EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: PROTAGONISMO NECESSÁRIO, DE TODOS, DE CADA ATOR ENVOLVIDO. Suely Melo de Castro Menezes “Nos Estados Unidos o uso de “nações indígenas” serviu como uma espécie de senha para a tomada de territórios pelo nascente Estado norte-americano, através de declarações de guerra e assinatura de tratados, ainda que fantoches, como os donos desses territórios. Já no Brasil, o termo “nações indígenas” é recente e surgiu da consciência de que nunca se reconheceu nas culturas — etnias indígenas um mínimo de vulto que merecesse crédito político”. Alcida Ramos Universidade de Brasília PROPOSTA Analisar a situação da educação escolar indígena no Brasil de forma a iluminar novas ideias sobre a condução das políticas públicas direcionadas a esta modalidade no país, principalmente no que diz respeito à formação de professores, currículo, idioma próprio e políticas para as escolas indígenas. Aspectos a considerar: Políticas Públicas Escola Indígena Língua Materna Currículo Diferenciado Professor Indígena Constatações e Propostas DISCUTINDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA • A diversidade étnica brasileira é uma característica peculiar que faz do Brasil um país multicultural, graças ao patrimônio dos diversos grupos sociais formadores da sociedade nacional, destacando-se a contribuição das nações indígenas. As populações indígenas contadas nesse censo no Brasil existentes 817.963 índios, sendo que na região norte são 305.873 indígenas. • A CF/88 revela expressivo avanço no sistema legal de resguardo aos interesses e necessidades dos índios superando obstáculos impostos pela vigência de diplomas jurídicos arcaicos que não respeitam as diferenças étnicas, impedindo a defesa satisfatória ao patrimônio cultural indígena. CF/88 – Art. 231 • “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. • A política de Educação Escolar Indígena é do governo federal que deverá garantir uma educação diferenciada, específica, intercultural e bilíngue. • Ienza (2009, p.884), reflete que: “[...] o acréscimo dos mecanismos indígenas próprios (CF, art.210) fortalece a ideia de preservação dos costumes, línguas, crenças e tradições indígenas, indispensável em razão da inegável diferença cultural entre as comunidades indígenas e não indígenas[...]”. • Wellen (2002) destaca: “[...] a inexistência de um programa específico para a escola indígena em termos de material didático, alimentação e infraestrutura”. • A problemática exposta, longe de ser resolvida, tem comparecido nas agendas políticas e nas legislações brasileira, buscando, especialmente, desde 1988, a incorporação cada vez maior de princípios que valorizam a diversidade populacional. Examinando a Escola Indígena • José Ribamar Bessa Freire (2004), mostra que a escola indígena é como se fosse um corpo estranho para o índio. Ou seja, a chegada da escola para os índios, historicamente sempre representou um problema, uma vez que esta inviabiliza os saberes e modos de vida das aldeias que são tidos pelas comunidades como educação, pois tem a ver com a vida e os saberes práticos. • A regularização das escolas indígenas é necessária para que possam elaborar regimentos, calendários, currículos, conteúdos programáticos e materiais pedagógicos adaptados às particularidades étnicoculturais de cada povo indígena. • Somente a escola indígena regularizada poderá ser legítima no Censo Escolar Indígena e no direito ao FUNDEB indígena. • Ainda que seja recente a inclusão das escolas indígenas como categoria própria no sistema nacional, esse tipo de indefinição no tratamento público da educação escolar indígena não pode mais perdurar (MEC, 2002, p.13). Refletindo a Língua Materna CF/88, Art. 210, § 2º: “[...] o ensino fundamental regular será ministrado em línguas maternas e processos próprios de aprendizagens [...]”. • Freire (2004, p.23) “Historicamente, a escola pode ter sido o instrumento de execução de uma política que contribuiu para a extinção de mais de mil línguas”. Esse foi um dos grandes impactos da escola no interior das aldeias, a imposição de uma língua em detrimento das muitas que existiam. • O Censo Demográfico de 2010 do IBGE mostra que 37,4% dos índios brasileiros falam suas línguas as 274 línguas ainda vivas nas 305 etnias existentes. • A legislação dá ênfase ao ensino de língua materna e respeito aos processos próprios de aprendizagem. • Cabe ao professor índio, membro de sua cultura, desenvolver essa educação escolar indígena. • Como constituir e implantar escola indígena cujos povos não tem mais conhecimentos e práticas da língua materna? Analisando o Currículo Diferenciado da Escola Indígena • A Constituição de 1988, as leis e resoluções decorrentes passaram a considerar o princípio de que o Estado brasileiro deveria ouvir e atender os povos indígenas em relação ao tipo de escola e gestão que querem para a escola, sendo orientadas para o debate e proposições que atendam aos interesses e necessidade desses povos. • O currículo diferenciado é complexo. Não basta retornar ao passado e resgatálo. É preciso pensar a escola no contexto da interculturalidade e no contexto de tensão e conflito em que o indígena está inserido. RCNEI/Indígena (1998,p.58) “[...] importância da escola como articuladora entre as duas culturas, propiciando espaço para o enfoque às necessidades e tradições das culturas indígenas, mas sem negar ao índio, acesso às informações de outras culturas”. A escola indígena deverá ser competente para orquestrar essa articulação. Dialogando o Professor Indígena O Ministério da Educação, em documento referencial para a formação de professores indígenas (2002, p. 13) admite: Ainda que boa parte dos professores que lecionam nas escolas indígenas seja membro da própria comunidade e falante de sua língua materna, parte considerável deles não teve acesso à educação básica completa e poucos realizaram sua formação em magistério intercultural, de nível médio ou superior. A partir da LDB/96, o sistema educacional brasileiro consagrou, principalmente em suas legislações o princípio da preservação da língua, respeito e a valorização da cultura indígena, mas como dito no mesmo documento, são raras as ações, principalmente na formação de professores que esses princípios sejam completamente contemplados. A Resolução CNE 01/2015, dá visibilidade para participação efetiva dos indígenas na formulação da política de educação indígena com destaque para o que determina a Seção II sobre os projetos pedagógicos de cursos e das propostas curriculares na formação do professor indígena: Art. 8º Os projetos pedagógicos de cursos da formação de professores indígenas devem ser construídos no âmbito das instituições formadoras de modo coletivo, possibilitando uma ampla participação dos povos indígenas envolvidos com a proposta formativa e a valorização dos seus conhecimentos e saberes. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.12 § único • Na construção e organização dos currículos de formação inicial e continuada dos professores indígenas, deve-se considerar: A consonância com o currículo da escola indígena; A territorialidade; O conhecimento indígena, modos e produção e expressão; A presença dos sábios indígenas; A pesquisa articulando teoria e prática; Conteúdos políticos dos direitos indígenas; Participação indígena na gestão. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.11 • “Os currículos de formação de professores indígenas em atenção às especificidades da Ed. Escolar Indígena devem ser construídos com base na pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas além da valorização as metodologias de ensino e aprendizagem de cada povo indígena”. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.12 • “Os currículos da formação de professores indígenas podem ser organizados em núcleos, eixos, temas contextuais ou geradores, módulos temáticos, áreas de conhecimento, dentre outras alternativas, sempre que o processo de ensino e aprendizagem assim o recomendar”. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.17 “ Os programas e cursos destinados à formação de professores indígenas requerem a atuação de profissionais com experiências no trabalho com povos indígenas e comprometidos política, pedagógica, étnica e eticamente com os respectivos projetos políticos e pedagógicos que orientam esses processos formativos”. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.18 • “Com o objetivo de assegurar a qualidade e o respeito às especificidades desta formação, a participação dos indígenas nos quadros de formuladores e da gestão desses cursos é primordial para a colaboração institucional, a promoção do diálogo intercultural e o efetivo estabelecimento de relações sociopolíticas, culturais e pedagógicas mais simétricas”. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.18, § 1º “A participação de indígenas nesses quadros, de forma dialógica e colaborativa deve ocorrer: I – a partir da indicação das comunidades indígenas, de suas escolas e do colegiado do curso planejado para a formação de professores indígenas; e II – com base no reconhecimento dos seus saberes e papéis sociocultural, político, religioso ou linguístico, independentemente de possuírem formação escolarizada”. Res. 01/2015- CNE/CEB, Art.18, § 2º • § 2º As instituições formadoras devem adequar suas estruturas organizacionais para garantir a participação indígena nos processos de formação de formadores, assegurando-lhes as condições necessárias para esse fim. Lamentando as constatações e as realidades Ao mesmo tempo que os indicadores mostram melhorias, outras agencias denunciam.. Conselho Indigenista Missionário – CIMI – 2010, elaborado por Lúcia Rangel, destaca: • falta de transporte escolar, • logística para o acesso a merenda escolar e materiais didáticos. • a falta de professores e até a inexistência de escolas com infraestrutura adequada. • O relatório aponta também que os • projetos pedagógicos elaborados pelos indígenas não são respeitados • morosidade burocrática na gestão de recursos financeiros para esse fim. De uma forma geral, o que se constata? indicadores educacionais e sociais apontam: escolas precárias; recursos exíguos; ausência de professores índios ou formados para esse fim; currículo distante da língua e costumes indígenas tem se configurado constantes 60% das escolas indígenas Brasileiras estão na Amazônia. Como exercitar o PROTAGONISMO ? Nesse sentido, os esforços que se vem empreendendo vêm se refletindo, em parte nas legislações relativas a essa modalidade, já que desde a emissão da Resolução CEB 03/1999 até a Resolução CNE 01/2015 apontam como ponto de partida, tanto para estrutura e funcionamento da escola e do currículo, como para formação dos professores, a interculturalidade, a valorização das línguas maternas e o bilinguismo, como pode ser observado nos princípios de ambas as resoluções. [...] ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica (RESOLUÇÃO 03/1999, Art.1º). I - respeito à organização sociopolítica e territorial dos povos e comunidades indígenas; II - valorização das línguas indígenas entendidas como expressão, comunicação e análise da experiência sociocomunitária (RESOLUÇÃO CNE 01/2015, Art. 2º). Com quem está a responsabilidade pela melhoria da qualidade da educação indígena? Estados • promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (PME, 2014, Art.2º -X) União • O fortalecimento do regime de colaboração entre os Estados e respectivos Municípios incluirá a instituição de instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação em cada Estado (PME, 2014, Art. 7º§6 ) • § 7º O fortalecimento do regime de colaboração entre os Municípios darse-á, inclusive, mediante a adoção de arranjos de desenvolvimento da educação. PME, 2014, Art. 7º) Municípios “Os direitos indígenas estão assegurados no papel, nas leis, nos decretos, nas resoluções. Precisamos de políticas que os tornem realidade no cotidiano das aldeias”. Suely Menezes Fotos: Alberto Ampuero