seu poder sobre as demais. Nesse momento, o homem está hipnotizado com o capital, ele
somente se preocupa com o lucro e, assim, esquece-se de “SER” humano, começando a
pisotear os outros, inclusive, as crianças.
É concreto, que existe algo em comum em todas as fazes do Capitalismo, o capital.
Durante todo o processo evolutivo desse sistema, o acúmulo de capital sempre foi à base para
as transições e, também, para a própria existência do capitalismo. Nesse contexto, torna-se
mais do que necessário usar de todos os mecanismos possíveis para conseguir acumular
lucros. Desse modo, vimos que durante a fase mercantilista, o trabalho escravo foi de
fundamental importância para alcançar tais lucros. Por outro lado, durante as fases industrial e
financeira o trabalho infantil toma o lugar do escravo. As crianças, nesse momento além de
serem obrigadas a trabalhar um número de horas indefinidas, não possuíam nenhuma
segurança no trabalho e estavam submissas a uma área de total desconforto sem higiene e
propícia a contrair diversas doenças. Vale ressaltar, que por causa desse fato, nasce a luta da
classe proletariado, em busca de melhorias tanto no salário quanto na estrutura dos trabalhos.
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E por fim, existe a fase do Capitalismo Informacional. Esse, o mais atual, está
vinculado a globalização, merecendo destaque o avanço na propagação das informações e,
criticamente, a imposição da cultura norte-americana sob os diversos países do mundo.
Mesmo, com um capitalismo tão avançando e, inclusive, com o advento de direitos
fundamentais que protegem as crianças proibindo o trabalho infantil, ele ainda perdura.
Segundo Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos Braick (1999, p.271):
No Brasil, o artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a contratação
de menores para trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso.(...) Mas o uso
indiscriminado da mão-de-obra infantil e adolescente, no Brasil, vem demonstrando
o quanto as leis em nosso país estão longe de se tornar realidade.
Hoje, falamos em um trabalho escravo, quando se referimos a esse tipo conduta social.
Nesses Estados, existe uma nova colonização que vai além da que ocorreu na Idade Moderna,
nessa há um imperialismo cultural (HOBSBAWM, 2011), econômico, informacional e social,
consequências da globalização. João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene (2009, p. 175)
afirmam que “a globalização é o atual momento da expansão capitalista.
UMA POSSÍVEL CONCLUSÃO?
A questão em debate, atualmente, está além da imposição do trabalho de crianças
pelos grandes capitalistas, como foi um dia. Hoje esse meio de produção está relacionado com
a desigualdade que o capitalismo criou. Especialmente, nos países subdesenvolvidos e
emergentes, onde o trabalho infantil se solidifica a cada dia.
Um Estado soberano, em termos de capital, sobrepõe aos outros sua cultura destruindo
completamente todas as áreas sociais desse Estado que não passa de emergente. É Nele, que o
trabalho infantil é árduo, as crianças são obrigadas a trabalharem para conseguirem a
alimentação, vestimenta ou algo análogo, pois seu país não possui política social que tente
amenizar esse tipo de trabalho, uma vez que o mesmo está debaixo das garras dos grandes
Estados Globalizados, que subtraem toda sua riqueza, como é o caso dos países africanos
perdedores de suas riquezas naturais para os imperadores globalizados e ficando debaixo de
miséria, sem política social e proporcionando uma verdadeira seara de trabalho infantil,
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muitas vezes piores do que as proporcionadas pelas primeiras fábricas da Revolução
Industrial.
Para encontrar outra, dessas realidades, não é preciso ir longe. É somente olhar para o
Estado Brasileiro, possuidor de diversas normas, Estatuto da Criança e do Adolescente,
defensor dos Direitos Humanos, porém um berço do Trabalho Infantil. Nesse caso, ele
assemelha, muitas vezes, com o trabalho escravo que é realizado em canaviais ou, até mesmo,
em semáforos. Mesmo, nosso país possuindo políticas para por um fim a tal fato,
infelizmente, não está resolvendo. Podemos afirmar que essa é mais uma herança do
Capitalismo que percorrem as “veias” e “artérias” do Brasil.
REFERÊNCIAS
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Estatística, 2010.
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A INTERDISCIPLINARIDADE NOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL E A
PERCEPÇÃO DAS EQUIPES SOBRE A PRÁTICA DO ASSISTENTE SOCIAL
Carmen Silva Alves27
RESUMO: Este trabalho busca expor a percepção das equipes multidisciplinares em relação à prática
do assistente social no campo da saúde mental, tomando por referência o novo cenário psiquiátrico
brasileiro, adaptado a realidade da cidade de Campina Grande no ano de 2009. O estudo de cunho
quati-quanlitativo compreendeu 07 serviços substitutivos, onde a temática foi dialogada com 27
profissionais de nível superior. Para coleta de dados, optamos pela observação participante com
aplicação de questionários com roteiro semiestruturado, além dos registros sistematizados em diário de
campo, com devida autorização dos participantes por meio do TCLE. Ainda utilizamos da pesquisa
documental e bibliográfica. A análise evidenciou que o re-ordenamento proposto institui a
participação do assistente social como ator prioritário na intervenção do objeto de desospitalização, ao
considerar que esta identidade profissional conglomera, entre outros fatores, a superação das
desigualdades sociais através de uma perspectiva crítica de cunho politizador, com vistas à
democratização dos direitos sociais. Os profissionais entrevistados consideram que o assistente social
consegue desempenhar suas funções em conformidade com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica,
tendo em vista a utilização do instrumental teórico-metodológico, consistindo como mediador de um
processo social de afirmação de direitos individuais e coletivos, sob a perspectiva da
interdisciplinaridade.
Palavras Chave: Serviço Social. Prática Profissional. Saúde Mental.
1
INTRODUÇÃO
O novo cenário da assistência psiquiátrica brasileira aponta para uma significativa e
necessária mudança na dinâmica cultural de construção das identidades específicas de cada
profissão. A partir desta percepção, reconhece-se que o assistente social também é desafiado a
construir novas abordagens que possam subsidiar e enriquecer sua prática.
Neste viés, reconhecemos que a prática do assistente social se encontra devidamente
ancorada no projeto ético-político, que vem sendo içado pela categoria desde a segunda
metade da década de 1970, resultante de uma construção coletiva, capitaneada pelos
interesses da classe trabalhadora. Este dispositivo valoriza a liberdade e a justiça social como
27
Mestre em Serviço Social UFPB; Faculdade Santa Maria, Cajazeiras/PB; Telefones: 83 8680 1848/ 83 9646
7208; E-mail: [email protected]
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núcleos éticos centrais. Assim sendo, a profissão de Serviço Social encontra-se abarcada por
uma dimensão político-econômica disposta sob as várias interfaces que compõem a questão
social.
Nessa perspectiva, a profissão assume o compromisso com a efetiva transformação de
uma sociedade justa e igualitária, primando pela autonomia, pela emancipação, pela liberdade
e pela plena realização dos indivíduos.
2
Equipes multiprofissionais, interdisciplinaridade e Serviço Social
Na oportunidade de vivência, bem como, na troca de conhecimentos junto às equipes
multidisciplinares compositoras da Rede de Saúde Mental (RSM) em Campina Grande-PB,
percebe-se que as diferentes categorias profissionais (médicos, clínicos e psiquiátricos,
enfermeiros/as, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, pedagogos,
farmacêuticos, educadores físicos e fisioterapeutas) enfatizaram a importância da atuação do
assistente social, porém reduzem seu papel a meros executores da parte “mais difícil” do
trabalho, informando que acionam o Serviço Social, como o articulador das informações,
supondo uma ação em segundo plano que “ajuda” a amenizar os conflitos sociais existentes
na realidade das famílias e dos usuários, transcritos no interior dos serviços. Observem-se,
pois, o relato abaixo:
“Eu acho assim, que o assistente social tem uma importância muito grande,
principalmente no vinculo a respeito da família do usuário né, porque assim, o
assistente social ele vai buscar informações sociais que é muito importante pra o
tratamento do paciente. Porque o paciente, quando ele chega aqui, ele não é só um
dependente [...], ele ta dentro dessa situação devido vários fatores da vida dele e a
maioria desse fator é o fator social, então, eu sempre quando falo assim aos
usuários a questão de saúde, eu digo assim: ‘saúde não dá pra se afastar do social’.
Porque uma pessoa que não tem o que comer, uma pessoa que não tem emprego,
uma pessoa que não ta vivendo bem, como essa pessoa vai ter saúde mental? Então,
o social é muito importante e a assistente social, através das orientações que ela
faz, através de todo esse contato com a família, as informações que ela traz pro
serviço, eu acho que ajuda muito no tratamento” (Profissional Enfermagem).
A falta de conhecimento sobre a importância da atuação dos assistentes sociais ante os
propósitos da Reforma Psiquiátrica (RP), não reside apenas no fato de lhes delegar agouros,
mas, sobretudo diz respeito ao reducionismo ao qual demarcam tal atuação.
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No entanto, há de se convir que a formação crítica conferida a esta categoria propicia a
demarcação de um terreno favorável à execução de sua prática, visto que, é no contato direto
do cotidiano com as questões da saúde pública e de realidades sociais distintas, que estes
profissionais demarcam um campo fértil à medida que executam sua praticidade ante as
particularidades de cada profissão, intermediando como essas questões são vivenciadas pelos
sujeitos nas problemáticas do dia a dia. Tal habilidade é vista por outras categorias como um
processo reducionista da função tática do assistente social, e demonstram o conhecimento que
tem sobre os papéis desempenhados pelo assistente social no interior dessas equipes.
“Como todos os outros profissionais, existem aquele trabalho em comum né, como
acolhimento, as visitas domiciliares, mas a gente aproveita as particularidades
dessa área, tipo essas questões mais sociais, de encaminhamentos, as próprias
visitas são mais particularidades das assistentes sociais, essas questões mais
relacionadas à família, elas resolvem com muito mais facilidade, elas tem uma visão
melhor” (Profissional Pedagogo)
“[...] Faz tudo! É a mesma coisa dos outros, é como eu, [...] eu atuo nas minhas
atribuições [...], mas também sou assistente social, então a gente aprende um
bocado, que essa questão de interdisciplinaridade você aprende o que é ser um
pouquinho de educador físico, aprende o que é ser um pouquinho de psicólogo, de
assistente social, é aquilo que você se amarra mais, se identifica mais, você sempre
tem um elo, mas você acaba aprendendo um pouco de cada coisa, tanto que quando
chega numa questão social, [...] eu posso resolver e resolvo, sabe? Eu digo: ‘eu fiz
assim!’ [Então, respondem] ‘Não, isso aí é que deve ser feito mesmo!’” Então é
isso, faz de tudo, é tudo” (Profissional Serviço Social28).
Avalie-se, pois, que a ausência de conhecimento expresso nas falas expostas a respeito
das ações próprias do Serviço Social dá vazão à interpretação equivocada dos entrevistados.
Arbitrariamente incumbem os assistentes sociais de “tarefas” fora do âmbito integralista das
ações desenvolvidas nos serviços. Dessa forma, o resultado do envolvimento/interação entre
os profissionais CAPSianos e o Serviço Social se torna míngue, possivelmente desencadeante
de um retrocesso do que se pretende promover no campo interdisciplinar.
Nesse sentido, a interdisciplinaridade torna-se pontual, à medida que uma ação não é
desenvolvida a partir do entendimento e do relacionamento estabelecidos entre as
especificidades de cada área. Assim, tem-se as dificuldades que circundam esse meio não
encontre respostas para a superação de práticas preconceituosas, pouco resolutivas, envoltas
28
Esse profissional é formado em Serviço Social, porém, desempenha função gerencial nos serviços.
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por disparidades complexas, gerando, por assim dizer, o descaso, o aborrecimento, e
possivelmente, a desacreditação de uma efetiva reforma.
Sobre a interação interdisciplinar tecida entre os membros das equipes e os assistentes
sociais, relacionada em nível de desenvolvimento de ações colaborativas x conflituosas,
demonstram claramente que desconhecem a finalidade interativa do exercício interdisciplinar,
relegando-o a condição pessoal do outro, ao mesmo tempo em que reafirmam existir uma
relação de poder pré-estabelecida pelas funções delegadas aos assistentes sociais e as suas
próprias funções. Por assim dizer, vejam-se:
“Não. Ela é colaborativa. Mas todas as relações eu acho, que existe entre os seres
humanos são conflituosas, em alguns momentos, ela vai ser conflituosa (já que
todas falam) e cada um é um ser único, então são conflituosas, se houver uma
harmonia total eu não acho que essa relação é boa entende?” (Profissional
Enfermagem).
“[...] não tem essa ‘inter’, ela existe, mas assim, ela é conflituosa, porque às vezes a
gente tem uma visão diferente, né. Os psicólogos têm uma visão diferente, o
enfermeiro tem uma visão mais analítica, o médico tem uma visão mais médicoclínica que entra na questão da medicina, então há uns conflitos, há, há conflitos
sim, na questão, na aceitação da idéia do social, então isso acontece... Então, a
gente sempre questiona uma coisa ou outra, mas que sempre chega a um
denominador comum [...]” (Profissional Psicólogo).
Sob pena de se relegar a meros julgamentos, faz-se necessário abordar as
considerações tecidas por Carvalho (2008) a respeito da base conceitual que cerca o
desenvolvimento das práticas interdisciplinares e que chama a atenção para “os riscos cada
vez maiores da ampliação da fragmentação do conhecimento, corroborando ao mesmo tempo
para um saber não comprometido com uma integração científica maior” (p. 25). Assim,
considera-se que só é possível falar de interdisciplinaridade a partir do momento em que essa
prática apresente uma reciprocidade de conhecimentos entre as especialidades, em busca de
apresenta soluções viáveis para um problema real.
A disciplina operada pelas instituições disciplinares tem a capacidade de articular os
indivíduos como um aparelho eficiente. Neste aparelho, o individuo torna-se um
elemento que pode se movimentar e articular com os outros. Da mesma forma, o
tempo de uns devem se ajustar ao tempo dos outros, de modo que as forças
individuais sejam aproveitas em toda sua potencialidade e combinadas para um
resultado comum e eficaz (CARVALHO, 2008, p. 26).
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Assim, entendemos que os processos históricos ocasionam sérias e constantes
transformações no interior das diferentes instituições, que por conseguinte, influem no
desenvolvimento de novas especializações constituídas ao longo de um processo
industrialmente capitalizado, que marcará o campo teórico das novas profissões insurgidas ao
longo do século XIX, niveladas basicamente pelas relações do poder disciplinar, que segundo
Carvalho se caracterizará “pela fragmentação do objeto e pela crescente especialização do
sujeito científico e o fechamento em moldes cada vez mais estanques e com forte poder de
coesão” (2008, p. 28).
Considere-se, pois, que a interdisciplinaridade representa uma ação de envolvimento e
integração entre profissionais, o que pressupõe um trabalho respeitoso baseado no
acolhimento e na realidade social. Por assim dizer, acredita-se que no âmbito da saúde mental,
o desenvolvimento de atividades em parceria se torna indispensável, visto que, a problemática
que circunda esse campo encontra-se permeada por diversos fatores engendrados no decorrer
de processos históricos, os quais envolvem aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais e
éticos presentes na constituição coletiva e individual dos sujeitos.
Quanto à abordagem das falas dos entrevistados, inquirindo se a atuação do assistente
social, neste meio está em conformidade com os princípios que regem a Reforma Psiquiátrica,
respondem:
“Eu acredito que sim. Eu acho que como todo, todo profissional que ta dentro desse
processo de reforma, como já falei, da questão de ser um serviço novo, a gente
também ta num processo de construção e de conhecer o serviço e de conhecer as
nossas limitações enquanto profissional. A assistência social, ela tenta abranger, da
melhor forma possível, o que a reforma psiquiátrica preconiza” (Profissional
Terapeuta Ocupacional).
“Olhe, eu acho que não vão de encontro aos princípios, mas também não tá. Eu
acho que 100% não tá. Agora assim, não é por culpa do assistente social, mas por
conta do próprio sistema entendeu? Aqui já foram mandados algumas vezes pro
Ministério da Saúde, pela a assistente social, projetos que ela fez na questão de
geração de renda, entendeu, e não foi aprovado. Ele sempre procura fazer serviços
que vai ajudar cada vez mais. Mas às vezes, é o sistema, sempre tem alguma falha
né, então assim, nada funciona 100%, mas assim, eu acho que as pessoas estão
buscando, fazer as coisas conforme a reforma, entendeu? Claro que pode não
conseguir fazer completamente, mas se tenta” (Profissional Médico).
De acordo com as falas, torna-se possível perceber que os princípios reformistas
permeiam o campo de atuação de cada profissional imbricado no processo, logo expõem
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limitações que ultrapassam as possibilidades de cada área. No entanto, não concebem que tais
limitações só podem ser sanadas por meio de um processo mais amplo, o qual diz respeito à
responsabilização do poder público.
Ante o exposto, fica claro que seguir e/ou efetivar os princípios reformistas não está na
base de um ou de outro profissional ou categoria específica, mas sim, no desenvolvimento de
ações em nível de políticas públicas que propiciem o acesso a uma assistência digna, ao
mesmo tempo em que se criem novas relações entre loucura e sociedade. Para tanto, não basta
apenas implantar diversos serviços de Saúde Mental, faz-se necessário, também, vinculá-los a
um modelo assistencial mais amplo assumido pelo poder público.
Por outro lado, os obstáculos que se apresentam na atualidade encontram entraves nas
formas que o poder político conduz tais questões. A esse respeito perguntamos aos
entrevistados como incide as interferências do poder institucional ante a dinâmica de relações
tecidas entre os membros das equipes e na definição de seus papéis, e quanto ao assistente
social, até que ponto submete-se a tal interferência, ao passo em que respondem,
“Interfere. Na questão da gestão, na questão do próprio... Daquela questão que eu
falei, da questão de equipe, né, que você, você sabe o que deve ser feito, você sabe
como deve ser feito, mas por força maior da hierarquia aí não pode [...] você vai
até onde seu limite dá, parou ali... Acho que isso é pra qualquer profissional, parou
ali, não pode pular daquilo, porque você vai ta desrespeitando a hierarquia,
independente de que esteja na gestão, ou a gestão maior, mas pára ali, você tem um
certo limite” (Profissional Pedagogo)
“Pra que o serviço caminhe da uma melhor forma possível é necessário que todos
os envolvidos nesse trabalho também estejam falando a mesma língua, entendendo
as dificuldades, às vezes acontece de muita coisa não tá ao nosso alcance, a gente
sabe que é dever da gente, mas não tá, a gente não pode fazer por questão de
gestão, a principal dificuldade que eu vejo nesse sentido é isso, muitas vezes o
gestor né, os nossos superiores não entendem as nossas dificuldades, então assim, a
gente sabe que tem alguma coisa pra fazer, a gente tá recebendo a ordem, mas não
pode executar por questões executivas mesmo ou institucionais. A dinâmica não é
compartilhada, a gente tem um entendimento e a gestão tem outro” (Profissional
Farmacêutico).
Ao mesmo tempo, reafirmam as controvérsias impressas pelos gerenciadores dos
serviços, que acabam por afetar o exercício profissional, não só do assistente social, mas de
toda a equipe, o que acaba por comprometer o desempenho dos serviços substitutivos. Então,
quando questionados sobre quais as interferências que incidem sobre a prática do assistente
social, relatam suas percepções:
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“Eu não sei se diretamente com ele com o assistente social, mas assim, que há
interferência há, até porque nunca a política, ou o político, tentam falar com um
membro da equipe ou alguma coisa, eles direcionam logo pra a coordenação e meio
que ditam o que deve fazer, e ela chega aqui e diz o que passa pra ela e o que a
gente tem que fazer na instituição” (Profissional Médico).
“Percebo. Assim, práticas que a gente é, somos “obrigadas” a fazer que são
totalmente contra os princípios da gente né, e do assistente social também, por
exemplo: a realização de, promoção de atividades que gerem renda dentro do
serviço público, que não é obrigação da gente, a gente sabe que tem recursos pra
ser mantido, mas a gente faz por uma questão política (quer dizer, a renda é
destinada ao serviço e não ao usuário?) não, renda pra manter coisas do serviço
público, que é obrigação da gestão” (Profissional Enfermeiro).
Como se pode perceber, as falas apontam para um suposto desconhecimento da gestão
em relação ao desenvolvimento de uma política pública destinada à saúde mental, visto que,
não incide sobre essa prática a promoção de um conjunto integralizado de ações que estejam
em conformidade com a dimensão político-institucional, a qual priorize as diretrizes da
reforma psiquiátrica.
Complementa-se que, quando o aparelho estatal não se constitui como um conjunto
articulado estrategicamente, de forma a envolver outros entes administrativos, pressupõe
ações limitadas de cunho paliativo, impossibilitando a atuação democrática não só do
assistente social, mas também dos demais profissionais inseridos nos serviços substitutivos.
Assim pode-se ver que as respostas inerentes a influência sofrida pela a equipe recaem
também sobre as relações interpessoais estabelecidas pelos membros da equipe. Considere-se,
pois, que as diferentes categorias profissionais inseridas no âmbito da saúde mental, não
devem servir de pretexto para o apego burocrático a uma única função. Há de se convir, que
uma equipe de saúde deva compor-se de profissionais de diferentes áreas, que busquem
garantir uma diversidade de trocas de suas experiências, almejando soluções viáveis e assim,
poderem enriquecer mutuamente.
Assim, pode-se apreender que o caracterizante no trabalho em equipe é a capacidade
de participar coletivamente da construção de um projeto comum de trabalho, num processo de
comunicação que respeite as experiências de cada especificidade e que propicie as trocas.
Nesse sentido, Siqueira (2007), apresentando os resultados de sua pesquisa realizada em um
serviço substitutivo, enfoca que:
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[...] a democratização das relações de poder na equipe [...] deveria acontecer em toda
a prática numa relação de comunicação e reciprocidade entre os vários profissionais
da instituição. Poderia ser compreendida por um trabalho em comum [...] já que a
implementação da política de saúde mental é compromisso não apenas do assistente
social, mas de todos da equipe (SIQUEIRA, 2007, p. 73-74).
Não é o que acontece necessariamente com as equipes inseridas no âmbito da saúde
mental. Talvez porque as profissões constituídas ao longo do desenvolvimento do saber/poder
psiquiátrico gerem no interior dessas equipes a insatisfação com o trabalho demandado, e ao
longo da história constituem-se como detentores desse saber/poder. Nessa pesquisa, observase que essa insatisfação está presente nos serviços coordenados por profissionais da ortodoxia
“psi”, não apenas no campo de atuação do serviço social, mas fica patente que atinge a equipe
como um todo, atando-os aos moldes hierárquicos. No entanto, alerta-se, para o fato de que o
saber fechado, reduzido a uma postura freudiana ou lacaniana não responde, por si só, ao
emaranhado de problemas complexos que circunavega a realidade vivencial do sujeito em
sofrimento psíquico.
Assim sendo, passa-se a inquirir sobre a possibilidade de desenvolver o trabalho e as
ações sem a participação do assistente social, ao passo em que respondem unanimente que
não, reafirmando a significativa contribuição deste profissional, principalmente no que diz
respeito à abordagem familiar. Vejam-se os depoimentos abaixo:
“Não. Seria muito difícil o funcionamento do serviço sem este elo que é o assistente
social, entre família, usuário, equipe e serviços” (Profissional Terapeuta
Ocupacional).
“Acredito que não, pois o assistente social tem um papel importante no âmbito da
reforma, principalmente pelos fundamentos de resgate a cidadania, conscientização
de direitos/deveres, questões que fazem parte do dia-a-dia desse profissional”
(Profissional Médico).
Avalie-se que o reconhecimento impresso nas falas em relação à participação dos
assistentes sociais nos serviços de saúde metal é fruto dos impactos ocasionados pela postura
crítica deste profissional presente nas mais diversificadas dimensões que preceituam sua
atuação. Nesse sentido, Siqueira reforça que:
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A participação do assistente social no processo de construção da integralidade na
assistência a saúde e particularmente na saúde mental tem como desafio identificar o
conjunto das necessidades da população usuária, buscar alternativas conjuntas em
prol dos cidadãos mediante um desempenho crítico e competente capaz de fazer
frente aos desafios impostos pela profissão, nos rumos da preservação e ampliação
das conquistas democráticas na sociedade brasileira (SIQUEIRA, 2007, p. 53).
Guiados por essas premissas e tendo em mãos os aportes teóricos metodológicos
construídos ao longo da profissão, a saber: o Código de Ética Profissional, a Lei de
Regulamentação da Profissão e mais recentemente os Parâmetros de Atuação dos Assistentes
Sociais na Saúde, é possível acionar um leque de opções e alternativas para o
desenvolvimento de atividades e de possibilidades de inserção social deste público usuário.
Seguindo esse raciocínio, observou-se necessário questionar sobre em qual ação e sob quais
perspectivas a prática do assistente social deixa a desejar. E assim, responderam:
“O que deixa a desejar? Não sei. Não é bem o que deixa a desejar, mas às vezes ele
não pode colaborar tanto dentro do serviço, em função de um trabalho externo
participativo, extra-muros, como a gente diz né, fora do CAPS, que às vezes deixa a
desejar assim, porque não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, tem essa
questão, não é que estejam em grupos e mais grupos, nas oficinas, às vezes fica
impossível porque tem muita coisa realmente importante pra ser resolvida fora”
(Profissional Psicólogo)
“Eu acho que justamente o que passa por todos, é o saber fechado sem dar uma
abertura pra se discutir certas problemáticas, certas construções de soluções que
muitas vezes, isso atrapalha na abertura, eu acho que é no diálogo que muitas vezes
falta que muitas vezes não acontece, não quer dizer que é sempre, mas em alguns
casos isso acontece, de se fechar no seu saber, de não abrir pra outro profissional
que seria um encontro de solução junto” (Profissional Terapeuta Ocupacional)
Aqui fica claro, que ao contrário do que se preceituam os discursos em favor da
interdisciplinaridade, encontram-se barreiras na prática dos assistentes sociais, tanto quanto
nas práticas dos demais profissionais. No entanto, também deixa claro que tais
posicionamentos não são em decorrência da atuação limítrofe das especialidades, e sim, da
forma como os serviços estão organizados administrativamente.
Retomando o discurso sobre a interdisciplinaridade, poderemos que os impedimentos
nem sempre estão impressos propriamente pela postura profissional, mas enfatizam outros
aspectos, como os direcionamentos da gestão, as práticas cronificadas e individualizadas, as
falhas na formação, as posturas egocêntricas, o jogo do poder político.
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Essa cronificação do saber/poder está presentes nas diferentes especialidades que
interagem no campo da saúde mental. A nosso ver, as representações da saúde e da doença
perpassam por condicionantes históricos que se caracterizam pelas relações de poder
constituídas, pela estruturação de sistemas, pelo modo de produção capitalista e pela
diversidade cultural do povo.
Assim, pode-se considerar que foi no transcorrer da história que se estabelecem
alternativas para trabalhar tais conexões, o que levou ao aperfeiçoamento de sistemas de
saúde e de práticas assistenciais. Tais características ao longo do tempo foram se
modificando, assim, ao se analisar esse movimento, verifica-se a verticalização dos
conhecimentos, a maior divisão do trabalho e a marcante fragmentação das ações em saúde
mental, que geralmente, se evidenciam na centralidade das ações, a cargo da coordenação
geral do município, assim como na falta de articulação a política com os meios de
comunicação e com a sociedade em geral, além disso, as estruturas dos serviços apresentam
condições insalubres para o desenvolvimento e manutenção das atividades por hora propostos,
conforme se apresenta nos discursos colhidos no decorrer desta pesquisa no âmbito da saúde e
da saúde mental do município em questão.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considera-se, pois, que o exercício da prática dos assistentes sociais quando aplicados
à saúde mental, irá requerer o envolvimento e a contribuição das diferentes categorias
profissionais presentes no processo de desospitalização, bem como da própria instituição na
qual o assistente social está inserido. Assim sendo, a prática do assistente social carece ser
desenvolvido numa perspectiva de cunho interdisciplinar, que segundo Vasconcelos (2002), é
entendida “como estrutural, havendo reciprocidade e enriquecimento mútuo, com uma
tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos implicados”, o que requer
negociações entre os assistentes sociais e demais profissionais da equipe, e vice-versa,
apontando para uma recombinação de valores profissionais internos com vistas a práticas
interdisciplinares. Porém, a efetivação dessa prática incorre em limites relacionados aos
processos históricos constituintes das diferentes categorias profissionais, o que ocasiona
restrições que dificultam sua realização, como bem expressa o referido autor:
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A proposta da interdisciplinaridade convive na prática com uma “sombra” espessa
de um conjunto de estratégias de saber/poder, de competição intra e intercorporativa
e de processos institucionais e socioculturais muito fortes, que impõem barreiras
profundas a troca de saberes e a prática interprofissionais colaborativas e flexíveis
(VASCONCELOS, 2002, p. 53).
Sob esse olhar, observa-se achados da pesquisa que o profissional de serviço social
preza pelo desenvolvimento de práticas interdisciplinares, sendo em sua maioria valorizados
pelas demais categorias de trabalhadores inseridos na RSM/CG. No entanto, fica claro que as
limitações impostas pela conjuntura nacional se interpõem sobre o cotidiano institucional,
inviabilizando a implementação de métodos e técnicas que propiciem a efetivação de práticas
interdisciplinares.
Dentre as dificuldades enfrentadas, vale destacar a ampliação das políticas de cunho
neoliberal que perpassa a sociedade brasileira desde a década de 1990, proporcionando o
“desmanche” das políticas sociais, desconstruindo direitos conquistados pelo povo, numa
ação antidemocrática, a qual pauta a saúde sob a perspectiva privatista, contempla entre outros
aspectos a redução de gastos, a focalização da oferta, a descentralização dos serviços,
sobrepondo-se as necessidades de saúde da população. Sabe-se, pois, que historicamente o
cotidiano do profissional de Serviço Social é marcado por obstáculos interpostos pela
conjuntura política e pela cultura institucional, sendo constantemente cobrado a tomar
providências pontuais e imediatas frente a situações relacionadas à problemática econômica e
social da população atendida nestes serviços. O que, não se modifica na área da saúde mental.
No entanto, Iamamoto (2005) nos chama a atenção para o fato de que, o profissional
de Serviço Social não trabalha sozinho. Para execução de suas funções o mesmo necessita
acessar um conjunto de estruturas que viabilizem ao usuário o acesso aos serviços, seja de
propriedade privada ou pública, de entidades filantrópicas, governamentais ou não
governamentais, nesse sentido a autora ressalta:
O assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um
trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de
trabalho. Sua inserção na esfera do trabalho é parte de um conjunto de
especialidades que são acionadas conjuntamente para realização dos fins das
instituições (IAMAMOTO, 2005, p. 64).
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Portanto, se faz pertinente ressaltar que cabe ao assistente social efetivar sua prática de
acordo com os propósitos do projeto ético-político da profissão, em busca de respostas às
demandas resultantes das desigualdades sociais decorrentes do desenvolvimento histórico da
sociedade capitalista. Como consequência desse reconhecimento, aponta-se a relevância da
interdisciplinaridade e a necessidade de interação de outras esferas do conhecimento,
alargando o debate para espaços externos à prática restrita do campo do Serviço Social.
Tem-se, pois, que, embora existam entraves no cotidiano institucional, no que diz
respeito às barreiras existentes mediante a inabilidade da gestão em lidar com um conjunto de
ações complexas presente nesse tipo assistência, observou-se que é possível desenvolver e
vivenciar a interdisciplinaridade, embora de forma fragmentada e pouco clara para alguns
profissionais – conforme se vê nos relatos descritos –, porém, acabam executando ações
interdisciplinares sem, no entanto se darem conta de que o fazem.
Portanto, chega-se ao final das nossas considerações, entendendo que as limitações e
tensões postas pela conjuntura políticas do país, ocasionam desfalques para a efetivação da
Reforma Psiquiátrica, porém não a inviabilizam, sendo extraordinariamente importante a
participação do assistente social no interior destas equipes, posto a importante mediação que
exerce entre os diferentes níveis de assistência em defesa dos direitos sociais e de cidadania
destes usuários historicamente excluídos.
REFERÊNCIAS
ALVES, Carmen Silva. O Serviço Social na rede de saúde mental em Campina Grande –
PB: limites e possibilidades da prática profissional à luz da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
(Dissertação de Mestrado) – UFPB/CCHLA - João Pessoa, 2009.
BISNETO, J. A. Serviço Social e Saúde Mental: uma análise institucional da prática.
Cortez: São Paulo, 2007.
CARVALHO, R. N. As (im) possibilidades da prática interdisciplinar no programa saúde
da família em Campina Grande-PB: uma análise a partir da vivência dos profissionais do
distrito IV. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. UFPB/CCHLA João Pessoa, 2008.
CRESS - Coletânea de Leis - Lei de Regulamentação da Profissão. Lei nº 8.662/93. 16ª
Região, Maceió/AL: Gestão 2002/2005.
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1775
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
SIQUEIRA, M. Z. A prática profissional do Serviço Social e a integralidade na
assistência a saúde. Dissertação de mestrado – UFPE. CCSA. Serviço Social, 2007.
VASCONCELOS, E. M. Práticas interdisciplinares em saúde mental e estrutura das
políticas sociais. In: ROSA, L. C. dos S. Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da
subjetividade e da interdisciplinaridade. 2ª ed. – São Paulo: Cortez, 2002.
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A TRAJETÓRIA DO EMPREGO FORMAL FEMININO - UMA ANÁLISE DA
INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO E EXTRATIVA MINERAL CEARENSE (19902000)
Isabela da Silva Valois29
Rosane da Silva Valois30
RESUMO: No Brasil, a participação da mulher no mercado de trabalho se intensificou a partir da
década de 1970, num contexto de expansão econômica e acelerado processo de urbanização
brasileiro. Apesar da crise dos anos 1980, a escalada do trabalho feminino não foi interrompida. No
entanto, a rápida abertura comercial expôs a indústria nacional à concorrência internacional nos anos
1990, configurando um violento processo de ajustamento, reduzindo o número de trabalhadores na
indústria brasileira, com reflexos na ocupação feminina. Nesse cenário, o Ceará apresentou uma
inflexão na condução de sua política econômica, a partir de 1987, o que se refletiu positivamente na
dinâmica econômica e no desempenho do emprego formal estadual de 1990 a 2000, particularmente
no setor industrial. Como resultado verificou-se que o pioneiro ajuste fiscal, atrelado à uma política de
atração de investimentos dinamizaram a economia estadual, que apresentou elevação do PIB e do
número de empregos industriais. Neste cenário a mão-de-obra feminina foi favorecida em relação a
quantidade de mulheres empregadas, porém, elas ainda se concentram em setores tradicionalmente
femininos (setor de calçados e têxtil e vestuário) e, apesar de terem mais anos de estudo e estarem
teoricamente mais preparadas que os homens, a significativa incorporação da mulher no mercado de
trabalho cearense, não é acompanhada da diminuição das desigualdades salariais entre os sexos, pois
elas ainda enfrentam barreiras significativas quanto à ascensão profissional e ganham
sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de
estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho.
Palavras-chave: Emprego, mulher, indústria.
1. INTRODUÇÃO
Para Marx (1994), a produção capitalista efetivamente começa quando trabalhadores deixam
de trabalhar para si mesmo e passam a vender sua mão-de-obra aos detentores dos meios de produção.
E, pela soma da força de trabalho, forma-se uma espécie de aglomeração que irá produzir de maneira
cooperativa.
29
Graduada em Economia pela Universidade Regional do Cariri – URCA; Professora Substituta do
Departamento de Economia da URCA; e-mail: [email protected]
30
Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA; e-mail: [email protected]
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É nesse estágio de cooperação, que segundo Veblen (1964), o homem abandona o instinto
predatório intimamente ligado à exploração do que é novo ou inconquistado (inexplorado), ou o
substitui por um instinto construivo-produtor (embora ainda subjugado ou regido por leis predatórias
superiores), que por meio da força, instituiu a propriedade privada, na qual a mulher constituía parte
desta propriedade, e um objeto frágil com o qual as relações deveriam ser limitadas e distantes, além
de ser dedicadas a elas, tarefas rotineiras e vulgares que inspiravam fraqueza do gênero, imposta pela
forma com que foram conquistadas:
A luta, juntamente com outros trabalhos que envolvem um sério elemento de
exploração, se ressume em empregar homens fisicamente aptos; o trabalho diário e
rotineiro do grupo é entregue às mulheres e aos fracos [...]. A fraqueza, ou seja, a
incapacidade de explorar é desprezada. Uma das primeiras conseqüências desta
depreciação da fraqueza é um tabu em relação à mulher e ao seu trabalho (VEBLEN,
1964, p. 51-52).
A posição de objeto, ocupada há milênios pelas mulheres, foi transmitida de uma cultura para
outra, ao longo do lento passar do tempo, no qual errôneas idéias a respeito deste gênero se
solidificaram pelo hábito do pensamento predatório-combativo dos homens, que embora reduzidos,
lideravam os fracos e os comuns, servindo como modelos para todos os grupos humanos:
[Eles imprimiam o pensamento de que] o contato excessivo com as mulheres era
“cerimoniosamente errado para os homens”. Isto “durou e foi transmitido a culturas
posteriores, significando falta de valor ou incapacidade levítica das mulheres; por
isso, até hoje, achamos impróprio as mulheres se igualarem aos homens ou
representarem a comunidade em qualquer relação que exija dignidade e capacidade
representativa” (HUNT, 1981, p. 356).
Mas, com o surgimento do instinto construtivo-produtor e seu posterior desenvolvimento
estimulado pelo capitalismo, o instinto predatório foi se extinguindo de modo a atenuar a subjugação
da mulher, que iniciou uma escalada surpreendente no mundo do trabalho, em busca de independência
e da conquista de seu espaço na sociedade de modo que ela pudesse ser vista em relação ao homem
como igual no sentido de força, de trabalho, de renda e principalmente de direitos.
A inserção da mulher no mundo do trabalho é produto da própria tentativa de sobrevivência do
capitalismo, é fruto de sua reinvenção, ou seja, da reestruturação de suas formas produtivas em favor
sempre do capital, em detrimento do trabalhador. As transformações ocorridas entre meados do século
XVI e final do século XVIII são exemplos disso. Nesse período, onde a manufatura se desenvolve, e
as operações produtivas passam a constituir operações especializadas (parceladas), ocorrendo a
incorporação de inovações tecnologias (com a Revolução Industrial) como a introdução da maquinaria
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que veio simplificar ao extremo o trabalho manual artesanal, é que a mulher oficialmente aparece no
contexto do mundo do trabalho (dir-se oficialmente porque a mulher desde os primórdios sempre foi
obrigada a trabalhar seja por necessidade de se obter o sustento, seja pela cultura que impõe
obrigações ou tarefas caseiras, monótonas e diárias, embora não sejam consideradas atividades
econômicas, não sendo portanto, remuneradas, ou quando o são, o saldo obtido é tão ínfimo que não
pode sequer chamado de renda):
Nesse momento, em que a maquinaria acabou por tornar dispensável a força muscular do
trabalhador masculino (sendo substituída pela força motriz mecânica, a vapor ou hidráulica), abriu-se
espaço ao trabalho feminino (e ao infantil) nas primeiras indústrias. Mas essa inserção da mulher na
indústria desvalorizou o valor da mão-de-obra, fazendo com que elas tivessem que trabalhar muito
mais para alcançaram a remuneração de um homem adulto. Na verdade, as máquinas contribuíram
muito mais para aumentar a mais valia, do que para reduzir o tempo de trabalho humano, expondo
mulheres e crianças à exploração capitalista, aumentando a jornada de trabalho além dos limites
humanos (VALOIS, 2007, p. 20-21)
A primeira fase de introdução da mulher no mercado de trabalho foi também a mais extrema e
precária de todas elas. Nesse período, em que a indústria nascia com força, não apenas as mulheres,
mas também os homens eram submetidos a jornadas de trabalho subumanas e condições desumanas de
sobrevivência, pois quando não tinham família, dormiam amontoados em galpões sujos sem
saneamento básico, sem camas, sem privacidade, sem conforto, sem nada, vestindo trapos negros de
fuligem. Mas elas e principalmente elas, sofreram mais com a exploração devido ao peso do sistema
social patriarcal31, dado que tinham que tinham que trabalhar muito mais que os homens, recebendo
muito menos que eles, tendo ainda que cumprir uma jornada dupla, que envolvia os trabalhos
domésticos e as responsabilidades de mãe. Devido à ausência de qualquer política de proteção ou
direito para a mulher, data-se desse período um dos maiores índices de mortalidade infantil de todos os
tempos, dado que extremamente ocupadas com o trabalho, as mulheres ficavam impedidas de cuidar
de suas crianças ou mesmo de educá-las, de modo que estas sofriam com a desnutrição, doenças,
acidentes e a própria marginalidade, quando não eram submetidas ao trabalho fabril que comumente as
exauria até a morte (MARX, 1994).
O trabalho nos campos e nas minas que também passou a ser enfrentado pelas mulheres que
não tinham acesso às cidades era igualmente difícil. Trabalhavam submetidas a regimes próximos à
escravidão, passando dias inteiros dentro das minas de carvão sem poder ver a luz, sob elevadas
temperaturas, e pouco oxigênio, dado que com a introdução do trabalho feminino nestas áreas, as
31
Regime da dominação-exploração das mulheres pelo homem (Saffioti, 1979).
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galerias cavadas eram mais profundas e mais estreitas, alcançando distâncias que os homens jamais
poderiam ter alcançado. No entanto as mulheres não ganhavam mais por isso nem viviam em
condições melhores. Contrariamente, eram expostas a situações constrangedoras, tendo que dividir
galpões com os homens, e submetidas a toda e qualquer expressão de vulgaridade (MARX, 1994).
Com o passar do tempo, a intensificação do trabalho provocou reação da sociedade
que, depois de muitas manifestações, conseguiu com que a jornada fosse legalmente limitada
entre 1844 e 1850. Mesmo assim, já que para os capitalistas essa medida trazia prejuízo aos
lucros, o trabalho continuou intenso dado que, os capitalistas passaram a exigir do trabalhador
mais dinamismo e maior velocidade de trabalho num período mais curto, prejudicando a
saúde do operário e, por conseqüência, a própria força de trabalho, mas elevando a
produtividade ao mesmo nível do período anterior à limitação da jornada. Paralelo a isso,
lutas pela emancipação social e direitos humanos, trabalhistas, políticos e econômicos das
mulheres que já floresciam no século XVIII, em vários pontos da Europa foram fortalecidos a
partir do século XIX, principalmente nos Estados Unidos, onde foram registradas várias
manifestações protagonizadas por operárias de indústrias têxteis e de vestuário contra os
baixos salários, e as condições de trabalho, insalubres e perigosas, que eram motivo de graves
doenças e muitos acidentes.
Assim, o século XX foi marcado por fortes mudanças de paradigmas, tanto no âmbito
socioeconômico, como no campo das profissões. Nos países ocidentais, registrou-se o ingresso maciço
das mulheres no mercado de trabalho, caracterizado pelo avanço da escolaridade feminina, sobretudo
no nível superior de ensino, refletindo na ampliação do leque de profissões em que estas mulheres
começaram a se fazer presentes. As mulheres conquistaram, com dificuldades, sua parcela no mercado
formal de trabalho ao longo da história; mesmo assim, ainda enfrentam barreiras significativas quanto
à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os homens, até quando ocupam cargos
equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a mesma jornada de trabalho.
No Brasil, a partir dos anos de 1970 fica evidente a ampliação da participação feminina no
mercado de trabalho. O crescimento significativo do Produto Interno Bruto - PIB durante o ‘‘Milagre
Econômico Brasileiro’’ (1968-73) aumentou consideravelmente a oferta de empregos industriais,
facilitando o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Essa tendência permanece durante toda a
década de 1970, quando são mantidos fortes investimentos no II Plano Nacional de Desenvolvimento
(II PND) e se consolida uma nova etapa do Processo de Substituição de Importações - PSI.
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1780
Na década de 1980, quando o Brasil teve que enfrentar a maior recessão de sua história, o
aumento da participação da mulher no mercado de trabalho desacelerou, mas não parou. A crise de
1981-1983, intimamente associada à situação das contas externas do país e ao segundo choque do
petróleo (1979), provocou uma reversão na tendência de crescimento anterior. O cenário de choques
externos expôs a vulnerabilidade da economia brasileira (quadro de inflação, crescimento da dívida
externa, elevadas taxas de juros, desestruturação do setor público), gerando necessidade de ajustes que
desaceleraram o crescimento econômico do país, refletindo-se no mercado de trabalho, notadamente
nos empregos industriais.
Nos anos 1990, quando a abertura comercial e financeira estimulou a entrada de
produtos importados e de capital estrangeiro, as condições de concorrência do mercado
interno sofreram alterações. As empresas nacionais foram obrigadas a implementar
``estratégias de sobrevivência``, através de novas técnicas de gerenciamento, baseadas
fundamentalmente na redução dos custos, estimuladas pela substituição da mão-de-obra por
máquinas e equipamentos. Observa-se, portanto, um processo de ajuste às condições impostas
pela concorrência internacional, marcado pela reestruturação produtiva, a qual associada aos
baixos investimentos e à terceirização da economia, provocou reflexos no mercado de
trabalho, causando desemprego da força de trabalho feminina. Apesar disso, a trajetória de
crescimento da incorporação da mulher no mercado de trabalho não foi interrompida, mas
modificada, pois detectou-se um envelhecimento da população feminina ocupada.
É importante enfatizar que as mudanças ocorridas atingiram a economia de forma
diferenciada, e seus efeitos, portanto, manifestaram-se diferenciadamente em níveis setoriais,
regionais, estaduais etc, na medida em que se observa, na economia nacional, uma forte
heterogeneidade entre os Estados da federação, os quais apresentam grandes assimetrias em
seus níveis de desenvolvimento e de integração às economias nacional e internacional.
Estudos como os de Melo (2002), Ikeda (2000) e Bruschini (1996), revelam que a redução do
emprego formal, verificada na economia brasileira, é ainda maior quando se trata do gênero
feminino, o que sugere ser esse segmento o mais atingido pelas transformações estruturais da
década de 1990.
No entanto, é justamente neste período, em meio a uma grave crise fiscal do Brasil,
caracterizada pela perda do crédito e aumento do déficit público, altas taxas internas de juros
e taxas de crescimento relativamente baixas – que o Ceará se destaca no cenário de
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estagnação nacional (com uma política fiscal pioneira, e políticas de incentivo à
industrialização). São observadas significativas alterações na dinâmica econômica do Estado
nos anos 1990, que são resultado do novo modelo de gestão implementado, tais como:
crescimento do PIB estadual superior ao crescimento do PIB do Brasil, com destaque para a
expressiva elevação do PIB industrial; aumento da participação do PIB estadual nos PIB
nacional e regional; significativo ganho da participação da indústria na geração de emprego ao
longo da década, em função da elevação no aumento do número de estabelecimentos
industriais implantados no período.
O cenário para esse comportamento da economia é um período de grandes mudanças
no modo de regulação do Estado. Desde a segunda metade da década de 1980, a partir da
primeira gestão do Governador Tasso Jereissati, uma nova estratégia de desenvolvimento
econômico começa a ser posta em prática no Ceará, envolvendo medidas de saneamento da
máquina estatal, forte contenção dos gastos públicos, enxugamento do quadro de pessoal,
além de uma política de incentivos fiscais e investimento em infraestrutura. O providencial
ajuste das contas públicas do Estado, permitiu que o Ceará revelasse um desempenho
financeiro acima do esperado. Como resultado, verifica-se equilíbrio das contas públicas,
disponibilidade financeira para investimentos em obras de infraestrutura econômica e obras
sociais que seriam capazes de alavancar o desenvolvimento econômico-industrial do Estado.
Ressalta-se que a indústria foi um setor fortemente atingido pelas transformações
estruturais da economia brasileira. Particularmente no Ceará, esse setor aumenta
consideravelmente sua participação na formação do PIB estadual. Assim, enquanto verificase, em nível nacional, uma forte redução no emprego industrial, tendência mantida pelo
Nordeste brasileiro, o Ceará apresentou, nos anos 1990, considerável crescimento do emprego
industrial, criando 49.580 novos postos de trabalho na indústria (VALOIS; ALVES, 2006).
Numa análise mais qualitativa, apesar do crescimento no emprego formal, a
performance da indústria cearense em relação ao rendimento médio dos trabalhadores não se
mostra exatamente favorável, na medida em que se verifica uma queda nesta variável entre
1990 e 2000, diferentemente do observado na economia nacional. Assim, estão presentes na
indústria cearense níveis de salários extremamente precários, no ano 2000, por exemplo, 70%
dos trabalhadores industriais recebiam renda entre 1 e 2 SM (VALOIS; ALVES, 2006).
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Desta forma, identificam-se evidências de precarização nas relações de trabalho no
Ceará. Os dados revelam elevada rotatividade da mão-de-obra industrial, permanecendo
superior a já elevada rotatividade da indústria brasileira (VALOIS; ALVES, 2006).
Diante do exposto, dada a maneira ágil como Estado do Ceará reagiu ao cenário de
crise nacional e dada a tendência diferenciada apresentada pelo seu mercado de trabalho,
entende-se ser de fundamental importância a investigação de como a força de trabalho
feminina cearense se comporta dentro da dinâmica do emprego estadual. Considerando que
existem lacunas em relação a estudos que contemplem o comportamento dos gêneros em nível
estadual, é que se evidencia a relevância de uma análise das relações de gênero no seu
mercado de trabalho, tentando identificar os caminhos do emprego feminino no cenário de
transformações das economias nacional e cearense.
2. ASPÉCTOS METODOLÓGICOS
Escolhido a década de 1990 para estudo, quando transformações ocorridas no cenário
econômico do Brasil (crise fiscal, abertura econômica, reestruturação produtiva, etc.) fazem
com que as atenções se voltem para o Ceará que apresenta comportamento diferenciado dos
demais Estados nacionais, e tendo como objeto de análise a indústria, visto ser este setor
largamente atingido pelas modificações estruturais ocorridas na economia brasileira, as quais
forçam um processo de ajuste e reestruturação nos processo produtivos e na força de trabalho.
Trabalhar-se-á, para efeito deste estudo, apenas as indústrias extrativa mineral e de
transformação, dado que as mesmas contribuem com a grande maioria do emprego gerado
pelo setor.
A pesquisa em questão utiliza essencialmente dados secundários, obtidas junto aos
principais institutos de pesquisa, nacionais e estaduais (IBGE- Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística , IPECE – Instituto de Pesquisa Econômica Cearense, FIECFederação das Indústrias do Estado do Ceará, etc), que trabalham com dados sobre o
comportamento da economia cearense e sobre mercado de trabalho de forma geral. O
tratamento analítico utilizado para a análise do mercado de trabalho tem como foco o setor
industrial, considerado aqui a partir dos dados da RAIS 32 – Relação Anual de Informações
32
A RAIS fornece dados anuais cobrindo o setor formal em todas as regiões do país.
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Sociais, que se constitui em um registro administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego
– MTE, o qual fornece informações sobre o emprego formal em 31 de dezembro de cada
ano33, a partir do qual serão analisados dados sobre o mercado de trabalho industrial, com
destaque para a participação dos gêneros (em particular do gênero feminino).
3. OBJETIVOS
Analisar, o impacto das mudanças no mercado de trabalho formal da indústria
cearense na década de 1990, particularmente da indústria de transformação e extrativa
mineral, em relação ao gênero feminino.
4. PERFIL DAS TRABALHADORAS INDUSTRIASIS CEARENSES
A intensa abertura econômica, os baixos níveis de investimento e o processo de ajuste
e reestruturação produtiva observados na economia brasileira, tiveram reflexos nos níveis de
emprego da indústria nacional, prejudicando, consequentemente, a incorporação da mulher no
mercado de trabalho nos anos 1990.
Acompanhando a nova dinâmica econômica estadual, com o crescimento do produto e
dos postos de trabalho industriais, observa-se que a mão-de-obra feminina apresentou, ao
longo da década de noventa, um crescimento de 22.401 novos postos de trabalho (Tabela 1).
Essa quantidade de novos empregos representa uma taxa de crescimento de 4,76% a.a.
para o Ceará, superior à taxa de crescimento do emprego industrial feminino nacional, que
fica em torno de 0,78% a.a. negativos, com extinção de 116.063 postos de trabalho (Tabela 1).
Na análise do desempenho do emprego segundo o ramo de atividade (Tabela 2),
evidencia-se a grande concentração do emprego formal no setor de serviços cearense, tanto
para homens quanto para mulheres, repetindo o desempenho da economia nacional. No caso
feminino, a distribuição do emprego entre os ramos mostra-se mais desigual, com serviços
concentrando em torno de 70% da mão-de-obra estadual, tanto em 1990 quanto em 2000
(enquanto que para homens concentra em torno de 50% nos dois anos em análise).
Verifica-se que ao longo da década, enquanto no Brasil diminui o número de mulheres
na indústria (Tabela 1), no Ceará há uma maior incorporação da mulher nesse setor, que
33
Mesmo considerando as limitações desta base de dados, já que a mesma é formada por informações prestadas
pelas empresas, sendo, portanto, passíveis de erros, além de se restringir ao mercado formal de trabalho, dado o
volume de informações apresentadas pela base é possível captar vários elementos da dinâmica do emprego no
Estado.
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atinge 18,99% do contingente das trabalhadoras industriais em 2000. Apesar de também
crescer o número de trabalhadores masculinos na indústria, com uma média anual de 3,34%, o
crescimento da força de trabalho feminino mostra-se superior, atingindo 4,75% a.a. entre
1990 e 2000 (Tabela 2).
Dado que o foco de nossa análise é o setor industrial, é preciso verificar em que setor
da indústria a mão-de-obra feminina se concentra. Na tabela 3, é possível observar a evolução
da participação feminina pelo diversos setores industriais.
A maior parcela das mulheres no total de trabalhadores, em 1990, concentrava-se nos
setores de atividade que exigiam maior criatividade e manuseio, como a indústria têxtil do
vestuário e artefatos de tecidos (53,81%) – tradicionalmente, grande locus do trabalho
feminino. Assim, nesse setor, o contingente da força de trabalho feminina supera a masculina.
Destacam-se, ainda, com ocupação de um grande número de trabalhadoras as indústrias de
produtos alimentícios, bebidas e álcool etílico (43,52%), calçados (34,43%), indústria da
borracha e similares (33,91%) e indústria química de produtos farmacêuticos, veterinários e
perfumaria (31,69%).
Os menores percentuais de participação feminina estão nos ramos de atividade que
exigem, em geral, maior força física, como a indústria extrativa mineral (7,47%), indústria de
produtos minerais não metálicos (8,53%), indústria mecânica (8,48%), indústria de material
de transporte (7,52%) e indústria de madeira e do mobiliário (8,03%), onde o número de
trabalhadores masculinos ultrapassa 90% do total da mão-de-obra da indústria.
No final da década, a distribuição da mão-de-obra feminina não se altera muito,
estando basicamente concentrada nos setores considerados tradicionais. O maior percentual de
mulheres ainda é apresentado pela indústria têxtil (assim como para os homens), que criou
9.628 novos postos de trabalho para a mão-de-obra feminina (Tabela 4). Isso ocorre a
despeito do que se verifica em nível nacional, onde se observa um processo de “retração nas
indústrias tradicionais femininas (têxtil/vestuário), expressando a dramática reestruturação e
falência das têxteis nacionais ao longo do período” (MELO, 2002, p.37), sofrendo reflexos da
abertura comercial e sobrevalorização cambial do Plano Real, que destruíram milhares de
postos de trabalho nesse setor.
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Apenas nos setores minerais não metálicos, material elétrico, borracha e similares,
química e produtos farmacêuticos, e indústria de produtos alimentícios, houve retração na
mão de obra feminina, como mostram as taxas de variação negativa para estes setores. O
grande destaque fica por conta da indústria de calçados, que em 1990 empregava apenas 525
trabalhadoras e passa a empregar 14.269 em 2000. O setor calçadista, portanto, se destaca
como ramo que acolhe mais intensamente a trabalhadora industrial, dado o salto de absorção
de apenas 1,43% em 1990 para 24,01% em 2000, enfatizando a maciça transferência da
indústria de calçados para o Ceará, através do incrível aumento do número de empregos neste
setor (Tabela 4).
A Tabela 4 mostra, ainda, que setores tradicionalmente masculinos como a indústria
mecânica, a de madeira e a de material de transporte também apresentaram números
favoráveis em relação ao ganho de participação da mulher no mercado de trabalho,
comprovando o fato de que a automação industrial facilitou o acesso feminino a setores antes
predominantemente masculinos.
Outro atributo do emprego industrial feminino a ser analisado é a faixa etária (Tabela
5). O envelhecimento da mão-de-obra feminina empregada é um fenômeno que se tornou
tendência em nível internacional e também nacional, segundo recentes estudos sobre os
gêneros no mercado de trabalho.
O Ceará repete os números apresentados pelo Brasil em relação à idade das
trabalhadoras industriais. Observa-se que houve envelhecimento da mão-de-obra feminina,
passando a concentração das mulheres da faixa de 18 a 24 anos, a qual detinha 30,03% em
1990, para a faixa de 30 a 39 anos, com 34,12% em 2000. Também houve crescimento
significativo na faixa dos 40 aos 49 anos, que apresentava 3975 trabalhadoras em 1990,
passando a apresentar 7601 no ano 2000.
No Ceará, houve queda ao longo da década, nas duas primeiras faixas de idade, onde a
população mais jovem está inserida (menos de 18 anos). O envelhecimento da mulher na
indústria é, provavelmente, resultado do aumento do nível de escolaridade feminino, do
acesso a informações e métodos anticonceptivos, e do adiamento da maternidade. Por outro
lado, a redução nas faixas de menor idade pode significar a ausência/insuficiência de políticas
públicas de incentivo ao primeiro emprego, dificultando a entrada da mulher jovem no
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1786
mercado de trabalho, que não tem como comprovar experiência profissional (BRUSCHINI;
LOMBARDI, 1998) e ainda, o aumento do número de matrículas e do tempo de permanência
na escola.
Já é consenso, na literatura nacional, que o número de anos de estudo é maior entre as
mulheres do que entre os homens34. A Tabela 6 confirma esta afirmação, com o Ceará
repetindo a tendência nacional.
Entre 1990 e 1995, há uma certa oscilação, mas a partir de 1996 cresce
ininterruptamente o número de estudos para homens e mulheres. As mulheres têm mais tempo
de estudo e em todos os anos da década de 1990, superam o gênero masculino. Observa-se
que em 1993 há um pico de 7,95 anos médios de estudo para as trabalhadoras industriais
cearenses, que chegam nos últimos anos da década com uma média superior aos setes anos de
estudo.
Desagregando a análise para faixas de níveis de escolaridade, a Tabela 7 mostra que,
no Ceará, em 1990, os maiores percentuais de mulheres trabalhadoras da indústria
concentravam-se em faixas salariais que iam desde a 4o série incompleta até a 8o série
completa. Entre 1990 e 2000, acompanhando a tendência nacional, há ganho de anos de
estudo, favorecendo o aumento do percentual de mulheres em faixas mais elevadas de
escolaridade (desde a 8o série incompleta até o superior completo). Observando as taxas de
variação, identifica-se uma variação negativa para faixas de escolaridade mais baixas
(Analfabeto à 40 série completa). Isto indica que vem reduzindo o número de mulheres pouco
instruídas, principalmente em relação aos homens, que apresentam variações negativas
menores, além de variação positiva na faixa de analfabetos. É também neste Estado que
ocorre a maior variação positiva de mulheres que possuem o nível superior completo,
superando até o nível nacional35, apesar do número de trabalhadoras nessa faixa escolaridade
ainda ser pouco representativo.
Estes números são reflexos provavelmente da queda da taxa de fecundidade e da
evolução dos valores sociais femininos que permite que as trabalhadoras percebam que
mulheres mais instruídas e com menor número de filhos (ou que retardam a decisão de
34
O número de anos médios de estudo é calculado através de média ponderada que considera o ponto médio em
anos de estudo para cada faixa de escolaridade e seu peso relativo na estrutura de emprego.
35
Para dados relativos à indústria nacional, referidos neste trabalho, ver Valois e Alves (2006).
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1787
constituir família) têm mais chance de competição com os homens no mercado de trabalho
(BRUSCHINI; LOMBARDI, 1998). Outra possível explicação para a elevação da
escolaridade feminina está na criação de políticas de incentivo à educação, que interiorizaram
o ensino superior estadual e federal, além de centros de ensino tecnológico e
profissionalizante.
5. QUALIDADE NO EMPREGO INDUSTRIAL FEMININO
Dentro de uma análise mais qualitativa do emprego industrial, a Tabela 8 revela a situação
precária da mulher na indústria cearense, a partir da análise do tempo de serviço na indústria.
Um dos indicadores que tem caracterizado a tendência de precarização das relações de
trabalho no Brasil é a elevada rotatividade da mão-de-obra. O argumento utilizado é que a alta
rotatividade diminui, por exemplo, os investimentos em treinamento da mão-de-obra, o que pode
prejudicar a produtividade, além disso, incentiva a informalização da economia (GONZAGA, 1998).
Esse alto nível de rotatividade é explicado, segundo Baltar (1996), pela facilidade que as empresas têm
de admitir e demitir mão-de-obra (adequando o número de empregados ao ritmo de produção e das
vendas – contratações sazonais), o que influencia na qualidade do emprego no Brasil.
Acompanhando a tendência nacional, observa-se no Ceará, a ampla concentração de homens e
mulheres na faixa que caracteriza menos de dois anos de tempo de serviço, caracterizando a elevada
rotatividade na indústria cearense. Ao longo da década de 1990, aumenta ainda mais a rotatividade
entre as mulheres, onde se verifica um percentual de 58,68% de trabalhadoras com menos de dois anos
de permanência no emprego em 2000 (enquanto os homens mantém essa participação relativamente
estável). Observa-se, ainda, a diminuição da concentração de mulheres em faixas de serviço mais
estáveis, como cinco anos ou mais de serviço, seguindo a tendência nacional (ver Tabela 8).
A análise da remuneração da indústria cearense vem confirmar os estudos já existentes, onde
se evidencia que a remuneração da mão-de-obra feminina é inferior à masculina (Tabela 9 ).
Isso está presente em todos os anos da década de 1990, na qual a remuneração média das
trabalhadoras não chega a alcançar dois salários mínimos (com exceção de 1993 e 1995). Nesse
variável, portanto, as mulheres enfrentam forte segregação em relação ao sexo masculino.
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1788
Faz-se necessário chamar atenção que a grande maioria da mão-de-obra industrial cearense
recebe níveis salariais extremamente precários, conforme enfatizado anteriormente. Porém, a situação
das mulheres é ainda pior que a dos homens, já que se constata, em 1990, 58,38% de trabalhadores
industriais recebendo entre 1 e 2 salários mínimos (contra 44,48% de homens). As péssimas condições
salariais se agravam ainda mais nos anos 1990, quando esse percentual atinge 69,09% no ano 2000.
Enfatiza-se que esses percentuais são significativamente maiores que os apresentados pela indústria
brasileira. Na faixa de maior remuneração, apenas 3,38% das trabalhadoras recebiam acima de cinco
salários mínimos (SM) em 1990, percentual que se mostra ligeiramente pior em 2000, passando a
representar 3,28% (Tabela 10).
Os dados mostram que a maioria das mulheres sem instrução até ensino fundamental
incompleto (53,3%) e com fundamental completo até o ensino médio incompleto (42,4%) recebiam
entre 1 e 2 SM em 1990. A precária situação da mão-de-obra feminina em relação à salários piora
quando se comparam os dados de 1990 e 2000. Observa-se que aumenta a quantidade de mulheres em
todas as faixas de escolaridade recebendo entre 1 e 2 SM, percentuais que se mostram superiores à
concentração de trabalhadores masculinos nessa faixa salarial.
Em 2000, 64,5% das trabalhadoras com nível superior completo recebiam acima de 5 SM,
enquanto 83,5% dos homens eram remunerados na mesma faixa salarial. Portanto, embora as mulheres
se mostrem mais instruídas, essa vantagem comparativa não tem se revertido na diminuição das
desigualdades de rendimentos entre os sexos.
Ikeda (2000, p.104) chama atenção que muitas vezes a diferença entre os rendimentos de
homens e mulheres tem a justificativa de que estas se concentram “no mercado informal,
especialmente em serviços domésticos, cujo trabalho é tipicamente precário”. Porém, o que se
observou é que essa “segregação por gênero” está presente mesmo no mercado formal de trabalho,
como ficou evidenciado na indústria cearense.
Com isso, pode-se dizer que fazer com que o trabalho feminino seja financeiramente
reconhecido é um dos grandes desafios a ser enfrentado pelas mulheres, seja em nível nacional ou no
Ceará, já que elas passam mais tempo na escola e estão intelectualmente melhor preparadas que os
homens, e a tecnologia tem cada vez mais contribuído para que a força física não seja um empecilho
para a entrada e ascensão das mulheres no mercado de trabalho industrial.
6. CONCLUSÕES
Apesar de ser histórica a luta da mulher na tentativa de se inserir em atividades
remuneradas do mercado de trabalho, isto só corre maciçamente partir do século XX, depois
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1789
que a Revolução Industrial introduziu tecnologias poupadoras de força física na execução de
grande parte das atividades produtivas industriais.
Em nível nacional, isso se dá a partir dos anos 1970, principalmente devido ao rápido
processo de industrialização e urbanização do país durante o Milagre Econômico (1968 a
1973) e durante o II PND, na segunda metade da década de 1970. Nos anos de 1980, apesar
do cenário de crise (hiperinflação, aumento dos juros externos e internos, políticas ortodoxas,
etc.), a escalada da mulher no mercado de trabalho continua a se definir. Já a partir de 1990,
com os processos de abertura comercial (que elevou a concorrência no mercado interno),
reestruturação produtiva e terceirização, o emprego feminino vai ser afetado. Porém, dado o
modo diferenciado como as mudanças atingiram os Estados brasileiros, verificou-se que o
Ceará se destacou no cenário de estagnação, apresentando performance positiva do emprego
industrial.
De fato, depois que a tradicional política coronelista saiu de cena, abrindo espaço para
um “governo de mudanças”, o providencial e pioneiro ajuste fiscal, atrelado à uma política de
atração de investimentos (enfatizando a desconcentração industrial), transformaram o Estado
num ambiente atrativo para o investimento produtivo, o que se reflete na dinamização da
economia do Ceará. Os primeiros resultados do sucesso na transformação política e
econômica foram sentidos principalmente a partir de 1990, quando houve elevação do número
de indústrias que procuraram se instalar no Estado. Desta forma, observa-se considerável
crescimento do PIB (inclusive a taxa superior ao nível nacional, que cresce 2,65% a.a. na
década de 1990, enquanto no Ceará, esse crescimento é de 4,24%), além do aumento da
participação da indústria na composição setorial do PIB do Estado.
Enquanto, na economia brasileira, o processo de ajuste imposto ao setor industrial se
reflete na diminuição dos postos de trabalho feminino, no Ceará há um crescimento de
emprego industrial para a mão-de-obra feminina, que cresce a taxas superiores às masculinas.
Mas, apesar desse crescimento, as mulheres ainda são minoria no mercado de trabalho
industrial do Estado.
As mulheres cearenses ainda estão concentradas onde é tradicional a participação da
mão-de-obra feminina; o grande destaque fica por conta do setor calçadista, que apresenta
uma performance extraordinária na criação de postos de trabalho e onde é brutal a elevação da
participação feminina. Porém, as trabalhadoras industriais começam a ser mais nitidamente
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acolhidas em redutos tradicionalmente masculinos, como a indústria mecânica, possibilitado
pela maior automação nesses setores industriais.
Os fenômenos do envelhecimento da força de trabalho feminina e do aumento da
escolaridade desse segmento, onde mulheres apresentam mais anos de estudo que homens,
observados em nível nacional, também se repetem na indústria cearense. Porém,
acompanhando a tendência nacional, as disparidades entre os gêneros revelaram-se enormes
quando se comparam os salários; observou-se que a representatividade feminina está
maciçamente concentrada nas faixas salariais mais baixas. Além disso, a remuneração média
das mulheres é inferior a dos homens em todos os anos da série analisada.
Desta forma, apesar das fortes dificuldades para o ingresso no mercado de trabalho,
quando a mulher tem que enfrentar “dupla jornada de trabalho” e “a conciliação das esferas
familiar e produtiva” (IKEDA, 2000), observa-se que a significativa incorporação da mulher
no mercado de trabalho cearense, não é acompanhada da diminuição das desigualdades
salariais entre os sexos.
Logo, pode-se dizer que na indústria cearense, o maior desafio para as mulheres ainda
é igualar as remunerações com o gênero masculino. As mulheres ainda enfrentam barreiras
significativas quanto à ascensão profissional e ganham sistematicamente menos que os
homens, até quando ocupam cargos equivalentes, têm mais anos de estudo e enfrentam a
mesma jornada de trabalho. Portanto, para que haja maior equidade entre homens e mulheres,
é preciso que se implantem políticas públicas específicas que possam reduzir, ou até mesmo
eliminar a discriminação entre os gêneros, visando garantir a valorização da mão-de-obra
feminina.
REFERÊNCIAS
BALTAR, Paulo Eduardo de A. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego urbano
no Brasil. Economia e Sociedade, nº 6, jun/1996, Campinas: IE/UNICAMP. 1996.
BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. O trabalho da mulher brasileira nos
primeiros anos da décadas de noventa. In: Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 10,
1996. Caxambu, MG, Anais... Belo Horizonte: ABEP, 1996..
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GONZAGA, Gustavo. Rotatividade e qualidade do emprego no Brasil. Revista de Economia
Política, vol.18, nº 1(69), janeiro-março/1998.
HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1981.
IKEDA, Marcelo. “Segregação por gênero” no mercado de trabalho formal. In: Revista do
BNDES, vol.7, n.13, junho/2000, Rio de Janeiro: BNDES, 2000.
MARX, Karl. O Capital: crítica à economia política. São Paulo: Abril Cultural, vol.1,
livro I. 1984.
MELO, Hildete. O trabalho industrial feminino. Rio de Janeiro: IPEA. 2002 ( Texto para
discussão n0 764).
SAFFIOTTI, Helleieth. I.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis:
Vozes, 1979.
VALOIS, Isabela da Silva. O mercado de trabalho feminino na indústria cearense nos anos
de 1990. Crato: Departamento de Economia – URCA, 2007 (Monografia de Graduação).
VALOIS, Isabela da Silva; ALVES, Christiane Luci B. O mercado de trabalho cearense no
ambiente de abertura comercial dos anos 1990. Relatório técnico-científico do Projeto de
Iniciação Científica URCA/CNPq. Crato: URCA, 2006.
VEBLEN, Thorstein. The beginings of ownership. In: Essays in our changing order. Nova
Iorque: Augustus M. Kelley, 1964.
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1792
ANEXOS
TABELA 1: Ceará e Brasil - Taxa de Crescimento do Emprego Industrial Feminino
(1990/2000)
Anos
Ceará
Brasil
1990
37.805
1.544.401
2000
60.206
1.428.338
Tx. Cresc.
4,76
-0,78
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS.
TABELA 2: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado por sexo segundo o ramo de
atividade (1990/2000)
1990
2000
Ramo de atividade
Homens %
Industria
66.650
Mulheres %
22,98 37.805
Homens %
15,25 92.583
Mulheres %
24,75 60.206
18,99
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1793
Construcao civil
19.519
6,73 1.079
0,44
26.184
7,00
1.562
0,49
Comercio
40.774
14,06 21.704
8,76
58.874
15,74 34.379
Serviços
142.604
49,17 174.802
70,52 187.392 50,10 219.476
69,22
10,84
Agrop. extr veg, caca e pesca 10.749
3,71 1.342
0,54
8.970
2,40
1.464
0,46
Outros/ignorado
9.745
3,36 11.137
4,49
0
0,00
3
0,0009
Total
290.041
100 247.869
100
374.003 100,00 317.090
100,00
Fonte: RAIS
TABELA 3: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado segundo sexo por setor da
indústria (1990/2000)
1990
2000
Setores
Extrativa mineral
Homem
(%)
92,53
Mulher
(%)
7,47
Homem Mulher
(%)
(%)
94,18
5,82
Indústria de produtos minerais nao metálicos
91,47
8,53
94,03
5,97
Indústria metalúrgica
89,99
10,01
89,39
10,61
Indústria mecânica
91,52
8,48
87,31
12,69
Indústria do material elétrico e de comunicações
74,09
25,91
74,41
25,59
Indústria do material de transporte
92,48
7,52
88,77
11,23
Indústria da madeira e do mobiliário
91,97
8,03
88,8
11,2
Indústria do papel, papelão, editorial e gráfica
78,95
21,05
76,45
23,55
Ind. da borracha, fumo, couros, peles, similares, ind.
diversas
66,09
33,91
74,42
25,58
Ind. química de produtos farmacêuticos, veterinários,
perf.
68,31
31,69
76,94
23,06
Indústria têxtil do vestuário e artefatos de tecidos
46,19
53,81
41,29
58,71
Indústria de calçados
65,57
34,43
47,71
52,29
56,48
43,52
65,19
34,81
Indústria de produtos alimentícios, bebidas e álcool
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1794
etílico
Total
62,08
37,92
59,38
40,62
Fonte: RAIS
TABELA 4: Ceará - Distribuição do pessoal ocupado por sexo segundo setor da
indústria (1990/2000)
Tx.
1990
Setor da indústria
H*
Extrativa mineral
2000
%
M**
%
H*
Variaçao
(1990/2000)
%
M**
%
Homem
Mulher
1.735 2,89 140
0,38 2.556 2,94 158
0,27 47,32
12,86
metálicos
5.759 9,59 537
1,46 6.757 7,78 429
0,72 17,33
-20,11
Ind. Metalúrgica
4.884 8,13 543
1,48 4.918 5,66 584
0,98 0,70
7,55
Ind. Mecânica
1.435 2,39 133
0,36 2.064 2,38 300
0,50 43,83
125,56
0,97 983
1,13 338
0,57 -3,72
-5,32
0,15 1.075 1,24 136
0,23 56,02
142,86
3.091 5,15 270
0,74 4.400 5,06 555
0,93 42,35
105,56
2.933 4,88 782
2,13 3.315 3,82 1.021 1,72 13,02
Ind.
de
prod
min
nao
Ind. do mat. elétr. e comum. 1.021 1,70 357
Ind.
do
material
de
transporte
Ind.
da
689
madeira
e
1,15 56
do
mobiliário
Ind. papel, papelao, edit.
Graf.
30,56
Ind. borr, fumo, cour., peles,
…
3.264 5,44 1.675 4,57 2.898 3,34 996
Ind. Quím..
-40,54
Farm., veter.,
perf.
Ind.
1,68 -11,21
3.571 5,95 1.657 4,52 4.741 5,46 1.421 2,39 32,76
têxtil
artef.tecidos
vest.
-14,24
e 16.16 26,9 18.83 51,3 20.01 23,0 28.46 47,9
9
3
9
5
8
4
7
0
23,80
51,11
1201,80
2617,90
38,92
-3,71
13.01 14,9 14.26 24,0
Ind. De calçados
1.000 1,67 525
1,43 8
8
9
1
Ind. prod. Alim., beb. e 14.50 24,1 11.17 30,4 20.14 23,1 10.75 18,1
álc.etíl.
0
5
2
5
3
8
7
0
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2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil
1795
60.05
1
Total
*
36.68
100 6
86.88
100 6
59.43
100 1
100 44,69
62,00
**
Fonte: RAIS ( H = Homem; M = Mulher.)
TABELA 5: Ceará - Faixa etária por sexo na indústria (1990/2000)
Faixa etária
1990
2000
H
%
M
H
M
10 a 14 anos
42
0,07
23
0,06
5
0,01
3
0,01
15 a 17 anos
649
1,08
581
1,58
668
0,77
439
0,74
18 a 24 anos
15.830
26,36
11.017 30,03
25.330 29,15
16.378
27,56
25 a 29 anos
13.818
23,01
9.285
25,31
18.351 21,12
13.252
22,30
30 a 39 anos
16.684
27,78
10.443 28,47
26.334 30,31
20.277
34,12
40 a 49 anos
8.198
13,65
3.975
10,84
11.190 12,88
7.601
12,79
50 a 64 anos
4.052
6,75
1.044
2,85
4.756
5,47
1.455
2,45
65 anos ou mais
263
0,44
23
0,06
241
0,28
24
0,04
Ignorado
515
0,86
295
0,80
11
0,01
2
0,00
Total
60.051
100,00
36.686 100,00
59.431
100,00
86.886 100,00
Fonte: RAIS (H = Homem; M = Mulher.)
TABELA 6: Ceará - Escolaridade média por sexo na indústria (1990-2000)
Homens
Mulheres
1990
5,51
5,84
1991
5,67
6,19
1992
5,75
6,02
1993
6,42
7,95
1994
6,04
6,34
1995
5,95
6,47
Anos
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1796
1996
5,90
6,12
1997
6,22
6,57
1998
6,54
7,10
1999
6,72
7,40
2000
6,86
7,58
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS
TABELA 7: Ceará - Faixa de escolaridade por sexo na indústria (1990/2000)
Tx.
Faixa
de 1990
2000
Variaçao
(%)
escolaridade
H
%
M
%
H
%
M
%
H
M
Analfabeto
2.701
4,5
891
2,43
2.815
3,24
554
0,93
4,07
-37,82
15.19
25,3
23,7
11.13
12,8
8
1
3
7
2
3.705
6,23
-26,72
-57,43
10.80
17,9
3
9
-12
-14,53
11.97
19,9
3
4
4ª série incom.
4ª série com.
8ª série incom.
8.704
15,4
5.652
8.699
12,9
8ª série com.
7.764
3
4.887
10,9
1
9.507
4
4.831
8,13
23,7
21.07
24,2
16.44
27,6
1
4
5
3
7
76,01
89,02
13,3
18.20
20,9
14.55
2
4
5
8
24,5
134,47
197,89
130,9
176,26
11,9
2º grau incom.
3.547
5,91
2.574
7,02
8.190
9,43
7.111
7
10,7
13.25
15,2
10.60
17,8
2º grau comp.
5.447
9,07
3.951
7
4
5
4
4
143,33
168,39
Superior incom.
731
1,22
343
0,93
1.008
1,16
592
1
37,89
72,59
Superior com.
1.252
2,08
658
1,79
1.701
1,96
1.033
1,74
35,86
56,99
Ignorado
635
1,06
327
0,89
0
0
0
0
-100
-100
100
44,69
62
60.05
Total
1
36.68
100
6
86.88
100
6
59.43
100
1
Fonte: RAIS
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1797
TABELA 8: Ceará - Tempo de serviço por sexo na indústria (1990/2000)
Tempo de serviço 1990
2000
Homens (%)
Mulheres (%)
Homens (%)
Mulheres (%)
Menos de 2
53,73
49,68
53,91
58,68
2a3
12,17
14,21
12,81
13,13
3a5
16,10
19,19
14,34
14,19
5 ou mais
17,86
16,83
18,,88
13,95
Ignorado
0,13
0,09
0,06
0,05
Total
100,00
100,00
100,00
100,00
Fonte:RAIS
TABELA 9: Ceará - Remuneração média por sexo na indústria
1990-2000 (em salários mínimos)
Homens
Mulheres
1990
2,67
1,57
1991
2,86
1,75
1992
2,86
1,73
1993
4,11
2,88
1994
3,18
1,98
1995
2,96
1,75
1996
4,60
2,69
1997
2,99
1,73
1998
2,91
1,83
1999
2,71
1,72
Anos
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1798
2,60
2000
1,64
Fonte: RAIS
TABELA 10: Ceará - Faixa salarial por sexo na indústria (1990/2000)
Faixa salarial
1990
2000
Homens %
Mulheres
%
Homens %
Mulheres
%
Até 1
7275
12,11
5811
15,84
10127
11,66
6820
11,48
Entre 1 e 2
26949
44,88
21417
58,38
46937
54,02
41058
69,09
Entre 2 e 3
10345
17,23
4658
12,70
12315
14,17
4273
7,19
Entre 3 e 5
7131
11,87
1423
3,88
7297
8,40
3801
6,40
Acima de 5
6098
10,15
1239
3,38
8369
9,63
1.949
3,28
Ignorado
2.253
3,75
2.138
5,83
1.841
2,12
1.530
2,57
Total
60.051
100,00 36.686
100,00 86.886
100,00 59.431
100,00
Fonte: RAIS
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1799
ANALISANDO O PERFIL DOS ALUNOS COM O BENEFÍCIO
SOCIOECONÔMICO DA UFSM campus PALMEIRA DAS MISSÕES E SUAS
IMPLICAÇÕES NA REGIÃO A PARTIR DA EXPANSÃO UNIVERSITÁRIA
Cassia Engres Mocelin36
Jaqueline Sganzerla37
Joice Liara Both38
Luana Hanauer39
RESUMO: O presente artigo teve como objetivo traçar o perfil dos alunos da UFSM campus
Palmeira das Missões que possuem Benefício Socioeconômico (BSE), também abordando a expansão
universitária no CESNORS e sua contribuição e importância para a região norte do RS. Como
metodologia utilizou-se uma abordagem quantitativa descritiva dos dados, que foram disponibilizados
e coletados no Núcleo de Apoio Pedagógico-PM, através da técnica da pesquisa documental, levando
em conta questões como o curso de graduação, profissão e escolaridade dos pais, região de origem,
renda familiar e renda per capita, dentre outras. Posteriormente, os dados foram analisados
estatisticamente. Os resultados apontaram que a maioria dos alunos advém da mesorregião Noroeste
do RS, são oriundos de escolas públicas, possuem pais com ensino fundamental incompleto e
agricultores. O estudo concluiu que a expansão universitária está contribuindo para a ampliação da
oferta do ensino superior público na região, conforme os dados quantitativos apontados acima e
também quando se referem à cidade de origem dos alunos. Em virtude dos dados de matrículas,
podemos dizer que houve considerável expansão do ensino superior público mediante a criação dos
cursos da UFSM-PM, abrindo-se vagas a parcelas da população às quais a possibilidade de graduação
era dificultada. Também podemos verificar uma transição sócioeducacional de uma geração para outra
considerando a escolaridade que os pais ou responsáveis dos acadêmicos tiveram.
Palavras-chave: Benefício Socioeconômico; Assistência Estudantil; Expansão Universitária.
INTRODUÇÃO E REFERENCIAL TEÓRICO
36
Assistente Social da Universidade Federal de Santa Maria campus Palmeira das Missões (UFSM-PM), Mestre
em Extensão Rural. [email protected]
37
Acadêmica do Curso de Enfermagem da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM
[email protected]
38
Acadêmica do Curso de Administração da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM
[email protected]
39
Acadêmica do Curso de Ciências Econômicas da UFSM-PM, bolsista do Núcleo de Apoio Pedagógico-PM
[email protected]
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1800
O sistema educacional brasileiro tem passado por um movimento no sentido de
democratização do acesso ao ensino superior, como é possível ser observado nos resultados
do Censo da Educação Superior (PACHANE E PEREIRA, 2004). Através do Decreto nº
6.096, de 24 de abril de 2007 foi instituído o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni), sendo umas das ações integrantes do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) em reconhecimento ao papel estratégico das
universidades federais para o desenvolvimento econômico e social do país (BRASIL, 2007).
Dentre suas metas, o REUNI objetivava que através da expansão ocorra um acesso
democrático ao ensino superior público, aumentando o contingente de estudantes menos
favorecidos economicamente, assim como a elevação gradual da taxa de conclusão média dos
cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação
em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos (COSTA et al, 2009).
A necessidade de expansão da Educação Superior em nosso país é premente, visto
que, em média nacional, apenas 24,3% dos jovens brasileiros, com idade entre 18 e 24 anos,
têm acesso ao ensino superior. Com o Reuni, o Governo Federal adotou uma série de medidas
a fim de retomar o crescimento do ensino superior público (BRASIL, 2009).
Em 2005, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), através de seu Conselho
Universitário, aprovou a criação do Centro de Educação Superior Norte -RS (CESNORS)
com campus em Palmeira das Missões e Frederico Westphalen.
A expansão ocorreu no norte do estado do Rio Grande do Sul, em decorrência dos
baixos indicadores socioeconômicos da região, falta de oferta de ensino superior público e
gratuito neste território, e também para sanar as dificuldades decorrentes da grande distância
existente entre o extremo norte do Estado e as regiões onde estão localizadas outras
Instituições Federais, visando à expansão do ensino superior (UFSM/CESNORS, 2013).
Com a criação do CESNORS/UFSM perseguem-se duas metas, a interiorização da
educação pública e o estabelecimento de condições para a inversão do atual percentual de
alunos matriculados no ensino superior considerado muito baixo frente à demanda. O REUNI,
com a proposta de democratização do ensino superior público no Brasil, vem ao encontro do
aparato legal já instituído a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal,
quando a educação ganhou status de direito social, tornando-se assim, dever do Estado.
III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN
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1801
O ensino passou a ter como um de seus princípios a igualdade de condições para o
acesso e permanência. Nesse sentido, surgiu a necessidade de ações voltadas à permanência
dos estudantes, principalmente os que se encontram em vulnerabilidade social, através da
assistência estudantil.
As ações de assistência estudantil refletem a opção constitucional compreendendo a
educação superior pública, gratuita e de qualidade, como direito dos estudantes universitários,
tendo em vista a alocação dos recursos necessários às ações desenvolvidas, objetivando,
sempre, que os estudantes universitários em vulnerabilidade social também possam
desenvolver seus estudos com um bom desempenho curricular, minimizando o percentual de
abandono, trancamento de matrículas e evasão nos cursos de graduação e pós-graduação.
As ações de assistência estudantil fortalecem e complementam a proposta do REUNI,
considerando que não basta apenas incrementar o quantitativo numérico de vagas, mas
também pensar qualitativamente nesses alunos e na perspectiva social de educação. A
assistência estudantil está regulamentada pelo Decreto nº 7.234 de 19 de Julho de 2010, que
instituiu o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) representando um marco
histórico e de importância fundamental para essa questão.
Tais ações estão previstas no PNAES, Art. 4º, Parágrafo Único: “as ações de
assistência estudantil devem considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de
oportunidades, contribuir para melhoria do desempenho acadêmico e agir, preventivamente
nas situações de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras”
(BRASIL, 2010).
O PNAES tem como objetivos ampliar as condições de permanência dos jovens na
educação superior pública federal, democratizar a educação, minimizar os efeitos das
desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior,
reduzindo as taxas de retenção e evasão, e contribuindo para a promoção da inclusão social
pela educação (BRASIL, 2010). Na Universidade Federal de Santa Maria, as ações de
assistência estudantil são de responsabilidade da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis
(PRAE). O principal programa da UFSM que operacionaliza a Política de Assistência
Estudantil é o Benefício Socioeconômico (BSE) regulamentado no âmbito da UFSM através
da Resolução nº 005/2008, que possibilita aos estudantes a concessão da Bolsa Alimentação,
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1802
Bolsa Transporte, Moradia Estudantil, e também outras ações aos estudantes em situação de
vulnerabilidade social.
A Assistência Estudantil vem sendo executada na UFSM campus de Palmeira das
Missões através das ações desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), órgão
setorial do campus que oferece apoio pedagógico e assistência estudantil, contribuindo com o
desenvolvimento, adaptação e permanência do estudante na universidade. A partir do
atendimento aos alunos, verificou-se a necessidade de sistematizar os dados cadastrais que
possuímos, para que além de conhecê-los, possamos também melhorar o atendimento
prestado, propor novas ações e avaliar os possíveis impactos de uma extensão universitária na
região e no perfil das famílias.
A justificativa do trabalho leva em conta que o diagnóstico/perfil dos alunos que
possuem o Benefício Socioeconômico pode subsidiar a exclusão, reformulação ou
implantação de novas ações de assistência estudantil na UFSM campus Palmeira das Missões,
considerando as especificidades e peculiaridades do CESNORS constituindo-se como um
campus de uma Universidade Pública fora da sua sede, mas que também demanda ações para
a permanência dos alunos que estão e que também chegarão.
A pesquisa teve como objetivo geral traçar o perfil dos alunos da Universidade Federal
de Santa Maria campus Palmeira das Missões que possuem Benefício Socioeconômico (BSE).
METODOLOGIA
Como metodologia a pesquisa foi do tipo quantitativo descritiva, conforme GIL (2007,
p. 44) as mesmas “tem por objetivo estudar as características de um grupo”. Em relação ao
método, será utilizado o estatístico, por meio deste é possível a redução de dados de natureza
social, política e econômica a termos quantitativos e permite também manipular
estatisticamente as relações dos fenômenos entre si, obtendo generalizações tanto sobre sua
natureza, ocorrência ou significado (MARCONI e LAKATOS, 2007).
A técnica utilizada na coleta dos dados foi a documental, através dos formulários dos
alunos que possuem o BSE, disponibilizados pela UFSM campus Palmeira das Missões,
disponibilizados através do NAP. A pesquisa documental se caracteriza pela coleta de dados
utilizando como fonte documentos escritos ou não oriundos de fontes primárias (MARCONI e
LAKATOS, 2007).
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1803
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A população foi os alunos que possuem o Benefício Socioeconômico nos anos de
2010 a 2013 (até o primeiro semestre letivo), totalizando 231 alunos. Dentre os resultados, o
estudo apontou que 87% dos alunos que possuem o BSE são do sexo feminino, e 13% do sexo
masculino, com as seguintes faixas-etárias, apresentadas graficamente a seguir:
Gráfico 1: Distribuição das idades dos alunos na data de solicitação do BSE- UFSMPM.
Fonte: elaborado pelos autores.
Os alunos são oriundos de escola pública de ensino médio 98,27%, e de escola
particular de ensino médio 1,73%, realizaram ensino fundamental em escola pública 99,14% e
0,86% fizeram em escola privada de ensino fundamental. Estão distribuídos nos seguintes
cursos de graduação presencial, conforme gráfico abaixo:
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1804
Gráfico 2: Distribuição dos alunos com BSE por cursos de graduação – UFSM-PM.
Fonte: elaborado pelos autores.
Os grupos familiares são formados em média por 3,45 pessoas por residência. Em
relação à responsabilidade pelo grupo familiar, 10,82% são realizadas pelos alunos, e 89,18%
pelos familiares, sendo que destes, 67,31% das famílias dos alunos que possuem o BSE, a
responsabilidade pelo grupo familiar foi atribuída a ambos os pais, 26,44% das famílias estão
sob responsabilidade das mulheres, enquanto que somente 2,88% das famílias são chefiadas
por homens, e 3,37% possuem outros familiares como responsáveis (tios, avós, etc.).
Quanto à escolaridade dos pais dos alunos, o gráfico a seguir nos dá o entendimento
através de percentuais que vão desde o analfabetismo até o ensino superior completo.
Gráfico 3: Distribuição da escolaridade dos pais dos alunos com BSE – UFSM – PM.
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1805
Fonte: elaborado pelos autores.
Em relação à profissão dos pais dos acadêmicos que possuem BSE, podemos verificar
as profissões e o percentual de cada, no gráfico abaixo:
Gráfico 4: Profissões dos pais dos alunos com BSE – UFSM – PM.
Fonte: elaborado pelos autores.
Com base no próximo gráfico, podemos observar a distribuição da renda total mensal
das famílias dos estudantes com BSE da UFSM – PM.
Gráfico 5: Renda familiar mensal total dos alunos com BSE – UFSM – PM.
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1806
Fonte: elaborado pelos autores.
O gráfico 6 especifica a renda per capita familiar dos alunos com BSE da UFSM
campus Palmeira das Missões.
Gráfico 6: Renda per capita familiar dos alunos com BSE – UFSM – PM.
Fonte: elaborado pelos autores.
Analisando os dados da cidade de origem dos alunos, percebe-se que 83,55% dos
alunos são oriundos da mesorregião da UFSM-PM, a Mesorregião Noroeste do Rio Grande do
Sul que apresenta 13 microrregiões. A UFSM-PM está localizada na microrregião de
Carazinho, mas apresenta em seu corpo discente, estudantes advindos de outras microrregiões
também pertencentes a mesorregião Noroeste, e alguns estudantes oriundos de outras
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1807
mesorregiões do Estado. O 7º gráfico apresenta em percentuais essa distribuição das
microrregiões de origem dos alunos com BSE – UFSM – PM.
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1808
Gráfico 7: Distribuição das microrregiões de origem dos alunos com BSE-UFSM-PM.
Fonte: elaborado pelos autores.
Em relação ao perfil do estudante que acessa ao benefício sócioeconômico pode se
dizer que o perfil que se sobressai a partir da análise dos dados é a estudante do sexo
feminino, mantida pelos pais, estudou em escola pública, tem renda familiar de 1000 reais a
1500 reais com grupo familiar, advinda de cidades da mesorregião Norte. Vale ressaltar que o
perfil é a característica mais presente em cada temática pesquisada.
CONCLUSÃO
Através desse estudo concluímos que a expansão universitária está contribuindo para a
ampliação da oferta do ensino superior público na região, conforme os dados quantitativos
apontados acima e também quando se referem a cidade de origem dos alunos.
Podemos inferir ainda que cerca de 34% dos estudantes são provenientes do campo ou
que os pais se relacionam com o campo através da agricultura. A partir do pesquisado
podemos questionar se a universidade contribui para o êxodo rural de jovens na região ou
garante a fixação destes estudantes nos seus municípios depois de formados, como
profissionais qualificados.
Também podemos verificar uma transição sócioeducacional de uma geração para outra
considerando a escolaridade que os pais ou responsáveis dos acadêmicos tiveram.
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1809
Em virtude dos dados de matrículas, podemos dizer que houve considerável expansão
do ensino superior público mediante a criação dos cursos da UFSM-PM, abrindo-se vagas a
parcelas da população às quais a possibilidade de graduação era dificultada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 6.096 de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm>. Acesso em:
25 de jul de 2013.
BRASIL. MEC/SESu/DIFES. Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais. Reuni 2008 – Relatório de Primeiro. Ano, 2009. On Line.
Disponível em:
<http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=28>.
Acesso em 20 jul. 2013.
BRASIL. Decreto n. 7234 de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de
Assistência Estudantil – PNAES. Disponível em
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COSTA, A. M.; COSTA, D. M.; GOTO, M. M. M. Expansão da Educação Superior no
Brasil: uma análise descritiva dos Programas do Governo Federal. On Line. IX Colóquio
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MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. 6, Ed. São
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PACHANE, G. G.; PEREIRA, E. M. A. A importância da formação didático-pedagógica e
a construção de um novo perfil para docentes universitários. Revista iberoamericana de
educacion (Online), Iberoamérica, v. 33, n. 1, p. 1-13, 2004.
III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN
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1810
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. CENTRO DE EDUCAÇÃO
SUPERIOR NORTE – RS (CESNORS). Histórico. UFSM: 2013. On Line. Disponível em:
<http://www.cesnors.ufsm.br/index.php/institucional/historico> Acesso em 25 jul. 2013.
III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN
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1811
AS REPERCUSSÕES DA CRISE DO TRABALHO PARA O SERVIÇO SOCIAL
Maria Aparecida Vieira40
Suamy Rafaely Soares41
Géssica de Paula Lacerda42
Juliana Alves de Sá43
RESUMO: Atualmente alguns autores como Netto (2007) e Antunes (2003, 2009) fazem uma
discussão a respeito da relação entre Serviço Social e a categoria trabalho, ressaltando as disparidades
existentes quanto a aceitação da assistência social como forma de trabalho. Este artigo tem como
objetivo fazer uma discussão a respeito das transformações societárias advindas do processo de
acumulação do capital e o seu reflexo no trabalho do assistente social no mercado atualmente. Em
seguida, apresentaremos uma reflexão sobre as transformações na sociedade e a sua relação com a
crise do capital, assim como, as suas repercussões na sociedade brasileira. Tais discussões são
necessárias para que compreendamos que mesmo com uma absorção dos profissionais de Serviço
Social no mercado, ainda existam grandes taxas de desemprego e poucas melhorias nas condições de
trabalhos destes profissionais.
Palavras-chave: Trabalho. Crise do capital. Serviço Social
ABSTRACT: Currently some authors as Netto (2007) and Antunes (2003, 2009) make an argument
about the relationship between social work and work category, highlighting the disparities regarding
acceptance as a form of social work. This article aims to make a discussion about the societal changes
resulting from the process of capital accumulation and its reflection in the work of the social worker in
the market today. Next, we present a reflection on the changes in society and its relationship to the
crisis of capital, as well as their impact on Brazilian society. Such discussions are necessary for us to
understand that even with an uptake of Social Service professionals in the market, there are still high
rates of unemployment and little improvement in the conditions of work of these professionals.
Keywords: Job. Crisis of capital. Social Service
1. Introdução
40
Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email [email protected]
41
Profa. Ma. do Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email: [email protected];
42
Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email [email protected];
43
Graduanda no Curso de Serviço Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras/FAFIC; email, [email protected];
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1812
Este trabalho é o resultado de uma pesquisa sobre a metamorfose no processo de
constituição do capitalismo contemporâneo a partir das mudanças que ocorreram no mundo
do trabalho e suas consequências mais imediatas para a classe trabalhadora. As referências
bibliográficas utilizadas para a sua elaboração são compostas principalmente pelas obras do
autor Ricardo Antunes, sendo elas: “Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a
negação do trabalho” (2009), e o livro “Adeus ao trabalho?”, ensaio sobre as metamorfoses e
a centralidade do mundo do trabalho” (2003).
Na contemporaneidade existe uma discussão sobre a relação entre Serviço Social e a
categoria trabalho, uma polêmica que permeia a profissão quanto a ser considerado trabalho
ou não. Há uma discordância entre profissionais e estudiosos. Para alguns autores como
Yolanda Guerra (1995) e Marilda Yamamoto (1982) o Serviço social é trabalho, considerado
como uma profissão interventiva, pois, possui a finalidade de se utilizar de meios e
instrumentos para a intervenção em seu objeto ou matéria-prima, ou seja, a questão social e as
políticas sociais.
Por outro lado, autores como Sergio Lessa (2003) se embasam nos estudos de Marx e
Lukács para mostrar que Serviço Social não é trabalho. Na definição de Karl Marx só é
trabalho se acontecer à relação entre homem e a natureza, por isso que, nesse sentido, o
Serviço Social se enquadra como uma profissão em que não há a interação entre o homem e a
natureza para se realizar determinados trabalhos.
As transformações no mundo do trabalho foram marcadas decorrentes da crise de
produção e da forma de acumulação do capitalismo. Essas crises contemporâneas implicaram
e implicam em mudanças não apenas no mundo do trabalho, mas também na economia, na
cultura entre outros aspectos. Os projetos e sujeitos com as transformações e redefinições do
Estado e das políticas sociais, acabam desencadeando novas requisições e demandas ao
trabalho do assistente social. Desta dimensão surge um aspecto estrutural da crise do capital,
que resulta no conjunto de respostas imediatas à lógica do fim do capital e seus efeitos
negativos para o metabolismo social.
2. Trabalho: transformação da natureza e constituição do ser social
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Na base da atividade econômica está o trabalho, é ele que torna possível a produção de
qualquer bem, criando valores que constituem a riqueza social. O trabalho é uma categoria
que além de indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao
próprio modo de ser dos homens e da sociedade (LESSA, 2003).
As condições materiais de existência e reprodução da sociedade obtêm-se numa
interação com a natureza: a sociedade, através dos seus membros, transforma matérias
naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada
através da atividade a que denominamos trabalho. Portanto, o trabalho é um processo entre o
homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e
controla seu metabolismo com a natureza.
O trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou esgota no
trabalho, no ser social desenvolvido, o trabalho é uma das suas objetivações. O ato de
produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho, é a partir do trabalho, em sua
cotidianidade, que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não
humanas.
3. As repercussões da crise do trabalho
A crise do capital apresentou mudanças econômicas, sociais, políticas e ideológicas
que tiveram forte impacto no proletariado. Neste sentido, após um longo período de
acumulação de capital, ocorrido durante o apogeu do Fordismo44 e da fase keynesiana45, o
capitalismo, a partir do início dos anos 1970, começou a dar sinais de um quadro crítico, cujos
traços mais evidentes foram: a queda da taxa de lucros; o esgotamento do padrão de
acumulação taylorista/fordista de produção; a crise do Welfare State e o incremento
acentuado das privatizações.
44
Fordismo é o nome dado ao modelo de produção automobilística em massa, instituído pelo norte americano
Henry Ford. Esse método consistia em aumentar a produção através do aumento de eficiência e baixar o preço do
produto, resultando no aumento das vendas que, por sua vez, iria permitir manter baixo o preço do produto.
45
A Escola Keynesiana ou Keynesianismo é a teoria econômica consolidada pelo economista inglês John
Maynard Keynes em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (General theory of employment,
interest and money) e que consiste numa organização político-econômica, oposta às concepções neoliberalistas,
fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de
conduzir a um sistema de pleno emprego. Tais teorias tiveram uma enorme influência na renovação das teorias
clássicas e na reformulação da política de livre mercado.
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Essa crise estrutural trouxe a implementação de um amplo processo de reestruturação
do capital, estruturado sobre o Taylorismo/Fordismo afetando fortemente o mundo do
trabalho. O Taylorismo/Fordismo caracterizado pela exploração intensa do trabalhador
baseava-se na produção em massa de mercadorias na indústria automobilística. Com a
organização do trabalho taylorista/ fordista criou-se um sistema que procurava delimitar o
campo da luta de classes, onde se buscava a obtenção dos elementos constitutivos do Welfare
State, ou Estado de Bem Estar Social que representou para o proletariado, a garantia de
‘seguridade social’, gerando direta ou indiretamente um salário, garantindo de algum modo o
direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação, entre outros. Entretanto, o ciclo de
expansão e vigência do final da década de 1970 deu sinais de crise acentuando a luta de
classes.
As lutas por melhorias nas condições de trabalho e pelo controle social da produção
tiveram papel determinante no rompimento da separação entre elaboração e execução, uma
vez que reivindicaram uma maior participação do operariado na organização do trabalho.
Durante o período em que estiveram sob domínio dos trabalhadores, as empresas alteraram as
suas formas de funcionamento e reorganizaram-se intensamente. Percebeu-se então que, os
operários eram capazes de controlar o funcionamento das empresas, eles demonstraram que,
também, eram dotados de inteligência e capacidade organizacional, assim os capitalistas
compreenderam que poderiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação e a
capacidade de cooperação.
Como resposta do capital à confrontação do mundo do trabalho desenvolveu-se a
tecnologia eletrônica e os computadores, remodelando os sistemas de administração de
empresa, implantando assim, um novo modelo de produção conhecida como toyotismo46, que
passou a vigorar o operário como polivalente e multifuncional capaz de trabalhar com
diversas máquinas simultaneamente. Portanto, com a derrota da luta operária pelo controle
social da produção inicia-se a retomada do processo de reestruturação do capital.
O ser humano tem idealizado em sua consciência a configuração que quer imprimir ao
objeto do trabalho antes de sua realização, isto ressalta a capacidade teleológica do ser social.
46
Toyotismo é o modelo japonês de produção, criado pelo japonês Taiichi Ohno e implantado nas fábricas de
automóveis Toyota, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o novo modelo era ideal para o
cenário japonês, ou seja, um mercado menor, bem diferente dos mercados americano e europeu, que utilizavam
os modelos de produção Fordista e Taylorista.
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1815
De acordo com Antunes (2009), o trabalho é um ato consciente e, portanto, pressupõe um
conhecimento concreto de determinadas finalidades e de determinados meios, isto destaca, a
dimensão fundamental da subjetividade do ser, à dimensão teleológica.
Segundo Marx (apud Antunes 2009), o trabalho é o ponto de partida do processo de
humanização do ser social e ao se objetivar na sociedade capitalista torna-se degradado e
aviltado, em suma torna-se estranhado. O que deveria ser a forma humana de realização do
individuo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído, isso mostra a
precariedade e a perversidade do trabalho na sociedade capitalista. Como resultante da forma
do trabalho na sociedade capitalista tem-se a desrealização do ser social como resultado do
processo de trabalho. Nesse caso, o produto aparece junto ao trabalhador como um ser alheio,
como algo alheio e estranho ao produtor e que se tornou coisa. Tem-se, então, que essa
realização efetiva do trabalho aparece como não efetivação do trabalhador. (ANTUNES,
2003).
Seguindo as ideias desses autores, dentro do modelo capitalista o trabalhador repudia o
trabalho, ou seja, não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega. O seu
trabalho não é, portanto, voluntário, mas compulsório, trabalho forçado, não é a satisfação de
uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. O
estranhamento, enquanto expressão de uma relação social fundada na propriedade privada e
no dinheiro é a abstração da natureza específica, pessoal do ser social, que atua como homem
que se perdeu a si mesmo, desumanizado. (ANTUNES, 2003).
No sistema capitalista tem-se que tudo é coisificado, ou seja, o individuo é tido como
mero objeto, completamente alienado. O capitalismo controla o processo de trabalho
extraindo o máximo de excedente da atividade do trabalhador, através da exploração da força
de trabalho e da intensificação do ritmo de trabalho.
4. Serviço social e processo de trabalho
O Serviço Social está inserido no processo de trabalho e consiste muitas vezes de
grandes divergências, primeiro por parte dos próprios profissionais, depois, entre os
estudiosos, criando uma linha divisória entre os que classificam o Serviço Social como
trabalho e os que não classificam a profissão nesta categoria.
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O Serviço Social consiste em uma especialidade do trabalho coletivo, sua atuação
como trabalho, cujo exercício profissional se dá mediante a inserção em processos de
trabalho. De acordo com Lessa.
O Serviço Social não se configura como um trabalho, pois não atua
diretamente com a transformação dos recursos da natureza necessários para a
reprodução social. Ele afirma que o Serviço Social se configura como um complexo
social, responsável pela organização dos indivíduos para o trabalho. (2001, P.18)
A relação de trabalhador assalariado do Assistente Social lhe enquadra na relação de
compra e venda de sua força de trabalho, e na sua inserção sócio institucional na sociedade.
Visto que estas relações de trabalho se transformam em relações desregulamentadas e
flexibilizadas no processo produtivo. Nesta perspectiva, a ação profissional se posiciona em
outra direção, pois agora o assistente social, também é um trabalhador assalariado, ou seja, ele
vende sua força de trabalho para intermediar as relações coletivas de trabalho.
No entanto, estas relações de trabalho envolvem os parâmetros institucionais e
trabalhistas que direcionam as relações de trabalho e estabelecem as normas que regulam as
relações coletivas nas instituições públicas e privadas. Identifica-se que a questão social se
constitui como a gênese da organização social do sistema produtivo, cuja função do assistente
social é trabalhar nos desdobramentos desta, visto que, busca seu respaldo na ética
profissional. Para isto, devem possuir grande flexibilidade frente às mudanças do cotidiano na
dinâmica da sociedade. Mudanças estas já vistas, como: o modo de vida, a cultura, as classes
sociais, o cotidiano, os valores, as crenças, e políticas.
No âmbito da sociedade capitalista o Serviço Social se gesta e se desenvolve como
profissão que tem como detentores e panos de fundo o fortalecimento do sistema capitalista
industrial e a expansão da urbanização. Tendo em vista que é diante desta efervescência do
capital e do acentuado processo de urbanização que emerge as respostas sobre as exigências
apresentadas pela realidade histórica, mas para tanto o maior contingente profissional vem das
camadas médias da sociedade que também sofre com os impasses da política econômica
amplamente desfavorável sobre os setores da sociedade.
No campo das relações sociais, o Serviço Social contribui para a construção de uma
sociedade que supere a contradição capital/trabalho, que despontencialize a questão social,
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pois, a intervenção profissional se consolida de forma diferenciada de acordo com o espaço
sócio-ocupacional no qual o assistente social está inserido. Diante desta perspectiva o Serviço
Social não atua de forma isolada com outros profissionais por está inserido em um processo
coletivo de trabalho para atender as demandas postas pelo sistema capitalista.
4. Considerações finais
Observamos que os aspectos societários na acumulação capitalista frente às formas do
processo de trabalho na sociedade, cujo tema tem como foco as repercussões que refletem a
crise do trabalho nas classes trabalhadoras, tiveram ainda têm repercussões em todo o
processo de trabalho, pois, abrangem todas as categorias profissionais dentro do processo
sócio histórico do capitalismo na contemporaneidade diante das crises do capitalismo.
Nesse contexto, consideramos que a crise do capital trouxe vários questionamentos
sobre o surgimento das lutas da classe trabalhadora em favor das expressões da questão social,
que levou a regulamentação da profissão de Serviço Social e o controle social da sociedade.
Referências
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mundo do trabalho. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2003, p.200.
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trabalho. 2. Ed. São Paulo: Bomtempo, 2009, p.287.
GUERRA, Yolanda. A Instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1995.
________________ A instrumentalidade no trabalho do assistente social.
http://www.cedeps.com.br/wp-content/uploads/2009/06/Yolanda-Guerra.pdf; Acesso em 10
de outubro de 2012.
IAMAMOTO, Marilda V. e CARVALHO, Raul de. Relações sociais e serviço social no
Brasil - esboço de uma interpretação histórico metodológica. 2a. Ed. São Paulo: Cortez, 1982.
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LESSA, S. A materialidade do trabalho e o "trabalho imaterial". 2003
http://www.sergiolessa.com/artigos_02_07/trab_trabimaterial_2003.pdf Acesso em: 10 de
outubro de 2012
__________ A Ontologia de Lukács. Edufal, 1996.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1992.
__________________Economia política: uma introdução crítica. 2. Ed. São Paulo: Cortez,
2007.
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AS TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E OS IMPACTOS NO ENSINO
SUPERIOR BRASILEIRO
Glaucia Maria de Oliveira Carvalho47
Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de problematizar a conjuntura de mercantilização do
ensino superior brasileiro, situando a política educacional num processo mais amplo de contrarreforma
estatal, direcionada pelo neoliberalismo, a política econômica dos organismos financeiros
internacionais. Essa conjuntura tem transformado a educação superior em um dos setores de
investimento mais lucrativos para o empresariado nacional e estrangeiro, mais nitidamente no âmbito
do ensino à distância. Na materialização do trabalho utilizamos como aspecto metodológico a reflexão
teórica, a partir da revisão literária e bibliográfica produzida no bojo da mais contemporânea produção
intelectual crítica. Por conseguinte, sob essas vias, consubstanciamos que a educação passa a ter dupla
função: produzir profissionais afeitos à lógica imperante e possibilitar a expansão desenfreada da
acumulação do capital.
Palavras-Chave: transformações societárias, neoliberalismo, reestruturação universitária.
Introdução
Nas últimas décadas o Ensino Superior brasileiro tem sido alvo de intenso processo de
mercadorização, vez que se coloca como orientação dos organismos multilaterais como
estratégia de expandir o acesso à educação aos setores mais pauperizados da população e
como mecanismo para dinamizar a economia dos países periféricos acometidos pela
conjuntura de crise do capital.
Nesta perspectiva, sumariamos as transformações societárias e no mundo do trabalho
que insurgem no final da década de 1970, direcionadas pela política econômica neoliberal,
que impacta diretamente no bojo das políticas sociais, entre elas, a política de educação, foco
do nosso estudo, que na transferência das atribuições estatais à esfera do mercado, deixa de
ser um direito e se torna um serviço, para o cidadão que pode consumi-lo.
Esse conjunto de iniciativas de desqualificação do repasse intelectual do conhecimento
no ensino superior, tem se tornado a pedra-de-toque da ofensiva neoliberal, vez que não sendo
mais prioridade do Estado, a educação passa a ter dupla função: produzir profissionais afeitos
à lógica imperante e contribuir para a expansão desenfreada da acumulação do capital.
47
Universidade Estadual da Paraíba-UEPB (Mestranda em Serviço Social), TELEFONE: (83) 9611-7135, EMAIL: [email protected]
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Para o empresariado da educação, o ensino privado seja ele presencial ou,
especialmente, na modalidade à distância, se tornaram um dos nichos econômicos mais
lucrativos para o capital, implantado através do discurso antidemocrático da oportunidade e
do fácil acesso.
Por conseguinte, à luz do pensamento crítico dialético, o texto pretende analisar a
reforma da educação superior brasileira, enquanto um movimento inserido na dinâmica
complexa de crise do capital e os rebatimentos desse processo na construção de uma
universidade que deve atender aos anseios imediatos do mercado/capital.
As transformações societárias contemporâneas
Partindo do pressuposto que o trabalho é uma das categorias da obra marxiana que
permite analisar no plano ontológico e reflexivo as relações sociais estabelecidas na dinâmica
da sociedade capitalista, busca-se compreender as novas configurações do mundo do trabalho
e, por conseguinte, a dinâmica imposta ao ensino superior.
O trabalho é a categoria fundante do homem enquanto ser social e é a partir dele que o
ser humano desenvolve suas potencialidades, portanto, a relação que este estabelece de
interação com a natureza, para a satisfação de suas necessidades, é a condição material de
existência e reprodução da sociedade (NETTO; BRAZ, 2010, p. 30).
Assim, o percurso que nos detemos a assinalar corresponde às transformações
societárias que ocorreram durante a década de 1970, marcado pelo fim dos “anos de ouro”48
do capital e seus desdobramentos na contemporaneidade.
Por conseguinte, o referido contexto é permeado por uma brusca mudança na atuação
do Estado e na esfera da produção/trabalho mais diretamente. Demarca, pois, uma ruptura
com o modelo de Bem Estar Social que se desenvolveu durante o final da Segunda Guerra
Mundial e perdurou até o início da década de 1970.
Neste sentido, a conjuntura onde predominava as altas taxas de crescimento do capital
em seu estágio monopolista, atrelado à intervenção do Estado, sob a inspiração das ideias de
Keynes, e a organização do trabalho industrial fundamentado no taylorismo-fordismo, no
48
Expressão utilizada pioneiramente por Hobsbawm em sua obra Era do Extremos: o breve século XX, para
caracterizar os anos de expansão capitalista durante o pós Segunda Guerra Mundial, até a crise do capital em
1970.
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âmbito dos países capitalistas centrais (SERRA, 2008, p. 203, ANTUNES, 1999, p. 36-37),
seria substituída pelo modo de “acumulação flexível” (HARVEY, 2009).
A autora Rose Serra (2008, p. 202-203) afirma que a expansão da pragmática
neoliberal se constituiu como o pilar da transformação estrutural desse período, uma vez que
as alternativas de enfrentamento à crise vieram sob as formas de privatizações e desregulações
de todo tipo, da economia às relações trabalhistas, do mundo financeiro às regulações fiscais.
Essa realidade vem derruir as conquistas da classe trabalhadora, uma vez que a
garantia do pleno emprego e de políticas sociais universais são substituídos pelas formas mais
bárbaras de precarização da vida social, traduzidas no “desemprego estrutural” e nas
“políticas sociais de cunho focalizado, fragmentado e seletivo” (BERHING; BOSCHETTI,
2011, p. 156).
Sob essa perspectiva, Netto e Braz (2010, p. 214) remetem que a “onda longa
expansiva” pela qual passou o capitalismo durante esses trinta anos gloriosos, foi substituída
por uma “onda longa recessiva”, onde as crises passaram a ser dominantes e não mais
superficiais. Ademais, as consequências segundo os autores foram drásticas:
[...] A taxa de lucro, rapidamente, começou a declinar: entre 1968 e 1973, ela cai, na
Alemanha Ocidental, de 16, 3 para 14, 2%, na Grã-Bretanha, de 11,9 para 11,2%, na
Itália de 14,2% para 12,1%, nos Estados Unidos, de 18,2 para 17,1% e, no Japão, de
26,2 para 20,3%. Também o crescimento econômico se reduziu: nenhum país
capitalista central conseguiu manter as taxas do período anterior. Entre 1971 e
1973, dois detonadores [...] anunciaram que a ilusão do “capitalismo democrático”
chegava ao fim: o colapso do ordenamento financeiro mundial, com a decisão norteamericana de desvincular o dólar do ouro (rompendo, pois, com os acordos de
Bretton Woods que, após a Segunda Guerra Mundial, convencionaram o padrãoouro como lastro para o comércio internacional e a conversibilidade do dólar em
ouro) e o choque do petróleo, com a alta dos preços determinada pela Organização
dos Países Exportadores de Petróleo/OPEP. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 213, grifos
originais)
O capital no marco dos monopólios implementa, portanto, uma estratégia política de
desconstrução dos direitos sociais, acusando o movimento sindical e as políticas sociais de
serem os responsáveis pela desestruturação dos gastos públicos nos anos de vigência do
Welfare State, “essa ideologia legitima precisamente o projeto do capital monopolista de
romper com as restrições sociopolíticas que limitam a sua liberdade de movimento” (NETTO;
BRAZ, 2010, p. 227).
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Deste modo, a “satanização do Estado” (NETTO, 2000, p. 17), consubstancia-se como
estratégia fulcral do capitalismo na implementação das reformas estruturais orientadas pelos
organismos multilaterais (FMI, BM), reformas que vêm perdendo o seu sentido etimológico,
de conquistas de direitos, e passando a representar a supressão dos mesmos, por isso
caracterizado pelos intelectuais críticos49 de contrarreforma50.
Contrarreforma que tem início no processo de privatização pela qual passou o aparato
estatal, na sua intervenção econômica direta, onde este “entregou ao grande capital, para
exploração privada e lucrativa, complexos industriais inteiros [...] e serviços de primeira
importância [...]” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 228).
Conforme Antunes (1995), após a crise econômica vivenciada pelo capitalismo, foi
gestado um novo padrão de produção, baseado na lógica destrutiva de flexibilização das
relações trabalhistas, desde a contratação da força de trabalho às condições de objetivação do
mesmo.
Por conseguinte, a reestruturação produtiva, propiciada pela implementação do modo
de produção toyotista e seu modelo de acumulação flexível51, encabeçada pelas demandas
econômicas do referido contexto, passam a expressar e também exigir a flexibilização dos
direitos do trabalho, como meio de aumentar os mecanismos de exploração da força de
trabalho.
Dessa forma, Antunes (2008) afirma que:
As mutações que vêm ocorrendo no universo produtivo em escala global, sob o
comando do chamado processo de globalização ou de mundialização do capital, vem
combinando, de modo aparentemente paradoxal, a “era da informatização”, através
do avanço tecnocientífico, com a “época da informalização”, isto é, uma
precarização ilimitada do trabalho, que também atinge uma amplitude global.
(ANTUNES, 2008, p. 48-49)
49
Netto e Braz (2010), Berhing (2008) entre outros.
Termo utilizado por Behring (2008) e incorporado ao presente texto, posto que traduz o significado real da
conjuntura político-econômica regida pelo neoliberalismo classificada de “reforma” e, da qual comungamos, que
expressa, pois, “uma forte evocação do passado no pensamento neoliberal, bem como um aspecto realmente
regressivo quando da implementação de seu receituário, na medida em que são observadas as condições de vida
e de trabalho das maiorias, bem como as condições de participação política.” (p. 58-59).
51
Para Harvey (2009, p. 140) “A acumulação flexível [...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho,
dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos,
novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.”
50
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Compreendemos, consequentemente, que as mudanças contemporâneas do trabalho
originam-se de um momento histórico, caracterizado pela mundialização da economia
marcada pela hegemonia do capital financeiro e pela revolução tecnológica e científica, as
quais proporcionaram o estreitamento de laços internacionais e a dependência cada vez maior
dos países considerados subdesenvolvidos aos desenvolvidos.
Sob esse prisma, Netto e Braz (2010, p. 233-235) remetem que a financeirização passa
a constituir o sistema nervoso do capitalismo, posto que reflete a instabilidade e os
desequilíbrios da economia nessa terceira fase do estágio imperialista, ao mesmo tempo que
evidencia como os países dependentes e periféricos tornaram-se exportadores de capital para
os países centrais.
Nessas vias, a ofensiva do capital sobre o trabalho tem impactos severos na vida da
massa trabalhadora, tornando-os sujeitos expostos à subcontratação, à jornada de trabalho
temporária, flexibilização do trabalho, informalidade, terceirização, ou seja, “[...] é somente a
restauração de formas de exploração de homens e mulheres que o próprio capitalismo
parecia ter superado” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 237, itálicos não originais).
É marcante neste contexto, uma desenfreada transferência das responsabilidades
estatais à sociedade, uma lógica de transformar o cidadão portador de direitos em “cidadãoconsumidor”52 (MOTA, 2008, p.115), satisfazendo suas necessidades no mercado, fazendo
insurgir também as organizações do chamado “Terceiro Setor”53, no apelo ideológico do
Estado movido pela participação e solidariedade social.
Tais aspectos demarcam um caldo de cultura que reconfigura nitidamente a
transferência de investimentos do fundo público para a esfera privada, nos termos de Netto:
um Estado mínimo para o social e máximo para o capital (2007, p. 81; 2009, p. 25).
Os impactos da implementação da ideologia neoliberal nas economias capitalistas
periféricas tiveram suas peculiaridades, uma vez que alguns países como é o caso do Brasil,
não passaram pela conjuntura socioeconômica de Bem Estar Social.
Termo Utilizado por Mota (2008), “[...] em seu estudo acerca das tendências da seguridade social brasileira no
contexto do avanço da hegemonia do capital por meio do fomento de uma cultura da crise [...]” (BERHING,
2008, p. 251).
53
Segundo Montaño (2010, p. 14), o Terceiro Setor é uma construção ideológica que concebe a sociedade
subdividida em três setores (respectivamente, Estado, Mercado e Sociedade Civil) e, caracteriza um fenômeno
que envolve as instituições e as organizações não governamentais (ONGs), sem fins lucrativos (OSFL),
instituições filantrópicas, empresas cidadãs, entre outras, e sujeitos individuais voluntários ou não.
52
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A contrarreforma brasileira no contexto da crise capitalista
A implementação do neoliberalismo no Brasil se deu por vias completamente adversas
do que se configurou nos países de capitalismo central, ainda que mantendo suas
características essenciais, o que cabe sinalizar, inicialmente, que a formação socioeconômica
do país influenciou para esta distinção no âmbito de sua inserção na dinâmica capitalista no
marco dos monopólios.
Neste sentido, Netto (1996, p. 104) acrescenta que à particularidade brasileira,
colocada face ao projeto neoliberal apresenta feições singulares, dentre as quais vale assinalar:
[...] Não há, aqui, um Welfare State a destruir; a efetividade dos direitos sociais é
residual; não há “gorduras” nos gastos sociais de um país com indicadores sociais
que temos – indicadores absurdamente assimétricos à capacidade industrial
instalada, à produtividade do trabalho, aos níveis de desenvolvimento dos sistemas
de comunicação e às efetivas demandas e possibilidades (naturais e humanas) do
Brasil. [...] (NETTO, 1996, p. 104)
Assim, Behring aponta que Fernandes periodiza o desenvolvimento brasileiro em três
fases: a primeira concerne à eclosão de um mercado capitalista especificamente moderno, um
padrão neocolonial de desenvolvimento, que iria da abertura dos portos até meados dos anos
1860, marcado pelo enlace entre a economia interna e o mercado mundial, articulado ao
escravismo; a segunda fase é a de formação e expansão do capitalismo competitivo, na qual o
sistema econômico se diferencia, inclusive com a fixação das bases da industrialização que
vai da década de 1860 até a década de 1950; e, a terceira fase é a de irrupção do capitalismo
monopolista, marcada pelas operações comerciais, financeiras e industriais das grandes
corporações no país, que se acentua nos anos 1950 e adquire caráter estrutural após o golpe de
1964 (2008, p. 103).
A autora assinala que, após a segunda fase delineada por Fernandes, tornou-se
perceptível o fato de que aqui houve o “desenvolvimento de um mercado competitivo
induzido de fora, adaptando a economia brasileira aos dinamismos das economias centrais,
mas sem desencadear maiores possibilidades de autonomia” (2008, p. 103).
As consequências desse desenvolvimento para o país ficaram expressas na gritante
desigualdade social e racial que cresciam, em prol dos interesses capitalistas em extrair lucro
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das economias periféricas e, estrategicamente, mantê-las sempre na condicionalidade de
subordinação ao capital externo.
Logo, Oliveira (2003, p. 49-50), aponta que a industrialização no referido país se deu
visando
atender
às
necessidades
da
acumulação,
fundamentado
na
ideologia
desenvolvimentista, que apontava serem os países periféricos “subdesenvolvidos”, conceito
estratégico à expansão do capitalismo para estas regiões.
No entanto, a industrialização tardia do Brasil se desenvolveu num período em que a
acumulação já disponibilizava de trabalho morto, ou seja, de um arsenal tecnológico que foi
transferido pelos países centrais, possibilitando desta maneira, que nos países periféricos
fossem puladas etapas do processo de produção industrial. (OLIVEIRA, 2003, p. 67)
Destarte, a consolidação do capitalismo monopolista no Brasil se dá via autocracia
burguesa54, uma “visão tecnocrática da democracia restrita” (BEHRING, 2008, p. 105),
proveniente da articulação entre iniciativa privada e mercado mundial, no pós-64, combinada
à orientação modernizadora de um governo forte, num Estado sincrético, autocrático e
oligárquico. (Idem, p. 106)
Sob esse ângulo, Netto (2010, p. 16) aborda que o golpe Militar de 1964, a
“contrarrevolução preventiva”, tinha finalidades estrategicamente articuladas de adequar os
padrões de desenvolvimento nacionais e de grupos de países ao novo quadro do interrelacionamento econômico capitalista, marcado por um ritmo e uma profundidade maiores da
internacionalização do capital; golpear e imobilizar os protagonistas sociopolíticos habilitados
a resistir a esta reinserção mais subalterna no sistema capitalista; e, enfim, dinamizar em todos
os quadrantes as tendências que podiam ser catalisadas contra a revolução e o socialismo.
Desta maneira, ainda conforme o autor, essa conjuntura permite ao país a reafirmação
da heteronomia, da exclusão e das soluções pelo alto, possibilitadas pela atuação antinacional
e antidemocrática desenvolvidas pelo Estado, que ao invés de criar novas formas de
desenvolvimento econômico, refuncionou o modelo latifundiário já existente.
As características do que Netto (2010, p. 31) classificou como “modernização
conservadora” tem finalidades claras de acentuar o poder de concentração e centralização:
54
Termo cunhado por Florestan Fernandes em sua obra A Revolução Burguesa no Brasil.
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[...] a internalização e a territorialização do imperialismo; uma concentração tal da
propriedade e da renda que engendrou uma oligarquia financeira; um padrão de
industrialização na retaguarda tecnológica e vocacionado para fomentar e atender
demandas enormemente elitizadas no mercado interno e direcionados desde e para o
exterior; a constituição de uma estrutura de classes fortemente polarizada apesar de
muito complexa; um processo de pauperização relativa praticamente sem
precedentes no mundo contemporâneo; a acentuação vigorosa da concentração
geopolítica das riquezas sociais, aprofundando brutais desigualdades regionais. [...]
(NETTO, 2010, p. 32)
Com efeito, todo esse processo foi acompanhado também pela repressão e
enquadramento da política educacional, especialmente voltada ao mundo da cultura e ao meio
universitário, visando à propagação da doutrina ideológica de segurança nacional apregoada
pelo desfecho militar-fascista/ditatorial-terrorista desencadeado durante a segunda metade da
década de sessenta, mais notadamente a partir dos anos 1968, acompanhado de inúmeras
“reformas”, de cunho privatizante. (Idem, p. 53-68)
No entanto, foge ao objetivo deste trabalho se esgotar detalhadamente no que consistiu
o processo de instauração e as consequências da autocracia burguesa no Brasil, mas apenas
incipientemente, como peculiaridade inerente à formação social e econômica brasileira até o
espraiamento da ideologia neoliberal55.
Neste sentido, na década de 1980 tem-se o agravamento da dívida externa, com o
aumento das taxas de juros por parte dos credores, bem como a queda das exportações de
matérias-primas nos países latino-americanos, entre eles o Brasil, ocorrendo, desta forma, um
estrangulamento da economia nestes países (BEHRING, 2008, p. 134).
Sem embargo, tem-se o espraiamento do crescimento da estagnação do centro para a
periferia do capital, estava anunciada a crise da Ditadura Militar, pondo em xeque a
deslegitimação deste modelo de governo e, a entrada da possibilidade da transição
democrática.
O primeiro divisor de águas foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 que,
de acordo com Behring (2008, p. 143) se constituiu num “processo duro de mobilizações e
contramobilizações de projetos e interesses mais específicos, configurando campos definidos
de forças.”
Nesse contexto, Collor assume o governo com a promessa de deter a inflação, com
medidas de orientação explicitamente neoliberais, colocando em andamento reformas
55
Para um estudo mais detalhado sobre a autocracia burguesa ver Netto (2010).
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estruturais. De acordo com Mota (2008, p. 106) suas prioridades foram a reforma
administrativa, entendida como medida saneadora das instituições governamentais, a
privatização das empresas estatais, como meio de retirar algumas áreas produtivas da esfera
estatal, e a reforma da previdência social, como medida de equilíbrio do orçamento fiscal e
adequação à situação do emprego na crise.
De fato, o referido presidente foi o precursor da contrarreforma neoliberal no Brasil,
uma vez que “preconizou as reformas orientadas para o mercado como complemento do
processo de modernização, tendo em vista a recuperação da sua capacidade financeira e
gerencial” (BEHRING, 2008, p. 153). Neste aspecto, Netto corrobora que:
[...] Aqui, um projeto burguês de hegemonia não pode, com a rude franqueza da Sra.
Thatcher, incorporar abertamente a programática compatível com a
“desregulamentação” e a “flexibilização” – deve travestir-se, mascarar-se com uma
retórica não de individualismo, mas de “solidariedade”, não de rentabilidade, mas de
“competência”, não de redução das coberturas, mas de “justiça”. E por mais que
suas práticas estejam dirigidas à “desregulamentação” e à “flexibilização”, seu
escamoteado neoliberalismo também deve ser matizado [...]. (NETTO, 1996, p. 104)
O descontentamento das amplas camadas sociais levou ao Impeachment de Collor,
levando a ascensão de Itamar Franco à presidência, este contando com o apoio do então
Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso para a implementação do Plano Real,
patrocinado pelos organismos internacionais participantes do Consenso de Washington.
Tal implementação foi o principal motivo da eleição de FHC, que usou da dura
“pedagogia da inflação” (BEHRING, 2008, p. 155), acompanhada do cansaço da população
em relação à superinflação e à instabilidade política da época, além das exigências da
mundialização, assegurando, sobremaneira, os gestores da nova política econômica56.
Sob esse prisma, todo esse jogo político-econômico ocasionou vantagens às empresas
por meio das renúncias fiscais, ao passo que se criou uma situação de crescimento econômico
56
Segundo Behring (2008, p. 157) os impactos do Plano Real foram: o bloqueio de qualquer possibilidade de
desconcentração de renda; uma desproporção entre a acumulação especulativa e a base produtiva real, cujo custo
recai sobre o Estado na forma de crise fiscal e compreensão dos gastos públicos em serviços essenciais;
alienação e desnacionalização do patrimônio público construído nos últimos cinquenta anos; um remanejamento
patrimonial de grandes proporções e com fortes consequências políticas; inibição do crédito e inadimplência dos
devedores; mudança no perfil do investimento das indústrias que tende a ser em redução de custos e manutenção,
mas não em ampliação da base, em virtude dos riscos.
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restrito e, uma forte onda de desemprego estrutural, que não foi absorvido sequer pelo setor de
serviços, intensificando a informalidade e o crime organizado. (BEHRING, 2008, p. 160)
À política social, tornada “nicho incômodo” (LESSA et al, 1997 apud BEHRING,
2008, p. 160), resta lidar com as consequências do aumento do desemprego, que tende a
demandar por serviços sociais, estes por sua vez tornados flexibilizados, privatizados e
seletivos em decorrência do ajuste neoliberal, que preconiza o corte com os gastos públicos.
Neste sentido, “o lugar da política social no Estado social-liberal57 é deslocado: os
serviços de educação, dentre outros, serão contratados e executados por organizações públicas
não-estatais competitivas” (BEHRING, 2008, p. 173).
Tais aspectos seguem o raciocínio expresso no Plano Diretor da Reforma do Estado,
direcionado pelo ministro Bresser Pereira, com reformas totalmente orientadas para o
mercado, estabelecendo, portanto, uma crítica ao modelo de Estado desenvolvimentista, de
Estado comunista e o Welfare State, onde conforme o mesmo estariam localizadas as causas
da crise. (BEHRING, 2008, p. 172-173)
Tal conjuntura assenta suas bases nos argumentos de que a crise brasileira foi uma
crise do Estado, que ao desviar-se da execução de suas funções básicas, ocasionou a
deterioração dos serviços públicos e, consequentemente o agravamento da crise fiscal e da
inflação. (BEHRING, 2008, p.177)
A solução, conforme Bresser Pereira (1996, apud BEHRING, 2008, p. 176), seria um
pacto de modernização, voltado à Reforma Gerencial do Estado – que nada teria de moderno
– com reformas econômicas voltadas para o mercado, acompanhadas de intensas
privatizações, no intuito de fortalecer a competitividade da indústria nacional.
A “reforma” do governo Cardoso propõe a redefinição do papel do Estado, onde de
acordo com Behring (2008, p. 178) se passaria para o setor privado as atividades que
poderiam ser controladas pelo mercado, ou até a descentralização de atividades que podem ser
apenas subsidiadas pelo Estado, para o “setor público não-estatal”, num processo
caracterizado de publicização.
Conforme Bresser Pereira (1996 apud BEHRING, 2008, p. 173) “É um Estado social-liberal porque está
comprometido com a defesa e a implementação dos direitos sociais definidos no século XIX, mas é também
liberal porque acredita no mercado porque se integra no processo de globalização em curso, com o qual a
competição internacional ganhou uma amplitude e uma intensidade historicamente novas, porque é resultado de
reformas orientadas para o mercado.”, tendo em vista que o neoliberalismo no Brasil é implementado travestido
de “justiça social”.
57
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A flexibilização passa a ser o elemento da contrarreforma usado como combatente do
desemprego, e como aquela que reduz os entraves à modernização e à competitividade da
indústria nacional, a partir da redução do custo do trabalho, no intuito de atrair investidores
estrangeiros sob os auspícios da redução de encargos. (BEHRING, 2008, p. 220)
Entretanto, Behring (2008, p. 234-235) coloca que ao contrário do que preconizava a
política econômica do governo supramencionado, a flexibilização trouxe trágicas
consequências ao trabalhador, com o aumento do desemprego, precarização das relações de
trabalho, aumento da informalidade, bem como o desmantelamento de direitos,
especificamente da legislação trabalhista, das condições de trabalho e, uma “passivização” do
trabalhador (MOTA; AMARAL, 2008, p. 39), expressa no “consentimento ativo” e no
processo de fragilização/cooptação dos movimentos sociais das classes subalternas.
Há ainda, uma crescente lógica de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho em
cooperativas, modelos de produção fundamentados na ideia de negócio próprio onde o
trabalhador se torna o patrão, mas que mascara a realidade de insegurança social a que ficam
expostos.
Não obstante, os governos que seguiram a gestão de FHC na presidência, Lula da
Silva e atualmente Dilma Rousseff, vieram a dar continuidade ao desmantelamento das
políticas sociais que se iniciaram na década de 1990 com Collor e foram aprimoradas por
Cardoso, sob a égide da pragmática econômica neoliberal.
A Reforma Universitária que teve início em 1968, sob a Ditadura Militar, passa por
um novo processo em 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/1996), que amplia a privatização do ensino superior no Brasil, e
posteriormente, com o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o Programa de Apoio
a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), já no governo
Lula da Silva.
A reestruturação do Ensino Superior no Brasil
Pensar o processo de mercantilização do Ensino Superior requer perceber os rumos
que a política educacional brasileira vem tomando a partir da implementação da ideologia
neoliberal e, que essa direção faz parte de um processo mais amplo de reforma do Estado, que
no Ensino Superior se inicia durante o período ditatorial acirrando-se durante os anos 1990.
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Por conseguinte, a Ditadura Militar, conforme Ribeiro (2009, p. 88), possibilitou os
primeiros passos para a privatização do ensino superior brasileiro, onde sob o governo de
Costa e Silva ocorreu a Reforma Universitária de 1968, promovida pela política educacional.
Netto (2010, p. 55), coloca que a “reforma” pela qual a universidade passa durante o
regime militar, é proveniente da alteração na estrutura da demanda social por educação
institucional. O autor continua:
[...] seus condicionamentos societários mais fortes provêm das exigências e
implicações do padrão de desenvolvimento vinculado à industrialização pesada – de
uma parte, uma qualificação distinta para a força de trabalho e, doutra, as
consequências da urbanização. No seu aspecto quantitativo, esta alteração se
evidencia pela crescente magnitude dos contingentes que pressionam o sistema
educacional e que tem um de seus picos (globais) precisamente na segunda metade
da década de sessenta. [...] (NETTO, 2010, p. 55, grifos originais)
A educação universitária passa, portanto, a representar a qualificação da mão-de-obra,
ao mesmo tempo em que expressa as demandas das camadas médias urbanas, de obter
ascensão econômica, política e social.
A crise do sistema educacional, resultante da crescente demanda universitária,
possibilitou o protagonismo do movimento estudantil entre os anos 1967-1968 colocando a
educação como questão prioritária. (NETTO, 2010, p. 56)
Essa conjuntura no auge da autocracia burguesa e das intervenções repressivas do
Estado militar-fascista, consequentemente viabilizou o controle e o enquadramento do sistema
educacional (NETTO, 2010, p. 56). Está posta a refuncionalização da educação ao modelo
econômico direcionado pela autocracia, e todas as consequências repressivas a ele inerente58.
Sem embrago, o autor supracitado (2010, p. 62) considera que a política educacional
da ditadura transformou o ensino superior num setor para investimentos capitalistas privados
extremamente rentáveis. Deste modo:
[...] a chamada livre iniciativa encontrou aí um de seus vários paraísos,
estabelecendo as suas universidades – o que não impediu, por vários canais, que
nelas fossem injetados vultuosos recursos públicos -, preferencialmente frequentadas
(e pagas) por alunos oriundos e/ou situados dos/nos níveis socioeconômicos
inferiores [...]. (NETTO, 2010, p. 62-63, grifos originais)
58
De acordo com Netto (2010, p. 58), a intimidação e repressão do corpo docente e discente, ilegalização da
União Nacional dos Estudantes (UNE), entre outras medidas.
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Assim, a universidade que se gestou no pós-68 foi uma universidade neutralizada,
esvaziada, reprodutiva e asséptica, hábil a produzir profissionais afeitos à lógica formalburocrática (NETTO, 2010, p. 66-67), subjacente ao ordenamento tecnocrático da ditadura.
Logo, o Ensino Superior passou por uma significativa perda de sua capacidade críticopropositiva, servindo para a legitimação ideológica do regime autocrático burguês,
perdurando até a possibilidade da transição democrática.
A reforma administrativa do aparelho estatal, sob os ditames da política neoliberal,
apenas acentuou o que se iniciou durante a autocracia burguesa, certo que de forma mais
voraz, especialmente no governo Cardoso, dirigida pelo ministro Bresser Pereira.
Por conseguinte, o governo FHC apenas deu continuidade ao processo iniciado por
Collor e Itamar Franco, em atender aos ditames neoliberais de, através da educação, produzir
um trabalhador que contribua para a superação da crise capitalista, subordinando a escola aos
interesses empresariais do capital. (NEVES, 1999, p. 134)
Todavia, Netto (2000, p. 27) consubstancia que não foi somente uma imposição dos
organismos multilaterais, como o Banco Mundial, que direcionaram a contrarreforma do
Ensino Superior no Brasil, mas o fato de que aqui há uma perfeita sincronia entre os interesses
do capital estrangeiro e das elites brasileiras.
Pois bem, tais organismos referem que a universidade latino-americana, dentre elas a
brasileira, passa por um processo de deterioração das instituições de ensino, quanto à estrutura
física, e aos recursos para materiais didáticos em geral, bem como a ineficiência no uso destes
recursos, relacionada à utilização em programas que não são considerados gastos
educacionais como, por exemplo, a assistência estudantil, preconizando que a prioridade dos
gastos estatais deveriam ser direcionados ao ensino básico e secundário (IAMAMOTO, 2000,
p. 39-40).
Desta forma, o governo Cardoso operou a contrarreforma do Ensino Superior,
modificando o arcabouço normativo da educação, a gestão do sistema educacional, o
conteúdo curricular, recorrendo ao uso de decretos e ao consenso ativo da população, até
então excluída desse nível de ensino, conforme aponta Neves (1999, p. 135).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996) foi a política educacional que deu sustentação ao projeto de reforma do
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referido governo, tendo em vista que preconiza a educação superior voltada ao mercado,
favorecendo a mercantilização do ensino em seus mais variados níveis.
Iamamoto (2000, p. 36) afirma que a regulamentação da LDB se deu sob um processo
de expedição de leis, medidas provisórias, decretos, emendas constitucionais, resoluções e
portarias do Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e de seu órgão assessor, o
Conselho Nacional de Educação (CNE), viabilizando o processo de flexibilização da
educação e a privatização acelerada das Instituições de Ensino Superior.
O autor Netto (2000) enfatiza ainda que a política do ensino superior, nas bases
definidas pela LDB possui cinco traços:
[...] o primeiro traço é o desavergonhado favorecimento à expansão do privatismo
[...] a transformação do ensino superior em área de investimento capital [...]; o
segundo traço é a liquidação, na academia, da relação ensino/pesquisa e extensão
[...]; o terceiro traço dessa política – a supressão do caráter universalista da
universidade [...]; o quarto traço está vinculado ao nexo organizador da vida
universitária – a subordinação dos objetivos universitários às demandas do mercado,
o mercado passa a ser uma das referências da vida acadêmica porque passa a
legitimar a eficácia universitária [...]; o quinto traço, trata-se [...] da redução do grau
da autonomia universitária [...]. (NETTO, 2000, p. 27-29)
Esses traços apontados pelo autor remetem ao processo de desconstrução da
universidade pública, laica, gratuita e de qualidade, em detrimento de uma universidade
tecnocrática, parasitária e burocratizada (herdada da Ditadura), funcional ao capital e ao
processo vigente de mercadorização do ensino superior brasileiro.
Assim, Boschetti (2000, p. 85) refere que as medidas adotadas pelo Estado nas
Instituições de Ensino Superior públicas, para instigar a expansão das IES privadas, rebatem
no estímulo às aposentadorias precoces, a proibição da realização de concursos públicos, a
restrição de recursos destinados à manutenção e preservação dos espaços físicos,
equipamentos e acervo bibliográfico, a redução de quotas (sic) de bolsas e financiamento para
pesquisas e extensão, a ausência de aumentos salariais, o que provoca a transferência do
quadro docente titulado e qualificado para as instituições particulares.
De fato, todas as limitações que os organismos internacionais vêm apontando como
problemáticas no âmbito da universidade pública se torna um incentivo para a deterioração
cada vez mais acirrada destas instituições, em prol de uma política que desfaz o
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comprometimento com a formação cidadã e a transforma em formação voltada para o
mercado.
Essa realidade traduz a leitura que o Banco Mundial e seus aliados têm do ensino
superior, segundo os mesmos critérios utilizados no mundo empresarial, conforme Iamamoto
(2000, p. 40) o “custo/benefício, a eficácia/inoperância e produtividade”.
Assim, a autora coaduna que as universidades privadas regidas por critérios
empresariais, são tidas como a referência organizacional, sendo consideradas mais ágeis,
eficientes, financeiramente equilibradas, por apresentarem maior diferenciação institucional e
menor índice de conflitos e tensões políticas (Idem, Ibidem).
Isso rebate seriamente no processo educacional, que seguindo o que é posto pelo
Banco Mundial, além de tornar o ensino uma mercadoria, é precarizado em todos os âmbitos,
especialmente se visto através do pano de fundo do ensino à distância59, que traz consigo o
“fetiche da ampliação do acesso e do aumento do índice de escolarização, mascarando dois
fenômenos que vêm ocorrendo nos países periféricos: o aligeiramento da formação
profissional e o processo de certificação em larga escala” (LIMA, 2008, p. 19).
O aligeiramento do ensino via educação à distância, conforme Guerra (2010a, p. 728)
é um dos “novos nichos de mercado cobiçado por empresários dos setores nacionais e
estrangeiros”, que tem se utilizado da flexibilização do MEC à essa modalidade de ensino,
tornando assim, as universidades “fábricas de diplomas”.
Logo, a educação à distância na lógica da política regida pelo Banco Mundial e pelos
demais organismos financeiros internacionais tem a finalidade de atender às demandas
educacionais dos segmentos populacionais pauperizados, ou seja, como coloca Lima, “tais
cursos são direcionados aos trabalhadores e filhos de trabalhadores da periferia do
capitalismo” (2008, p. 21).
Assim, a autora (2008, p. 24) ressalta ainda que, a imposição dessa modalidade de
ensino via “ampliação do acesso” aos segmentos mais pobres é uma estratégia dos países
capitalistas centrais que têm no ensino à distância um mercado altamente lucrativo e que
concentra praticamente a totalidade das empresas produtoras das Tecnologias da Informação e
59
O ensino à distância tem respaldo legal na LDB (Lei 9.394 de 20/12/1996) em seu artigo de número 80, que
incumbe ao Poder Público a determinação de incentivar o desenvolvimento e a veiculação de programas de
ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.
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da Comunicação (TIC). Tais peculiaridades acabam por reforçar, sob um verniz
democratizante, a mercantilização do ensino superior. (DAHMER, 2008, p. 43)
Neste sentido, é que Chauí atenta a essa problemática denominou certeiramente o que
seriam as “universidades operacionais”, geridas no processo de contrarreforma universitária,
onde a educação, como outras políticas deixam de ser prioridade do Estado, o que significa
dizer: “a) que a educação deixou de ser concebida como um direito e passou a ser considerada
um serviço; b) que a educação deixou de ser considerada um serviço público e passou a ser
considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado” (2003, p. 2).
A autora supracitada coloca que a atual configuração do ensino transforma a
universidade em “organização social”60, desvirtuando-a de sua forma tradicional de
“instituição social” voltada para a universalidade e, reconfigurado-a como uma prática social
voltada para interesses particulares (2003, p. 2-3).
Destarte, a universidade nesses moldes, impulsionada por um pensamento pósmoderno61, transforma o processo de formação profissional num conjunto esvaziado de uma
dimensão crítica, sem o aporte do tripé essencial ensino-pesquisa-extensão. Têm-se, portanto,
um reforço ao pragmatismo e ao burocratismo.
Neste sentido, Neves (1999, p. 141) aponta que a promulgação do decreto 2.207 (de
15/04/1997) que regulamenta o Sistema Federal de Ensino estabelece que as IES públicas e
privadas se organizem em cinco modalidades, entre elas, universidades, centros universitários,
faculdades integradas, faculdades, e institutos ou escolas superiores, sendo que somente as
universidades possuem a obrigatoriedade da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão.
A universidade enquanto “organização social” é “regida por contratos de gestão, avaliada por índices de
produtividade, calculada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e
programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos.
Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está
pulverizada em microrganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao
trabalho intelectual” (CHAUÍ, 1999a, p. 05).
60
61
Jameson (1996 apud BEHRING, 2008, p. 68) corrobora que a pós-modernidade é uma dominante cultural que
promove uma crise da historicidade, na qual a produção cultural apresenta-se como um amontoado de
fragmentos, uma prática de heterogeneidade e do aleatório é, pois, um pensamento que permeia a construção
ideológica que o neoliberalismo necessita para sua consolidação e espraiamento. Contudo, foge ao objetivo do
presente trabalho o estudo aprofundado das tendências pós-modernas no seio da produção intelectual da
categoria profissional de Serviço Social, sendo elencada apenas em nível de esclarecimento teórico.
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Por conseguinte, a consequência desse rebaixamento na formação é uma universidade
esvaziada intelectual e culturalmente, que atende fielmente aos anseios do capital e sua lógica
monopólica de mercantilização do ensino.
Vale mencionar ainda, a continuidade que a reestruturação universitária perpassou
durante o Governo Lula da Silva, com referido destaque ao Programa Universidade para
Todos (ProUni), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni), a implementação do Fundo de Financiamento ao Estudante
do Ensino Superior (FIES)62 e a expansão das IES na modalidade à distância.
O ProUni, segundo Yolanda Guerra (2010, p. 727) foi criado em 2004, e consiste na
concessão de bolsas de estudo integral ou parcial em universidades particulares e em cursos
sequenciais, promovendo a isenção de impostos às unidades de ensino concedentes. Desde
2005, as renúncias fiscais com ProUni somam mais de 3 bilhões de reais (Brasil de Fato,
2013, p. 5).
O Reuni, segundo a referida autora, tem como objetivo dotar as universidades federais
das condições necessárias para a ampliação do acesso e a permanência dos estudantes na
educação superior.
Conforme Silva (2010, p.418), no caso do Reuni a realidade é a seguinte, “vem
ocorrendo em condições de infraestrutura precárias, condições de trabalho inadequadas,
quadros de docentes e técnico-administrativos insuficientes, ausência de políticas de
assistência estudantil e plano de qualificação docente”.
Todavia, tais programas são resultantes da Parceria Público-Privado (PPP) firmada
pelo governo Lula, que redefinem o dever do Estado na realização do direito universal à
educação, ampliando a esfera privada em detrimento da pública (LEHER; SADER, s/d, p.
12).
Castro (2010, p. 203), afirma que o Ensino Público Superior Brasileiro é um dos mais
elitistas e um dos mais privatizados na América Latina, apresentando cerca de 90% de
instituições privadas e apenas 10% públicas, com 73% das matrículas no setor privado e
apenas 27% no setor público.
62
O Fies atende hoje 871 mil universitários em todo o país (Brasil de Fato, 2013, p. 5).
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De acordo com o Censo da Educação Superior 2011 do MEC, em matéria publicada
no mês de abril do corrente ano no Jornal Brasil de Fato (2013, p.5), das 2.365 instituições de
ensino superior no Brasil, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas, o que corrobora
os dados anteriormente elencados por Castro.
A autora supramencionada remete que com as reformas educacionais a universidade
privada passa a ser um captador do mercado, e a Universidade Aberta criada pelo governo
Federal passa a ser um disseminador nas Universidades Públicas do Ensino à distância, tendo
em vista a meta do governo em “inserir” 30% dos jovens entre 18 e 24 anos no ensino
superior (CASTRO, 2010, p. 207; BEHRING, 2000, p. 103).
Ademais, conforme Leher (2004, p. 9) o discurso da democratização do ensino é
absorvido pela sociedade possibilitando uma massificação desqualificada do ensino, onde
ocorre uma educação pobre para os segmentos mais pauperizados da população, ou seja, uma
educação aligeirada e minimalista, com ênfase nos processos pragmáticos e nas ideias
imediatistas.
Ou seja, tem-se uma refuncionalização da educação por meio do atendimento aos
anseios do capital em cooptar a subjetividade dos sujeitos a partir da produção de
conhecimento intrinsecamente voltada aos interesses mercantis, ao passo em que dilui as
fronteiras entre o público e o privado que no âmbito da educação passam a representar um
único sistema, já que ambas as esferas recebem recursos do Estado (LEHER; SADER, s/d, p.
13).
Por conseguinte, conforme Leher e Sader (s/d, p. 18, grifos não originais) como
resultado desse processo “em lugar de formação a meta agora é o adestramento profissional
aligeirado ou a formação por competências”.
Koike confirma essa realidade mercantilizada com os números levantados pelo
empresariado da educação no país, onde “[...] a movimentação financeira da educação
superior, em 2003, foi de R$ 45 bilhões e para as empresas que negociam no setor o lucro foi
de 15 bilhões” (ILAESE, 2004, apud KOIKE, 2009, p. 205, grifos não originais).
A mesma aponta ainda que o mercado e a inovação tecnológica referenciam a reforma
educacional, onde a lógica é de que o mercado democratiza o acesso, a democracia aqui é
vista como poder de compra, e a inovação tecnológica tida como meio e finalidade da
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1837
educação por uma espécie de virtualidade intrínseca, que asseguraria a inserção social (2009,
p. 205)
Conforme Mészáros, uma das principais funções da educação formal nas nossas
sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e
por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (2008, p. 45).
Nessa conjuntura é perceptível que a lógica mercadológica do ensino faz parte do
processo mais amplo de contrarreforma universitária que rebate diretamente na formação de
novos quadros profissionais, pelas vias da precarização e na formação em larga escala de
sujeitos desprovidos de uma base teórico-metodológica crítica.
Considerações Finais
A reestruturação do ensino superior no Brasil direcionada pelos organismos
multilaterais nos anos 1990, alegando ser a universidade perdulária e elitista, carrega consigo
o discurso da democratização do ensino, além de torná-lo mercadoria, incorporando os
anseios provenientes da formação tecnológica, apta a instrumentalizar a educação, para
atender as demandas imediatas do mercado de trabalho contribuindo para a acumulação
capitalística e para a formação de sujeitos afeitos à lógica operante.
Tal fator afasta, consequentemente, a dimensão do direito à universidade pública,
tornando-se o “Canto da Sereia” (SANTOS; ABREU, 2011, p. 132) aos setores populares que
não chegavam à universidade, sob a roupagem do acesso, que desvincula a função precípua da
educação superior de socialização do conhecimento, através de atividades que envolvam o
tripé ensino-pesquisa-extensão.
É sob esse prisma que comungamos da ideia expressa por Mészáros, quando afirma
que no âmbito educacional as soluções não podem ser formais, elas devem ser essenciais,
deve abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida; o que precisa
ser confrontado é todo o sistema de internalização estabelecido na educação formal, com
todas as suas dimensões, visíveis e ocultas; romper com a lógica do capital na área da
educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas
de internalização mistificadora por uma alternativa concreta e abrangente (2008, p. 45-47).
Referências
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1842
DISCUSSÕES SOBRE A DISCPLINA FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO
BRASIL NO CURRÍCULO DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA UECE
Antonio Israel Carlos da Silva63
Tuany Abreu de Moura 64
Aurineida Maria Cunha65
Resumo:
O artigo busca analisar a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil no currículo do curso de
graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Os recursos metodológicos
utilizados foram pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo. Como resultado, destacamos
a relevância da disciplina para a compreensão dos aspectos sócio-históricos da sociedade brasileira,
como também, a percepção dos (as) alunos (as) na implementação da ementa da disciplina analisada.
Palavras-chave: Disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil, Diretrizes Curriculares, Projeto
Político Pedagógico.
1. Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar a disciplina Formação Sócio-Histórica do
Brasil no currículo do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do
Ceará (UECE), que apresenta como objetivo apreender o processo de constituição sóciohistórica da sociedade brasileira. Expomos dados consolidados da pesquisa intitulada
“História dos 60 anos do Curso de Serviço Social no Ceará: particularidades da formação
profissional na UECE”66. Como trajetória metodológica, recorremos à utilização de pesquisa
bibliográfica, através da revisão de literatura de autores que ofereceram suporte teórico para
63
Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL:
[email protected], Tel: 85-87214965.
64
Estudante de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL:
[email protected], Tel: 85-8585-6168.
65
Profa. Dra. do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará, E-MAIL:
[email protected], Tel: 85- 8706-0105.
66
O Laboratório de Pesquisas e Estudos em Serviço Social (LAPESS) realiza a pesquisa “História dos 60 anos
do Curso de Serviço Social no Ceará: particularidades da formação profissional na Universidade Estadual do
Ceará” que tem como objetivo analisar o processo histórico da formação acadêmica do Serviço Social no Estado
do Ceará no período de 1970 a 2015. Este artigo apresenta dados consolidados da segunda fase da pesquisa que
vem acompanhando as turmas da manhã e da noite de 2011.2 até a conclusão do curso em 2015, (a primeira
turma com semestre regular depois das greves de 2006, 2007 e 2008 na UECE).
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1843
as discussões apresentadas; pesquisa documental nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS, no
Projeto Político Pedagógico, na ementa da disciplina de Formação Sócio-Histórica do Brasil
do curso; e pesquisa de campo, por meio da aplicação de cinquenta e dois questionários com
perguntas abertas e fechadas que tinham o escopo de obter respostas objetivas e subjetivas, a
cinquenta e dois alunos (as) das duas turmas do segundo semestre, do período manhã e noite,
que ingressaram no curso em 2011.2.
As discussões explicitadas nos levaram a elencar alguns dos principais desafios na
implantação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS no Curso de Serviço Social da UECE, a
partir da análise da disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil.
2. O Processo de Construção das Diretrizes Curriculares da ABEPSS: avanços e
desafios à formação profissional
A revisão curricular na década de 1990 no âmbito do Serviço Social tornou-se um
espaço privilegiado de reconstrução de um novo projeto de formação profissional. As
Diretrizes Curriculares apontaram para a redefinição dos pressupostos e princípios da direção
social do processo formativo, requisitando-se um novo perfil de profissional, num movimento
de superação do currículo compreendido tão somente como um conjunto de disciplinas
isoladas, e estimulando a inserção dos (as) alunos (as) nas atividades de iniciação científica,
monitoria, pesquisa e extensão, dentre outras (CARDOSO, 2000).
O processo de construção das Diretrizes Curriculares foi fruto de um amplo debate
entre unidades de ensino, docentes e discentes, entidades representativas da categoria67. É
preciso compreender que o processo de construção das Diretrizes Curriculares se engendrou
em meio a quadro sociopolítico marcado pela intensificação da ideologia neoliberal, da
desregulamentação dos direitos sociais, da reestruturação produtiva e seus impactos no mundo
do trabalho, sobretudo, num período de contrarreforma da educação superior, que tem
impactado de forma negativa na formação profissional em Serviço Social em todo o país.
67
Registramos que entre 1993 e 1996 foram realizadas aproximadamente duzentas oficinas locais nas sessenta e
sete Unidades Acadêmicas filiadas à ABESS, vinte e cinco oficinas regionais e duas nacionais. As discussões
empreendidas resultaram na Proposta Nacional de Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social, apreciada
na II Oficina Nacional de Formação Profissional e aprovada em Assembleia Geral da ABESS, ambas realizadas
no Rio de Janeiro, entre os dias 7 e 8 de novembro de 1996 (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social,
1996).
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A nova lógica curricular organizou-se em núcleos de fundamentação, um conjunto de
conhecimentos indissociáveis constitutivos da formação profissional, os quais são: núcleo de
fundamentos teórico-metodológicos da vida social, objetivado a compreender o ser social
historicamente situado na sociedade; núcleo de fundamentos das particularidades da formação
sócio-histórica da sociedade brasileira, que se refere ao conhecimento acerca da constituição
sócio-histórica da sociedade brasileira; e núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que
considera a profissão de Serviço Social como especialização do trabalho. Igualmente, foram
definidas matérias, que expressam áreas do conhecimento necessárias ao processo formativo e
que se desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios, atividades
complementares e outros componentes curriculares68 (Diretrizes Gerais para o Curso de
Serviço Social, 1996).
O objetivo da nova lógica curricular é o de reafirmação do trabalho como atividade
essencial na composição do ser social, promovendo, de tal modo, uma proposta de superação
da fragmentação no processo de ensino/aprendizagem, buscando uma maior vivência
acadêmica entre professores, alunos e sociedade. De acordo com as Diretrizes Gerais para o
Curso de Serviço Social, cada Instituição de Ensino Superior (IES) elabora o seu currículo
pleno e este deve refletir o atual contexto histórico, além da capacidade de realizar projeções
para o futuro (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, 1996).
Segundo Iamamoto (2012) as discussões referentes às Diretrizes Curriculares
dimensionam um repensar sobre a formação profissional em Serviço Social, possibilitando
um balanço crítico do debate que estimula o desenvolvimento de pesquisas que buscam
decifrar as novas demandas que se apresentam à profissão. Uma das condições essenciais para
se viabilizar a adequação da formação profissional aos desafios dos novos tempos, é superar
uma visão endógena do Serviço Social, de forma que é necessário alargar os horizontes
voltados para a história da sociedade brasileira diante das transformações societárias na
contemporaneidade.
Tendo em vista as considerações acima explicitadas, compreendemos que as
Diretrizes Curriculares dimensionam a existência da matéria Formação Sócio-Histórica do
68
Segundo Mota (2007), com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, a proposta
do novo currículo mínimo do curso de Serviço Social precisou adequar-se as exigências da LDB, que passou a
substituir o currículo mínimo por Diretrizes Gerais para a formação profissional.
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Brasil, pertencente ao núcleo de fundamentos das particularidades da formação sócio-histórica
da sociedade brasileira. Para a matéria acima citada, o conteúdo programático exigido referese à apreensão da:
[...] herança colonial e a constituição do Estado Nacional. Emergência e Crise
da República Velha. Instauração e colapso do Estado Novo. Industrialização,
urbanização e surgimento de novos sujeitos políticos. Nacionalismo e
desenvolvimentismo e a inserção dependente no sistema capitalista mundial.
A modernização conservadora no pós-64 e seu ocaso em fins da década de
70. Transição democrática e neoliberalismo (Diretrizes Gerais para o curso
de Serviço Social, p. 16, 1996).
Diante do exposto, discutiremos a seguir o Projeto Político Pedagógico do curso de
Serviço Social da UECE, construído a partir das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, dando
destaque a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil.
3. Trajetória do Projeto Político Pedagógico e análise da disciplina Formação
Sócio-Histórica do Brasil no Curso de Serviço Social da UECE
O atual Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da UECE,
implementado em 2006.1, foi resultado de várias e intensas discussões e debates entre
docentes, discentes e técnicos de apoio de estágio (hoje os supervisores de campo) da
Universidade Estadual do Ceará, no período de 1997 a 2004. Em tal documento são
contemplados os objetivos do curso e de seu currículo, perfil dos formados, princípios da
formação profissional, identificação da direção social do curso e estruturação dos
componentes curriculares (Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2007).
O Curso de Serviço Social da UECE assume um Projeto Político Pedagógico orientado
pelas propostas da ABESS/ABEPSS preconizando, assim, a formação de assistentes sociais
detentores de capacitação ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa para o
enfrentamento das diversas expressões da questão social (Projeto Político Pedagógico do
Curso de Serviço Social, 2007).
No Projeto Político Pedagógico visualizamos a matriz curricular que norteia a
formação profissional em três núcleos mencionados anteriormente. Daremos foco ao núcleo
que trata da discussão referente às particularidades da Formação- Sócio histórica brasileira,
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que consiste em análises acerca dos fatores econômicos, políticos, sociais e culturais da
constituição da sociedade brasileira.
Esta disciplina de quatro créditos é ofertada no segundo semestre69 do curso, tem por
objetivo a apreensão do processo de colonização brasileira e a constituição do Estado
Nacional; a emergência e a crise na primeira República; a instauração e colapso do Estado
Novo; a industrialização, urbanização e surgimentos de novos sujeitos políticos; a inserção do
país no sistema capitalista mundial; a modernização conservadora no pós-64; a transição
democrática e o neoliberalismo (Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social,
2007).
Apresentamos os dados da pesquisa de campo realizada em 2012.1 por meio da
aplicação de cinquenta e dois questionários com perguntas abertas e fechadas que tinham o
escopo de obter respostas objetivas e subjetivas, aos cinquenta e dois estudantes das duas
turmas do segundo semestre, do período manhã e noite, ingressas em 2011.2. Portanto, no que
tange a bibliografia aplicada, os principais autores estudados foram: Sérgio Buarque de
Holanda, Gilberto Freyre e Marilena Chauí. No que concerne aos títulos mais citados, foram
apontados: Raízes do Brasil, Casa Grande e Senzala e O Mito Fundador.
Nesse sentido, tem-se a apreensão de que o conteúdo, segundo as respostas dos (as)
alunos (as) nos questionários, contemplou parcialmente as discussões propostas pela ementa
da disciplina. De tal modo que, conteúdos como o nacional-desenvolvimentismo, a dinâmica
de inserção do Brasil no sistema capitalista, a modernização conservadora no pós-64, o
processo de transição democrática e a ascensão do neoliberalismo não foram ministrados A
ausência dessas discussões na disciplina poderá colaborar para o processo de fragilização da
formação acadêmica, pois os temas em questão são basilares para assegurar o princípio
adotado pelas Diretrizes Curriculares, de apreensão das particularidades sócio-históricas da
realidade social e do Serviço Social.
69
O Curso de Serviço Social da UECE tem a duração de quatro anos, com uma grade curricular distribuída em
oito semestres. As disciplinas do primeiro semestre são: Introdução ao Serviço Social, Metodologia do Trabalho
Científico, Teorias Psicológicas, Fundamentos de Filosofia e Sociologia Clássica. No segundo semestre além de
Formação Sócio-Histórica do Brasil são oferecidas as disciplinas: Seminário de Serviço Social I, Antropologia
Cultural, Economia Política, Correntes Modernas da Filosofia das Ciências e Sociologia Contemporânea.
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Conforme a avaliação dos alunos a bibliográfica utilizada, foi considera ótima para
11,54%; boa para 34,6%; regular para 21,5% ; ruim para 7,7% ; e 25% dos alunos 70 não
responderam a essa questão. Assim, percebemos que os (as) alunos (as), por serem recémingressos na universidade, avaliaram de forma positiva a bibliografia. Quando relacionados
ementa, objetivos, conteúdos programáticos e referências bibliográficas concluímos que os
programas não foram implantados em sua totalidade e ainda o conteúdo por tratar-se da
história da sociedade brasileira, se aproxima das discussões realizadas ao longo do ensino
médio ou nos cursos preparatórios para o vestibular.
Ao explicitarmos a didática utilizada pelo (a) professor (a), os dados mostraram que
42,3% avaliaram como boa ou ótima, sendo realizadas ao longo do semestre, aulas
expositivas, dialogadas e de campo ( por meio de viagem a cidades históricas do estado do
Ceará e visita ao Centro Comercial e histórico da Cidade de Fortaleza).
Destarte, ainda no que concerne a didática do (a) professor (a) 24,9% dos (as) alunos
(as) atestaram ser razoável, ruim ou péssima, afirmado serem as aulas cansativas, com
conteúdo excessivo e que havia a ausência de recursos audiovisuais nas aulas tornando as
mesmas monótonas. Já 33,7% destacaram como as aulas eram desenvolvidas, isto é, por meio
de aulas expositivas, dialogadas e de campo. Também fora explicitado que os docentes tinham
um distanciamento ante o debate sobre o Serviço Social e suas interfaces com o conteúdo da
disciplina.71
Ao questionarmos sobre as sugestões que os (as) alunos (as) poderiam dar a disciplina
de Formação Sócio-Histórica do Brasil, obtivemos que: 44,2% não responderam; 15,4%
pediram a troca do (a) professor (a); 5,8% melhoria na bibliografia; 3,8% a existência de
textos relacionados ao Serviço Social melhoraria; 1,9% revisão da didática uma maior
70
Por meio da análise dos dados, visualizamos que a categoria “Não Respondeu” é recorrente em várias
perguntas no questionário, o que apresenta desafios para análise das respostas, dado que por tratar-se de uma
avaliação curricular, a existência de respostas mais discursivas nos possibilitaria, por meio dos relatos, apreender
dados mais sólidos sobre os desafios do processo formativo, a partir do currículo do curso.
71
Os professores que ministram a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil em sua maioria são do curso
de História ou de Ciências Sociais da UECE. A particularidade da realidade estudada nos mostra que os dois
professores que ministravam a disciplina, tanto do período noturno, quanto diurno são efetivos e do curso de
História. No entanto, por serem de departamentos diferentes acabam por não terem a garantia de que nos
semestre seguintes continuaram a lecionar na mesma disciplina e no mesmo curso, o que acaba por inviabilizar,
muitas vezes, o amadurecimento das discussões da disciplina, assim como a compreensão acerca das
particularidades do curso. Além disso, é preciso destacar a precarização do trabalho docente, alijada a lógica do
produtivismo acadêmico como fatores negativos ao processo formativo.
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abordagem sobre a questão social; 1,9% mais atividades de campo e 9,6% disseram que não
havia sugestão a ser dada.
Diante do exposto, é basilar compreender a importância da disciplina Formação SócioHistórica do Brasil na formação profissional, dado que a mesma permite apreensão da
constituição da sociedade brasileira o que vai implicar no entendimento do processo de
constituição e consolidação do Serviço Social. No entanto, em tempos de contrarreforma da
educação superior, com implicações na precarização da universidade pública, os desafios
postos a implementação das Diretrizes Curriculares e do Projeto Político Pedagógico do curso
a partir da análise da realidade da disciplina pesquisada são complexos para o corpo docente
e discente do Curso de Serviço da UECE.
4. Considerações Finais
Ao problematizarmos a disciplina Formação Sócio-Histórica do Brasil, conseguimos
compreender como a discussão em questão vem sendo realizada à luz das Diretrizes
Curriculares da ABEPSS e do Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social da
UECE, salientando sua relevância ao processo formativo do assistente social, ao realizar
discussões referentes à constituição sócio-histórica da realidade brasileira.
Por fim, concluímos que o Projeto Político Pedagógico do Curso de Serviço Social da
UECE está em consonância com os princípios de suas diretrizes curriculares, entretanto os
impactos da contrarreforma da educação superior introduzem desafios à consolidação dos
objetivos, conteúdos programáticos e bibliografia da disciplina analisada.
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ECONOMIA DE COMUNHÃO: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DE RETOMADA
DO DEBATE ÉTICO NA ECONOMIA.
Francisco Rafael Félix de Sousa72
Pedro Ferreira Barros73
RESUMO
Este trabalho se constitui na realização de uma pesquisa bibliográfica para compreensão da Economia
de Comunhão – EdC no contexto da complexa sociedade globalizada. Pode-se afirmar a desigualdade
social, que marca esta sociedade, é fruto do sistema econômico vigente, o capitalismo, cujo
desenvolvimento é orientado para a produção do lucro concentração da riqueza nas mãos daqueles que
já detêm a propriedade dos meios de produção. Este sistema produziu e reproduz a desigualdade social
através do processo de produção de mais valia via exploração do trabalho e acumulação do capital. Os
modelos de desenvolvimento capitalista hoje enfrentam crises ao desprezar os aspectos sociais e
fragmentar a relação economia-sociedade. Isto faz surgir iniciativas como alternativas de gestão e de
organização do trabalho que visam garantir a subsistência, e mais que isto, a qualidade de vida das
pessoas comprometida pelas conseqüências negativas do capitalismo. Com este trabalho pretende-se
conhecer melhor o modelo de Economia de Comunhão – EdC, o qual, sem romper com o sistema
vigente no que diz respeito ao modo de produção, procura realizar as transformações necessárias para
uma sociedade mais igualitária e mais justa. Com isto a EdC se coloca como uma práxis social
fundamentada na ética fazendo com que o pensamento econômico retome o debate da questão da ética
na economia.
Palavras-Chave: Desigualdade social. Economia de Comunhão. Transformações sociais.
1. Introdução
O desenvolvimento capitalista enfrenta crises na atualidade por tratar-se de um sistema
que tem por base o aumento constante da rentabilidade econômica e da competitividade nos
mercados, desprezando os aspectos sociais. A organização democrática da sociedade faz
surgir também movimentos sociais e políticos que entram em contradição com os princípios
utilitarista e individualista provenientes do capitalismo. Por razões de necessidade, iniciativas
72
Aluno do X Semestre do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Regional do Cariri – Urca e-mail:
[email protected] - Fone: (88) 8823 6507.
73
Professor Adjunto do Departamento de Economia da Urca. Mestre em Sociologia, Doutor em Educação –
UFC. e-mail [email protected]. – Fone: (88) 3511-3610.
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alternativas de organização do trabalho ou de gestão visam garantir a subsistência e melhor
qualidade de vida às pessoas afetadas pelos rumos que foram tomados pelas nações das quais
fazem parte.
Dentre as propostas alternativas a Economia de Comunhão ou EdC, como é mais
popularmente chamada, surge com a finalidade principal de luta contra a miséria como um
meio para construção de um mundo mais justo e mais fraterno, visando contribuir para a
edificação de um sistema econômico e de uma sociedade de comunhão sob a inspiração dos
princípios cristãos. Estes princípios são defendidos por um Movimento ligado à Igreja
Católica conhecido como Movimento dos Focolares74 - MF. Os Folcolares se constituem num
movimento ecumênico, de inspiração cristã, aberto ao diálogo e à parceria com aqueles que
mesmo não professando uma fé querem construir a unidade, o Mundo Unido, a fraternidade
universal.
Para autores como Sen (1999) a economia nasce de duas vertentes: a engenharia e a
ética. Em busca de uma ciência mais “neutra” as Ciências Econômicas foram esquecendo
cada vez mais a segunda vertente, como se a omissão dos valores extinguisse a sua existência.
Já a Economia de Comunhão, surge embasada numa proposta espiritual, podendo ser
considerada como uma proposta que privilegia a questão dos valores e da ética nas escolhas
econômicas.
Os sujeitos produtivos da EdC são empresários, trabalhadores, até mesmo clientes e
fornecedores, e demais agentes empresariais, que buscam inspiração em princípios
fundamentados numa cultura diferente da pratica e da teoria econômica vigente. Essa cultura
pode ser definida como “cultura do dar” em antítese a “cultura do ter”.
O dar econômico é a expressão do “dar-se” no sentido de “ser”. Em outras palavras,
revela uma concepção antropológica que não é individualista e nem coletivista, mas de
comunhão. A “cultura do dar” não se confunde com filantropia nem com assistencialismo,
ambas, virtudes da abordagem individualista.
Considerando que a essência da pessoa é estar em comunhão, a EdC se caracteriza
como cultura de comunhão. As empresas são a espinha dorsal do projeto. Estas são empresas
inseridas no mercado, que adotam as formas jurídicas comuns, mas que, por decisão livre dos
74
O Movimento dos Focolares (do italiano: focolare = fogo-lareira, lar).
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seus titulares, se propõem destinar os seus lucros de acordo com critérios ditados pelo bem
comum.
Bruni (2011b) argumenta que essa nova cultura de comunhão é para ser uma nova
ordem econômico-social, que repensa e liga duas realidades hoje opostas no capitalismo: a
empresa e a pobreza. Nesse sentido, uma economia que mostre o perfil da comunhão e,
portanto, uma economia com perfil realmente humano.
Assim, diante dessa nova economia nos propomos a este estudo visando compreender
a sua forma de inserção entre as abordagens teóricas das Ciências Econômicas, relevando a
sua vertente ética. Posto isso, procuramos estudar a fundamentação dessa proposta, princípios
ético-filosóficos e fundamentos social e econômico, bem como o contexto de seu surgimento,
com o intuito de apreender a EdC enquanto práxis e retomada do debate ético na Economia.
2. Uma questão para a atualidade
O sistema econômico vigente, orientado cada vez mais para a produção de riquezas,
tem sido apresentado como produtor e reprodutor da desigualdade social. A pobreza e a
miséria são, portanto, consequências da concentração da riqueza nas mãos de alguns,
enquanto que a maioria não consegue satisfazer adequadamente suas necessidades básicas.
Nesse sentido, a pobreza está para além da insuficiência de renda e engloba outros aspectos,
como a falta de acesso a alimentos, à moradia, à proteção, à saúde e à educação.
Os desequilíbrios da concentração de renda entre países e entre classes sociais,
principalmente nos países periféricos, permanecem como um dos grandes problemas da
atualidade. As instituições econômicas, sociais, politicas e culturais que foram concebidas
nesse sistema reproduzem a desigualdade social e muitas vezes se amparam em um arcabouço
teórico econômico que traz modelos de desenvolvimento que reduzem a complexidade das
escolhas econômicas, desconsiderando o debate ético.
Também o processo de globalização nesse contexto capitalista que o mundo vem
vivenciando faz com que os mercados se tornem altamente competitivos de forma que pode
comprometer a sobrevivência de produtores pequenos que não possuem capitais suficientes
para manter-se. Segundo Sposati (1997), o processo de globalização dos mercados consiste na
disseminação de ideias neoliberais que têm, entre outros objetivos, o da unificação do capital.
O processo de globalização tem acarretado sérios problemas sociais e econômicos
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principalmente para os países que buscam o desenvolvimento como é o caso do Brasil.
No Brasil as consequências desse novo paradigma já podem ser notadas. Trata-se dos
vários desempregados que o País possui. Estes estão desempregados porque não tiveram
oportunidade de se inserir no mercado de trabalho ou foram expulsos deste por não terem a
capacitação desejada. Esses são alguns dos entraves para o desenvolvimento, que segundo
Bertucci (2010) está em crise. Afirma ele:
A expansão da atual concepção de desenvolvimento, compreendido como
crescimento econômico se expande a partir da metade do século XX, após a
Segunda Guerra Mundial, quando foi criado um clima favorável ao chamado
“desenvolvimentismo”, cujo carro-chefe era formado pela industrialização e
urbanização. O crescimento da economia, medido pelo aumento da
produtividade e da produção de riquezas, pela ampliação da capacidade de
consumo nas cidades e pela modernização tecnológica, na produção e nos bens
de consumo, virou sinônimo de desenvolvimento. (BERTUCCI, et al, 2010, p.
11)
No entanto, os indicadores econômicos e sociais marcam as fronteiras da pobreza e da
riqueza entre continentes, países e suas populações. Os modelos de desenvolvimento
capitalista hoje enfrentam crises, pois tratam-se de modelos que têm por base o aumento
constante da rentabilidade econômica e da competitividade nos mercados, desprezando os
aspectos sociais e fragmentando a relação economia-sociedade75. Sendo assim, os debates
teóricos e políticos em torno da dialética econômico-social se subdividem:
[...] em dois “partidos”: os que concebem o campo econômico e os mercados, como
construtores do campo social, e os que, ao contrário, consideram o campo
econômico em conflito endêmico com o social. A tradição da economia política
liberal está incluída no primeiro partido, enquanto a tradição sociológica no
segundo. Os teóricos da economia liberal (desde Adam Smith, no passado, a
Amartya Sen, na atualidade) consideram o mercado expressão da sociedade civil; o
desenvolvimento econômico, indicador do desenvolvimento social; a liberdade
econômica, pré-requisito de outras liberdades. [...] No lado oposto a essa primeira
tradição, encontramos autores que consideram os campos econômico e social
realidades conflitantes entre si. Essa tradição, que conta entre seus expoentes autores
muito diferentes entre si, como Marx e Polanyi, Weber e Simmel, considera a esfera
75
A visão da relação economia-sociedade típica da Economia de Comunhão (EdC) alinha com a tradição da
chamada economia civil, tradição que aprofunda suas raízes no pensamento clássico, no período medieval
cristão e no humanismo civil italiano (especialmente na escola napolitana do século XVIII, de Antonio
Genovesi), e age, por conseguinte, a partir de uma perspectiva radicalmente diferente das duas visões hoje
predominantes. A ideia central é olhar a experiência da sociabilidade humana e da reciprocidade dentro da
vida econômica normal; nem ao lado, nem antes nem depois. Ela afirma que os princípios outros, que não o
lucro e a troca instrumental, podem – querendo – encontrar espaço dentro da atividade econômica.
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econômica regida por princípios substancialmente em conflito com os princípios que
regem a esfera social. (BRUNI, 2011a, p.16-17).
Em diversos países, em períodos iguais ou distintos, na maioria dos casos nasceram
desse contexto, por razões de necessidade, iniciativas alternativas de organização do trabalho
ou de gestão visam garantir a subsistência e melhor qualidade de vida às pessoas
negativamente afetadas pelos rumos que foram tomados as nações das quais fazem parte.
Com isso, é possível pensar em outras possibilidades de organização da economia, que
não seja orientada pela ganância, pela sede de lucros que vão sendo acumulados e geram
desigualdade. Ainda segundo Bruni (2002):
Muito embora o individualismo da ciência econômica tenha sobrevivido e saído
fortalecido de todo gênero de crítica, um número sempre crescente de
economistas está insatisfeito com essa orientação da teoria econômica
predominante, porque houve uma tomada de consciência do fato que ter
expulsado da economia a dimensão relacional impede a compreensão de muitas
realidades e comportamentos econômicos. (BRUNI, 2002, p.47).
É possível, então, repensar a economia a partir de outros valores – da justiça, da
igualdade, da solidariedade. E esse não é só um convite de grupos de cristãos-católicos, por
exemplo, mas algo que vem sendo defendido por autores das Ciências Econômicas, como
Amartya Sen (1999). A economia, assim, pode ser também geradora de igualdades, desde que
seja orientada pela justiça social, que significa a partilha justa dos bens e recursos que possam
satisfazer as necessidades de todos e não apenas de alguns.
A economia pode ser uma alternativa de geração de emprego e renda para as pessoas
que acreditarem neste novo modo de ver a economia. Diante de um mercado globalizado,
altamente competitivo e individualista surge uma economia que coloca o homem no centro do
processo constituindo unidades produtivas alicerçadas na comunhão e na solidariedade.
É nesse cenário que se apresenta a EdC que tenciona promover uma visão do agir
econômico como compromisso para a promoção integral das pessoas e da sociedade, através
de ações e comportamentos inspirados na fraternidade. A EdC é uma variante da economia
social e da economia solidária; é um movimento que promove alternativas às tradicionais
relações econômicas, considerando a pessoa e o seu crescimento no centro da economia.
A EdC é uma proposta de geração de riqueza dentro do sistema capitalista. Ainda não
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é amplamente conhecida por todos, no entanto, para aqueles que têm contato com a mesma,
ocorre uma curiosidade e uma admiração por esta via que prevê um modo mais justo e
fraterno de ampliação da oferta de bens e serviços. Desde o seu nascimento, em 1991, por
ocasião de uma visita a São Paulo pela sua idealizadora Chiara Lubich, esta nova economia,
tem aumentado o numero de adeptos (empresários, empresas, associações, instituições
econômicas, intelectuais, estudantes, trabalhadores, consumidores, simpatizantes, pobres,
ricos e muitos outros). Mas, como surgiu essa novidade? Que ideal motivou esse novo jeito de
ver e fazer a economia?
A seguir apresentaremos de forma um tanto breve a gênese e o desenvolvimento da
proposta da EdC procurando fazer esta identificação descritiva sem descuidar de conferir ao
relato o necessário aprofundamento para que o leitor possa compreender a sua essência como
uma nova cultura econômica.
3. Economia de Comunhão: História e Profecia
A EdC é fruto da inspiração da sua fundadora Chiara Lubich (1920-2008), uma
italiana idealizadora de um carisma, o Movimento dos Focolares (MF) nascido em Trento na
Itália, em 1943, em meio da II Guerra Mundial. Em reuniões a beira de fogueiras com suas
amigas adolescentes, em um cenário de destruição provocado por bombardeios, Chiara teve a
intuição “sobre quem é verdadeiramente Deus: é Amor” (LUBICH, 2000, p. 37). Diante desta
intuição ela assumiu que postas em prática às palavras do Evangelho provocariam uma
revolução.
Ali mesmo começaram a fazer o que podiam. Preocupavam-se em ajudar o próximo,
encontrando refugio para os desabrigados, alimentos para quem tinha fome, se preocupando
sempre com os mais necessitados, fazendo comunhão de bens a fim de minimizar os efeitos
sobre as pessoas das consequências da guerra que se constituiu.
Assim, é possível perceber claramente na origem do Movimento dos Focolares seu
cunho religioso e social. Em 1962, o Movimento foi aprovado pela Igreja Católica76, com o
nome oficial de Obra de Maria, e em 1967 já era responsável por mil obras sociais no mundo.
76
Em 1962 acontece a primeira aprovação pontifícia ad experimentum. O papa João XXIII reconhece o
Movimento com o nome de Obra de Maria. Disponível em: http://www.focolare.org/pt/movimento-deifocolari/storia/>. Acesso em: 27 de Maio 2013.
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Apesar de ser um movimento católico, participam dele pessoas de diversas denominações,
inclusive pessoas sem vínculos religiosos, mas todas ligadas ao propósito de construir um
mundo unido e fraterno. Assim o diálogo inter-religioso também é um traço fundamental do
movimento. No Movimento existem pessoas das mais diversas crenças e convicções. Há
judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas, ortodoxos e muitos outros que resolveram viver
essa cultura da partilha e da unidade. Há também pessoas sem convicção religiosa, os
chamados ateus, que lutam juntamente com o movimento por um mundo de mais
solidariedade, justiça e paz.
Espalhando-se pelo mundo o MF chegou ao Brasil em 1958. Já no ano seguinte dois
centros de formação foram abertos em Recife e logo o movimento se espalhou por todo o
País. Atualmente, no Brasil há em torno de 55 bases do movimento, estando ele presente em
quase todas as capitais Brasileiras. A sede do movimento no Brasil é em São Paulo na cidademodelo (ou cidade-testemunho) Mariápolis Ginetta77, na região de Vargem Grande Paulista,
no Estado de São Paulo. Há ainda outras duas Mariápolis no País, a Mariápolis Glória em
Benevides, no Pará e a Mariápolis Santa Maria em Igarassu, no Pernambuco. Hoje, de acordo
com o site oficial o Movimento conta com mais de 2,2 milhões de adeptos entre membros e
simpatizantes espalhados por 182 países em todo o mundo.
O MF possui uma estreita ligação com o social. Frequentemente o movimento se reúne
para discutir assuntos ligados ao social com o intuito de fazer brotar novas ideias para tentar
minimizar as barreiras sociais. Surgidos nessa área existem pessoas das mais diversas
profissões e estes colocam suas capacidades intelectuais a serviço da organização e de todos,
afinal, o objetivo principal dos Focolares é divulgar a partilha em todas as suas dimensões.
Com isso, sociólogos, economistas, empresários e muitos outros profissionais discutem
questões a apresentam ideias para solução de problemas mundiais e locais.
No campo econômico o grande projeto deste movimento é sem dúvida a Economia de
Comunhão. Uma iniciativa desafiadora diante da realidade econômica do Brasil e do mundo.
A EdC, versão empresarial e econômica do Movimento, surgiu no Brasil em 1991. A ideia
central é a criação de empresas dirigidas por pessoas éticas, honestas e competentes, que se
77
As cidades-testemunho – Mariápolis permanentes - do Movimento dos Focolares são “laboratórios de uma
pequena cidade”, cuja lei fundamental é o Mandamento Novo de Jesus, o amor mútuo vivido entre todos. Elas
contêm todas as expressões da vida: trabalho, estudo, oração etc. Desejam ser um esboço de uma “sociedade
nova”, totalmente renovada pelo evangelho. Hoje existem trinta e três delas, nos cinco continentes.
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disponham, livremente, a partilhar parte dos lucros a serviço do bem comum.
É interessante saber, de forma mais precisa, como brota a ideia de EdC. A esse
respeito Chiara Lubich narra que enquanto atravessava a cidade de São Paulo para chegar na
comunidade do movimento, foi vendo de um lado prédios imensos e luxuosos, e, do outro, um
subúrbio e uma pobreza alarmante.
Aqui existe carência, sobretudo de amor verdadeiro e autêntico, especialmente se
pensarmos na “coroa e espinhos” (como o cardeal de São Paulo, D. Evaristo
Arns, fala do cinturão de pobreza e miséria da periferia), coroa que circunda a
cidade repleta de arranha-céus. É o grande problema destas terras em via de
desenvolvimento, um dos maiores problemas de nosso Planeta, pelo qual nós
poderemos fazer muito pouco. Mas, Deus Pai pode cuidar da solução. E também
pela nossa fé de filhos seus [...].(LUBICH, Apud. QUARTANA, 1992, p. 15).
Isso fez com que ela pensasse em como o movimento poderia ajudar para minimizar, e
quem sabe, extinguir essa desigualdade no Brasil e no mundo. Recorremos ao relato de
Quartana (1992), para conhecer o pensamento de Chiara, a fim de saber como se dá a
inspiração para idealizar a Economia de Comunhão:
Em 1900 São Paulo era uma cidade pequena. Agora é uma Floresta de arranhacéus. É grande o poder do capital nas mãos de alguns e tamanha é a exploração
dos outros. E pergunto: mas por que este poderio todo não se orienta para a
solução dos imensos problemas do Brasil? Porque falta amor ao irmão; o que
domina é o interesse, o egoísmo [...]. Que caricatura é o mundo sem Jesus
(LUBICH, Apud. QUARTANA, 1992, p. 15).
Diante da conjuntura de pobreza, que naquela época já assolava o cenário mundial e
motivada pela cena de enorme desigualdade social presenciada de modo pessoal e especifico
em São Paulo, a italiana Chiara Lubich, inconformada, decidiu lançar um projeto com
objetivo de colaborar para a diminuição das desigualdades sociais e a erradicação da miséria.
Esse projeto denominado Economia de Comunhão foi lançado em 29 de maio de 1991 na sede
do Movimento no Brasil, em São Paulo.
Compreende-se que este projeto tenha nascido justamente no Brasil devido às
desigualdades que este País possui. A conjuntura econômico-social que sofria, e sofre ainda
hoje o país, com uma intensa desigualdade social, tendo muito poucos ricos e milhares ou até
milhões de pessoas muito pobres corroborou a criação da EdC. O projeto Economia de
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Comunhão na Liberdade78, como também ficou conhecido inicialmente, consistiu numa ideia
de criar uma rede social que envolve empresas que destinassem parte do lucro aos pobres,
relacionando a atividade econômica à promoção da fraternidade entre os homens.
A inspiração da italiana é então objetivada na forma de intervenção econômica através
da criação e gerenciamento de empresas também capitalistas, mas diferenciadas daquelas já
existentes movidas exclusivamente pela ambição do lucro. Chiara Lubich propunha algo
viável economicamente, e não um estilo de produção utópica, conforme afirma:
Embora eu não seja especialista em problemas econômicos, pensei que poderiam
ser criadas, por pessoas do movimento, empresas que canalizassem capacidades
e recursos de todos para juntos produzirem riqueza, em prol dos que se
encontravam em dificuldade. Sua gestão deveria ser confiada a pessoas
competentes, capazes de fazê-las funcionar com eficácia e obter lucros
(LUBICH, 2002, p. 15).
Vemos, então, que a proposta inicial de Chiara de criar empresas e pólos produtivos e
anos depois um movimento cultural que desse “dignidade científica” à pratica das empresas,
dentro do sistema econômico vigente, não caiu no vazio: ela foi acolhida por milhares de
pessoas, na maioria dentro, mas, recentemente, também fora do Movimento dos Focolares;
pessoas e instituições que estão tentando fazer frutificar aquela semente lançada a 22 anos.
De acordo com relatórios mais recentes da EdC79, em outubro de 2012 havia 861
empresas das mais variadas dimensões: Europa 501 (das quais 242 em Itália); América do Sul
257; Estados Unidos e Canada 35; Ásia 25 e África 43. Segundo o site oficial da EdC, nos
últimos cinco anos 115 empresas decidiram aderir a esta ação econômica; 32 delas em 2012.
Esta nova cultura econômica visa apoiar um novo conceito do agir econômico, não apenas
utilitarista, mas orientando-se para a promoção integral e solidária do homem e da
sociedade80. Também já foram realizadas diversas teses acadêmicas e artigos científicos que
contribuem para a formação teórica de um projeto que nasceu da prática e da insatisfação
78
Costuma-se dizer que o projeto Economia de Comunhão se apresenta como uma experiência de liberdade, ou
seja, é totalmente livre a participação de uma empresa ou pessoa neste projeto. As medidas a serem tomadas e
coerência com o projeto depende do próprio indivíduo. (Ver. Bruni, 2002, p. 95).
79
Relatório Economia da Comunhão 2010/2011. Os dados sobre a destinação dos lucros, o censo das empresas
no mundo, a cultura de comunhão e uma sondagem sobre a Identidade da EdC, estão disponíveis na íntegra no
site: http://www.edc-online.org/br/quem-somos/partilha-dos-lucros/2186-il-rapporto-economia-di-comunione20102011-e-online.html
80
Disponível em: <http://www.edc-online.org/br/quem-somos/a-difusao.html> Acesso em: 05 Dez 2012.
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empírica com a desigualdade.
Os dados têm evidenciado a capacidade da “coragem carismática” da EdC em
enfrentar todos os desafios que tem se levantado na economia no decorrer da história a essa
proposta de um novo modelo econômico. Dessa forma vê-se a profecia de Chiara se
configurando na história, tendo condições de dar a sua contribuição ao bem comum dos
homens e mulheres de hoje (e de amanhã), difundindo uma nova cultura econômica dentro e
fora dos mercados.
3.1. Uma nova cultura econômica: EdC
Assim como o capitalismo necessita para o seu crescimento da acumulação constante
e crescente, a EdC necessita da formação e difusão de uma cultura que não seja pautada
puramente pelos princípios capitalistas, mas que traga uma distinção primordial.
Segundo Ferrucci (1998) e Mulatero (2001), a EdC busca ser uma resposta pacífica
aos desafios contemporâneos, especialmente o combate à pobreza, através da promoção de
uma nova cultura, pautada no uso moderado e na partilha dos bens (materiais e não materiais).
Os autores afirmam ainda que as empresas de EdC promovem a distribuição da riqueza
através de doações monetárias, criação de empregos, investimento em projetos de expansão,
compartilhamento de experiências e patentes entre as empresas que participam do projeto, e
financiamento para criação de novas empresas de EdC.
Na EdC, a cultura da partilha se contrapõe ao individualismo e à competição,
estruturando-se sobre relações baseadas em princípios de amor, solidariedade,
gratuidade e unidade em busca da consolidação dos bens relacionais capazes de
suportar as fragilidades do sistema econômico dominante. É nesse contexto que a
EdC contribui com seu modus operandi pautado no respeito ao ser humano,
colocando-o como centro da empresa. As firmas vinculadas à EdC "são empresas
privadas, inseridas no mercado, que salvaguardam a propriedade particular dos
bens, colocando o lucro em comunhão: uma visão humanista cristã do mundo
dos negócios" (LEITÃO e SPINELLI, 2008, p. 453).
Segundo Calliari (2000), a ideia inicial do projeto Economia de Comunhão,
denominado antes de “Projeto Brasil”, era ajudar os membros e simpatizantes do movimento
que estavam em necessidades. Neste sentido, Chiara propôs a ideia de formar pessoas com
uma capacidade de gestão que pudessem gerir empresas, no qual, gerariam impostos para a
região e o lucro seria partilhado em três partes: uma voltaria para a empresa na forma de
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reinvestimento, outra seria para a formação de “homens novos”, e a última para ajudar os
necessitados.
Chiara, ao deparar-se com a urgência de fazer algo para modificar aquela realidade
toma como exemplo aquilo que criou na Itália: o testemunho dos Focolares:
Naqueles primeiríssimos dias, a ideia delineou-se de modo mais preciso. O lucro
das empresas deveria ser colocado em comum, mas destinado a três objetivos
precisos: 1) para o desenvolvimento da empresa; 2) para a difusão da chamada
“cultura da partilha” e da comunhão; 3) para os pobres, primeiramente para
aqueles que frequentam as comunidades dos Focolares. (CHIARA, Apud,
BRUNI, 2011, p.27)
A primeira parte é altamente necessária para a manutenção da empresa que vive no
sistema capitalista e que precisa de recursos para operar, portanto, o reinvestimento se destina
a compra de matérias-primas e para manter um capital de giro que possa atender as
necessidades imprevistas da unidade produtiva.
A segunda parte destina-se à formação de “homens-novos”, compreende a formação
de pessoas que possam ter esse carisma da unidade do Movimento Focolares, ou seja, essa
parte do lucro serve para a difusão da Economia de Comunhão, de forma que o movimento
possa ter cada vez mais adeptos, dessa nova forma de pensar a economia e a sociedade. Tratase de desenvolver e espalhar por todo o mundo a chamada “cultura da partilha”.
A terceira parte consiste na preocupação que a EdC tem com os marginalizados pela
sociedade, ou seja, aqueles que não possuem vida digna e que, algumas vezes, já perderam a
esperança. Dessa forma, na empresa de Economia de Comunhão, os dirigentes e os
funcionários conversam e escolhem uma comunidade pobre para então ajudar seus integrantes
em suas necessidades. Essa é a parte principal do projeto, pois, de acordo com o site81, ao
longo desses vinte e dois anos de economia de comunhão, milhares de pessoas foram
ajudadas.
É preciso ressaltar que a ajuda aos mais necessitados não precisa ser necessariamente
financeira. O movimento não tem o objetivo de fazer filantropia. É algo que vai, além
disso.Segundo Bruni (2000), a proposta é fazer (re)nascer nessas pessoas a autoconfiança, a
solidariedade, e, consequentemente uma melhor qualidade de vida. Nesse caso, a ajuda pode
81
http://www.edc-online.org/br/
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ser através de cursos de alfabetização, mutirão de casas, fazer despertar na comunidade
carente uma atividade econômica que possa suprir as necessidades dos mesmos, enfim, não se
trata de um assistencialismo e, sim, de mostrar para essas pessoas que elas são capazes de, por
si mesmas, superarem as suas dificuldades.
Nessa tentativa de responder aos desafios contemporâneos, Gui e Bruni (2001) afirmam
que a EdC não entra em conflito com o capitalismo, sendo que a própria distribuição dos
lucros não é tida como algo revolucionário e novo. Para eles, o radicalismo da proposta
encontra-se nos aspectos antropológico e cultural, ao propor um modelo econômico pautado
na comunhão, amor, gratuidade e reciprocidade. Tais afirmações geram certa perplexidade:
não é contraditório afirmar que uma proposta que introduz tais conceitos não entre em
conflito com um modelo econômico pautado na acumulação, competição, instrumentalidade e
individualismo, como é o capitalismo?
A resposta é clara, pois a EdC, não perde de foco a realidade econômica na qual está
inserida. Indo ao encontro da principal finalidade do lucro em uma empresa capitalista
(maximizar a riqueza dos acionistas, além das duas tradicionais destinações dadas a ele:
distribuição para os acionistas e reinvestimento na empresa), a EdC pauta-se por uma nova
forma de partilhar o lucro, uma das principais suas características.
Contudo, não se trabalha somente para a obtenção do lucro ou o salário, como afirma
Ferrucci (1992), o objetivo maior é mudar a mentalidade dos indivíduos que trabalham
fazendo crescer entre todos, dirigentes e operários, uma comunhão em todas as dimensões.
Carvalho e Guareschi (2009), acrescentam que para a EdC, a busca pelo lucro não deve ser
vista como um fim em si mesmo ou tendo por objetivo apenas o enriquecimento do
empresário, mas como uma finalidade social, que deve ser gerado para depois ser distribuído
pela sociedade.
Nas empresas de Economia de Comunhão desenvolve-se uma cultura de maximização
das relações sociais e não de pura maximização do lucro como nas empresas puramente
capitalistas, ou que são guiadas por uma racionalidade utilitarista. O centro da empresa deve
ser o homem, portanto, o objetivo de abrir empresas com o espírito de comunhão é
exatamente fazer desenvolver-se naquele local e em outros uma relação entre as pessoas de
forma que possa nascer e desenvolver-se entre elas a fraternidade.
Para alcançar este objetivo foi criado um movimento internacional, em formato de
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rede social envolvendo empresas que se comprometem a gerar nova riqueza, criar postos de
trabalho, com criatividade e inovação, e partilhar seu lucro: uma parte para os mais pobres,
outra para a promoção de “homens novos”, que Lubich (2002) define como homens e
mulheres que formados numa nova cultura, poderão contribuir para a realização de uma
sociedade nova, renovada, mais justa e mais fraterna que valoriza a pessoa humana. E uma
terceira parte a ser reinvestida na própria empresa.
Os sujeitos produtivos da economia de comunhão são empresários, trabalhadores, até
mesmo clientes e fornecedores, e demais agentes empresariais, que buscam inspiração em
princípios fundamentados numa cultura diferente da pratica e da teoria econômica vigente.
Contudo, as empresas são a espinha dorsal do projeto. Estas são empresas inseridas no
mercado, que adotam as formas jurídicas comuns, mas que, por decisão livre dos seus
titulares, se propõem destinar os seus lucros de acordo com critérios ditados pelo bem
comum.
Essa cultura pode ser definida como “cultura do dar” em antítese a “cultura do ter”. O
dar econômico é a expressão do “dar-se” no sentido de “ser”. Em outras palavras, revela uma
concepção antropológica que não é individualista e nem coletivista, mas de comunhão. A
“cultura do dar” que também não se confunde com filantropia nem assistencialismo, ambas as
virtudes de abordagem individualista. A essência da pessoa é estar em comunhão. Portanto, a
EdC se caracteriza pela cultura de comunhão.
Bruni (2011b) argumenta que essa nova cultura de comunhão é para ser uma nova
ordem econômico-social, que repensa e liga duas realidades hoje opostas no capitalismo: a
empresa e a pobreza. De forma que mostre uma economia com perfil da comunhão e,
portanto, com um perfil realmente humano.
De acordo com Lubich (2000), a visão religiosa também é um traço marcante desse
projeto. A Economia de Comunhão é, também, antes de tudo, um projeto inspirado da ética
cristã. Essa visão religiosa é a que dá aos indivíduos um otimismo de que seus
empreendimentos podem dar certo, principalmente, entre os dirigentes das empresas que
acreditam na ação da Providência Divina na resolução de alguns problemas, como folha de
pagamento ou encomendas inesperadas. Atribui-se a isso a presença de Deus na empresa.
Essa atitude gera um ambiente de otimismo dentro da unidade produtiva. Por isso,
Lubich cunhou na base da economia de comunhão vínculos antecedentes com o Evangelho a
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serem afirmados na prática pelos empresários(as), trabalhadores(as) e membros da comissão
de EdC, que voluntariamente se integraram à proposta.
O quadro apresentado em seguida permite visualizar os fundamentos da economia
clássica e da economia de comunhão. Alertamos que o mesmo não tem caráter comparativo
tendo em vista o estatuto de ciência que detem a primeira.
QUADRO 1 - Fundamentos da Economia Clássica e da Economia de Comunhão
ECONOMIA CLÁSSICA
ECONOMIA DE COMUNHÃO
Adam Smith fundador da economia política Chiara Lubich fundadora da economia de
clássica. Um homem.
comunhão. Uma mulher.
Modo de produção de economia de
Modo de produção capitalista.
comunhão.
A linha original de continuidade entre ética
A linha de originalidade entre ética e
e
economia é retomada.
economia é interrompida.
O individualismo na base das relações
A solidariedade na base das relações
econômicas.
econômicas.
Cultura do ter.
Cultura do dar.
A racionalidade consiste na utilidade, na
A racionalidade consiste na doação e partilha
acumulação e em elevar ao máximo o lucro do lucro e pressupõe a personalização do
privado.
relacionamento e a felicidade humana.
Homo Economicus, Homo Consumérico
Homo doador. Solidário. Homo espiritual.
individualista, hedonista, egoísta.
Oposição entre bem individual e bem Não oposição entre o bem individual e o bem
social.
social.
O capital tem primazia em relação ao
O homem tem primazia em relação ao capital.
homem.
A relacionalidade incorpora sempre o A relacionalidade incorpora sempre o
elemento de condicionalidade.
elemento de gratuidade.
Prevalência da racionalidade substantiva, da
Prevalência da racionalidade instrumental. razoabilidade que segundo Aristóteles contém
Racionalidade do Eu.
elementos de sabedoria. Racionalidade do Eu
com Todos.
Os indivíduos não estão ligados uns aos
Os indivíduos estão ligados uns aos outros por
outros por nexos indivisíveis antes de
nexos indivisíveis antes de iniciar a troca.
iniciar a troca.
A cultura do ser para si.
A cultura do ser com o outro.
Apropriação do excedente privada e
Apropriação privada do excedente.
partilhada com dois atores beneficiários fora
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Foco na avaliação.
Esquecimento da premissa antropológica.
Empresa e sociedade.
Isenção de valores religiosos.
do processo produtivo.
Foco nos atores sociais.
Afirmação da premissa antropológica.
Empresa na sociedade.
Inclusão de valores religiosos.
Fonte: Revista Cadernos de Administração. nº 01 Jan/Jun 2008. Centralidade das empresas de economia de
comunhão. Adaptado do documento "Os quatro aspectos essências" produzido pelo Movimento dos Focolares.
Castelgandolfo, 5 de abril de 2001.
Esse modelo de economia, tendo em vista os muitos casos de sucesso, vem se
apresentado como viável. Bruni (2011a) aponta alguns casos que exemplificam essa temática,
haja vista que com a valorização do trabalho torna-se palpável uma interligação entre os
setores organizacionais.
Há muitas experiências a esse proposito. Por exemplo, há uma empresa italiana
cujos sócios, a fim de tornar visível a primazia da comunhão inclusive na
organização da empresa, perceberam a exigência de institucionalizar uma
reunião periódica com todos os componentes da empresa, de modo que, antes de
serem dirigentes, ou trabalhadores, eles sentissem uma relação de reciprocidade
(BRUNI, 2011 a, p.82).
Segundo Bruni (2000), a Economia de Comunhão faz nascer na Ciência Econômica
novas categorias que diferem de outras categorias já existentes dentro da Ciência. Uma delas é
a categoria comunhão:
A categoria comunhão apresenta-se, portanto, como algo diferente da troca de
equivalentes (de mercado). A doação, a reciprocidade e a solidariedade
emergem, neste contexto, como categorias explicativas da Economia de
Comunhão e, ao mesmo tempo, fornecem um paradigma de referência também
para o mais amplo movimento da economia civil (BRUNI, 2000, p.53-54).
Hoje este modelo de economia está presente em empresas de mais de 40 países dos
cinco continentes, atuando em praticamente todos os ramos de atividades, produção,
comércio, serviços, levando uma nova realidade para aqueles que aderem a este modelo
econômico. Dentre estas empresas, algumas estão inseridas em Polos Industriais (ou
produtivos). A ideia dos Polos Produtivos faz parte dos elementos básicos que compõem a
primeira intuição da EdC. São concebidos como um laboratório visível e ponto de referência
ideal e operativo também para as outras empresas do projeto. Existem polos empresariais na
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Argentina, Itália, Croácia, Bélgica e Brasil.
O Brasil, pioneiro do projeto, já apresenta mais de 140 empresas de Economia de
Comunhão e três polos industriais: o polo Gineta, em Recife (PE), Francois Neveux, em
Belém (PA) e o polo Spartaco, em Cotia (SP), a 50 km da capital. Estes polos podem ser
considerados como embriões de solidariedade e fraternidade aplicadas ao modelo de gestão
empresarial cuja centralidade é a cultura da partilha dentro e fora da empresa.
Há vários relatos que atestam que a Economia da Comunhão é eficaz e viável como,
por exemplo:
Uma empresária das Filipinas explicava porque a empresa de consultoria que ela
fundara para participar do projeto, deixando seu emprego num banco, tornara-se, em
cinco anos, a mais importante do Sudoeste da Ásia no seu setor: “Deus nos ajuda
porque temos muitos irmãos carentes a ajudar, crianças que, se não foram tratadas
logo, ficarão cegas [...]” (BRUNI, 2002, p.39).
A cultura da partilha é a cultura da doação, não um doar contaminado pelo poder, pelo
assistencialismo, pelo utilitarismo, pelo interesse privado, mas um doar gratuito sem a
expectativa de retribuição no qual as relações humanas são vividas como dom e não esperam
retribuição. Porém, há que se manifestar os conceitos de reciprocidade e as estruturas de
comunhão. Uma gratuidade de valores e de dons pessoais e não somente materiais (ARAÚJO,
2001, p. 39-48).
Com essa visão muitas empresas estão mudando o paradigma dominante e a ideologia
produtivista que lhe dá sustentação, ao se orientarem para uma forma de economia solidária,
de partilha. Essas empresas trazem em sua bagagem conceitual o germe da mudança. Talvez o
mais importante sobre elas seja estarem demonstrando o quanto pode ser feito quando se tem
vontade política para fazê-lo, diferenciando o que é factível da utopia a partir de uma
motivação de origem espiritual.
Uma vez que as empresas de Economia de Comunhão não buscam apenas o lucro, mas
um crescimento sustentável, que considere igualmente o meio ambiente, seus funcionários e
pessoas necessitadas da comunidade onde está inserida, os efeitos positivos se estendem para
fora de seus limites empresariais. O movimento de EdC pode adquirir, assim, dimensões de
fenômeno social. Porém, ao contrário de organizações filantrópicas ou assistenciais, que
atuam somente como iniciativas de cunho social, a Economia de Comunhão é uma tentativa
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de inserir o social no cerne da economia (SORGI, 1998, p.34).
3.2. EdC e Economia Solidária: uma distinção de necessária
Observa-se desde o final do século XX e início do século XXI, uma série de mudanças
que as relações econômicas, especialmente as relações de trabalho, vêm sofrendo, mas que
não chegam a superar o modo de produção capitalista, que continua central.
Carvalho e Guareschi (2009) afirmam que, nesse cenário, para legitimar e garantir a
reprodução das relações básicas de produção capitalistas, novas construções sociais,
ideológicas, políticas e religiosas (dentre outras), estão surgindo. Nesse contexto Apresentamse iniciativas que surgiram na sociedade a partir do século passado. Iniciativas que têm no
princípio da solidariedade a força motriz de sua implementação. Dentro dessa perspectiva,
dois modelos merecem ser discutidos e diferenciados: o da EdC cujo estudo é objeto deste
trabalho e o da Economia Solidária (ES).
A EdC oferece possibilidades para enfrentar os desafios que a atualidade impõe à
sociedade. Em conjunturas como essa é esperado que surjam alternativas para conceber a
economia de um modo diferente. A EdC também propõe uma maneira de reagir à situação
atual de mal-estar e aridez da economia capitalista, fundamentando-se no princípio de
solidariedade.
Neste sentido, a EdC mostra-se como uma filosofia empresarial que se materializa no
modo de gestão, onde as relações internas e externas se dão de modo a atuar a partilha, a ética
e o respeito frente aos agentes relacionados à empresa. Como foi explanado em outro
momento, ela nasce no Brasil, , em 1991, por inspiração de uma italiana, e, a partir de então,
foi adotada por empresários brasileiros e de diversos outros países que se identificaram com a
proposta. O que ela propõe, todavia, é uma nova mentalidade de gestão que pode fazer o meio
empresarial perder sua característica típica de acumulação, para evidenciar outras práticas,
como a da comunhão, necessárias aos dias atuais.
Para realizar esta proposta, a EdC investe na atividade laboral e a empresa se estrutura
com base na economia moderna. Além disso, se orienta no sentido de colocar em comum os
recursos disponíveis, revitalizados por homens dispostos a viverem o princípio da
solidariedade, abertos ao exterior em direção a uma economia a serviço da comunidade local e
mundial.
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A EdC vai além da proposta da comunhão de bens, porque trata-se da vivência desta
comunhão, não se limita mais a doá-los simplesmente, mas estes são colocados em circulação
na sociedade para que outros produzam com ele. Ela propõe a expressão econômica de uma
vida de comunhão concretizada nas relações econômicas, entre homens que doam livremente
em função do bem comum, os talentos, as capacidades empresariais, o profissionalismo ou o
próprio dinheiro.
A Economia Solidária, por sua vez, apresenta-se como um conceito ainda em
construção, divergente entre alguns autores ou interpretado de forma diferenciada, podendo
abranger um numeroso leque de atividades. Essa falta de coesão de seu conceito, todavia, é
visto como algo positivo, por ser a ES um ato de vontade de construir uma sociedade melhor
do que a que vem se apresentando. Assim é que Paul Singer (2005) entende a multiplicidade
de conceitos em torno da Economia Solidária como algo positivo, uma riqueza para a própria
conceituação; diz ele:
Temos o direito de conceber a Economia Solidária de acordo com nossos
princípios e de acordo com nossos valores. Por isso que há tantas concepções
diferentes de Economia Solidária. Eu acho essa diferença desejável. Eu acharia
uma perda se nós nos colocássemos agora em acordo e disséssemos ‘Economia
Solidária é isso e quem não achar isso está errado’ (SINGER, 2005, p.11) .
Singer (2002), sustenta que a Economia Solidária surgiu como modo de produção e
distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se
encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. Para Singer (2002) e
Santos (2002) o início da Economia Solidária é contemporâneo do capitalismo industrial na
Grã-Bretanha, recebendo influência dos socialistas utópicos, como Owen, justamente em
função da onda de desemprego que a industrialização causou na época. Este autor e alguns
outros, portanto, fazem referência às origens da ES como sendo coincidentes com a origem do
cooperativismo.
Alguns autores relacionam a ES com o cooperativismo remetendo-a para o início do a
no de 1844 com os chamados pioneiros de Rochdale – 28 tecelões de uma pequena cidade da
Inglaterra chamada Rochdale - os quais se juntaram e formaram uma sociedade cooperativa,
também embasada no pensamento dos chamados socialistas utópicos, entre eles Robert
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Owen82.
A unidade característica da Economia Solidária é a cooperativa de produção, onde os
princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as
utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o
número de cooperados não é grande) ou por representação, repartição da receita líquida entre
os cooperados por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação
do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os
cooperadores.
Nascendo em um contexto europeu de condições de trabalho precárias o seu início no
Brasil deu-se na década de 1980, desenvolvendo-se de modo mais expressivo a partir da
década de 1990.
A ES conquistou o interesse de estudiosos, do poder público e da sociedade civil,
mostrando-se hoje ao país de maneira mais articulada, por meio, inclusive, de uma Secretaria
dentro do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia
Solidária (SENAES). Ela visa, por meio de modos de organização de produção e de consumo
diferenciados, criar alternativas de melhores condições de vida, sobretudo para pessoas que se
encontram à margem do sistema, constituindo-se uma solução alternativa para o desemprego.
A EdC e a ES são duas propostas de cunho social e empresarial ao mesmo tempo, que
buscam a promoção do ser humano. Por terem objetivos semelhantes, assim como seus
próprios nomes que sugerem algo voltado para o social, a clareza a respeito de cada uma
dessas iniciativas muitas vezes é comprometida no meio acadêmico.
A partir da visão de Singer (2005) seria possível afirmar que a EdC estaria inserida no
contexto da ES, dada a flexibilidade do conceito de ES que o autor propõe. Todavia, o
conhecimento das duas iniciativas leva a uma análise diferenciada, afinal, academicamente
falando, essa singularidade dos termos e do que significam tem também a sua relevância.
Chiara quando lançou a EdC certamente não estava pensando em um movimento
82
Em meio à exploração dos trabalhadores pelos industriais, comum na época, entre os próprios industriais
destacaram-se alguns que tiveram uma visão diferenciada sobre o modo de se relacionar com os trabalhadores,
como Robert Owen. Ele decidiu limitar a jornada de trabalho de seus operários e passou a não aceitar crianças
trabalhando e ao invés disso as incentivou a estudarem. Esse seu modo de gerir sua indústria lhe trouxe
também maior lucratividade, pois aumentou a produtividade. Owen se transformou em um dos mais
importantes socialistas utópicos mediante a criação de várias comunidades industriais. Fonte: brasilescola.com
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datado anteriormente pela experiência dos pioneiros de Rochdale83, assim, ao invés disso, a
EdC nasceu da realidade brasileira dos anos 1990, que inclusive se assemelha em grande parte
com aquela presente nas origens da ES.
A Economia de Comunhão, por tudo o que já foi visto a respeito, tem sua origem igual
e distinta da ES ao mesmo tempo. Igual porque foi inspirada pela situação de pobreza
presente no Brasil, mesma problemática da Inglaterra na época, onde essa mesma situação
apresentava-se nas duras condições de trabalho às quais se submetiam os trabalhadores.
Distinta porque nasceu de dentro de uma comunidade, com uma filosofia própria que inspirou
a comunhão já vivida internamente nessa comunidade a estender-se ao meio empresarial.
Além disso, a forma do próprio empreendimento é distinta, uma vez que na ES
encontram-se o cooperativismo e a autogestão como umas de suas principais características. A
EdC, por outro lado, tem como base a empresa capitalista. Nela é o proprietário dos meios de
produção que tem a oportunidade de fazer algo, enquanto na ES são os próprios trabalhadores
que se organizam entre si. Enquanto a EdC propõe um modelo alternativo de gestão, a ES
propõe um modelo alternativo de organização da produção.
Algo a ser colocado em evidência é que a EdC e a ES, entre tantas outras iniciativas,
são, cada uma a seu modo e segundo seus próprios princípios, formas alternativas
que nossa conjuntura vêm forçando a existir, ou seja, o país passa por um momento
onde a sociedade civil se encontra no papel de pressionar o poder público e de fazer
ela mesma a sua parte para buscar formas alternativas de gestão e produção, que
propiciem às pessoas recuperar, em última instância, sua condição de cidadão.
(MARTINS, et al, 2006. p. 12)
Nesse sentido, surge uma questão: mas, uma empresa de Economia Solidária não é
também uma empresa de Economia de Comunhão e vice-versa? Até que ponto um modelo
não contém também o outro?
Segundo Bruni (2005), a Economia Solidária traz à tona um novo formato de
empresas, como o caso das cooperativas, que se caracterizam, principalmente, pelo fato de
83
Apesar de Singer remeter a origem da ES à Owen e aos demais autores denominados socialistas utópicos, ele
vê a ES como sendo não o fruto da criação intelectual de alguém, mas, segundo Singer (2003a, p.13) “a
Economia Solidária é uma criação em processo contínuo de trabalhadores contra o capitalismo”. O que a ES
condena no capitalismo, na visão do autor, é a ditadura do capital da empresa que dá ao empresário o direito
de tomar atitudes segundo sua vontade mesmo se em detrimento do trabalhador e de seu emprego. De fato, “a
empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a
base do capitalismo” (SANTOS, 2002, p.83).
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não terem fins lucrativos. A Economia de Comunhão por sua vez não propõe novas formas de
empresas, mas uma nova cultura que estimula a comunhão entre as pessoas na organização.
Na saída do processo o lucro gerado - perpetuando a perspectiva de comunhão, que não se
limita à organização - é colocado em comum com aqueles que não conseguem suprir suas
necessidades materiais e uma parte contribui com a difusão desta proposta em favor do bem
comum e formação de homens novos. Bruni acrescenta que se a comunhão não se tornar
cultura, não haverá qualquer esperança de a EdC durar no tempo.
Como se pode ver a Economia Solidária e a Economia de Comunhão nasceram da
identificação e necessidade de resolver o problema social, mas com estrutura e perspectivas
diferentes. Assim, as compreensões das especificidades, o alcance de cada uma dessas
iniciativas e a distinção de seus conceitos, pode assegurar a importância de cada uma e,
sobretudo, oferecer uma melhor compreensão da EdC a qual se quer evidenciar. Todavia, é
importante ajuntar que o objetivo não é de estabelecer qualquer tipo de hierarquia da
Economia de Comunhão, mas compreender melhor o tema proposto a fim de poder contribuir
para sua difusão e desenvolvimento.
4. Considerações Finais
Na EdC não se modificam as características e os princípios do capitalismo, mas
renova-se sua dimensão cultural para descobrir a verdade integral sobre o homem e permitir
assim se relacionar com o mesmo dinamismo econômico, porém com uma ética
autenticamente humana, que respeite a dignidade e liberdade do homem. Sendo a economia
uma ciência social, uma aproximação às questões éticas é de todo inevitável pelos teóricos da
economia.
Sen (2006), por exemplo, afirma que o empobrecimento das teorias econômicas
modernas se dá devido ao distanciamento entre economia e ética. A EdC instiga esse debate
ao reintroduzir a ética nas relações de produção, distribuição e consumo, retomada por muitos
economistas, fornecendo hoje para a Teoria Econômica a capacidade de exercer as atividades
que são pertinentes à Economia no que tange à produção de bens num ambiente ético e
harmônico, mostrando que é possível conciliar crescimento econômico e empresarial com
ética e solidariedade.
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ESTÁGIO CURRICULAR E CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: UM DEBATE
NECESSÁRIO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO
Alano do Carmo Macêdo84
Tatiana Raulino de Sousa85
Resumo
No âmbito da educação um tema amplamente discutido pelo serviço social, refere-se ao estágio supervisionado,
principalmente após ser sancionada a Lei 11.788/2008 de 25 de setembro de 2008, a aprovação da Resolução
Conselho Federal de Serviço Social nº. 533/2008 e da Política Nacional de Estágio (PNE) da Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nossas inquietações ocorrem devido ao trabalho
desenvolvido no Conselho Regional de Serviço Social - 3ª Região (CRESS/CE), junto a Comissão de Orientação
e Fiscalização (COFI), através dos processos de fiscalização do exercício profissional dos assistentes sociais.
Iamamoto (2009) apontava o Brasil com o segundo maior contingente de assistentes sociais, na época com 82
mil profissionais, sendo superando apenas pelos Estados Unidos da América (EUA). Dados do Conselho Federal
de Serviço Social (CFESS) relativos a setembro de 2012 apontam para um quantitativo de 121.234 assistentes
sociais aptos ao exercício profissional. Cabe aqui ainda expressar que, no XIII Encontro Nacional de
Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em novembro de 2012, foi problematizado que
vivenciamos historicamente, pela primeira vez, no serviço social brasileiro, um número de alunos em processo
de graduação (143 mil) superior ao quantitativo de profissionais em exercício (121.234). Diante dessa conjuntura
de mercantilização da educação, com o aumento descontrolado dos cursos de serviço social, que por sua vez
acentua a demanda por campos de estágio, temos enfrentado situações cada vez mais complexas de inadequações
desses campos. Este trabalho objetiva problematizar essa realidade complexa e contraditória do estágio
curricular supervisionado em serviço social.
Palavras-chave: Educação. Formação profissional. Estágio curricular .
1. Introdução
Desde os anos de 1990, vem ocorrendo, no Brasil, um processo de reestruturação do
Estado e desregulamentação das relações econômicas e sociais, produto da política neoliberal.
Esta reestruturação como destaca Boschetti (2007), ocorre em três áreas: nas funções típicas
onde se inclui segurança nacional, emissão de moeda, corpo diplomático e fiscalização; nas
políticas públicas, entre elas a educação; e no setor de serviços.
No âmbito da educação um tema amplamente discutido pelo serviço social, refere-se
ao estágio supervisionado, principalmente após ser sancionada a Lei 11.788/2008 de 25 de
84
Universidade Estadual do Ceará, Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social,
[email protected], (85) 8500-8585
85
Universidade Estadual do Ceará, Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social,
[email protected], (85) 8785-4686
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setembro de 2008, a aprovação da Resolução Conselho Federal de Serviço Social nº.
533/2008 e da Política Nacional de Estágio (PNE) da Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nossas inquietações com essa temática ocorrem
devido ao trabalho desenvolvido no Conselho Regional de Serviço Social - 3ª Região
(CRESS/CE), junto a Comissão de Orientação e Fiscalização (COFI), através dos processos
de fiscalização do exercício profissional dos assistentes sociais.
No contexto sinalizado anteriormente por Boschetti (2007), verificamos profundas
mudanças no exercício e formação profissional, identificadas com a precarização das
condições de trabalho, provocando mudanças no perfil da categoria, bem como uma intensa
privatização do ensino superior, centrada na abertura desenfreada de vários cursos de
graduação em serviço social nas modalidades presencial e à distância, e consequentemente,
uma exponenciação na demanda por campo de estágio.
Iamamoto (2009) apontava o Brasil com o segundo maior contingente de assistentes
sociais, na época com 82 mil profissionais, sendo superando apenas pelos Estados Unidos da
América (EUA). Dados do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) relativos a setembro
de 2012 apontam para um quantitativo de 121.234 assistentes sociais aptos ao exercício
profissional. Ou seja, em três anos houve um aumento de aproximadamente 50% no número
desses profissionais. Cabe aqui ainda expressar que, no XIII Encontro Nacional de
Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), realizado em novembro de 2012, foi
problematizado que vivenciamos historicamente, pela primeira vez, no serviço social
brasileiro, um número de alunos em processo de graduação (143 mil) superior ao quantitativo
de profissionais em exercício (121.234).
Mediante o levantamento de dados estatísticos do ano de 2012, realizado pela COFI do
CRESS/CE, observamos a existência de 22 unidades de ensino superior que oferecem o curso
de serviço social no Estado do Ceará. Dessas, 14 ocorrem na modalidade presencial 86 e oito
86 IES Presenciais: Universidade Estadual do Ceará (UECE); Faculdade do Vale do Jaguaribe (FVJ); Faculdade
de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio (FLS); Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará (IFCE) – Campus Iguatu; Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO); Faculdade Vale do
Salgado (FVS); Faculdade Kurios (FAK); Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA); Faculdade Teológica
e Filosófica (RATIO); Faculdade de Fortaleza (FAFOR); Faculdade Cearense (FAC); Faculdade Terra Nordeste
(FATENE); Faculdade Princesa do Oeste (FPO) e Faculdade Maurício de Nassau de Fortaleza (FMN Fortaleza).
Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 04/12/2012.. Consulta realizada no endereço:
emec.mec.gov.br em 30/03/2013.
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na proposta de educação à distância (EAD)87. Dados do CRESS/CE obtidos dos mapeamentos
dos campos de estágio apontam unidades na modalidade EAD em pelo menos 20 dos 184
municípios do Ceará. Isso revela que 11% dos municípios do Estado possuem cursos de
graduação em serviço social nessa proposta de educação.
Em uma análise mais detalhada desses dados, com relação às instituições presenciais,
constatamos que sete estão localizadas em Fortaleza, uma na Região Metropolitana e as
demais estão em outros municípios cearenses, a saber: Aracati, Crateús, Icó, Iguatu, Juazeiro
do Norte e Sobral. Observamos ainda que, destes 22 cursos, apenas dois são oferecidos por
instituições públicas, sendo: Universidade Estadual do Ceará (UECE), cujo curso completou
60 anos de existência em 2010; e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará (IFCE) – Campus Iguatu, tratando-se de grande conquista para a nossa categoria na
defesa do ensino de qualidade, laico, público e presencial.
Dados do CRESS/CE revelam ainda que até o ano de 2009 todos os assistentes sociais
formados no Ceará eram oriundos da UECE, situação totalmente alterada pelo contexto
contemporâneo em razão das implicações ocasionadas pela eclosão de outras instituições de
ensino. Para corroborar esta informação, no ano de 2010, temos a Faculdade Doutor Leão
Sampaio que formou a primeira turma de assistentes sociais proveniente de unidade de ensino
particular no Estado federativo do Ceará. Importa expressar que outras instituições, nos anos
subsequentes, já disponibilizaram, no mercado de trabalho, profissionais com graduação em
serviço social, a saber: INTA, UNOPAR, UNITINS e UNIDERP. Os dados apontam ainda,
parafraseando Iamamoto (2009), para a formação de um crescente “exército de reserva” de
assistentes sociais, ao constatarmos que em 2010 o CRESS/CE realizou a inscrição de 362
novos profissionais em serviço social, dado que foi superado em 2011 pelo quantitativo de
642, ampliado em 2012 pelo pleito de 696, chegando, até março de 2013, a 304 inscritos aptos
ao exercício da profissão.
Constatamos que a precarização da formação superior e o crescimento desordenado e
sem critérios de cursos de serviço social se expressam hoje como o centro das atenções e
87 IES EAD: Universidade Estácio de Sá (UNESA); Universidade Norte Paraná (UNOPAR); Universidade
Paulista (UNIP); Universidade Luterana do Brasil (ULBRA); Universidade Anhanguera Uniderp (UNIDERP);
Universidade do Tocantins (UNITINS) (foi descredenciada pelo MEC, mas ainda está em processo de estágio);
Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES); Centro Universitário do Instituto de Ensino Superior COC
(COC). Consulta realizada no endereço: emec.mec.gov.br em 01/09/2013.
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preocupações de todas as entidades de defesa da categoria. Verificamos, por outro lado, que
estas expressões contemporâneas têm impactos deletérios nas condições cotidianas de
trabalho do assistente social, na medida em que aumenta a demanda por benefícios e serviços
exponencialmente com o aumento da desigualdade e da pauperização absoluta e relativa, no
mesmo passo em que diminuem as condições de atendimento físicas, éticas e técnicas,
incluindo-se impactos, também, na remuneração (BEHRING, 2009).
Diante dessa conjuntura de mercantilização da educação, com o aumento
descontrolado dos cursos de serviço social, que por sua vez acentua a demanda por campos de
estágio, temos enfrentado situações cada vez mais complexas de inadequações desses campos.
O Conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e Executiva Nacional de Estudantes de Serviço
Social (ENESSO) apontam o estágio supervisionado como “nó górdio”, em especial na
modalidade EAD, ressaltando ser este o alvo do maior quantitativo de denúncias que chegam
a estas entidades. Das inúmeras denúncias destacamos: a quantidade de alunos que ultrapassa
o permitido pela Resolução do CFESS nº. 533/2008 para cada profissional que atua como
supervisor de campo; o descumprimento da orientação da Política Nacional de Estágio quanto
ao número de alunos por supervisor acadêmico; o exercício ilegal da profissão; a supervisão
de campo à distância; a ausência do acompanhamento sistemático da supervisão acadêmica,
entre outras.
Diante do exposto, este trabalho objetiva problematizar essa realidade complexa e
contraditória do estágio curricular supervisionado em serviço social, enfocando suas bases
legais e os desafios postos a esse cenário contemporâneo.
2. Estágio curricular em serviço social no contexto de crise capitalista.
As configurações atuais do estágio supervisionado em serviço social nos inquietam
com a necessidade de aprofundar o debate em torno desse tema de fundamental importância
para a formação profissional. Nesse sentido, a legislação tem papel essencial, em destaque: as
diretrizes curriculares, a lei de estágio e a resolução de estágio, conforme introduzimos
anteriormente.
As diretrizes curriculares do curso de serviço social são resultantes de um vasto e
ordenado debate promovido pelas unidades de ensino ocorrido de 1994 a 1996, período no
qual foram realizados, de acordo com dados da ABPESS (1996, p.2), “aproximadamente 200
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(duzentas) oficinas locais nas 67 (sessenta e sete) unidades acadêmicas filiadas à ABEPSS, 25
(vinte e cinco) oficinas regionais e duas nacionais”.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9. 394,
datada de 20 de dezembro de 1996, as diretrizes curriculares passam a ter como uma das
atividades indispensáveis integradoras do currículo o estágio supervisionado, definido como,
uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno
no espaço sócio-institucional, objetivando capacitá-lo para o exercício profissional,
o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão será feita pelo professor
supervisor e pelo profissional do campo, através da reflexão, acompanhamento e
sistematização, com base em planos de estágio elaborado em conjunto pelas
unidades de ensino e organizações que oferecem estágio (BRASIL, 1996) .
A Lei nº. 11.788/2008 trouxe possibilidades para a compreensão e realização de
estágio, referendando esta atividade como parte inerente do projeto pedagógico do curso,
além de compor o processo de formação do educando. Dessa forma, o estágio é definido
como ato educativo escolar supervisionado,
desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho
produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições
de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação
especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da
educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008).
Consideramos que, a lei responsável pela regulamentação do estágio no Brasil,
representa do ponto de vista acadêmico um respaldo legal para todos os alunos que buscam
um estudo prático na área de seu curso, tendo em vista a possibilidade de deslegitimar as
funções que fogem das competências do seu campo acadêmico.
Destacamos também a imprescindível vinculação que deve haver entre a formação
teórica do estagiário e a suas atividades de estágio, possibilitando a articulação entre teoria e
prática no processo de formação profissional.
Cabe pontuar que a legislação específica, ao regulamentar as atuações das supervisões
de campo e acadêmica, viabilizou para além de um estágio normatizado, contribuiu para que
os processos de fiscalização ocorressem de forma mais consistente, uma vez que, como afirma
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Buriolla (2008), a base legal sobre estágio, seja na dimensão geral ou especifica, atribui, na
sua execução, um caráter de “proteção” e de formação prática ao aluno.
Múltiplas questões despontam frente ao cenário contemporâneo, e os desafios relativos
ao estágio se multiplicam na mesma proporção que os novos cursos de serviço social
proliferam, entre as quais podemos destacar: dificuldade quanto à entrega do plano de estágio
pela supervisão acadêmica e de campo; o aumento do número de cursos de serviço social
rebate no crescimento do quantitativo de estagiários por supervisor de campo; estagiário
cumprindo horas referentes a dois níveis num único semestre; mesmo profissional
desempenhando os papéis de supervisor de campo e acadêmico junto ao mesmo estagiário.
Outras situações se referem aos profissionais que são ameaçados de perder o emprego
caso não aceitem supervisionar estagiário, sendo frequentemente constrangidos pelos
“responsáveis” das IES, prefeitos, secretários e empresários de alguns dos municípios,
desrespeitando a legislação pertinente e utilizando do estágio como moeda de troca,
fortalecendo o “jogo” de interesses e a troca de favores.
Tal como assinala Buriolla (2008) a questão da supervisão se destaca como uma
situação cada vez mais complexa e polêmica, sendo identificada nos casos já mencionados.
Objetivando sanar algumas situações irregulares o CFESS aprovou a Resolução nº. 533/2008,
sendo produto de um debate amadurecido pela categoria, tendo como foco a relação entre
Política Nacional de Fiscalização e o estágio supervisionado em serviço social. Sua
elaboração foi justificada, considerando, dentre outros aspectos
[...] que a norma regulamentadora, acerca da supervisão direta de estágio em Serviço
Social, deve estar em consonância com os princípios do Código de Ética dos
Assistentes Sociais, com as bases legais da Lei de Regulamentação da Profissão e
com as exigências teórico-metodológicas das Diretrizes Curriculares do Curso de
Serviço Social aprovadas pela ABEPSS, bem como o disposto na Resolução
CNE/CES 15/2002 e na lei 11.788, de 25 de setembro de 2008; a necessidade de
normatizar a relação direta, sistemática e contínua entre as Instituições de Ensino
Superior, as instituições campos de estágio e os Conselhos Regionais de Serviço
Social, na busca da indissociabilidade entre formação e exercício profissional; a
importância de se garantir a qualidade do exercício profissional do assistente social
que, para tanto, deve ter assegurada uma aprendizagem de qualidade, por meio da
supervisão direta, além de outros requisitos necessários à formação profissional; que
a atividade de supervisão direta do estágio em Serviço Social constitui momento
ímpar no processo ensino-aprendizagem, pois se configura como elemento síntese
na relação teoria-prática, na articulação entre pesquisa e intervenção profissional e
que se consubstancia como exercício teórico-prático, mediante a inserção do aluno
nos diferentes espaços ocupacionais das esferas públicas e privadas, com vistas à
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formação profissional, conhecimento da realidade institucional, problematização
teórico-metodológica (Resolução CFESS nº. 533 de 29/09/2008).
O Conjunto CFESS/CRESS tem oportunizado consideráveis avanços com a Resolução
nº. 533/2008, principalmente com relação a postura profissional dos supervisores de campo,
uma vez que, considerando os atos normativos, esses profissionais estão adequando a
supervisão ao que está previsto na referida resolução. Entendemos ainda que esse é um
trabalho conjunto entre as unidades de ensino e a unidade campo de estágio, devendo ser
articulado para viabilizar condições efetivas de diálogos. São dilemas postos pela própria
dinâmica do exercício profissional do assistente social frente à uma lógica neoliberal,
compreendendo os avanços e desafios que vão além de ter uma supervisão qualificada ou ter
um supervisor, tanto acadêmico ou de campo que atenda as questões da formação.
A ABEPSS (2011, p.13) delineou uma política nacional de estágio na esfera do
serviço social “entendendo-a como fundamental para balizar os processos de mediação
teórico-prática na integralidade da formação profissional do assistente social”. Destacamos
que esta política foi produto de uma construção coletiva, que teve início em maio de 2009
com o lançamento do “documento-base”, que fundamentou o amplo debate na categoria.
A concepção dessa política conseguiu realizar grande mobilização em todo o Brasil.
Em 2009, foram realizados 80 eventos, com a presença 175 unidades de formação e
participação de 4.445 profissionais. Outros dados são ressaltados pela ABEPSS como “o
relatório da pesquisa avaliativa da implementação das Diretrizes Curriculares do Curso de
Serviço Social”, que indicava a necessidade de elaboração de uma política nacional de
estágio. Ramos (2007, p.17) já apontava o imperativo de problematizar algumas questões,
como
[...] a reflexão sobre a relação da quantidade de estudantes estagiários por
supervisores e a qualidade do processo pedagógico; necessidade de ampliação dos
fóruns de supervisores de estágio,sobretudo nas IES públicas; o aprofundamento da
articulação das UE's com os CRESS em relação à supervisão de estagiários
vinculados a cursos de graduação à distância em Serviço Social [...] dentre outras.
Consideramos o contexto como instigante para a discussão sobre o estágio
supervisionado em serviço social, como está posto pela ABEPSS (2011, p.19) ao destacar o
debate do estágio “como estratégia na defesa do projeto de formação profissional em
consonância com o Projeto Ético-Político do Serviço Social”.
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Corroboramos com a posição de Guerra (2009) ao reforçar a importância da
articulação das unidades de formação com os CRESS e em especial com a Comissão de
Orientação e Fiscalização e os agentes fiscais, a fim de almejar uma construção coletiva que
enfrente os desafios pertinentes quando do estágio supervisionado, garantindo a qualidade na
formação pautada na luta histórica do serviço social delineada ao longo dos anos.
3. Reflexões Finais
Atualmente somos desafiados por uma elava demanda de questões provenientes do
tema por ora encetado. Contudo, percebemos que a realidade em sua dinâmica complexa tem
exigido uma postura mais contundente das instituições diretamente imbricadas nos processos
de estágio em serviço social. Identificamos que, com o avanço no aparato legal, a postura das
unidades de ensino e das instituições cedentes de campo de estágio tem avançado no sentido
de dar respostas em consonância ao que prevê o arcabouço normativo.
Como destaca Guerra (2009, p.532), “a supervisão em Serviço Social aparece como
uma atribuição profissional desde a primeira versão da lei de regulamentação da profissão,
que data de 1952, sendo aprovada em 1957”. Dessa forma, se constitui em objeto de pesquisa,
produção teórica e constante debate.
A promoção de fóruns junto aos supervisores tem propiciado um espaço de
socialização de estratégias diante de um contexto deveras desafiante, conforme já pontuamos
anteriormente. Cabe o registro do crescente quantitativo de profissionais que tem aderido ao
evento com participação ativa nos debates. É importante ressaltar que os fóruns estão
acontecendo via CRESS, mas também oportunizado pelas unidades de ensinos públicas e
privadas presenciais.
Destacamos a identificação de avanços e desafios nessa arena contemporânea.
Consideramos que a criação da Resolução CFESS nº. 533/2008 e da PNE da ABEPSS
visibilizaram e estimularam as demandas em prol da fiscalização das condições do estágio. Os
desdobramentos das situações são complexos e demandam estudo, aprofundamento e
discussão com a equipe da COFI, gerando orientação junto ao conjunto CFESS/CRESS, além
de trabalho articulado com a ABEPSS, Comissão Permanente de Ética, assessoria jurídica e
Grupo de Trabalho e Formação Profissional via CRESS.
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Consideramos central este debate no seio da categoria profissional, em prol de uma
formação crítica e de qualidade que esteja articulada com os valores, princípios e diretrizes do
Projeto Ético-Político. Refletir sobre o estágio supervisionado em serviço social nos
possibilita articular as dimensões do fazer profissional nos aspectos teórico-metodológico,
ético-político e técnico-operativo, oportunizando, aos estudantes em processo de formação,
um pensar crítico-reflexivo em prol da concatenação entre teoria e prática, negando a máxima
que historicamente esteve presente na categoria, qual seja, “na prática a teoria é outra”.
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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE PRODUÇÃO E SEUS REFLEXOS
SOBRE A DESREGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL – ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Rosane da Silva Valois88
Isabela da Silva Valois89
RESUMO: A desregulamentação do trabalho no mundo tem suas raízes fincadas no período clássico,
quando a manufatura se desenvolvia, destituindo o trabalhador de seus instrumentos de trabalho, e
mesmo do conhecimento dos processos de produção, quando foi introduzido o parcelamento de
produção ou especialização das atividades produtivas. Tal processo é indissociável da exploração do
trabalhador, que se vê à mercê das transformações e seus rebatimentos sobre o modo de produzir que,
ao longo da evolução dos ciclos capitalistas e das mudanças nos padrões de demanda; vai do completo
conhecimento dos processos produtivos, à ultra especialização das atividades, passando para a
polivalência máxima do trabalhador. Nesse contexto, através do resgate histórico dos modelos de
processo de produção do trabalho segundo Marx, Taylor, Ford e Toyota, este artigo pretende verificar
como as mudanças nos modelos paradigmáticos de produção afetaram o mundo do trabalho e como
contribuíram para a desregulamentação do trabalho no Brasil.
Palavras-chave: Trabalho; Capitalismo, Desregulamentação.
1. INTRODUÇÃO
A busca pela máxima utilização do trabalho remonta ao período clássico dos estudos
econômicos, quando o capitalismo ainda firmava suas bases. Com sua consolidação,
observou-se que os movimentos de expansão (recuperação) e refreamento (recessão)
econômico provocaram oscilações desarmônicas entre os produtos potencial e real,
configurando
hiatos
característicos
de
um
crescimento
cíclico.
Assim,
modelos
paradigmáticos de produção surgem da tentativa de dar sobrevida ao sistema econômico
capitalista, quando este se insere num contexto de crise, de modo que as formas de exploração
das riquezas pelo capital através da reestruturação produtiva são resultados da evolução
histórica dos processos de produção capitalista (ANGELI, 2008).
88
Graduanda em Direito, Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88) 8142-0768, e-mail:
[email protected]
89
Professora Substituta do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA, Tel. (88)
3521-1397, e-mail: [email protected]
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Nesse sentido, as mudanças ocorridas no processo trabalho desde a produção artesanal
e os estágios da manufatura e maquinaria, até as transformações mais recentes, envolvendo os
modelos de produção taylorista e fordista, até os métodos de acumulação flexível, como o
toyotismo, contribuíram de forma fundamental para acelerar o processo de desregulamentação
do mercado de trabalho (ou desregulação do trabalho), passando pela desapropriação dos
instrumentos de trabalho, até a destruição e reconstrução das habilidades intelectuais do
trabalhador, culminando com a precarização das relações trabalhistas, intensificada
principalmente a partir da década de 1970, num contexto de crescente globalização da
economia, quando na tentativa de reorganizar o capital, as ideologias neoliberais ganharam
força, através das privatizações e desregulamentação dos direitos trabalhistas, flexibilização
do trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo.
Este artigo realizado com base em pesquisa bibliográfica tem o objetivo de verificar os
rebatimentos das transformações dos modelos produtivos sobre o mercado de trabalho, e se
divide em dois capítulos além da introdução e conclusão. No primeiro capítulo é descrito a
evolução histórica dos processos de trabalho, começando por Marx e sua visão sobre
cooperação, manufatura e maquinaria; passando pela administração científica de Taylor; pela
ultra especialização do trabalho no fordismo; e alcança as bases da acumulação flexível,
tomando como exemplo o Toyotismo. No capítulo seguinte, são feitas algumas considerações
sobre o rebatimento dos modelos reestruturantes de produção sobre o mercado de trabalho no
Brasil, pela ótica da desregulamentação do modo de trabalho.
2. PROCESSOS DE PRODUÇÃO E TRABALHO E SUA EVOLUÇAO HISTÓRICA
2.1 CONSIDERAÇÕES DE MARX
2.1.1 Cooperação90
Para Marx, a produção capitalista efetivamente começa quando trabalhadores
deixam de trabalhar para si mesmo e passam a vender sua mão-de-obra detentores dos
meios de produção. Pela soma desta força de trabalho forma-se uma espécie de
aglomeração que irá produzir de maneira cooperativa.
90
É importante destacar que, num período anterior à Marx, as questões da Cooperação, da divisão e
especialização do trabalho, já haviam sido discutidas por Adam Smith. Porém, o corte metodológico dado nesta
pesquisa tem o propósito de fazer um breve histórico da evolução da organização do trabalho, e não da evolução
do emprego nas diferentes escolas do pensamento econômico.
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Mas a cooperação, para Marx (1994), não tem o sentido de uma aglomeração de
trabalhadores produzindo para si e dividindo o lucro da venda entre os cooperados.
Cooperação é antes o emprego simultâneo de um grande número de trabalhadores
desenvolvendo processos de produção de maneira coordenada.
Essa organização surgiu a partir da idéia e da observação de que uma certa quantidade
de trabalhadores reunidos produzem mais e mais rapidamente do que produziriam a mesma
quantidade de trabalhadores, trabalhando individualmente em todos os processos produtivos
de um produto. Ou seja, a cooperação contribui para que se alcance um resultado que nenhum
homem isolado poderia alcançar, dado que o trabalho combinado dos diferentes trabalhadores
(trabalho coletivo) não corresponde ao trabalho produzido pelo trabalhador individual, dado
que há elevação da força produtiva individual através de uma nova força produtiva – a força
coletiva. A cooperação também eleva a produtividade em escala, além de intensificar a
redução dos custos.
Embora não constitua nenhum modo de desenvolvimento da produção capitalista dado
que o processo de trabalho ainda se conserva em nível artesanal.
2.1.2 Manufatura
A manufatura se desenvolveu de meados do século XVI ao final do século XVIII, a
partir da concentração de trabalhadores produzindo sob o comando de um mesmo capitalista.
Tendo que em seu início era realizada pela reunião de trabalhadores que executavam
diferentes operações independentes, trabalhando o produto até seu acabamento final, com o
passar do tempo, tornando-se um sistema com produção dividida em diversas operações
especializadas, em que os trabalhadores executavam a mesma e única tarefa e a soma dos
trabalhos parciais gerava o produto final.
Para Marx, a manufatura era caracterizada através de duas formas: a manufatura
orgânica (onde o artigo era passado de uma mão para outra e cada mão deixava impresso nele
um trabalho parcial que a cada artesão, ia se completando até que alcançasse o último
operário, o qual o transformaria em um produto pronto); e a manufatura heterogênea (onde a
produção era fracionada em vários processos que exigiam tempos desiguais de trabalhos
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1887
parciais, embora combinados em determinada proporção e força de trabalho com diferentes
graus de formação, permitindo estabelecer uma hierarquia na escala salarial).
A manufatura inicializou a divisão do trabalho, transformando o operário ‘‘num
trabalhador que, sua vida inteira, executa uma única operação transformando seu corpo em
órgão automático e especializado’’ (MARX, 1994, p.381).
Nesse estágio a exploração do trabalhador se traduz na destituição do conhecimento
total das etapas de produção, e na aceleração das atividades em que se imprime cada vez
menos tempo de trabalho em um nível cada vez maior de produto.
2.1.3 Maquinaria
A partir do século XVIII, com a Revolução Industrial e a incorporação das inovações
tecnológicas, que dispensavam grande parte do trabalho manual, as máquinas começaram a
ter um papel de destaque nos processos produtivos. Nesse estágio, as operações que cada
operário deveria realizar foram simplificadas ao extremo e o trabalho humano aderiu
características secundárias de apenas corrigir manualmente o erro das máquinas, manuseá-las
e observar seu funcionamento, cabendo agora às máquinas, a atividade de transformar matéria
prima em produto.
Na produção mecanizada desaparece o princípio subjetivo da divisão do trabalho.
Nela o processo por inteiro é examinado objetivamente em si mesmo, em suas fases
componentes e o problema de levar a cabo cada um dos processos parciais e
entrelaçá-los é resolvido com a aplicação técnica da mecânica, da química etc. [...]
Na manufatura, o isolamento dos processos parciais é um princípio fixado pela
própria divisão do trabalho; na fábrica mecanizada, ao contrário é imperativa a
continuidade dos processos parciais. (MARX, 1994, p. 433)
Na manufatura enquanto o fundamento do processo de produção era a habilidade
profissional do trabalhador, na indústria moderna, passa a ser o instrumento do trabalho, que
se converte em maquinaria.
Esse processo acarretou a desqualificação da mão-de-obra operária, fazendo com que
cada operário fosse responsável por uma parcela cada vez menor e mais simples do processo
de produção e deste modo, surgisse, mais rapidamente, uma quantidade maior de pessoas
prontas para assumir um posto de trabalho. Nesse momento, em que a maquinaria acabou por
tornar dispensável a força muscular do trabalhador masculino (sendo substituída pela força
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motriz mecânica, a vapor ou hidráulica), abriu-se espaço ao trabalho feminino (e ao infantil)
nas primeiras indústrias desvalorizando a mão de obra e aprofundando a desigualdade de
remuneração entre os gêneros.
Na verdade, as máquinas além de reestruturarem todo o processo produtivo, buscando
recompor a taxa de lucro do capital, ao mesmo tempo em que gera uma profunda
desagregação das classes menos favorecidas, impedindo a organização dos trabalhadores em
partidos, sindicatos e associações, para enfrentarem as investidas do capital, contribuíram
muito mais para aumentar a mais valia, do que para reduzir o tempo de trabalho humano,
expondo mulheres e crianças à exploração capitalista, aumentando a jornada de trabalho além
dos limites humanos.
Com o passar do tempo, a intensificação do trabalho provocou reação da sociedade
que, depois de muitas manifestações, conseguiu com que a jornada fosse legalmente limitada
entre 1844 e 1850. Mesmo assim, já que para os capitalistas essa medida trazia prejuízo aos
lucros, o trabalho continuou intenso dado que, os capitalistas passaram a exigir do trabalhador
mais dinamismo e maior velocidade de trabalho num período mais curto, prejudicando a
saúde do operário e, por conseqüência, a própria força de trabalho, mas elevando a
produtividade ao mesmo nível do período anterior à limitação da jornada.
A maquinaria também precarizou as relações de trabalho e destruiu a segurança que o
trabalhador artesanal ou manufatureiro tinha, transformando e alocando a mão-de-obra das
indústrias em cargos perfeitamente rotativos sem interromper o processo produtivo.
Mesmo assim, segundo Marx, economistas burgueses tais como Mill, Torrens e Senior
afirmavam que a maquinaria não seria responsável pelo desemprego dos trabalhadores do
ramo industrial e acreditavam que caso a maquinaria os dispensassem, eles poderiam ser
realocados em outros ramos, correspondendo, desta maneira, ao que os autores chamaram de
teoria da compensação.
O processo de organização da força de trabalho dá um salto significativo no século
XX, com a incorporação, no processo produtivo, das idéias que ficaram conhecidas como
Taylorismo.
2.2 O PROCESSO TAYLORISTA DE PRODUÇÃO
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Quando Frederick Winslow Taylor (1856-1915) assumiu a chefia da Midvale Steel
Company, no final do século XIX, nos Estados Unidos, ele revolucionou não apenas o seu
ambiente de trabalho, mas a relação que o homem tinha com o trabalho em todos os lugares
do mundo. Seu objetivo principal era aumentar a produtividade da empresa em que trabalhava
e, para isso, Taylor fez uma análise geral da estrutura da empresa, começando pelos
trabalhadores da produção, identificou causas para a baixa produtividade e sugeriu
modificações que iniciaram uma nova fase de reestruturação produtiva que buscou reverter a
queda tendencial da taxa de lucro do investimento produtivo (GUILHERMETI, 2004).
É preciso enfatizar que nesse período, segundo Guilhermenti (2004), o contexto vivido
pelos Estados Unidos era de crise geral do capitalismo. O desenvolvimento industrial, que até
então se baseava em lucros comerciais, levou a capacidade de absorção das mercadorias ao
declínio e o aumento da produtividade era visto como a única alternativa para a expansão das
indústrias e para a geração de lucros. Diante desse cenário, Taylor edificou seus postulados a
partir da necessidade de ampliação do ritmo de produção e do barateamento do custo do
trabalho vivo, através de sua redução a trabalhos elementares que dispensavam a qualificação
profissional.
O termo taylorismo pode ser definido, portanto, da seguinte maneira:
[...] a soma total das relações de produção interna do processo de trabalho que
tendem a acelerar a conclusão do ciclo mecânico dos movimentos do trabalho. Essas
relações são expressas num princípio geral de organização que reduz o grau de
autonomia dos trabalhadores e os coloca sob uma permanente vigilância e controle
das ordens de produção. (MORAES NETO, 1989, p. 69).
Segundo Taylor, o operário não tinha capacidade intelectual, nem formação, nem
meios para analisar cientificamente o seu trabalho e estabelecer racionalmente qual o método
ou processo mais eficiente para realizá-lo. Mesmo assim, as operações de produção ficavam
sob o livre arbítrio dos operários, porque a própria administração desconhecia os processos e
o tempo necessário de produção do produto que fabricavam. Para Taylor, esta era a grande
fraqueza da administração: o absoluto domínio que os operários tinham sobre seu ofício.
Para solucionar o problema, Taylor retirou da responsabilidade do operário à
obrigação de ‘’pensar’’, criando um sistema que expropriou a criatividade e a iniciativa dos
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trabalhadores, transformando-os em meras máquinas vivas que deveriam seguir um processo
já planejado:
A chave da administração científica estabelecido por Taylor [...] é o princípio da
separação da concepção e execução ou seja, a separação do trabalho mental e
manual; o conhecimento científico é apenas um suporte para que o capital, por um
lado explore as particularidades do homem enquanto máquina, e por outro,
aperfeiçoe os mecanismos de controle dos passos do trabalhador coletivo (MORAES
NETO , 1989, p.41- 43).
Para tanto, Taylor estudou o tempo e os padrões de produção aplicando vários testes
até encontrar a combinação ótima de cada processo; estudou também, a supervisão funcional,
padronizou ferramentas e instrumentos, planejou tarefas, providenciou a execução, utilizou
réguas de cálculo e instrumentos para economizar o tempo, aplicou fichas de instruções de
serviço. Associou, ainda, a execução eficiente de tarefas a prêmios de produção, classificou
produtos e materiais utilizados na manufatura e criou um sistema de delineamento da rotina
de trabalho. A partir destas atividades, segundo Guilhermenti (200-), ele formulou e inseriu
princípios científicos de administração das atividades operárias que, podem ser resumidos em
quatro conjuntos:
1. Princípio do planejamento – os processos de produção deveriam ser planejados pela
administração a partir de estudos científicos.
2. Princípio da preparação dos trabalhadores – os operários deveriam ser selecionados
de acordo com suas habilidades específicas para atender às exigências do trabalho e receber
instruções sistemáticas e treinamentos que os preparassem para seguir uma rotina de trabalho
preestabelecida, com métodos planejados de produção, para que deste modo, produzissem
mais, em menos tempo e com maior qualidade.
3. Princípio do Controle - o trabalho deveria ser controlado através da supervisão do
cumprimento das normas estabelecidas e segundo o plano previsto.
4. Princípio da Execução – tarefas distintas deveriam ser distribuídas de acordo com as
aptidões dos operários, para que a execução do trabalho fosse mais disciplinada.
A substituição de métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos nos
processos de produção, na tentativa de eliminar desperdícios e aumentar a produtividade,
introduzida por Taylor, ficou mundialmente conhecida como Organização Racional do
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Trabalho (ORT), e se trata também de uma nova divisão do trabalho, caracterizado pela
separação da concepção e execução das tarefas, do trabalho físico e mental, além de um
modelo paradigmático de reestruturação produtiva.
O modelo taylorista de conceber a produção invadiu as indústrias americanas e
rompeu as fronteiras do mundo. Seus métodos, aceitos e utilizados até hoje, vigoraram com
força total até meados dos anos 1970, juntamente com o Fordismo, que remodelou os
princípios da administração científica de Taylor, ao aplicá-los nas linhas de produção de suas
fábricas.
2.3 O SISTEMA DE PRODUÇÃO FORDISTA
O período em que se caracteriza o fordismo (1913) coincide com o período de Guerra
Mundial e sua consolidação se dá no pós primeira guerra. É nesse contexto que surgem as
estruturas monopolistas de produção. O regime que impera é o de acumulação intensiva
baseado em ganhos de produtividade; mas o cenário econômico já dava evidências de que a
redução da demanda provocaria um excessivo nível de produção que dificilmente encontraria
caminhos para ser escoada. No entanto, o modelo fordista nos anos que antecedem à crise de
superprodução de 1930, e os anos que a sucedem, como uma nova forma de reestruturação da
produção, tenta superar os hiatos do ciclo econômico, reinventando o modo de produção e de
controle gerencial, injetando dinheiro na economia (através dos salários dos operários) para
incentivar a demanda efetiva e produzindo em massa para gerar demanda em massa.
Para Ford, este modelo artesanal de produção não se encaixava às novas exigências do
mercado. Portanto, resolveu remodelar o seu sistema de produção aprofundando o taylorismo
no processo de trabalho. Na prática, ele procurou aplicar os métodos da organização científica
de Taylor, concentrando-se em cinco transformações principais (MORAES NETO, 1991,
p.70):
1. A racionalização das operações efetuadas pelos operários, afim de reduzir o tempo de
produção, os custos e consequentemente o preço de venda do automóvel:
O fordismo desenvolveu ainda mais a mecanização do trabalho, incrementou a
intensidade do trabalho, radicalizou a separação entre trabalho manual e trabalho
mental, submeteu rigorosamente os trabalhadores à lei da acumulação e tornou o
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progresso científico contra eles como um poder a serviço da expansão uniforme do
valor.`` (AGLIETTA, 1989, apud MORAIS NETO, 1991, p. 72)
2. A desqualificação dos operários;
3.
A criação da linha de produção (esteira rolante) que fixa o operário no local
determinado de modo a executar as tarefas em uma seqüência cooperativa que uniria os
trabalhos individuais através do movimento do produto ao longo do processo.
4.
A padronização das peças (através da integração vertical), que reduziria os
movimentos dos operários a gestos simples, sem desperdício de tempo para adaptação do
componente ao automóvel;
5. Automatização das fábricas (esteiras automáticas) para reduzir tempo de produção de um
automóvel de doze horas e meia para duas horas e trinta e oito minutos.
Um dos problemas a serem resolvidos por Ford era a falta de mão-de-obra não
especializada. Para garantí-la, estipulou jornada de trabalho de 8 horas diárias, com intervalo
para consumo e lazer, além de um salário de 5 dólares ao dia, enquanto a concorrência pagava
apenas 2,5 dólares. Assim, em apenas dois dias, tinha a sua inteira disposição 10 mil homens,
que concorriam às cinco mil vagas de sua fábrica.
O pensamento de Ford estava em sintonia com o pensamento de Keynes, pois, como
visto, acreditava que a produção em massa gerava o consumo em massa. Deste modo, era
necessário manter um nível elevado de salários, de forma a garantir renda disponível para
efetuar a demanda efetiva.
Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente
com a aplicação adequada ao poder cooperativo... e era tal a sua crença no poder
corporativo de regulamentação da economia com um todo que a sua empresa
aumentou os salários no começo da Grande Depressão na expectativa de que isso
aumentasse a demanda efetiva, recuperasse o mercado e restaurasse a confiança da
comunidade de negócios. Mas as leis coercitivas da competição se mostraram
demasiado fortes mesmo para o poderoso Ford, forçando-o a demitir trabalhadores e
cortar salários. Foi necessário o New Deal de Roosevelt para salvar o capitalismo –
fazendo-o através da intervenção do Estado, o que Ford tentara fazer sozinho.
(HARVEY, 1989, p. 122)
Mesmo assim, com a rígida aplicação do taylorismo, somado às linhas de produção,
apesar do aumento dos custos salariais, Ford consegue reduzir o preço de venda do veículo
porque a produção se intensifica com maior velocidade, assim como o consumo em massa de
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seus automóveis. Seu estilo de produção conquista rapidamente o mercado norte-americano, e
em seguida os mercados mundiais, chegando em 1921, apenas sete anos depois da aplicação
da estratégia fordista, a representar 53% dos veículos consumidos no mundo; além de ‘‘
elevar o capital de sua empresa de 2 milhões de dólares em 1907, para 250 milhões em 1919’’
(GOUNET, 1999, p. 20). Logo:
A nova organização do trabalho implica certa adesão dos operários, ao menos
durante o tempo necessário para que o sistema se generalizasse. É o que levou
Henry Ford a propor a diária de 5 dólares, para atrair os operários às suas fábricas e
retirá-los dos seus concorrentes. Ele pode fazê-lo graças aos ganhos fenomenais que
[obteve] com os novos métodos de produção... os rivais foram obrigados a seguí-lo
para não desaparecerem ou saírem do mercado. De forma que o sistema se estendeu
a ponto de restarem apenas as empresas que o adotaram. (GOUNET, 1999, p. 22)
Apesar disso, o fordismo enfrentou, inicialmente, problemas para se disseminar. A
familiarização do trabalhador com processos rotinizados e que dispensavam habilidades
manuais tradicionais e o conhecimento ou o controle do trabalhador sobre o projeto, além do
próprio ritmo e da organização do processo produtivo, e da altíssima rotatividade da mão-deobra, eram ponto de pauta para constantes discussões com os sindicatos dos trabalhadores.
Estes acabaram por fortalecer a esfera da negociação coletiva nas indústrias de produção em
massa, garantido um certo controle sobre as especificações de tarefas de produção, segurança,
promoções, benefícios, salário mínimo, seguridade social etc. Mas o próprio modelo de
produção em massa enfrentou resistência das indústrias européias antes da metade dos anos
1930.
O acúmulo de trabalhadores nas fábricas, organizados em sindicatos, era uma ameaça
constante de fortalecimento do poder da classe trabalhadora. Por isso, a colaboração com o
sistema fordista de produção só se dava através de ganhos de salário que estimulassem a
demanda efetiva. É nesse estágio que a intervenção do Estado se torna fundamental para a
manutenção do sistema. Ele teria que funcionar como um regulador social (walfare state ou
Estado de bem estar social) que além de atacar politicamente os elementos radicais do
movimento operário, principalmente a partir de 1945; deveria ser capaz de criar uma situação
de demanda para os automóveis, de modo a garantir através do crescimento da produção e do
consumo, o relativo pleno emprego. Além disso, o Estado adotaria políticas redistributivas
que fornecessem à população excluída do modelo de produção fordista (mulheres, negros e
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uma minoria desprivilegiada), espécies de salários sociais, seguridade social, assistência
médica, educacional etc; ou seja, elementos que visassem remediar as desigualdades geradas
pela rigidez no mercado de trabalho (que empregava basicamente homens brancos) e a
insatisfação das massas.
O cenário internacional também influenciou o fordismo, que só conseguiu ser
implantado na Europa e no Japão a partir de 1940, e sua expansão e consolidação ocorreu no
pós-guerra, quando os mercados exteriores passaram a receber ajuda financeira americana
através do Plano Marshall, além de significativos investimentos diretos. A absorção do
método Ford de produção também se beneficiou do poder econômico e financeiro dos Estados
Unidos, baseado no domínio militar, principalmente após o acordo de Bretton Woods (1944),
que transformou o dólar em moeda-reserva mundial.
Embora o modelo fordista tenha se mantido forte até 1975, já em meados dos anos
1960 começaram a surgir indícios de sérios problemas que viriam por fim, estagnar o sistema.
A recuperação das economias européia e japonesa provocou redução da demanda efetiva para
os produtos americanos (principalmente automóveis). Os Estados Unidos direcionaram sua
economia para a corrida aeroespacial , e para a guerra contra o Vietnã; mas problemas fiscais
somados à aceleração inflacionária tornaram a moeda instável, sendo a mesma desvalorizada
em 1973 (quebra do acordo de Bretton Woods). Adicionalmente destaca-se a concorrência
dos países recém-industrializados, da formação dos euromercados (1966-1967), e da
substituição das taxas de câmbio fixas por taxas flutuantes. Nesse período, o fordismo
também sofre consequências da crise do Estado de bem-estar social, deflagrado pela
insustentabilidade de manutenção dos programas sociais devido ao endividamento do Estado;
além da crise do petróleo de 1973.
Com todas essas flutuações e crises, depois de quase meio século esgotava-se o
modelo fordista de produção em massa, abrindo espaço para novos modelos reestruturantes de
acumulação, mais adequados a um ciclo econômico com demanda desaquecida, associado a
um novo sistema político em que o Estado deixa de ser interventor e passa a ter orientação
neoliberal.
2.4 O MODELO DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL
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A partir de meados da década de 1970, o mundo passou por profundas transformações
nos métodos de organização produtiva. A rigidez do modelo fordista de produção entrou em
confronto com o novo cenário econômico de desaceleração da demanda, onde a produção em
massa já não podia mais ser absorvida. A recuperação das economias no pós-guerra, somada
às novas economias dos países recém-industrializados, aumentaram incrivelmente a
competição entre as indústrias, parcelando os mercados em fatias cada vez menores,
reduzindo as margens de lucro e aumentando a taxa de desemprego. Nesse estágio, a
economia de escala da produção fordista teve que ser substituída pela economia de escopo91,
com produção de bens variados, a preços baixos e em pequenos lotes.
A idéia principal da acumulação flexível, ao contrário do modelo fordista que
alcançava lucros exorbitantes, é a de manter as empresas no mercado através da máxima
eliminação de custos, da tecnologia multifuncional e da tecnologia de informação. Esse
regime emerge para satisfazer necessidades muito específicas das empresas que já não podiam
manter características fordistas tais como: rigidez salarial e a estabilidade do emprego que
praticamente deixa de existir nesse novo contexto de reestruturação produtiva, dando lugar ao
contratos de trabalho mais flexíveis, às subcontratações, ao trabalho autônomo e ao
agenciamento temporário. O trabalhador desqualificado (parcial), agora assume características
de trabalhador multifuncional; as esteiras das linhas de montagem, que antes
individualizavam o trabalho do operário, abrem espaço para a organização celular, ou seja, ao
trabalho em equipe; a integração vertical é também outra característica do método Ford de
produzir que a modernização flexível não consegue manter devido aos altos custos que ela
representa.
A flexibilidade veio também para adequar as empresas à demanda que também sofre
transformações drásticas em relação às preferências do consumidor, agora ditadas por modas
fugazes. Ou seja, os produtores teriam que acelerar o tempo de giro da produção e dos
estoques (de matéria-prima e de produto pronto) em função do novo tempo de giro do
consumo.
Os arranjos de empregos flexíveis (subcontratação, temporários, e toda categoria de
emprego periférico, ou seja, sem estabilidade) da nova estrutura do mercado de trabalho dos
91
Economia de escopo ocorre quando uma empresa pode produzir quaisquer combinações de dois produtos com
menos gastos que duas empresas independentes, produzindo um único produto cada.
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anos 1970, abriu espaço para a proliferação de um mercado paralelo – o setor informal – que
cresceu rapidamente nos países subdesenvolvidos e também nos capitalistas avançados.
Mesmo os empregos que ainda permaneceram formais e com uma certa estabilidade sofreram
precarização: a perda do poder sindical trabalhista abriu espaço para que o capitalismo
trouxesse de volta a antiga exploração do trabalho, com extensão da jornada (hora extra) ao
invés de realizar novas contratações, prejudicando deste modo, a saúde do trabalhador. Além
disso, a antiga preferência pela mão-de-obra feminina e mal paga nesse cenário de transição
para a acumulação flexível passa a ter um papel de maior consistência nas organizações
produtivas. A participação das mulheres no mercado de trabalho, portanto, aumentou em
cerca de 40%, segundo Harvey (1989, p. 146), em muitos países de capitalismo avançado,
ainda que em condições de trabalho pouco favoráveis.
A flexibilização, segundo Antunes (2003, p. 25) possibilitou a criação ou recriação de
novas formas produtivas, permitiu a articulação do desenvolvimento tecnológico com a
desconcentração produtiva, baseando-se em empresas médias e pequenas e que produzem
para um mercado mais localizado e regional. Ou seja, a especialização da produção buscou
adequar os agentes produtivos a um novo cenário econômico com mercados segmentados e
instáveis, através da flexibilização dos processos, que nada mais era além uma forma de
reestruturar a produção através da combinação de modelos baseados inclusive no próprio
fordismo, mas com modificações mais específicas. A exemplo disso tem-se o toyotismo que
foi um dos modelos readaptados às novas formas de rentabilidade em um novo contexto do
capitalismo, onde é marcante a crise de produção e os padrões da demanda, que teve maior
destaque, implantado no Japão antes mesmo do método Ford extinguir-se.
3 RÁPIDAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
NO BRASIL
A crise estrutural do capital permitiu a expansão de princípios liberais afetando
fortemente o mundo do trabalho, subjugando o trabalhador a novos moldes reestruturantes de
produção, demarcados pelo avanço tecnológico e a acumulação flexível. Nesse contexto,
antigos valores e ideais do liberalismo político e econômico herdados do pensamento
iluminista e da evolução econômica decorrentes da Revolução industrial ocorrida no final do
século XVIII, são retomados a partir da década de 1970, configurando-se como uma “nova
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doutrina”, agora chamada de Neoliberalismo, a qual buscou reduzir a um nível mínimo, a
participação do Estado na economia, conduzindo a realização de privatizações, terceirizações,
além de forte resistência aos movimentos sindicais trabalhistas.
No Brasil, entre as décadas de 1920 e 1930 a classe trabalhadora também tentou
resistir à implantação do modelo paradigmático taylorista, dado que a normatização de suas
novas técnicas produtivas ultrapassariam o estágio de novidade técnico organizacional,
passando a interferir diretamente no movimento de destituição e instituição de direitos
trabalhistas. Seguindo a mesma tendência, também o modelo fordista implementado ainda no
governo Kubtschek (1956-1961), foi repudiado pela classe trabalhadora e pelos sindicatos.
Porém, após o golpe de 1964, por intermédio da coerção e da força que reprimiu as lutas
sociais opositoras ao projeto, tal modelo foi consolidado. Entretanto, segundo Druck (1999), o
desemprego estrutural crônico preexistente no cenário econômico brasileiro impediu a
instauração do pleno emprego proposto pelo fordismo, e o bem estar social não pôde
acontecer.
A crise econômica da década de 1970, deflagrada no bojo da implementação do II
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (que buscava eliminar as lacunas da estrutura
industrial brasileira e os problemas cambiais da segunda crise do petróleo) impactou o modelo
político desenvolvimentista brasileiro, revertendo a tendência de crescimento econômico do
país.
A desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, o combate cerrado ao
sincicalismo classista, a propagação de um subjetivismo e de um individualismo
exarcebados da qual a cultura “pós-moderna” bem como uma clara animosidade
contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital, são
traços marcantes deste período recente (ANTUNES, 2003, p. 40).
As práticas neoliberais, primeiramente adotadas na Inglaterra, ganharam destaque no
cenário econômico mundial através da política econômica conservadora da primeira ministra
Margareth Thatcher, em 1979. Nos Estados Unidos, o paradigma neoliberal passou a vigorar a
partir de 1981, servindo de modelo para os países latino-americanos que enfrentavam
conseqüências de inflações crônicas. Os novos postulados permitiram que o governo norte
americano sustentasse o país na liderança do capitalismo mundial, através da prática de rígida
política externa que defendia os interesses políticos e econômicos do país; além de
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implantação de política econômica interna com vistas para a redução do poder estatal sobre a
economia.
O Brasil absorve o neoliberalismo ainda na primeira metade da década de 1980, durante
o governo Figueiredo, quando o país teve que enfrentar a maior recessão de sua história – a
crise de 1981-1983 que caracterizou os anos 1980 como “a Década Perdida” - , intimamente
associada à difícil situação das contas externas do país e ao segundo choque do petróleo
(1979). O cenário de choques externos expôs a vulnerabilidade da economia brasileira
(quadro de inflação, crescimento da dívida externa, elevadas taxas de juros, desestruturação
do setor público), gerando necessidade de ajustes que desaceleraram o crescimento
econômico (VALOIS, 2007). Nesse cenário em que segundo Pochmann (2001), a taxa média
anual de crescimento do PIB nacional era de apenas 3%, o processo de privatização das
empresas estatais inseridas num panorama de desgaste financeiro e elevado grau de
endividamento, passou a fazer parte das novas estratégias públicas de desenvolvimento,
concentradas em elevar a competitividade e a eficiência econômica do Brasil, além de
reequilibrar as finanças públicas do país, libertando o Estado de atividades improdutivas
(ANDRADE; QUEIROZ, 2008)
As práticas neoliberais no Brasil foram continuadas pelo governo Sarney na segunda
metade da década de 1980, porém com menos ênfase nas privatizações. Nesse período, a
desarticulação do modelo de desenvolvimento industrial, além das fracassadas tentativas de
ajustamento econômico (1979/1983) que conduziram o país à estagnação, também romperam
com o padrão estrutural do mercado de trabalho, refletindo em realocação setorial das
ocupações urbanas, inflação do desemprego e informalidade, tendência à precarização do
trabalho com vistas para a inconsistência salarial , perda de direitos sociais, previdenciários e
trabalhistas, elevação do período de jornada de trabalho e subemprego; além de aumentar a
disparidade distributiva da renda, iniciando uma trajetória de desregulação do trabalho,
configurada pelas transformações dos parâmetros mínimos de utilização do trabalho
(regulamentação das condições de contratação, demissão e jornada de trabalho;
regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, política previdenciária, requalificação
profissional, e ação sindical) (CARDOSO JR., 2001). Antunes (2003) também aponta o
desmoronamento da União Soviética e do Leste Europeu como um fator responsável pelo
desmoronamento do movimento sindicalistas nesse período.
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1899
A partir de 1990, as reformas econômicas idealizadas no Consenso de Washington no
mesmo período, focadas em políticas de abertura comercial e minimização do Estado através
da privatização das atividades produtivas, foram acatadas pelo governo Collor (1990-1992), e
seus respectivos postulados, aprofundados pelo governo Fernando Henrique Cardoso (19941998), quando o processo de privatização das empresas públicas e a redução dos gastos
governamentais foram mais impactantes. Paralelo a estas mudanças, também ocorria o intenso
processo de abertura comercial e financeira, que expôs as empresas nacionais à forte
concorrência internacional, e aos novos modelos reestruturantes de produção, desencadeando
um processo de realocação espacial da indústria.
Nesse período (1990-1999), quando segundo Pochmann (2001) o crescimento anual do
país chega a apenas 1,7%, o aumento dos níveis de desocupação e o desemprego aberto
surgem como fatores que intensificam o fenômeno da desestruturação do mercado de
trabalho, associados também aos impactos da abertura comercial e financeira, além das
conseqüências da implementação do Plano Real, que apesar de ter alcançado relativo sucesso
no combate a inflação, influenciou as baixas taxas de crescimento, principalmente durante a
segunda metade da década de 1990, conduzindo a economia brasileira a armadilhas tais como:
(...) a estagnação econômica em que se contata certa incapacidade das forças de
mercado em operar o milagre da retomada do crescimento sustentado, em claros
sinais de que a estabilização sem crescimento do produto não pode se manter
indefinidamente; (...) a crise fiscal e financeira do estado brasileiro, pela qual se
verifica o crescente esgotamento dos mecanismos clássicos de financiamento das
contas públicas; (...) e os próprios sustentáculos da estabilização, cujos anteparos
tem se mostrado extremamente vulneráveis e dependentes das condições do
mercado internacional. A abertura não seletiva com câmbio flutuante (pós
desvalorização em janeiro de 1999) impacta negativamente o crescimento. A
estagnação econômica com juros elevados inviabiliza qualquer tentativa de
recomposição das condições de financiamento do setor público. Por fim, o estado
em situação financeira ponzi92 acelera a deteriorização do cenário político, sintoma
inequívoco do aprofundamento da crise latente no país (CARDOSO JR., 2001,
p.12).
92
Ponzi game: situação na qual um devedor executa uma rolagem perpétua de sua dívida, cobrindo os juros e o
principal de sua dívida passada cm mais dívida no presente (...). Durante os anos 1980, o endividamento externo
brasileiro também teve uma trajetória parecida com o ponzi game, na medida em que se tentou perpetuar o
mecanismo de pagar os encargos da dívida externa, aumentando este estoque com endividamento adicional. No
momento em que os credores internacionais, temerosos dos eventuais efeitos em cadeia da moratória mexicana
(1982), reduziram seus empréstimos para a continuação da rolagem da dívida externa brasileira, o sistema entrou
em crise em 1994, estabeleceu-se um novo acordo para o pagamento da nossa dívida externa (SANDRONI,
2008, p. 669).
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1900
O cenário macroeconômico recessivo somado à ineficácia, ou mesmo ausência de
políticas públicas de garantia de renda e assistência social aos trabalhadores e desempregados
na década de 1990, contribuíram para a aceleração do processo de desestruturação no
mercado de trabalho (ou desregulação do trabalho) iniciado nos anos 1980, caracterizado,
principalmente, segundo Cardoso Jr. (2001), pelo crescimento patológico do setor terciário
(resultado da migração intersetorial das ocupações, além de relativa contribuição do número
de jovens e mulheres na composição da população economicamente ativa – PEA); expressivo
crescimento das relações informais de trabalho (incrementado pela onda de terceirização das
ocupações, declínio relativo do emprego formal, e elevação do desassalariamento voluntário e
involuntário pode ser resultado da racionalização produtiva das empresas impostas pelos
novos padrões de concorrência internacional, afetando a demanda por mão-de-obra e
consequentemente elevando o desemprego); a precarização das relações de trabalho (
intensificada pela informalização das ocupações, mas também pelo processo de reorganização
produtiva e tecnológica que introduziu a flexibilização das relações trabalhistas que afetaram
os níveis de renda, jornada de trabalho e de estabilidade das relações trabalhistas, elevando
consequentemente, a rotatividade do emprego no Brasil); estagnação da dinâmica distributiva
funcional da renda93 , e da distribuição pessoal dos rendimentos (compõe o quadro mais geral
da desestruturação do mercado de trabalho brasileiro, onde a ausência de força sindical, de
políticas públicas de transferência de renda e proteção social reflete em hiatos permanentes
entre ganhos de produtividade e repasses reais dos salários, fazendo com que a participação
dos salários na renda nacional apresente defasagens dado que os ganhos de produtividade
obtidos pelas empresas quase nunca são convertidos em aumentos reais dos salários,
contribuindo para uma deficiente distribuição da renda).
Apesar do histórico de crise econômica se arrastar desde a década de 1980, refletindo
negativamente na situação do trabalhador em todos os campos do trabalho, Cardoso Jr (2001)
ainda afirma que somente a partir de 1994, durante o Governo Itamar Franco, é que se
contextualizam as primeiras iniciativas de desregulamentação do trabalho, no tocante das
condições de contratação e de jornada de trabalho, através de leis tais como a Lei das
Cooperativas (lei n0 8.949) que extingue os vínculos empregatícios entre cooperativas e
93
Participação dos salários na renda nacional.
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1901
associados, destituindo os trabalhadores de direitos trabalhistas essenciais (registro em
carteira, férias, 130 salário, previdência social, descanso semanal remunerado, etc.)
constituindo em um uma forma de flexibilização extrema do uso da mão-de-obra que
precarizou as condições e relações de trabalho, dado que os trabalhadores ficaram
desprotegidos da regulamentação do trabalho, ficando expostos à excessiva jornada de
trabalho, além de rendimentos menores. A Lei n0 9.601 e MP n0 1.709de 1998, que apesar de
assegurar os direitos essenciais do trabalhador, legaliza a contratação temporária estendida
por um período máximo de dois anos, contribuindo para o aumento da rotatividade do
emprego no Brasil. Nesse sentido, trabalhadores do setor público também foram afetados pela
desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, quando a MP n0 1.522 de
dezembro de 1997 autorizou a demissão de servidores públicos para a realização do ajuste
quantitativo do quadro de pessoal, provocando a extinção dos cargos esvaziados, e a posterior
regularização da contratação temporária também para este setor (CARDOSO JR, 2001).
A remuneração do trabalhador também foi afetada por leis de desindexação que
proibiram seu reajuste automático (CARDOSO JR, 2001). A reorientação das leis para a
realização da reforma do sistema previdenciário brasileiro também buscaram reduzir e mesmo
eliminar as aposentadorias proporcionais por tempo de serviço, mediante a introdução do fator
previdenciário, que rebaixou o valor final dos benefícios, reforçando ainda mais a situação de
prejuízo para o trabalhador na histórica trajetória de transformações do mundo capitalista do
trabalho, relegando ao operário o papel de coadjuvante no processo produtivo e ao capital (ou
o próprio capitalismo), o papel principal, cuja atuação jamais poderá ser prejudicada, mesmo
que para isso (e como tem sido sempre), o coadjuvante tenha que ser sacrificado.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As descontinuidades e incertezas conjunturais dos ciclos econômicos mundiais, na
incessante busca pela retomada do crescimento (pós-crise) têm reinventado as formas de
exploração do capital, desde a consolidação do modelo capitalista, irradiando reflexos
negativos sobre o campo do trabalho.
Para Marx (1994), a própria consolidação do capitalismo já se já como uma forma
inexorável de prejuízo ao trabalhador, que destituído de suas ferramentas, torna-se um
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1902
“homem mercadoria”, um “fator de produção”, através da reprodução do seu trabalho num
ambiente cooperativo.
O processo produtivo manufatureiro num período seguinte, constitui-se em uma nova
etapa simplificada de reestruturação produtiva, uma especialização das operacionalidades do
trabalho, que ganhou um caráter de contribuição parcial por parte do trabalhador, nas etapas
do processo produtivo.
Em mais um estágio do capitalismo, dada a emergência de uma nova fase, as forças
produtivas inseridas num contexto de inovação, incorporam a tecnologia maquinaria nos
processos produtivos, elevando o nível de exploração do trabalho, que passou a exigir do
trabalhador mais dinamismo em menos tempo, aumentando a jornada de trabalho a níveis
extremos.
A administração científica do modelo taylorista no final do século XIX, substituindo
métodos empíricos e rudimentares por métodos científicos no processo de produção através
da separação da concepção e execução das tarefas (trabalho físico e mental), mais uma vez
afeta as relações de trabalho e a condição do trabalhador em favor da recuperação do capital,
inserido num contexto de crise. A identificação de métodos pré-estabelecidos que tornou a
produção mais eficiente, significou também a utilização de métodos mais intensos de
trabalho, além de redução do grau de autonomia do trabalhador, destituindo-o de sua
capacidade intelectual, expropriando a criatividade e a iniciativa dos trabalhadores,
transformando-os em “máquinas vivas”.
Com a reorientação econômica voltada para a acumulação intensiva baseada em
ganhos de produtividade, afim de potencializar o consumo em massa através da produção em
massa com baixo custo, a partir de 1913 o Fordismo remodela os princípios tayloristas da
administração científica, introduzindo a linha de produção (automatização das fábricas através
de esteiras rolantes); padronização das peças (integração vertical); além de mais uma vez
promover mudanças no papel do trabalhador no contexto produtivo, através de um novo
estágio de intensificação da racionalização das operações efetuadas ( agora em muito menos
tempo), e o parcelamento das tarefas a níveis muito pouco complexos (estimulando a
rotatividade do emprego), promovendo desta forma, a desqualificação do trabalhador, o qual
perderia a visão geral do processo produtivo, e teria sua participação reduzida a uma tarefa
muito simplificada.
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1903
A recuperação das economias européia e japonesa no segundo pós guerra e
conseqüente redução da demanda efetiva dos produtos americanos, estagnaram o sistema
fordista de produção em massa. O novo cenário de crise fiscal, instabilidade da moeda
americana, aceleração inflacionária, concorrência de países recém industrializados, crise do
estado de bem estar, além de mais um choque do petróleo, exige uma reinvenção do
capitalismo. Nesse contexto, a reorientação neoliberal a partir de meados da década de 1970
afasta o Estado das atividades produtivas, e abre-se espaço para novos modelos
reestruturantes da produção.
A acumulação flexível, marcadamente representada pelo Toyotismo, reconfigura o
modo de produzir e a posição do trabalhador no cenário produtivo. As empresas agora, com o
acirramento da competição em nível global, buscaram se manter no mercado através da
máxima eliminação de custos, tecnologia multifuncioal e tecnologia de informação. O “novo”
trabalhador, tendo que se adaptar a uma nova realidade, de desemprego estrutural,
volatibilidade dos contratos de trabalho, terceirização, e subempregos, obrigou-se à submissão
do trabalho multifuncional com organização celular, ampliação da jornada de trabalho (hora
extra), complexidade das tarefas executadas que exige polivalência e elevado grau de
qualificação que não condiz com os retornos salariais, devido ao enfraquecimento dos
sindicatos.
O Brasil também tem acompanhado as tendências mundiais de transformação do
trabalho em favor do capitalismo e em prejuízo ao trabalhador, desde o Taylorismo entre 1920
e 1930, passando pelo Fordismo a partir de 1964 e intensificando as mudanças do mundo do
trabalho principalmente a partir da década de 1990, quando os princípios neoliberais foram
mais fortemente adotados pelo país, e a abertura causou forte impacto sobre as empresas
nacionais e conseqüentemente sobre o mercado de trabalho, que tem apresentado tendencial
crescimento do desemprego estrutural, e aumento da informalidade, inclusive acelerados por
iniciativas de desestruturação do mercado de trabalho através de leis que extinguiram direitos
trabalhistas e precarizaram as relações de trabalho no Brasil.
REFERÊNCIAS
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1906
GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO: UMA REFLEXÃO SOBRE EDUCAÇÃO,
EDUCAÇÃO POPULAR (EP) E RELAÇÕES HUMANAS
Amancio Leandro Correa Pimentel94
RESUMO
Tomando por base o pressuposto de que o projeto global vigente vem se pautando nos princípios do
neoliberalismo e este tem como regra e metodologia a competitividade e a liberdade individual,
enquanto busca minimização do Estado e ascensão do mercado, tecemos o presente trabalho com
vistas a fazer uma denúncia do quanto alguns setores sociais como a educação e as relações humanas
vêm sendo negativamente afetados por este projeto. Visto que a globalização vem se colocando como
internacionalização do capitalismo, acreditamos que tal projeto vem servindo a poucos e se colocando
como perversidade para a grande maioria das pessoas. Vejamos: o que se defende é a liberdade
individual para competir, entretanto, nem todos – a não ser abstratamente falando –, tem condições
iguais para competir. O que se tem então? Nada mais que um projeto de conservação e perpetuação de
uma sociedade de opressores e oprimidos. Tal projeto global vem afetando diretamente a educação,
sua gestão e as relações humanas posto que venha impondo sobre os encontros humanos o modos
operandi do mercado. Nas relações sociais o diálogo vai se tornando cada vez mais monólogo ou
contato técnico do que encontros de homens e mulheres para pronunciarem o mundo. Defendemos,
portanto, que professores e gestores devam se assumir como intelectuais orgânicos críticos para junto
à comunidade escolar se posicionarem ante as ofensivas do projeto neoliberal que a tudo quer
submeter. Nesse sentido sugerimos que o corpus teórico do movimento de Educação Popular freiriano
pode subsidiar aos intelectuais orgânicos nesse posicionamento.
PALAVRAS-CHAVE: Globalização – Intelectuais – Educação popular.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho constitui-se de uma reflexão acerca da globalização nos moldes
em que esta vem se dando e dos seus efeitos na educação e nas relações sociais. Acreditamos
que a globalização poderia ser, caso acontecesse com outras bases 95, oportunidade e
possibilidade para um diálogo mais amplo entre culturas e pessoas, culminando em uma
globalização pautada na solidariedade e na ética. Todavia, não é o que vem acontecendo.
94
Graduação em pedagogia pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Especialista em Gestão Escolar pela
(URCA); Docente na rede municipal do Crato: E.E.I.E.F. Luiz Gonzaga da Fonseca Mota; Telefones: 0 xx (88)
3572.2986 / 0 xx (88) 9958.7443; E-mail: [email protected]
95
Referimo-nos a princípios pautados em valores éticos de solidariedade e sentimento de comunidade. Princípios
esses que são marcos teórico do movimento de Educação Popular (EP) de que trataremos ao longo do texto.
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1907
O aporte teórico sobre o qual a globalização se assenta é o neoliberal que tem como
princípios o individualismo e a competitividade que culminam na exclusão que são nada
menos que transgressões do que Freire (2000) chama de ética universal do ser humano.
Portanto, partindo da premissa de que esta globalização serve e funciona para alguns e
acontece como perversidade e exclusão para a grande maioria, procuramos fazer uma leitura e
uma denúncia do alcance que tal projeto global tem tido sobre os diversos setores da vida e
sociedade dentre os quais: a educação e as relações humanas.
Queremos fazer uma reflexão sobre educação e relações humanas com vistas a
transformações sociais autênticas. Mas como fazê-la sem falar de ética?
Contudo, para falar de ética faz-se imprescindível tecer um breve comentário sobre
este movimento global neoliberal que vem afetando perversamente, em nome da liberdade
individual e em detrimento do coletivo, os melhores valores éticos.
A educação tem sido alvo constante de um modelo de gestão que é nada menos que a
transposição, para dentro da escola, das formas de gestão e administração das empresas.
Nesse sentido – além de se fazer uma redução da educação formal a apenas uma entidade
formadora de mão de obra para o mercado de emprego –, procura-se trazer para o interior da
escola o modus operandi do mercado que se pauta na competitividade, no individualismo e na
ausência de solidariedade.
A educação, por sua vez, não se faz dissociada das relações sociais. Nesse sentido,
falar das distorções que logo se manifestam nas relações humanas estabelecidas também se
constitui interesse desse trabalho.
Em contraponto ao projeto neoliberal de sociedade trazemos alguns princípios
fundamentais de um movimento educacional Latino Americano. Educação Popular (EP).
O principal aporte teórico desse movimento são as obras de Paulo Freire e este
defendia, sobretudo, que qualquer projeto de educação e sociedade deveria partir do olhar, da
perspectiva do oprimido (1980), caso contrário o que sempre se teria seria a conservação do
que se tem. Uma educação e uma sociedade diferenciadas para cada classe social.
Tomamos emprestado de Gramsci (1982) e Giroux (1997) o termo intelectual orgânico
e crítico e o relacionamos aos marcos teórico da EP para refletir acerca do quanto, professores
e gestores da educação, assumindo-se como intelectuais, podem ser importantes atores, dentro
das escolas e movimentos educacionais, no sentido de estimular uma reflexão mais ampla que
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1908
envolva cada vez mais a comunidade escolar (pais, alunos, associações de bairros, etc.) para
um posicionamento crítico antes as ofensivas neoliberais ao humano.
1. UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO
Nem a educação, nem as relações humanas se dão de forma ilhada. Portanto, sendo
estas um âmbito social elas acontecem atreladas a agentes influenciadores. Se mesmo as
pessoas individualmente ou coletivamente e os setores informais sofrem influência o que
podemos dizer dos condicionamentos intencionais e determinações conscientes sobre os
modos como a gestão da educação formal e das relações sociais deve acontecer?
A globalização, tal como vem se dando, não acontece com objetivo de interligar as
pessoas ou de proporcionar um diálogo autêntico de culturas pela via de uma comunicação
mais ampla criando assim oportunidades de globalizar valores éticos e humanizadores. “O
termo globalização carrega consigo uma imagem ilusória de integração [...]. Esta imagem
nada tem a ver com o processo de fragmentação e desintegração social que mobiliza” (Pino in
Gentili & Frigotto [orgs], p. 2002, p. 74).
Coronil (2005, p. 50) diz que alguns dos discursos defensores da globalização vigente
levam à “crença de que as diversas histórias, geografias e culturas que dividiram a
humanidade estão se unindo no cálido abraço da globalização, entendido este como um
processo progressivo de integração planetária.” Entretanto, ele prossegue dizendo que “os
relatos mais matizados desautorizam a imagem estereotipada da emergência de uma aldeia
global, popularizada pelas corporações, pelos estados metropolitanos e pelos meios de
comunicação” (Idem, ibidem, p.50). Estes mesmos relatos, alternativos aos discursos
hegemônicos, continuam sua exposição dizendo que a atual modalidade da globalização, a
“neoliberal polariza, exclui e diferencia, mesmo quando gera algumas configurações de
interação translocal e de homogeneização cultural.” (Idem, ibidem, p. 50)
Nas palavras de Milton Santos “a globalização é, de certa forma, o ápice do processo
de internacionalização do mundo capitalista” (2001, p. 23). É nesse sentido que muitas das
medidas que aparentam serem tomadas para favorecer as pessoas, como, por exemplo, a
ampliação da tecnologia, na verdade tem como motivação principal aumentar a capacidade do
mercado de produzir e acumular. Sendo assim qualquer coisa que surja como empecilho ao
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cumprimento instrumental e sem critério de seu projeto, mesmo que sejam pessoas, é
extirpado. Onde está então o forte e cálido abraço de que Coronil fala, acima?
Os principais formuladores do aporte teórico sobre o qual a globalização vem se
apoiando – o neoliberal – são Milton Friedman e Frederich Hayek e estes em suas teses
apontam como bases principais: (i) O individualismo, (ii) a competitividade, (iii) a liberdade
total de mercado, (iv) a minimização do Estado e (v) as privatizações de tudo.
Na série televisiva chamada “Livres para Escolher96” algumas pessoas ilustres
aparecem para, junto com Friedman, fazerem uma defesa do pensamento neoliberal dentre
elas está o ator e político Arnold Schwarzenegger que depois de se auto afirmar um liberal
convicto diz que as coisas devem funcionar como em uma corrida onde “todos devem
começar juntos, mas de forma algum terminar juntos”97 demonstrando assim, claramente, o
individualismo, a competitividade e a ausência de solidariedade defendidas por esse modelo.
Friedman nesta mesma série defendendo a privatização da educação vai dizer que “a
faculdade vende escolarização. Os alunos desejam comprar [...] os pais e os estudantes são
clientes”98. Em outro momento ele vai dizer que a história está bem clara e que vão prosperar
os que podem fazer escolhas. Ele fala de uma aparente autonomia e liberdade individual de
fazer escolhas, entretanto, sob esse discurso esconde-se o fato de que a esmagadora maioria
da população não tem nem por onde começar a fazer escolhas que as emancipe
financeiramente muito menos ainda no sentido amplo a que nos referimos quando falamos de
emancipação humana que, dentre outras coisas, é quando as pessoas, em comunidade,
desenvolvem a plenitude de suas potencialidades (MARX, 2007) dando vazão à sua vocação
humana de serem mais (FREIRE, 1980, 1996, 2000).
É uma redução simplista e ideológica dizer que a liberdade de escolhas individuais
serão suficientes para que todos os cidadãos possam se emancipar posto que estamos falando
de uma competição que é estrutural e intrínseca a esse modelo e, sendo uma competição,
sempre haverão uns poucos vencedores e uma grande maioria de perdedores.
Marx, nos Grundrisse, vai dizer que a ideologia propalada pela economia política,
conquanto seja simples, é eficaz. Ele diz que
96
Série criada nos anos 1980 e exibida nos anos 1990 dividida em cinco episódios baseada no livro Livres para
Escolher de Milton Friedman.
97
Fala transcrita da série Livres para Escolher.
98
Fala transcrita da série Livres para Escolher.
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[...] toda essa sabedoria, portanto, em nada mais consiste do que parar nessas
relações econômicas mais simples, as quais, tomadas autonomamente, são puras
abstrações; abstrações que na realidade são mediadas pelas mais profundas antíteses
e só mostram um lado, aquele em que a expressão das antíteses está apagada. (2011,
p. 191)
Ou seja, na realidade as contradições são as mais profundas, entretanto, mostra-se
apenas o lado simples onde todo indivíduo, abstratamente falando, é dotado de liberdade para
se envolver em relações de troca. Todavia, conforme diz Dussel (2012, p. 110) fica evidente
que se
[...] abstrai todo condicionamento ou posição nas relações de produção, todo
indivíduo (seja A ou B) é igual – todos são iguais por definição. No entanto,
construir sobre essa igualdade abstrata qualquer discurso concreto é uma operação
puramente ideológica.
Portanto, esse pensamento – o neoliberal – é nada mais que a conservação e
perpetuação do que vivemos desde muito tempo. Os mais fortes serão os que continuarão
mais fortes. Eventualmente alguns raros conseguirão prosperar... Entretanto, a mídia, que
favorece, em sua maioria, esse tipo de pensamento, também conhecido como “pensamento
único”, fará uma apologia massiva destes fatos isolados para fazer a defesa dessa liberdade e
autonomia distorcidas que na verdade é para muito poucos. Não podemos fazer de exceções
regras e geralmente é isso que o atual modelo faz, na própria série a que nos referimos é feita
uma seleção de fatos e pessoas isolados para fazerem a defesa do liberalismo.
Eduardo Chaves99, um defensor tenaz do liberalismo, em seu artigo Em defesa do
liberalismo vai enumerar alguns pontos desse modelo sob o qual vem se dando a globalização.
Falando sobre a minimização do Estado Chaves vai dizer que “melhor estado é aquele
que governa menos”100, todavia, o estado não deve desaparecer, posto que os liberais, segundo
Chaves, não são tão otimistas em relação à natureza humana e, portanto, acreditam que na
ausência de Estado a liberdade individual não poderia ser assegurada. Nesse sentido, o
Estado, para ele, deve ter apenas três funções e nada mais, e estas funções são: função policial
99
Ex-professor da Unicamp, foi também subsecretário de Ensino Superior durante o governo de José Serra
(BIANCHI, 2008)
100
Extraído do artigo Em defesa do liberalismo de Eduardo Chaves disponível em seu site
http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/liberal.htm
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(para proteger os indivíduos de outros indivíduos), função judicial (para arbitrar as
desavenças) e a função militar (para proteção externa), fora isso o Estado não deve se “meter”
em mais nada.
Chaves vai dizer que os interesses dos liberais se assemelham aos dos anarquistas, a
diferença principal, segundo ele, é que os anarquistas são otimistas em relação à natureza
humana e por esse motivo não há necessidade de haver Estado. Fazendo uso das palavras do
próprio Chaves não fica difícil pensar na conveniência deste pensamento para alguns e na
perversidade para a grande maioria. Vejamos:
Os liberais, segundo Chaves, não confiam na natureza humana e por isso o Estado
deve regular apenas a proteção dos indivíduos e as questões judiciais. Entretanto, eles confiam
radicalmente no mercado? A história vem mostrando que o mercado não é tão digno de
confiança, até porque é administrado por pessoas, muitas das quais fazem da busca pelo poder
e se manter no poder um fim em si mesmo. Portanto, se for preciso passar por cima de
qualquer um para chegar aos seus fins é o que o mercado fará.
Segundo a lógica do capital tudo vai adquirindo valor de troca e consumo e por isso
vão ficando extremamente voláteis os melhores valores éticos e humanos, onde a confiança e
solidariedade vão cada vez mais se extinguindo.
É nesse tipo de ente que se deve depositar a nossa confiança?
Chaves é bem claro ao dizer que, no que diz respeito ao mercado e tudo o que for
privado e privatizado, o Estado não deve regular nem regulamentar, posto que este deposite
toda sua fé no mercado e em que ele vai cuidar da igualdade e equidade global.
Portanto, se o Estado tem que cumprir sua função de proteção não deveria ele proteger
os indivíduos das perversidades inomináveis e infindáveis do mercado que é seletivo,
excludente e gerador de todo tipo de violências?
Freire (1980) diz que opressor é quem inaugura a violência, não quem, por ter sido
isolado, culpado, excluído e rotulado de fracassado e incompetente comete atos menores de
violência em reação inconsciente ou consciente a uma violência inaugural muito mais
selvagem e inescrupulosa.101
101
Não estamos aqui defendendo os pequenos criminosos o que estamos querendo dizer é que é muito fácil
colocar toda a culpa da violência sobre eles enquanto que a inauguração da violência não advém destes pequenos
criminosos que são mais vítimas que vilões.
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Diante disso é preciso que se faça ecoar cada vez mais a denúncia de que estamos
diante de uma ditadura, nas palavras de Milton Santos (2001), do dinheiro. Ricardo Antunes,
na apresentação do livro Para Além do Capital de Mészáros, nos diz que
[...] não se pode pensar em outro sistema de controle maior e inexorável – e nesse
sentido “totalitário” – que o sistema de capital globalmente dominante, que impõe
“seu critério de viabilidade em tudo, desde as menores unidades de seu
‘microcosmo’ até as maiores empresas transnacionais, desde as mais íntimas
relações pessoais até os mais complexos processos de tomada de decisões nos
consórcios monopólicos industriais, favorecendo sempre o mais forte contra o mais
fraco”. (2011, p.17)
E esse sistema totalitário neoliberal que impõe seu critério de viabilidade em tudo, o
impõe sobre a escola, seus meios de gestão e sobre as relações sociais. Cristina Carriego,
educadora popular e autora do livro Gestión Institucional, diz que o poder político “parece
abandonar a la lógica del mercado la definición de las condiciones institucionales e materiales
que aseguran el trabajo cotidiano” (2007, p. 23).
Não podemos deixar de reafirmar que para “a grande maior parte da humanidade a
globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades” (SANTOS, 2001, p. 19),
diante disso nossa ênfase e denúncia são tecidas na certeza de que alternativas são possíveis e
por isso precisam ser buscadas incansavelmente.
A educação se constitui um campo que pode ser – em sendo encaminhado para uma
direção que procure perceber a realidade e mobilizar suas práticas a partir do olhar dos
oprimidos – um ambiente de luta e busca por uma alternativa. Acreditamos que a educação
formal, sendo um lugar onde a grande maioria das pessoas precisam passar anos importantes
de sua vida, pode contribuir para a formação do caráter e da personalidade propiciando assim
uma formação humana e ética pautada em valores que sonhem com a emancipação humana.
2. PROBLEMATIZAÇÃO OU ACOMODAÇÃO: OS PROFESSORES COMO
INTELECTUAIS CRÍTICOS.
Para Friedman (um dos maiores idealizadores do neoliberalismo) a história está bem
clara, ou seja, não há necessidade de continuar a fazer história, pois ela está pronta e
finalizada. Não é novidade que para os neoliberais a história chegou ao seu fim, ou pelo
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menos é o que, os que se acham os “únicos protagonistas” da história, querem que todos os
demais indivíduos pensem.
David Ibarra, professor de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México,
em seu artigo O neoliberalismo na América Latina contribui com nossa discussão quando diz
que
o pós-modernismo neoliberal anuncia o fim da história, dos grandes relatos
filosóficos e suas ideologias, e inclusive a do Estado-Nação com suas
responsabilidades sociais e seu empenho em cuidar do bem comum, da soberania e
identidade nacionais. Em troca, situa a esperança na eficiência de mecanismos
automatizados, fora do desejo humano, como o mercado ou estado de direito
construído ex professo, em torno do próprio cânone neoliberal. (2011, p. 239)
Portanto, após esse anúncio e essa simplificação de como as coisas serão de agora em
diante: (i) a história chega ao seu fim, (ii) basta manter o fluxo como está que melhorará, pois
não há alternativa, (iii) os Estados diminuem sua atuação e (iv) a solução de tudo está nas
mãos do livre mercado. A conclusão a que chegamos é a de que não há mais necessidade de
problematizar a realidade. Bom... Isso é o que querem os defensores dessa ideologia,
entretanto, na realidade “vivemos num mundo confuso e confusamente percebido” (Santos,
2001, p.17).
Diante disso precisamos de ferramentas que nos ajudem a fazer diagnósticos acertados
sobre a realidade e os problemas socioeducacionais que dela emanam, nesse sentido, João
Francisco de Souza apresenta a Educação Popular (EP) como uma teoria geral da educação
onde a pedagogia é “compreendida como resultado de uma reflexão diagnóstica, judicativa,
teleológica sobre os problemas socioeducacionais de uma determinada sociedade na
perspectiva dos interesses dos grupos culturais subordinados” (2010, p. 123). Portanto,
acreditamos ser importante uma leitura, por parte dos professores e gestores dos enunciados
teóricos da EP posto que dentre seus caminhos esteja a busca pela problematização, apreensão
e interpretação da realidade. Não estamos dizendo que ali encontramos respostas, mas uma
grande reflexão entorno dos problemas o que já é suficiente para nos manter em posição de
combate e não de passividade ante as ofensivas da lógica atual.
Contudo, cabe a nós, professores e gestores, como intelectuais orgânicos e críticos, um
engajamento comprometido com a busca por um entendimento maior do mundo e da
realidade para que possamos planejar melhor nossa ação. “A capacidade de criar uma nova
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bagagem cultural que desmonte a ordem social vigente e que desestruture as ‘verdades’ sobre
as quais se alicerçam as formas contemporâneas do poder” (LEDEZMA & BAZAM, 2006, p.
137) faz parte da luta do movimento de EP e acreditamos dever ser parte da luta de todos os
que se propõem a fazer da educação um meio de libertação, humanização e emancipação.
Um agravante dessa situação de acomodação da classe trabalhadora é a divisão de
trabalho que nas sociedades capitalistas opera separando o trabalho intelectual do trabalho
manual (Jezine e Almeida, 2010) o que afirma a prática vigente de que uns pensam para que
outros executem. Isso dificulta um maior envolvimento, por parte de quem executa, com a
totalidade de uma produção seja lá qual for, e, por consequência, um menor entendimento e
escassez de subsídios para questionamento, problematização e intervenção, posto que nesse
formato de produção fragmentada um entendimento fragmentado também é gerado. Nesse
sentido os professores e gestores da educação básica estão entre os que executam, posto que
existam organismos superiores estatais e privados que pensam, criam pacotes e nos entregam
para que os executemos. Diante disso urge a necessidade de, nos apercebendo disso, não
ficarmos passivos e acomodados posto que acreditemos que uma alternativa ao que temos
atualmente não é “loucura” e sim possibilidade.
Mesmo que a cada dia acentuem-se as ofensivas que viabilizam a mercantilização de
todos os setores sociais, dentre eles a educação e as relações humanas e mesmos conscientes
de que essa ação é penetrante, velada e acontece sobre discursos que atenuam suas reais
intenções, tornando ainda mais difícil a sua captação e compreensão, insistimos que é preciso
e possível apreender esta realidade em seus pormenores com vistas a uma “ação política para
desmercantilizar a economia [afim de que] a cultura da vida possa se sobrepor ao processo de
‘coisificação’ dos seres humanos” (LEHER, 2010, p. 31).
É preciso, portanto, que estejamos atentos aos discursos ideológicos como, por
exemplo – assunto proposto por Maria Teresa Leitão de Melo – a questão da gestão da
educação enquanto sendo manipulada para que seja uma extensão dos modos de gestão
empresariais.
3. QUALIDADE TOTAL DA EDUCAÇÃO (GQT)
Melo (2009) diz que nos tempos de vigência do neoliberalismo o tema gestão está
ligado a mudanças conservadoras que são nada mais que variações dos mesmos temas antigos
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que surgem como discurso de novas políticas para melhorar a educação. Todavia, quando tais
discursos são questionados e problematizados em relação a questões como: democracia,
inclusão e público, logo são desmitificados posto que na verdade o que se quer é trazer para o
interior da escola a tese da qualidade total da educação que “propõe como fórmula a ser
aplicada, a da gestão empresarial, na qual a busca por resultados [e] o pragmatismo
pedagógico [...] deixam patente a competividade como método e a busca pelo sucesso
individual como regra” (MELO, 2009).
Rose Mary Juliano Longo (1996), defensora da gestão qualidade total (GQT), tanto
aplicada ao mercado quanto a educação, em seu artigo “Gestão da Qualidade: Evolução
Histórica, Conceitos Básicos e Aplicação na Educação” diz que
a Gestão da Qualidade Total [GQT], exemplo de excelência gerencial nas
empresas, pode contribuir de maneira significativa para a melhoria do
ensino no Brasil. As reais mudanças começam a ocorrer quando os
princípios, conceitos e fundamentos da GQT se integram à cultura da
organização, ao dia-a-dia das pessoas e dos processos organizacionais.
(1996, p. 12)
Ou seja, na visão de quem adere a esse modelo, já que a GQT é um modelo de
excelência gerencial para as empresas, para o mercado, naturalmente será também para a
educação. Entretanto, não se pode ignorar que escolas não são empresas e por isso possuem
especificidades que não podem simplesmente ser adequadas ao modo de gestão empresarial.
Dizer que as escolas devem ser “gerenciadas” da mesma forma que as empresas é fazer da
escola nada menos que uma instituição que serve à lógica do capital. Não é novidade que a
escola seja, em muitos casos, apenas um lugar que não faz mais que preparar para o mercado
de trabalho ou oferecer escolarização mínima necessária para que a admissão nos empregos
seja possível.
Todavia, defendemos e enfatizamos que a escola deve ser lugar de formação humana,
também de qualificação técnica, mas longe de ser apenas isso. A escola deve ser um lugar de
encontro de pessoas complexas habitantes de um mundo complexo que por meio do diálogo
autêntico criam condições para pronunciarem o mundo (FREIRE, 1980).
Sendo assim a escola deve ser um lugar de construção de saber e cultura e por tudo
isso um lugar de emancipação humana. Todavia, a emancipação genuína é promovida quando
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o humano é percebido de modo integral e não fragmentado, e (ou) limitado a uma pessoa
pragmática, eficiente, empregável ou competitiva. A emancipação verdadeira é favorecida
quando as pessoas são estimuladas a darem vasão à sua vocação ontológica de serem mais.
Contudo, de acordo com a perspectiva neoliberal, segundo Gentili (1996), o mercado
não se modifica e, portanto, tudo o mais deve girar em torno dele, ou seja, a educação deve se
adaptar ao mercado.
Entretanto, não podemos deixar de frisar que é justamente no mercado onde se
encontram as raízes da exclusão que é nada menos que uma violência inaugurada por este ente
(mercado) e que vai ter relação, de modo direto, com a exclusão que acontece dentro da
escola e da sociedade.
Ou seja, dentro das escolas encontramos alunos que são vítimas da violência estrutural
e histórica do mercado visto que seus pais, seus avós, etc., já vinham sofrendo essa violência
antes e não foram capazes de oferecer aos seus filhos suporte emocional, afetivo e nem uma
cultura de valorização da leitura, dos estudos, enfim, da educação. A culminância disso, na
maioria dos casos, é a exclusão da educação (mesmo que o educando esteja dentro da escola).
Portanto, o mercado é excludente e de modo direto é um dos grandes responsáveis pela
exclusão na (e da) educação.
Longo (1995, p. 7) diz que o objetivo principal das transformações em que vivemos é
a “elevação do nível global de competitividade da economia, e, nesse contexto, a centralidade
do papel da educação e da produção do conhecimento é reconhecida por todos”. O que é
enfatizado por Longo, enquanto defensora da GQT, é que com o aumento da competitividade
global os olhares e reconhecimentos se voltam para a educação visto que esta tem papel
central em relação à produção de conhecimentos. Entretanto, essa produção de conhecimento
não é percebida como fruto da expressão humana criativa. O conhecimento que é tratado aqui
é fruto da razão instrumental102 que tem como objetivo o uso pragmático e utilitário desse
conhecimento o que culmina no sequestro do conhecimento pelo capital.
Zitkoski, citado por, Alves (2012, p. 3) diz que “[...] o que está na raiz das teorias
sobre Qualidade Total na educação, de reengenharia do ensino, da excelência do ensino é a
102
De acordo com Horkheimer (2002) a razão instrumental é uma faculdade intelectual, cuja eficiência pode ser
aumentada pela remoção de qualquer fator não-intelectual, tais como emoções conscientes e inconscientes.
Nesse sentido a razão instrumental perde qualquer capacidade de julgamento ante os critérios utilizados para um
determinado objeto de estudo. Sendo assim esta razão deve servir a qualquer empenho, seja ele bom ou mal.
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razão instrumental [...]” que tecnifica o conhecimento atrofiando a “capacidade critica e
criativa do ser humano” (Idem, Ibidem). Posto que, como diz Longo (Idem), a GQT só se
concretiza quando cada um dos passos desta é praticado sem falhas, nesse sentido, como dar
vasão à expressividade criativa e crítica dos educandos e educandas se a base de gestão da
educação em que eles estão inseridos é engessada acreditando que só é possível uma gestão de
qualidade se cada passo de seu aporte deve ser matematicamente obedecido?
Essa razão instrumental, a que nos referimos, limita-se a fazer cálculos e encontrar
probabilidades para que se saiba objetivamente o que é necessário ser feito aqui ou ali.
Entretanto, o que implica desde os dias em que esse tipo de razão veio à tona, período
iluminista (BIANCHI, 2008), é o fato de que esta deseja ter “supremacia [...] sobre a razão
crítica” (Idem, p. 51) e, nas palavras de Bianchi, a “perda de toda autoconsciência pela razão”
(Idem, Ibidem, p.51).
Ou seja, em nome desse tipo de razão, acaba-se perdendo a capacidade judicativa
acerca do que deve ou não ser feito de fato já que esta vê em sua frente apenas a busca pela
resolução de seus problemas objetivos e pragmáticos, sem levar em consideração os
contextos, as nuances e incertezas da vida. “O pensamento é, assim, servo de todo empenho,
seja ele bom ou mau” (Idem, Ibidem, p.54).
Uma educação que se paute nos princípios de uma razão instrumental, que procure em
tudo, de acordo com a filosofia da qualidade total, fazer dos seus educandos eficientes e
pragmáticos só poderá aprofundar a ideologia mercantilista que se estrutura sobre a
competividade e individualismo acirrado esquecendo-se de algo que para a vida da
coletividade, ou seja, da sociedade, é fundamental. A solidariedade.
4 INDIVIDUALIDADE E COMPETITIVIDADE EM DETRIMENTO DA ÉTICA
Como já vimos, o modelo de gestão da educação baseado nos pressupostos neoliberais
tem como regra e metodologia a competitividade, ou seja, nada menos que a regra e
metodologia das corporações e empresas, tal como vem se apresentando, transferidos para
educação. Longo (1996), em seu texto supracitado, deixa claro que a educação deve servir
utilitariamente a produção de conhecimento para que a competitividade seja fomentada o que
reforça o fato de que o modelo neoliberal que se transpõe às formas de gestão, seja de
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empresa, seja de instituições educacionais, tem como regra a competitividade e a busca pelo
sucesso individual.
Santos (2001, p.31) diz que “o exercício da competitividade torna exponencial a briga
entre as empresas e as conduz a alimentar uma demanda diuturna de mais ciência, de mais
tecnologia, de melhor organização, para manter-se à frente da corrida.” Ciência e tecnologia
são produzidos pela educação, entretanto, estas são encomendadas pelas empresas não
necessariamente com a finalidade de melhorar a vida das pessoas e da sociedade, mas para
aquecer o mercado. Ou seja, a educação é sequestrada e obrigada a trabalhar para o capital e
este, por sua vez, depende, para se manter, de uma competitividade acirrada entre os seus
agentes.
Não estamos falando aqui de uma concorrência amigável que tem como finalidade a
melhoria das tecnologias para beneficiar a humanidade, estamos nos referindo à barbárie, à
selvageria e perversidade advindas de um desejo irracional de crescimento e acúmulo de
dinheiro. Estamos falando de ausência total de solidariedade posto que esta, a solidariedade,
para ser, precisa acontecer como fruto da ética no seu melhor significado que tem a ver com o
agir, reconhecer e respeitar o outro.
Ou seja, a ética humana é humanizadora por natureza e, por excelência, diz respeito ao
outro, portanto, essa ética que Freire (2000) chama de ética universal do ser humano anda na
contra mão do individualismo e egoísmo que são a base da filosofia neoliberal defendida
pelos autores citados (Friedman, Hayke e Chaves). Esse individualismo e competitividade na
busca pelo sucesso são filiados à lógica do capital que Freire, por sua vez, chama de ética do
mercado que é a transgressão da ética humana. Ele diz que a
ética do mercado, sob cujo império vivemos tão dramaticamente neste fim de
século, é em si, uma das afrontosas transgressões da ética universal do ser humano.
Perversa pela própria natureza [...] No momento em que fosse amainada sua frieza
ou indiferença pelos interesses humanos legítimos, dos desvalidos, o de ser, o de
viver dignamente, o de amar [...] na perspectiva de permanente sim à vida, já não
seria ética do mercado. (Freire, 2000, pp. 117, 118)
Na medida em que a ética universal do ser humano é por natureza humanizadora a
ética do mercado é por natureza desumanizadora posto que oprime e opera contra o sonho,
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contra à vida, contra a solidariedade visto que se paute pelo lucro. Essa lógica acaba por
tomar posse de diversos âmbitos da vida e das relações humanas.
O homem na maioria das vezes não se percebe fragmentado, quebrado, incapaz de
solidez nas relações afetivas. Extremamente frágil no que diz respeito à lealdade e amizade,
indisposto na busca por aprofundamentos em diversos sentidos posto que julgue não ter
tempo para nada que não seja fazer desse tempo, já que tempo é dinheiro, mais um momento
para lucrar em algo.
Essa competitividade e individualismo logo se expressam no diálogo entre as pessoas.
Vivemos numa sociedade onde todos querem falar e poucos querem ouvir, entretanto, diálogo
é falar e ouvir com a mesma disposição. Martin Buber (1982) ao tecer suas muitas reflexões
acerca da relação entre as pessoas, diz que conhece três tipos de diálogo, o autêntico, o
técnico e o monólogo disfarçado de diálogo.
Quando ele fala do diálogo autêntico diz que esse é aquele onde as pessoas,
comprometidas, voltam-se, em inteira reciprocidade, umas para as outras. Ele diz que nesse
momento, mesmo que em silêncio, o diálogo se estabelece posto que os sujeitos de tal diálogo
estejam levando o outro ou os outros em consideração no seu modo de ser, em sua alteridade.
No diálogo técnico o que se vê, segundo Buber, é o encontro meramente utilitário e
objetivo de pessoas, que querem chegar a um entendimento sobre algo, ou seja, o que se busca
aqui é fazer do momento e do encontro uma reunião para esclarecimento sobre quaisquer
coisas.
Em relação ao monólogo disfarçado de diálogo ele vai dizer que os participantes de tal
momento “falam, cada um consigo mesmo, por caminhos tortuosos estranhamente
entrelaçados e creem ter escapado, contudo, ao tormento de ter que contar apenas com os seus
próprios recursos” (1982, p. 54).
Desses três tipos de diálogo Buber vai dizer que o primeiro se tornou raro. E não fica
difícil concordar com ele, pois a impressão que se tem é a de que nos encontros entre as
pessoas poucos são os que de fato estão inteiros e entregues ao encontro para fazer daquele
momento um tempo de reciprocidade viva. Percebemos com muita frequência os encontros
casuais, rápidos e superficiais, seja para esclarecimento e entendimento objetivo, seja para
falar narcisisticamente consigo mesmo (só que com plateia) ou enfim, para falar
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soberbamente apenas para que os outros ouçam posto que só “você” tenha o que dizer e
ensinar.
Acreditamos enfaticamente que tal perversão, no que diz respeito a essa distorção nas
relações humanas, seja em boa medida, agravada pela “ética” (lógica) do mercado que vem
se transpondo para todos os setores da vida.
Sánchez Torrado (in ESCLARIN, 2003, P. 16) falando sobre esses objetivos finais
enquanto necessidade que se tem pelo lucro, pelo acúmulo, enfim, pelo poder diz que tal
[...] produce esclerosis y miopia. Lo que debería ser un medio, se convierte en un
fin: mantenerse en el poder. [...] Cada vez se hace más amenazadora la perversión
del poder y con ella la perversión del hombre. El poder como presencia dominante y
como valor absoluto contamina la libertad e impide el recto ejercicio de la
democracia.
A busca individualista, competitiva e desenfreada por poder, seja em grande ou
pequena escala, é uma busca cega e irracional posto que o faça sem levar em conta nada além
de sua finalidade que, como Sánchez disse, deveria ser um meio para atingir outras
finalidades que contribuíssem para a emancipação humana. Entretanto, a meta é o poder como
fim em si mesmo e a manutenção deste.
A verdadeira emancipação e liberdade não vêm do sucesso individual, estas só são
possíveis na coletividade, é preciso que os indivíduos sejam capazes de saírem de si mesmos e
se voltarem para os outros, como sujeitos, para que a plenitude de suas potencialidades venha
à tona.
Nesse ponto recorremos à Buber mais uma vez quando, no texto citado, ele fala, sobre
as pessoas, que no monólogo, tem a necessidade de falarem para as outras ouvirem. Ali ele
diz que as pessoas fazem racionalizações de que estão dialogando porque não querem ter que
contar apenas com seus recursos. Concordando com Buber, acreditamos que de fato, para
vivermos em plenitude e em liberdade, nossos recursos individuais são parcos, escassos e
limitados.
Precisamos, inevitavelmente, dos outros, dos intercâmbios e da dialogicidade autêntica
com os outros e isso só acontece na coletividade, na comunidade e nunca no individualismo,
portanto, tal lógica que se coloca como transgressão da ética humana não contribui para
liberdade e emancipação humana posto que encerra o homem em si mesmo.
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Nesse ponto acreditamos ser importante pensar sobre a questão do local, da
comunidade, da construção de identidade e do sentimento de comunidade posto que estes
venham sendo comprometidos no “frenesi” da globalização.
5. O GLOBAL E O LOCAL
Arturo Escobar traz uma reflexão importante sobre a questão do lugar, do local. Ele
diz que no “frenesi” da globalização o lugar, o local, vem desaparecendo, entretanto, é no
lugar, diz ele, que se vivem experiências de localidade, de conexão com a vida diária, de
enraizamento, de construção de identidade. Portanto, o lugar continua sendo importante para a
maioria das pessoas, senão para todas. Nesse sentido, “este enfraquecimento do lugar tem
consequências profundas em nossa compreensão da cultura, do conhecimento, da natureza, e
da economia.” (2005, p. 63).
O movimento de EP procura olhar a realidade a partir da perspectiva do local, das
comunidades e do oprimido. Entende-se que o mundo funciona para uns poucos em
detrimento de muitos. Nesse sentido faz-se necessária uma defesa intensa do lugar e do
entorno mais direto. A imposição das culturas dominantes sobre as “outras” vem acontecendo
de modo que o local vem sofrendo as consequências disso. Por sua vez, a educação e as
relações sociais também vão ficando cada vez mais fragmentas devido ao desaparecimento
paulatino do local como num ciclo vicioso.
As comunidades menos favorecidas e, portanto, menos detentoras de meios de
comunicação e produção acabam por terem inibida sua expressividade, criatividade e
potencialidades. O que acontece aqui, nada mais é que uma violência transgressora da ética
humana que, conforme suas maneiras de agir vêm atropelando tudo e todos que, de certa
forma, não cooperam com a globalização cultural capitalista. Afinal para que tal globalização
se torne viável faz-se necessário à dominação cultural e ideológica onde faz parte da
estratégia levar as pessoas a acreditarem que existe uma cultura e um pensamento que sejam
melhores do que outros.
Diante disso, uma educação e sua gestão que tenham como aporte teórico a qualidade
total e a razão instrumental (i) contribuirá inevitavelmente para a supressão da cultura local,
ao invés de estimulá-la e (ii) não fará grandes esforços para atrelar o trabalho escolar à
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comunidade em que a escola se encontra posto que a finalidade do seu trabalho é o global e
não o local.
CONCLUSÃO
Diante disso acreditamos que gestores e professores, profissionais que se
reconhecendo condicionados, mas não inexoravelmente determinados (Freire, 2000), devem
se posicionar criticamente ante a ditadura do mercado que a tudo quer submeter. Portanto,
enquanto profissionais da educação professores e gestores não poderiam se limitar a pensar
apenas a escola em suas questões técnicas, devem, todavia, buscar a leitura da realidade, a
compreensão da história e a problematização do mundo para que como intelectuais, no modo
de falar de Gramsci (1982), possam se engajar na luta contra a dominação do mercado, não
apenas na educação, mas na sociedade como um todo.
Não perceber ou não buscar perceber os temas atuais da realidade local e global faz
com que os profissionais da educação fiquem alienados apenas às questões instrumentais e
técnicas dentro do âmbito da escola, entretanto, no momento em que entendem que devem
expandir seu olhar, acabam por obter uma compreensão mais concreta do que acontece dentro
da escola melhorando assim sua incidência nos trabalhos pedagógicos.
Sabemos que, enquanto profissionais da educação, por vezes temos sido tomados por
um volume perverso de trabalho o qual nos tira o tempo para reflexão sobre assuntos
imprescindíveis. Portanto, o desafio de captar os temas atuais e problematizá-los torna-se
ainda maior, contudo, não podemos abrir mão dessa busca contínua pelo entendimento do
mundo e da realidade para que possamos fazer lúcidas e certeiras intervenções.
Acreditamos que alternativas ao modelo neoliberal existem, são possíveis e devem ser
buscadas. Defendemos que a escola e o trabalho docente podem ser espaços e instrumentos
importantes nessa busca e na construção de relações sociais verdadeiramente pautadas em
valores éticos que busquem transformações sociais que para serem autênticas devem objetivar
e emancipação humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1926
MERCADO DE TRABALHO SOBRE O PRISMA DAS TRANSFORMAÇÕES NO
MUNDO RURAL: O CASO DE BAIXO JAGUARIBE (CE)
Christiane Luci Bezerra Alves103
Evânio Mascarenhas Paulo104
RESUMO
O desenvolvimento de atividade pluriativas entre os ocupados rurais certamente é um dos fenômenos
mais importantes na análise das configurações do mundo rural. Sendo assim, esse trabalho desenvolve
uma caracterização desses novos padrões de relações de trabalho induzidas pelas transformações do
mundo rural para a região do Baixo Jaguaribe-CE. Os dados usados na pesquisa provêm dos censos
demográficos de 2000 e 2010. Depreende-se que à medida que as atividades agrícolas se dinamizam e
se modernizam uma gama de atividade se desenvolvem com consequência contribuindo para a
formação de grupos de indivíduos com características bem particulares para o meio onde vivem.
Sendo que essas novas atividades tendem a se expandirem de forma significativas.
Palavras-Chave: Mercado de trabalho rural; Baixo Jaguaribe; Trabalho Agrícola; Trabalho Não
Agrícola.
ABSTRACT
The development of activity among employed rural pluriactive is certainly one of the most important
phenomena in the analysis of rural settings. Thus, this paper develops a characterization of these new
patterns of labor relations induced by changes in the rural world to the Lower Jaguaribe - CE. The data
used in the study come from the population censuses of 2000 and 2010. It appears that as the
agricultural activities is streamline and modernize a range of activities to develop thus for the
formation of groups of individuals with very specific characteristics for the environment where they
live. Since these new activities tend to expand so significant.
Key-words: rural labor market; Low Jaguaribe; Agricultural Work, Non-Farm Labor.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a agricultura brasileira vem esboçando um contínuo processo de
transformação de seu panorama. Essas mudanças envolvem a redimensão e redefinição do
papel da agricultura na economia brasileira, sob a luz das transformações capitalistas que
atingem os sistemas de gestão da produção e do trabalho nos diferentes segmentos da
economia. A agenda de transformações envolve, portanto, a ação ‘modernizadora’ do
103
Docente do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri; (85) 9710-6400;
[email protected]
104
Mestrando em economia Rural pela Universidade Federal do Ceará; (85) 97299825;
[email protected]
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1927
processo produtivo na cadeia agrícola, conferindo-a um caráter mais individualizado e
consonante com a lógica de acumulação capitalista, possibilitando uma maior integração da
unidade produtiva primária às redes de produção agrícolas e não agrícolas. Isso tem levado ao
avanço de novas atividades no interior da própria agropecuária. Esse processo está ligado à
manifestação de um caráter “pluriativo” nas atividades desse setor, principalmente
condicionada pela emergência e multiplicação dos chamados “agronegócios”.
Deste modo, seguindo os ciclos de transformações da agricultura, identificam-se
diversos componentes que traduzem as mudanças nas atividades agrícolas e no meio rural
como um todo. A análise além da ótica da produtividade aponta que as transformações da
agricultura têm sido socialmente excludentes, provocando a diminuição abrupta das
populações rurais, sendo também ambientalmente prejudiciais aos ecossistemas naturais.
Nesse sentido, apesar da elevação da produção, parte considerável da população mundial,
inclusive nos países onde a modernização tecnológica tem sido mais intensa, não consegue
sequer atingir os limites alimentares mínimos (SCHNEIDER; NAVARRO, 2006, p. 1).
O comportamento do mercado de trabalho, subordinado às lógicas das relações de
produção, passa a ser ditado pelo movimento dos fenômenos que afetam o paradigma
agrícola, traduzindo-se em uma elevação contínua da produtividade do trabalho nas tarefas
agropecuárias. A esse respeito, Silva (1998) enfatiza que em função das mudanças nas
unidades produtivas agropecuárias, duas grandes transformações ocorrem no mercado de
trabalho agrícola: i) nova divisão do trabalho no interior das unidades familiares, liberando
alguns membros das famílias para se ocuparem em outras atividades, alheias a sua unidade
produtiva; ii) os membros da família que já conduziam individualmente a atividade agrícola
têm o seu tempo de trabalho reduzido, de tal sorte a possibilitar a combinação da produção
agrícola na sua unidade com outra atividade externa, agrícola ou não.
Silva (1998) afirma, ainda, que a diferença entre os termos está na unidade de análise:
o primeiro diz respeito às famílias e seus membros; enquanto que o segundo diz respeito ao
estabelecimento agropecuário, observando-se o tempo dedicado ao estabelecimento pelas
pessoas envolvidas nas suas atividades agropecuárias. Desse modo, no primeiro caso, os
indivíduos liberados pelo processo de modernização/mecanização da produção mantêm sua
estrutura domiciliar ligada ao meio rural, mais deslocam sua força de trabalho para atividades
não necessariamente agrícolas, ampliando e consolidando uma categoria de indivíduos rurais
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1928
que exercem atividades não agrícolas. A forma de inserção desse trabalhador no mercado de
trabalho não agrícola, em muitos casos, dá-se de forma precária, devido às mais frágeis
condições de qualificação dessa mão de obra. No entanto, isso não significa o rebaixamento
do padrão de qualidade das ocupações em relação ao trabalho na agricultura, pois a estrutura
produtiva agrícola anterior ao processo de modernização revela indícios de precarização
muito mais intensos, quando comparado aos setores não agrícolas.
Nesse sentido, as conclusões de Balsadi e Silva (2008, p.2) ganham relevância ao
mostrar que “os movimentos gerais da agricultura tiveram como resultado o aumento das
discrepâncias na qualidade do emprego agrícola entre as diferentes categorias de empregados,
reforçando uma tendência de polarização dentro do mercado de trabalho assalariado agrícola”.
Assim, considerando o fato das ocupações agrícolas diminuírem nos ambientes
urbanos, concomitante ao aumento de ocupações não agrícolas, até mesmo no meio rural,
percebe-se um claro processo de uma urbanização para além dos limites das cidades. Para
Monte-Mór (2006, apud CORDEIRO NETO, ALVES, 2009 p. 328) observa-se
[...] a tese de urbanização extensiva, caso brasileiro que trata de uma “urbanização
que ocorreu para além das cidades e áreas urbanizadas, e que carregou com ela as
condições urbano-industriais de produção (e reprodução) como também a práxis
urbana e o sentido de modernidade e cidadania”. Assim, o urbano no mundo
contemporâneo seria “uma síntese da antiga dicotomia cidade-campo, um terceiro
elemento na oposição dialética cidade-campo, a manifestação material e sócioespacial da sociedade urbano-industrial contemporânea estendida, virtualmente, por
todo o espaço social”.
Considerando tal cenário, o trabalho em questão pretende desenvolver reflexões acerca
das transformações no meio rural na região do Baixo Jaguaribe-CE, sobre o prisma do
mercado de trabalho. Para isso, são discutidos, inicialmente, aspectos relevantes sobre as
novas determinações do meio rural e suas implicações sobre o mercado de trabalho,
contextualizando as alterações recentes pelas quais passa a região do Baixo Jaguaribe
Cearense. A caracterização demográfica e socioeconômica da região é explorada na seção
três, seguida, na seção quatro, de um panorama do comportamento do mercado de trabalho na
região, a partir de dados dos censos demográficos de 2000 e 2010. Por fim, são feitas as
considerações finais deste trabalho.
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1929
A REGIÃO DO BAIXO JAGUARIBE E AS NOVAS DINÂMICAS NO MEIO RURAL
CEARENSE
Os anos 1970 na economia nacional são marcados por diversas transformações na
estrutura produtiva, que envolvem a consolidação da matriz industrial brasileira, com fortes
investimentos na indústria de bens intermediários e de capital. O modelo de desenvolvimento
do período promove alterações na base produtiva que passam a contemplar também fortes
modificações na base agrícola, no processo conhecido como “modernização conservadora”,
envolvendo reorientações na base técnica e nas relações sociais de produção. O setor primário
assume então uma estrutura diversificada e heterogênea, complexa e multideterminada,
constituída por diferentes complexos agroindustriais (CAIs) (SILVA, 1998). A intervenção
pública oferece subsídios para o fortalecimento dos elos da cadeia agroindustrial105 e sinaliza
para ações de implantação de perímetros públicos irrigados, através de uma política estatal de
irrigação.
Nos anos 1980, a crise fiscal do Estado, refletida na incapacidade do mesmo de
formular políticas de desenvolvimento e, consequentemente, políticas setoriais, terá
rebatimentos no ajuste estrutural experimentado pelo setor agrícola. A necessidade de geração
de superávits comerciais, da primeira metade da década, redireciona investimentos públicos
para culturas de exportação e na segunda metade dos anos 1980, as políticas públicas
impulsionam um novo modelo de irrigação, privilegiando a irrigação privada106.
Mas é na década de 1990 que esse modelo se consolida e os espaços agrícolas se
modernizam na perspectiva de articulação dos modelos locais à dinâmica internacional
globalizada. Nesse cenário, áreas produtivas, “manchas férteis” presentes na região semiárida
nordestina, integram-se aos interesses hegemônicos do agronegócio, incorporadas a um novo
circuito produtivo de empresas nacionais e estrangeiras, determinando um novo papel na
divisão internacional do trabalho agrícola (ELIAS, 2006), onde o desenvolvimento da
fruticultura irrigada passa a ser um dos pilares das estratégias governamentais voltadas para a
região Nordeste. Apesar das históricas adversidades climáticas da região, um conjunto de
105
Através de programas como: Programa de Assistência Financeira à Agroindústria e à Indústria de Insumos,
Máquinas, Tratores e Implementos Agrícolas (PROTERRA/PAFAI), 1971 e Programa de Desenvolvimento da
Agroindústria do Nordeste (PDAN), criado pelo Banco do Nordeste e pela Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, a partir de 1974.
106
Destacam-se, nesse período, o Programa Nacional de Aproveitamento Racional de Várzeas Irrigáveis
(PROVÁRZEAS) e o Programa de Financiamento para Equipamentos de Irrigação (PROFIR).
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1930
elementos condiciona a mesma como espaço de materialização da agricultura científica e do
agronegócio globalizado: condições naturais favoráveis à fruticultura, com a presença de
solos diversificados e férteis, baixa umidade relativa do ar e luminosidade acentuada; políticas
de irrigação; intervenção pública na criação de infraestrutura, com melhorias nos sistemas
viários e de escoamento da produção e incentivos fiscais e financeiros, fundamentais para
atração de investimentos externos.
Neste modelo, há um “incremento da oligopolização do espaço agrícola brasileiro,
acompanhado de um paralelo processo de fragmentação” do mesmo (GOMES, 2010, p.61),
onde as políticas públicas se direcionam de forma seletiva para determinados espaços,
promovendo a constituição de “arranjos territoriais produtivos agrícolas” e especializando
suas culturas.
Há que se destacar o cenário que caracteriza a economia estadual, marcada, na década
de 1990, por uma estratégia de crescimento econômico baseada em medidas de saneamento
da máquina estatal e rigoroso ajuste fiscal, investimentos em infraestrutura e no uso intensivo
de incentivos fiscais e financeiros para atração de investimentos industriais107, que garantiram
uma dinâmica consistente de crescimento do produto e emprego industrial cearense.
Para o setor agrícola estadual, os programas implementados tiveram como objetivo a
ênfase na modernização da produção agrícola, na consolidação de agropólos e agronegócios,
com projetos de irrigação108 e fortalecimento dos complexos agroindustriais, como forma de
propiciar o aumento da renda, produtividade e competitividade no meio rural. Assim, o Ceará
também se insere na nova lógica de acumulação capitalista do campo e a “força da
modernização capitalista legitima no território do Estado as racionalidades ditadas pelo
mercado, erigindo novas organizações espaciais em benefício das trocas globais” (PEREIRA
JÚNIOR, 2005, p. 130). Como consequência, o agronegócio como um todo admite uma
fração de extrema importância para a economia cearense e estudos demonstram que cerca de
107
Os chamados FDI, Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI-PROVIN, pós 1989) possibilitaram ao Estado
o estabelecimento de incentivos, sob a forma de empréstimos, utilizando como base o Imposto Sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços – ICMS (VASCONCELOS, ALMEIDA, SILVA, 1999), revertidos como capital de
giro, destinado principalmente às empresas que se instalassem ou que resolvessem se modernizar, ampliar e
relocalizar suas plantas industriais no Ceará. A partir de 2002, a concessão de incentivos no estado do Ceará
passou a ser orientada pela visão de cadeias produtivas, com o objetivo de que os investimentos possam integrar
e aumentar a competitividade de polos produtivos, diminuindo a necessidade de novos incentivos.
108
Impulsionados pelo Programa Cearense de Agricultura Irrigada (PROCEAGRI), da Secretaria de Agricultura
Irrigada (SEAGRI).
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1931
“um terço da economia estadual depende do setor agropecuário e de suas conexões”
(GUILHOTO; AZZONI; ICHIHARA, 2009, p. 19).
É a partir da regulação desse novo modelo de base econômica e com a incorporação de
novos perímetros irrigados, voltados para os padrões de competitividade internacional, que a
Região do Baixo Jaguaribe cearense desponta como uma nova organização espacial de
produção capitalista no Brasil, destacando-se como “uma das “manchas” de expansão e
desenvolvimento desse mais recente modelo de racionalidade produtiva cearense” (PEREIRA
JÚNIOR, 2005, p. 133), sendo beneficiada por um vale úmido próximo à Chapada do Apodi e
uma rede hidrográfica de grande importância para a região.
Como observam Elias, Muniz e Bezerra (2007, p. 34), “a velocidade das
transformações em curso na região do Jaguaribe (CE) pode ser observada pelas metamorfoses
das forças produtivas introduzidas pelas empresas agrícolas, das relações sociais de produção,
assim como pelas transformações dos regimes de exploração do solo, com a expansão da
exploração direta por parte de grandes empresas agrícolas, nacionais e multinacionais”.
Desse modo, a microrregião do Jaguaribe (CE) vem obtendo resultados significativos no setor
agropecuário graças, em grande parte, aos programas de fomento das atividades primárias na
região que ajudaram-na a se inserir no cenário interno, e até mesmo internacional, da
produção agrícola, baseado principalmente na fruticultura, ao colocar em curso esforços no
sentido de promover a viabilidade daquelas empresas na região.
Um dos pontos de maior destaque na evolução da atividade agropecuária na região do
Baixo Jaguaribe pode ser notado a partir da expansão da participação da microrregião no PIB
agropecuário do estado, a qual passa de apenas 7,5% em 2000, passando a representar 13,5%,
em 2008. A expansão do agronegócio na região também contribui para que a mesma amplie
sua participação no PIB total do estado de 2,6% para 3,2%, no período referido. O que reforça
a noção de que os programas governamentais de fomento do setor primário ajudaram a
colaborar para esse resultado. Vale enfatizar, ainda, que a expansão do emprego formal
agropecuário se deu de forma bastante rápida ao longo da década de 1990, onde se concentra
grande parte das intervenções governamentais com o intuito de promover uma dinâmica
econômica baseada na modernização das atividades primárias. Verifica-se, no período
recente, crescimento vigoroso tanto do número de estabelecimentos e emprego formal como
na distribuição dos mesmos pelos municípios que compõem a região, passando o número de
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1932
empresas de 4 para 55 e os empregados de 52 para 2.921, de 1985 para 2002, respectivamente
(ELIAS, MUNIZ; BEZERRA, 2007, p. 32-47).
A consolidação do agronegócio no Baixo Jaguaribe materializa processos de
transformações locais de todos os aspectos, que passam a determinar novos padrões de
organização socioespacial, transformação nas tradicionais estruturas agrárias, amplas
alterações nas relações campo-cidade e na divisão territorial do trabalho, bem como sensíveis
impactos sobre o meio ambiente. Particularmente no vetor ambiental, as externalidades
geradas pelas empresas refletem-se no padrão de vida das populações ligadas diretamente ou
não às atividades do agronegócio.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESTRUTURA ECONÔMICA DO BAIXO
JAGUARIBE
Nas últimas décadas do século XX, a microrregião do baixo Jaguaribe, no nordeste do
Ceará, passou a se destacar pelos elevados níveis de crescimento econômico. Os resultados da
economia da microrregião estão, certamente, ligados ao desenvolvimento de atividades
primárias, que contribuíram para inseri-la nas redes de comércio, tanto nacional como
internacional.
Os dados apresentados no tabela 1 representam indicadores demográficos e
socioeconômicos dos dez municípios que compõem a microrregião do Baixo Jaguaribe. A
população residente da região é de cerca de 313.474 pessoas, sendo o município de Russas o
mais populoso, com 69.883 habitantes. Em termos de área, o Baixo Jaguaribe se estende por
aproximadamente 9.951 Km2.
TABELA 01
Baixo Jaguaribe
Indicadores demográficos e socioeconômicos selecionados - 2010
Município
Alto Santo
Ibicuitinga
Jaguaruana
Limoeiro do Norte
População
16.359
11.335
32.236
56.264
Área
1.338,7
424,2
867,3
751,5
Densidade
Demográfica
12,2
26,7
37,2
74,9
PIB per capita
R$
R$
R$
R$
4.712,45
4.000,43
7.384,47
7.145,92
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1933
Morada Nova
Palhano
Quixeré
Russas
São João do Jaguaribe
Tabuleiro do Norte
Baixo Jaguaribe
62.065
8.866
19.412
69.833
7.900
29.204
313.474
2.779,2
442,8
616,8
1.588,1
280,4
861,8
9.951
22,3
20,0
31,5
44,0
28,2
33,9
31,5
R$
R$
R$
R$
R$
R$
R$
6.169,23
5.287,00
39.997,39
7.950,07
5.308,22
5.835,82
9.379,10
Fonte: IPECE, (2013) e IBGE, (2013).
O município com maior densidade demográfica é Limoeiro do Norte (74.9), que é
também o segundo mais populoso da região. Entretanto, a densidade demográfica da
microrregião é em geral baixa, sugerindo um mercado de trabalho rural de dimensões
relativamente elevadas, dada a estrutura agrícola de envergadura significativa que ali tem se
desenvolvido.
Dentre os municípios com maior PIB per capita destaque especial deve ser dado ao
município de Quixeré, apresentando, nessa variável, valores correspondentes a R$ 39.997,39,
sendo o município que mais cresceu nos últimos anos.
Os dados do tabela 02 ajudam a dimensionar o padrão de crescimento esboçado pelo
Baixo Jaguaribe nos anos recentes. O crescimento médio do Produto Interno Bruto da região
foi de 19,4%, entre 2005 e 2010. O município de Quixeré teve um crescimento médio de
97,8% no mesmo período, muito embora tenha sido o mais afetado pelo quadro recessivo
iniciado no último trimestre de 2008, com um recuo de -31,7% no seu PIB no ano de 2009,
quando os efeitos da crise econômica de 2008 tornaram-se mais evidentes e severos.
TABELA 02
Baixo Jaguaribe
Produto Interno Bruto a preços de mercado – 2005-2010
[R$ mil]
Municípios
2005
2006
2007
2008
Alto Santo
Ibicuitinga
37 997
26 404
45 155
32 101
51 972
29 141
64 910
38 409
Jaguaruana
117 739
145 685
146 261
184 526
Limoeiro do Norte
270 192
330 732
402 049
490 508
2009
2010
72 421 77 096
40 277 45 345
238
209 210
068
356 309
402
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Morada Nova
193 659
234 803
265 724
320 942
351 118
Palhano
18 641
22 406
33 356
31 036
38 838
Quixeré
128 897
163 727
178 359
198 347
135 489
Russas
290 900
346 242
377 166
431 695
441 189
São João do Jaguaribe
24 732
28 381
29 835
33 992
37 257
Tabuleiro do Norte
81 331
95 296
100 116
121 734
137 985
Ceará
40 935 248 46 303 058 50 331 383 60 098 877 65 703 761
180
383
023
46 890
776
829
555
646
41 946
170
464
77 865
415
Fonte: IPECE, (2012).
Esse comportamento do PIB dos municípios da região ajuda a compor uma
perspectiva do grau de integração da cadeia produtiva do Baixo Jaguaribe aos grandes fluxos
de comércio internacional. No entanto, esses mesmos dados evidenciam que as atividades
econômicas desenvolvidas naquela região apresentam alta sensibilidade às flutuações da
economia internacional. Esse comportamento segue a tendência da economia brasileira na
primeira década dos anos 2000, que tem parte da dinâmica de sua demanda agregada
condicionada ao contexto internacional favorável no mercado de bens, o qual manteve a
expansão do comércio mundial, valorização do preço internacional das commodities e
momentos de expansão da liquidez, mas que pelos mesmos mecanismos, também torna mais
vulnerável as economias com alto nível de integração à cadeia internacional. Percebe-se,
ainda, a elevada assimetria nos níveis de desenvolvimento econômico da região, através das
disparidades apresentadas pelo PIB nos diferentes municípios.
Outro importante dado acerca de caracterização econômica da região é a estrutura
setorial do PIB municipal. Nas unidades municipais de maior porte é mais forte a presença do
setor de serviços, dado o maior nível de complexidade da economia dessas cidades. Em
contrapartida, nos municípios menores a participação de atividades primárias é mais
significativa. De forma geral, depreende-se uma forte participação da agricultura na formação
do PIB da microrregião de estudo, seja como contribuição direta de agropecuária, como
mostrado no tabela 3, ou por seus efeitos de propagação nas cadeias industriais e/ou de
serviços, como evidenciado pela literatura.
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1935
TABELA 03
Baixo Jaguaribe
Estrutura setorial do valor adicionado a preços básicos – 2009 e 2010 (%)
Municípios
Alto Santo
Ibicuitinga
Jaguaruana
Limoeiro do Norte
Morada Nova
Palhano
Quixeré
Russas
São João do
Jaguaribe
Tabuleiro do Norte
2009
2010
Agropecuári Indústri Serviço
Indústri Serviç
Agropecuária
a
a
s
a
os
27.8
14.5
20.7
18.2
13.2
30.2
40.7
7.4
11.9
10.6
25.1
20.7
30.2
9.5
12.6
25.9
60.3
75.0
54.2
61.1
56.6
60.3
46.7
66.8
24.4
11.6
16.7
14.0
12.6
31.4
3.6
10.8
13.9
11.8
27.6
21.8
28.9
10.0
6.1
24.3
61.7
76.6
55.6
64.1
58.5
58.6
90.2
64.9
24.0
10.8
65.2
21.9
12.7
65.4
10.2
18.5
71.3
8.7
21.4
70.0
Fonte: IPECE, (2012).
ESTRUTURA DO MERCADO DE TRABALHO DO BAIXO JAGUARIBE
Os novos processos de acumulação no meio rural conferem às áreas mais
desconectadas das grandes cidades a possibilidade de auferirem uma dinâmica econômica de
certa envergadura e complexidade, de forma a se inserir nos fluxos nacionais e internacionais
de comércio. Esses fenômenos, certamente, implicaram em novos padrões e formas de
contratos de trabalho no espaço rural que permitiram/induziram novas determinações das
relações de emprego, com fortes reflexos no perfil do trabalhador rural.
Nos estudos das relações de trabalho no meio rural, há que se observar que na medida
em a agricultura se torna mais mecanizada, as antigas relações de trabalho, características
desse setor, vão sendo extintas e em seu lugar surgem novas formas de ocupação. Ao mesmo
tempo, novas determinações alteram o comportamento dos trabalhadores rurais, levando-os a
assumirem novas características, tornando-os, por exemplo, mais pluriativos, tendo-se, como
consequência, o aumento do desemprego agrícola decorrente desse processo.
Assim, ao longo de várias décadas o mundo rural foi palco de um intenso fluxo de
migração de áreas rurais para áreas urbanas, contribuindo para que as atividades primárias
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1936
fossem se constituindo num “reservatório” de mão de obra barata, com baixos níveis de
qualificação, que poderia ser ocupada ou subocupada em atividades não agrícolas urbanas.
Esses movimentos ainda podem ser percebidos de forma ainda intensa em regiões onde as
áreas rurais são significativamente mais atrasadas.
Os estudos sobre as questões do meio rural, nos últimos anos, todavia, sugerem uma
suavização desse fluxo espacial. No entanto, o fluxo setorial vem se intensificando na medida
em que as atividades não agrícolas ampliam sua participação no número de trabalhadores
rurais, o que pode ser caracterizado como um processo de urbanização para além dos limites
das cidades. Pode-se considerar, então, uma alteração importante na configuração das relações
de migração rural, havendo, pois, uma substituição de migrações espaciais para migrações
setoriais.
Com isso, assiste-se modernamente ao desenvolvimento dos chamados “novos rurais”,
onde a dinâmica da produção dos agronegócios, prática que congrega as redes de produção
agrícolas e não agrícolas, mas que estão ligadas ao universo agropecuário, repercute
decisivamente na configuração, qualidade e dinâmica do emprego agrícola no Ceará.
Os dados apresentados a seguir ilustram as alterações das relações de trabalho para a
região do Baixo Jaguaribe, no Estado do Ceará. Essa região, com enfatizado em seções
anteriores,
congrega
grandes
redes
de
produção
agrícolas
que
alcançaram
um
desenvolvimento significativo nos últimos anos e pode servir como um parâmetro para
avaliação dos impactos das transformações no mundo rural sobre as novas determinações das
relações de emprego.
Depreende-se, de início, um crescimento muito mais intenso das atividades não
agrícolas, até mesmo no meio rural (que apresenta uma taxa de variação maior para esse tipo
de ocupação do que o próprio meio urbano, 35,3%, contra 34,1%). Conclui-se que a expansão
das atividades não agrícolas é quase que uma decorrência do próprio processo de
desenvolvimento agrícola, pois na medida em que os arranjos agropecuários se consolidam,
os efeitos de encadeamentos gerados tendem a repercutir decisivamente nas atividades não
agrícolas. Estas atividades, por sua vez, congregam uma gama de segmentos onde a oferta de
emprego é necessariamente muito maior que das atividades primárias que as determinaram.
Na análise comparativa entre os censos de 2000 e 2010, o emprego agrícola teve uma
redução de 2,6% no total, o que mostra que as atividades primárias, em termos de geração de
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1937
emprego, são muito menos dinâmicas que as atividades não primárias. No entanto, é
importante se ter em mente que os empregos no setor primário costumam ser largamente mais
precários que os não agrícolas e são exatamente tais tipos de ocupação que tradicionalmente
costumam ser destruídas no processo de modernização do campo. Assim, na dinâmica de
criação e destruição de formas e padrões de ocupação no campo, desencadeada por suas novas
configurações produtivas, as atividades primárias perdem postos de trabalho no meio rural,
que são mais precárias, e geram postos de trabalho agrícola, mas ocupados por indivíduos do
setor urbano que tendem a ter maior qualidade. É necessário atentar que as dinâmicas do
mercado de trabalho em cada espaço têm padrões muito distintos, pois na medida as
ocupações agrícolas se reduzem no espaço rural (redução de 10,7% na década de intervalos
dos censos) o emprego agrícola urbano vem aumentando (crescimento de 22,3% no mesmo
período).
TABELA 04
Baixo Jaguaribe
Dinâmica do Mercado de Trabalho Agrícola e Não Agrícola - 2000 e 2010
SITUAÇ
ÃO
Urbano
Rural
Total
NÃO
AGRÍCOLA
45.935
14.392
60.327
2000
AGRÍCO
LA
9.558
29.373
38.931
TOTA
L
55.493
43.765
99.258
NÃO
AGRÍCOLA
61.606
19.474
81.080
2010
AGRÍCO TOTA
LA
L
11.688
73.294
26.219
45.693
118.98
37.907
7
Censos Demográficos do IBGE.
Com relação às dinâmicas do mercado de trabalho urbano e rural, percebe-se um
volume bem mais intenso na geração de postos de trabalho nas áreas urbanas, que
apresentaram uma variação de 32,1%, ao passo que o mercado de trabalho rural teve uma
expansão de apenas 4,4%; vale notar que esse crescimento positivo só foi possível graças a
aumento do emprego em atividades não agrícolas, mas ocupadas por indivíduos do
grupamento rural.
O novo dimensionamento do mundo rural traz alterações importantes não só em
termos de dinâmica do mercado de trabalho, mas também na qualidade das ocupações
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1938
agrícolas, que passam a assumir uma estrutura mais qualificada em virtude das atividades não
agrícolas contratarem de forma mais formalizada e com melhores níveis de rendimentos, por
exemplo. Desse modo, uma das transformações mais interessantes nas relações de trabalho no
meio rural certamente é o aumento considerável do nível de formalização das ocupações.
Como resultado da expansão do agronegócio, responsáveis pela difusão de um novo
modelo de produção agropecuária, fazendo destas áreas pontos de conexão de
circuitos espaciais da produção do sistema alimentar globalizado, o comportamento
endógeno das relações de trabalho vêm sendo transformado. Desse modo, a
mudança do padrão de produção acompanha-se de um aumento do mercado de
trabalho agrícola em moldes capitalistas, especialmente a partir dos anos 1990
(ELIAS, 2006, p. 41).
O tabela 05 traz informações acerca das posições do mercado de trabalho na região do
Baixo Jaguaribe. Onde se verifica a expansão das ocupações formais em volume superior às
informais (crescimento de 65,9% para as primeiras e de 21,3 para a segunda), aumentando sua
participação de 30% para 37% da mão de empregada.
TABELA 05
Baixo Jaguaribe
População Ocupada Rural segundo posição de Ocupação - 2000 e 2010
POSIÇÃO DE OCUPAÇÃO
Empregados
Com Carteira
Sem Carteira
Trabalho Doméstico
Com Carteira
Sem Carteira
Conta própria
Empregadores
Não remunerados
Próprio consumo
2000
2010
VARIAÇÃO
36.667
10.873
25.794
1.599
43
1.556
12.737
392
6.026
5.896
49.318
18.041
31.277
1.812
59
1.752
10.315
223
1.358
9.203
34,5
65,9
21,3
13,3
37,2
12,6
-19,0
-43,1
-77,5
56,1
Censos Demográficos do IBGE.
Outro ponto a ser destacado é o crescimento da taxa de assalariamento na região, que
passa a representar cerca de 68% das população ocupada rural, ao passo de posições menos
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qualificadas com o trabalho por conta própria e os não remunerados apresentarem reduções
importantes de 6 e 8 pontos percentuais, respectivamente.
Assim como observa Elias:
[...] as profissões ligadas ao setor da agropecuária são as que apresentam o maior
número de admissões na região do baixo Jaguaribe. Assim, o mercado de trabalho
agrícola tem hegemonia sobre o mercado de trabalho formal total da região. Desta
forma, confirma-se a tendência de expansão da agricultura e de relações capitalistas
baseadas no trabalho assalariado (ELIAS, 2006, p. 41).
Sendo assim, o mercado de trabalho sofre indícios de um processo de uma nova
territorialização que estão subordinadas as lógicas de reestruturação do espeço agrícola
regional. Logo, as novas dinâmicas da agricultura determinam as múltiplas faces do perfil dos
trabalhadores rurais e modificam até mesmo os mercado de trabalho urbano, dando-lhe novas
dinâmicas e configurações, que por sua vez transformam e/ou retransformam o mercado de
trabalho agrícola, em uma processo de retroalimentação. Em outras palavras, a dinâmica do
mercado de trabalho agrícola segue no rastro das alterações produtivas e se reflete, assim, em
profundas modificações no âmbito socioeconômico (ELIAS, 2006).
A que se observar, no entanto, o surgimento de polos agrícolas nos subespaços do
semiárido no interior do Nordeste alinhados as lógicas de produção e consumo globalizado,
do qual o Baixo Jaguaribe é um exemplo, não são eficientes/suficientes para rompe com os
tradicionais níveis de pobreza desse espaços, pois segundo Elias (2006, p. 46) “ocorrer com
grande produção de riqueza, cada vez mais concentrada, paralelamente a uma enorme
produção de pobreza, cada vez mais difundida, além de criar muitas novas desigualdades
socioespaciais.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento de atividades não agrícolas em espaços antes concebidos como
sendo exclusivamente rurais e agrícolas criam novas relações de ocupações, que conferem ao
mundo rural uma dinâmica baseada no desenvolvimento daquelas atividades, que por sua vez
alteram até mesmo a percepção acerca do meio rural, que passa a ser compreendido agora
como um espaço de reprodução também do capital não agrícola.
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1940
Essas novas alterações no padrão de dinâmica e do próprio mercado de trabalho
parecem ser um fenômeno consolidado que tende a se diversificar e ampliar à medida que as
cadeias produtivas agrícolas e não agrícolas se integrem.
A microrregião do Baixo Jaguaribe no Ceará apresenta um desenvolvimento do
mercado trabalho de certa magnitude. Não obstante, nota-se que o meio rural dessa região
sofre rupturas importantes, pois a oferta de trabalho não agrícola tende a ser muito mais
elevada que a essencialmente agrícola, até mesmo no mundo rural. Conclui-se, também, que
os níveis de formalização no meio rural aumentaram significativamente com a expansão das
atividades não primárias, como um indicativo que os novos padrões de contratos de trabalho
no meio rural sejam de maior qualidade em termos de ocupação. No entanto, esse processo
ocorre alheio ao desenvolvimento de políticas públicas que garantam que esse processo se
consolide de forma equilibrada em termos de melhora na condição de vida dos trabalhadores
rurais.
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1942
MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO E EDUCAÇÃO À
DISTÂNCIA NO SERVIÇO SOCIAL: LIMITES E IMPLICAÇÕES PARA O
PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DA PROFISSÃO
Ana Karine Ferreira da Silva Fechine109
Thanúsia Hensel da Cunha110
“A educação não deve qualificar para o mercado, mas
para a vida” (Meszáros).
RESUMO
O objetivo desse texto é analisar a formação profissional do assistente social via modalidade de ensino
a distância no contexto da contrarreforma da educação superior brasileira, apresentando os limites e as
implicações que essa forma de ensino acarreta para a profissão de acordo com o que é preconizado
pelo projeto ético-político do Serviço Social. Nesse sentido, através desta reflexão teórica elencamos
breves considerações acerca da trajetória histórica do serviço social brasileiro e consolidação da
hegemonia de um projeto profissional crítico, mas permeado por desafios na medida em que a
formação profissional na contemporaneidade se encontra submetida aos moldes da mercantilização do
ensino superior e da expansão do ensino a distância.
Palavras-chave: Ensino a distância; Serviço Social; projeto ético-político.
ABSTRACT
The aim of this paper is to analyze the training of social workers via distance learning mode in the
context of counter-reform of Brazilian higher education, with the limits and the implications that this
form of teaching brings to the profession in accordance with what is recommended by ethical-political
project of Social Work. Accordingly, through this theoretical reflection we list some brief remarks
about the historical trajectory of the Brazilian social service and consolidation of hegemony a
professional design critic, but permeated with challenges as the professional training in contemporary
times is subjected to molds commodification of higher education and the expansion of distance
education.
Keywords: Distance learning; Social Work; ethical-political project
Introdução
109
110
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (84) 9922-1905 [email protected]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, (84) 9936-3507 [email protected]
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1943
Este artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica acerca da mercantilização da
educação superior brasileira, que tanto evidencia a lógica da quantidade em detrimento da
qualidade do ensino e daremos ênfase à modalidade de Ensino a Distância (EaD) que se
apresenta na atualidade como uma das formas mais evidentes da precarização da educação
superior. Dentro dessa perspectiva, trabalharemos a inserção do curso de Serviço Social no
EaD em virtude da visibilidade que este tema tem alcançado nos inúmeros debates que estão
ocorrendo no âmbito da categoria profissional.
Dessa forma, esta produção bibliográfica centra-se numa abordagem sobre a trajetória
do Serviço Social no Brasil e a construção de um projeto profissional crítico e hegemônico no
interior da categoria, balizado pela defesa intransigente dos direitos humanos e da liberdade
como valor ético central, preconizando a formação profissional de qualidade e tendo como
pressuposto a elaboração de currículos e projetos pedagógicos compatíveis com as diretrizes
do curso.
As exigências da formação profissional de qualidade no contexto da contrarreforma do
ensino superior são colocadas em pauta no âmbito da profissão, tendo em vista o aumento da
privatização do ensino e o crescimento da modalidade de ensino à distância.
Para uma melhor compreensão serão utilizados dados retirados do site do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que possam ajudar na
exemplificação das informações que serão explanadas. Esses dados serão analisados de forma
breve, numa perspectiva dialética que poderá nos fornecer subsídios para uma abordagem
crítica que melhor trabalhe o tema em questão.
Por último, traçaremos breves considerações acerca do movimento histórico em que o
Serviço Social brasileiro se engaja em um projeto de ruptura com setores conservadores da
sociedade e o envolvimento da categoria com a classe trabalhadora. Dessa forma, abordamos
como o projeto ético-político profissional se desenvolve e se consolidada em um contexto de
efervescência política; de participação massiva dos/as assistentes sociais em fóruns de debate,
seminários, oficinas e etc.
Analisaremos também, os limites e as implicações que essa forma de ensino acarreta
para a profissão de acordo com o que é preconizado pelo projeto ético-político do Serviço
Social, por entendermos que a formação é um processo permanente que se apresenta com um
dos seus pilares constitutivos. Portanto, procuraremos problematizar porque a graduação à
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1944
distância é incompatível com o Serviço Social e quais as consequências para a formação
profissional em relação à expansão desta modalidade. Para tanto, realizaremos uma revisão
bibliográfica do tema, procurando dialogar com autores, assim como também nos propomos
analisar documentos balizadores do exercício profissional do assistente social, tais como o
Código de Ética e as Diretrizes Curriculares.
A conjuntura da contrarreforma do Estado brasileiro e a mercantilização do ensino
superior
Para contextualizar as mudanças ocorridas no Brasil no que diz respeito à educação,
temos que ressaltar que a Contrarreforma111 do Estado brasileiro não pode ser compreendida
de maneira isolada, mas sim, em associação ao contexto de transformações mais profundas,
como a crise mundial do capital dos anos 1970, que ocasionou uma série de transformações
na estrutura social.
Como consequência e resposta a essa crise vivenciamos a chamada restruturação
produtiva que trouxe para a sociedade mudanças nunca antes pensadas para o mundo do
trabalho cujo objetivo era restabelecer o padrão de acumulação do sistema capitalista através
da recuperação do seu ciclo produtivo que anteriormente havia dado sinais de esgotamento.
Mas essa reestruturação não se limitou apenas ao aspecto econômico, pois, o sentido da
acumulação capitalista compreende a reprodução da totalidade da vida social, e que, portanto,
deveria abranger também as dimensões social, política e cultural.
Segundo Behring (2008), o padrão de crescimento capitalista, que teve o seu auge no
pós-guerra, apresentou a sua primeira exaustão mundial. Em meados da década de 1970,
houve uma expressiva queda nos lucros, endividamento internacional e consequente
superacumulação, ocasionando mudanças no regime de acumulação.
Esse regime até o momento era baseado no modelo fordista-keynesiano, de produção
em massa, tendo como característica o aparato Estatal intervencionista e de bem-estar. Com a
crise, o modelo de produção passou para um novo regime de acumulação, o chamado
toytismo japonês, que tem a sua fundamentação da produção e do trabalho baseado em um
111
De acordo com Granemann (2004, p. 30), a contrarreforma se configura como um conjunto de “alterações
regressivas nos direitos do mundo do trabalho. [...] em geral, alteram os marcos legais – rebaixados – já
alcançados em determinado momento pela luta de classe em um dado país”.
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1945
novo padrão tecnológico de base microeletrônica, passando do padrão rígido fordista à
produção flexível, onde traz também a refuncionalização do Estado capitalista. “Como o
toyotismo é baseado em tecnologias capital-intensivas e poupadoras de mãe-de-obra, os
efeitos sobre a força de trabalho têm sido devastadores” (BEHRING, 2008).
De acordo com Antunes (2009), a crise do capital trouxe mutações intensas no aspecto
econômico mundial, uma vez que se buscava recuperar o ciclo de produção do capital, mas
também inseriu significativas mudanças nos aspectos políticos, sociais e ideológicos, na qual
puderam ser evidenciados mais fortemente com o advento do neoliberalismo112.
O Neoliberalismo tem sua dinâmica de inserção própria para cada nação a partir das
intermediações concretas entre as características econômica, política, social e cultural, e que
na sociedade brasileira, traz o favor como fator de mediação, em que a burguesia nacional faz
do "Estado o seu instrumento econômico privado por excelência”, trazendo mudanças
significativas na sua ação reguladora, onde o Estado mínimo para o trabalho torna-se "o
Estado máximo para o capital", visando com isto à supressão de direitos sociais e repassando
a sociedade civil as suas responsabilidades, com transformações radicais no mundo do
trabalho, criando regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, passando a redução do
emprego regular a trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado (NETTO, 1996, p.
100).
Essas mudanças estruturais do novo modo produtivo capitalista provocou maior
desigualdade social, determinando novas expressões a questão social e que tem a sua origem
na relação entre o trabalho e o capital, que nada mais é do que a apropriação privada da
produção coletiva do trabalho, causador estrutural das mazelas sociais.
O contexto de reforma do Estado do Brasil deve ser analisado dentro da conjuntura de
crise do capital e do advento do neoliberalismo onde a acessibilidade aos direitos sociais terá
uma nova configuração, pois a Contrarreforma que vem “mascarada” na perspectiva de ajuste
fiscal, acaba por intensificar as privatizações, desregulamentando os direitos do trabalho e
diminuindo principalmente os gastos no setor social.
112
De acordo com Sader (1995), o neoliberalismo é uma estratégia da classe burguesa que reuni um conjunto de
ideias políticas, econômicas e ideológicas com a defesa da pouca ou não participação do Estado na economia
para que haja total liberdade do mercado e assim um país possa crescer e se desenvolver.
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1946
Iniciando as considerações acerca da Contrarreforma na educação brasileira,
abordaremos a questão do mercantilismo na educação superior. De acordo com Pereira
(2008), em virtude da crise do capital e consequente avanço do neoliberalismo com
diminuição drástica nos gastos sociais, algumas políticas sociais consideradas como direito
vieram a ser tratadas como serviços, nesse sentido, o cidadão passou a ser considerado
consumidor, ou seja, o acesso a política de educação não ocorreria mais de maneira universal
e boa parte da população só teria acesso se dispusesse de poder aquisitivo para o pagamento
de matrículas e mensalidades.
Contraditoriamente ao que foi posto, a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) na Declaração Mundial sobre a Educação
Superior no século XXI reforça que esta é um bem público, um direito fundamental e que, por
isso, não deve ser tratada como um serviço. Mas, conforme o pensamento de Meszáros (p.16),
na atualidade não é isso o que acontece, pois:
No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do
sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo
esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada
exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se
vende, tudo se compra”, “tudo tem um preço”, do que a mercantilização da
educação.
Mas, a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 6º expressa que “São
direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”. Porém, o que podemos observar atualmente é uma
desresponsabilização do estado frente a educação onde o acesso a esta no nível superior não
possuiu mais caráter universal como política pública.
Este cenário passou a ser visto como um excelente campo de lucratividade, por isso, a
exploração do setor se acentuou drasticamente, pois o retorno financeiro era certo. Apesar de
na teoria o Brasil não mencionar a educação como um serviço, na prática é isso que podemos
observar, muito em virtude das pressões do capital em transformar a educação em mais um
serviço que precisa dar rentabilidade.
Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que foram iniciadas as reformas
na educação brasileira e que estavam dentro de uma reforma mais ampla que era a de Estado.
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Essas reformas foram se justificando pela necessidade de se investir nos ensinos fundamental
e médio em detrimento do ensino superior que passaria a ser responsabilidade do mercado
através do oferecimento nas instituições privadas sob a ótica de que a ascensão social da
população viria através da educação superior.
Na área educacional, aquele governo [FHC] não ampliou significativamente o
acesso ao Ensino Superior, mas efetivamente processou um estrangulamento das
Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), por meio da não realização de
concursos públicos durante oito anos, e ampliou expressivamente a participação do
setor privado no nível superior de ensino, atuando como um forte regulador e
incentivador (PEREIRA, 2012, grifos nossos).
Esse processo de expansão e consequentemente mercantilização do ensino superior
que foi iniciado no governo FHC, continuou nos governo de Lula e Dilma, e poderá ser
observado abaixo através da exposição de alguns dados.
De acordo com o Plano Nacional da Educação (PNE) que compreendeu o período de
2001 – 2011 previu-se a necessidade de ampliar o número de jovens na faixa etária dos 18 a
24 anos com acesso a educação superior, pois o Brasil ocupa a penúltima posição dos países
latino americanos no percentual de jovens com acesso a essa fase de educação como mostra o
trecho a seguir:
No conjunto da América Latina, o Brasil apresenta um dos índices mais baixos de
acesso à educação superior, mesmo quando se leva em consideração o setor privado.
Assim, a porcentagem de matriculados na educação superior brasileira em relação à
população de 18 a 24 anos é de menos de 12%, comparando-se desfavoravelmente
com os índices de outros países do continente. [...] o Brasil continua em situação
desfavorável frente ao Chile (20,6%), à Venezuela (26%) e à Bolívia (20,6%)
(BRASIL, 2001).
De acordo com dados do Censo 2011 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a evolução do percentual de jovens de 18 a 24 anos que
frequentam ou já concluíram o ensino superior teve a seguinte evolução no período de 14
anos: em 1997 esse percentual era de 7,1%, em 2004, 12,1% e em 2011 17,6%. O objetivo do
PNE para o final da década era que esse percentual chegasse aos 30%, mas pode-se perceber
que o número ultrapassou apenas pouco mais da metade do objetivado. Para o período atual, o
objetivo expresso no projeto de lei do Plano Nacional de Educação para o período de 2011 a
2020 é que esse percentual chegue aos 33% levando-se em consideração todas as modalidades
de ensino.
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1948
Esse baixo percentual no número de jovens no ensino superior configura-se como um
fator a mais para explicar a solidificação do ensino superior por instituições privadas e
principalmente na modalidade a distância. Para isso, utiliza-se a justificativa de democratizar
o acesso e de diversificar a oferta de cursos e instituições no ensino superior e de suas fontes
de financiamento, no qual segundo Lima (2008), são as características principais da
contrarreforma da educação superior brasileira.
Ainda utilizando dados do INEP, no que diz respeito às instituições de nível superior,
4,3% destas são federais, 4,7% são estaduais, 3,0% municipais e 88% são privadas. Esse
percentual bastante elevado vem corroborar com a ideia da mercantilização da educação
citada anteriormente, pois, o acesso a educação pública como um direito social não atende um
número significativo de estudantes. Ao mesmo tempo, essa elevada taxa de instituições
privadas é justificada por organismos internacionais como sendo de extrema importância por
elevar o número de pessoas com nível superior, mas, é sabido que muitas vezes não se leva
em consideração a forma como isso vem ocorrendo e a qualidade das mesmas.
Ainda de acordo com dados do INEP (2011), com relação ao tipo de instituições de
ensino superior, temos um total de 2.365, onde 190 são universidades, 2.004 são faculdades,
131 são centros universitários e 40 são Institutos Federais. De acordo com a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996), as universidades
têm que compreender além do ensino, a pesquisa e a extensão e contar no seu quadro de
docentes um terço destes em regime de tempo integral e com titulação acadêmica de mestrado
ou doutorado. Por isso, podemos observar um número bastante superior de faculdades, já que
estão isentas dessas obrigações ocasionando uma formação profissional sem as vivências em
projetos de pesquisa e extensão, o que também não podemos ser levianos em dizer que os
alunos de Universidades sempre terão essas experiências, porque na prática não é sempre que
isso acontece.
O total de matrículas das instituições públicas das três esferas de governos é de
1.773.315 matrículas, enquanto que nas instituições privadas esse número é de 4.966.374,
compreendendo assim, 73,7% do total de matrículas em cursos de graduação (INEP, 2011).
Com relação às modalidades de ensino, 85,3% das matrículas são de cursos
presenciais e 14,7% de cursos à distância.
No ensino presencial 73,2% são cursos de
bacharelado, 43,3% licenciatura, 26,6% cursos tecnológicos. No ensino a distância, 30,2% são
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cursos de bacharelado, 43,3% de licenciaturas e 26,6% ensino tecnológico. Esse percentual de
matrículas em cursos a distância é bastante significativo, e tem aumentado com o passar dos
anos, sendo justificados, muitas vezes, pela necessidade mercadológica onde cada vez mais as
pessoas precisam se qualificar e não têm tempo disponível de cursar um ensino superior na
modalidade tradicional.
Além desses dados citados houve uma intensa expansão no setor privado, conforme
corroboraram os dados acima e uma significativa expansão no setor público, porém, em
menor proporção, mas que merece reflexão.
Uma das formas de expansão no setor privado se deu com o Programa Universidade
para todos (PROUNI). De acordo com o Ministério da Educação (MEC), esse programa
surgiu em 2004 através de iniciativa do governo federal e objetivou conceder bolsas de estudo
para cursos superiores em instituições privadas para estudantes brasileiros que concluíram o
ensino médio em escola pública ou instituições particulares com bolsa integral; estudantes
com algum tipo de deficiência comprovada ou professores da rede pública de ensino desde
que o curso fosse na modalidade licenciatura.
A adesão ao Prouni proporciona inúmeras isenções fiscais as Instituições de Ensino
Superior, a exemplo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). O
objetivo de garantir a permanência do aluno não acontece, pois a preocupação das IES acaba
pautando-se apenas em ações que propiciem o acesso do mesmo e não a sua permanência e
conclusão.
Outra forma de expansão através do financiamento público ao setor privado se deu
com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que financia a graduação de estudante de
cursos superiores reconhecidos pelo MEC ampliando as vagas e otimizando os recursos.
Já na área pública, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e expansão das
Universidades Federais (REUNI) foi instituído pelo Decreto nº 6.096 do ano de 2007 e tem
como principal objetivo “ampliar o acesso e a permanência da educação superior”. Esse
programa se daria através do acréscimo de 20% no orçamento das Universidades Federais e
também com um melhor aproveitamento da infraestrutura e dos recursos humanos já
existentes nessas instituições.
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Alguns dos objetivos do programa como dobrar as matrículas nos cursos de graduação,
elevar a taxa de conclusão dos alunos para 90% e estabelecer uma relação professor-aluno de
1:18, parecem ser excelentes metas a serem alcançadas, mas na realidade não é isso que vem
acontecendo. Para dobrar o número de matrículas há que se pensar nas condições físicas e
humanas para isso, e o que pudemos vivenciar em algumas universidades foi a criação de
cursos sem as devidas condições, e somente com o passar do tempo é que a infraestrutura veio
acompanhar, inclusive existindo turmas que já concluíram sem ter bibliotecas, laboratórios e
até mesmo sala de aula, problemas esses que podem ser mais evidenciados quando tratamos
de campis no interior dos estados. A taxa de conclusão de 90% é um número bastante utópico
uma vez que as Universidades ainda não conseguem oferecer 100% de condição para que haja
a permanência no ensino superior.
Percebemos que há um enfoque muito grande, quase que exclusivamente no acesso
dos alunos aos cursos superiores e não na permanência dos mesmos. A qualidade dos cursos
oferecidos em algumas instituições passam a ser questionada, pois temos mais fortemente um
ensino pautado em ações privatistas que não garantem condições para que os alunos
permaneçam e concluam o ensino superior com êxito.
Contextualizando a Educação a Distância (EaD) no Serviço Social
A expansão do ensino superior, em especial na modalidade de Educação a Distância
(EaD), vem ocasionando inúmeros debates no que diz respeito a formação profissional. O
Decreto nº 5.622 de 19 de dezembro de 2005 em seu artigo primeiro caracteriza a educação à
distância como sendo: Modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos
processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e
comunicação.
Existem várias legislações acerca do assunto que propiciam que a modalidade EaD
venha se fortalecendo e funcione como a “salvadora dos problemas” da educação brasileira
sob a aparência de ampliação do acesso, de ser uma política inclusiva que vai elevar a média
de escolarização da população e favorecer a inclusão digital dos mesmos, segundo os diversos
organismos internacionais (Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Unesco, etc).
Mas, ao analisarmos criticamente podemos empreender que a preocupação principal
desses organismos do capital e dos nossos governos neoliberais é pautada em números e não
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se leva em consideração muitas vezes a qualidade da formação. Dessa forma, essa modalidade
de ensino se configura como mais uma forma existente de privatização da educação.
No EaD, o perfil do professor é substituído pelo tutor e os alunos acabam não tendo
experiências com pesquisa, extensão e movimentos sociais, sobretudo os estudantis. Os cursos
são predominantemente da área de humanas, pois, no geral nessa área não há necessidade de
grandes investimentos em laboratórios e aparatos tecnológicos.
O Serviço Social, como uma profissão desenvolvida a partir das necessidades sociais,
é requerida e fundada a partir de quando o Estado passa a tratar a Questão Social, não mais
apenas pela coerção, mas pela via do consenso, modificando as suas bases de produção a cada
mudança do modelo econômico capitalista, tendo no momento atual o seu maior
agravamento, já que a reestruturação produtiva, com a flexibilização do trabalho, transformou
o trabalho em dimensões nunca antes processadas, trazendo dois tipos de trabalhadores, os de
emprego fixo e os temporários, subcontratos.
Isto posto, entende-se que mesmo sendo as políticas sociais, a área de intervenção do
Assistente Social, a definição da Questão Social como elemento fundante da profissão, se
explica por ser a questão social determinada pela relação do Estado e da sociedade,
explicando e trazendo as políticas públicas como alternativa a permanência ou apaziguamento
das desigualdades sociais, originárias do modelo econômico.
Uma profissão como a de Serviço Social, com importante inserção no mercado de
trabalho, em especial na formulação e execução de políticas públicas configurou-se como uma
área bastante atrativa também para o mercado educacional. Associado a isso, não exige
grandes investimentos tecnológicos ou financeiros, em sua maioria, necessita apenas de
recursos humanos e infraestrutura (salas de aulas e materiais didáticos). Por isso, de acordo
com dados do INEP (2010), o curso de Serviço Social tem o terceiro maior número de
estudantes matriculados na modalidade de Ensino a Distância, ficando atrás somente dos
cursos de Pedagogia e Administração.
No ano de 2004 os cursos de Serviço Social à distância foram autorizados a funcionar,
mas foi somente em 2006 que efetivamente começaram. De acordo com dados atuais do EMEC, atualmente existem no Brasil 440 cursos de Serviço Social em atividade, dos quais 57
oferecem os cursos de forma gratuita e 383 são privados, representando assim 13% e 87%
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respectivamente. Vale salientar que algumas instituições apresentam mais de um curso de
Serviço Social.
Com relação a modalidade a distância, foi possível analisar que há atualmente (2013)
no Brasil, 19 instituições nesse tipo de ensino, todas em cursos não gratuitos, totalizando o
número de 66.415 de vagas autorizadas pelo MEC para funcionar.
Com relação ao Rio Grande do Norte, temos o total de 19 instituições atuando no
estado que oferecem o curso de Serviço Social. Deste número apenas duas são instituições
públicas universitárias que oferecem ensino presencial com o número anual de 140 vagas. As
outras 17 instituições são predominantemente faculdades, sendo oito na modalidade de ensino
presencial e nove a distância, e uma delas é apresentada como sendo de natureza jurídica
pública estadual, mas que na realidade trata-se de uma fundação pública de direito privado.
Todos esses dados vem corroborar com o que foi posto acerca da mercantilização do
ensino superior, em especial na modalidade EaD, pois vemos que a “quantidade” ainda
prevalece mais do que a qualidade do ensino, uma vez que os cursos vêm maquiados sob a
perspectiva da democratização do acesso.
A formação profissional, o projeto ético-político e a dicotomia entre ensino à distância e
Serviço Social
No lastro das transformações societárias engendradas ao longo da trajetória do Serviço
Social no Brasil, que segundo Netto (1996) são transformações que acarretam alterações nas
profissões, na divisão sócio-técnica do trabalho.
Nessa conjuntura, no âmbito da formação profissional podemos elencar diversos
elementos que perpassaram este processo, que vão desde o momento de intenção de ruptura
com setores conservadores113, influenciado pelo Movimento de Reconceituação do Serviço
Social na América Latina, em meados da década de 1960 até a construção e consolidação do
próprio projeto ético-político profissional, pautado na defesa intransigente dos direitos
humanos, que ganhou visibilidade a partir da década de 1980.
113
Sobre o momento de intenção de Ruptura do Serviço Social com o conservadorismo, para uma análise mais
detalhada consultamos como referência base a obra Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no
Brasil pós-1964.
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Sobre a trajetória histórica do serviço social no Brasil, concordamos com Silva e Silva
(1995) que o Projeto de Ruptura se consolida em três momentos:
1) um momento de efervescência e de mobilização política, na qual se dá a
instituição da ruptura no contexto de uma luta intensa pela hegemonia, no interior
das entidades nacionais do Serviço Social, especificadamente da ABESS e do
CFAS;
2) um momento de aprofundamento e consolidação do projeto de ruptura com
instituição da hegemonia em face da luta com outras perspectivas de projeto
profissional, especialmente na segunda metade da década de 1980;
3) um momento de refluxo e de repensar da profissão, no final da década de 1980 e
nos anos 90, que se situa no contexto da ofensiva neoliberal, da crise do Welfare
State e da crise do socialismo real e dos paradigmas teórico conceituais (SILVA E
SILVA, p. 103-104, 2007).
Dessa maneira, são nas últimas três décadas que o Serviço Social brasileiro vem
redefinindo sua trajetória política no cenário brasileiro, especificamente nos marcos do III
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), o “Congresso da Virada” de 1979.
É também nesse contexto de efervescência cultural e de lutas populares dentro do
processo de redemocratização da sociedade brasileira, que os/as assistentes sociais adquirem
uma posição crítica no âmbito da sua atuação profissional, que segundo Iamamoto (2008),
define este momento como sendo:
Uma relação de continuidade e ruptura. É uma relação de continuidade, no sentido
de manter as conquistas já obtidas, preservando-as; mas é também uma relação de
ruptura em função das alterações históricas de monta que se verificam no presente,
da necessidade de superação de impasses profissionais vividos e condensados em
reclamos da categoria profissional. (Iamamoto, p. 51, 2008).
Como acima mencionado, a década de 1980 possibilitou, como aponta Netto (1996) a
consolidação do projeto de ruptura com o conservadorismo no Serviço social, e concordamos
com o autor quando ele expressa que:
Essa ruptura não significa que o conservadorismo (e, com ele, o reacionarismo) foi
superando no interior da categoria profissional; significa apenas, que
posicionamentos ideológicos e político de natureza crítica e contestadora em face a
ordem burguesa conquistaram legitimidade para se expressarem abertamente .
Nessa perspectiva, entre as décadas de 1980 e 1990, o projeto ético-político consolida
sua hegemonia, sendo caracterizado pela construção de valores comprometidos com a
emancipação humana e com uma nova forma de sociabilidade (RAMOS, 2009).
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Segundo Netto (1999), a conquista da hegemonia do projeto ético-político do Serviço
Social teve como elementos propulsores “o crescente envolvimento da categoria nos fóruns de
debate, nos espaços de discussão, nos eventos profissionais [...] nas oficinas regionais da
ABESS, nos encontros nacionais patrocinados pelo conjunto CFESS/CRESS” (NETTO,
1999, p. 106). Ainda na mesma linha de pensamento do referido autor, podemos perceber que
essas conquistas foram fruto de debates coletivos, não apenas da vontade individual dos
sujeitos envolvidos nesse processo, visando assim, a construção de um projeto profissional
articulado a um projeto societário que possibilita a aproximação com as lutas das classes
trabalhadoras.
A construção de um determinado projeto, ou seja, algo que se quer alcançar, faz-se de
diferentes formas, visto a existência de projetos individuais, coletivos e societários, estes
considerados projetos de classe, que possui no seu interior uma dimensão política, ou seja,
uma relação de poder.
O projeto profissional hoje hegemônico no Serviço Social surgiu num contexto de
lutas e movimentos sociais e tem sustentação em alguns aparatos legais do Serviço Social
como a Lei nº 8.662 que regulamenta a profissão, o Código de Ética profissional e as
Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. Concordamos com Netto, 1990, p. 95,
quando ele afirma:
Os projetos profissionais [inclusive o projeto ético-político do Serviço Social]
apresentam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam
socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os
requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem
normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua
relação com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as
organizações e instituições sociais, privadas e públicas [...].
Com relação à formação profissional, o referido projeto se opõe radicalmente a
educação mercantilista tão presente na realidade brasileira; é a favor da formação contínua
processual e não terminal, por entender que o conhecimento é algo que está em permanente
transformação; e apoia as três dimensões fundamentais de sustentação da formação e
exercício profissional: a ético-política, a teórico-metodológica e a técnico-operativa para que
não surja um novo perfil profissional essencialmente operativo em detrimento das outras
dimensões.
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Essas dimensões citadas devem estar articuladas entre si, havendo o cuidado de não
“transformarem-se em limites que vêm tecendo o cenário de algumas das dificuldades,
identificadas pela categoria profissional, que necessitam ser ultrapassadas: o teoricismo, o
militantismo e o tecnicismo” (IAMAMOTO, 2009).
Considerado um dos aparatos do projeto ético político da profissão, as Diretrizes
gerais para o curso de Serviço Social foi um documento elaborado pela Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), na época ainda chamada ABESS, junto
da categorial profissional e que objetivava a normatização do currículo para o curso de
Serviço Social.
Foi criado na década de 1990, onde pudemos evidenciar inúmeras transformações na
sociedade impulsionadas pelo aprofundamento da questão social fruto das transformações no
cenário mundial que trouxe para o Brasil também consequências na vida social e
principalmente no mundo do trabalho. Pautou-se na leitura da realidade e nos princípios do
Código de Ética dos assistentes sociais para criar um projeto de formação crítico que levasse
em consideração seus princípios fundamentais.
Os projetos profissionais são organizados a partir de um sujeito coletivo: a categoria
profissional, que fortemente organizada contribui para que seu projeto seja consolidado,
firmado na sociedade. No seu interior são identificadas diversas opiniões, diversos pontos de
vista, prevalecendo assim, o pluralismo, que pode ser entendido como “elemento factual da
vida social e da profissão mesma” (NETTO, 1999, p. 96). Portanto, o pluralismo é elemento
imprescindível na construção de um projeto profissional, na medida em que possibilita o
respeito a correntes teóricas diversas existentes no âmbito de uma determinada categoria
profissional.
Partindo desse pressuposto, o projeto profissional do Serviço Social se pauta na defesa
de princípios como a defesa da liberdade como valor ético central; defesa intransigente dos
direitos humanos; compromisso com as lutas das classes trabalhadoras (CFESS, n. 273,
1993). Esses princípios fundamentais estão materializados no novo Código de Ética
Profissional do/a Assistente Social, aprovado em 1993 e que foi fruto de amplos debates
coletivos no âmbito da categoria, que expressam notadamente avanços na medida em que
elege valores e princípios, como “o compromisso com valores ético-políticos emancipadores
referidos à conquista da liberdade” (BARROCO, 2008, p. 200).
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Faz-se necessário, para tanto, compreender a conjuntura em que esse projeto
profissional se consolida, bem como compreender a importância das discussões coletivas para
a organização política dos/as assistentes sociais.
Conforme Amaral (2009), o Projeto Profissional adquire a nomenclatura de “Projeto
Ético-Político” apenas na década de 1990, porém é identificado na década de 1970, quando
os/as assistentes sociais “declaram sua organicidade aos interesses e projetos da classe
trabalhadora, afirmando a direção política da profissão” (AMARAL, 2009, p. 49). A autora
ainda coloca que essa organicidade, impulsionada inicialmente pelo reconhecimento e pelo
apoio às greves das classes trabalhadoras, especificamente aos/as trabalhadores/as do ABC
paulista que reivindicavam o fim repressão política da ditadura militar, “veio a se constituir
num forte movimento organizativo e político-acadêmico do Serviço Social brasileiro,
configurando o que hoje se concebe como projeto profissional” (AMARAL, 2009, p. 49).
Portanto, podemos perceber que o projeto profissional do Serviço Social foi sendo
construído através da articulação e o compromisso com as lutas e reivindicações das classes
trabalhadoras num momento de forte repressão aos movimentos sociais. Assim, é notória a
conquista da hegemonia do projeto ético-político num contexto em que os/as assistentes
sociais se organizam em torno das discussões e das lutas pela (re)democratização do Estado,
período que aflorava os movimentos sociais. Logo, “o projeto do Serviço Social foi gestado
na luta pela democratização da sociedade como os trabalhadores organizados como sujeitos
políticos” (AMARAL, 2009, p. 50).
Podemos afirmar que, vários elementos deram sustentabilidade aos avanços e a
conquista da hegemonia do projeto ético-político do Serviço Social, como constatamos em
Braz (2009, p. 191):
O primeiro elemento se relaciona com a explicitação de princípios e valores éticopolíticos; o segundo se refere à matriz teórico-metodológica em que se ancora; o
terceiro emana da crítica radical à ordem social vigente – a da sociedade do capital –
que produz e reproduz a miséria ao mesmo tempo em que exibe uma produção
monumental de riquezas; o quarto se manifesta nas lutas e posicionamentos políticos
acumulados pela categoria através de suas formas coletivas de organização política
em aliança com setores mais progressistas da sociedade brasileira.
Diante do que foi evidenciado, podemos analisar que o projeto ético-político se ancora
em elementos essenciais tais como, a aproximação com correntes teóricas mais críticas, num
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momento de recusa às práticas conservadoras, resultando num avanço teórico-metodológico
da profissão, “pela capacidade de formulação de propostas e políticas que lhes permite
exercitar o seu papel intelectual na construção de alternativa coletivas” (AMARAL e MOTA,
2009 p. 53). Expressam, portanto, um amadurecimento intelectual dos/as assistentes sociais.
Os pressupostos que passaram a nortear essa formação profissional do assistente social
colocam a questão social sempre em destaque e segundo Iamamoto (2009), “decifrar os
determinantes e as múltiplas expressões da questão social, eixo fundante da profissão, é um
requisito básico para avançar na direção indicada”.
A qualidade da formação e do exercício profissional também constitui parte integrante
do projeto ético-político, logo, uma das preocupações com o ensino a distância se dá por essa
modalidade ser centrada exclusivamente no ensino e não no tripé ensino, pesquisa e extensão.
Entendemos que não só no exercício profissional, mas no processo de formação, a pesquisa da
realidade social é um dos instrumentos indispensáveis para o assistente social e não uma
atividade que pode ser feita apenas se houver condições objetivas favoráveis (IAMAMOTO,
2009).
Conforme mostrou o documento elaborado pelas entidades da categoria profissional
(CFESS, CRESS, ABEPSS e ENESSO, 2008), muitos projetos pedagógicos dos cursos de
Serviço Social desrespeitam flagrantemente o que é preconizado, ofertando conteúdos que
não condizem com a realidade do curso. Também observamos inúmeros problemas com
relação aos estágios, pois, muitas vezes acontecem sem supervisão, ou com o número de
estudantes para o supervisor bem superior ao que preconiza a lei nº 11.788 (Lei do Estágio), a
transferência da responsabilidade de conseguir campo de estágio para os alunos e não para a
instituição e algumas vezes esse supervisor não é assistente social, fato estes que são
totalmente contrários ao que está disposto na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço
Social.
Os projetos pedagógicos dos cursos de Serviço Social a distância se mostram
conservadores e não estão em conformidade com os pilares do projeto ético-político da
profissão, pois, entre outras coisas limita a possibilidade da criticidade e acabam por
reproduzir uma visão formalista do currículo sem ocorrer interação entre professores, alunos e
a comunidade.
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Não há como garantir respostas profissionais crítica e qualificada acerca da realidade
social que o profissional se deparará no seu exercício profissional com uma frágil formação
baseada num ensino tutorial, formado por profissionais com contrato de trabalho cada vez
mais precarizado, sem exigência de titulação, sem acesso muitas vezes às bibliotecas, e com
material didático composto de apostilas resumidas e que sintetizam apenas as ideias principais
que os autores de referência para o Serviço Social trabalham.
Ao desenvolver a análise da profissão do Serviço Social no mundo atual, concordamos
com Iamamoto (2009, p. 20) quando ela cita a necessidade de "romper com a visão focalista
[...] olhar para o movimento de classes sociais e do Estado em suas relações com a
sociedade". E que o profissional do Serviço Social, tem historicamente implementado
políticas sociais, especialmente políticas públicas, onde no momento atual a sua intervenção
vai além da função de executores trazendo as demandas para área da formulação das políticas
sociais e tem como elemento fundante do seu conhecimento o desenvolver da capacidade de
analisar criticamente a realidade, sendo este o seu meio de trabalho, ultrapassando a visão das
técnicas como instrumental para sua intervenção, o que lhe possibilitará a apreensão das
modificações nela contida, criando espaços e possibilidades ao profissional.
Conclusão
A partir do exposto pode-se perceber que a formação profissional via ensino a
distância tem aumentado significativamente, acentuando o processo de privatização da
educação brasileira e causando enormes impactos na formação profissional se analisarmos de
acordo com o que preconiza o nosso projeto ético-político profissional.
Questionamos não o aluno de Educação a Distância na sua individualidade, mas na
totalidade desse processo social por entendermos que não se trata de uma posição
preconceituosa, mas sim, uma posição contrária as diversas formas de mercantilização do
ensino superior e afirmação do fortalecimento das instituições públicas de ensino, na defesa
da democratização do acesso e da qualidade do ensino ofertado como direito assegurado pela
Constituição Federal brasileira.
Há necessidade de lutar para melhorar a qualidade da formação e não se preocupar
apenas com números para satisfazer os ensejos dos organismos nacionais e internacionais que
estão a serviço do capital. Nos preocupamos com o perfil do profissional egresso dessas
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instituições de ensino, uma vez que há efêmera ou nenhuma participação dos mesmos em
projetos de pesquisa, extensão e movimentos sociais, sobretudo os estudantis, mas, não
esquecendo que um curso presencial também não garante a participação efetiva do seu
alunado nessas ações.
Sabemos que a formação profissional não se limita aos conhecimentos teóricos
adquiridos, é algo mais abrangente que objetiva a construção de uma nova consciência através
de questões éticas e políticas, por isso o debate entre os sujeitos torna-se imprescindível, algo
que no EaD vai ser bastante prejudicado.
Na área das políticas sociais, as propostas neoliberais têm na sua determinação as
reduções dos gastos sociais, passando a redefinir as políticas públicas com redução dos
direitos sociais, trazendo a lógica focalista, descentralizadas e privatistas com o enxugamento
do Estado na esfera das políticas sociais, transferindo a sociedade civil as suas
responsabilidades.
Nesse sentido, entendemos que com a educação isso não é diferente e concordamos e,
a partir de tudo que foi exposto, com Lima (2008) quando ela diz que “os cursos EaD não são
opção dos estudantes e sim, falta de opções”.
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1963
MONOPARENTALIDADE FEMININA: NOVO MODELO FAMILIAR EM MEIO A
VULNERABILIDADE SOCIAL
Luciana Silva Brito114
Luiza Rosa Lima de Santana115
Elaine Nunes Silva Fernandes116
RESUMO
O presente artigo expõe os novos arranjos familiares, no qual localizamos e destacamos a família
monoparental feminina brasileira. Para tanto, esta pesquisa bibliográfica faz breves considerações
acerca das significativas mutações ocorridas no plano sócio econômico e cultural da sociedade
capitalista, a fim de explicitar o que de fato acabou interferindo na dinâmica e na estrutura da família,
acarretando transformações em seu padrão de organização. Diante desse contexto, enfatizamos a
discussão da vinculação da figura feminina a um contexto familiar vulnerabilizado e que tem a esta
como responsável central pelo sustento do lar, colocando assim em pauta a monoparentalidade
feminina.
Palavras chave: Família, Monoparentalidade Feminina, Pobreza.
ABSTRACT
This article presents the new family arrangements, which locate and highlight the Brazilian female
lone parent. Therefore, this literature makes brief remarks about the significant changes occurred in
the socio economic and cultural development of capitalist society, in order to explain what actually
ended up interfering with the dynamics and structure of the family, causing changes in its pattern of
organization. In this context, we emphasize the discussion of attachment of the female figure to a
family context vulnerabilized and have this as a central responsibility for the support of the home, thus
putting at stake female single parenthood.
Keywords: family, single parenthood Women, Poverty.
INTRODUÇÃO
Este artigo objetiva analisar a família como um processo social em construção e em
frequente mudança, tendo como intuito apresentar os novos arranjos familiares, no qual
114
Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected]
/Contato: (82)8109-2221
115
Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013.
[email protected] /Contato: (82) 9954-7723
116
Profª. Mrs. da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas
[email protected]/ Contato: (82) 9908-5781
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1964
localizamos e destacamos a família monoparental feminina brasileira, em especial as de
situação de vulnerabilidade social.
Dessa forma, a importância desta pesquisa se dar na necessidade de perceber com se
perpetua na sociedade a efetivação de ações que promovam a família, em especial a
monoparental feminina, tendo como imprescindível analisar sua inserção social e o papel que
ela está atualmente destinada, além de conhecer como se efetua no sistema capitalista a
implementação de políticas públicas de caráter compensatório frente a esse arranjo familiar.
Para tanto, utilizamos como base teórica para esse estudo a perspectiva históricocrítica, por entender a sociedade como um todo constituído de determinações, políticas,
sociais, econômicas e culturais que atingem e influenciam a estrutura e dinâmica da entidade
familiar. Neste sentido, usamos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica
para conhecer e aprofundar nosso objeto de estudo.
Para sua organização, este trabalho se apresenta de maneira linear e progressista,
sendo escrito de maneira simples e objetiva, tendo o interesse de fazer o leitor refletir e
indagar sobre a temática explicitada.
Vale colocar ainda, que grande parte desse texto que ora apresentamos em forma de
artigo foi fruto do nosso Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “Mulher Chefe de
Família: um estudo sobre as famílias monoparentais femininas atendidas pelos programas de
transferência de renda no Brasil”, no qual foi defendido na Faculdade de Serviço Social pela
Universidade Federal de Alagoas- UFAL em maio de 2013. Adverte-se, porém, que o artigo
no qual essa pesquisa se transformou exigiu esforços para adequação do texto original tendo
em vista, obviamente, a necessidade de atender ao propósito do III Colóquio Sociedade,
Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento, além de está articulada a temática escolhida
“Trabalho, educação e transformações sociais”.
Diante disso, buscamos com esse artigo contribuir de alguma forma, para uma
particularização do debate sobre a “Monoparentalidade Feminina: novo modelo familiar
em meio à vulnerabilidade”, levando em consideração a formação e o desenvolvimento do
sistema capitalista. Visto que suas transformações ao longo da história acabaram repercutiram
em mudanças substanciais no modo como os homens se relacionavam e pensavam o mundo e
a si mesmos. Assim, é neste espaço permeado por contradições e consequências negativas
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ligadas organicamente as mudanças no mundo do trabalho que os novos arranjos familiares se
ampliam e tornam visibilidade na sociedade, como veremos a seguir no decorrer do texto.
A família, desde os tempos mais primitivos, se configura como um grupo social que
exerce influência sobre a vida dos indivíduos, sendo entendida como uma organização
complexa, inserida em sociedade com a qual mantém constante interação.
Em sua evolução histórica, com o estabelecimento da sociedade moldada ao regime
capitalista de produção, às famílias passam por um processo de desenvolvimento que lhes
possibilitam novas características e atribuições, que apesar de se adequarem a emergentes
necessidades sociais não rompem com as tradicionais concepções já existentes117 1.
Dentro desse contexto econômico que emerge envolto a expansão industrial, surgem
modernas concepções que para além do aspecto família, também afetaram os meios e os
modos de produção, proporcionando ainda para a segunda metade do século XX um grande
avanço econômico e social, no qual podemos enquadrar a inserção formal da mulher no
mercado de trabalho.
Esse envolvimento da mulher no ambiente do trabalho que se intensifica no processo
de reestruturação produtiva118, apresenta a divisão sexual do trabalho como algo que emerge
para organizar o mundo laborativo na estrutura social, expressando como categorias as
relações de poder que se partilham de forma desigual e expõem a subordinação da mulher e
sua invisibilidade no processo histórico.
Essa inserção representa um impulso para o rompimento da necessidade de se ter uma
família nuclear como única forma de se conseguir uma visibilidade na sociedade, o que
contribui para o surgimento de um novo modelo de família (CARLOTO; GOMES, 2011).
Além disto, outras mudanças de âmbito sócio-econômico interferiram na dinâmica e na
estrutura familiar, acarretando mutações em seu padrão de organização, fazendo com que a
família passe a se estruturar de novas maneiras.
117
Nesta concepção, a família burguesa de meados do século XIX apresenta-se como uma família urbana, com
baixo índice de fertilidade e mortalidade, assumindo um padrão diferente de afetividade e privacidade. A
responsabilidade do marido era manutenção econômica, sendo este autoridade dominante na família. À esposa
cabia a tarefa de cuidar dos filhos e toda a responsabilidade em relação ao desempenho destes lhes era cobrada
(SOUZA; RODRIGUES, S/D).
118
Decorrente da crise do capital e da queda do padrão fordismo/ taylorismo a reestruturação produtiva emerge a
partir da década de 1970, em meio ao processo de produção e acumulação industrial. Baseia-se aos sucessivos
processos de transformação nas empresas e indústrias, caracterizados pela desregulamentação e flexibilização do
trabalho, fruto da acumulação flexível e das novas tecnologias.
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Os reflexos negativos do neoliberalismo sobre a renda familiar com a diminuição dos
postos regulamentados de trabalho e o alto índice de desemprego implicaram na diminuição
dos rendimentos familiares advindos do trabalho dos provedores masculinos, resultando na
necessidade de uma maior participação feminina no orçamento doméstico.
Diante disso, começa a surgir uma nova concepção de família, muito mais igualitária,
ficando evidentes as mudanças nas condições de reprodução da população119, nos padrões de
relacionamento entre seus membros, nos modelos de autoridade e na posição relativa da
mulher que se altera profundamente, engrenando uma gradativa revisão da rígida divisão
social de tarefas.
Este desmembramento de papeis se dá devido ao avanço na mudança das divisões
sociais em que a figura feminina não se torna mais a imagem da mãe dedicada exclusivamente
aos cuidados domésticos, que despertava no homem a necessidade de sua presença no lar. Da
mesma forma, a visão do homem indispensável à mulher como único meio para lhe garantir a
renda se desfaz, surgindo assim novos motivos para as uniões, no qual a procura pela
felicidade se torna prioridade.
Com isso, o padrão de família baseado no comprometimento duradouro entre o casal
através do casamento ganha uma nova roupagem muito mais flexível, pois deixa de ser
indissolúvel, perdendo assim o seu caráter sagrado. Essa liberalização dos ditames religiosos,
bem como os novos padrões sociais, permite a ampliação do modelo de família, embora a
família nuclear ainda seja considerada a forma mais aceita, possibilitando que esta deixe de
ser compreendida no singular e possa englobar uma pluralidade de conceitos.
Desse modo, o casamento perde a condição de ser a única forma de união 120, ou seja,
passam a existir outros modelos de família, diferentes do modelo clássico, uma vez que as
uniões sem casamento passam a ser aceitas tanto pela sociedade, como pela legislação.
No aspecto legal, com a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 226 §
4º, a família é fortalecida como base da sociedade, reconhecendo como entidade familiar a
união estável entre o homem e a mulher ou qualquer um deles e seus descendentes.
119
Isto não significa que desigualdade de gênero acabou, ela persiste enquanto durar uma sociedade
essencialmente pautada pela desigualdade de classe.
120
Durante a Idade Média o casamento religioso era a única forma reconhecida de união legitima entre um casal.
O casamento civil surgirá em 1767 na França, porém se mantendo a validade da união religiosa. No contexto
contemporâneo isso irá mudar, uma vez que a Constituição Federal de 1988 reconhece a união estável entre
homem e mulher ou qualquer de seus descendentes como entidade familiar.
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1967
Acrescido a esta, o código civil aprovado em 2001 reforça a visão legal de família,
visando acompanhar a revolução nos costumes, padronizar leis recentes, como a do divórcio,
e dispositivos constitucionais referentes à família; e regulamentar jurisprudência que, nos
tempos atuais, não mais poderiam pautar-se pelo Código Civil vigente, escrito em 1916
(SANTOS, 2010).
Devido a essas evidentes aberturas, vários são os indícios das profundas mutações na
concepção de família à qual podem se associar o aumento das separações e dos divórcios, o
adiamento do casamento entre jovens, a redução significativa da nupcialidade, o incremento
do número de famílias reconstituídas, das uniões de fato, das famílias monoparentais e das
chefiadas por mulheres.
Esses novos arranjos que embarcam variados formatos dos quais podemos citar: as
Famílias Reconstituídas- englobando as famílias que após vivenciado o processo de divórcio
ou viuvez, o indivíduo constitui uma outra família com um novo parceiro; as Famílias
Constituídas através de uniões estáveis- Tratando-se de uniões efetuadas quando a relação
de convivência entre o homem e a mulher é duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição familiar, sem a necessidade do casamento civil e religioso121; e as Famílias nas
quais avós moram e cuidam de seus netos- Tipo de família ampliado na sociedade
contemporânea devido aos desdobramentos para manutenção de sobrevivência e que se
constitui em um modelo em que a presença dos pais é substituída pela presença dos avós, ou
apenas um deles.
Além desses, outros arranjos assumem visibilidade na sociedade rompendo com um
conceito ideal burguês de família, sendo estes: Famílias formadas por uniões
homossexuais, constituindo um núcleo familiar gerado por casais que possuem o mesmo sexo
com a presença ou não de filhos; Famílias Unipessoais, englobando ao modo de vivência em
que a família é formada por uma única pessoa, decisão que nem sempre advém uma escolha
121
Antes relacionadas ao concubinato, essas relações passam a ser legalizadas no Brasil através de seu
reconhecimento legítimo na Constituição de 1988, sendo, portanto, consideradas pela Constituição como um
instituto capaz de constituir uma família. A união estável que não se confunde com o casamento é protegida pelo
Estado, sendo os seus integrantes rodeados pelos deveres de lealdade, respeito e assistência mútuos, além dos
deveres de guarda, sustento e educação dos filhos que surgirem (Silva & Godoy, 2008).
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dos indivíduos; e as Famílias Anaparentais que dizem respeito a núcleos familiares que não
se restringem tão somente aos parentes, mas são formadas por laços de afetividade122.
Esses novos formatos de família que se estabelecem a partir das diferentes
performances que perpassam a sociedade em seu processo histórico, serão acrescidos ainda de
outro importante núcleo que se constitui fundamental aspecto de nosso objeto de estudo, as
Famílias Monoparentais123 .
Esse modelo, o qual se tornou um elementar arranjo familiar na modernidade, engloba
aos sujeitos que se encontram sem cônjuges e que vivem com um ou mais de seus
descendentes. Conforme Leite (2003, p.29):
[...] Pode tratar-se de um pai só que no passado, vivenciou a situação de um casal
“legítimo”, mas que se encontra sozinho após uma separação ou um divórcio. Pode tratam-se
de um pai, ou de uma mãe, que vivenciou um passado de concubinagem e que, em razão de
um vazio jurídico, permanece falsamente solteiro. “O genitor pode ser um pai ou uma mãe
solteira (o) ou, ainda, um pai só adotando; pode ser um viúvo ou uma viúva, e se sempre
estaremos em face da monoparentalidade”. (LEITE, 2003, p.29).
Diante disso, socialmente, a família monoparental afetiva se estabelece a partir do
momento em que existe um filho convivendo com apenas um dos pais. Ela acontece mediante
fatores externos à vontade do genitor, quanto por sua própria disposição, mas também é
formada devido ao fim de uma família clássica ou uma família estruturada nos modelos não
convencionais. Assim, os fatores socioeconômicos, demográficos e regionais interferem
significativamente para a formação dessas famílias.
Segundo Leite (2003, p. 7), a monoparentalidade se impôs como fenômeno social com
maior intensidade nos últimos vinte anos, coincidindo com o período em que se constata o
maior número de divórcios. Para o autor, esse tipo de família não se constitui como algo
novo, pois sempre existiu, apenas não sendo percebida como categoria especifica, implicando
122
É importante explicitar que mesmo que esses novos modelos não estejam associados aos padrões classistas
idealizados socialmente, eles continuam sendo instituições sociais responsáveis pelos cuidados, proteção e
educação dos filhos, como também representam os principais canais de iniciação dos afetos, dos valores, dos
conhecimentos, possibilitando a garantia da reprodução e da sobrevivência do ser humano, visto que os sujeitos
vão estabelecer e desenvolver relações sociais.
123
O termo “família monoparental” surgiu na França em um estudo desenvolvido em 1981 pelo Instituto
Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos (INSEE), posteriormente a noção se espalhou por toda a
Europa
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sua marginalidade no mundo jurídico, o que se modifica com a Carta Magna de 1988 que lhe
reconhece como entidade familiar e lhe dedica à mesma proteção social da família nuclear.
Esse modelo familiar que ganhou maior visibilidade e intensidade nos anos 70 vai se
apresentando de forma ampla na atualidade, visto que expõem em sua organização situações
contemporâneas e antigas, sendo as atuais advindas dos desligamentos voluntários de
casamentos e uniões, e as antigas oriundas de morte, abandono de um dos cônjuges e
nascimentos extramatrimoniais. Com isso, fica possível estabelecer as principais
características da família monoparental, pois essas situações estão inseridas no seu próprio
conceito. Conforme Dandurand (apud Leite 2003):
Sempre existiram viúvos e viúvas, mães solteiras e mulheres separadas ou
abandonadas por seus maridos que assumem, por inteiro, o encargo de sua progenitora. Mas,
o crescimento dos anos 60 nos países industrializados produziu um impacto sobre a
configuração das famílias. Como a maioria dos casais desunidos tem filhos, os lares dirigidos
por um só genitor sofreram um aumento considerável e uma intensa visibilidade. Os analistas
sociais lhes atribuem, então, uma denominação inédita: famílias monoparentais. O
neologismo é amplo e procura designar, ao mesmo tempo, novas formas de
monoparentalidade oriundas de rupturas voluntárias de uniões, bem como formas antigas (e
desaparecidas) decorrentes de falecimentos e deserções de cônjuges, como também os
nascimentos extramatrimoniais. (DANDURAND apud LEITE; 2003, p. 24).
Diferentemente da família nuclear, as crianças desse modelo têm que se desenvolver
frente às situações e problemas comuns a essa forma de família, sendo o primeiro deles as
conseqüências advindas da ausência de um dos pais na relação cotidiana, o que pode vir a
interferir em seu desenvolvimento e despertar o sentimento de rejeição. Além disso, essa
situação reforça o conceito sobre qual monoparentalidade pode ser compreendida por um
único genitor que assume a total responsabilidade de criar e educar sozinho a seus filhos,
desempenhando dois papéis (pai e mãe) em um único sujeito.
Diante dessa situação, vários podem ser os fatores que direcionam e resultam na
formação desse modelo solitário de responsabilidades, sendo eles o celibato, a separação ou
divórcio, a união livre, as mães sozinhas e a viuvez.
O fator do celibato, enquanto condicionante elementar para monoparentalidade,
enquadra como celibatários os indivíduos que vivem na sua maioria em uniões passageiras,
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1970
totalmente sem compromisso, ou em estado de casado, mas sem a necessidade de um vínculo
legal para comprovar essa união, livrando-se de qualquer forma de obrigatoriedade.
Diante dessa falta de obrigações frente a esse novo modelo de vida, a maioria dos
indivíduos rompem com frequência seus relacionamentos, envolvendo-se em novas uniões
sem qualquer limite imposto pela sociedade, gerando apreensão por elevar cada vez mais a
proporção de nascimentos decorridos dessas uniões, o que contribui para o aumento do
número de famílias monoparentais.
Já ao se tratar do fator de separação ou divórcio, observa-se que este se encontra
ligado a tendências atuais de precocidade do casamento e menor frequência de novas
recomposições dos divorciados, revelando a moderna mentalidade que não mais concebe
casamentos frustrados e duradouros. Apesar disso, o casamento continua a ser predominante
na constituição da família, sendo sua ruptura entendida como uma eventualidade que pode ser
continental. Essa terminologia foi usada para distinguir as uniões constituídas por um casal,
dos lares compostos por um progenitor solteiro, separado, divorciado ou viúvo (LEITE, 2003,
p.21-2).
prevista pelos novos casais contemporâneos, como afirma Commalle (apud Leite 2003; p.38);
“longe de corresponder ao desvio de conduta, o divórcio124 se escreve cada vez mais como ato
normal em projeto no casamento, tal como é concebido nos novos modelos matrimoniais”.
No Brasil, com a criação da Lei do Divórcio (6.515/77), o conceito de casamento
passa a ser totalmente alterado, ajustando-se às novas mudanças de valores e costumes
presentes na sociedade capitalista, tornando a “união legitima”, o casamento, um simples
contrato legal125. Desse modo, as crises conjugais podem levar ao fim de uma união, fazendo
com que novos espaços sejam abertos para formações de modernas formas de
relacionamentos, proporcionando certa diversidade no âmbito familiar.
124
Segundo Santos e Santos (2009), a dissolução do vínculo conjugal tem, praticamente, o mesmo tempo de
existência da instituição do casamento, ocorrendo nas sociedades primitivas através do repúdio, sendo esse de
direito exclusivo dos homens. As rupturas no âmbito familiar começaram a ser ampliadas de forma mais intensa
a partir dos anos 60, delineando-se em um quadro inquietante a partir de 1965. Essa tendência separatista se
iniciou na Europa do Norte e na Suécia, ganhando todo o mundo em 1972, devido ao grande número de
divórcios.
125
No Brasil, o maior numero de pedidos de divórcios efetivados segundo o IBGE advêm de mulheres por
diversos motivos, eles geralmente podem ser de duas ordens: 1. ou elas se sentem anuladas no lar, em
decorrência de uma relação de dependência, ou pela ausência de interesses comuns com seu marido; 2. ou elas
compreendem que o seu marido não correspondeu àquilo que elas desejavam (ou, na maioria das vezes, haviam
imaginado)” (LEITE, 2003; p.43).
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1971
Antes da criação dessa lei, a ausência da legislação do divórcio no Brasil favorece na
década de 60 o acesso às uniões livres. Nessa década, com o advento da revolução sexual, as
relações passaram por um processo de mudanças em que, em contraposição ao casamento,
surge a tendência das relações pré-matrimoniais.
Como forma de experiência conjugal, as relações passam a se dar de maneira mais
livre, desassociadas dos ditames legais, ocorrendo o matrimonio apenas nos casos de gravidez
inesperada ou por desejo do casal126.
Essa maneira de relacionamento que garante a individualidade, não estabelece nenhum
compromisso, promessa, responsabilidade ou fidelidade entre parceiros, sendo tratada como
ensaio ou experiência que determinaria no futuro um enlace matrimonial. Devido a essa
abertura, vários problemas foram gerados em meados dos anos 80, como o grande número de
nascimentos de filhos ilegítimos, concebidos em relacionamentos extra matrimoniais, em que
as mães assumiam a tarefa do cuidado sem a presença dos pais 127.
No Brasil, até a metade desse século, essas mães eram alvo de discriminação por causa
da denominação dos seus filhos, visto que os mesmos eram reconhecidos como ilegítimos aos
olhos da Igreja e da sociedade, sendo fortemente marginalizadas pela opinião pública. Essa
categoria só será reconhecida a partir do decreto n. 3.200/41 que regulou a guarda do filho
natural, acrescida das Leis n. 883/49 que admite o reconhecimento do filho adulterino, e da
Lei n.7.841/89 que permitiu o reconhecimento do filho incestuoso.
A Constituição Federal de 1988 dará continuidade a essa visibilidade, no seu artigo
227, §6º, proporcionando os mesmos direitos e qualificações aos filhos gerados ou não do
matrimônio, além de proibir qualquer tipo de qualificação discriminatória. Em acordo com
esta, é formulada a Lei n. 8.560/92 que permite as mães solteiras fazerem uma ação
investigativa de paternidade e reconhecimento de filiação, mesmo que o pai seja casado. Já a
formulação da Lei n. 8.971/94, regulamenta os direitos dos companheiros a alimentos e à
126
É importante colocar aqui que essa aceitação não se configura como uma evolução pacifica e natural na
sociedade, este faz parte de uma ampliação do leque de mercado de consumo para o capital, que vê nesses novos
arranjos um potencial de mercado que se ajusta a seus interesses, sendo necessário para tanto que certas
aberturas sejam postas no âmbito social
127
É importante explicitar que essa categoria de mães solteiras independe da classe social e do poder aquisitivo
que possuem, não sendo estas redutíveis a um único tipo de maternidade.
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herança, permitindo e alargando estes, visto que anteriormente esse direito só era dado aos
casados.
Historicamente, mães solteiras sempre existiram na humanidade. Segundo Lê Gall e
Martina (1987 apud Leite 2003, p. 58), estas podem se organizar em quatro tipos de modelos,
sendo:
1. As “maternidades impostas”, quando se trata de mães solteiras que não decidiram ter, nem
conservar o filho, mas que não estão autorizadas pela lei a interrupção voluntária da gestação,
o que as obriga a assumir sua gravidez [...];
2. As “maternidades involuntárias” quando, mesmo a gravidez não tendo ocorrido por opção,
após a concepção, decidem ter e educar sozinhas o filho;
3. As “maternidades voluntárias”, estas, sim, tomaram a decisão de ter e assumir sozinhas os
filhos;
4. As “maternidades de coabitantes”, neste caso as mães solteiras decidem em conjunto com o
coabitante ter e educar o filho. (LÊ GALL; MARTINA 1987, apud LEITE, 2003, p. 58).
Além dessas, outro fator que historicamente possuiu uma expressiva presença nesse
tipo de família é a viuvez. Essa categoria se tornou mais relevante em meados de 1968,
quando, para cada duas mulheres chefes de famílias monoparentais, uma era viúva. Já em
1982, essa taxa diminui, à medida que se aumenta a expectativa de vida do gênero masculino
e o divórcio ou separação começa ocorrer a antes mesmo da morte do outro companheiro.
Com apenas um dos companheiros, a constituição da monoparentalidade acontece sem que
haja o desejo dos indivíduos de sua formação.
Em meio a todo esse contexto que diversifica os motivos para a formação do núcleo
familiar aqui estudado, a evolução e o desenvolvimento da sociedade diante da revolução nos
costumes e valores deixam claro que a influência religiosa sobre a vida dos sujeitos perde sua
força, à medida que a sociedade passa a aceitar o que antes era discriminado, como a união
livre, o divórcio ou separação, celibato e as mães solteiras, aceitando seus direitos
reconhecidos na legislação vigente.
Apesar de todos esses fatores que materializam e evidenciam sua ampliação no cenário
contemporâneo, o padrão ainda aceito culturalmente é o modelo de família tradicional,
mesmo esse padrão sendo alvo de ameaças devido à conjuntura de aumento do desemprego
masculino dos anos 1990, assim como a pressão exercida por movimentos de mulheres em
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busca de maior igualdade, o que favorece transformações nas relações de gênero, no âmbito
da sociedade, da família e do mercado de trabalho128.
Apesar das mudanças atualmente postas devido a essas transformações, a mulher que
possui a responsabilidade de cuidar sozinha de sua família sobrevive em meio a problemas
específicos dessa situação e ainda é vitima de uma subjugação social que lhe atribui à
dificuldade de se autogerir. Essa afirmação se dá em meio ao fato de que a mulher tem que
dedicar seu tempo para alimentação, abrigo, vestimenta, educação, saúde, assim como para o
aconchego, o cuidado com as pessoas que não têm condições de se autocuidar (crianças,
idosos e pessoas com deficiência física e mental), mesmo que isso não seja percebido como
parte da organização social do seu tempo.
Contudo, observamos que a responsabilidade pela esfera domestica e pelo cuidado dos
filhos se torna mais dificultosa sem uma rede de proteção social, e por vezes sem acesso ao
trabalho e salários dignos, deixando-as dependentes de benefícios providos pelas Políticas de
Assistência, os quais em sua grande maioria são quantitativamente baixos, seletivos,
focalizados e temporários.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006, a
monoparentalidade feminina já representava 18,5 milhões de famílias brasileiras. A maior
parte dessas famílias se encontram em situação de vulnerabilidade social, fazendo com que
estas muitas vezes estejam relacionadas diretamente à pobreza, à exploração e ao próprio
abuso, seja ele psicológico ou físico129.
Já em 2011 em pesquisa realizada por esse mesmo instituto, foi constatado que o
número de mulheres chefes de família cresceu mais de quatro vezes nos últimos dez anos,
representando 37% no total, salientando que destas famílias pesquisadas cuja a chefia esta
atribuída a figura feminina, 88,7% são famílias monoparentais.
Dando continuidade a essa questão, é necessário destacar ainda que, com base na
128
É preciso colocar que a mulher como chefe de família é algo que está exposto na realidade brasileira e que
foge de padrões que classificam a família como ideal. Caracterizado por grande parcela de unidades familiares
apresentarem uma condição econômica baixa, esse modelo supõe um vinculo entre a monoparentalidade
feminina e a pobreza, formando, assim, dois pensamentos cruciais e opostos: o primeiro que mulher não tem
“capacidade” de cuidar e de administrar uma família sem a figura masculina e o segundo que a mulher,
atualmente conquistou maior independência e, portanto, pode assumir sua família
129
Dados recolhidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)- Síntese de indicadores sociais
2007: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=987
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Pesquisa Nacional por Amostragem Demográfica (PNAD-2006), verifica-se que, do total
dessas famílias monoparentais femininas, 32,3% vivem com uma renda de até ½ de um
salário mínimo e 14,8% de até ¾ de um salário mínimo, renda essa baixa para quem é
responsável pela manutenção de um lar e cuidados relativos a seus dependentes. A dimensão
de pobreza se aprofunda se vinculada a monoparentalidade e cuidados com os filhos menores
de 16 anos de idade. Segundo a PNAD, esses representam 42,8% das famílias monoparentais
femininas. Além disso, 44,8% vivem com um rendimento per capita familiar de até ½ de
salário mínimo (ver PNAD 2006)130, evidenciando, assim, a precariedade social em que essas
famílias monoparentais vivem.
Outro ponto a ser colocado é que a situação de vulnerabilidade social a qual parte
destas famílias vivenciam não se encontra apenas associada à má distribuição de renda no
país, mas também a dinâmica da vida familiar, o acesso a serviços públicos, a possibilidade de
obter trabalho com qualidade e remuneração adequadas, e a existência de garantias legais e
políticas que apresentam dessa maneira, a complexidade existente no Brasil e no mundo em
que se faz presente a desigualdade e a exclusão social.
Nesse sentido, a vulnerabilidade social é entendida aqui pelas condições
biopsicossociais que vitimizam a família e seus membros a condições degradantes, de pouca
perspectiva e causadoras de segregação social, já que, os indivíduos que se encontram em
situação de pobreza, geralmente são pessoas possuidoras de histórico de vida marcado por
adversidades de cunho desagregador no ambiente familiar, pouco ou nenhum acesso de
qualidade à educação, saúde, habitação e qualificação profissional (BRITO; FERREIRA,
S.d.).
É dentro desta situação de pobreza que se encontram as famílias monoparentais, se
fazendo presente dentro desse contexto de vulnerabilidade social 131, que as expõem
constantemente a fragilidades nos aspectos de natureza econômica, de vínculos afetivosoportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da
sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e
130
Dados recolhidos no IBGE, Pesquisa Nacional por Amostragem Demográfica 2006
Embora não se tenha pretensão de discutir com ênfase a vulnerabilidade social, é importante destacar que ela
está sendo compreendida nesse trabalho como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos
recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de
relacionais (abandono, violência e exploração) e de pertencimento social.
131
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mobilidade social dos atores (VIGNOLI, 2001; FILGUEIRA, 2001 apud ABRAMOVAY et
al, 2002).
Recebendo como resposta pública a esta situação programas de transferência de renda
nos quais as famílias monoparentais femininas são potenciais recebedoras, estas encontram
nos programas sociais um suporte complementar renda para auxiliar na sobrevivência.
Remetido ao âmbito social, este caminho acaba apenas por reduz minimamente a pobreza, não
a erradicando, o que faz com que o enfrentamento das desigualdades sociais continue a ser um
dos maiores desafios das políticas públicas nesta segunda década do século XXI.
No Brasil não existe uma política específica para este tipo de família, porém estas
estão inseridas no arcabouço de políticas direcionadas a famílias no geral que por vezes
acabam por estar baseadas em um conceito burguês nuclear de padrão familiar. As políticas
direcionadas para as famílias em situação de vulnerabilidade social despertam para a
necessidade de uma análise mais precisa de como estas interferem nas estratégias de
sobrevivência familiar, e como se configuraram ao longo de sua formação.
É importante frisar, que é nesse cenário que as famílias monoparentais femininas,
assumem uma dupla jornada, se tornando reféns do precário acesso renda e alvo de uma má
qualidade de vida, que segundo o IBGE só vem se ampliando no Brasil.
Mesmo com a inserção no mercado de trabalho, da maneira precarizada como se deu,
e com as conquistas protagonizadas pelos movimentos feministas, a situação de pobreza das
famílias chefiadas por mulheres se perpetua até os dias atuais.
Sozinhas, além de conviverem com o preconceito, por não atender a padrões
tradicionais de família, grande parcela dessas mulheres não fazem parte do mercado formal de
trabalho, ou seja, precisam de alguma maneira conseguir manter uma fonte de renda, e para
isso, estão sujeitas a empregos que não lhes oferecem garantias legais de proteção, além de
baixos salários.
Essa inserção no mundo da produção feita de forma desregulamentada e precária, em
meio a uma sociedade historicamente machista, exige dessa mulher o desempenho
concomitante de múltiplas funções. Mãe, trabalhadora, chefe de família e responsável pelos
cuidados domésticos, essas mulheres sobrevivem vinculadas a um estado de extrema pobreza
e exclusão, o que as direcionam para a necessidade do auxílio de políticas que lhes
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proporcionem um complemento para sobrevivência. Para Carvalho (1998 apud Pinto e
Makhoul et al 2011, p. 170):
[...] as famílias chefiadas por mulheres das camadas mais pobres da população, são
em grande parte associadas às situações de vulnerabilidade econômica, pois a
mulher, como único membro adulto do domicílio, é sua provedora, além de assumir
funções domésticas e o cuidado com os filhos, o que implica sua vinculação em
trabalhos mal remunerados em tempo parcial ou intermitente, gerando assim
maiores dificuldades para garantir a subsistência da própria família. (CARVALHO
1998, apud PINTO &MAKHOUL et al ,2011, p. 170).
Apesar de atingir um universo de indivíduos indistintamente, a vulnerabilidade social,
se apresenta de forma mais cruel para as mulheres, visto que as condições objetivas de
trabalho para elas é mais difícil do que para os homens. Como afirma Melo (2005 apud
Carloto e Gomes 2011):
Para as mulheres, esta realidade de carências é mais aguda, uma vez que elas
realizam uma gama enorme de atividades não remuneradas, seja no âmbito mercantil, seja no
seio da família, pela dedicação às atividades do lar fazem ser majoritariamente dependentes
da provisão masculina para o sustento de suas famílias. [...] há uma nítida relação entre
divisão do trabalho e a pobreza das mulheres; a inserção feminina aconteceu em paralelo com
o crescimento das atividades informais, das atividades sem remuneração e aumento das taxas
de desemprego. (MELO 2005, apud CARLOTO; GOMES 2011, p. 136).
As transformações que ocorreram no mundo do trabalho a partir de 1970 e que
impactaram negativamente nas condições de vida dessas famílias, intensificaram sua relação
com a situação de pobreza entre as mulheres chefes de família.
Para as mulheres, as condições de trabalho cada vez mais precarizadas vieram
acompanhadas de uma divisão sexual de trabalho extremamente perversa em que a
representação da figura feminina aparece associada à imagem do lar, da reprodução e da
desqualificação para atividades que exijam maior poder de concentração e inteligência. Dessa
forma, a mulher tornou-se fonte essencial para exploração da força de trabalho, mostrando,
apenas, uma “igualdade” entre o sexo masculino e feminino, conquistada com feminização do
trabalho.
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Com isso, pode-se afirmar que a maneira com se dá a divisão sexual do trabalho na
esfera produtiva expressa e evidencia as relações de poder existentes entre homens e mulheres
na sociedade, poder este que se distribui de forma desigual, conformando historicamente a
subordinação feminina e sua invisibilidade no processo histórico. De acordo com Lobo (1991
apud Carloto e Gomes 2011):
A divisão sexual do trabalho é construída como prática social, ora conservando
tradições que ordenam tarefas masculinas e tarefas femininas na indústria, ora criando
modalidades da divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas
relações de trabalho masculinas e femininas manifesta-se não apenas na divisão de tarefas,
mas nos critérios que definem a qualificação das tarefas, nos salários, na disciplina do
trabalho. A divisão sexual do trabalho não é tão somente uma conseqüência da distribuição do
trabalho por ramos ou setores de atividade, mas também o princípio organizador da
desigualdade no trabalho. (LOBO 1991, apud CARLOTO; GOMES, 2011, p.134).
Essa vulnerabilidade presente no âmbito das famílias monoparentais, principalmente
as femininas, expressa além dos aspectos já explicitados, o descompromisso do Estado na
execução dos direitos sociais conquistados e na escassa efetivação das políticas públicas,
marcadas em seu contexto histórico pela ausência de estruturas e medidas pensadas em favor
da figura feminina.
Contudo, é dentro deste contexto que os novos arranjos familiares se perpetuam,
especialmente os das famílias monoparentais. Apresentando-se desprotegidas pelo Estado por
não ter, na maioria das vezes, meios suficientes para o provimento da família, sendo
reconhecidas como famílias vulnerabilizadas por vivenciarem situações com mínimas chances
de superação, visto que o Estado atua através de políticas e programas sociais residuais e
focalizados. Tendo como foco principal a acumulação e ampliação do capital.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a trajetória de estudos percorrida até aqui, podemos concluir que a construção
social da família assinala para sua relação direta com a forma de sociedade na qual esta
inserida em cada momento histórico.
Dessa forma, o pensamento norteador do modelo econômico que se encontra em cada
fase da sociedade, vincula a essa instituição papeis e valores que se modificam e aderem
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novos formatos no decorrer de seu desenvolvimento.
Assim, no capitalismo a monoparentalidade feminina assume lugar na sociedade como
novo modelo familiar que, apesar de sempre existir, se legitima e ganha visibilidade atrelada
ao cenário de extrema pobreza em que se estrutura a sociedade e que, por determinados
motivos, condicionam as mulheres a assumirem sozinhas a chefia do lar.
Nesse sentido, podemos observar que a monoparentalidade e a pobreza estabelecem,
em sua articulação, uma relação consequência x resposta, no qual, sendo a pobreza vivenciada
por esse tipo de família consequência da lógica que rege ao capitalismo, recebe como resposta
a essa situação auxílios monetários efetivado através das políticas públicas que, apesar de
aparentemente estar vinculada uma proposta de mais igualdade social, contém em seu interior
um amplo jogo de interesses e objetivos que ultrapassam a essa aparência.
Essa forma de pensamento na qual a família monoparental feminina é inserida, acaba
por reforçar o direcionamento do Estado de retirada de suas obrigações para com os direitos
sociais arduamente alcançados ao longo da história. Isto se efetiva uma vez que a proteção
social passa a ser vinculada prioritariamente a prestação de benefícios seletivos e focalizados,
que direcionam suas ações a processos minimalistas e repassando para o setor privado sua
gestão.
Diante disso, o foco de preocupação em defesa da família, no âmbito das políticas
públicas brasileiras, demonstra que, ao mesmo tempo em que esses programas amenizam a
desigualdade de renda e procuram melhorar as necessidades básicas da população, eles
continuam sendo uma política assistencialista e compensatória que acaba ajudando a
perpetuar a pobreza, contribuindo para a manutenção e acumulação do capitalismo, além de
expressar o ideário tradicional de que a mulher é associada à figura do lar e dos filhos.
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O CAPITALISMO E AS FORMAS DESIGUAIS E COMBINADAS DE
DESENVOLVIMENTO: a exploração do trabalho em discussão
Suéllen Bezerra Alves132
Mossicléia Mendes da Silva133
RESUMO: o presente texto tem como objetivo desenvolver uma breve discussão sobre trabalho em
tempos de capital considerando a lei do desenvolvimento desigual e combinado. Tendo como
fundamento as categorias básicas de análise marxistas, as reflexões apresentadas remetem a
compreensão de trabalho como categoria fundante na constituição do ser social, bem como a um
debate reflexivo sobre trabalho sob a lógica de exploração capitalista. São expostos os elementos que
caracterizam a tese do desenvolvimento desigual e combinado expressa nos regimes sustentados pela
sociabilidade capitalista, e por fim é feita uma análise dos processos funcionais à lógica da exploração
do trabalho no contexto de acumulação flexível. Conclui-se que a informalidade e o
empreendedorismo são processos funcionais e fundamentais à manutenção do grande capital, pois
mantêm o desenvolvimento desigual e combinado que permite o sistema de dominação na sociedade
capitalista.
Palavras-chave: Trabalho. Desenvolvimento desigual e combinado. Exploração capitalista.
INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem como objetivo desenvolver uma breve discussão acerca do
trabalho no modo de produção capitalista, a partir de categorias básicas de análise marxista,
considerando a lei do desenvolvimento desigual e combinado. No primeiro momento,
discutimos a categoria trabalho em referência à perspectiva marxiana, considerando que, ao
modificar a Natureza através do trabalho, o homem transforma a si mesmo, desenvolvendo
novas necessidades e possibilidades na sociabilidade humana. É o trabalho que diferencia o
homem do ser natural, e o eleva à condição de ser social, modificando o seu modo de ser e as
sociedades.
132
Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE; (81)
95064594/ (88) 99887232; [email protected]
133
Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ; (21)
80682039; [email protected]
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No entanto, sob a lógica da exploração capitalista, o trabalho passa a ser subjugado
ao capital, e supre agora necessidades e utilidades exteriores que são impostas à classe
trabalhadora. No segundo momento do trabalho, são pontuadas questões relativas à tese do
desenvolvimento desigual e combinado, processo inerente e necessário a essa formação
social, cujas bases de produção voltam-se, necessariamente, para o lucro.
Posteriormente, discutem-se o regime fordista de produção e a acumulação flexível,
identificando as principais características desses diferentes regimes, bem como as expressões
do desenvolvimento desigual e combinado neles presentes. O empreendedorismo e a
informalidade são abordados como processos acentuados pela acumulação flexível, bem como
sua funcionalidade à lógica da exploração do trabalho.
É necessário ressaltar o caráter inicial e aproximativo da discussão aqui proposta, já
que a temática em questão é extremamente complexa e, nos limites desse trabalho, não é
possível abordar as inúmeras determinações que ela comporta.
1. Trabalho e ser social
Ao pensar sobre a categoria trabalho enquanto processo histórico relacional entre
homem e natureza, faz-se necessário compreender o significado da centralidade do trabalho
na constituição do ser social. Partimos da compreensão de trabalho com base na perspectiva
marxiana, que o compreende enquanto categoria que representa a atividade transformadora e
fundante da sociabilidade do homem. Marx define trabalho na obra O Capital da seguinte
forma:
Antes de tudo, o trabalho é um processo que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla
seu intercâmbio material com a natureza. [...] Atuando assim sobre a natureza
externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (MARX,
2013, p. 202)
O trabalho se configura, portanto, como a atividade criadora dos homens que,
movidos por necessidades objetivas, conhecem e transformam o mundo ao mesmo tempo em
que também se transformam. A partir do trabalho surgem novas necessidades, permitindo ao
homem ir para além de suas necessidades imediatas. Pontes (2000), falando sobre a relação
homem e natureza, afirma que o trabalho assume o papel de condicionador da existência
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humana na medida em que proporciona a sociabilização humana, e que é mediador entre as
categorias do ser natural e do ser social, fazendo prevalecer as categorias deste sobre aquele, e
as determinações sociais sobre as naturais.
O homem, portanto, se diferencia dos outros seres naturais quando tem a capacidade
de idealizar e projetar determinado objetivo, a que chamamos de causalidade. O trabalho é a
ação que media teleologia e causalidade. É através da teleologia que o sujeito deixa de se
constituir como ser natural e transforma-se em ser social: idealiza um propósito e os meios de
se chegar até ele. São esses meios que chamamos de trabalho (NETTO, BRAZ, 2007).
O trabalho como processo entre o homem e a natureza a fim da obtenção de um
resultado previamente pensado é a objetivação teleologicamente intencionada dos seres
humanos. Conhecendo então os meios para a realização do trabalho, o sujeito precisa
transmitir esse conhecimento para que outras pessoas também possam efetivá-lo: eis o lugar
da comunicação. Através da comunicação e a partir da necessidade do homem em
compartilhar e reproduzir as representações do trabalho este se realiza de forma coletiva
(idem).
Com o desenvolvimento das forças produtivas, no momento em que o sujeito
“sociabiliza” conhecimento através da comunicação articulada, o trabalho se torna coletivo e,
portanto, social. É por isso que “[...] o trabalho não é apenas uma atividade específica de
homens em sociedade, mas é, também e ainda, o processo histórico pelo qual surgiu o ser
desses homens, o ser social.” (NETTO; BRAZ, 2007, p.34).
O então ser social, dotado de maior complexidade, transforma a natureza e as
relações entre os homens, ampliando e transformando o conhecimento entre as gerações. Esse
ser gerado do trabalho é cercado por amplas possibilidades de relações e criam, através da
práxis134, sua própria forma de ser, identificando-se como “criativos e autoprodutores”
(NETTO; BRAZ, 2007, p 44). Toda a humanidade passa então a se constituir como tal,
desenvolvendo novas possibilidades, necessidades e novas formas de organização social,
tendo como alicerce o trabalho.
134
Compreendemos práxis como categoria abrangente que, fundada pelo trabalho, inclui todas as objetivações
humanas (que incidem na natureza e na sociedade), enquanto atividade prática que cria e recria as condições
necessárias à reprodução da sociedade. Para análise mais aprofundada ver Netto e Braz (2007); Lessa (2000);
Vásquez (1977).
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O processo de trabalho enquanto processo de intercâmbio material entre homem e
natureza é, segundo Marx, composto por três elementos essenciais: 1 - trabalho enquanto
atividade adequada a um fim; 2 – objeto de trabalho; 3 – instrumental de trabalho (MARX,
2013, p. 202). Apenas o homem enquanto ser social é dotado da capacidade teleológica de
planejar em sua mente a materialização de um objeto antes de transformá-lo em realidade.
Para tal, necessita exercer a atividade direcionada a um fim, convertendo o objeto de trabalho
naquilo que já estava posto em sua consciência antes mesmo do início desse processo.
Como intermédio entre o trabalhador e o objeto de trabalho, os instrumentais são os
meios de trabalho que medem o desenvolvimento da força humana de trabalho e indicam as
condições sociais em que se realiza o trabalho. “O que distingue as diferentes épocas
econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz.” (MARX,
p.204) São os meios de trabalho que indicam o desenvolvimento das forças produtivas e as
condições sociais em que o trabalho é exercido.
No fim do processo de trabalho, a transformação do objeto por meio dos
instrumentais se materializa no produto do trabalho. O trabalho foi incorporado ao objeto e o
trabalhador pode ver seu trabalho corporificado no produto em que operou. No entanto, é
necessário diferenciar trabalho de trabalho abstrato, compreendendo que este último é
alienado pelo capital. Na sociabilidade capitalista, o fetichismo da mercadoria escamoteia o
trabalho corporificado no produto do trabalho, e dá a aparência de autonomia das coisas sobre
quem as produziu. É o que será abordado no próximo tópico, através da delimitação das
características do mundo do trabalho na lógica capitalista.
2. Exploração do trabalho na sociabilidade capitalista
Marx apresenta dois fenômenos característicos sobre o processo de trabalho quando
este ocorre como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista:
1 - “O trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence o seu trabalho”
(MARX, 2013, p.209) O capitalista organiza a produção de modo que haja um maior
aproveitamento do tempo de trabalho e não haja desperdício;
2 “ [...] o produto é propriedade do capitalista, não do produtor imediato, o trabalhador.”
(MARX, 2013, p.209) Ao final do processo de trabalho o produto não pertence a quem o
produziu, mas ai capitalista.
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Dessa forma, é o capitalista que organiza e controla todo o processo de trabalho,
retirando o poder do trabalhador de administrar o tempo e o ritmo de trabalho. No
capitalismo, o processo de trabalho não tem mais como objetivo suprir as necessidades
materiais do trabalhador e sua família, mas de prover as necessidades do capital. Essas, para
além do imprescindível para reprodução da força de trabalho, incluem a produção da maisvalia, condição precípua a acumulação:
[...] o trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso não é mais
suficiente que ele apenas produza. Ele tem de produzir mais valia. Só é produtivo o
trabalhador que produz mais valia para o capitalista, servindo assim à auto-expansão
do capital. (MARX, 2013, p.584)
Nesse processo de desapropriação do trabalhador sobre o controle do trabalho, há
uma inversão na relação entre homens e produtos de trabalho, na medida em que estes últimos
passam a ter autonomia e controle superior aos seus próprios criadores. A esse fenômeno
histórico Marx atribui o caráter de estranhamento, designado pelo trabalho alienado: na
produção capitalista o ser humano é subjugado pelos produtos de suas próprias mãos.
A alienação do trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele
se converte e objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe
independentemente, fora dele mesmo, e a ele estranho, e com ele se defronta como
uma força autônoma. A vida que ele deu a objeto volta-se contra ele como uma força
estranha e hostil. (MARX, primeiro manuscrito – trabalho alienado)
Nas sociedades capitalistas o trabalho tal como mediação entre ser humano e
natureza para satisfação de suas necessidades materiais passa a ser forjado na medida em que
o homem não tem domínio sobre a totalidade do processo de transformação da matéria-prima
em produto. O trabalhador é então despojado do pertencimento ao objeto e a apropriação
deste se configura enquanto estranhamento, na contradição de que quanto mais objetos o
trabalhador produz, menos pode possuir e “mais fica sob o domínio do seu produto, do
capital” (Marx & Engels apud. Antunes, 2004, p.144).
[...] Também ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também
desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados, desvanecem-se,
portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem uma
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das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho
humano abstrato (MARX, 2013, p. 44-45)
Na medida em que, o capital se reproduz em escala ampliada, o trabalho é cada vez
mais submetido ao julgo da necessidade voraz do capitalista de extração de mais-valia. O
controle sobre o trabalho é levado a cabo de diversas formas. O desenvolvimento das forças
produtivas é, sempre, um mecanismo acionado para combinar formas de extrair trabalho nãopago, ou seja, formas de produzir mais-valia absoluta e relativa135. O autor alemão expõe da
seguinte forma:
todos os métodos de produção da mais-valia são, simultaneamente, métodos da acumulação, e
toda expansão da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles
métodos. [...] A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação
de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no
pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital. (idem, p.
275)
Esse processo tende a expelir trabalhadores sempre na medida das necessidades de
acumulação do capital. Uma população excedente, um exército industrial de reserva é, ao
mesmo tempo, condição e alavanca desse modo de produção. Não é, portanto, algo
conjuntural, mas sim condição estrutural. O capital desenvolve métodos de extrair mais-valia,
possibilitando acumulação, que por sua vez engendra formas novas de extração de mais-valia,
conforme citado anteriormente. Nesse movimento, a burguesia tende a desenvolver formas
pelas quais o trabalho vivo no processo de produção seja sempre menor, para evitar os
constrangimentos impostos pelas reivindicações do trabalho à produção.
Nessa mesma direção, a manutenção de um exército de reserva, sua reprodução e
aprofundamento, além de ser uma forma de reduzir custos de produção são também à maneira
pela qual se exerce pressão sob os salários numa tendência decrescente, bem como para
fomentar focos de conflitos e concorrência entre os trabalhadores.
A complexificação da divisão do trabalho se dá mediante o desenvolvimento das
forças produtivas. Tal desenvolvimento não se realiza de modo homogêneo nos diversos
135
“A mais-valia produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho chamo de mais-valia absoluta; a maisvalia que, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção
entre os dois componentes da jornada de trabalho chamo de mais-valia relativa” (MARX, 1985a, p. 432).
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países e ramos do capitalismo. Este congrega formas “desiguais e combinadas” de
desenvolvimento, com implicações diretas sob a forma de exploração da força de trabalho.
3. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo
A produção de riqueza no âmbito do capitalismo traz no seu cerne a produção de
pobreza e se expressa, também, no desenvolvimento de formas sofisticadas de produção que
existem em paralelo a modelos arcaicos de produzir. A manutenção de formas desiguais e
combinadas não é uma acidente econômico, expressão de desenvolvimento de determinadas
sociedades e de subdesenvolvimento de outras. Na verdade, isso nada mais é que condição
funcional ao capital e sua direção para o crescimento (MANDEL, 1982).
Löwy (1995) chama atenção para o fato de que Marx, em virtude do contexto histórico
em que estava situado, – antes da era imperialista – não analisa essa problemática que está
diretamente ligada à expansão mundial do capital. Entretanto, na Introdução à crítica da
economia política (1857) o autor de O Capital fornece indicações interessantes sobre o modo
como uma produção dominante exerce hegemonia sobre as outras. Vejamos à passagem a que
se refere Löwy.
Em todas as formas de sociedade, é uma produção específica que determina todas as outras,
são as relações engendradas por ela que atribuem a todas as outras o seu lugar e a sua
importância. É uma luz universal onde são mergulhadas todas as outras cores e que as
modifica no seio de sua particularidade. É um éter particular que determina o peso específico
de toda a existência que aí se manifesta (MARX apud LÖWY, 1995, p. 01).
É com Trotsky que o problema do desenvolvimento desigual e combinado será, de
modo mais consistente, tratado. Analisando a História da Revolução Russa, Trotsky (1977),
introduz a tese do desenvolvimento desigual e combinado, apontando que, a desigualdade do
ritmo, lei mais geral do processo histórico, evidencia-se mais vigorosamente nos países
“atrasados”. E aponta: “sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na
contingência de avançar aos saltos (TROTSTY, 1977, p. 25).
Para explicitar essa lei geral numa realidade concreta o autor detalha a maneira pela
qual a Rússia “saltou” etapas de desenvolvimento (ou seja, não cumpriu aqueles estágios de
produção como os países de industrialização avançada) e da repercussão disso no
direcionamento da Revolução Russa. Em decorrência dessa tendência de desigualdade tem-se
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a lei do desenvolvimento combinado, “que significa aproximação das diversas etapas,
combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais modernas”
(idem).
Mandel (1982) indica elementos fundamentais para adensar a tese do desenvolvimento
desigual e combinado. O modo de produção capitalista se desenvolveu no âmbito de uma
estrutura, de um momento socioeconômico específico. O capitalismo reproduz “em formas e
proporções variáveis uma combinação de modos de produção passados e presentes, ou mais
precisamente, de estágios variáveis, passados e sucessivos, do atual modo de produção”
(MANDEL, 1982, p. 14).
Essa combinação, enfatiza o autor, não é, de modo algum, secundária. É, ao contrário,
“em grau considerável, precisamente uma função de validade universal da lei do
desenvolvimento desigual e combinado” (Idem).
Essa lei opera tanto num dado território nacional, como nas relações entre países de
capitalismo avançado e periferia. A questão é que, o capital ao impor sua lógica de
acumulação, submete tudo e todos. É assim que os países mais ricos, detentores de capitais
mais poderosos, ao revolucionarem constantemente suas forças produtivas, impõem o atraso à
periferia. Os meios de produção bem como as relações de produção são constantemente
reconfiguradas, destruindo e mantendo formas não-capitalistas de produção de acordo com
sua intrínseca necessidade expansionista e acumulativa. Neste sentido, “a história desse modo
de produção torna-se a história do antagonismo em desenvolvimento entre capital e as
relações econômicas semi-capitalistas e pré-capitalistas, que o mercado mundial capitalista
incorpora permanentemente a si mesmo” (Idem, p.28).
Vejamos, a seguir, alguns elementos básicos acerca do fordismo e da acumulação
flexível e como é possível identificar as formas pelas quais o desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo se expressam em diferentes regimes de produção.
4. Do fordismo à acumulação flexível
O fordismo constitui-se num regime de produção situado em uma estrutura
socioeconômica específica. Embora a produção de massa para consumo de massa seja um
princípio básico dessa forma específica de produzir mercadorias, nem de longe esgota suas
peculiaridades. Considerando que, as relações de produção são, em última instância,
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determinantes da totalidade da vida em sociedade, é necessário considerar que, “o fordismo
do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção em massa do que
como modo de vida total” (HARVEY, 2009, p. 13).
Resultado de um complexo e longo movimento histórico, o fordismo consolidou-se
como estratégia de retomada das possibilidades acumulativas do capital face a um contexto de
crise. Antes de tornar-se a maneira dominante de estruturar a produção teve que enfrentar
duas barreiras importantes no entre-guerras: 1) o estado de relações de classe – que implicava
a dificuldade do trabalhador em se adequar a um ritmo intenso de horas de trabalho
rotinizada, bem como a quase inexistência de controle do trabalhador sobre o objeto; 2)
modos e mecanismos de intervenção estatal (HARVEY, 2009).
No entanto, foi uma série de “compromissos”, num contexto em que o capital
explicitava de forma selvagem suas contradições internas, expressas em uma profunda crise,
que quase levaram ao colapso da economia na década de 1930, que possibilitaram a
disseminação e consolidação do fordismo. Tais compromissos envolviam os principais atores
do capitalismo.
O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais;
o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para assumir com mais
lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativas
ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção (HARVEY, 2009, p.
125).
O Estado então combinava políticas fiscais e monetárias que garantissem o equilíbrio
econômico, bem como políticas sociais que indiretamente aumentavam o poder de consumo
do trabalho. O capital, por sua vez, se empenhava em investimentos estáveis e
desenvolvimento racionalizado e planejado, baseado em padrões de eficiência definidos. A
classe trabalhadora teria que se adequar e cooperar com as técnicas fordistas de produção,
angariando, com isso, alguns benefícios em termos de aumento do salário real e do “salário
indireto” pela via das políticas sociais. Teve, no entanto, que abrir mão de um projeto de
perspectiva revolucionária, enveredando pela alternativa reformista da social-democracia.
Botelho sumariza o fordismo como “conjunto de práticas econômicas, técnicas,
gerenciais, políticas e sociais que, combinadas, formam uma estratégia específica do capital
reproduzir-se de forma ampliada” (2008, p. 32).
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Enquanto estratégia de reprodução ampliada, esse regime de produção possibilitou um
período expansionista. O Capital auferiu altas taxas de lucro e o trabalho teve melhorias
significativas nas condições de vida. Embora os ganhos para o trabalho tenham sido
significativos face a outros momentos históricos, o fordismo não constituiu possibilidade de
socialização dos meios de produção, nem de uma mudança social radical.
De fato, mesmo que a divisão do fundo público tenha sido, nesse contexto,
relativamente equilibrada, os moldes da produção fordista implicaram um aprofundamento da
divisão do trabalho, ao mesmo tempo que, destituiu o trabalho de qualquer conteúdo e impôs
um modo peculiar de controle exacerbado sobre ele (BOTELHO, 2005).
Harvey (2009) chama atenção para o caráter desigual de desenvolvimento no
fordismo. Esse caráter se expressou tanto nas relações entre os países, já que o fordismo
engendrou processos de internacionalização dos mercados, o que implica reconhecer amplo
desenvolvimento em países centrais do mundo capital e o simultâneo atraso de países
periféricos, bem como entre setores produtivos.
Os rebatimentos sobre o trabalho, portanto, foram significativos, já que se combinaram
práticas estáveis e seguras de contratação com “base não-fordista de subcontratação” (Idem, p.
132).
Ainda em relação a esse caráter desigual e combinado de integração dos diversos
países ao desenvolvimento fordista, Botelho (2005, p. 46) coloca que “essa integração não
significa igualdade de ‘desenvolvimento’ econômico e social. O ‘centro’ do sistema mundial
capitalista – os países ricos e industrializados [...] continua com seu papel dominante,
subordinando a periferia”.
Esse período de larga expansão, portanto, favoreceu, sobretudo, os países ricos.
Entretanto, era dotado de um limite histórico que se expressou numa profunda crise, cujo
ápice se verifica entre 1973, a qual evidenciou a incapacidade do fordismo perante as
contradições internas do capitalismo.
Os atores envolvidos no “compromisso fordista” já não conseguiam cumprir
devidamente suas funções, uma vez que estas estavam comprometidas, dada a lógica de
valorização do capital que, no âmbito do fordismo, se exauria. O Estado não detinha fundo
suficiente para manter a estrutura de políticas sociais universais e as estratégias anti-crises; o
capital não suportava mais os investimentos pesados, a superacumulação; o trabalho, por sua
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vez, não era mais tão facilmente controlável, superando, em larga medida, a posição
corporativista e burocratizada dos sindicatos tradicionais.
De acordo com Harvey (2009), essa crise relacionava-se diretamente à rigidez.
Rigidez na produção, na alocação de recursos e nos contratos de trabalho. É, pois, em
contraposição a essa rigidez que uniam o grande trabalho, o grande capital e o grande Estado
que se efetivaram os processos de reestruturação que marcam a década de 1970 e 1980. A
transição do regime fordista para o que o autor denomina de acumulação flexível não é
meramente uma mudança na forma de produzir, é, antes, “uma transição no regime de
acumulação e no modo de regulamentação social e política a ele associado” (HARVEY, 2009,
p. 117).
A flexibilidade é, nesse sentido, elemento fundamental nessa forma de acumulação.
Trata-se de flexibilização nos processos e mercados de trabalho e nos produtos e padrões de
consumo. Altas tecnologias, mobilidade geográfica, compressão espaço-tempo, inovações
comerciais e organizacionais, dominância financeira na coordenação do capital, formação de
novos mercados são características dessa estrutura sócio-econômica. E ainda, “acumulação
flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre
setores como entre regiões geográficas” (Idem, p. 140).
O autor aponta que, acumulação flexível engendra um radical movimento de
reestruturação da estrutura do mercado de trabalho e da estrutura da produção/organização
industrial. Ao fazê-lo traz elementos que permitem visualizar o caráter desigual desse
desenvolvimento. Vejamos em que sentido se dá tais reestruturações.
No que tange a questão do mercado de trabalho, temos: imposição de regimes e
contratos de trabalhos flexíveis, redução do emprego regular em favor do trabalho em tempo
parcial, temporário e subcontratado. Disso resulta uma estrutura de mercado de trabalho que
mantém um grupo de centro – trabalhadores de melhores condições de trabalho, seguro,
estável, com maiores rendimentos. Esse número é cada vez menor; a periferia – divide-se em
dois grupos: um comporta empregados em tempo integral, facilmente disponível no mercado
de trabalho; o outro, empregados em tempo parcial, temporário.
Em relação à reestruturação na organização industrial, Harvey (2009) aponta que as
economias de escopo – produção em pequenos lotes – ocupam lugar das economias de escala
– produção em massa. Neste sentido, inovações em produtos, diminuição de tempo de giro do
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capital, diminuição de tempo de vida útil do produto, sistema de gerenciamento de estoque,
exploração de novos ninchos de mercado, etc são fundamentais na consolidação desse regime
de acumulação flexível.
No que diz respeito às inovações organizacionais no interior da firma capitalista,
especificamente, Botelho (2005) indica duas direções: sistema just in time e a auto-ativação
da produção.O primeiro pode ser sintetizado na adaptação do estoque ao ritmo da produção; o
segundo, diz respeito ao aumento na unidade de trabalho, ou seja, aumento e complexificação
das funções de um mesmo trabalhador.
Conforme sinalizamos, a esfera das finanças assume primazia na condição dos
macroprocessos socioeconômicos e políticos da era flexível. Isto é, a constituição de um
mercado
financeiro
global,
sua
volatilidade,
mobilidade,
fundamentados
na
desregulamentação e liberalização da economia, bem como pela prioridade que o fundo
público-estatal lhe confere – e não menos importante da quase impotência dos Estados
nacionais perante os ditames do capital financeiro especulativo internacional – tem conferido
determinado poder de coordenação a esta fração do capital (HARVEY, 2009). Esta fração,
mas que qualquer outra tem a preponderância da flexibilidade.
Em suma, a acumulação flexível é um amplo processo que responde as necessidades
de retomada de acumulação do capital, que, coordenado pelo capital financeiro, flexibiliza
processos e contratos de trabalho, combinando técnicas altamente avançadas de produção com
modelos atrasados, domésticos, informais de produzir mercadorias.
Sob o lastro do desemprego que engendra esse regime de acumulação, o capital detém,
em sua totalidade, dominância sob os processos sofisticados e arcaicos de produção. Na
medida em que impossibilita, cada vez mais, trabalhadores de se inserirem no mercado seguro
de trabalho, cria alternativas informais de envolvimento desses mesmos trabalhadores no
circuito produtivo, de modo que, mesmo as práticas aparentemente autônomas contribuem
para a acumulação exacerbada do capital.
5.
O empreendedorismo e a informalidade: a exploração do trabalho e as formas de
desenvolvimento desigual e combinado
Os processos anteriormente discutidos são levados a cabo por relações sociais
historicamente determinadas e são fincadas em fortes mecanismos ideológicos de sustentação.
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Harvey (2009) é enfático ao ressaltar a cultura e estética pós-moderna, cujos elementos mais
caros são o fragmento, o caos, o efêmero, as mudanças intensas, a fluidez a não-definição, o
individualismo, a ausência de projetos coletivos amplos, entre outros, como assento básico
das mudanças processadas no regime de produção. Ao produzir a existência sob o julgo do
capital a sociedade acaba por legitimar um modo de viver que seja condizente com as
necessidades capitalistas. Ao mesmo tempo em que expele os trabalhadores dos centros
dinâmicos da produção, produz e reproduz noções de sociabilidade específicas.
Discutindo as transformações da governança urbana no capitalismo tardio, Harvey
(2005) demonstra que a ascensão do empreendedorismo urbano em detrimento da perspectiva
administrativa teve papel importante na transição do capitalismo do regime fordistakeynesiano para o regime de acumulação flexível. Esta mudança se relaciona, diretamente, a
formas novas de governanças locais que favoreçam o grande capital global. Nessa direção, o
autor deixa claro ainda que, governança urbana resulta de relações sociais complexas,
viabilizadas por coalizões e alianças político-sociais de grande envergadura.
Esse novo empreendedorismo é caracterizado, principalmente, pela parceria públicoprivada. Aqui os governos locais assumem riscos de investimentos e devem criar o ambiente
propício para que os grandes capitais possam investir com segurança. Nesse sentido, enfoca
“o investimento e o desenvolvimento econômico, por meios da construção especulativa do
lugar em vez da melhoria das condições num território específico” (HARVEY, 2005, p. 174).
A ênfase nas pequenas empresas, na terceirização, são apontadas como tendências que
tem levado ao aumento da informalidade. Como conseqüência mais ampla, essa modalidade
de empreendedorismo carrega a marca do controle do local por uma burguesia cada vez mais
internacional, que, ao final, serve “para sustentar e aprofundar as relações capitalistas de
desenvolvimento geográfico desigual” (HARVEY, 2005, p. 190).
A precarização, terceirização, subcontratação, trabalho em tempo parcial, enfim, a
informalidade, são expressões os processos de redefinições da acumulação flexível,
fomentadas, entre outras coisas, pelo empreendedorismo.
No entendimento de Noronha (2003), o termo informalidade é demasiado genérico
para dar conta da gama de situações de contratos de trabalhos atípicos que ao longo das
últimas décadas vem se multiplicando. As percepções com relação às diversas formas de
contratos de trabalho podem ser percebidas nos pares contrastantes: formal e “informal”, legal
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e “ilegal”, justo e “injusto”. Nessa perspectiva, os padrões de trabalho formal são sempre
precisados pelo registro na carteira de trabalho, pelos benefícios ligados à CLT. Logo, são
esses os padrões pelos quais os diversos atores definem as demais situações de informalidade,
ilegalidade e injustiça.
A legitimidade dos contratos de trabalho, entretanto, varia de acordo com os grupos
envolvidos, a conjuntura e o contexto. Isto é,
as linhas divisórias entre contratos de trabalho “ideal”, “justo”, “aceitável”
“pessoalmente inaceitável”, “injusto” ou “socialmente intolerável” são tênues e
misturam noções de necessidade pessoal, de eficiência, de éticas pessoais e
familiares, de justiça e de valores, normas e hábitos socialmente definidos
(NORONHA, 2003, p. 121).
Num contexto em que a cultura do empreendedorismo fomenta e incentiva a
informalidade como possibilidade de autonomização e de alternativa ao desemprego
crescente, os níveis de justiça, legalidade e aceitação social descerão cada vez mais a
patamares de mera sobrevivência, ainda que, nem de longe possam assegurar melhores
condições de vida, de trabalho e, tão pouco, socialização da riqueza.
Ao discutir a questão da informalidade, Alves e Tavares (2006) chamam atenção para
o fato de que, a informalidade, transmutada em ares de autonomia, expressa, na realidade, a
efetivação de precarização do trabalho. Nesse contexto, de expansão da informalidade, ela
deixa de ser uma forma de inserção sócio-econômica intersticial para se tornar, cada vez mais
essencial. Tal essencialidade se verifica tanto na perspectiva de sobrevivência de grande
contingente de trabalhadores como estratégia de valorização e reprodução ampliada do
capital.
A informalidade crescente desde a década de 1990 engloba uma diversidade de
situações que incluem atividades informais tradicionais e novas modalidades. As autoras
traçam uma interessante caracterização dos diversos grupos de trabalhadores inseridos nesse
âmbito da produção. Vejamos.
Os trabalhadores informais tradicionais requerem baixa capitalização e incluem uma
categoria dos menos instáveis (possuem mínimo de conhecimento profissional e de meios de
trabalho) e os instáveis (recrutados temporariamente sendo remunerado por peça ou serviço
prestado); trabalhadores assalariados sem registro. Podem ser empregados em pequenas
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empresas, ou mesmo em serviços domiciliares terceirizados por grandes empresas;
trabalhadores por conta própria, pequenos ofícios, pequenos comércios, atividades ocasionais
diversas.
Essa apresentação sumária não dá conta da densidade de situações discutida pelas
autoras anteriormente mencionadas. O objetivo é apenas demonstrar que a informalidade é
complexificada cada vez mais por uma heterogeneidade de situações de trabalho que torna
ainda mais difícil mensurá-la. Em comum, no entanto, é a condição de precarização,
insegurança, instabilidade e baixos rendimentos.
Além de formas arcaicas de produção terem sido mantidas no capitalismo
desenvolvido, a terceirização encarregou-se de recuperar outras, a exemplo das
cooperativas, do trabalho domiciliar e da pequena empresa. Estas não são formas
independentes, externas à dinâmica capitalista, ao contrário, são parte essencial da
estratégia de acumulação flexível, articulados pelos mecanismos da divisão
internacional do trabalho (ALVES e TAVARES, 2006, p. 441).
A suposta autonomização, que apontam essas modalidades de trabalho como
independentes do capital, é a face ideológica de uma estratégia bem articulada que envolve
capital e Estado, não apenas no sentido de legitimar e legalizar a informalidade, mas de
embutir na luta dos trabalhadores mais esse desafio de superar a fragmentação. Essa ofensiva,
entre outras coisas, leva algumas camadas trabalhistas a arrogarem independência face a luta
da classe destituída dos meios de produção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos marcos da sociedade capitalista, o trabalho enquanto categoria fundante do
mundo dos homens é alienado pelo capital. O fetichismo da mercadoria escamoteia o trabalho
corporificado no produto do trabalho, e dá a aparência de autonomia das coisas sobre quem as
produziu. Nessa conjuntura, as estratégias de exploração do trabalho pelo capital são
vinculadas à necessidade do capital extrair mais-valia, tendo o controle sobre o trabalho como
estratégia imprescindível que se apresenta de diversas formas.
A produção de riqueza nesse sistema exige a manutenção de formas desenvolvidas de
produção associadas a modelos arcaicos de outras. Trotsky (1977) trata dessa condição
funcional ao capital analisando a História da Revolução Russa e elabora a tese do
desenvolvimento desigual e combinado. Foi possível observar nesse texto que, na lógica de
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acumulação imposta pelo capital, é imprescindível que, além de estarem submetidos ao atraso,
é imposto aos países periféricos a combinação de formas arcaicas e modernas de
desenvolvimento.
No lastro do desenvolvimento das forças produtivas é possível identificar formas de
desenvolvimento desigual e combinado. As principais características da produção fordista
eram a produção em massa, grandes estoques, redução de custos, tarefas intensas e repetitivas,
monovalência, aumento da produção e do lucro (HARVEY, 1993, p.167). Com a crise desse
modelo de produção, deu-se início um processo de reestruturação do capital e de seu
arcabouço ideológico e político, através de estratégias de caráter neoliberal, que postulavam o
“Estado Mínimo, fim da estabilidade no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias
e dos gastos, em geral, com as políticas sociais” (FRIGOTTO, 1995, p.73).
O processo de acumulação flexível repercutiu em várias mudanças no processo do
desenvolvimento desigual no âmbito da produção. Os processos altamente sofisticados são
combinados com formas arcaicas, como é o caso do trabalho doméstico, patriarcal, feitos em
casa. Os modelos de produção são pautados na combinação dessas formas de exploração do
trabalho como extratégia de manutenção e expansão do domínio capitalista.
O movimento geral do capital no sentido de expelir força de trabalho dos ramos
produtivos mais dinâmicos não é um empecilho à manipulação das formas de sobrevivência
engendradas pelos trabalhadores de modo a introduzi-los ao circuito do valor. Os grandes
centros da economia estão cada vez mais dominados por altas tecnologias e sofisticados meios
de trabalho, sempre poupando mão-de-obra. Todavia, a retomada de formas arcaicas de
produção, em que informalidade e empreendedorismo se entrecruzam, é, também na
acumulação flexível, funcional e fundamental ao grande capital, pois, mantém o
desenvolvimento desigual e combinado que permite a dominação da fração dominante da
sociedade capitalista sobre os demais.
O reaparecimento de formas outrora tidas como superadas não são incidentes ou uma
mazela com a qual o capital não pretende lidar, são em última análise, um processo histórico
inerente a esse sistema de incrementar formas de trabalho e regimes produções cuja
desigualdade e inferioridade cumprem com o seu papel na acumulação do capital.
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REFERÊNCIAS
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Paulo: Boitempo, 2006,
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1999
PERCEPÇÃO DAS PARTICIPANTES DO PROJETO MULHERES MIL DO IFCE,
CAMPUS IGUATU, ACERCA DA EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA.
Anny Kariny Feitosa136
RESUMO
O Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Iguatu, oferta à comunidade cursos técnicos integrados
ao ensino médio, cursos técnicos subsequentes, graduação e pós-graduação e projetos de extensão,
dentre os quais se destaca o Projeto Mulheres Mil, que tem como objetivo oferecer as bases de uma
política social de inclusão e gênero, onde mulheres em situação de vulnerabilidade social têm acesso à
educação profissional, ao emprego e renda. Neste sentido, a Educação Cooperativa é importante
elemento que colabora para a construção da consciência e valorização do ser humano e da ação
democrática, corroborando como alternativa para a geração de emprego e renda. Assim sendo, o
presente projeto tem como objetivo inserir a educação cooperativista no âmbito do Mulheres Mil e
refletir sobre a percepção acerca da sua contribuição para o sucesso profissional e melhoria na
condição socioeconômica das mulheres participantes, no IFCE, Campus Iguatu.
Palavras-chave: Mulheres Mil, Educação Cooperativista, Desenvolvimento Humano.
1. Introdução
O Instituto Federal do Ceará (IFCE), campus Iguatu, oferta à comunidade cursos
técnicos integrados ao ensino médio, cursos técnicos subsequentes, graduação e pósgraduação e projetos de extensão, dentre os quais se destaca o Projeto Mulheres Mil, que tem
como objetivo oferecer as bases de uma política social de inclusão e gênero, onde mulheres
em situação de vulnerabilidade social têm acesso à educação profissional, ao emprego e
renda.
O Mulheres Mil foi implantado pela Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC), por meio de portaria ministerial datada
de 11 de agosto de 2011, e contou com a parceria da Assessoria Internacional do Gabinete do
Ministro (AI/GM), da Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), da Rede Norte
Nordeste de Educação Tecnológica (Redenet), do Conselho Nacional das Instituições da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), da Agência Canadense
136
Economista, Mestranda em Economia do Setor Público pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Mestre
em Direção Estratégica pela Universidad de León (Espanha). Docente no Instituto Federal do Ceará – IFCE,
(88) 96248900, [email protected], [email protected]
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2000
para o Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e da Associação dos Colleges
Comunitários do Canadá (ACCC) e Colleges parceiros. A execução foi realizada pelos
Institutos Federais de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Tocantins (BRASIL, 2011).
No IFCE, Campus Iguatu, no primeiro semestre de 2013, 50 mulheres foram
beneficiadas com um curso profissionalizante em Panificação e Confeitaria, no âmbito do
Projeto Mulheres Mil, que teve por objetivo viabilizar o ingresso e a permanência na
instituição da população feminina do município de Iguatu, com maior vulnerabilidade,
visando à inclusão educacional, à promoção social e econômica dessas mulheres, permitindolhes, por meio da formação e elevação da escolaridade, melhorar o seu potencial de
empregabilidade, qualidade de suas vidas, de suas famílias e de suas comunidades.
Outros sim, o Mulheres Mil representa um dos instrumentos de viabilização do direito
social ao trabalho, assegurado na Constituição Federal de 1988. Diante do cenário de
desigualdades existentes no Brasil e no mundo, faz-se necessário e urgente o estímulo às
iniciativas que promovam inclusão social pelas vias da educação e do trabalho, aos segmentos
que se encontram em situação mais desfavorecida, entre eles o das mulheres, que
estatisticamente são cada vez mais as responsáveis pela manutenção das famílias,
participando ativamente da composição da renda familiar (IBGE, 2010).
Nesse sentido, entende-se que a educação profissional funciona como um instrumento
de mudança, contribuindo para o desenvolvimento humano e social do indivíduos envolvidos,
além de minimizar as desigualdades e prover conhecimento necessário à inclusão no mundo
do trabalho.
Ao falar no desenvolvimento humano, sabe-se que nele também está inserido o
processo de formação da consciência e é a partir do alargamento desta que o indivíduo se
reconhece como cidadão, parte de uma política social, econômica, cultural, religiosa e
educacional entre outros.
Paulo Freire (2002, p.56) afirma que “na medida em que os seres humanos atuam
sobre a realidade, transformando-a com seu trabalho, que se realiza de acordo como esteja
organizada a produção nesta ou naquela sociedade, sua consciência é condicionada e expressa
esse condicionamento através de diferentes níveis”.
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2001
Assim, o indivíduo encontra recursos, através da perspectiva educacional,
consolidando as bases de sua subjetividade e permitindo desenvolver suas potencialidades e o
vislumbre de horizontes mais distantes da realidade que lhe fora imposta.
Desta maneira, segundo Brandão (1995, p. 26), a educação se constitui, portanto, em
“um meio de produção de poder da sociedade civil e, através dele, um caminho de conquista
de participação ativa e consciente dos rumos da sociedade”.
Diante do processo de convivência social, de sua sobrevivência e afirmação, na sua
relação com a natureza e com os demais seres humanos, o indivíduo constrói o conhecimento,
processa a educação, aprende e desenvolve suas capacidades.
O movimento cooperativo, segundo Schneider (1999) relaciona a educação como
princípio histórico fundamental do processo de organização e funcionamento de uma
cooperativa, desde a experiência cooperativa Rochdale, iniciada em 1844, na Inglaterra.
É possível, portanto, apontar para uma relação histórica entre práticas cooperativas e
educação. O associativismo e o cooperativismo são processos construtores de enlaces sociais,
admitindo responsabilidades e apelos históricos de ampla dimensão "não apenas por razões de
competitividade econômica, mas também sob a pressão de uma verdadeira urgência social”
(LÉVY, 2007, p. 42-43). Nessas circunstâncias, além da importância da qualificação técnica,
“impõe-se à educação como sua tarefa essencial a construção da cidadania” (SEVERINO,
2005, p. 149).
No movimento cooperativo a educação é tida “como mola-mestra de geração de novas
potencialidades e habilidades a serem adquiridas pelos indivíduos” (GOHN, 2005, p. 73).
Admite-se, portanto, que a Educação Cooperativa contribui para a conscientização e
valorização do ser humano, pois se concentra na formação de pessoas mais solidárias, justas,
democráticas, capazes de situar o interesse da coletividade ao mesmo nível de importância do
interesse individual e familiar.
Segundo Ferrinho (1985), “A Educação Cooperativista” é um processo permanente de
desenvolvimento integral e cooperativo das pessoas, ensejando a autocapacidade para a
geração de conhecimento e de poder, de viabilizar condições de progresso, formando um
verdadeiro conjunto orgânico, onde as diferenças individuais são úteis para o
desenvolvimento do próprio grupo”.
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2002
Assim, com base no tema abordado, formula-se a questão norteadora para o presente
estudo: qual a contribuição do ensino da educação cooperativista para as mulheres
beneficiárias do Projeto Mulheres Mil, do IFCE Campus Iguatu?
Diante deste cenário, a presente pesquisa teve como objetivo inserir a educação
cooperativista no âmbito do Mulheres Mil e refletir sobre a percepção acerca da sua
contribuição para o sucesso profissional e melhoria na condição socioeconômica das mulheres
participantes, no IFCE, Campus Iguatu.
2. Procedimentos metodológicos
O presente trabalho foi elaborado utilizando-se de pesquisa bibliográfica sobre o
objeto de estudo, através de coleta de dados em livros, revistas especializadas, artigos
científicos e bancos de dados disponíveis na Internet. Além disso, constou de um estudo de
caso para atender aos objetivos determinados no trabalho realizado, que, conforme Gil (2007)
consiste em um estudo profundo que permite um amplo e detalhado conhecimento do objeto
estudado.
A pesquisa aconteceu durante os meses de fevereiro a junho de 2013. Inicialmente,
houve pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema em questão. Em seguida, procedeu-se
com a realização das oficinas de capacitação, que ocorreram no mês de abril de 2013,
provocando a inserção da educação cooperativista no composto curricular do projeto
Mulheres Mil.
Posteriormente, foram realizadas as entrevistas, por meio de formulário semiestruturado, envolvendo 20 alunas do Projeto Mulheres Mil do IFCE, campus Iguatu, que
pretendeu responder a questões sobre a educação aplicada ao conceito de cooperativismo,
com um enfoque quanti-qualitativo.
Alvarenga (2010, p. 9) diz que o enfoque quantitativo trabalha com amostras
probabilísticas, cujos resultados têm possibilidade de generalizar a população em estudo.
Segundo Alvarenga (2010, p.10), o paradigma qualitativo “tenta descrever e
compreender as situações e os processos de maneira integral e profunda, considerando
inclusive o contexto que envolve a problemática estudada”.
Portanto, essa pesquisa teve um enfoque misto ou quali-quantitativo de nível
descritivo, com a finalidade de analisar a sistemática da evolução das alunas do Projeto
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2003
Mulheres Mil de uma instituição pública do Nordeste brasileiro, além de possibilitar a
potencialização das ações de ensino-aprendizagem do cooperativismo.
2.1. Universo e amostra
Segundo Lavado; Castro (2001) população ou universo diz respeito a um conjunto de
todos os elementos onde, cada um deles, apresenta uma ou mais características em comum.
Quando se extrai um conjunto de observações da população, ou seja, toma-se parte desta para
a realização do estudo, tem-se a amostra.
A população alvo para a participação das oficinas de capacitação de Cooperativismo e
Associativismo constitui as 50 mulheres atendidas pelo projeto Mulheres Mil do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Campus Iguatu.
No total, foram entrevistadas 20 alunas que se disponibilizaram a participar,
constituindo portanto a amostra do estudo. Tanto a participação na oficina como a
colaboração com a realização da pesquisa foi voluntária, garantindo o anonimato das alunas,
sendo as mesmas tratadas ao longo do trabalho por suas iniciais.
2.2. Coleta de dados e Análise das Informações
Segundo Zentgraf (2003), a realidade pode ser investigada sob os mais variados
aspectos, em diferentes níveis de profundidade e com diferentes objetivos.
De acordo com as especificações anteriores, esta pesquisa trabalhou com entrevista
semi-estruturada, objetivando ver, analisar e ordenar as informações obtidas na perspectiva de
comprovar ou refutar as hipóteses que norteiam o presente objeto de estudo.
Para a análise das informações foi utilizado o método foi da Análise de Discurso
(AD), cuja transcrição se constrói as categorias de análise, e concordando com Orlandi
(2001), na AD procura-se compreender a língua fazendo sentido, inserindo aquele discurso no
seu contexto. Gil (2007) complementa dizendo que o discurso não ocorre em um vácuo social,
ele é construído para nos ajustarmos a um determinado contexto, portanto ele é circunstancial.
Por evidenciar a relação entre o indivíduo enunciador, como produtor de discursos, e
seu contexto sócio-histórico e cultural, ou seja, o seu lócus de produção do discurso, a AD
permite compreender em profundidade a realidade social, manifestada pela formação
discursiva através de discursos individuais (CAREGNATO e MUTTI, 2006).
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2004
3. Resultados e Discussões
3.1 Perfil das Participantes da Pesquisa
O diagnóstico socioeconômico das participantes foi um momento de grande
importância, pois possibilitou o conhecimento do nível de inclusão/exclusão social das alunas
selecionadas, considerando-se vários quesitos, como: escolarização, renda familiar, acesso a
programas sociais, expectativas, entre outros. Tal instrumento visou à identificação da
situação familiar de cada participante.
Do perfil socioeconômico das mulheres participantes do Projeto Mulheres Mil, turma
Panificação e Confeitaria, IFCE Campus Iguatu, destacam-se as seguintes características:
Gráfico 1 – Faixa-etária das Alunas Participantes
Faixa-etária das participantes
10
9
8
8
6
4
3
2
0
20 a 30 anos
31 a 40 anos
41 a 50 anos
De acordo com o gráfico 1, a maioria das alunas está compreendida em uma faixaetária de 20 a 40 anos de idade, o que está de acordo com as políticas de seleção do público de
interesse do programa, que seleciona mulheres com idade entre 18 e 65 anos,
preferencialmente (BRASIL, 2011).
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2005
Gráfico 2 – Ocupação das Alunas Participantes
Ocupação das Participantes
12
11
10
8
6
4
3
2
2
1
1
1
1
0
Doméstica
Autônoma
Lavadeira
Dona de Casa
Merendeira
Voluntária
Não informado
O gráfico 2 aponta para uma maioria de “donas de casa” participantes do programa.
Tal fato fundamenta e justifica a necessidade de existência do projeto Mulheres Mil para
alcançar a finalidade de proporcionar a inserção destas mulheres no mercado de trabalho,
aumentando sua auto-estima e melhorando suas condições de vida de uma maneira geral. Para
isso, também a educação cooperativista surge como alternativa de transformação social e
econômica da realidade destas mulheres.
Gráfico 3 – Renda familiar das Alunas Participantes
Renda Familiar
10
8
9
7
6
4
2
2
2
0
De meio até 1 salário mínimo
Não informado
Até meio salário-mínimo
De 1 a 2 salários mínimos
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2006
De acordo com o gráfico 3, a renda familiar da maioria das alunas é de até 1 (um)
salário mínimo.
Gráfico 4 – Benefícios do Governo Federal recebidos
Benefícios do Governo Federal
14
13
12
10
8
6
6
4
1
2
0
Bolsa família
Não recebe
Não informado
No gráfico 4 é possível perceber que a maioria das participantes do programa recebe o
benefício social do Governo Federal, Bolsa Família. Deste modo, torna-se visível que tal
benefício compõe a renda familiar das mulheres e corrobora com a iniciativa do projeto
Mulheres Mil, que emerge como fortalecedor da política de inclusão social e econôica dessas
mulheres, permitindo-lhes, melhorar o seu potencial de empregabilidade, qualidade de suas
vidas, de suas famílias e de suas comunidades.
3.2 Categorização das Falas das Participantes
De acordo com a entrevista realizada, foi possível construir 3 (três) categorias:
1. Entendimento sobre cooperativismo
2. Contibuição do cooperativismo para o sucesso profissional
3. Perceção de melhoria da condição socioeconômica por meio da atividade
cooperativista
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2007
Com relação à categoria 1, que trata do entendimento sobre cooperativismo, as
respostas obtidas foram:
“É um grupo de pessoas que se unem para trabalhar, gerar renda, sendo todos com
as mesmas expectativas e com os mesmos objetivos” (TDMS).
“É uma sociedade de no mínimo 20 pessoas físicas, com interesse comum
economicamente” (FGS).
“Uma sociedade, um grupo de pessoas com interesse comum e economicamente
organizada” (ND).
“É um grupo de pessoas reunidas em um único objetivo, trabalhar e gerar rendas
para a comunidade” (FSS).
“É um meio de trabalho para a comunidade” (NA).
“Entendo que através de uma cooperativa, surgem algumas oportunidades que
quando sozinho não conseguiria. Para mim é algo bom, uma oportunidade de ser
patrão em vez de empregado, ou seja, ser mais independente. Cooperativismo é um
conjunto de pessoas unidas num só propósito” (NID).
“Cooperativismo é um tipo de associação” (MA).
“É uma oportunidade para a pessoa.” (NC).
“É uma estrutura onde pessoas se organizam para o trabalho, com vários membros,
onde irão melhorar seus estilos de vida, podendo ter a sua própria empresa
estruturada.” (NG).
“Eu acho que é desenvolvimento para ajudar as pessoas que precisam na sua
comunidade.” (FFNM).
“É um grupo de pessoas que se unem para conseguir um só objetivo” (NCA).
“Um grupo de pessoas unidas para melhorar a vida da sua comunidade” (AA).
“Cooperativismo é a busca pelo desenvolvimento” (NCN).
“É um grupo de pessoas que se reunem para trabalhar” (MLR).
Conforme pode ser percebido, as entrevistadas foram unânimes em entender o
cooperativismo como um processo de organização para o trabalho em prol de alcançar
objetivos comuns, tendo em vista a geração de renda e melhorias para a comunidade. Tal
afirmação corrobora com o pensamento de Singer (2000) que afirma ser a cooperação uma
forma de integração social, na qual as pessoas se unem para alcançar o mesmo objetivo, sendo
uma boa estratégia para legitimar social e legalmente aqueles que estão à margem da
sociedade.
Na categoria 2, que aborda a contibuição do cooperativismo para o sucesso
profissional, as participantes da pesquisa afirmaram:
“Contribui e muito para ter uma boa vida” (NI).
“Melhora as condições socioeconômicas da comunidade e da família” (ND).
“Acho muito importante, mas também muito difícil, pois as pessoas pensam
diferente e acaba não dando certo a união” (FSS).
“Permite trabalhar e prosperar, ser dona da empresa” (ES).
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2008
“Contribui para conhecer o desenvolvimento em cooperativa, ter mais educação,
mais desenvolvimento social e econômico” (NCN).
“Contribui para abrir um negócio de artesanato” (NA).
“É importante financeiramente, ou seja, juntos podemos mais; pelo companherismo,
não estou só diante dos obstáculos que poderão surgir; e, para conseguir aquilo que
quero, em conjunto com outras pessoas, no mesmo propósito” (NID).
“É importante pois posso colocar um projeto em prática, aumentar minha renda e
melhorar ainda mais meu saber” (MA).
“Contribui como oportunidade de emprego” (NC).
“É importante porque se aprende a trabalhar em grupo, tendo assim uma boa
organização de vida melhor para nossas famílias” (NG).
“Uma boa ajuda para quem exerce o trabalho em casa mesmo” (FFNM).
“Contribui para o sucesso profissional no geral e aprendizagem de relacionamento
com outros, em grupo, a respeitar a opinião dos outros” (NCA).
“É muito importante para o sucesso profissional meu, como também das pessoas que
participam” (AA).
“É importante demais, porque ensina como começar em um trabalho, manter uma
empresa, com mais união e organização” (NCN).
“Contribui pois constitui uma sociedade justa, livre, fraterna e democrática” (MLR).
A respeito da categoria 3, em que se busca observar a percepção de melhoria da
condição socioeconômica por meio da atividade cooperativista, as entrevistadas responderam
de maneira afirmativa à indagação. Dentre as respostas, estão:
“Sim, tenho capacidade de melhor minha condição socioeconômica, mas preciso de
mais preparo” (TDMS).
“Sim, ajudando a todos na melhoria de vida” (NI).
“Sim, procurando mostrar interesse e disponibilidade para as pessoas e com o
trabalho que está sendo feito” (ND).
“Sim. Podemos melhorar bastante, com persistência e iniciativa. É fazer um bom
desempenho que dá certo.” (FSS).
“Eu acredito que sim e confio no meu talento” (ES).
“Sim, pode melhorar e eu gostaria de montar uma cooperativa com minha
família”(NCN).
“Sim, desde que todos sejam unidos e organizados” (NA).
“Sim, podemos empregar vários jovens que não têm o que fazer e eles no futuro
podem ser pequenos empresários” (NID).
“Sim. Posso melhorar a condição de uma vida melhor” (NG).
“Sim, como uma boa ajuda em dinheiro e desenvolvendo meu trabalho” (FFNM)
“Sim, junto com outras pessoas fica mais fácil melhorar de condição” (NCA).
“Sim, acredito” (AA).
“Sim, melhora mais a vida” (NCN).
“Sim, poderemos melhorar muito” (MLR).
Como se pode observar nos relatos das entrevistadas, a atividade cooperativista é tida
como importante fator para melhorar a condição socioeconômica da entrevistada e sua
família.
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2009
4. CONCLUSÃO
O estudo realizado enfatiza a percepção de 20 alunas participantes do Projeto
Mulheres Mil, no IFCE, Campus Iguatu, especificamente quanto à contribuição do
cooperativismo à atuação profissional e ao desenvolvimento humano, econômico e social.
Evidenciando-se os dados da literatura pesquisada e correlacionando com o
levantamento realizado, pode-se concluir que os resultados indicam não apenas a
possibilidade de inclusão social produtiva das mulheres, mas também a ressignificação de
suas vidas, gerando expectativa de um futuro melhor e atuando como divulgadoras dos
benefícios adquiridos pelo curso, fazendo com que outras mulheres sintam-se encorajadas a
percorrerem caminhos semelhantes.
Com os relatos da pesquisa, foi possível perceber que as mulheres desenvolveram a
autoconfiança, vislumbrando oportunidades de se apropriar do saber e assumir uma postura de
sujeito da sua própria vida, bem como um maior fortalecimento dos vínculos comunitários.
Neste sentido, a importância deste projeto está, principalmente, na oportunidade da
qualificação para o mercado de trabalho, no crescimento pessoal e profissional, na
socialização com os colegas e professores, o que, de certa forma, vai ajudar a inserção dessas
pessoas, com mais facilidade, no mercado de trabalho ou na criação do seu próprio negócio.
O Mulheres Mil no IFCE, Campus Iguatu, tem grande valor para a sociedade, como
demonstram as alunas selecionadas para dele participarem. Isso porque elas passaram a
apresentar uma nova concepção de mundo, como mulheres transformadoras de conhecimento,
pessoas motivadas e esperançosas.
Neste contexto, conclui-se pela importância da educação cooperativa como elemento
parte do processo de qualificação das mulheres, que viabiliza a inserção no ambiente
educacional e, principalmente, como alternativa para o ingresso no mercado de trabalho,
geração de renda e melhoria da condição socioeconômica, por meio da atividade cooperativa.
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POLÍTICAS AFIRMATIVAS E FORMAÇÃO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO
COM ALUNOS DA UFC-CARIRI
Wellington Ribeiro Justo137.
Joelice Alexandre de Oliveira138.
Karla Aline Rosado Gomes139.
RESUMO
Este estudo tem como objetivo identificar os determinantes da nota de ingresso nos cursos de
graduação presencial da UFC-CARIRI assim como os determinantes do desempenho acadêmico.
Trabalhou-se com dados primários obtidos com a amostra correspondente a 225 questionários. Foram
estimados dois modelos empíricos sendo uma regressão múltipla e um modelo logit. Os resultados
apontaram que o desempenho do aluno no ensino médio impacta de forma positiva na nota de entrada.
Por outro lado, alunos de escola pública têm notas de entrada menores. Não foram encontradas
diferenças significativas em função da raça e sexo. Nos determinantes do desempenho acadêmico foi
evidenciada a maior probabilidade de ter reprovação para os alunos com baixo desempenho no ensino
médio e aqueles que cursaram o ensino médio em escola pública não havendo diferença significativa
entre gênero, sexo e raça. Um aspecto positivo é a eficiência do Programa de Monitoria, haja vista que
os alunos que participam têm menor probabilidade de ter reprovação. Assim, os resultados sugerem
que a implantação e ampliação da política afirmativa de criação de cotas para entrada nos cursos da
UFC-CARIRI deve priorizar os alunos provenientes de escolas públicas a despeito de raça, renda e
sexo. Observou-se, também a necessidade de adoção de políticas complementares à criação de cotas
para que os alunos das escolas públicas possam ter melhor desempenho na sua formação acadêmica.
Os resultados, contudo, devem ser vistos com cautela, haja vista que a universalização do sistema de
cotas como recomendado pelo MEC pode mudar os resultados.
Palavras-Chave: Políticas afirmativas, Política de cotas, UFC-CARIRI, Curso superior, Desempenho
acadêmico.
1. INTRODUÇÃO
Após a aprovação de uma lei que institui o sistema de cotas para ingresso nas
Instituições de Ensino Superior (IES) públicas a Universidade Federal do Ceará Campus
Cariri iniciou a implantação a partir de 2013.
137
Professor Associado do Curso de Economia da URCA. Doutor em Economia pelo PIMES-UFPE.
[email protected]
138
Graduanda do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) de Crato – CE. Bolsista da
FUNCAP. [email protected]
139
Graduanda do curso de Economia da Universidade Regional do Cariri (URCA) de Crato – CE. Bolsista da
URCA. [email protected]
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2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil
2013
Para Pereira et al. (2010) apesar do debate sobre a implantação das cotas raciais em
instituições de ensino tenha evidência na atualidade, alguns estudos apontam que não foram
elaboradas pensando na população negra, mas tiveram sua origem em países do oriente, nas
sociedades divididas por castas, como Índia e China.
O sistema de cotas faz parte de Políticas Afirmativas quando se pretende corrigir
alguma distorção entre grupos na sociedade. No caso específico das cotas para ingresso nas
IES tem sido argumentada pela dificuldade que os alunos das escolas públicas associada a
outras características étnicas e econômicas têm para ter acesso. Debates calorosos foram feitos
antes da promulgação da Lei. O debate não se estendeu por muito tempo como gostariam
àqueles que se posicionam contra. Contudo, o governo Federal acelerou o processo e
contando com maioria no congresso conseguiu a sua aprovação.
Algumas questões foram levantadas para direcionar os debates. Uma delas
questionava que a pouca participação de alunos de escolas públicas, negros e estudantes de
famílias de baixa renda seria em virtude da pouca quantidade de vagas ofertadas pelas IES
públicas comparada ao total de vagas nas IES no Brasil. Nesse sentido, a partir de 2008 o
governo acelerou a criação de vagas nos cursos existentes e a criação de novos cursos e novas
Universidades e Institutos Federais de Educação Técnica.
A argumentação dos que se posicionam a favor da lei das cotas é que a escola pública
não está preparando adequadamente os seus alunos para que estes possam concorrem com as
mesmas chances de ingressarem nos cursos de graduação das Universidades Públicas e, que,
por isso, precisariam de um mecanismo para tornar mais equitativo as oportunidades. A
questão é que com esta argumentação estaria deixando o mérito da competência para ingresso
nas IES públicas para uma parcela das vagas destinadas aos cotistas enquanto durasse o
período da política de cotas que seria aumentado progressivamente e após um determinado
período seria extinto.
Tem-se argumentado, por exemplo, que o Governo Federal tem designado grande
volume de recursos para conceder bolsas para alunos de baixa renda ter acesso às faculdades
privadas de qualidade duvidosa. Assim, estes recursos poderiam ter sido destinados à
concessão de bolsas para alunos da rede pública cursarem bons colégios e competir em
igualdade de condições com alunos de famílias de maior renda não afetando o desempenho
dos alunos da IES públicas.
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2014
Além da questão do ingresso, outra questão tem sido levantada e explorada na
literatura que é o desempenho dos alunos cotistas assim como a sua permanência ao longo da
sua formação acadêmica. Assim, estudos que abordem esta temática identificando os
determinantes do desempenho escolar e acadêmico ajudam na compreensão do problema e dá
suporte para criação de políticas complementares visando manter os alunos cotistas nos seus
respectivos cursos até a conclusão, bem como tendo desempenho igual ou superior ao dos
alunos provenientes das escolas privadas.
Nesse sentido este artigo faz um estudo de caso que tem como objetivo identificar os
determinantes da nota de entrada nos cursos de graduação da UFC-CARIRI e identificar os
fatores determinantes do desempenho acadêmico.
Este trabalho contribui para o debate da problemática das políticas afirmativas ao
identificar simultaneamente os fatores que determinam a entrada e o desempenho dos alunos
durante a sua graduação por meio de modelos empíricos, antes da efetivação e da ampliação
do sistema de cotas pela respectiva UFC-CARIRI que passará a ser Universidade Federal do
Cariri (UFCA).
Além desta introdução o artigo tem mais três seções. A segunda seção faz-se uma
fundamentação teórica. Na terceira seção é apresentada a metodologia. A quarta seção
apresentam-se os resultados e finalmente a última seção têm-se as conclusões.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De acordo com o IPAE (2010) entende-se por sistema de cotas uma medida
governamental que cria uma reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para
determinados segmentos sociais. Esta medida é considerada uma forma de ação afirmativa,
segundo conceito surgido nos Estados Unidos na década de 1960. No Brasil o assunto vinha
sendo debatido amplamente, sem um posicionamento final do Legislativo Federal e do
Judiciário Federal. Há leis estaduais e decisões monocráticas e de Tribunais de Justiça, mas
sem que existisse a deliberação final do Supremo que aconteceu em 2012 com decisão
favorável à criação do sistema de cotas.
Do ponto de vista político o sistema de cotas é visto como uma possibilidade de
superação das desigualdades socioeconômicas e é imposta como uma das metas de qualquer
sociedade que aspira a uma maior equidade social. Haja vista os problemas sociais. algumas
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2015
alternativas são propostas para atenuação de desigualdades que mantém em condições
díspares cidadãos de estratos distintos. Uma das alternativas pensadas é o sistema de cotas que
visaria a acelerar um processo de inclusão social de grupos à margem da sociedade.
Para o IPAE (2010) o conceito de cotização de vagas aplica-se às populações
específicas, geralmente por tempo determinado. Estes grupos populacionais podem ser grupos
étnicos ou raciais, classes sociais, imigrantes, deficientes físicos, mulheres, idosos, dentre
outros. A argumentação para este sistema de cotas é que certos grupos específicos, em razão
de algum processo histórico depreciativo teriam maior dificuldade para aproveitarem as
oportunidades que surgem no mercado de trabalho com melhor remuneração em virtude da
maior escolaridade, bem como seriam vítimas de discriminações nas suas interações com a
sociedade.
Na constituição brasileira de 1988 já continha cota para acesso a concursos públicos
para deficientes físicos de acordo com o Artigo 37 (Capítulo VIII). Com o passar do tempo
outros grupos sociais passaram a reivindicar a cotização para garantir uma participação
mínima em certos setores da sociedade a exemplo das Universidades Públicas.
Segundo IPAE (2010) nas universidades públicas a adoção de reserva de vagas
começou em 2000, com a aprovação da lei estadual 3.524/00 de 28 de dezembro de 2000.
Esta lei garante a reserva de 50% das vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro,
para estudantes da rede pública municipal e estadual de ensino. A lei passou a ser aplicada no
vestibular de 2004 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade
Estadual do Norte Fluminense (UENF). Já a lei 3.708/01 de 2001 institui o sistema de cotas
para estudantes denominados negros ou pardos, com percentual de 40% das vagas das
universidades estaduais do Rio de Janeiro. Esta lei passou a ser aplicada no vestibular de 2002
da UERJ e da UENF. Outras universidades, tais como a Universidade de Brasília (UNB) e a
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) também aderiram a este sistema, tendo como
critérios os indicadores socioeconômicos. ou a cor ou raça do indivíduo.
De acordo com o IPAE (2010) o sistema de cotas é considerado uma medida
polêmica, gerando debates fervorosos na academia. Esta medida divide opiniões, embora seja
um consenso de que algo deva ser feito para diminuição das desigualdades entre os cidadãos e
grupos sociais. Alguns argumentam que o problema é de base e que atacar as consequências
não resolve o problema. apenas cria outro. No que diz respeito às contradições do sistema de
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cotas de cunho racial diz respeito à institucionalização do racismo. Criada por lei a distinção
de etnias pode agravar o racismo. Por outro lado tem a questão da autodeclaração da cor para
fins de receber o benefício.
A implantação de uma lei de cotas ou quaisquer ações afirmativas 140 deve ter em
mente que a sua aplicabilidade e seus possíveis ônus e bônus deve ser por um tempo
determinando. Antes da criação da lei de cotas algumas Universidades Públicas implantaram
um sistema de programas de ação afirmativa: Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Universidade Estadual de Montes Claros. Universidade de Brasília. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Universidade Estadual do Norte Fluminense. Universidade Federal do
Acre. Universidade Federal de Alagoas. Universidade Estadual da Paraíba. Universidade
Federal da Bahia. Universidade Federal do Espírito Santo. Universidade Federal do
Maranhão. Universidade Federal do Pará. Universidade Federal da Paraíba. Universidade
Federal do Paraná. Universidade Federal de Pernambuco. Universidade Federal do Piauí.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Universidade Federal de Santa Catarina. Universidade Federal de Santa Maria. Universidade
Federal de São Carlos. Universidade Federal de Sergipe. Universidade Tecnológica Federal
do Paraná. Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia. IPAE (2010).
Segundo o PNAE (2010) para o Conselho de Representantes da CONFENEN a
posição da entidade quanto às reservas de vaga e cotas nas IES assemelha-se a “dar um prato
de comida para quem tem fome ao invés de dar um emprego”. Para eles estão atacando os
efeitos e não removendo as causas que são escolas públicas deficientes e pobreza. O privilégio
das cotas é um atestado de que a escola pública de educação básica. Assim, o sistema de cotas
derruba o mérito e despensa tratamento desigual.
Em meio a estas controvérsias em 2012, segundo o MEC (2013) o Governo Federal
conseguiu aprovar a Lei de cotas. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012 e
garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38
institutos federais de educação ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino
140
Ação afirmativa é “qualquer política que, operando com o critério de discriminação positiva, vise favorecer
grupos socialmente discriminados por motivo de sua raça, religião, sexo e etnia e que, em decorrência disto,
experimentam uma situação desfavorável em relação a outros segmentos sociais” (AMARO, 2005, p. 74).
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médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das
vagas permanecem para ampla concorrência.
Segundo o MEC (2013) o Decreto nº 7.824/2012 define as condições gerais de
reservas de vagas e sistematiza o acompanhamento das reservas de vagas e regra de transição
para as IES. A Portaria Normativa nº 18/2012 do Ministério da Educação estabelece os
conceitos básicos para a aplicação da lei. regulamente as modalidades para concorrer às vagas
reservadas e sistematiza o preenchimento das vagas reservadas.
De acordo com a lei 50% das vagas devem ser reservadas às cotas e serão divididas,
sendo metade para estudantes oriundos de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou
inferior a sum salário mínimo e meio per capita e a outra metade para estudantes de escolas
públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Nos dois casos será levado
em consideração o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e
indígenas em cada estado de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE.
Para o MEC (2013) a Lei será implantada gradualmente. Em 2013 pelo menos 12.5%
das vagas ofertadas deverão ser reservadas. O restante do percentual previsto em lei será
gradual nos próximos quatro anos até atingir o limite estabelecido por lei.
Durante o período de implementação da lei o MEC (2013) orienta os estudantes
cotistas a disputar as vagas pelo critério de cotas e pelo sistema tradicional. Quando
totalmente implantado aí vai ficar a critério de cada IES.
O estabelecimento das cotas pelo critério racial será autodeclaratório, assim como
ocorre no Censo Demográfico e em toda política de afirmação no Brasil. Já o critério de renda
terá de ser comprovada por documentação.
Em outra área de atuação o governo amplia a política de assistência estudantil. No ano
de 2013 o Programa de Assistência Estudantil (PNAES) recebe reforço de R$ 600 milhões.
Sowell (2004) examinou a aplicação de ações afirmativas em vários países e concluiu
que apesar de todos os princípios, hipóteses e assertivas têm-se utilizado para respaldar os
programas de ação afirmativa comuns a vários países outros mais peculiares. O fato notável é
que raramente essas noções são empiricamente testadas, ou logicamente examinadas muito
menos pesada em relação aos custos que muitas vezes se impõem. Apesar das afirmativas
feitas em prol dos programas de ação afirmativa um exame das suas consequências reais torna
difícil o apoio a tais programas ou mesmo dizer se esses programas foram benéficos ao
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cômputo geral. A não ser que a afirmação de que qualquer quantidade de reparação social, por
qual meio que seja, vale o vulto dos custos e perigos por maiores que sejam.
3. METODOLOGIA
3.1 Natureza e Fonte dos Dados
Neste artigo trabalhou-se com dados primários obtidos através da aplicação de
questionários com os alunos da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri (UFCCARIRI) no período de 9 do mês de abril a 18 do mês de junho de 2013. Antes da aplicação
dos questionários definitivos foram aplicados questionários pilotos onde se notou a
necessidade de fazer ajustes em algumas perguntas. A amostra foi calculada com base na
população estudantil fornecida pela IES seguindo a fórmula de amostragem expressa por:
Considerando-se um erro de estimação de 5% (E=0,05), a abscissa Z=1,645, ao nível
de confiança de 95% e p = q = 0,5, obteve-se um tamanho da amostra (n) igual a 225.
3.2 Caracterização da Área de Estudo
Segundo a UFC-CARIRI (2013) o Conselho Universitário (CONSUNI) aprovou a
criação do Campus Cariri através do Programa de Expansão do Sistema Federal de Educação
Superior no dia 22 de novembro de 2005 juntamente com o campus da Região Norte. O
objetivo era seguir a missão da IES de disseminar um padrão de qualidade para o ensino
superior no estado do Ceará. Desta forma a UFC esperava contribuir para o desenvolvimento
econômico e social de forma includente, permitindo que no futuro o Campus Cariri pudesse
ser transformado em uma universidade como aconteceu em 2013 com a criação da UFCA.
No Campus Cariri foram ofertados os cursos de Administração. Biblioteconomia.
Engenharia Civil. Filosofia. Comunicação Social (Jornalismo). Engenharia de Materiais.
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Educação Musical e Design do Produto no Município de Juazeiro do Norte. o curso de
Medicina em Barbalha e o curso de Agronomia no Município de Crato.
Além dos cursos de graduação a IES conta com um curso de mestrado em
Desenvolvimento regional. Está em implantação o Programa de Pós-Graduação em
Agropecuária do Semiárido e funciona também, o Programa de Residência Médica em
Barbalha. Existe plano para criação de novos cursos de graduação nos três municípios e no
município de Brejo Santo no Cariri Oeste e de novos cursos de mestrado e Doutorado.
Os municípios sede dos cursos estão localizados na Região Metropolitana do Cariri. A
tabela 1 traz alguns indicadores da Região Metropolitana do Cariri.
A Região Metropolitana do Cariri é composta por nove municípios. O mais populoso é
Juazeiro do Norte e o de menor população é o de Nova Olinda. Juazeiro do Norte também se
destaca por apresentar o maio PIB per capita, maior número de trabalhadores formais e a
menor área. O município de Nova Olinda apresenta a menor taxa de mortalidade infantil. O
segundo município de maior expressão populacional e econômico é o município de Crato
seguido pelo município de Barbalha. Não diferente da realidade brasileira percebe-se uma
desigualdade intrarregional. O PIB per capita de Santana do Cariri representa menos de 40%
do PIB per capita de Juazeiro do Norte.
Tabela 1 Indicadores socioeconômicos da Região Metropolitana do Cariri
Municípios
População
Residente
em 2010
PIB per
capita em
2008
Barbalha
Caririaçu
55.323
26.393
121.428
Crato
Farias Brito
Jardim
Juazeiro do
Norte
Missão
velha
Nova Olinda
Área
absoluta
km²
Nº de
trabalhadores
formais
(2010)
5.528
2.877
5.569
Taxa de
Mortal./ por
1000
nascidos
vivos
17.44
22.39
21.56
479.18
623.82
1.009.20
7477
1941
16.440
19.007
26.688
249.9
3.021
3.128
8.060
16.56
18.44
13.59
503.7
651.11
248.55
1.203
2.013
39.503
34.274
3.316
20.54
651.11
2.068
14.256
3.409
7.60
284.40
1.410
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2020
Santana do
Cariri
Total
17.170
3.151
28.57
768.77
1.155
564.439
38.059
18.52
602.703
72.055
Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IPECE (2011).
3.3 Descrição das variáveis
Na estimação dos modelos econométricos foram utilizadas as seguintes variáveis de
acordo com o quadro 1.
Quadro 1 Descrição das variáveis
Variável
Sexo
Idade
Raça
Riqueza
Escolapública
Notadeentrada
Notanoensinomédio
Ira
Semestre
Turno
Renda
Escolaridadepai
Escolaridademãe
Descrição
Dummy que assume valor se homem
Variável contínua em anos
Dummy que assume valor 1 se branco de
acordo com a autodeclaração da cor
Variável
construída
com
base
nas
informações de posse de moradia, automóvel,
eletrodoméstico,
computador,
telefone,
acesso a internet
Dummy que assume valor 1 se o estudante
cursou o ensino médio em escola pública
Variável contínua da nota de entrada no
vestibular
Variável contínua por faixas de rendimento
de acordo com a autodeclaração de
desempenho no ensino médio
Variável contínua por faixa de acordo com a
autodeclaração de desempenho acadêmico
Variável contínua de acordo com o semestre
cursado
Turno frequentado 1 se manhã e 2 se noite
Variável contínua por faixa de renda em
Salário Mínimo
Variável contínua por faixa de escolaridade
Variável contínua por faixa de escolaridade
3.4 Modelos Empíricos
A fim de atender os objetivos serão estimados dois modelos empíricos. O primeiro é
um modelo de regressão múltipla expresso da seguinte forma:
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2021
Yi =β1 +β2X2i +...+βk Xki +u i
(1)
Onde Yi é a variável dependente, β1 a β k são os parâmetros a serem estimados,
X 2i X ki são as variáveis explicativas, u i é a perturbação estocástica.
O segundo é o modelo Logit que tem como base uma função logística de
probabilidade acumulada definida como:
)
Considera-se
(2)
, uma variável binária entre sucesso ou fracasso do evento se:
(3)
A esperança condicionada de
é definida da seguinte forma:
(4)
A função
pode ser observada como a probabilidade condicionada de
assumir o valor 1, para certo valor
dentro do intervalo (0,1). Dito de outra forma:
(5)
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2022
A estimação do logit é feita através do método máxima verossimilhança. Freeman III
(2003) define-se a função a verossimilhança:
(6)
A estimação do vetor
deve maximizar esta função.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Evidências sobre o Ensino Universitário no Brasil
Segundo o MEC (2013) o número de cursos de graduação presencial no Brasil passou
cerca de cinco mil em 1991 para mais de trinta mil em 2011 conforme pode ser visto no
gráfico 1. Esta expansão se deu de forma mais acentuada a partir de 1988. A expansão se deu
em grande parte pelo aumento da oferta de cursos pelas faculdades e universidades privadas.
O número de cursos ofertados pelas universidades estaduais e municipais quase não se altera
ao longo da série. Já a oferta de cursos de graduação nas Universidades públicas tem um
ligeiro aumento a partir de 2008 com pela criação de novos cursos. criação de novos campi
universitários e da criação de novas universidades federais especialmente no interior.
Gráfico 1 Número de cursos de graduação presencial no Brasil por dependência administrativa:19912000.
Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP (2013).
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2023
Simultaneamente à expansão do número de cursos de graduação presencial no Brasil
tem-se o crescimento no número de alunos matriculados. No gráfico 2 é possível observar que
a quantidade de alunos matriculados em cursos de graduação presencial passou de menos de
dois milhões em 1991 para cerca de seis milhões em 2011. Deste volume cerca de quinhentos
mil são matriculados nas Universidades Federais. A grande maioria dos graduandos está na
rede privada.
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2024
Um dos fatores para explicar a grande fatia do mercado universitário nas faculdades privadas
se dá pelo aumento da renda per capita média no Brasil ao longo deste período o que aumenta
a possibilidade do brasileiro em pagar uma mensalidade de uma faculdade privada. Este
movimento é reforçado pelo aumento do crédito assim como da diminuição dos juros da taxa
SELIC que obrigou os grandes bancos privados a buscarem novos produtos bancários e um
deles tem sido o crédito para financiamento universitário. É possível financiar um curso
universitário pagando as prestações com o dobro do prazo do curso o que faz diminuir o valor
da mensalidade e permite que mais pessoas possam ter acesso a um curso superior. Tem
também a política de concessão de bolsas pelo governo federal através do PROUNI141 e o
crédito educativo com taxas de juros e prazos diferenciados e o FIES142. Finalmente o
crescimento da oferta de cursos tem aumentado a concorrência entre as faculdades e refletido
na diminuição dos valores das mensalidades em algumas cidades.
Gráfico 2 Número de matrículas na graduação presencial no Brasil por dependência administrativa:
1991-2010.
Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP-MEC.
141
Segundo o MEC (2013) é um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal em 2004,
que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos
de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros, sem diploma de nível superior. É
voltado para - Estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de
bolsistas integrais da própria escola; estudantes com deficiência e professores da rede pública de ensino do
quadro permanente que concorrerem a cursos de licenciatura.
142
Para o MEC (2013) é o Fundo de Financiamento Estudantil e é voltado para o candidato que contemplado
com uma bolsa de 50% não possa pagar a outra metade da mensalidade. Para isso, é necessário que a instituição
para a qual o candidato foi selecionado tenha firmado Termo de Adesão ao Fies e ao Fundo de Garantia de
Operações de Crédito Educativo (FGEDUC).
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2025
A tabela 2 traz a estatística descritiva das variáveis utilizadas na análise. Observa-se
do total de alunos pesquisados metade é de homens e metade de mulheres. Cerca de 38%
apenas estuda. A idade média é 21.56 anos. A idade mínima é de 16 e a máxima é de 59 anos.
65.33% se autodeclaram como brancos. Em média a escolaridade dos pais é o fundamental
incompleto e da mãe o fundamental completo. Para cerca de 18% a família recebe algum
benefício social. A renda média da família e é de aproximadamente R$1.200.00. Em relação à
formação no ensino médio 64% concluíram em escola pública. Já em relação ao desempenho
no ensino médio os alunos declaram que em média obtiveram resultado entre 7.5 a 8.5. Na
média os alunos estão cursando o quarto semestre.
A nota média de entrada foi de 663.33 pontos com a mínima de 437 e a máxima de
900 pontos. A reprovação é de 0.69 com a mínima de zero. Ou seja, tem aluno sem nenhuma
reprovação até o máximo de 7 reprovações. Na média os alunos cursaram 19.3 disciplinas
com mínimo de 3 e máximo de 46. O número médio de avaliações finais é de 2.2 com
mínimo de o e o máximo de 28. O índice de rendimento acadêmico médio é de 2.25.
Aproximadamente 15% dos alunos já fizeram ou estão fazendo monitoria.
Tabela 2 Estatística descritiva das variáveis
Variável
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Sexo
0.50667
0.5010
0
1
Estuda
0.3866
0.4880
0
1
Idade
21.56
4.3122
16
59
Cor
0.6533
0.4769
0
1
Escolpai
3.1517
1.8422
0
7
Escolamae
3.808
2.0053
1
7
Bensocial
0.1777
0.3831
0
1
Renda
1.7733
0.9715
0
4
0.64
0.4810
0
1
Ensinomedio
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2026
Notaensmedio
2.6177
0.7592
1
4
Turno
1.4044
0.4918
1
2
Semestre
4.2977
2.047482
2
9
Notadeing
663.3692
73.7756
437
900
Reprovação
0.6977
1.1715
0
7
Cadeiracursadas
19.2933
11.8707
3
46
Ndeavfs
2.2533
3.3928
0
28
Ira
2.1377
1.0912
0
4
Monitoria
0.14666
0.3545
0
1
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa .
Com o objetivo de identificar os possíveis determinantes da nota de ingresso dos
alunos da UFC-Cariri143. Foi estimado o modelo de regressão múltipla seguindo a equação (1),
cujo resultado encontra-se na tabela 3.
A regressão múltipla foi estimada com erros padrões robustos à heteroscedasticidade
por meio da técnica de Bootstrap utilizando os software Stata 11.2. Por meio da matriz de
correlação foi detectado que a variável dummy de interação genenroriqueza possivelmente
causaria multicolinearidade. Desta forma, suprimiu-se esta variável do modelo144. Entre as
características individuais foram significantes os coeficiente da variável idade a 1% e a
dummy de interação raçagênero a 5%. Assim, pelo sinal positivo do coeficiente da variável
idade, tem-se que quanto maior a idade do candidato maior a nota de entrada. Tem-se também
que há um efeito adicional no sentido de aumentar a nota de entrada para homens brancos. De
forma isolada pela não significância das dummies de gênero e de cor,. não há diferença
significativa na nota de entrada entre homens e mulheres e entre indivíduos brancos e não
143
Hoje Universidade Federal do Cariri (UFCA).
Para não ficar entediante para o leitor, lembramos que na regressão múltipla o coeficiente de cada variável
explicativa mede o efeito parcial desta na variável dependente tudo mais constante, isto é Coeteris paribus.
144
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brancos. Por este resultado não haveria justificativa para a implantação de cota racial para
ingresso na IES.
No que diz respeito às características familiares a não significância do coeficiente da
variável escolaridade do pai e da mãe, renda familiar e riqueza nada se pode afirmar sobre
possíveis efeitos destas variáveis na nota de entrada apesar de todas apresentarem os sinais
esperados. Este é um resultado importante na tomada de decisão da implantação de políticas
afirmativas no ingresso na IES.
Já em relação às variáveis relacionadas à formação escolar do candidato, tem-se um
efeito positivo do desempenho escolar no ensino médio. Dito de outra forma, já que o
coeficiente da variável desempenho no ensino médio foi significante a 1% e positivo, indica
que quanto melhor o desempenho no ensino médio maior a nota de entrada atingindo em
média quase 24 pontos a mais. por conseguinte aumentando a chance de entrada na
Universidade. Este resultado é intuitivo e é utilizado por aqueles que se posicionam contra a
criação de cotas ao afirmarem que o foco é no desempenho do aluno no ensino médio. Por
outro lado. o sinal negativo da dummy que indica onde o candidato cursou o ensino médio foi
significante a 1% e negativo. Ou seja, em média os alunos que cursaram o ensino médio em
escola pública têm nota de entrada menor em quase 32 pontos. Os coeficientes da dummies
que captam o fato do indivíduo ter feito cursinho pré-vestibular ou terem feito vestibular antes
não foram significantes indicando que não há como identificar algum efeito destas
características educacionais na nota de entrada do indivíduo a despeito dos sinais estarem de
acordo com o esperado.
O modelo consegue explicar 45% da variação da nota de entrada na IES e o teste de
Wald valida o modelo. Ou seja, atesta que todas as variáveis explicativas em conjunto são
importantes para explicar a variação da variável dependente.
Tabela 3 Fatores determinantes da nota de entrada na UFC
Variável dependente: Notadeing
Variável
Sexo
Coeficiente
Desvio padrão
T Statisc
-7.3119
16.2960
-0.45
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Idade
2.5011**
1.37987
1.81
Raça
-13.9425
14.0035
-1.00
Racagenero
37.2867*
17.6049
2.12
Escolpai
3.9688
2.7459
1.45
Escolamae
0.5301
2.5746
0.21
Renda
0.0035
0.0089
0.40
Riqueza
-0.7368
1.2911
-0.57
Ensinomedio
-31.2997*
11.5686
-2.71
Notaensmedio
23.7859*
6.96806
3.41
Fezprevest
0.4708
9.0179
-0.05
Vestbantes
0.5183
8.7824
0.06
Constante
556.8617*
52.47429
10.61
R2 = 0.45
Wald chi2(12)
Prob > chi2
= 61.26
= 0.0000
Fonte: Elaborado pelos autores com dados da pesquisa.
Nota: * significante a 1%; ** significante a 5%.
Em seguida foi estimado um modelo logit para identificar as características
individuais. familiares e de formação escolar que determinam o desempenho do aluno ao
longo do curso. A ideia aqui é verificar se os alunos que possivelmente se enquadrariam em
políticas afirmativas teriam o mesmo desempenho durante a sua formação acadêmica. Ou
seja, busca responder a indagação se os possíveis alunos cotistas teriam o mesmo desempenho
acadêmico dos não cotistas durante a sua formação acadêmica.
O resultado do modelo logit é apresentado na tabela 4. No que diz respeito aos
coeficientes das variáveis que apreendem os possíveis efeitos das características pessoais:
sexo, idade e raça na probabilidade de reprovação. não foram significantes. Ou seja, a idade
não afeta a probabilidade de reprovação. Já que as dummies de sexo e raça também não foram
significantes e isto indica que não há diferença na probabilidade de reprovação entre homens
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e mulheres e nem entre brancos e não brancos. Desta forma a implantação de uma política de
cotas baseado no critério de cor poderia não afetar o rendimento médio dos alunos da IES. Há
de se ponderar, contudo, na amostra pesquisada não se tem cotistas, pois a aplicação dos
questionários foi antes da implantação. É possível que uma vez implantado possa haver
resultados diferentes. Além de que, há discussões controversas nesse sentido indicando que a
partir da universalização do regime de cotas isto poderia afetar sim para menor o rendimento
médio no médio dos alunos no médio prazo.
O coeficiente da variável riqueza é significante a 5% e negativo. Isto indica que alunos
com maior riqueza têm menor chance de ter reprovação. Por outro lado, não há um efeito
adicional ao fazer a interação da riqueza e raça. Isto é, o coeficiente da dummy de interação
riquezaraça não é significante. Dito de outra forma, não há um efeito adicional na
probabilidade de ter reprovação para indivíduos mais ricos e brancos.
Na mesma direção pode ser dito sobre a interação raçasexo. Ou seja, também não se
tem um efeito adicional para homens brancos. No entanto, tem-se um efeito positivo na
interação de sexoescolapública. Isto é, haja vista que o coeficiente da respectiva variável é
significante e positivo isto indica que o fato de ser homem que fez o ensino médio em escola
pública tem maior probabilidade de ter reprovação. Os resultados ressaltam a importância da
formação básica do aluno no desempenho acadêmico. Uma vez que o coeficiente da variável
dummy escolapública é significante e negativo indica que alunos que cursaram o ensino
médio nestas escolas têm maior probabilidade de ter reprovação. Este resultado é corroborado
pela nota de entrada na IES. Ou seja, como o coeficiente desta variável é significante e
negativo indica que alunos com menores notas de entrada têm maior probabilidade de
reprovação. Este resultado vai de encontro àqueles que se posicionam contrário à criação de
cotas nas IES ao justificarem que o governo precisa atacar as causas e não corrigir as
consequências145.
Tabela 4 Resultados da estimação do modelo logit
Variável dependente: Dreprovação =1 se tem reprovação
Variável
Coeficiente
Desvio padrão
Estatística t
145
Mendes Junior e Mello e Souza (2012) apontam que a expansão das cotas na UERJ teve o efeito perverso em
alguns cursos ao diminuir em muito a competição e baixar bastante a nota de entrada.
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Sexo
-1.0959
1.5035
-0.73
Idade
0.0311
0.0458
0.68
Raca
-0.0283
0.7478
-0.04
Riqueza
-0.1304*
0.0639
-1.98
Raçariqueza
0.5428
0.6752
0.80
Sexoriqueza
0.0457
0.1025
0.45
Raçasexo
0.7487
0.8891
0.84
Sexoescolapublica
1.0975
0.4043
2.21
Notaensmedio
-0.0550*
0.0227
-2.20
Ensinomedio
-1.5072*
0.6431
-2.34
Notadeing
-0.0034*
0.0015
-2.12
Monitoria
-2.3966
0.8956
-2.68
Bolsa
-0.2306
0.4911
-0.47
Ira
-1.5635
0.2531
-6.18
Cadeirascursadas
0.0106
0.0514
0.21
Semestre
0.4019
0.2813
1.43
Turno
0.2480
0.4697
0.53
Estuda
0.3853
0.4965
0.78
Constante
3.9076
2.7911
1.40
LR chi2(18) = 125.65
Prob > chi2 = 0.0000
Pseudo R2 = 0.4290
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.
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O coeficiente da variável monitoria é significante e negativo. Isto é, esta política de
integração doa aluno na sua formação acadêmica tem sido eficiente. Isto é, diminui a
probabilidade dos alunos monitores ter reprovação. O mesmo não é percebido para os
bolsistas haja vista que o coeficiente desta variável não foi significante. Uma possível
explicação para este resultado é que os alunos bolsistas tenham alguma reprovação após o
período de bolsa ou se a IES não impeça que alunos que já tivessem alguma reprovação, a não
ser na disciplina afim, possam receber alguma bolsa. Outra possível explicação é porque não
se faz distinção se a bolsa é de iniciação científica ou de extensão.
No tocante ao semestre cursado e número de cadeiras cursadas não afetam a
probabilidade do aluno ter reprovação tendo em vista que o coeficiente destas duas variáveis
não forma significantes. Por outro lado, o coeficiente da variável Ira foi significante e
negativo indicando que alunos com maior índice de rendimento acadêmico têm menor
probabilidade de reprovação o que intuitivamente é esperado. Também não afeta a
probabilidade de reprovação se o aluno somente estuda uma vez que o coeficiente desta
variável dummy não foi significante.
O modelo apresenta um pseudo R2 de 0.43 que é considerado bom para este tipo de
modelo. Finalmente o teste LR valida o modelo uma vez que a hipótese nula de que todos os
coeficientes simultaneamente das variáveis explicativas são iguais a zero146.
5. Conclusões
A discussão da necessidade de adoção de políticas afirmativas para compensar
distorções sociais das mais diversas origens tem sido discutida em vários países e tem sua
origem atribuída na China e Índia. No caso brasileiro e mais especificamente no âmbito deste
trabalho o foco é no acesso aos cursos de graduação nas Universidades Públicas. Este estudo
faz um estudo de caso com alunos da Universidade Federal do Ceará no Campus Cariri com o
objetivo de identificar os determinantes da nota de entrada assim como os determinantes do
desempenho destes alunos na sua formação acadêmica.
146
Em geral os resultados encontrados são compatíveis com os encontrados por Mendes Junior e Mello e Souza
(2012) para a análise da política de cotas na UERJ. Os autores também encontraram diferenças na nota de
entrada de alunos provenientes de escolas públicas.
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2032
Os resultados sugerem que não há diferença significativa na nota de entrada a
depender de características pessoais como sexo e raça e há, contudo um efeito positivo da
idade. Nas características familiares também não foi identificadas diferenças significativas na
renda familiar, escolaridade do pai e da mãe e nem na riqueza. Desta forma os resultados
sugerem que políticas afirmativas de criação de cotas baseada nestas características pare não
serem justificadas. Os resultados, porém devem ser vistos com cautela haja vista que somente
a partir deste semestre é que foi implantado o sistema de cotas na referida IES. Há
possibilidade como mostrada em outros estudos que a universalização do ingresso através da
ampliação do sistema de cotas como recomendado pelo MEC pode alterar estes resultados147.
Por outro lado, um resultado bastante robusto verificado é a importância do
desempenho escolar do aluno no ensino médio e o local desta formação. Dito de outra forma,
os alunos que tiverem bom desempenho no ensino médio obtêm maiores notas de entrada
assim como àqueles que se formaram nas escolas públicas têm menores notas. Este resultado
vai de encontro àqueles que se posicionam contra a criação do sistema de cotas ao mostrar
que se devem corrigir as causas e não combater as consequências.
Outra discussão levantada na literatura é o desempenho dos alunos provenientes do
sistema de cotas ao longo da sua formação acadêmica. Desta forma a estimação de um
modelo empírico que buscou identificar os determinantes do desempenho do aluno na sua
formação acadêmica verificou que há diferenças significativas na probabilidade do aluno ter
disciplinas reprovadas a depender das características pessoais como idade, sexo e raça, mas há
um efeito positivo da riqueza. Isto é alunos com melhores condições financeiras tem maior
probabilidade de não terem reprovação. A importância da formação do aluno no ensino médio
é mais uma vez evidenciado. Ou seja, os alunos que têm melhor desempenho no ensino médio
têm menor chance de ter reprovação no curso superior. Novamente deficiência na formação
da escola pública fica evidente, haja vista que alunos que concluíram o ensino médio nestas
escolas têm maior chance de ter reprovação. Uma política que pode completar a política de
cotas que tem se mostrada eficiente é o programa de Monitoria que diminui a probabilidade
do aluno que participa ou participou de ter reprovação.
147
Mendes Junior e Mello e Souza (2012) apontaram que na UERJ que após vários anos de implantação do
sistema de cotas houve caso da participação de determinada categoria beneficiada passou a ter uma proporção
maior de vagas que a participação na população e a consequência foi a diminuição do esforço para ingressar na
instituição.
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2033
Como pode ser visto uma parte deste problema é a baixa participação dos cursos e de
alunos matriculados nas Universidades Públicas no total de cursos e de alunos matriculados,
respectivamente. Ainda que a partir de 2008 perceba-se um aumento considerável. Isto eleva a
concorrência para ingressar nestas IES diminuindo, assim, as chances de alunos provenientes
de escolas públicas ingressarem nos cursos de graduação presencial destas IES.
Estes resultados sugerem que a implantação e ampliação da política afirmativa de
criação e ampliação do sistema de cotas para ingresso na IES em estudo, deve ser
complementada com outras políticas tais como uma política de complementação de renda e
política de nivelamento para que os alunos provenientes das escolas públicas beneficiadas
pelo programa possam apresentarem melhor desempenho na sua formação acadêmica como
forma de compensar possíveis falhas na sua formação no ensino médio que norteia a decisão
de criação da política de cotas. Por outro lado, deve-se ter em mente que a política de cotas
deve ser temporária até se corrigir as causas das diferenças entre a formação escolar nas
escolas públicas e privadas.
Referências
AMARO. Sarita. A questão racial na assistência social. Serviço Social e Sociedade. São
Paulo. Cortez. n. 81. p. 58-81. 2005.
INSTITUTO DE PESAUISAS AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO. IPAE. Documento
técnico. Rio de Janeiro. 2010.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. MEC. <<
<http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-frequentes.html>> acesso em 06 de setembro
de 2013.
PEREIRA. A. B.. RODRIGUES. E.. GUILHERME. R.C. Ações Afirmativas: política de
cotas raciais para o ingresso nas universidades públicas. Textos & Contextos. Porto Alegre.
v. 9. n. 2. p. 244 - 250. ago./dez. 2010
SOWELL. Thomas. Ação Afirmativa ao redor do mundo: estudo empírico. Trad. Joubert
de Oliveira Brízida. 2ª ed. Rio de Janeiro: Universidade Editora. 2004.
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2034
MENDES JUNIOR, A. A. F., MELLO e SOUZA, A. de. Uma análise dos determinantes do
acesso à universidade sob uma ação afirmativa: o caso da UERJ. IN: Anais do 40º Encontro
Nacional de Economia. ANPEC, Ipojuca, 2012.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CAMPUS CARIR. UFC-CARIRI. << http://ufccariri.gov.br >> acesso em 06 de setembro de 2013.
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2035
RESTAURAÇÃO CAPITALISTA E MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL E NO
NORDESTE148
Franciclézia de Sousa Barreto Silva149
RESUMO
O artigo aborda algumas particularidades do desenvolvimento do capitalismo em solo brasileiro –
desenvolvimento tardio. Destacamos, principalmente, os desdobramentos da reestruturação produtiva,
intensificada a partir do fim do século XX. A análise desse processo histórico nos permite explicitar
elementos e determinantes centrais da restauração capitalista em nosso país, mais particularmente,
demonstrar as implicações do uso de processos flexíveis na gestão do trabalho e na forma de ser e
viver da classe trabalhadora. Processos que coibiram, dentre outras coisas, a própria tentativa de
estruturação do mercado de trabalho brasileiro, cedendo lugar a uma heterogeneidade ocupacional, que
tem permitido a propagação de variadas formas de reprodução da força de trabalho, a exemplo da
intensificação das atividades informais, que servem de ocupação para um número expressivo da
População Economicamente Ativa (PEA). Nossa classe trabalhadora – independente de região – tem
sofrido ao longo de décadas, as agruras do desemprego, subemprego, com exploração de toda ordem.
Uma particularidade: no Nordeste esta situação é agravada pelos condicionantes do desenvolvimento
desigual brasileiro. Com efeito, as atuais condições e relações de trabalho, no Brasil, de um modo
geral, têm incitado constantemente o crescimento das práticas informais, as quais passam a servir de
peça fundamental a reprodução capitalista e condição de ocupação considerável da força de trabalho
ativa.
Palavras- chave: Restauração Capitalista. Mercado de trabalho. Informalidade.
INTRODUÇÃO
Com seu desenvolvimento hipertardio, o Brasil, passa a experimentar os primeiros
impulsos “reestruturantes”, com processos flexíveis de produção e gestão da força de
trabalho, apenas na década de 1980, a partir da crise da dívida externa. Nesse contexto, “[...] a
deterioração das contas externas do país debilitou ainda mais as condições de reprodução do
148
Este trabalho é um recorte da dissertação de mestrado da autora, intitulada: “As faces e os disfarces da
informalidade no capitalismo contemporâneo: um estudo do comércio de rua em Pau dos Ferros/RN, defendida
junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/UFRN. Atualmente professora do Departamento de
Economia da UERN.
149
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN); E-mail: [email protected]; Fone: (84)
81161635
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2036
capitalismo industrial no Brasil”, evidenciando a necessidade para o capital de promover
mudanças que assegurassem sua permanência enquanto modo dominante de produção e de
reprodução social (ALVES, 2005, p. 120).
O período iniciado nos anos 1980 foi marcado pela elevação da taxa internacional de
juros, o que agravou o serviço da dívida externa brasileira, ao mesmo tempo em que facilitou
a entrada de capitais voláteis, especulando no mercado financeiro. Na concepção de Lacerda
(2002, p. 88), a situação de endividamento, “[...] colocou a questão externa como variável
determinante do ajuste interno que se seguiu implicando restrições fiscais e monetárias e
arrocho dos salários que determinaram uma forte diminuição da atividade produtiva interna”.
O endividamento aparece, portanto, como solução para os problemas financeiros do
Brasil e, concomitantemente, serve de abertura à financeirização. As medidas implementadas
revelam, sobretudo, o uso da superexploração do trabalho, nos termos apontados por Marini
(2008). O arrocho salarial, desse período, evidencia a violação do valor da força de trabalho, é
a opção brasileira para contornar as restrições externas.
Constitui o artigo um recorte da dissertação de mestrado da autora, intitulada: “As
faces e os disfarces da informalidade no capitalismo contemporâneo: um estudo do comércio
de rua em Pau dos Ferros/RN, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social/UFRN. Aborda, portanto, algumas particularidades do desenvolvimento do capitalismo
em solo brasileiro – desenvolvimento tardio. Destacamos, principalmente, os desdobramentos
da reestruturação produtiva, intensificada a partir do fim do século XX.
A análise desse processo histórico nos permite explicitar elementos e determinantes
centrais da restauração capitalista em nosso país, mais particularmente, demonstrar as
implicações do uso de processos flexíveis na gestão do trabalho e na forma de ser e viver da
classe trabalhadora. Processos que coibiram, dentre outras coisas, a própria tentativa de
estruturação do mercado de trabalho brasileiro, cedendo lugar a uma heterogeneidade
ocupacional, que tem permitido a propagação de variadas formas de reprodução da força de
trabalho, a exemplo da intensificação das atividades informais, que servem de ocupação para
um número expressivo da População Economicamente Ativa – PEA. Aliás, na
contemporaneidade, algumas atividades informais, longe de serem extintas, apresentam como
aspecto central serem funcionais ao capital.
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2037
RESTAURAÇÃO CAPITALISTA – implicações sobre o mercado de trabalho no Brasil
A deterioração do cenário da economia brasileira, com a crise do balanço de
pagamentos, o estrangulamento das contas externas e altos índices inflacionários, coloca o
Brasil à mercê dos ajustes impostos pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. Implicou
clara adoção de políticas recessivas com fins de promover o “equilíbrio” no balanço de
pagamentos e a aquisição de meios de pagamentos para o serviço da dívida. Esse processo
culmina na imposição de medidas de ajustes visando à reestruturação produtiva, à adoção de
processos flexíveis, com novas formas de produção e organização da força de trabalho. Com
efeito, tratou-se de uma nova ofensiva do capital sobre o trabalho, configurando um
verdadeiro retrocesso com relação às conquistas trabalhistas. Principalmente, porque as
manifestações da crise do capital evidenciam fortes implicações para a não realização no
mercado mundial do que se produzia internamente no Brasil. O capital internacional não
estava mais interessado em financiar formas de produções pretéritas, o que implicou a ruptura
com o modelo de produção substitutiva e na submissão às novas regras mundiais da produção
capitalista.
Frente à alta e persistente inflação então existente no Brasil, o receituário neoliberal se
mostra determinante e implacável sob o então governo Collor (1990-1992). Nesse momento,
as bases internas de sustentação da economia foram solapadas pela política comercial de
liberalização, acirrando a competitividade, pressionando a indústria nacional à modernização,
com vistas à inserção no mercado externo (BEHRING, 2008). A partir de 1994, com o Plano
Real, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, esse processo se intensifica, a
estabilidade financeira valida às reformas implementadas na última década do século XX,
retirando de nosso país a capacidade de fazer política econômica.
A propósito, esse período foi favorável justamente aos investimentos externos diretos
voltados, em grande medida, à compra das empresas nacionais, o que significou entrega
escancarada do patrimônio nacional ao capital transnacional. Problematizando esse processo,
Pochmann (2010, p. 28) cita o caso da privatização dos bancos públicos150, que teria
150
No início do século XXI, o crescimento do poder do capital privado transnacional no âmbito do sistema
bancário brasileiro mostra-se evidente. Jinkings (2006, p.190) analisa os dados do Banco Central, cuja evolução
do sistema nacional se expressa pelo aumento do percentual dos bancos com controle estrangeiro no Brasil, que
alcançou em 2003, 20,73%; quando em 1997, esse número não ultrapassa os 12,82%. No setor bancário, os
programas de qualidade total e de remuneração variável foram altamente difundidos, criando nos trabalhadores a
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2038
repercutido no fechamento dos bancos privados nacionais e na expansão dos estrangeiros,
totalizando dez anos depois, menos de 170 bancos em todo o país, redução significativa se
considerarmos que em 1995 existiam 230 bancos entre públicos e privados. Dentre as
consequências das privatizações, especificamente no caso dos bancos, destacamos o
desemprego e o uso da terceirização; esta última, de início, passa a ser utilizada como
justificativa para as empresas se concentrarem em atividades centrais e externalizarem aquelas
atividades que julgavam secundárias, o que não ocorreu de fato.
Esse processo tem nos revelado que as formas de subcontrato e a terceirização são
fios condutores de uma gama de configurações pertinentes à acumulação capitalista no Brasil,
as quais acirram a degradação do assalariamento e promovem condições precárias de trabalho
para as classes trabalhadoras. Na medida em que esse processo rende ganhos expressivos de
lucratividade, minimiza, ao mesmo tempo, a capacidade de resistência sindical dos
trabalhadores, dificultando sua organização no espaço de trabalho. O caso dos bancos figura
apenas como um exemplo, dentre tantos outros, dessa onda privatizante151. As consecutivas
privatizações no Brasil associadas a forte onda de fusões e aquisições no próprio setor
privado, expressam, em grande medida, a desnacionalização de nossa economia. Por isso,
afirmarmos que esse processo minou o projeto de desenvolvimento nacional.
Por certo, a crescente presença de empresas estrangeiras em nosso país, fez crescer a
remessa de lucros e, consequentemente, reduziu o nível dos recursos que permaneceram em
solo brasileiro, debilitando o fechamento das contas nacionais e a condução das políticas
internas. Uma verdadeira perda de autonomia do Brasil na gestão dos próprios recursos.
Todo esse processo repercutiu negativamente no volume do emprego gerado no
âmbito do mercado de trabalho, durante a década de 1990, com efeitos nefastos à classe
trabalhadora. Os dados apresentados por Pochmann fazem referência ao saldo total negativo
de 3,2 milhões de empregos assalariados formais destruídos na economia somente da década
em referência. Deste total, 17,1% teriam sido provenientes da reformulação do setor produtivo
estatal. “[...] Ou seja, de cada cinco empregos perdidos, nos anos de 1990, um pertencia ao
ilusão da possibilidade de se tornarem parceiros do capital, práticas eivadas de discurso ideológico que tenta
mascarar a realidade. Ora, sabemos que contradições estruturais inerentes à sociabilidade capitalista determinam
relações antagônicas entre as classes e frações de classes que compõem o todo social. Deste modo, parece-nos
impossível que trabalhadores e capitalistas se associem de fato, pois seus interesses são contraditórios
151
Alguns outros exemplos: A companhia Vale do Rio Doce (1997); Telebrás (1998); Eletropaulo (1999), dentre
outras.
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2039
setor estatal”. (POCHMANN, 2001, p.29). Nos anos 2000, por exemplo, nosso país passou a
ocupar o terceiro lugar no ranking do desemprego mundial, contrariando as altas taxas de
formalização dos anos de 1980, que se faziam em torno de 70%.
No Brasil, o período histórico em análise é também caracterizado por intenso processo
de descentralização produtiva o qual permitiu às indústrias tradicionais, a exemplo da têxtil,
sob a alegação da concorrência internacional, lançar mão de estratégias de desterritorialização
se reimplantando em outras regiões. O objetivo foi claro: a busca de espaços em que
pudessem produzir com menores custos, em geral onde se podiam contratar por menores
salários, frágil organização sindical, incentivos fiscais, etc. Explicitamos aqui, o caso do setor
calçadista, com diversas empresas se transferindo para a região de Franca, no interior de São
Paulo, ou da região do Vale dos Sinos, localizada no Rio Grande do Sul, para os estados do
Nordeste, como Ceará e Bahia, segundo nos relata Antunes (2006, p. 18). Além disso, muitas
dessas empresas aproveitaram o fator da proximidade com as fontes de matéria-prima, como
cana-de-açúcar, algodão, frutas, cacau, dentre outros, isso para produção dos respectivos
produtos: açúcar e álcool, têxtil, sucos, chocolates.
A implantação de indústrias e a criação de postos de trabalho em determinados estados
da região Nordeste têm sido facilitadas pelos governos locais, por meio da oferta de isenções
fiscais e de outros subsídios. As modificações nas formas de contrato, além do uso
indiscriminado do trabalho terceirizado têm facilitado grande rotatividade da força de
trabalho. Mais claramente, tratou-se da utilização de uma miríade de atividades informais, as
quais muitas vezes invadiram os próprios espaços domésticos. No setor têxtil, por exemplo,
Antunes (2006, p.18) faz referência a uma diminuição de 50% no nível de emprego formal,
com utilização da terceirização da força de trabalho, com uso crescente da força de trabalho
feminina. Esta estratégia tem transformado o lar de muitas trabalhadoras em extensão da
fábrica.
Não podemos deixar de nos referir ao período reestruturante, como um momento
propício ao fortalecimento de pequenas empresas e de incentivo ao desenvolvimento dos
Arranjos Produtivos Locais – APLs152, de forte impulsão no Nordeste. Segundo o site “Inova
152
Para RedeSist (apud GONÇALVES; GUIMARÃES, 2005, p. 3), arranjos produtivos são: “[...] Aglomerações
territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades
econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a
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Brasil153” (2010), já foram investidos mais de R$ 95 milhões em APLs do Nordeste. Na
verdade, as APls constituem em subsidiárias da acumulação capitalista, favorecendo,
sobretudo, ao grande capital. A maneira como se instituem os investimentos privados ou
programas do Estado direcionados a estas, não resulta no desenvolvimento regional. Reflete,
se muito, no aumento da capacidade produtiva de determinados espaços isolados, quando se
considera que os outros espaços que não são produtivos ao capital ficam relegados ao
abandono. Principalmente, se considerado que os incentivos do Estado são de cortes setoriais
e/ou regionais. Revela, sobretudo, a capacidade do capital em espraiar-se em espaços diversos
extraindo o que é próprio de cada região.
A partir da década de 1990, a economia do Nordeste no contexto de mundialização,
resulta de nova dinâmica regional, não mais comandada pelo Estado e, sim, pelo mercado.
Referimo-nos à suspensão, a partir de então, de uma política regional que vinha sendo
conduzida no país com o objetivo de desconcentrar as atividades produtivas sediadas no
centro sul para outras regiões do país154. Explicitando um pouco esse movimento de
desconcentração produtiva pós-1960, se apoiando nas análises de Cano, Araújo (2000, p. 117)
considera tratar-se de um processo de integração do mercado nacional, de um movimento
que “[...] forçava o surgimento de ‘complementaridades’ inter-regionais e fazia desenvolverse ‘especializações’ regionais importantes”. Para a autora, esta constitui uma alternativa,
frente à incapacidade de “industrializações autônomas”, como assim desejava o Grupo de
Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, no fim da década de 1950. Tal
interrupção, comandada pelo mercado e referendada na condução das políticas públicas
atingiu, sobretudo, o rumo da economia regional e a divisão social do trabalho nas diversas
localidades.
interação de empresas – que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e
equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes, entre outros – e suas variadas
formas de representação e associação. Incluem também diversas outras instituições públicas e privadas voltadas
para: formação e capacitação de recursos humanos, como escolas técnicas e universidades; pesquisa,
desenvolvimento e engenharia; política, promoção e financiamento”.
153
Trata-se de um programa impulsionado pelos Estados e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
Social (BNDES), realizado em parceria com os governos locais. Esse programa tem por objetivo investir em
projetos que “potencializem o desenvolvimento regional, em especial [incentive] os pequenos produtores, por
meio do uso de instrumentos integrados”.
154
Descreve-nos Araújo que, embora ainda muito concentrado, esse processo de desconcentração iniciado em
1960, permitiu que entre 1970 e 1990, o Sudeste caísse de 65% para 60% seu peso no PIB brasileiro. O
Nordeste, Norte e Centro Oeste ganhavam relativa importância quando passam juntos de 18% para 23% de
participação no PIB brasileiro (ARAÚJO, 2000, p.117).
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A análise desenvolvida por Diniz (1995) esclarece bem esse processo de
reconcentração das atividades produtivas a partir desse período. Para a autora, se trata de um
movimento reverso pautado na política econômica conduzida em nível nacional, de bases
eminentemente neoliberais, apoiado em mudanças tecnológicas e na reestruturação produtiva,
mudanças intensificadas em nosso país, a partir dos anos 1990 e que, aqui, ao longo do texto,
já explicitamos algumas características desse momento. Dantas e Brettas corroboram tal
análise ao afirmarem que:
As mudanças políticas e econômicas ocorridas nas últimas décadas tendem a romper a
prioridade dada à montagem de uma base econômica que ia lentamente desconcentrando
atividades para as regiões periféricas. A crise do Estado, principal incentivador das políticas
regionais, deixou as decisões dominantes para serem tomadas pelo mercado, o que causou
interrupção do movimento de desconcentração (2006, p. 8).
Desse modo, o movimento anterior de desconcentração produtiva fez surgir
determinados espaços, com especializações, a exemplo do desenvolvimento de Polos
produtivos em alguns pontos do Nordeste do País, o que significou especificamente a
intensificação da heterogeneidade regional. Mas, com a “globalização”, nos anos 1990, esta
heterogeneidade orientou-se, doravante, para fins de integração produtiva, processo pautado
em uma lógica da acumulação mais complexa que passava a vigorar nesses espaços, tendo por
base a reprodução de uma dinâmica diversa e desigual.
Assim, no atual contexto, a expansão dos arranjos produtivos locais tem se revelado
estratégias traçadas pelo capital para se reproduzir na periferia do sistema. Diante das regras
definidas pela divisão internacional do trabalho no mercado mundial, esta foi a parte que
coube às economias do Nordeste do Brasil. Dentro deste contexto, temos a chamada “guerra
fiscal” que representa bem a guerrilha entre os estados para se tornarem sede dessas
indústrias. Para Araújo (2000, p. 127), a deflagração da guerra fiscal, busca “[...] contribuir
para consolidar alguns ‘focos de dinamismo’ em suas áreas de atuação”. Resultaram, de fato,
em relegar áreas tidas como espaços não competitivos, deixando à margem as possibilidades
de desenvolvimento, dentro das quais pequenos espaços são valorizados e integrados à
dinâmica mais geral de acumulação capitalista.
As desigualdades intra-regionais são, portanto, refletidas na concentração e
intensificação dos investimentos em polos. No Rio Grande do Norte, mais especificamente,
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estes processos acontecem no litoral oriental, concentrador das atividades turísticas,
industriais e comerciais e na região de Mossoró, com a agricultura irrigada e a indústria
extrativa (petróleo e sal). Determinam, concomitantemente, as formas de reprodução da classe
trabalhadora nestes espaços, relegando os demais a altos índices de empobrecimento.
Afirmamos com isso que o histórico hiato social construído não se resolve com “focos” de
desenvolvimento.
Corroboramos com Araújo (2009, p. 2), quando afirma que o Estado Federal destacase como agente importante no desenho e implementação de políticas de desenvolvimento;
todavia, os governos subnacionais são igualmente relevantes, no enfrentamento das
desigualdades em nosso país, principalmente, quando o foco é a construção de uma “[...]
política nacional de desenvolvimento regional (e não apenas uma política federal)”.
Entretanto, reconhecemos que tais soluções são passiveis de amenizar as desigualdades, mas
não podem extingui-las no âmbito do sistema capitalista.
É evidente que houve um aumento da participação do Nordeste no PIB brasileiro, o
que sinaliza certo dinamismo à região. Os dados entre 1995-2008, por exemplo, mostram que
a região Nordeste ganhou maior participação, avanço que ficou concentrado em 0,9 pontos
percentuais entre 1995-2002 e, 0,1 entre 2002 e 2008, significativos se considerado a perda de
participação do Sudeste155. (IBGE, 2010). Estas mudanças que têm se processado no Nordeste
e, em particular no estado do Rio Grande do Norte, têm se expressado no aumento de
empregos formais e crescente número de assalariados. Tal realidade tem conduzido, inclusive,
as recentes elaborações de autores como Araújo (2009) e Pochmann (2010). Cada um a seu
modo, tem se voltado à certificação dos pontos considerados por estes, como avanços da
política do governo Lula, principalmente no campo social, que teria atingido o Nordeste em
particular, principalmente, quando da reprodução de uma possível “redução da desigualdade
no país”.
Araújo (2009), por exemplo, tem enaltecido a opção estratégica da política econômica
do país que teria beneficiado o Nordeste, quando associada a uma política de transferência de
155
A perda de participação do Sudeste se resume, no primeiro período (1995- 2002) de -2,4 pontos percentuais e,
no segundo, -0,7 pontos (2002-2008). Os dados também apresentam o bom desempenho das regiões Norte, (0,5
ponto percentual) e Centro-Oeste (0,4 ponto percentual) para primeiro período e, 0,4 pontos percentuais de
ambos, para o segundo período. O Sul ganhou 0,7 pontos percentuais entre 1995-2002 e perdeu 0,3 entre 2002 e
2008, em contrapartida. (IBGE, 2010).
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2043
renda. Principalmente, na opinião da autora, se considerado que esta região possui 28% da
população do país, 50% de sua população ocupada percebendo um salário mínimo. O
crescimento do salário mínimo real de 50% entre 2002 e 2008, permitiu dinamizar o mercado
interno, destaca Araújo (2009). Já o Pochmann (2010, p. 47-48), tem referenciado a
valorização salarial em números quando afirma que cerca de 1 trilhão foram colocados nas
mãos dos trabalhadores de salário base entre 2003 e 2010. Das diversas modalidades de
políticas de transferência de renda à população, entre 2002 e 2008, houve um adicional de R$
170 bilhões. (POCHAMANN, 2010, p. 47-48).
Quando analisamos o total de formalizados por região, notamos as regiões Norte e
Nordeste se destaca por apresentarem maior aumento na proporção de postos formais,
acréscimo de 27,4% e 24,6%, respectivamente (IPEA, 2011, p. 7-8). O aumento de
formalizações no Nordeste se associa, principalmente, aos movimentos decorrentes da
reestruturação capitalista, com o capital fragmentando-se para reproduzir-se em territórios
diversificados. Citamos aqui como exemplo, o Complexo Industrial de Suape, em
Pernambuco. Somente o Estaleiro Atlântico Sul abriu uma quantidade de vagas para cidades
como Ipojuca, em Pernambuco, equivalente a 15% da população local, considerando que,
hoje, a cidade tem 70 mil habitantes, segundo o Censo de 2010. Soma-se a esta, a refinaria
instalada no município de Abreu e Lima, ambas responsáveis pela geração de cerca de 20 mil
empregos locais. (TRABALHO, 2010, p. 14). A instalação do Complexo Suape, em
Pernambuco, relatado aqui, no âmbito da expansão da ocupação, representa a lógica
empreendida pelo capital em solo brasileiro, expressa pela concentração de focos de
dinamismo, já que não se pode visualizar essa realidade de expansão das ocupações no todo
da região Nordeste. Muitas outras cidades são relegadas à extrema pobreza, à dependência de
recursos diretos do Governo Federal.
Apesar dos dados apresentados pelos autores sinalizarem certos avanços na economia
do Nordeste, não se pode negligenciar o fato de que esta região, em se tratando do mercado de
trabalho, ainda se destaca como a menos formalizada, em que apenas 30% das ocupações são
classificadas como formais. Um número que se mantém baixo, apesar desta região ter sido
apresentada como aquela que obteve maior avanço na proporção de ocupações formais do
período considerado (aumento de 27,4%). De certo, as atividades informais no Nordeste têm
garantido ocupação para considerável número de pessoas, no entanto, estas ocorrem sob o
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jugo de precárias condições de trabalho e de baixa remuneração que nos imprimem a
reinvenção de formas pretéritas de ocupação e remuneração do trabalho, já relatadas por Marx
em O’Capital (2009), a exemplo do trabalho por peça156.
Quando observamos o número de ocupados por regiões, com destaque para
contribuição previdenciária, a precariedade ocupacional é evidente: ora, mais de 40% dos
trabalhadores no Brasil trabalham sem ter garantidos os seus direitos mínimos. No caso do
Nordeste, essa situação é ainda mais crítica. Mesmo que tenha sido registrado acréscimo de
contribuintes de 2008 para 2009, mais 60% dos ocupados ainda se encontram em ocupações
desprotegidas. (IBGE/PNAD, 2009). Os dados apresentados evidenciam o elevado nível de
desproteção social dos ocupados no Nordeste. Estes trabalhadores estão envolvidos em
atividades informais, sem qualquer garantia de direitos. No Rio Grande do Norte, por
exemplo, “[...] o emprego doméstico cresceu 12,63% em 2009. Do total de 12 mil postos de
trabalho criados, nove eram informais”, noticia o jornal Tribuna do Norte (2011). Segundo a
mesma reportagem, “[...] atualmente existem 5,2 milhões de domésticas informais e 1,9
formais no Brasil”. Esta é a expressão de uma realidade dura que caracteriza o mercado de
trabalho Potiguar e Nordestino, perfeitamente associada à dinâmica mais geral brasileira. A
saída para a sobrevivência de muitos trabalhadores, de um modo geral, no nosso país, tem
sido inserirem-se em ocupações e/ou na execução de atividades à margem da legislação, sem
qualquer proteção previdenciária, mesmo que mais recentemente tenha havido interesse do
governo federal em rever este quadro de desproteção.
O capitalista acirra a concorrência entre os trabalhadores, os exclui dos direitos
trabalhistas dando-lhes um tratamento de parceiro do capital. Promove mudanças no sentido
de autonomia, o que, concomitantemente, propicia ganhos exorbitantes ao capital. Teixeira
faz referência a peculiaridades dessa nova maneira de pagamento, utilizada pelo capital na
atualidade, ao descrever:
Diferentemente do salário por tempo, do salário negociado e estabelecido no contrato
de trabalho, a receita dos trabalhadores ‘vendedores de trabalho objetivado’, ao contrário,
depende do quantum de mercadorias que eles fornecem às unidades finais de produção. O
156
Um exemplo que expressa essa realidade, foi apresentado pelo trabalho de Rodrigues (2010) nas Apls,
voltadas à produção de jeans em Pernambuco. No estudo, o autor explicita as precárias condições de trabalho e
as formas de remunerações reinventadas à moda do atual modo do capital se reproduzir, reintegrando a lógica e
as formas de exploração, o salário por peça.
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valor do seu dia de trabalho se mede pelo trabalho despendido, pelo número de unidades que
produzem. Seu salário é, portanto, determinado por sua capacidade de produção por unidade
de tempo (TEIXEIRA, 1995, p. 10).
De igual modo, convém relembrarmos a crítica à propalada queda da desigualdade em
nosso país. Na realidade, o cálculo da desigualdade tem se restringido a bases equivocadas,
quando se negligenciam os rendimentos do capital, portanto, como afirmar a redução desta no
âmbito nacional? Por certo, a proteção da renda na base da pirâmide social brasileira, com
aumento do salário mínimo e políticas de transferência de renda, previdenciárias e
assistenciais, aliviou um pouco o quadro social degradante em nosso país. Não estamos aqui a
desconsiderar esse fato, todavia, em nenhum momento nos é permitido afirmar que é possível
sobreviver de um salário mínimo no Brasil, e dar garantias futuras aos trabalhadores e suas
famílias. Afirmar isso seria um tanto pretensioso e enganoso.
Na verdade, entre os políticos, a realidade propalada de queda da “pobreza e da
desigualdade” tem consagrado o discurso acerca das benesses da inserção da massa
populacional no mercado de consumo. Faz-se suficiente, aqui, evidenciar as propagandas do
governo federal que expõem a lógica do consumo, em demonstrações numéricas do aumento
da compra de bens como: fogão (98,5%157), geladeira (93,9%), máquina de lavar roupas
(44,8%), celulares, dentre outros (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010). É notória a
afirmativa de que o consumo se relaciona à renda; também não desconsideramos que a posse
de determinados bens garante certa comodidade, daí o desejo de possuí-los. Queremos apenas
ressaltar o uso ideológico do consumo e do consumismo para legitimar políticas e estratégias
governamentais e conformar segmentos da classe trabalhadora. No Brasil, o estímulo ao
consumo foi notório, e o resultado deste se deu pelo aumento da demanda de determinados
bens de consumo e/ou duráveis, o que propicia à economia a dinâmica requerida, e ao capital
a acumulação necessária, sem entraves em curto prazo, considerando aqui sua natureza
intrínseca.
A estratégia do capital, materializada pelo Estado, diante dos processos reestruturantes
foi intensificada com base em uma ideologia pautada no apoio ao desenvolvimento local,
alternativa considerada, em tese, capaz de fomentar o desenvolvimento social e econômico
157
Percentual de domicílios com cada característica no total de domicílios particulares permanentes (%).
(MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2010).
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das regiões. De acordo com esta lógica, ao trabalhador combina duas alternativas: tornar-se
patrão de si mesmo, ou procurar qualificação para melhorar sua empregabilidade, o que não
significava garantia de ocupação, apenas mais um elemento de enfrentamento da crescente
concorrência por postos de trabalho. Isso porque o desemprego não mais se limita aos
indivíduos com baixa escolaridade158; inúmeras estatísticas atestam que o perfil do
desemprego também se modifica ao longo dos anos.
Nesse sentido, cidades têm se revelado lócus por excelência dessas transformações.
Principalmente, como afirma Araújo (2000), considerando-se que a fase de desconcentração
no Brasil tem se mostrado modesta, gerando uma tendência de concentração espacial do
dinamismo econômico em algumas sub-regiões (focos dinâmicos). Para a autora, a repetição
de concentração espacial, que reflete diretamente o acirramento de desigualdades regionais, se
dá num contexto mais complexo (década de 1990). Isso porque a inserção do país e das
regiões na economia mundial implica envolvimento numa maior competição; o Estado
apresenta ainda maior debilidade para definir e implementar estratégias que possam rebater os
custos sociais oriundos da maior desigualdade regional. Ademais, não se desconsidera o fato
de que o Brasil é uma “[...] federação em crise, como têm ressaltados vários estudos recentes
da FUNDAP” (AFFONSO; SILVA apud, ARAÚJO, 2000, p. 127).
No caso do Nordeste, cita Pontes (2006, p. 334), as “[...] cidades médias 159 passaram
por significativas reformulações nos seus papéis”. A dinâmica foi alterada na medida em que,
“[...] as cidades médias do Nordeste também têm maior crescimento do que as cidades
grandes, as metrópoles de menor porte continuam crescendo em níveis superiores àqueles das
grandes metrópoles”, como afirma Araújo (2008, p. 3). Natal tem crescido mais que Recife e
Salvador, por exemplo. Nesse sentido, há uma necessidade clara de uma política para essas
158
Entre 1992-2002, por exemplo, o aumento da escolaridade mostrou-se insuficiente para impedir o
desemprego. Neste período, “[...] para os indivíduos com catorze anos de estudo, por exemplo, a variação do
desemprego foi de 76,9% - uma diferença três vezes maior que a verificada para aqueles que têm três anos de
estudo” (POCHMANN, 2006, p. 66).
159
Para Pontes, a cidade média destaca-se como: “[...] um centro urbano com condições de atuar como suporte às
atividades econômicas de sua hinterlância, bem como atualmente ela pode manter relações com o mundo
globalizado, constituindo com este uma nova rede geográfica superposta à que regularmente mantém com suas
esferas de influência. Esta segunda rede à que nos reportamos, diz respeito ao sistema de relações realizadas sob
o território com áreas rurais ou outras cidades próximas ou mais ainda distantes sobre as quais ela exerce uma
condição de comando”. (2006, p. 334).
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2047
cidades “médias” e para as metrópoles de menores portes. Principalmente, se consideradas as
transformações ocorridas no modo de produção capitalista nas últimas décadas, as quais
tiveram implicações significativas na estrutural do território, sobretudo, nos estados do
Nordeste.
Com efeito, as mudanças no cenário brasileiro, com a invasão da flexibilização no
“mundo do trabalho”, reconfigurando as condições e relações de trabalho anteriormente
estabelecidas, refletiram sobremaneira no (des) assalariamento de parcela considerável da
População Economicamente Ativa, e o desemprego. Constituíram estas, no fulcro
propulsionou do aumento do exército de sobrantes para o capital, na ampliação significativa
da superpopulação relativa. Notoriamente a expansão dos serviços, setor inscrito na esfera de
reprodução do capital, constituiu importante papel na absorção da mão de obra, mas este tem,
enfim, um limite, quando não pode absorver por completo. As informações apresentadas,
embora não revelam a totalidade das reais implicações desse momento para a classe
trabalhadora, evidenciam quão precárias têm sido as relações e condições de trabalho em
nosso país, denunciando a problemática das ocupações no território brasileiro. Faz,
igualmente, surgir certo desencanto e descrédito no meio acadêmico quanto à possibilidade de
o Brasil voltar a gerar condições mais favoráveis ao seu mercado de trabalho e à vida de sua
população, em particular, de variados segmentos da classe trabalhadora.
Nesse sentido, poderemos afirmar que a “reforma” no papel e nas estruturas do Estado
foi geradora de desemprego, em um contexto de reestruturação produtiva, o qual permite
estratégias que envolvem programas de demissão voluntária, a instituição de organizações
sociais e de agências executivas. As relações trabalhistas modificam sua natureza, a
estabilidade perde espaço em beneficio das formas flexíveis de contrato (BERHING, 2008).
Essas mudanças resultam em aumento na demanda por serviços sociais em um contexto, no
qual o paradigma econômico neoliberal insiste no corte de gastos, na regressão de direitos
sociais, na focalização das politicas sociais.
A perda ou restrições dos direitos constitucionais que foi justificada em nome do
equilíbrio fiscal, está na concepção de Berhing (2008) integrada à macroeconomia do Plano
Real, que impôs constantemente uma lógica de gestão dos recursos. O objetivo inicial foi
claro: destinar o máximo de recursos para investimentos do Estado, bem como e,
principalmente, para pagar os encargos financeiros da União, manter com isso, firme os
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compromissos assumidos com o Fundo Monetário Internacional – FMI. Paradoxalmente,
quando nossa Constituição160 apontava, inicialmente, para uma perspectiva de ampliação e
universalização de direitos, o processo de ajuste estrutural e de contrarreforma do Estado
restringe as possibilidades de materialização de direitos. O agravante disso tudo: estas
mesmas políticas existentes serviram de alvo a inúmeras críticas, de ataque ao Estado, e a
forma intervencionista deste. Ademais, no contexto neoliberal na qual esboçamos nossa
análise, não poderemos afirmar que estas tenham sido conduzidas de forma autônoma, o que
se configura na subordinação das políticas sociais à reorientação macroeconômica.
Analisando o contexto mais recente – início do século – Filgueiras e Gonçalves (2007,
p. 161) relatam e destacam que a junção das políticas econômicas ortodoxas para propiciar
crescentes superávits primários, com políticas de combate à pobreza, implicou a redução das
já limitadas políticas universais. Poderemos considerar a Desvinculação das Receitas da
União161, como exemplo desse movimento contraditório, uma vez que a resguarda de 20% das
receitas governamentais constitui importante fator para os elevados superávits primários.
Além de cobrir os serviços da dívida, estes recursos servem também, de acordo com Boschetti
e Salvador (apud BOSCHETTI, 2009, p. 335), “[...] para cobrir aposentadorias do poder
público, investimentos em infraestrutura dos Estados e vale-transporte e auxílio alimentação
de servidores públicos”. Trata-se de um verdadeiro ataque aos direitos previstos
constitucionalmente, não sendo os mesmos reconhecidos, universalizados. Como destaca a
autora,
Diversas contrarreformas, como a da previdência de 1998, 2002 e 2003, sendo as
primeiras no Governo Fernando Henrique Cardoso e outra no Governo Lula, restringiram
direitos, reforçaram a lógica do seguro, reduziram valor de benefícios, abriram caminho para
a privatização e para a expansão dos planos privados, para os fundos de pensão, ampliaram o
160
Nesta, a seguridade passou a ser composta pela previdência social, assistência social e Sistema Único de
Saúde.
161
A partir de 1994, os governos começaram a desvincular 20% do total de impostos e contribuições federais
conforme as suas conveniências políticas. Preferencialmente, estes recursos foram revertidos para o pagamento
de juros da dívida pública. Segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal –
UNAFISCO, citado por Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 159), “os recursos desviados, via mecanismo da DRU,
corresponderam a 18% do total arrecadado da CPMF no período 1997-2006. Segundo Pochmann (2010, p. 34),
esta desvinculação tem representado quase dois terços do superávit primário.
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2049
tempo de trabalho e contribuição para obterem a aposentadoria (BOSCHETT; SALVADOR,
apud BOSCHETT, 2009, p. 333).
Em relação ao sistema previdenciário, Pochmann (2010) chama a atenção para os
crescentes problemas de financiamento dos custos dos beneficiários atendidos e para as
consequências
significativas
do
crescimento
das
aposentadorias
decorrentes
do
envelhecimento da população e da admissão de novos beneficiários sem prévia contribuição.
Estes resultados sintetizam o desaparelhamento do setor público, da burocratização e
fragmentação dos recursos públicos. Acrescente-se a isso, a compressão sobre o mercado de
trabalho, haja vista a contenção dos valores dos benefícios sociais162.
Além da PEA ingressante anualmente, o mercado sofre pressão por parte daqueles que
continuavam inseridos em ocupações, com fins de complementação de suas rendas, em
virtude dos baixos rendimentos da aposentadoria, estas que na maioria das vezes, são
precárias. Dessa forma, a concentração maciça de trabalhadores tem pressionado o mercado
de trabalho por vagas, no contexto de uma economia já comprometida com a destruição de
ocupações, herança da década de 1990. Adicione-se a isso, o surgimento de outras formas de
ocupação, muitas das quais não regulamentadas. Todo esse movimento tem afetado
negativamente o ambiente social como um todo e pressionado o sistema de proteção social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, as características aqui sintetizadas, apresentam peculiaridades sob as quais o
capitalismo vem se desenvolvendo no Brasil. Elas evidenciam o modo como o capital se
apropria inclusive de formas antigas e tidas, hoje, como alternativas para se reproduzir,
impulsionando forçosamente o trabalhador a ocupações precárias, que evidenciam a
espoliação desses trabalhadores e de recursos naturais promovidos no âmbito do atual padrão
de acumulação.
No cerne desses processos, ganha cada vez mais realce as atividades informais
presentes tanto no âmbito da produção como da circulação de mercadorias, mesmo se
162
Segundo dados apresentados por Pochmann (2010, p.31): “[...] em 2007, que cerca de um terço dos
aposentados e pensionistas mantinham-se ainda ativos no interior do mercado de trabalho, enquanto o país
possuía quase 8 milhões de trabalhadores desempregados. (POCHAMNN, 2010, p. 31).
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2050
considerado, na atualidade, um quadro favorável de crescimento das ocupações formais em
nosso país, que constituem um novo movimento no âmbito do mercado de trabalho brasileiro.
No núcleo dessa discussão, Tavares (2002, p. 25) enfatiza a afirmativa de Pochmann, e
cita: “O Nordeste vem se transformando no que Pochmann denomina de ‘grande feira
mundial de concorrência pelos menores custos do trabalho”. Essa afirmativa revela que, na
prática, o capital circula e se instala no espaço físico propício a sua reprodução e à
acumulação. Se o Nordeste, ou qualquer outra região, oferece vantagens na oferta de mão de
obra barata, o que reduz os custos empresariais, é nela que o capital instalará os mecanismos
técnicos e de infraestrutura necessários a sua reprodução. Ressaltamos que, a terceirização e a
relação empresa-cooperativa163, têm sido utilizadas pelo capital como experiência bem
sucedida da expansão, nessa região, dos processos flexibilizantes.
Nestes termos, corroboramos com Tavares para a qual (2002, p. 25) “[...] só é possível
pensar a questão social no Nordeste se formos capazes de compreender as particularidades
dessa região e o modo como a mesma se insere na economia globalizada”. Essa compreensão
dos determinantes da questão social no Nordeste, fundada nas elaborações de Tavares, nos
permite reafirmar que essa região não foge às determinações gerais vistas em nível nacional.
Nossa classe trabalhadora sofre – independente de região – as agruras do desemprego,
subemprego, com exploração de toda ordem. Uma particularidade: no Nordeste esta situação
é agravada pelos condicionantes do desenvolvimento desigual brasileiro. Com efeito, as atuais
condições e relações de trabalho, no Brasil, de um modo geral, têm incitado constantemente o
crescimento das práticas informais, as quais passam a servir de peça fundamental e condição
de ocupação considerável da força de trabalho ativa.
REFERÊNCIAS
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do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.
163
Tavares (2002, p. 26) exemplifica a égide da flexibilização e sua invasão no espaço nordestino, citando o caso
no estado do Ceará, e a instauração da empresa Kao-lin, de um grupo empresarial de investidores de Taiwan.
Segundo a autora, a referida empresa contrata apenas a mão de obra especializada, a exemplo de engenheiros,
administradores, etc. A montagem das peças cabe à “subcontratação”, por meio das cooperativas.
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