A RELEVÂNCIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA BILINGUE E SUAS
IMPLICAÇÕES SOCIAIS NUMA PERSPECTIVA INTERCULTURAL.
FIGUEIREDO, Flaviana Pereira
RESUMO: A pesquisa foi realizada na escola Cacique João Batista Figueiredo da aldeia Tereré
município de Sidrolândia/MS, extensão da escola Pólo Armando Gabriel situado a 30 km deste
município. Uma das grandes preocupações que levaram à realização desta pesquisa deve-se ao fato de
que, nesta instituição a direção e a coordenação não presenciam diariamente o trabalho pedagógico
desenvolvido na escola. Assim, sentiu-se a necessidade de compreender como estava ocorrendo o
procedimento das práticas pedagógico desses educadores por meio da observação e análise das falas dos
professores indígenas e não indígenas dessa escola, verificando assim se as práticas desenvolvidas
ocorrem sem prejuízo a língua portuguesa e a própria língua materna Terena Essa analise passou por
três momentos em que o primeiro momento abarca os estudos teóricos, levantando em seguida a
observação na qual foram feitas as coletas de dados junto aos educandos e no terceiro momento a
entrevista com os professores culminando com as reflexões para construir o corpo da pesquisa. De posse
dos dados colhidos realizou-se a triangulação com a devida interlocução teórica, esperando assim,
contribuir com mais uma possibilidade em direção a efetivação de uma escola indígena de qualidade
com identidade que lhe é peculiar.
Palavras-chave: Educação Escolar Indígena. Currículo Bilíngüe. Práticas Pedagógicas.
Introdução
O presente artigo tem como objeto de pesquisa estudos sobre a cultura indígena
Terena da Escola Cacique João Batista Figueiredo da Aldeia Tereré, localizada próximo à
área urbana do município de Sidrolândia/MS.. Esta pesquisa traz reflexões sobre as práticas
pedagógicas dessa escola e a importância do professor indígena ser conhecedor dos estudos
teóricos relativos às questões que envolvem as diferentes culturas, pois “cada cultura tem
suas próprias e distintivas de formas de classificar o mundo” (SILVA,2009p.41).Para
melhor compreensão do processo ensino e aprendizagem do educando indígena da etnia
Terena,Acredita-se que: “uma das formas pelas quais as identidades estabelecem suas
reivindicações é por meio do apelo de antecedentes históricos”(SILVA,2009 p.11),
principalmente aos povos indígenas que vem tentando reconstruir suas identidades
buscando o fortalecimento em seus antepassados.Para tanto como afirmam muitas
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lideranças indígenas, a escola é o passo para essa reconstrução.E de que forma essa tal “reconstrução” esta sendo inserida na pratica pedagógica.E será que os educadores indígenas
Terena estão preparados?
O ponto de partida foi o levantamento bibliográfico à luz do conhecimento de
alguns autores como Mayher (2006) Silva (2099), Grupioni (2066) entre outros que já se
ocuparam em refletir e propor olhares sobre esta temática, nesta fase da pesquisa foram
selecionados livros e dissertações que serviram como base para fundamentação teórica.
No segundo momento foram realizadas as observações para focalizar a
especificidade da escola empreendendo um contraponto com a bibliografia levantada,
acrescentando assim, meu olhar na própria oportunidade intercultural que traz essa
pesquisa. E para melhor enriquecimento, no terceiro momento optei pela entrevista em que
pude dialogar com os professores e professoras da comunidade, frente a frente dentro de
uma interação cultural indígena “ cultura deixa de ser entendida com um conjunto de
experiências e crenças, valores e tradições [...], passa se tratada como um campo de luta e
constetações[...](MEYER,1998,p.370)..Podendo, então, revelar a perspectiva do índio
frente às questões que ora são debatidas no espaço da universidade.
A Escola
A escola foi fundada no ano de 1997, para atender à necessidade das crianças
indígenas que estudavam na área urbana e obrigadas a enfrentar o desafio, de longa
distancia.
Com a garantia que a Constituição de 1988 assegura aos povos indígenas de
uma educação escolar diferenciada, especifica, intercultural e bilíngüe a comunidade da
aldeia Tereré decide empreender no ano de 1997, a busca dessa escola, que depois de várias
articulações obtiveram bons resultados para melhoria de seu povo.
A instituição começou a funcionar no mesmo ano referido acima, como sala
extensão da escola Cacique Armando Gabriel e teve como homenagem o nome do primeiro
fundador desta Aldeia Cacique João Batista Figueiredo.
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Segundo os professores da aldeia Tereré, ao longo de sua história, vem
elaborando sistemas de pensamentos próprios para expressar, transmitir, avaliar e
reelaborar seus conhecimentos e suas concepções em busca de reconquistar sua identidade
Essa é uma das grandes preocupações que existe nesta escola sobre a
sensibilização dos educandos acerca da importância de tomar consciência do valor de sua
identidade. Percebe-se que falta formação continuada para esses profissionais, “A
identidade é um significado cultural e socialmente atribuído” (SILVA, p.89), e não única
integral e fixa, ao mesmo tempo em que vai construindo vai re-significando a cada cruzar
de fronteiras, pois, somos humanos, mas temos diferenças porque somos diferentes, isso
vale para todas as pessoas de diversas culturas: índios, afro-descendente e até mesmo a
branquidade como se referem aos povos da pele branca.
A constituição Federal de 1988 em seu artigo 210 afirma que, “cabe ao Estado
proteger as manifestações das culturas indígenas e assegurar o uso da suas línguas maternas
e processo próprio de aprendizagem” o Estado tem por dever assegurar essa qualidade, não
só contratar professores indígenas, mas também oferecer formação continuada. Hoje os
educadores dessa escola sabem dos direitos que a escola tem de um projeto político
pedagógico próprio da instituição, mas devido à formação incompleta e por falta de alguns
outros conhecimentos mais específicos não sabem que caminho percorrer para essa
realização tão sonhada. MAYHER (2006) afirma que:
Primeiro passo para garantir a existência desse tipo de escola
é que o condutor de todo o processo escolar seja
evidentemente um professor indígena. Esse profissional
entende o que seria mais adequado para levar cabo ao projeto
político pedagógico da sua comunidade. (p.23)
Sabendo dos seus direitos alguns professores indígenas desta escola, devido aos
conhecimentos que estão adquirindo na universidade, já estão preocupados, junto à
comunidade, em construir este projeto e trabalhar com a realidade de cada aluno para
preparação quanto aos chamados “saberes universais” sem prejuízos a cultura Terena, ou
seja, a possibilidade da construção de um currículo legítimo dentro de uma perspectiva
intercultural. Pois,
A Pedagogia se faz intercultural quando, ao reler o problema
educativo do meu tempo, leva em conta as novas condições
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nas quais hoje o processo educativo é pensado e realizado
[...] quando está atenta aos sinais, indicações e aos processos
do tempo presente, quando antecipa que a realização de
melhores possibilidades de vida individual e social está
ligada já às problemáticas relativas ao encontro/desencontro
entre culturas a ligação identidade/autoridade, a superação
dos preconceitos e dos estereótipos, ao tema do encontro e do
diálogo. (SIRNA apud TOMAZZETTI, 2004 p.55)
Por meio desta questão, vislumbrei nesta pesquisa a possibilidade de melhor
entendimento das práticas pedagógicas desta escola. Desta maneira, busquei observar,
procedendo à análise numa perspectiva intercultural, como os profissionais estão
trabalhando com esta realidade na formação dos educandos, sem prejuízo aos currículos
mínimos direitos já exigidos por força da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB 9394/96) e aos direitos adquiridos pela Constituição de 1988 propostos pelos
parâmetros da educação brasileira.
Agora, que concluí minha graduação,entendo minhas ambivalências ao cruzar
fronteiras sendo também uma acadêmica indígena, vejo a necessidade do professor e da
professora indígena conhecerem as teorias para tentar compreender também com a ajuda
dos pesquisadores (já que cremos na perspectiva intercultural), como a cultura “não índia”
enxerga o indígena, podendo assim contribuir com a formação do educando indígena na
tomada de consciência dos seus direitos e do seu lugar na sociedade.
Refletindo sobre o presente e vislumbrando futuro.
Com as mudanças ocorridas nos últimos anos, no que diz respeito às concepções
que regem as políticas de educação escolar indígena, acredito que as lideranças das
comunidades indígenas também precisam buscar mais e estar atentos a essas conquistas
no âmbito legal, para compreender melhor sobre a escola indígena e consentir a
aproximação dos diferentes saberes para contribuir com os educadores na formação dos
educandos como cidadãos críticos não só no que diz respeito a sua cultura, mas buscando
novos conhecimentos científicos para trazerem em sua concepção uma visão global.
[...] a educação escolar para os povos indígenas deve ser
intercultural e bilíngüe para a reafirmação de suas
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identidades étnicas, recuperação de sua memória histórica
[...] valorização de suas línguas e ciências. Alem de
possibilitar o acesso das informações e ao conhecimento
valorizado pela sociedade Nacional. (KUNO, 1999, p.42)
A partir desta análise sobre as leis e os direitos dos povos indígenas no que diz
respeito à interculturalidade na escola, posso compreender as inúmeras dificuldades
encontradas pelos acadêmicos indígenas nas universidades. Percebe-se que de início este
ingresso na universidade é como se eles e elas tivessem “caído de pára-quedas” e aos
poucos vão se ajeitando através do contato com os não-indígenas para o estabelecimento de
relações sociais.
Durante a pesquisa, busquei destacar uma das minhas grandes preocupações
mediante uma das indagações feitas aos professores com a seguinte pergunta: Na sua visão
o que deve ser feito para fortalecer o idioma Terena já que temos, no cotidiano escolar a
língua portuguesa?Ao que me responderam:
Lourenço, professor índio da aldeia Tereré:É, falar diariamente nosso idioma que é
a nossa identidade, é nossa cultura, e nunca pode ser esquecido, por mais que tem professor
trabalhando nessa área não podemos esquecer que nossa língua é a nossa identidade, não podemos
esquecer dela, temos que praticar diariamente na escola, lá fora em casa e em todos os lugares, é
importante preservar nosso idioma.
Lucineide, professora indígena, especifica da língua materna:Para fortalecer a
língua Terena como professora é buscar mais alternativa que busca o interesse da criança, porque
nosso objetivo da língua Terena é resgatar que os nossos antepassados deixaram de ensinar pra
gente. ex: a língua terena não é tão falada como antigamente, então nós como professores e resgatar
isso, é incentivar as crianças a te interesse pra, pra volta na nossa cultura.
Observa-se que os professores índios, mesmo sabendo que existe uma
professora especifica para o idioma, estão preocupados em fortalecer a língua materna.
Assim, afirmam que a escola é um lugar para praticar o idioma como meio de reconstruir o
que já é peculiar. Nesta mesma questão podemos observar uma pequena diferença no
seguinte relato no qual veio minha primeira inquietação.
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Professora não indígena da aldeia Tereré: [...] pra fortalece o idioma Terena teria
que ser trabalhado isso desde a família, desde pequenininho, a família ser conscientizada da
importância da língua e já começa a trabalhar com eles desde pequenininho mesmo. (profª. Maria)
Percebe-se que em nenhum momento a escola é lembrada como lugar possível
desse aprendizado, ou, lugar para o fortalecimento desse idioma. Então, venho a acreditar,
para que a escola seja verdadeiramente diferenciada, é preciso que o condutor de todo o
processo pedagógico seja, indígena da mesma etnia, ou então, profissionais índios que
venham mobilizar os professores não índios para buscar compreender a perspectiva
indígena.
Considerações finais
Frente aos resultados desta pesquisa e do que revelam as proposições do
presente artigo, espero haver esboçado os principais fatores para caracterizar a escola
Cacique João Batista. Verifica-se que “transmitir e reelaborar sua história” como prevê o
art.78 (KUNO, 1999, p.46) é um dos grandes desafios encontrados pelos educadores índios
dessa comunidade. Os mesmos demonstraram uma grande preocupação com o
desenvolvimento da língua materna, já que está presente no dia-a-dia dessa escola o idioma
português e um currículo escolar proposto para essa instituição sem um mínimo de
participação desses educadores em sua formulação. Os educadores dessa instituição se
vêem como mediadores dos conhecimentos históricos para esses educandos, mas alegam
que precisam cumprir o currículo proposto pela Secretaria de Educação. e, muitas vezes,
deixam a desejar no cumprimento da atenção especial voltado para o valor cultural. Será
que tal currículo atrapalha a proposta intercultura? Ou será a formação continuada?
Verifica-se ao discutir língua materna Terena, que os educadores também
sentem dificuldade na realização dessa atividade, pois aparecem inúmeros empecilhos
mediante a tentativa de recuperação da língua Terena. Percebo a importância de o professor
Terena ser conhecedor dos pressupostos teóricos para a realização das diversas atividades
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pedagógicas para que venha a resultar numa parceria entre a língua materna e as demais
disciplinas exigidas pelo currículo brasileiro. Por ser uma escola indígena que está centrada
no perímetro urbano da cidade de Sidrolândia/MS de fácil acesso a outra escola “não
indígena”, como foi constatado, os educadores dessa instituição afirmam que há uma
resistência desses educandos em aprender a língua materna no caso, o Terena.
Como já é do nosso conhecimento que as políticas envolvidas na questão
escolar indígena estão deixando a desejar no sentido de cumprir o que já é direito dessa
escola: “a qualidade”. Mas, a qualidade não só no aspecto de aprender a ler e escrever e
nem no que se refere à contratação de professores indígenas, mas a qualidade da formação
continuada dos educadores e uma escola com qualidade com direção e coordenação para
melhor formação da consciência identitária desses sujeitos. Além, é claro, do espaço físico
digno para o desenvolvimento de tal proposta.
Nada adianta termos professores indígenas contratados para dizermos que a
escola é de qualidade só pelo fato dos educadores conhecerem a realidade do seu povo,
nada garante essa qualidade numa sala multisseriada sem espaço adequado a essas
necessidades. Como afirma MAHER (2006) “os professores indígenas parecem lidar
melhor com isso. Eles dão atividades para os pequenininhos e vão trabalhar um pouco com
os alunos mais adiantados [...]”. Isso não se aplica em nossa comunidade. Por não estarem
preparados para trabalhar com a diversidade, heterogeneidade, em muitas reuniões
escolares dessa comunidade essa questão é um tema constante debatido pelos professores
sobre esta estrutura multisseriada em que alegam não poder atender com mais qualidade
esses educandos devido a essa estrutura. Acredita-se para adquirem uma boa qualidade
nesta escola é preciso recorrer aos nossos direitos conquistados e garantidos pela lei, pois
se observa que esta lei ainda não se materializou para complementar essa tão sonhada
realização para essa comunidade.
Desta maneira, posso inferir que as universidades precisam abrir mais
oportunidades para os acadêmicos e acadêmicas indígenas e tentar trabalhar dentro da
academia práticas pedagógicas que contemplem a abordagem intercultural, tirando
proveito, principalmente, das disciplinas cujas ementas provoquem uma reflexão mais
direcionada para estas temáticas, como por exemplo, a disciplina de Educação Escolar
Indígena, Educação e Diversidade Cultural, dentre outras.
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Compreendendo que esta universidade precisa formar professores que
enfrentem essa realidade, e perceber que não estão formando somente acadêmicos
“brancos”, pois existem indígenas, afrodescendentes, acadêmicos e acadêmicos da área
urbana e da área rural, (dentre outras características que abarcam a questão da diversidade
dos sujeitos); acredito, também, que os acadêmicos e acadêmicas “não índios” precisam
avançar para além da questão teórica e terem oportunidades de vivenciar e serem
orientados em outras práticas pedagógicas.
Referências
BHABHA,Homi. O local da cultura. Belo Horizonte:UFMG,2001.
GRUPIONI, Luiz Donisete Benzi. Contextualizando o campo da formação de
professores indígenas no Brasil. In: GRUPIONI, Luiz Donisete Benzi. Formação de
professores indígenas: repensando trajetória. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Alfabetização e Diversidade 2006
KUNO, Paulo Rhoden. Diretrizes curriculares Nacionais de Educação Escolar
Indigena. S.J. Parecer 14/99
MAHER, Terezinha Machado. Formação de Professores Indígenas: uma discussão
introdutória. In:GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. Formação de professores indígenas:
repensando trajetória. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
continuada, Alfabetização e Diversidade 2006
MATOS, Kleber Gesteira; MONTE, Nieta Lindenberg. O Estado da arte da formação de
professores indígenas no Brasil. In: GRUPIONI, Luiz Donisete Benzi. Formação de
professores indígenas: repensando trajetória, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação continuada, Alfabetização e Diversidade 2006
MEYER,DagmarE.Estermam.Alguns são mais que os outros,etnia,raça e nação em ação no
currículo escolar.In:SILVA,Luis Heron da.A escola cidadã no contexto da
globalização.Petrópolis:Vozes,2000.p.103-133.
SILVA,Tomaz Tadeu da.Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais/
Tomaz Tadeu da Silva(org.).Stuart Hall,kathryn Woodward.9.ed.Petrópolis,RJ:vozes,2099.
TOMAZZETTI, Cleonice Maria. Pedagogia e infância na perspectiva intercultural:
implicações para a formação de professores. 2004. Tese (Doutorado em Educação).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
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