Livro de Actas
I Encontro Sobre
Estuques Portugueses
22 de Novembro de 2008
Museu do Estuque
Museu Nacional Soares dos Reis
Livro de Actas
I Encontro Sobre
Estuques Portugueses
22 de Novembro de 2008
Museu do Estuque
Museu Nacional Soares dos Reis
ÍNDICE:
Introdução
Página 1
Programa do Encontro
Página 3
Abertura
Paulo Castro
Página 5
História do Estuque
Miguel Figueiredo
Página 9
Os Estuques No Contexto Das Artes Decorativas Em Portugal
Eduarda Moreira da Silva
Página 19
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta
Lino Tavares Dias
Página 27
Estuques Decorativos No Centro e Sul de Portugal
- Elementos Para a Sua Caracterização
Isabel Mayer Godinho Mendonça
Página 35
O Andar Nobre Do Palácio dos Carrancas:
O Programa de Decoração, Mobiliário e Estuques
Paula Carneiro
Página 51
Ficha Técnica:
Organização
Museu do Estuque
Museu Nacional Soares dos Reis
Coordenação do Encontro
Estuques Do Porto – O Contributo Dos Meiras
Maria Augusta Marques
Página 59
Os Estuques No Século XX No Porto – A Oficina Baganha
Maria de São José Pinto Leite
Página 69
Dr.º Paulo Castro
(Director da Plataforma Museu do Estuque e Gestor de Projectos do Museu do Estuque)
Dr.ª Patrícia Salgado
(Gestora de Projectos do Museu do Estuque)
Edição
Museu do Estuque
Bubok
Coordenação da Edição
Inventário do Património Arquitectónico do Porto
Arquitectura e materiais: registo e catálogo
Maria Isabel Pinto Osório
Página 75
Em Busca do Tempo Perdido
Graça Viterbo
Página 83
Miguel Figueiredo
(Gestor de Projectos do Museu do Estuque)
Concepção Gráfica e Paginação
Raquel Morais
Escola Artística e Profissional Árvore
Tiragem: 100 exemplares
Conclusões
Paulo Castro
Página 87
Gonçalo de Vansconcelos e Sousa
Página 89
INTRODUÇÃO
1
PROGRAMA 22 de Novembro de 2008
9h30
Recepção
10h00
Abertura
Dr Paulo Castro
Dr.ª Maria João Vasconcelos
10h30
História do Estuque
Miguel Figueiredo
11h00
Os Estuques No Contexto Das Artes Decorativas Em Portugal
Eduarda Moreira da Silva
11h30 – 12h00 – Pausa para café
12h00 O Estuque Na arquitectura Romana No Norte da Meseta
Lino Tavares Dias
12h30 Estuques Decorativos No Centro e Sul de Portugal – Elementos Para a Sua Caracterização
Isabel Mayer Godinho Mendonça
13h00 Debate
13h15 – 14h15 Almoço
14h30 O Andar Nobre Do Palácio dos Carrancas: O Programa de Decoração, Mobiliário e Estuques
Paula Carneiro
15h00 Estuques Do Porto – O Contributo Dos Meiras
Maria Augusta Marques
15h30 Os Estuques No Século XX No Porto – A Oficina Baganha
Maria de São José Pinto Leite
16h00-16h30 – pausa para café
16h30 Inventário do Património Arquitectónico do Porto
Arquitectura e materiais: registo e catálogo
Maria Isabel Pinto Osório
17h00 Em Busca do Tempo Perdido
Gracinha Viterbo
17h30
Debate
18h00
Encerramento e Conclusão
Gonçalo Vasconcelos e Sousa
Paulo Castro
Patrícia Salgado
3
ABERTURA
Em Nome da Plataforma Museu do Estuque cabe, desde já, agradecer o
convite que a Exm.ª Sr.ª Directora do Museu Nacional Soares dos Reis,
Doutora Maria João Vasconcelos, fez ao Museu do Estuque para apresentar
a exposição “Estuques no Porto do Séc. XX – a Oficina Baganha”. Esta
exposição, que resulta da Investigação realizada por Maria de São José
Pinto Leite, no contexto do seu Mestrado em Artes Decorativas na Universidade Católica Portuguesa, não teria sido viável sem a parceria do Museu
Nacional Soares dos Reis e da CRERE – Conservação e Restauro e que,
conjuntamente, criaram a logística necessária à concretização do evento
que decorreu entre 21 de Setembro de 2008 e 6 de Janeiro de 2009. Esta Exposição, depois da parceria realizada entre o Museu do Estuque, a Câmara
Municipal de Cascais, a Universidade Lusíada e o Centro de Investigação
em Património da Universidade Lusíada de Lisboa (“A Presença do Estuque
em Portugal – Do neolítico à época contemporânea. Estudos para uma base
de dados – Lisboa, 2 a 5 de Maio de 2007), foi o passo seguinte do Museu
do Estuque que vem, novamente, evidenciar a sua função como entidade
divulgadora deste património artístico, esquecido e desvalorizado pelos
historiadores de arte e que reclama, para além de um estudo exigente,
uma urgente contextualização no seio das Artes Decorativas portuguesas e
um intenso trabalho de sensibilização à sua correcta protecção. Só assim
podemos criar mecanismos para limitar a perda dos numerosos exemplares
ainda existentes e garantir a continuidade e a função destes artefactos, determinantes para a criação de uma imagem viva da sociedade e dos núcleos
urbanos onde se apresentam.
As novas enunciações de património cultural pela UNESCO, integram a
memória, a salvaguarda, actualização e preservação. Salientam o papel e
interesse que a sociedade civil, pode e deve ter, como instrumento de
mobilização para os valores culturais. O entendimento destes factos levou
o Museu do Estuque, no contexto da exposição já referida, a organizar este
“ I Encontro Sobre os Estuques Portugueses”, uma forma de debater esta
temática, de alertar para a colecção presente na exposição e para toda a
colecção que está presente e espalhada por todo o pais (que urge inventariar e preservar!) e ainda, para promover a partilha da experiência teórica
e prática que é desenvolvida à volta destes artefactos.
Cabe aqui ainda fazer uma chamada de atenção para Flórido de Vasconcelos, o único historiador de arte que dedicou o seu trabalho de investigação
a esta Arte Decorativa, contribuindo profundamente para o despertar das
mentalidades vigentes para a conservação do trabalho ornamental em estuque. Aqui fica expresso o nosso respeito e a justa homenagem que este “I
Encontro” deve fazer ao nome de Florido de Vasconcelos.
Paulo Castro
(Director da Plataforma Museu do Estuque)
4
5
INTERVENÇÕES
6
7
História do Estuque
Luís Miguel Paiva Pena Figueiredo
Miguel Figueiredo
Licenciado pela Universidade Técnica
de Lisboa. Formação em conservação e restauro de bronzes artísticos.
Desenvolveu a sua actividade na Gestão
de Conservação e Restauro. Colaborou
activamente na Gestão de intervenções
sobre o património móvel/integrado e
imóvel e ainda na concepção e execução
de projecto de conservação e restauro
(destacando-se o Projecto do Teatro
Nacional de S. João liderado pelo Drº.
Paulo Ludgero e executado para o Arq.º
joão Carreira, a intervenção sobre bens
artísticos do Palácio do Freixo para o
Arqt.º Fernando Távora, o Projecto de
intervenção sobre estuque artístico e
policromias do Palácio Pombal – Divisão
Municipal de Reabilitação Urbana- Unidade de projecto do Bairro Alto e Bica
– Câmara Municipal de Lisboa e o projecto de intervenção sobre o património
integrado da Casa da Ínsua). Desde 2009
dedica-se à colaboração permanente com
a CRERE (Centro de Restauro, Estudo e
Reabilitação do Espaço), destacando-se
os trabalhos de Projecto e Conservação
e Restauro das Salas do Piso Nobre do
Palacete da Condessa do Rio em Lisboa,
as Galerias do Piso Nobre, a Escadaria
de Acesso à Galeria do Salão Árabe e o
Salão Árabe do Palácio da Bolsa (Porto).
É Mestrando em Gestão do Património
Cultural na Universidade Católica
Portuguesa e desenvolve tese à volta
da gestão do património em estuque
artístico (“A Colecção Baganha como
ponto de partida à fruição cultural do
estuque artístico”).
Tem colaborado com a ESAP e com a
UCP e ainda com a Câmara Municipal
de Aveiro na realização de seminários e
workshops.
Faz parte do Grupo de Gestão do Museu
do Estuque®. Neste contexto tem
colaborado na dinamização do processo
de progressão e reconhecimento desta
organização cujo trabalho mais recente
resultou na exposição “ Os Estuques
do Século XX no Porto – A Oficina
Baganha” e nos “I Encontros Sobre
os Estuques Portugueses” Realizados
no Museu Nacional Soares dos Reis.
Na continuidade deste trabalho, está
a organizar o “II Encontro Sobre os
Estuques Portugueses: O Restauro do
Salão Árabe” e que irá decorrer entre 28
e 29 de Abril de 2010 no salão Árabe do
Palácio da Bolsa.
Porto, Fevereiro de 2010
“Tutto questo tempio é di pietra triburtina coperta com
un sotilissimo stucco, one pare tutto fatto di marmo”.
Descrição do “Tempio della Sibilla” na acrópole de Tivoli por
Andrea Palladio
(PALLADIO, Andrea - I Quattro Libri dell´Architettura, Veneza
1570, lib. IV, cap. XXIII, p. 90)
1. Stucco / Estuque
Da tratadistica histórica verifica-se que a definição de
estuque não é unívoca. Independentemente da pasta,
que varia de acordo com as necessidades, com o termo estuque compreende-se geralmente o trabalho de
relevo, apesar de não se entender sempre e exclusivamente como a decoração plástica; frequentemente
representa o último estrato que tem a função de tornar as superfícies murais lisas. Por outro lado o termo
também vem usado para indicar as pastas usadas para
o preenchimento de descontinuidades e lacunas que
possam existir em superfícies. Na generalidade e no
início de tudo, o estuque é considerada a amálgama de
cal apagada com pó de mármore e areia lavada, adoptada para revestimento das superfícies arquitectónicas
ou para revestimento de obras plásticas. 1Ao longo do
tempo esta pasta prestou-se a um papel de “substituição”, ou “evocativo”, respeitante a outros materiais pelas mais variadas razões: economia de custos,
abreviação de tempo de execução, maior dignificação
dos objectos, renovar e valorizar dum artefacto pré
existente, efeito de máscara de defeitos e de sinais de
transformação e alteração.
Indiscutivelmente, ao longo da história, a arte do estuque artístico está intimamente ligada à arte na construção; o estabelecimento do seu saber normalizado e
as suas variantes são só uma parte registada na tratadística que se defronta com esta expressão artística.
Esta teorização é uma expressão da cultura territorial
e as técnicas e as misturas aplicadas são diferentes
da expressão teórica contemporânea. O conhecimento
aprofundado destes temas tem de ser visto à luz das
fontes de referência: a tratadistica, a partir da medieval, renascimento e barroco, a manualística oitocentesca, os dicionários das artes e comercio, a pratica
de obra e de oficina, inicialmente, e posteriormente, a
pratica industrial através de catálogos.
técnica do escoado em gesso graças ao seu costume de
reprodução das máscaras funerárias. Difunde-se entre
as civilizações do mediterrâneo; conhece grande impulso técnico e artístico no mundo greco-romano que
o adopta para a reprodução de estatuária. No mundo
Romano o estuque, como arte decorativa, desenvolveu-se em pleno e difundiu-se a todas as cidades do
Império.
Figura 1: O Mundo Antigo. Templo da Sibila em Tivoli.
2. O Estuque e o Mundo Antigo
O recurso a revestimentos lisos e ornamentais à base
de cal e/ ou gesso já é conhecido desde a antiguidade.
È um material que aparece por volta de 2000 a. C. entre
as grandes civilizações indo-europeias. Aos egípcios
deve-se, sobretudo, a ampla difusão que adquiriu a
8
Figura 2: O Mundo Antigo. Pormenores de colunas revestidas
com estuque. Ercolano / Telefo.
9
História do Estuque Miguel Figueiredo
As origens mais próximas reportam-se às antigas colónias gregas do sul da península itálica: Pompeia e
Herculano. Quando Lucius Silla em 80 a. C. conduz
vitorioso a expedição romana ao sul de Itália, ocorre
um invulgar processo de osmose cultural, absorvendo
dos colonizados o gosto artístico do mundo helénico
destas cidades que se difunde a Roma. Com o desaparecer de Pompeia e Herculano, desapareceram as
“escolas” que praticavam os novos modelos parietais
que, pela audácia e beleza, eram imitados em todas as
cidades do império. Mas, quem no mundo Antigo latino
executava estes trabalhos?
2.1. Tector, Albarius e Gypsarius
No mundo literário latino não há nenhum termo que
explique a designação “stucco” (estuque); para o
equivalente ao trabalho e à técnica encontramos, pelo
menos três termos: opus tectorium, opus albarium e
gypsum, cada com a sua particularidade que o torna e
o distingue como diferente dos outros dois. No mundo
romano a figura do estucador é definido como tector2.
É responsável pelo revestimento liso e, também, por
um trabalho mais elaborado: as cornijas que os tector
corriam ao longo das linhas de separação entre as paredes e as abóbadas podiam ser purae (lisas) ou celatae (ornadas) com motivos realizados provavelmente
à mão e por meio de carimbos3. Vitruvio4 designa de
opus albarium o revestimento branco e cuja superfície
poderia ser decorada em relevo. Noutras fontes, o termo tector aparece precedido do adjectivo albarius5. A
figura do albarius ou do albarius tector, não é uma
qualificação diversa da do tector, mas mais uma especificação no tratamento e na decoração com relevos
dos rebocos brancos. Gypsum, indicador de gesso,
também está classificado como um estuque e deriva do
termo gypsarius, que se encontra abundantemente nos
textos latinos e habitualmente associado a plastes, expressão que evidencia a capacidade de realizar formas.
Os plastae gypsarii seriam as pessoas que produziam
decorações em gesso6. Num édito de Diocleciano, encontramos o termo plastes gypsarius que nos indica a
existência de modeladores em gesso7.
2.1.A Dispersão do Estuque Romano Pelo Oriente
O império romano estendeu-se e com ele foram levadas as técnicas construtivas e artísticas que floresceram em Roma, para ocidente e para oriente. O Império
Romano do Oriente teve continuidade com o nome de
Império Bizantino. Surgiu também no Oriente o Império
Árabe, Muçulmano ou Islâmico, com origem na Arábia
no século VII, e que se expandiu para o Oriente, ocu-
10
História do Estuque Miguel Figueiredo
pando a Pérsia e a Síria, e para o Ocidente, ocupando
o Egipto e outros países do norte da África, chegando
à Península Ibérica. Ocorre um intercâmbio de técnicas
e formas, e que já vinham tomando lugar em resultado
da influência da tradição da arquitectura helenística.
Isto significava a ambos os mundos a oportunidade
para reunir arquitectos e construtores Na pérsia encontram-se os antecedentes da técnica muçulmana. Do
ponto de vista técnico, inicialmente, o estuque é predominantemente estampado com moldes (directamente
na parede ou separadamente manufacturado em tijolos
ou placas moldadas) enquanto que, posteriormente, há
uma predominância da execução com recurso ao entalhe livre dos padrões directamente sobre a argamassa
ainda húmida8. Entre estes períodos estabelecem-se as
bases da futura prática islâmica que unidas à tendência
de geometrizar as formas helenísticas e vegetais, e de
as repetir indefinidamente, vão ser o claro precedente
do arabesco9.
Figura 3: O Mundo Islâmico. Pormenores de estuques árabes
(Silves).
3. Idade Média
Estamos perante um momento que dificilmente permite
a fixação de novos modelos estéticos e iconográficos
e não se afirmam condições para um contexto socioeconómico e cultural, com potencial de concorrer para
o advento de novas respostas por parte dos artistas.
Todo o filão de pensamento à volta do stucco forte
romano fica adormecido nos tratados da antiguidade
clássica. Neste momento reporta-se o uso do gesso,
sobretudo nas antigas províncias romanas, por ser um
material mais barato e de fácil obtenção. Testemunho
desta situação está em São Isidoro de León que no
seu Etimologias, fala dos plastice ou representações
parietais de figuras e imagens modeladas em gesso
e depois pintadas10. A decoração em estuque não era
uma presença esporádica mas sim um elemento de
colocação específica: a ornamentação em gesso era
usada num sector intermédio, entre os mosaicos das
zonas superiores e os elementos pétreos da zona inferior das paredes11.
Figura 4: Estuques da Domus áurea; Sala di Achille a Skyros.
Figura 5: Estuques da Domus Áurea; Sala di Achille a Skyros.
4. Renascimento e Maneirismo
creve a execução de moldes de gesso para a fundição
e modelação de figuras16.
É neste período que ocorre a descoberta das pinturas
e estuques antigos da residência de Nero, a Domus
Áurea; como a villa se apresentava totalmente coberta pela colina dell´Oppio, era necessário atravessar
através de estreitos canais escavados paralelamente
ao tecto, que davam a impressão de grutas: é daqui
que vem dado o nome de “grottesche” à decoração
das abóbadas com frescos e estuques nesta época. Simultaneamente, produz-se uma reflexão teórica sobre
a arte produzida pelos académicos do cinquecento italiano e que pode estar intimamente relacionado com a
As referências explícitas ao estuque ocorrem no início da Renascença, e a melhor menção será sempre
a tratadística de Cennino d´Andrea Cennini. Il Libro
dell`Arte, é o primeiro ponto de apoio que combina
a tratadística moderna com o mundo clássico. A importância de Cennini e do seu tratado na história do
estuque, revela-se quer na tentativa de refundar a etimologia do termo, quer na redescoberta da técnica do
stucco forte romano e de reproposta dos sistemas de
execução12. Na etimologia do termo estuque, Cennini
omite a origem lombarda de stukki como crosta e propõe o termo struccare (“pressionar/espremer”) já presente no manual referido13. Na reconstrução da identidade do termo stucco, a expressão lombarda stukki,
provavelmente passa ao italiano por uma outra via,
através do termo que permanece no alemão: stucki.
Literalmente “crosta” que, por sua vez, toma o significado de revestimento e de reboco14. A raiz etimológica
lombarda (stukki) estaria ainda presente no termo alemão Stukkatur que significa o relevo em estuque. No
Il Libro dell`Arte, descreve-se a aplicação de relevos
realizados com gesso tratado em simil mármore e realizada pelo construtor do século XV e completamente
substituída pelo stucco forte a partir do século XVI15.
O termo só é verdadeira aplicado pela primeira vez,
pela mão de Francesco di Giorgio Martini:o Trattato di
architettura civile e militare. Mesmo não impresso, à
época, foi muito conhecido e testemunha o desenvolvimento que, naquele momento, a arte de estucar parece
assumir. No seu tratado, de fato, não só é presente o
termo stucco mas vem expresso pela primeira vez a
técnica, os materiais e as características das misturas.
No seguimento deste trabalho, Vannoccio Biringuccio
elabora De la Pirothecnia libri X (1534-35), onde des-
Figura 6: Estuques Maneiristas do Convento da Saudação de
Montemor o Novo.
Figura 7: Estuques Maneiristas do Colégio da Sapiência (Coimbra).
11
História do Estuque Miguel Figueiredo
razão para o esquecimento do estuque enquanto arte
de apreço:(i) a análise das fontes técnicas antigas,
confirma um detrimento das técnicas de modelação,
nomeadamente as de base a estuque, face à estatuária
marmórea, de bronze e madeira17; (ii) por outro lado,
os académicos do cinquecento italiano abrem o debate da distinção dos géneros artísticos, no âmbito dos
quais a escultura ocupa posição subalterna à pintura,
e entre as várias técnicas da escultura, a actividade do
“esculpir” vem, sem razão, privilegiada à da modelação. Esta posição continua a manifestar-se na tratadistica do seiscentos que confirma a modelação mais
como uma actividade de aproximação, para a execução
de modelo e esboços, que se irão realizar e concretizar
na escultura verdadeira e própria18.
História do Estuque Miguel Figueiredo
Figura 8: Tecto da Sala D. João V (Palácio do Freixo – Porto).
5. O Barroco e o neoclássico
O Concilio de Trento condena o grottesco como decoração pura e, portanto, ausente de qualquer significado
e mensagem. A ornamentação em estuque assume duas
direcções bem distintas: perde cromatismo e tende a
usar só o bicromismo banco e ouro. Por outro lado
vem acirrado o uso da Quadratura com o objectivo de
fazer prevalecer o aspecto escultórico tridimensional
em oposição à decoração gráfica bidimensional do primeiro renascimento19.
A tratadistica apresenta conteúdo escasso. Destacam-se os textos do vicentino Scamozzi, Dell´Idea
dell`Architettura Universale (1615) e do padovano
Gioseffo Viola Zanini Dell`architettura (1629). Em Scamozzi o estuque de cal e o de gesso são reconhecidos e descritos nas suas característica. Neste contexto
aparece pela primeira vez uma mistura, dita bastarda,
que recorre ao uso de gesso para a execução de ornamentações de estuque misturado com pó de mármore
e cal, de forma a tentar manter as características do
stucco forte juntamente à maior plasticidade do gesso
e à sua tendência para acelerar as sobreposições das
várias fases20.
Neste momento em que o estuque se apodera de todas
as superfícies, a prática artesanal de execução do estuque modifica-se para uma prática com algum carácter
semi-industrial21. Na realidade, para além dos processos de obtenção de cal e de gesso se tornarem cada
vez mais aperfeiçoados, o melhoramento da execução
de ornamentação pré fabricada, posticcie22, inunda os
espaços. Os moldes presentes neste processo de semi
– industrialização, consistiam em elementos de duplicação em madeira, designados de stampo (carimbo).
Os processos descritos remetem para sistemas que já
eram comummente praticados na renascença, tal como
testemunhado nas obras dos Corral de Villalpando, em
12
Figura 9: Pormenor do tecto da Sala D. João V (Autoria
Niccolo Nasoni).
Espanha23: sistema de carimbos, molde perdido, ou
moldes com materiais maleáveis (cera ou barro) ou
moldes em peças (tacelos). Os posticcie uniam-se à
parede com uma capa de gesso vulgar e de secagem
muito rápida.
Na transição do XVII para o XVIII, o trabalho de estuque desenvolve um papel particular no seio dos
próprios programas decorativos: um publico mais
exigente, menos provido de majestade, reclama apartamentos mais acolhedores. Luís XV segue esta moda;
prefere a intimidade e o conforto de um espaço mais
exíguo e mais caloroso: os petits appartements. Nasce
o gosto pelo arabesco, sobretudo na área francesa. O
estilo rococó mascara, arredonda e amacia as linhas
rígidas dos estuques e das madeiras na construção e
com o estuque consegue o acordo entre a agradável
vertigem e uma intimidade confiante24. Neste momento o estuque desenvolve-se principalmente no interior
dos edifícios, recobrindo com grafismo quase todo o
interior dos grandes salões de representação e das
divisões mais íntimas. Esta transformação conduz o
estuque a uma espessura menos volumosa e que exalta
o sentido gráfico, intensifica um retorno do estuque à
base de gesso que convive, lado a lado com o estuque
de cal, sobretudo nas áreas com clima prevalentemente
seco. O tratado de Francesco Griselini evidência esta
transformação e elenca toda uma série de operações
realizadas com o gesso. O gesso torna-se o material
principal para o estuque, enquanto que o stucco forte
permanece uma técnica conhecida mas praticada com
dificuldade. No Giornale d ´Italia, Spettante alla scienza naturale, e principalmente all´agricoltura, alle arti,
Figura 10: Tímpano da Capela da Santíssimo da Sé do Porto.
Figura 11: Estuques neo clássicos da capela do Prado do repouso (Porto). Autoria: Luigi Chiari.
Figura 12: Estuques neo clássicos da
igreja dos Grilos (Porto).
13
História do Estuque Miguel Figueiredo
ed al commercio (Veneza, 1773, que a par de Roma
era uma das cidades que permanecia ligada à tradição Vitruviana do estuque de cal) é referido que: (i)
o estuque é constituído de gesso calcinado fresco, (ii)
evidencia a vantagem sobre os tempos de trabalho, e
(iii) tem um aspecto símile à pedra25.
Fora de Itália, de extremo interesse, é a distinção produzida por Quatremère de Quincy que tende a precisar
a diferença entre estuque de Roma e de França, pela
presença, neste último, de gesso em substituição da
cal; refere ainda a scagliola, ou mischia, na qual se
utiliza selenite, trabalhada com cola e com o intuito de
imitar a pintura26.
O neoclássico atinge o refinamento na manipulação
do estuque. Retoma-se o estuque de baixa espessura.
A descoberta de centros arqueológicos (Herculano e
Pompeia) promove a motivação ornamental clássica
nas habitações burguesas, como linguagem decorativa
da nova residência na passagem do XVIII para o XIX.
Intensifica-se a produção de modelos em gesso consequência, sobretudo, do aumento do estudo e análise da
estatuária antiga e desenvolvimento dum coleccionismo específico27. Paralelamente,(i) o alto grau de conhecimento científico impulsiona a experimentação de misturas para tornar mais económicas as operações e (ii)
a concorrência de materiais do sistema neo industrial
estabelecem as premissas da dissolução do stucco forte.
Cria-se confusão de terminologias e técnicas que não
diferenciam mais as duas praxis: a técnica a “fresco” e a
outra “da banco“, que tende a produzir “peças” em gesso para aplicar a seco, de mais fácil execução e menor
risco. Tal hibridação encontra-se nos manuais e tratados
elaborados no século XVIII e XIX: os limites das duas
técnicas não são mais delineados e levará, para sempre,
à confusão entre stucco forte e stucco da gesso28. Simultaneamente, o facto do estuque permanecer no XVIII
como técnica dominada pela sabedoria hermética, caracterizada por operações à qual a experimentação não
traz particulares revoluções técnicas, pode actuar para
a não consideração deste património na Encyclopèdie
de Diderot et d´Alambert29 que registou, com rigor
cientifico, os vários sectores do artesanato30.
Na segunda metade do XVIII a revolta contra o barrocorococó traz aversão ao estuque; fundamentada na teoria
estética que interpreta negativamente a decoração estucada. Tal é aplicado por Kant, Winckelman e Francesco
Milizia31. O processo de depreciação do estuque é complementado, no fim do setecentos, com as revisões e que
inserem a arte do estuque entre as artes menores32.
6. A manualistica do século XIX ao XX
No fim do XVIII e início do XIX ocorrerá uma rea-
14
História do Estuque Miguel Figueiredo
bilitação desta arte, no sentido de uma maior autonomia da escultura e da arquitectura. A progressiva
afirmação do estuque como técnica para obras não só
de carácter decorativo, está em estreita relação e com
o uso de moldes em gesso, emprego que progressivamente, do renascimento para a frente, se difunde,
sobretudo como meio indispensável para o estudo e
análise de obras de estatuária antiga33. A tratadistica
do oitocentos é fortemente influenciada pelo tratado
de Jean Rondelet: convivem resíduos da prática do
seis e setecentos, referências clássicas e indícios de
progresso técnicos34. A obra de Cavalieri San Bertolo
não se afasta muito das definições dadas pelo arquitecto francês para o estuque empregado em Roma. No
fim do século XIX, em 1853, é editado o tratado de
Gustav Breymann35. Segundo este autor, e em pleno
XIX, a técnica do estuque de gesso é a única que
pode representar já um desenvolvimento industrial,
uma solução mecanizada na produção decorativa. O
stucco-forte é visto como um saber quase isolado e
praticamente limitado à área italiana. Neste tratado, da
maior importância salienta-se a particular atenção que
é dada à descrição de trabalhos de estuque propriamente ditos, e que formam a ornamentação em relevo.
É descrito o procedimento de execução dos estuques
em obra e fora dela. Enquanto que em obra a pasta é
modelada directamente sobre o artefacto, fora de obra
recorre-se a formas que reproduzem a decoração em
negativo e na qual é colocado o estuque. Descreve-se
de modo particularmente detalhado e com ilustrações
exemplificativas, dos moldes em lâmina utilizados para
definir os perfis das cornijas. Tais formas em madeira,
geralmente dura e fina são revestidas com uma lâmina
de ferro ou zinco fixa com pregos no flanco da forma,
e são guiadas sobre a argamassa na direcção normal
à superfície, para que a cornija assuma o relevo entalhado do perfil36. Estas situações também aparecem
descritas de forma semelhante nos escritos de De Cesare (La Scienza della Architettura, Napoli, Giovanni
Pellizone, 1855)
Neste fim do Oitocentos fala-se, pela primeira vez, de
“pedra reconstituída”, ”pedra artificial”, a propósito de
um material obtido da mistura de uma carga de pedra
esmagada e de cal hidráulica, moldada com moldes e
carimbos; é o francês M. Bailly que em 1875 apresenta
o material à Associação Francesa para o Desenvolvimento das Ciências. No entanto, tal como o estuque,
também a “pedra artificial” nasce com o intento de
imitação da pedra natural mas, diferentemente dos
materiais de tradição, para além de imitar não só as
características exteriores do material natural (grau,
textura, cor), também tenta imitar aquelas que são intrínsecas do comportamento37.
No manual de Musso e Copperi (Particolari di construzioni murale e finimenti di fabbrica. Torino 1888), quer
os trabalhos em estuque, quer a pedra artificial, são
tratados no grande capitulo relativo aos acabamentos.
Evidencia-se que os autores destacam as potencialidades das pastas cimentícias para a imitação de pedra,
pelos aspectos prestacionais, economicos da construção e pela possibilidade “lexical – compositiva”, todos eles intrinsecamente ligados a características dos
estuques. É por este contexto, e ainda pela similitude
da forma de trabalho deste material comparativamente
aos estuques, que há autores que também inserem este
materiais na designação generalizada de “estuques.
Neste momento, a posição incerta entre estuque de cal
(stucco forte) e estuque gesso (stucco gesso) continua
a registar-se nos vários tratados entre o século XIX e
XX. Tal confusão não são devidas ao desaparecimento
do saber dos operadores, mas ao:(i) prevalecer das
técnicas ligadas à industrialização da produção de decoração à base de gesso, (ii) às inovações matéricas
que vão surgindo e ainda, (iii) ao escasso e insuficiente
Figura 13: Pormenor de estuque oitocentesco (clarabóia na
cidade do Porto).
Figura 14: Séc XX. Estudo para o “Amor” e destinado à fachada
do Teatro S. João (Porto). (Autoria: Sousa Caldas ou oficina
Baganha).
relacionamento entre tratadista e saber dos mestres,
tendencialmente recusado a favor de um saber cientifico elaborado nos centros institucionais38. A crise decisiva acontece com o desaparecer da cultura da cal o
que ocorrerá por volta dos anos 30/40 do novecentos.
A perda da consciência da técnica do estuque de cal,
e do estuque de gesso, reflecte-se no desinteresse que
a critica artística manifestou a este sector ao inicio do
século XIX, e sobretudo nos anos 30 do século XX e
na atitude de absoluto desencanto assente num juízo
de fundo negativo. Simultaneamente, à condenação da
ornamentação decretada pela arquitectura moderna,
junta-se a desvalorização de alguns ciclos decorativos
barrocos considerados camufladores das antigas arquitectura o que leva ao desmantelamento de aparatos
decorativos seis e setecentescos39.
No primeiro decénio do Novecentos, a decoração a
estuque experimenta o processo de industrialização; a
produção de carácter artesanal de decoração arquitectónica a estuque, dá lugar a uma produção de cópia
industrial na qual, a inovação tecnológica – em termos
de processo e produto – e organização – produtiva e
não produtiva – marcam uma renovada fase dos estuques40. Num período transitório entre a tarda expressão eclética, com a sua peculiaridade marcadamente
decorativistica, e o estilo floral intenso (como interpretação generalizada da Art Noveu), a arquitectura é
caracterizada por programas consistentemente decorativos em estuque de grande impacto na imagem urbana. O critério geral da manualística é o de aprofundar
aspectos relativos aos novos materiais e, lentamente, o
interesse concentra-se nas novas metodologias que estes consentem. No fim do oitocentos e início do novecentos desenvolve-se a prática de oficina do trabalho
de estuque numa nova realidade: é a própria empresa que se propõe no mercado oferecendo ao público
uma imagem de si através da recolha de ilustrações
dos próprios produtos sob a forma de catálogos. O
encomendante encontra-se inserido num processo de
standartização e perfila-se a perda de contacto com a
Figura 15: Séc XX. “Amor” (fachada do Teatro S. João - Porto.
(Autoria: Oficina Baganha).
15
História do Estuque Miguel Figueiredo
História do Estuque Miguel Figueiredo
tradição local, com o gosto dos espaços e segue-se o
objectivo de prossecução do lucro. Reproduzem-se temas iconográficos pós ecléticos que seguem dois filões
separados: de uma parte repropõem a decoração barroca e neoclássica dos palácios reais; por outro lado
seguem o novo e moderno gosto Liberty e Deco. As
sugestões vêem dos desenhos dos mestres das Academias das Escolas de Belas Artes.
6 Alguns exemplos tratam-se de medalhões octogonais com
figuras mitológicas provenientes de uma abóbada de um ambiente termal de Portici, e que se podem observar no Museu
Nacional de Napoles. Vd. IDEM – Ibidem. p.732
7 Vd. La Obra en Yeso Policromado de Los Corral de Villalpando. Edição do Ministerio de Cultura. Direccion General de Bellas
Artes y Archivos. Instituto de Conservacion e Restauracion de
bienes Culturales. Madrid, 1994, p. 76
8 No entanto....contrária. Vd. ARCE, Ignacio – The Early Islamic
Stucco Techniques and The Parto-Sassanian Tradition.Continuity
And Change, In Scienza e Beni Culturali. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia, Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi.
Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l.
Venezia, p.108 - 111.
7. Conclusão
Colocar em jogo toda a complexidade da arte do estuque, seja do ponto de vista tratadistico seja do ponto
de vista do conhecimento dos construtores, permite
hoje reconsiderar esta técnica no seu íntimo e assegurar que se trata-se de um património frágil e anónimo.
Aqui não se desejou uma sistematização tipológica ou
taxionómica dos artefactos mas, acima de tudo, pretendeu-se ilustrar o progresso e as mudanças na história deste material, de forma a aceder e compreender a
riqueza, o refinamento de soluções construtivas adoptadas e a importância sobre o plano arquitectónico e
a escala urbana que o “fenómeno” estuque apresentou
e ainda apresenta na redefinição do espaço urbano,
enquanto expressão da adesão ao gosto do momento.
Da mesma forma e tal como Clara Palmas Devoti observava relativamente às fachadas pintadas de Génova, os
estuques « […] tem a particularidade de não serem um
facto puramentedecorativo mas são também substancia
da arquitectura, e é este “ser arquitectura” é que torna
difícil o problema do restauro»41.
9 In La Obra en Yeso Policromado de Los Corral de Villalpando.
Edição do Ministerio de Cultura. Direccion General de Bellas
Artes y Archivos. Instituto de Conservacion e Restauracion de
bienes Culturales. Madrid, 1994, p. 77.
16 SILVA, Hélia Cristina Tirano Tomás da, Giovanni Grossi e a
Evolução dos Estuques Decorativos no Portugal Setecentista.
Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005.
604 f. Dissertação para obtenção do grau de mestrado em Arte,
Património e Restauro, p. 71.
17 Vd. ZACHEO, Maria Itália; VESCOVO, Paola Del – La Tecnica a
Stucco di Pietro Canonica. Problematiche Sulle Patina Artificiali
Nell´Intervento di Restauro. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia,
Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi. Bressanone 10
– 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l. Venezia, p. 623.
18 IDEM – Ibidem. p.623.
19 Vd. AMENDOLAGINE, Francesco - Ob cit. p. 10.
4 Vd. http://penélope.uchicago.edu/thayer/E/Roman/Texts/
Vitruvius/7*.html. (20 de Abril 2008)
5 Referência à obra de Tertulliano, De Idololatria. Albarius deriva do substantivo album, “branco”. In. IDEM – Ibidem. p. 730.
16
28 In AMENDOLAGINE, Francesco - Ob. cit. p. 13.
31 MILIZIA, Francesco - Dell´arte di vedere nelle beli arti del
disegno secondo i principi di Sulzer e di Mengs, Venezia, Pasquali, 1781.
15 In AMENDOLAGINE, Francesco - Ob. cit. p. 3.
3 VITRUVIUS POLLIO - De Architectura, VII, 2, 3, 4 e 5 In http: //
penélope.uchicago.edu/thayer/E/Roman/Texts/Vitruvius/7*.html
27 Vd. ZACHEO, Maria Itália; VESCOVO, Paola Del – La Técnica
a stucco di Pietro Canónica: Problematiche sulle patine artificiali
nell´intervento di restauro. In Scienza e Beni Culturali. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia, Conoscenza. Atti del XVII Convegno di
Studi. Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche
S.r.l. Venezia, p.623.
11 Vd. PASQUINI,Laura – La Decorazione a stucco in Itália fra tardo antico e alto medioevo, Longo Editore,Ravenna, 2002, p9-10
14 Vd. MAVER, Andrea - La Figura Dello Stuccatore In Epoca
Romana Indagata Attraverso Le Fonti Documentarie Antiche. Lo
STUCCO: Cultura, Tecnologia, Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi. Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia
Ricerche S.r.l. Venezia, p. 727.
2 Substantivo derivado do verbo tegere, que significa, cobrir
ou recobrir, e do qual provém os termos tectum, tecto, e tegula, telha.
26 Vd. FANTONE, Monica – Gli Stucchi Tra 800 e 900 Nella
Produzione Del Nuovo e Nel Restauro In Piemonte: prescrizioni,
trattati e cataloghi. In Scienza e Beni Culturali. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia, Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi.
Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l.
Venezia, p.404.
29 Denis Diderot (Outubro, 5, 1713 – Julho, 31, 1784) e Jean le
Rond d’Alembert (Novembro, 16,1717 – Outubro, 29, 1783).
13 IDEM - Ibidem. p. 16-17.
1 SONZOGNI, Luca - Lo Stucco Lucido. Corponove Bergamo,
Bergamo, 2004, p.7. Este autor também define o stucco lucido
como equivalente à encaustica.
25 In AMENDOLAGINE, Francesco - Ob. cit. p. 13.
10 San Isidoro de Sevilla, “Etiomologías”, Cap XIX, trad. Bilingue
B. A. C., Madrid, 1982/3, p. 451. In La Obra en Yeso Policromado
de Los Corral de Villalpando. Edição do Ministerio de Cultura.
Direccion General de Bellas Artes y Archivos. Instituto de Conservacion e Restauracion de bienes Culturales. Madrid, 1994, p. 76.
12 Vd. AMENDOLAGINE, Francesco – Le Tecniche Ed I Materiali
Dello Stucco Forte Nelle Fonti Dal rinascimento Alla Modernità,
In Scienza e Beni Culturali. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia,
Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi. Bressanone 10 –
13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l. Venezia, p.2
NOTAS DE RODAPÉ:
24 STAROBINSKI, Jean - L ´Invention de la Liberté– 1700 – 1789
– L´espace human du XVIIIe siécle, Editions d´Art Albert Skira
S. A, 2ª ed.. Genève 1987, p 22- 23.
20 Vd. AMENDOLAGINE, ... e Vd.BARILA, Giuliana – Lo Stucco
nella trattatistica: Varianti tecniche e Modalita operative nell
´Italia Dell ´Ottocento. Atti del XVII Convegno di Studi. Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l. Venezia,
p. 428 e 429.
21 Vd. BARILA, Giuliana – Lo Stucco nella trattatistica: Varianti
tecniche e Modalita operative nell´Italia Dell´Ottocento. Atti del
XVII Convegno di Studi. Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni
Arcadia Ricerche S.r.l. Venezia, p. 428.
30 Vd. IDEM – Ibidem. p. 12. e www.hti.umich.edu (consultado
a 31 Janeiro 2008).
32 In ZACHEO, Maria Itália; VESCOVO, Paola Del – Ob. cit. p.
623. e AMENDOLAGINE, Francesco - Ob. cit. p. 13.
33 In ZACHEO, Maria Itália; VESCOVO, Paola Del – Ob. cit. p.
623.
34 Vd. BARILA, Giuliana – Lo Stucco nella trattatistica: Varianti
tecniche e Modalita operative nell ´Italia Dell ´Ottocento. Lo
STUCCO: Atti del XVII Convegno di Studi. Bressanone 10 – 13
luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l. Venezia, p. 430.
35 BREYMANN, G.A. - Trattato generali di construzioni civili –
com cenni speciali intorno alle construzioni grandiose. Quarta
Edizione Italiana. Milano, Dottor F. Vallardi Editore, 1926. Volume I, capitolo VII, pg 417.
36 In BARILA, Giuliana – Ob cit. p.431-432.
37 In MELE, Caterina – Stucchi e Cementi Decorativi Nelle Architetture Torinesi Fra Ottocento e Novecento. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia, Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi.
Bressanone 10 – 13 luglio 2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l.
Venezia, p. 82-83.
38 Vd. AMENDOLAGINE, Francesco - Ob cit. p.15.
39 In RAVA, Antonio – Restauro Delle Decorazioni Barocche a
Stucco in Piemonte: Colorazioni e Dorature Originali, Ridipinture
e Rifacimenti Sucessivi. Lo STUCCO: Cultura, Tecnologia, Conoscenza. Atti del XVII Convegno di Studi. Bressanone 10 – 13 luglio
2001. Edizioni Arcadia Ricerche S.r.l. Venezia, p. 329.
40 In Payen LENORMAN Nuovo Dizionario Universale Tecnlogico o di Arti e Mestieri della Erconomia Industriale e Comerciane,
voce “Stuccatore, stucco”, Giuseppe Antonelli, Venezia 1833.
41 Clara Palmas Devoti: Peculiarità construttive ed ambientali
delle architetture dipinti genovesi ed aspetti tecnici degli interventi restaurativi, in Facciate Dipinte. Conservazione e restauro.
Atti del Convegno di Studi. Genoa 15 – 17 Aprile 1982. Sagep
Editrice. Genoa, p. 133.
22 IDEM – Ibidem. p. 428.
23 Vd. La Obra en Yeso Policromado de Los Corral de Villalpando. Edição do Ministerio de Cultura. Direccion General de Bellas
Artes y Archivos. Instituto de Conservacion e Restauracion de
bienes Culturales. Madrid, 1994, p. 81-82.
17
Eduarda Maria Moreira Vieira da Silva
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas
Eduarda Moreira da Silva Vieira
- Licenciada em Ciências Históricas pela
Universidade Livre do Porto (1985).
- Pós-graduada em Museologia Social
pela Universidade Autónoma de Lisboa
(1991).
- Pós-graduada em Museologia pela
Universidade de Brno (República Checa)
– 1996.
- Mestre em Recuperação do Património
Arquitectónico e Paisagístico pela Universidade de Évora (2003).
- Diploma de Estudos Superiores
Avançados em Conservação e Restauro
do património Histórico-Artístico pela
Faculdade de Belas Artes de San Carlos
- Universidade Politécnica de Valência
(2006).
- Doutora em Conservação e Restauro do
Património Histórico-Artístico pela Universidade Politécnica de Valência (2009).
Experiência Profissional
- Assistente do Departamento de
Ciências da Educação e do Património da
Universidade Portucalense desde 1986 até
Setembro de 2008 com experiência docente nas áreas de Arqueologia, História,
Património e Conservação e Restauro.
- Membro fundador do Centro de
Conservação e Restauro da Universidade
Portucalense.
- Possui grande experiência na organização de conferências, workshops,
simpósios, cursos livres e congressos.
- Docente em vários cursos de Mestrado
(Metodologias de Intervenção no
Património Arquitectónico – FAUP) e
de pós-graduação (Turismo Cultural,
Conservação Preventiva, Arqueologia e
Museologia – UPT).
- Assistente – regente da Escola das
Artes – pólo Regional do Porto na área
de Conservação e Restauro de Materiais
Inorgânicos, desde 1 de Setembro de
2008.
- Secretária Científica do Departamento
de Arte, Conservação e Restauro.
- Docente do curso de doutoramento em
Arte Sacra.
- Membro do Conselho de Redacção da
Revista ECR – Estudos de Conservação
e Restauro.
- Membro do Conselho Científico da revista
do Grupo Espanhol de Conservação.
- Colaboradora da revista espanhola R&R
(Restauración &Rehabilitación).
18
Resumo:
Este artigo pretende traçar o percurso evolutivo dos
estudos da arte do estuque em Portugal, ao longo do
século XX, desde Flórido de Vasconcelos a Avelino
Ramos Meira, sem esquecer o recente avanço que a
investigação tem vindo a registar já em pleno século
XXI, resultado do trabalho sistemático de um reduzido,
mas multidisciplinar conjunto de autores.
Apontam-se igualmente os principais factores que poderão estar na base da renovação do interesse por esta
arte actualmente.
te, a ponto de este se reflectir em trabalhos ou estudos
publicados. Ao longo das últimas décadas do século
XIX e durante quase todo o século XX, são muito
escassas as referências bibliográficas e os estudos sobre o tema.
Palavras-Chave:
Estuques; Investigação; História da Arte; Reabilitação;
Conservação/Restauro
Abstract:
This paper aims to ascertain the evolution of the research done in the field of stucco history in Portugal,
during the 20th century, since the pioneering work by
Flórido de Vasconcelos, until Avelino Ramos Meira,
taking also into account the recent breakthroughs which had already took place in the 21st century, as a result of a multidisciplinary approach by a few authors.
We also strive to identify the main factors that may
explain the current renewal of interest for this field
of study.
Figura 1: Fragmento de moldura de cornija com decoração vegetalista no friso inferior; pintura geométrica no friso intermédio
e rematada por decoração com óvulos no friso superior. Museu
Monográfico de Conímbriga. (Condeixa- a-Velha).
Keywords:
Stuccos; Research; History of Art; Rehabilitation; Conservation/Restoration
1. Ponto da situação sobre os estudos da arte do estuque em Portugal.
Em Portugal, as Artes Decorativas não alcançaram ainda, no seu conjunto, estatuto de maioridade, circunstância que se deve à tradicional hipervalorização de
áreas mais nobres como a Arquitectura, a Escultura
ou a Pintura.
Só muito recentemente é que a História da Arte se foi
tornando receptiva ao alargamento do seu objecto de
estudo, facto a que não é alheio o alargamento do
próprio conceito de património tal como é definido
pela Unesco1.
À considerável herança em estuques decorativos - nas
diversas vertentes técnicas e funcionais – do património histórico – artístico português, que constitui um
elemento destacado mesmo para um país pequeno e
algo periférico como Portugal, não corresponde, no
entanto, o necessário reconhecimento do seu valor de
arte por parte dos especialistas. Com efeito, as artes
dos gessos quase nunca suscitaram interesse suficien-
Figura 2: Mihrab da antiga mesquita de Mértola. Decoração com
três arcos polilobados rematados por cornija
19
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas Eduarda Moreira da Silva Vieira
Um dos primeiros artigos sobre este assunto é da autoria do escultor gaiense Diogo de Macedo, que na
revista Ocidente, na secção Notas de Arte, publicou
uma pequena resenha sobre a Arte do Estuque2, considerando-a, já então, em 1942, uma arte extinta. O
autor tece também algumas considerações de carácter
histórico, justificando o seu texto como uma última
homenagem a uma tradição em vias de desaparecer.
Três anos mais tarde, coube a Avelino Ramos Meira
realizar aquela que podemos justamente considerar a
primeira grande referência dedicada a esta temática,
com a publicação da sua obra Afife: síntese monográfica3. Estucador de profissão e nascido no seio de uma
família que tinha por tradição a arte do estuque, Avelino Ramos Meira realiza no capítulo IX da sua obra uma
análise relativamente pormenorizada sobre a evolução
daquela arte em Portugal. Numa tentativa de justificar
o surgimento desta tradição na zona de Afife (Viana
do Castelo), destaca dois momentos fundamentais: os
meados do século XVIII, período dominado por artistas italianos, mas onde pontuam já alguns estucadores
portugueses naturais de Afife, e o século XIX, quando
se destacarão artistas de Afife e alguns artistas ingleses, estes últimos muito ligados à tradição neoclássica
e à comunidade inglesa da cidade do Porto.
A obra termina com um recenseamento detalhado das
casas antigas de Afife, grande parte delas propriedade
de artistas que se destacaram na arte do estuque em
território nacional ao longo do século XIX e do primei-
ro quartel do século XX. Para além destes elementos,
o autor fornece igualmente alguns pormenores sobre
técnicas artísticas, indicando sempre que possível os
locais onde determinados estucadores trabalharam,
conferindo particular atenção às intrincadas e complexas relações familiares que, com o tempo, se foram
estabelecendo entre várias famílias de artistas afifenses. Tendo em conta a escassez de fontes documentais
para o estudo desta arte e a projecção que os artistas
de Afife tiveram, tanto no país como no estrangeiro,
a monografia de Ramos Meira constitui ainda hoje
uma referência essencial para a compreensão desta
actividade nos séculos XIX e XX, assim como para
a contextualização do núcleo patrimonial de imóveis
antigos de Afife, sem esquecer a atribuição de autorias
de alguns programas decorativos existentes em vários
edifícios espalhados pelo país. Muito embora o estudo
formal dos programas decorativos do século XIX, e a
respectiva identificação de autorias esteja ainda por
fazer4, o autor lança igualmente algumas pistas sobre a projecção que certos artistas portugueses terão
alcançado fora do país, e sobre a perícia de alguns
no domínio de determinadas técnicas decorativas de
revestimentos parietais.
Apesar do reduzido interesse que quer a História da
Arte quer a Arquitectura manifestaram pelo tema, cabe
salientar a figura de Flórido de Vasconcelos, que dirigiu, a partir dos inícios da década de 60 do século
XX, a sua atenção para os estuques portugueses. Com
Figura 3: Pormenor do tecto da capela decorado em estilo Adam. Estuques e pintura a óleo na mandorla. Igreja dos Grilos. Porto.
20
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas Eduarda Moreira da Silva Vieira
versão a objecto patrimonial, o que, por si só, despoletou uma série de outras consequências de efeitos
muito negativos, como sejam o desaparecimento por
ruína dos imóveis ou a simples eliminação de programas decorativos em edifícios cujo uso se manteve até
aos nossos dias, que nalguns casos afectou conjuntos
de grande valor histórico - artístico (como sucedeu,
por exemplo, com os estuques da autoria de Nicolau
Nasoni no palácio do Freixo, no Porto).
2. A Reabilitação e a Conservação e Restauro
Figura 4: Estuque Arte Nova. Hall da Casa do Pombal . Afife.
Figura 5: Tecto em estuque pintado a imitar madeira e couro. Casa do
Pombal. Afife.
efeito, Flórido de Vasconcelos foi o único historiador
de arte a demonstrar um interesse profundo, tanto pela
investigação como pela conservação da arte do estuque. Em 1961 publicou o seu primeiro artigo5, no qual
ensaia uma resenha histórica da presença desta arte
em Portugal, dissecando as fontes históricas disponíveis, ao mesmo tempo que tenta contextualizar alguns
dos mais antigos exemplares existentes entre nós,
numa tentativa de estabelecer um fio condutor entre a
tradição renascentista - maneirista e a barroca.
Nas décadas subsequentes, seguir-se-iam vários trabalhos que na actualidade constituem o núcleo de referências bibliográficas mais importantes6 alusivas a este
tema no quadro da historiografia da arte portuguesa.
Flórido de Vasconcelos acabou por ser uma voz isolada
no reconhecimento do valor artístico da arte do estuque, tradicionalmente desprezada e mal interpretada
em Portugal7. Da leitura da sua obra, podemos concluir
que Vasconcelos concentrou a sua atenção na visão
artística, tentando sempre que possível partir para a
leitura formal dos programas decorativos e a respectiva contextualização cronológica e estilística8.
O preconceito que se gerou em torno do estuque de
ornato ou relevado, acarretou um atraso na sua con-
O aparente desinteresse da História da Arte pela Arte
do Estuque poderá, em nossa opinião, ter sido motivado pela escassez de fontes documentais, condicionalismo que dificulta a devida identificação e contextualização das produções artísticas. Não esqueçamos
que a investigação em História da Arte privilegia o
documento escrito como base para o enquadramento
cronológico - estilístico da obra de arte, estribando-se
nele como referência para o uso do método formalista. No campo das Artes Decorativas somos por vezes,
frequentemente forçados a lidar com poucas fontes
escritas, o que determina o recurso a outras metodologias de interpretação e leitura. Esta situação assume
contornos mais nítidos no caso dos estuques de ornato ou de revestimento, dada a aparente ausência de
contratos, salvo uma ou outra excepção, relacionadas
com grandes mestres (estucadores, arquitectos ou pintores), normalmente coincidindo com o património da
Igreja9. Por outro lado, a obra de estuque decorativo
(de ornato ou de revestimento) na arquitectura civil,
da alta nobreza ou da burguesia, corresponde a iniciativas particulares, que em geral não ficavam registadas
e ainda mais raramente assinadas. Tudo isto dificulta
exponencialmente a identificação rigorosa de artistas,
escolas e influências.
Contudo, e apesar de neste campo «estar quase tudo
por fazer» como fez questão de assinalar Flórido de
Vasconcelos10, os últimos anos registaram uma evolução positiva que conduziu a um novo olhar, propiciando um interesse renovado pelos estudos neste campo.
O contínuo desenvolvimento dos sectores da Reabilitação e da Conservação e Restauro verificado a partir
de meados dos anos 90 do século XX, teve entre as
principais consequências uma renovação do interesse
pelo património construído e pela sua preservação. A
conservação urbana e as grandes obras de reabilitação
do património11 atraíram a atenção do cidadão comum,
que passou a encarar o património não apenas sob
uma perspectiva museológica, mas como algo ligado
ao passado colectivo e aos valores de identidade.
21
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas Eduarda Moreira da Silva Vieira
O desenvolvimento da reabilitação e da conservação
monumental determinou o surgimento de um novo
conceito: o restauro do património móvel integrado,
e com ele, uma maior valorização das artes decorativas e o recurso a novos procedimentos metodológicos.
Por outro lado, a reabilitação e o restauro implicam
a compreensão detalhada das técnicas de produção e
dos sistemas construtivos, da tecnologia de materiais,
e de todo um sem número de factores. Importa ainda realçar que em conservação e numa pura acepção
brandiana, lidamos sobretudo com a materialidade da
obra de arte.
Deste modo, a renovação no campo do estudo da arte
do estuque deu-se a partir de disciplinas como a arquitectura, a engenharia civil ou a conservação. Este
novo olhar está vertido num conjunto de trabalhos recentes da autoria de vários investigadores, que no seu
conjunto tentaram contribuir com novas abordagens
e metodologias visando os objectivos da conservação
patrimonial. Num total de cinco, estes trabalhos assumem uma particular relevância na investigação sobre
este tema, constituindo todos teses de mestrado que
não obstante proporem leituras individuais sobre o
património em estuque, não deixam de considerar as
questões da conservação como fio condutor. Seguindo
uma ordem cronológica, destacamos como pioneiro o
trabalho de Paulo Malta da Silveira12 que nos fornece
uma visão técnica, na sua qualidade de engenheiro civil, do estuque de ornato articulado com a estrutura
arquitectónica que lhe serve de suporte, tentando de-
finir fenómenos de degradação a partir da caracterização dos materiais constituintes.
Por seu lado, e num plano mais relacionado com as
tecnologias de produção artística, respectiva identificação e caracterização, cite-se a dissertação da
autora deste artigo13. No âmbito da história da arte,
e relacionada com a problemática da inventariação,
devemos salientar o estudo de Liliana Pereira14, com
o qual a autora pretendeu também lançar a ideia de
uma possível rentabilização do estuque decorativo
como itinerário de turismo cultural. Por último, e num
plano conceptual bastante inovador, registe-se a proposta de Hélder Cotrim15, um ensaio para a criação
de uma metodologia de projecto na recuperação de
conjuntos de estuques antigos, com particular ênfase
nos tectos ornamentados. Esta proposta metodológica
é, em nossa opinião, bastante válida para o restauro de
conjuntos ornamentados oitocentistas16. Numa sólida
perspectiva de contextualização artística efectuada a
partir da compreensão da linguagem plástica e formal
dos estuques de ornato setecentistas, ligados ao apogeu barroco, surge-nos o estudo de Hélia Silva17, que
constitui até à data a única obra dedicada ao estuque
de ornato ao tempo do Marquês de Pombal, considerado a época de arranque desta arte.
Por outro lado, há ainda a realçar o trabalho de Maria
de São José Pinto Leite18, dedicado ao espólio da Oficina Baganha. Este estudo teve por objectivo a inventariação dos desenhos e moldes que integram a referida
colecção, numa tentativa de estabelecer uma ligação
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas Eduarda Moreira da Silva Vieira
entre aqueles e as obras efectivamente executadas,
ainda visíveis em muitos edifícios da cidade do Porto.
Por último, importa salientar o contributo de Miguel
Figueiredo19 que para além duma experiência profissional ligada à reabilitação de edifícios históricos, se
tem vindo a dedicar, à divulgação desta arte e à promoção iniciativas relacionadas com a colecção Baganha. Considerando-a um recurso a todos os níveis (histórico, estético, artístico, pedagógico), tem tentando
alcançar com a sua reflexão, um modelo de gestão que
possibilite a fruição dinâmica da mesma por parte dos
diversos públicos-alvo, na sua relação com a história
das elites urbanas e da própria cidade do Porto20.
Perante este panorama, conclui-se que muito embora
se registe uma assinalável sensibilidade para o estudo das artes dos gessos por parte de diversos grupos
profissionais ligados à reabilitação e à conservação, no
campo da produção historiográfica não se avançou do
mesmo modo, sendo notória a carência de estudos na
área da história da arte21.
Contudo, a renovação do interesse pelo património
em estuque, e não obstante os avanços registados nos
domínios da preservação e restauro do mesmo, não
foi acompanhada pela implementação de estratégias
de salvaguarda, gestão e inventariação sistemáticas
que se traduzam em políticas concretas por parte dos
órgãos da tutela, situação que se tem vindo a agravar
com a crise institucional e financeira que se vive de há
alguns anos a esta parte no sector da Cultura22.
Em pleno século XXI, num momento em que se assiste
à consolidação da carga ideológica do Património, os
profissionais das diferentes áreas que integram a ciência da conservação, já distanciados das concepções
estritamente memoriais caras ao século XIX, mas conscientes dos valores de uso e de memória, e também do
relevo económico-social daquele, defendem com crescente veemência a criação de perfis profissionais mais
versáteis, que permitam enfrentar os novos desafios
da conservação. A cultura da conservação exige o concurso de sólidas formações especializadas na área de
Património, para que as respostas às necessidades de
uma prática dominada pelos valores do funcionalismo
e da utilidade possam ser as mais ajustadas.
No dizer de Maria Morente del Monte, “(...) Ya no
protegemos, conservamos, restauramos, investigamos
y difundimos nuestros patrimonios de la misma forma
que hace un siglo, pero tampoco con el mismo sentido
ni objetivo. Los tradicionales historiadores del arte,
arqueólogos, arquitectos o restauradores se han visto
en la necesidad de reciclarse. Incluso hemos llegado a
formalizar nuevos oficios o profesiones (…)”23.
Figura 6: Fachada principal do Cine Teatro de Fafe (1923) antes das obras de reabilitação (2008). Técnica de simulação de esgrafitos por pintura.
22
23
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas Eduarda Moreira da Silva Vieira
NOTAS DE RODAPÉ:
1 A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, reunida em Paris de 17 de Outubro a 21 de Novembro de 1972,
declarou os patrimónios natural e cultural como elementos integrantes da herança cultural da Humanidade. A evolução para
o alargamento do conceito de património verificou-se durante a
Convenção de Paris de 17 de Outubro de 2003 - Convention pour
la Sauvegarde du Patrimoine Culturel Imatériel, recentemente
ratificada pelos estados membros em Junho de 2006.
2 MACEDO, Diogo de - A arte do estuque, Revista Ocidente, vol.
XVII, nº 49 (Maio), 1942, pp. 271-273.
3 MEIRA, Avelino Ramos - Afife: síntese monográfica, Porto,
edição do autor, 1945.
4 Perante a escassez ou quase ausência de fontes escritas para
a realização de estudos que permitam identificar tipologias de
programas decorativos, oficinas e artistas, este trabalho deverá, em nossa opinião, incluir a inventariação e o levantamento
individual de cada caso, com vista à percepção da linguagem
formal subjacente. A identificação correcta do património em
estuque que decora a habitação civil de carácter público ou
privado é mais difícil de se fazer para o século XIX, altura
em que o estuque se industrializou e os programas decorativos passaram a ser responsabilidade, em parte ou no todo,
de oficinas e ateliers. Contudo, convém não esquecer que o
génio criador de alguns dos seus responsáveis acaba por se
sobrepor. Se no século XVIII a autoria de um motivo ou de um
programa parecem estar ligados a um mestre estucador ou a um
arquitecto em particular que dirigiu uma certa obra, no século
XIX a identificação de artistas e de oficinas assume a mesma
importância, pois só assim se poderá contextualizar a história
da produção artística em estuques de ornato em Portugal. Para
esta tarefa, será necessário o contributo dos historiadores de
arte, especialistas que mais ferramentas de trabalho possuem
para levar avante esta tarefa.
5 VASCONCELOS, Flórido de – Três estuques anteriores ao Barroco, in Museu, 2ª série, Dez., 1961, pp.5-12.
6 Destacamos, entre a vasta produção do autor, os seguintes
trabalhos:
- Considerações sobre o Estuque Decorativo, in Boletim do
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, nº 2, vol.V, 1966, pp.
34-43.
- Introdução a um inventário de estuques do Porto, in Studium
Generale - Estudo e Defesa do Património Artístico, 1984, (1),
pp.39-47.
- Notas sobre os Estuques do Porto, in Arppa - Revista, nº 1, 1º
semestre, 1987, pp. 8-12.
- Estuques portuenses na época barroca, in Arppa, Revista, nº
2, 2º semestre, 1987, pp. 11-13.
- Os Estuques do Porto, in Porto Património, Ano I, nº 1, Porto,
ed. da Câmara Municipal do Porto, 1997.
7 Recordemos a posição de Robert Smith, figura de proa na
historiografia da arte portuguesa e grande especialista da Talha,
que não obstante, não escondia certo desprezo pela arte do
Estuque, considerando-o uma expressão plástica carregada de
superficialidade e exuberância. Opiniões como esta apenas contribuíram para gerar preconceito em torno desta arte decorativa,
cimentando o desinteresse por parte dos historiadores de arte
e até dos arquitectos.
8 Há conhecimento que se terá preocupado com a necessidade
de realização de um inventário, tendo solicitado a concessão
de uma bolsa à Fundação Calouste Gulbenkian para o efeito. A
24
investigação produzida nessa direcção encontra-se nas mãos da
família e por publicar. Flórido de Vasconcelos faleceu no início
do Outono de 2005.
9 O caso dos estuques é mais grave que o do azulejo, mesmo
tratando-se de património sacro já que para a obra de azulejo
era obrigatória a realização de contratos, tal como para a talha
ou para a pintura ou o trabalho de imaginária. É interessante
notar que o trabalho do estuque, quando registado em contratos, ocorre associado por um lado à construção, ou a outras
artes decorativas (azulejo, talha), com as quais convive lado a
lado nos programas decorativas, com especial incidência para
a época barroca.
10 VASCONCELOS, Flórido de, ob.cit., p. 8.
11 O restauro dos grandes monumentos só foi possível com a
generosa injecção de fundos comunitários a partir da década de
80, logo após a adesão de Portugal à Comunidade Económica
Europeia, em 1986. O país obteve financiamentos a partir do I
Quadro Comunitário de Apoio, que permitiram a implementação de uma política sistemática de recuperação do património,
patente na criação do Instituto Português de Património Arqueológico e Arquitectónico (IPPAR) em 1992. Entre 1995 e 2000,
o governo socialista lançou as bases do que ficou conhecido
por «Nova Política», tendo sido investidas grandes somas do
P.I.D.D.A.C. na recuperação de vários monumentos emblemáticos: Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém, Palácios de
Queluz e da Pena, Mosteiro de S. Vicente de Fora, Fortaleza
de Sagres, Palácio de Monserrate, Panteão Nacional. Paralelamente, registaram-se grandes intervenções de recuperação nos
conjuntos monásticos de S. João de Tarouca, Pombeiro, Tibães,
Alcobaça, Grijó, Vilar de Frades e Mafra, bem como nas Sés
Catedrais (Évora), na Igreja de Santa-Clara–a-Velha (Coimbra),
nas ruínas arqueológicas de Bracara Augusta (Braga) e na valorização do património luso - marroquino.
12 SILVEIRA, Paulo Malta da - Estuques Antigos: caracterização construtiva e análise patológica, dissertação de Mestrado
em Construção, Lisboa, Instituto Superior Técnico, 2002 (texto
policopiado).
13 VIEIRA, Eduarda M. M. Moreira da Silva - Técnicas tradicionais de fingidos e estuques no norte de Portugal. Contributo
para o seu estudo e conservação, dissertação de Mestrado em
Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico, Universidade de Évora, 2002 (texto policopiado).
14 PEREIRA, Liliana Maria Ferreira Figueiredo - Estuques no espaço doméstico: contributos para um itinerário na arquitectura
rústica e nobre do norte de Portugal com particular incidência
no Douro Superior, estudo de uma peça o Solar dos Pimentéis
em Torre de Moncorvo, dissertação de Mestrado em História da
Arte, Lisboa, Universidade Lusíada, 2003 (texto policopiado).
Os Estuques no Contexto das Artes Decorativas Portuguesas Eduarda Moreira da Silva Vieira
em Arte, Património e Restauro, Lisboa, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2005, (texto policopiado).
18 LEITE, Maria de S. José Pinto – A Oficina Baganha e os
Estuques no Porto no século XX, dissertação de Mestrado em
Arte Decorativas da Universidade católica Portuguesa - Escola
das Artes, Porto, 2007 (texto policopiado).
19 Membro do projecto Museu do Estuque (Grupo de Gestão)
pós-graduado em Gestão do Património pela Escola das Artes da
Universidade Católica Portuguesa – pólo do Porto, investigador
que se encontra ainda em fase de elaboração da respectiva dissertação de mestrado que incidirá sobre um modelo de gestão
da colecção Baganha na sua articulação com o projecto Museu
do Estuque.
20 Cf. FIGUEIREDO, Luís Miguel Paiva Pena – A gestão de uma
colecção de estuque artístico:a colecção Baganha como ponto
de partida à fruição cultural do estuque artístico, in Actas do
1º Seminário Internacional A Presença do Estuque em Portugal:
do Neolítico à época Contemporânea. Estudo para uma base de
dados., Cascais, 2,3 e 4 de Maio de 2007, ed. Câmara Municipal
de Cascais/Universidade Lusíada, Centro de Investigação em
Património da Universidade Lusíada/ Museu do Estuque, 2009,
pp. 282-309
21 Ressalva-se a este propósito o contributo de Isabel Mendonça, historiadora de arte que se tem vindo a interessar, mais
recentemente, pela investigação neste domínio, sendo autora
de diversas palestras, artigos e livros. Cf. MENDONÇA, Isabel
Mayer Godinho – Os Estuques do Palácio de Belém, in Azulejos
Estuques e Tectos do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência, 2005, pp. 46-69;
“Estuques decorativos em Igrejas de Lisboa. A viagem das formas, in Actas do 1º Seminário Internacional A Presença do Estuque em Portugal: do Neolítico à época Contemporânea. Estudo
para uma base de dados., Cascais, 2,3 e 4 de Maio de 2007,
ed. Câmara Municipal de Cascais/Universidade Lusíada, Centro
de Investigação em Património da Universidade Lusíada/ Museu
do Estuque, 2009, pp.162-195; Estuques Decorativos, Lisboa, Ed.
Principia, 2009.
22 Uma das medidas mais urgentes a implementar para assegurar uma razoável gestão deste tipo de património, consiste
na aposta de realização de um inventário sistemático a nível
nacional, por forma a evitar perdas contínuas quer por ruína dos
edifícios, quer por desconhecimento ou falta de sensibilidade
para a conservação.
23 MORENTE DEL MONTE, Maria - Pensando el patrimonio. El
concepto de Patrimonio Cultural en nuestros dias, in Boletín del
IAPH, Sevilla, IAPH, Ano XIV, nº 58, Maio 2006, p. 40.
15 COTRIM, Hélder António Coelho - Reabilitação de estuques
antigos, dissertação de Mestrado em Construção, Lisboa, Instituto Superior Técnico, 2004 (texto policopiado).
16 Sem retirar mérito à metodologia de Hélder Cotrim, entendemos que a mesma se adequa melhor, numa perspectiva de
projecto de restauro, à reabilitação de estuques do século XIX,
uma vez que a industrialização veio introduzir a padronização
e a repetição uniforme, por oposição aos séculos anteriores,
em que predominou um individualismo criativo muito difícil de
contornar num projecto de restauro moderno.
17 SILVA, Hélia - Giovanni Grossi e a evolução dos estuques
decorativos no Portugal setecentista, dissertação de Mestrado
25
Lino Tavares Dias (28 março 1951)
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta
Lino Tavares Dias
Licenciado em História pela Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, 1978;
Doutor em Arqueologia, Universidade do
Porto, distinção louvor unanimidade, 1995
é:
Arqueólogo do Ministério da Cultura, coordenador de Investigação e Gestão da Área
Arqueológica de Freixo/Tongobriga;
Professor Coordenador e Presidente do
Conselho Científico do Instituto Superior
Politécnico Gaya.
Professor convidado na Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto
(mestrado em Metodologias de Intervenção em Património);
Professor convidado na Universidade
Católica Porto (mestrado em Gestão
Património Cultural);.
foi:
Coordenador da Medida Cultura do Plano
Operacional da Região do Norte do III
QCA entre 2000 e Março de 2006;
Director Regional do Norte do Instituto
Português do Património Arquitectónico de
Dezembro de 1998 a Março de 2006;
Director da Escola Profissional de Arqueologia 1992 a 1998;
Director do Serviço Regional de
Arqueologia da Zona Norte do IPPC entre
1987 e 1992;
Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1985/1986 e 1993/1994;
Bolseiro JNICT em 1986/87.
26
O ESTUQUE NA ARQUITECTURA ROMANA
- o caso de Tongobriga
Os responsáveis pelo Museu do Estuque e a Directora
do Museu Nacional de Soares dos Reis, desafiaram-me
a seleccionar alguns fragmentos de estuque recolhidos
nas escavações arqueológicas de Tongobriga (DIAS,
1997) para integrarem a exposição sobre estuques que
foi iniciada no dia 22 de Novembro de 2008.
Seleccionei alguns “pedaços” de estuque que representam as várias técnicas de “fabrico” e os vários tipos de
trabalho artesanal que os estucadores romanos usaram
nos revestimentos e nas decorações, assumindo estes
dois conceitos na perspectiva em que Vitrúvio os descrevia (FRIZOT, 3, 1977).
Foi nas ruínas das Termas públicas de Tongobriga que
recolhemos um grande número de “pedaços” de estuque, permitindo identificar diversas técnicas e gostos
aplicados sobre pastas com composição muito homogénea e em que se evidencia a grande percentagem de
areias graníticas, apesar de ainda não estar terminado
o estudo de granulometria.
Para construir na época flaviana as termas em Tongobriga, arquitecto e engenheiro romanos prepararam
um projecto que seguia as orientações então dominantes (VITRÚVIO, 5, 11).
A partir dos vestígios observados em escavação podemos reconhecer o tipo de planta apelidado “pompeiano”
(STACCIOLI, 1984, 273; ADAM, 1984, 286; NIELSEN, 1985,
81 - 112), um projecto de cronologia republicana, e que
Jorge de ALARCÃO e Robert ÉTIENNE (1986, 126) denominam como “pré-augustano” (ÉTIENNE, 1966, 417).
É um modelo semelhante ao adoptado, por exemplo,
nas Termas ditas Estábias, Termas do Forum e Termas
Centrais (BARGELLINI, 1991, 117) em Pompeia e nas Termas Augustanas de Conimbriga, com base numa planta
desenvolvida segundo um eixo, linear, que podemos
também ver em sítios distintos como, por exemplo,
Silchester - fase I, Augst - fase I, nas de Glanum
(PERKINS, 1989, 128 ; GROS, 1991, 106 - 7), Glanum
- fase II (DELAINE, 1992, 260 - 1), em Volubilis (ZEHNACKER, 1965, 87), nas Termas de Neptuno em Óstia
(MAR, 1990, 31), e nas de Cambodunum (WEBER, 1991,
113), em que a simplicidade do edifício permite uma
grande funcionalidade, apesar de não poder acolher,
em simultâneo, um grande número de banhistas.
A única originalidade que encontramos na planta das
Termas de Tongobriga é a inexistência de laconicum.
As termas de Tongobriga foram projectadas prevendo uma área coberta de 317m2 e uma descoberta de
594m2. O edifício foi construido no séc. I, num período pós-Vespasiano, sob o governo dos imperadores
flavianos.
Localizada no limite oeste da bacia do rio Douro, constituiu-se à época como a última cidade entre a Serra do
Marão e o Atlântico, afirmando a periferia no território
do Império durante o século II, ao mesmo tempo que
outras periferias também se afirmavam.
A escolha do local para edificar as termas em Tongobriga foi condicionada pelas características geológicas
dos terrenos e também pelas exigências técnicas de
adução e evacuação de água.
O projecto das termas com a área utilizável de 911m2,
dos quais 317m2 cobertos, exigia que os afloramentos
graníticos fossem cortados, afeiçoados, aprumados. O
projecto foi feito de modo a construir com solidez,
subalternizando qualquer pré-existência.
Havia necessidade de construir hipocausto, a rede para
abastecer de água as banheiras, a cisterna e a caldeira.
A rede de esgotos exigia também muito trabalho de
afeiçoamento dos afloramentos.
Os terrenos graníticos garantiam solidez para os alicerces e também para a contrafortagem dos muros a
Norte e Oeste do edifício. Este adossamento permitiu,
em contrapartida, alguma leveza nas fachadas viradas
a Sul, Este e Oeste.
O edifício foi orientado segundo o eixo Poente/Nascente, permitindo que a fachada principal tivesse boa
exposição solar, especialmente durante a tarde. Interiormente, correspondia à sucessão de salas, apodyterium, frigidarium, tepidarium, caldarium, com a sala
mais aquecida construída do lado nascente, parecendo-nos essa a forma de melhor adaptar os princípios
vitruvianos àquele local.
Exteriormente as salas eram bem identificadas em todo
o volume da construção pois eram as únicas cobertas
com telhado.
Para as áreas onde trabalhava a criadagem, indispensável ao funcionamento das fornalhas, reservaram amplos espaços cobertos por abóbadas na zona Norte do
edifício, e que servia também para armazenamento da
muita lenha que aquelas fornalhas consumiam.
A palaestra situar-se-ia a Sul, contígua àquela fachada.
Era por aí a entrada no edifício. Esta palaestra era porticada do lado Sul e o espaço coberto tinha pavimento
em opus signinum.
Embora a fachada Sul fosse a maior, a entrada principal nas termas estava a Poente, o que sublinha as
orientações para as termas públicas (VITRÚVIO, 5, 10,
1 - 5).
O arquitecto, ao projectar as Termas de Tongobriga,
seguiu um esquema vulgar noutras termas de então
(REBUFFAT, 1991, 3 - 7) com um circuito funcional em
que o tepidarium tem a posição central, o caldarium a
Nascente e o frigidarium a Poente.
27
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta Lino Tavares Dias
Parece confirmar-se, neste caso, a adopção do percurso de utilização na sequência frigidarium - tepidarium
- caldarium, com provável regresso ao frigidarium. Era
este o “percurso romano” recomendado por Plínio o
Jovem, apesar da reconhecida influência grega (SUCEVEANU, 1982, 64), que recomendava o banho quente
em primeiro lugar.
Independentemente do percurso adoptado por quem
as usava, numa atitude meramente pessoal, no projecto das termas flavianas de Tongobriga é vincada a
necessidade de responder às exigências do clima difícil
da região, especialmente aos Invernos rigorosos, às
baixas temperaturas em grande período do ano e ao
alto índice pluviométrico.
Para controlar as águas da chuva, foram construídas
drenagens, a maior parte delas cuidadosamente abertas pelos pedreiros nos afloramentos graníticos. Desta
forma, evitavam o perigo de alagamento das zonas
mais baixas e, simultaneamente, canalizavam-na para
os locais onde ela lhes era útil.
As termas tinham que dispor de fontes de calor capazes de satisfazer as necessidades das diferentes
salas (GRIMAL, 1954, 93), o que levou os arquitectos
a imaginar dispositivos muito engenhosos. Atendendo
às baixas temperaturas ambientais que se faziam sentir em Tongobriga, os projectistas reservaram a maior
parte do edifício para as salas do tepidarium e do caldarium, ambas com praefurnium (VITRÚVIO, 5 , 10) e
hipocausto.
Um engenhoso sistema de aquecimento das paredes do
caldarium servia também como chaminé, o demonstra
bem o cuidado posto na construção deste edifício, de
modo a que ele servisse as exigências da região e os
hábitos dos utentes.
A solução encontrada foi em tudo semelhante à aplicada em muitos outros sítios, de que salientamos Óstia
e que afinal mais não era que um conjunto de técnicas
que permitiam aquecer algumas salas do edifício a partir de fornalhas, lançando o calor no sob o pavimento
suportado pelas suspensurae e, ao mesmo tempo, resolvia o problema da distribuição do calor seco e da
evacuação dos fumos e dos gases tóxicos.
A grande quantidade de lenha necessária para alimentar os praefurnia e o apreciável número de criados
indispensáveis às duras tarefas de manutenção do
edifício obrigaram os projectistas a reservar amplos
espaços. O abastecimento da lenha devia ser feita por
um portão ou janelão situado ao nível do pavimento
exterior, provavelmente uma rua. O desgaste que as
pedras apresentam na parte interior do muro do corredor, do lado nascente e junto da cisterna, indiciam
que foram muito desgastadas, o que poderia acontecer
28
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta Lino Tavares Dias
pela abrasão da lenha ao ser descarregada do portão
ou janelão que estava num ponto mais alto. Nestas
Termas, os dois praefurnia foram projectados para o
lado Norte, integrados num espaço amplo, coberto,
com cerca de 64m2. Para esta localização não foi certamente estranho o regime de ventos dominantes que
naquele sítio empurravam os fumos para longe dos
espaços públicos e dos residenciais.
Para a cobertura do edifício foram usadas duas soluções: estrutura em madeira e telha para as salas apodyterium, frigidarium, tepidarium, caldarium e abóbada em betão para as zonas de serviço.
O projecto destas termas estrutura claramente duas
zonas funcionais bem diferenciadas, a dos utentes e a
do pessoal de serviço.
Consideramos como zona de serviço o corredor e o espaço amplo onde estavam as duas fornalhas (praefurnia). Enquanto o corredor era coberto com uma única
abóbada com o diâmetro de 3,40m, o outro espaço tinha
duas abóbadas paralelas com diâmetros de 3,65m, apenas com apoio num pilar central, cobrindo assim dois
vãos de 4 metros, provavelmente com recurso a travejamento de madeira. Os dois praefurnia eram diferentes. O
que abastecia o caldarium era uma grande fornalha, de
boa construção em pedra, alimentada de lenha, eventualmente através de portas metálicas que a fechavam, deixando o fundo aberto para o hipocausto. O praefurnium
do tepidarium seria idêntico embora mais pequeno.
A existência de alguns buracos regularmente abertos
nas paredes de opus vittatum desta zona de serviço,
podiam indiciar a existência de apoios para uma estrutura em madeira mas bastava uma pequena estrutura
em madeira ou uma escada para permitir o acesso ao
corredor da rectaguarda do edifício que dava acesso
a uma comporta que permitia o controle do nível de
água na cisterna. Esta tinha capacidade para 20 000
litros. A cisterna foi construída com muros de opus
vittatum revestidos interiormente com opus signinum e
“meias canas” em todas as arestas, e estava adossada
ao afloramento granítico abastecedor de água através
de lençóis subterrâneos ali existentes. Foi construída
sobre afloramento granítico talhado para o efeito,
servindo-lhe de alicerce. O fundo desta cisterna estava
1,70m acima dos fundos das banheiras do caldarium e
3,10m acima do fundo do tanque do frigidarium. A água
deslocava-se, só pelo efeito da gravidade, através de
sistemas de canalizações que incluíam, no percurso,
caixas de recolha e de decantação que permitiam enviar a água em direcção diferente àquela que recebera.
Apesar da solidez de todo este sistema de canalizações, exigia certamente uma vigilância permanente por
parte do pessoal em serviço no edifício.
A criadagem entrava nas termas por uma porta aberta
no topo poente da fachada Sul, descia 5 degraus em
pedra, percorria um largo e comprido corredor (15,25m
x 3,30m), pavimentado com pequenas pedras, que ligava à zona das fornalhas. Este espaço “subterrâneo”
tem algo de semelhante com o das Termas de Mitra,
fase I, Óstia, construidas no início do séc.II d.C. (MAR,
1990, 33-41).
Por esta descrição do edifício podemos constatar a boa
qualidade do projecto e a boa qualidade construtiva,
o que certamente impressionava quem as frequentava.
Salientamos mais uma vez o facto de Tongobriga estar na periferia geográfica do Império e o apogeu da
construção de edifícios públicos ser do início do século II, em período muito avançado da “romanização”.
Se podemos pensar que a situação periférica poderia
diminuir o cuidado na qualidade e rigor construtivo
característico dos romanos, a data tardia da construção
da cidade permite aproveitar toda a experiência técnica e sociológica que a expansão lhes tinha permitido
acumular.
Os utentes das termas de Tongobriga entravam pela
porta na fachada do lado poente e, depois de se desembaraçarem do vestuário no apodyterium, passavam
directamente ao frigidarium. Era uma sala com cerca
de 53m2 (11,80 x 4,50m), com um pé direito mínimo de
4,5m, toda revestida a estuque liso. Era iluminada de
Poente por uma janela de 1,70 x 0,80m que salientaria
o beije claro do estuque que revestia todas as paredes. A entrada fazia-se perpendicularmente ao seu eixo
maior. No topo Norte da sala um tanque-banheira de
3,50 por 3,50 metros e a capacidade de 1.800 litros. A
entrada na banheira fazia-se por cinco estreitos degraus, dos quais quatro estavam submersos. Era uma
sala permanentemente humedecida já que os utentes
andariam com os pés molhados pelo que o pavimento
em opus signinum era perfeitamente liso e revestido
de roda-pé saliente, vulgarmente denominado “meiacana”. Identificamos nesta sala o uso de técnica de
revestimento do interior da banheira que seguiram os
princípios técnicos recomendados de sobreposição de
cinco diferentes camadas de argamassas.
A passagem desta sala do frigidarium para o tepidarium era feita por uma abertura existente na parede
com a espessura de 3 pés (0,88/0,90m) que separava
as salas.
O tepidarium era uma ampla sala de 32m2 (6,50 x
4,90m), proporções vitruvianas, com um pé direito
que desconhecemos, embora certamente similar ao do
frigidarium. As paredes eram revestida com estuques
beijes. Toda a sala foi instalada sobre suspensura, cujo
aquecimento era garantido por um praefurnium.
O pavimento do tepidarium, por nós recuperado na
totalidade, não apresenta indícios de ali ter existido
qualquer estrutura fixa. Seria pois uma sala com mobiliário móvel, usada como transição, entre o frigidarium
e o caldarium.
Uma parede também com 3 pés de espessura, suportada por uma sólida estrutura em pedra separava estas
salas. De todo o conjunto de salas parece ser esta a de
construção mais elaborada e a mais luxuosa.
Com 41m2 de área total, esta sala tem um espaço central de 21m2 (4,70 x 4,50m) além de dois outros de 9,9
m2 (4,30 X 2,30m), nos topos Norte e Sul, onde se
integram duas banheiras idênticas, de 3,80 x 1,60m x
0,66m, com capacidade em uso de 400 litros.
Toda a sala apoia sobre um hipocausto abastecido
por um grande praefurnium. Na zona central da sala
a suspensura tinha a altura de 0,148m, suportada por
colunelos fabricados com tijolo.
As duas banheiras foram cuidadosamente construídas
em pedra sobre suspensurae de 0,40m de espessura.
A água para as banheiras era aquecida em caldeira de
cobre situada sobre o praefurnium do caldarium. Os
bancos interiores da banheira, com a altura de 0,25m,
permaneciam submersos e permitiam que os banhistas
ali estivessem sentados com água pelo peito. Ao banco interior correspondia exteriormente uma estrutura
idêntica mas que funcionava como degrau para facilitar
a entrada e saída da banheira.
O facto do edifício ter sido projectado com dois praefurnia, um para o caldarium e outro para o tepidarium,
poderá justificar-se pelas dimensões das salas, pela altura das suspensurae e pelas condições climatéricas da
região durante o Inverno.
Também o engenhoso sistema encontrado para a circulação do ar quente nas paredes desta sala facilitava
a criação de um ambiente muito aquecido. Esta sala,
abobadada interiormente, tinha paredes e tectos com
estuques esculpidos com espátula e carimbados com
concha e estuques fabricados com molde. Alguns fragmentos pintados recolhidos na escavação permitemnos dizer que, para além dos estuques com motivos
decorativos em relevo, as salas destas Termas teriam
também estuques de revestimento lisos e pintados.
Provavelmente o caldarium e o tepidarium eram iluminados por janelas abertas na fachada Sul, garantindo
não só luminosidade nas salas, mas também o arejamento indispensável (BROISE, 1991, 61) a este tipo de
salas aquecidas.
Ao construir este edifício em Tongobriga segundo princípios e esquemas tradicionais, mesmo que se aceite
a involuntariedade do acto pelo prestígio dos “conquistadores”, estes impuseram hábitos de higiene e de
prazer, passatempos e, no fundo, uma nova forma de
29
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta Lino Tavares Dias
Figura 1: fragmento de estuque esculpido com espátula e carimbado com concha marítima. Recolhido no caldarium das termas.
Figura 2: fragmento de estuque esculpido com espátula, do tecto abobadado docaldarium.
30
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta Lino Tavares Dias
Figura 3: fragmento de estuque com decoração feita a molde.
Figura 4: fragmento de estuque do tepidarium. Decoração feita com diversos moldes.
31
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta Lino Tavares Dias
viver. A existência destes estuques no revestimento das
salas salienta o gosto generalizado com que os construtores romanos faziam os edifícios, fosse em Itália ou
nas periferias. O tipo, modelo e técnica construtiva dos
estuques é semelhante em Tongobriga, em Pompeia e
noutras zonas do Império.
Este mesmo gosto que atravessava todo o Império é
evidenciado em meados do século II, quando foi feita
uma grande alteração ao projecto inicial do edifício. O
sector Sul do edifício é remodelado e é construída a
zona da natatio, criando neste edifício um espaço de ar
livre, de cerca de 158m2, com piscina, que o projecto
inicial não previra, na medida em que, então, privilegiara os espaços fechados e aquecidos.
A piscina de ar livre de 9 x 7,20 x 1,65m, com a capacidade, em uso, de cerca de 112 000 litros, era envolvida
por um pórtico de doze colunas (com diâmetro entre
0,30 e 0,32m) em granito, com capitéis dóricos, que
cobria os lados Norte, Este e Oeste. Tudo indica que o
passeio Sul não era coberto, pelo que o pavimento foi
revestido com lajeado em granito enquanto os restantes receberam opus signinum. Seis degraus, dos quais
a maior parte permaneceria submersa, facilitavam a
saída da piscina, depois de nela se ter entrado, por
exemplo, por mergulho. Com a construção da natatio, as termas tornaram-se mais abertas, mais amplas,
com inerentes mudanças no funcionamento. Com esta
alteração que foi feita ao projecto flaviano, as termas
de Tongobriga passaram também a servir para as condições climatéricas das épocas quentes do ano. Esta
alteração poderá integrar-se na mudança do conceito
de termas que se fazia sentir, evidenciado pelas construções então feitas em todo o Império (DELAINE, 1992,
264 - 5). Entendendo-se o alargamento do conceito de
higiene e sanidade, as termas passam a ser “os cafés,
os clubes das cidades romanas”(GRIMAL, 1954).
A construção da natatio implicou um ligeiro levantamento de cota dos pavimentos nos espaços envolventes, mas principalmente obrigou à mudança da
entrada, alterando também ligeiramente o circuito de
funcionamento, embora mantendo o eixo dominante de
poente para nascente, da zona fria para a aquecida.
A entrada passa a fazer-se pela zona da natatio. Esta
piscina ao ar livre veio ocupar parte do que seria com
certeza a palaestra do projecto inicial (termas I). Terá
também sido construído um apodyterium à entrada
das termas. O utente, agora, depois do apodyterium,
entrava na zona da natatio, passava a uma sala rectangular coberta, que poderá ter servido como vestíbulo
ou unctorium e que ligava à sala que funcionara como
apodyterium nas termas I e cuja função desconhecemos nas termas II, na medida em que deixou de ser a
32
O Estuque Na Arquitectura Romana No Norte da Meseta Lino Tavares Dias
sala de entrada e se transformou num espaço interior.
Esta remodelação, feita quando reinavam os Antoninos,
embora não altere a estrutura das salas existentes no
séc. I, vai criar novos espaços, diversificando funções.
O espaço de palaestra é modificado e o acesso passa a
fazer-se a partir do pórtico do lado nascente da natatio.
Curiosamente a redução da palaestra, e até desaparecimento, é também notada em edifícios idênticos, nomeadamente em Óstia (MAR, 1993, 147). Poderá justificar-se
a redução ou desactivação deste espaço, pela proximidade do forum, funcionando este como “passeio público” e, em contrapartida, pelo facto dos utentes das
termas preferirem as salas fechadas e a natatio.
Pode parecer estranho que em Tongobriga as alterações nas termas só sejam feitas para Sul e Oeste, mas
tal entende-se na medida em que para Norte a rigidez
dos afloramentos é limitativa de qualquer alteração e,
para o lado Este existiam as zonas de serviço onde a
criadagem garantia o funcionamento das salas aquecidas. Numa atitude que entendemos como diversificação das fontes de abastecimento de água, a natatio
era abastecida pelo lado Sul, provavelmente por um
aqueduto subterrâneo em pedra , de que recolhemos
algumas peças.
O projecto desta natatio previu a remodelação dos
esgotos, quer construindo de novo quer adaptando
aos já existentes. Nos esgotos construídos de novo,
com uma altura interior maior que os anteriores, foi
utilizada a técnica de cobertura abobadada feita com
cofragem de tábuas. Os restantes continuaram a ter
cobertura horizontal em pedra. Teve que ser construído um colector para recolha das águas dos esgotos e
para aquela que saía da nova piscina. Daqui a água era
evacuada por um grande esgoto com o fundo cavado
no granito. De facto, todo o sistema de esgotos utilizado em Tongobriga, pela sua robustez, tinha grandes
vantagens sobre os que hoje são utilizados nas nossas
cidades, pois não estavam sujeitos aos remendos que
os serviços municipalizados permanentemente vão colocando nos canos. As latrinas continuaram no mesmo
espaço a Oeste das termas.
A remodelação feita no edifício transfere aquilo a que
podemos chamar o seu “centro de gravidade funcional”. Enquanto nas termas flavianas, o utente tinha uma
sequência de salas (frigidarium - tepidarium - caldarium), nas Antoninas, a nova sala que liga a natatio
ao frigidarum transforma-se, então, no “novo centro
de gravidade”. A natatio passou a ser um lugar de
passagem obrigatória para todos os que frequentavam
estas termas.
Podemos dizer que em Tongobriga, a partir de meados/
finais do séc. II, era nas termas que, à tarde, terminado o
dia de trabalho, os Romanos íam calmamente esperar a
hora do jantar. Aí faziam um pouco de ginástica, repousavam, tagarelavam, conversavam sobre negócios, amizades, a vida alheia, e até poderiam petiscar algumas
gulodices, provavelmente vendidas por ambulantes.
No séc. IV, após 357, o edifício sofre uma nova alteração ao projecto inicial.
Com a instalação de um hipocausto no antigo apodytério, o edifício passa a ter um caldarium a Poente
e outro a Nascente, separados pelo frigidarium e pelo
tepidarium.
O circuito de utilização do edifício terá, então, mudado pois a construção deste segundo caldarium poderá
justificar-se pela necessidade de responder a um maior
número de frequentadores, já que a hipótese de ser
uma duplicação para uso separado por mulheres e por
homens não parece viável, na medida em que não houve duplicação de frigidarium e de tepidarium, o que
era norma nas termas duplas.
Seja qual for a justificação para a construção deste
caldarium, o sector Poente do edifício passa a ser o
mais movimentado, em detrimento das salas mais requintadas (frigidarium, tepidarium e caldarium) situadas a Nascente, construidas no séc I. No quadro anexo
apresentamos alguns elementos comparativos entre
espaços e salas, salientando as áreas das salas revestidas (paredes e tectos) com estuques lisos ou com
estuques decorados por modelação, esculpido com espátula, carimbado com concha marítima ou fabricado
com molde, como eram o caldarium, o tepidarium e o
frigidarium construídos em época flaviana aqui identificadas por Termas I.
Termas I
Termas II
área total
911m2
911m2
área coberta 317m2
510m2
área descoberta594m2
363m2
caldarium
41m2
41m2
tepidarium 32m2
32m2
frigidarium 53m2
53m2
natatio
---
158m2
apodyterium 42m2
149m2
unctorium
---
44m2
salas de serviço111m2
111m2
cisterna
18m2
18m2
palestra
594m2
205m2
latrina
20m2
20m2
Termas III
911m2
510m2
363m2
83m2
32m2
53m2
158m2
144m2
--111m2
18m2
205m2
20m2
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33
Isabel Mayer Godinho Mendonça
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico
Isabel Mayer Godinho Mendonça
Doutorada em História da Arte pela
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, lecciona na Escola
Superior de Artes Decorativas
(ESAD) da FRESS, onde também
dirige o Centro de Estudos de Artes
Decorativas.
É investigadora integrada do
Instituto de História da Arte da
Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, membro do Conselho
Científico do Instituto Europeu de
Ciências da Cultura Padre Manuel
Antunes e representante em Portugal do “Fórum Landi”, instituição
integrada na Universidade Federal
do Pará, Brasil.
34
• Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação
Ricardo do Espírito Santo Silva
• Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
1. Os estuques manuelinos
Durante o reinado de D. Manuel (1498-1521), o estuque
decorativo foi utilizado na decoração das paredes da
Charola, a capela-mor da igreja do convento de Cristo
em Tomar, cobrindo quer o octógono central, quer as
paredes do polígono de 16 lados que constitui a primitiva rotunda templária.
No octógono central, a estrutura arquitectónica românico-gótica foi revestida de ornatos de estuque de
feição tardo-gótica, prolongando idênticos motivos
pintados na abóbada do deambulatório e enquadrando
os arcos que rasgam o registo inferior com cogulhos,
rosetas e casais de homens selvagens sobrepostos aos
capitéis medievais. Tanto o extradorso como o intradorso destes mesmos arcos receberam revestimentos
em estuque moldado, representando meninos atando
troncos podados, vasos platerescos e grinaldas semeadas de romãs.
Nas paredes que delimitam exteriormente o deambulatório foram aplicados painéis em estuque também
moldado, cobrindo quer o vão dos janelões, quer os
espaços entre as pinturas murais do registo superior
(com passos da vida de Cristo), até à altura do friso
de separação dos dois registos. Além dos vasos platerescos e das grinaldas com romãs, encontramos aqui
composições inspiradas no “padrão ogival”, muito comuns nos têxteis europeus desde o Renascimento: uma
malha definida por ramos curvilíneos, contracurvados,
densamente preenchidos por folhas, flores e frutos,
colhidos por meninos. O mesmo padrão enquadra, no
pano junto ao arco triunfal, figuras de serafins alternando com cruzes, aparentemente fruto de um restauro de gosto revivalista.
Mas a decoração em estuque mais original cobre as
meias colunas que separam os 16 panos da Charola
até ao nível dos baldaquinos das estátuas dos profetas: meninos tocando flautas, montados em animais
híbridos com saiotes de acantos, que mostram já uma
actualizada influência dos “grotescos” da Domus aurea, redesenhados pelos artistas italianos à vista das
pinturas e dos estuques das salas do arruinado palácio
de Nero em Roma, na transição do séc. XV para o
XVI2. Nos capitéis destas meias colunas alternam as
grinaldas de romãs com motivos heráldicos manuelinos
e folhagem de sabor gótico.
A aplicação dos estuques nas paredes da Charola terá
Figura 1: A Charola do convento de Cristo, em Tomar, corpo
central (entre 1510 e 1516).
Figura 2: A Charola do convento de Cristo, em Tomar, decoração
de um dos colunelos (entre 1510 e 1516).
Encarados como sinónimo de mau gosto e vistos como
uma arte menor que não valia a pena preservar, os
estuques decorativos foram, durante várias décadas do
século passado, quase completamente ignorados pela
maioria dos estudiosos e responsáveis pelo Património
nacional. O interesse por esta arte em Portugal começou há alguns anos, com os estudos pioneiros de
Flórido de Vasconcelos, que, no seu trabalho final de
estágio para conservador dos museus e monumentos
nacionais, realizado em 1959 e parcialmente publicado
num artigo da revista do Museu Nacional de Arte Antiga1, chamou a atenção para a importância do estuque
de ornato no contexto das Artes Decorativas e para
alguns exemplos notáveis que ainda permanecem em
Portugal, apesar das perdas irreparáveis ocasionadas
quer pela passagem do tempo quer por restauros desastrosos.
O presente texto pretende traçar de uma forma breve
a evolução do estuque decorativo em Portugal entre
os inícios do séc. XVI, no reinado de D. Manuel, e os
primórdios do séc. XIX, através da análise de alguns
dos conjuntos mais significativos realizados em cada
uma das épocas, salientando o contributo de mestres
estucadores e identificando as influências exercidas sobre a linguagem ornamental característica de cada um
dos períodos considerados.
35
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
acompanhado a decoração pictórica da abóbada do
deambulatório onde aparecem representadas as armas
de D. Manuel e de D. Maria, a sua segunda mulher,
portanto entre 1510, o ano do casamento real e 1519, a
data do falecimento da rainha3.
Os restauros recentemente realizados no interior da
Charola têm vindo a revelar cores muito distintas nos
estuques intervencionados, nomeadamente nos colunelos e em alguns dos painéis do registo superior
dos alçados exteriores da Charola: em vez das cores
violentas, dos dourados ou dos brancos entupidos de
cal, surgiram os relevos a branco sobre um fundo azul
cinza. Resta saber que outras surpresas nos reservam
os futuros restauros que contemplarão toda a recuperação da decoração interior deste raro espaço quinhentista português.
2. Os estuques e o Maneirismo
As novidades da linguagem clássica, renascentista, que
na Charola aparecem em paralelo com motivos ainda
de matriz gótica, vão surgir de forma autónoma nos
estuques relevados da cúpula da capela-mor da igreja
do convento da Consolação em Estremoz, realizada
possivelmente em meados do século XVI4. A igreja e o
convento anexo pertenciam então a uma congregação
de freiras clarissas, passando para os agostinhos descalços já na segunda metade do século XVII5.
Nos 64 caixotões desta cúpula foram figurados motivos soltos, candelabra articulados com grotescos e
mascarões e ainda o tetramorfo, os três animais simbólicos que identificam os Evangelistas, S. Marcos, S.
Mateus e S. João (o leão, o touro alado e a águia) e o
anjo que representa S. Lucas. Um par de anjos ostenta
ainda uma coroa, no eixo da tribuna do altar-mor, simbolicamente coroando Nossa Senhora da Consolação,
o orago da igreja.
A utilização dos candelabra, associados desde a Antiguidade clássica à Ressurreição e à luz, em paralelo
com os símbolos dos Evangelistas, não foi certamente
Figura 3: Capela-mor da igreja do convento da Consolação, em
Estremoz, pormenor da cúpula, meados do séc. XVI.
36
casual, mantendo-se nesta cúpula a conotação primitiva com o carácter salvífico das Escrituras Sagradas.
Tanto os grotescos como os candelabra vão ser difundidos através das gravuras de Zoan Andrea, Giovanni
Pietro da Birago, Giovanni Antonio da Brescia, Nicoletto Rosex da Modena e Agostino Musi, que rapidamente divulgam esta linguagem decorativa por toda
a Europa6. Uma gravura de um artista alemão, Daniel
Hopfer, datada de 1526, estará porventura por trás das
figurações dos candelabra da cúpula de Estremoz.
Durante o período maneirista, os estuques decorativos
adaptaram-se ainda às novidades decorativas trazidas
pelas gravuras ítalo-flamengas que impuseram a moda
da chamada “obra de laço”. Com origem provável nos
pergaminhos e nos rolos que serviam de suporte a
inscrições desde a Idade Média, este ornato foi desenvolvido em França na decoração do palácio de Fontainebleau (1528/1540) por Rosso e Primaticcio, alunos
de Giovanni da Udine, expressamente contratados para
o efeito por Francisco I. As grandes cartelas com os
característicos enrolamentos, por vezes com faixas metálicas (as “bandas furadas”) e pregaria, conjugam-se
com as figuras híbridas, os mascarões e os pendurados
característicos dos grotescos.
A divulgação inicial destes ornatos foi assegurada pelas
gravuras de António Fantuzzi, ainda na década de 1540.
A estas sucederam-se, na década seguinte, as gravuras
publicadas em Antuérpia, sobretudo na oficina de Hieronimus Cock, a partir de desenhos de vários autores,
divulgando assim por toda a Europa uma linguagem
que ficou conhecida como ítalo-flamenga7.
Uma colecção gravada por Hieronimus Cock em 1553,
a partir de desenhos do florentino Benedetto Battini,
serviu de inspiração aos estuques decorativos dos pai-
Figura 4: Desenho e gravura de Daniel Hopfer, 1526.
Pormenor da cúpula da capela-mor da igreja do convento da
Consolação, em Estremoz, meados do séc. XVI.
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
néis do tecto em masseira da capela-mor da igreja do
mosteiro de Santa Marta em Lisboa, como tivemos já
ocasião de demonstrar8.
O tecto em questão está hoje escondido por um outro
tecto mais baixo, em abóbada de aresta, aí colocado
em finais do séc. XVII, provavelmente para resolver os
problemas criados pela colocação do novo retábulo
de estilo nacional, de planta côncava e rasgado por
tribuna9, que obrigou a alterações estruturais, nomeadamente à construção de um recesso mais baixo na
parede fundeira da capela-mor. Foi através de um vão
aí rasgado para correr a tela da tribuna que foi possível detectar o tecto original. À construção da capelamor superintendeu o arquitecto régio Nicolau de Frias,
tendo concorrido para a obra, com avultada doação
feita em Junho de 1588, D. Helena de Sousa, em troca
da autorização da construção de uma cripta destinada
a sua sepultura e de seu marido.
Os cinco panos do tecto foram decorados com estuques relevados a branco sobre fundos imitando mármore vermelho e pedra liós. O responsável pela obra
escolheu três gravuras do álbum de Cock, adaptandoas sabiamente à decoração estucada que fez realizar
nas faces oblíquas e no espaço rectangular da esteira
central da masseira10.
Figura 5: Tecto escondido da capela-mor da igreja do convento
de Santa Marta em Lisboa, c. de 1588.
Gravura de Hieronimus Cock a partir de desenho de Benedetto
Battini, 1553.
Outras gravuras quinhentistas oriundas de Antuérpia
estiveram por trás de várias cartelas em estuque, onde
se conjuga a “obra de laço” com as bandas furadas.
Entre os exemplos mais interessantes refiram-se as decorações da igreja de S. Roque, em Lisboa (na abóbada
da capela de S. Roque, da capela do Santíssimo e do
transepto), da igreja do convento de S. Domingos de
Benfica (na abóbada do retro-coro e sobre os altares
laterais da nave), da ante-sacristia da igreja do Espírito Santo de Évora e da capela de Nossa Senhora da
Conceição do Colégio jesuítico homónimo, hoje sede
da Universidade de Évora.
Uma outra influência erudita vai dominar o século
XVI, prolongando-se até ao último quartel do XVII: o
tratado do arquitecto e teórico bolonhês, Sebastiano
Serlio (1475/1553-5)11, nomeadamente os desenhos para
decoração de tectos que reuniu no Livro IV, onde são
discutidas as cinco ordens da Arquitectura e a sua utilização na construção contemporânea. Na análise que
fizemos de tectos de várias igrejas no Alto Alentejo é
notória a inspiração mais ou menos directa em quase
todas essas suas propostas de decoração.
Na sacristia nova da igreja do Espírito Santo de Évora
uma malha geométrica em estuque repetindo um dos
desenhos de Serlio - quadrados conjugados com hexágonos12- serve de enquadramento a uma portentosa
decoração pintada, com cenas da vida de S. Francisco Xavier, a par de grotescos, ornatos auriculares e
inovadores motivos de chinoiserie. A obra da sacristia
nova estava terminada em 1599, com o patrocínio de
D. Maria de Alarcão13.
A construção da capela de Nossa Senhora da Conceição, integrada no edifício do vizinho Colégio jesuítico,
foi iniciada em 164114. O estuque relevado, hoje pintado
com cores perfeitamente desajustadas (verde alface,
azul bebé e rosa vivo), cobre a abóbada de berço da
nave, revestida por uma malha geométrica de formas
Figura 6: Capela de Nª Sª da Conceição, Colégio do Espírito
Santo, Évora, 1641.
37
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
estreladas alternando com cruzes de quatro braços
iguais, inspirada num outro desenho de Serlio15.
Em Montemor-o-Novo, na igreja do convento de frades dominicanos, dedicada a Santo António, sagrada
em 158416, uma malha geométrica de estuque branco
sobre fundo branco, inspirada em dois dos desenhos
para tectos de Serlio, foi utilizada nas abóbadas de
berço de duas das capelas que abrem para a nave,
a do Senhor Jesus (octógonos alternando com cruzes
gregas, tendo hexágonos nos espaços de ligação17)
e a de S. João Baptista (quadrados alternando com
hexágonos18). Na abóbada de berço da capela-mor,
composta por quatro tramos compartimentados por
arcos torais em estuque, a composição é marcada pela
repetição de uma malha geométrica cujo motivo (uma
cruz posta em diagonal) é retirado de outro desenho
de Serlio19.
No convento da Saudação de Montemor-o-Novo, que
pertenceu ao ramo feminino da Ordem de S. Domingos,
uma malha de motivos geométricos em estuque relevado enquadra uma interessante decoração esgrafitada
nas abóbadas de berço da nave e do coro alto das
freiras. Na abóbada da nave encontramos novamente
uma malha geométrica transposta de um dos desenhos
de Serlio para tectos: octógonos alternando com cruzes gregas e hexágonos nos espaços de ligação20. A
decoração foi feita em 1673, data incisa num medalhão
sobre o arco triunfal.
Figura 7: Convento da Saudação, em Montemor-o-Novo, abóbada da nave, 1673. Desenho de Serlio, Livro IV, fl. 350.
Na abóbada de berço do coro alto observa-se mais
uma composição realizada a partir de um desenho de
Serlio: grandes quadrados ladeados por hexágonos21.
Em vez dos motivos propostos pelo tratadista – grotescos e enrolamentos vegetalistas –, encontramos losangos inseridos dentro dos quadrados decorados com
medalhões, mas os botões do desenho de Serlio foram
repetidos. Abaixo do óculo da parede exterior do coro
alto lê-se a data inscrita de 1647.
Na nave da igreja de Nossa Senhora da Consolação
de Estremoz (em cuja capela-mor encontrámos a de-
38
coração de grotescos e candelabra), a malha geométrica de estuque branco, conjugando octógonos com
pontas de diamante da abóbada de berço da nave,
repete fielmente outro desenho de Serlio22. O estucador utilizou os círculos concêntricos inscritos nos
octógonos e apenas substituiu os botões de enquadramento das figuras geométricas por pequenas rosetas.
Um friso com enrolamentos, centauros e outras figuras
híbridas (adaptação de uma das propostas para frisos
de Serlio23) percorre os lados maiores da nave, abaixo
da abóbada.
Figura 8: Igreja de Nª Sª da Consolação, Estremoz, abóbada da
nave, 2ª metade do séc. XVI. Desenho de Serlio, Livro IV, fl. 350.
Tal como aconteceu com as restantes artes decorativas
portuguesas, também o estuque relevado se manteve
arreigado aos programas estéticos do Maneirismo até
datas muito tardias. As decorações que passámos em
revista foram realizadas ao longo de mais de um século, entre meados de Quinhentos (data provável dos
estuques da cúpula da igreja de Nossa Senhora da
Consolação em Estremoz) e 1673 (data da decoração
da nave da igreja da Saudação), oscilando entre os
clássicos candelabra, associados aos grotescos ítaloflamengos, e uma composição tardia ainda de matriz
serliana, já preenchida por elementos decorativos que
indiciam os novos rumos do Barroco.
3. Estuques decorativos em Portugal durante o século
XVIII
A quase total ausência de estuques decorativos realizados durante a segunda metade do século XVII e
os primeiros anos do século XVIII, acompanhando
a eclosão e o desenvolvimento do chamado “barroco nacional”, pode explicar-se pela moda dos tectos
pintados de “brutesco” (genericamente caracterizados
por grandes enrolamentos de acantos povoados por
meninos e pássaros), que durante esse período invadiram a decoração dos interiores civis e religiosos
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
portugueses, e ainda pela persistência da tradição dos
tectos de caixotões pintados com temática figurativa
e ornamental.
a. Estucadores italianos em Portugal
A vinda de estucadores italianos para Portugal durante
o reinado de D. João V veio revolucionar a decoração
dos interiores, quer civis, quer religiosos, impondo a
moda dos tectos estucados. Testemunhos da presença
entre nós desses mestres são as elaboradas composições em estuque de relevo que ainda subsistem em
muitos interiores setecentistas, mostrando uma actualizada linguagem ornamental bebida nos principais centros artísticos da Europa, onde muitos desses mestres
trabalharam antes da sua vinda para Portugal.
A maioria dos estucadores italianos que trabalharam
em Lisboa ou nas suas imediações durante o séc. XVIII
terá vindo da zona da Alta Lombardia e sobretudo do
cantão suíço do Ticino. Desta região, com fortes tradições no trabalho do estuque, saíram ao longo de
todo o século XVIII levas sucessivas de artífices, alguns
deles fazendo parte de verdadeiras oficinas familiares,
rumo a outros Estados e cidades de Itália (Lombardia,
Piemonte, Veneza, Roma, Génova, etc.) e às principais
cortes da Europa de então, da Áustria à Inglaterra e da
Península Ibérica aos países nórdicos24. Os nomes dos
estucadores italianos que vieram para Portugal são referidos por Cirilo Volkmar Machado, o conhecido memorialista que em inícios do séc. XIX reuniu nas suas
“Memórias” as informações então conhecidas sobre os
artistas portugueses e estrangeiros que contribuíram
para o desenvolvimento da arte em Portugal25.
Na primeira metade do séc. XVIII, Cirilo menciona Salla
e Bill que “faziam ornato e figura” e trabalharam no
palácio do Provedor (o palácio do arquitecto e Provedor dos Armazéns, Fernando Larre, iniciado em 1730,
em S. Sebastião da Pedreira), Plura, que estucou uma
casa na torre da pólvora, em Alcântara, e uma ermida
junto à sé, Francisco Gomassa, “mero ornatista”, que
também trabalhou no palácio do Provedor e na fachada da ermida dos soldados, em Alcântara, e ainda João
Grossi, o italiano que viria a revolucionar a arte do estuque em Portugal e que terá iniciado a sua actividade
em Lisboa no tecto da igreja dos Mártires, em parceria
com Plura e com Gomassa.
Cirilo afirma ter recebido todas as informações sobre
Grossi de um dos alunos do artista italiano, João Paulo
da Silva, que conheceu pessoalmente26 e lhe contou
os acontecimentos picarescos que teriam rodeado a
vinda de Grossi para Portugal: nascido em Milão em
1719, onde aprendeu a modelar cera e barro, trabalhava em Espanha, como desenhador dos exércitos de
Fernando VI, quando se envolveu num duelo, de que
resultou a morte do sobrinho do coronel da sua unidade. Fugiu então para Portugal, disfarçado de lavadeira,
refugiando-se em Lisboa em casa de um primo, Domingos Lepori, comerciante de profissão, que lhe angariou
a referida obra na igreja dos Mártires, realizada por
volta de 1748 / 174927.
Algumas informações documentais, entretanto vindas
a lume28, permitiram-nos precisar novas informações
sobre a origem e sobre a actividade de Grossi em Portugal. Nasceu, não em Milão, mas na freguesia de S.
Maurício da cidade de Como29, na fronteira ítalo-suíça,
já referida como uma região com grande tradição na
formação de estucadores. Não conseguimos confirmar
a data de nascimento adiantada por Cirilo (1719), nem
obtivemos elementos sobre a sua formação em Itália
ou sobre a sua actividade em Espanha, embora, face
aos novos elementos recolhidos, seja um dado adquirido que Grossi não pode ter trabalhado nos exércitos
de Fernando VI, uma vez que este só subiu ao trono
espanhol após a morte de Filipe V, ocorrida a 9 de
Julho de 1746.
A consulta do arquivo da igreja do Loreto (que congregava a comunidade italiana residente em Portugal)
revelou-nos que Grossi estava já em Lisboa em 1743,
cinco anos antes da data adiantada por Cirilo para a
sua chegada. Nesse ano encontrámo-lo referido no “Livro de Desobriga Pascal” desta igreja. Em 1743 vivia
na paróquia de S. Sebastião, no ano de 1745 aos Remolares, na freguesia de S. Paulo, mudando-se no ano
seguinte para S. Caetano aos Mártires30. Também a sua
colaboração com Plura e Gomassa no tecto da igreja
dos Mártires foi certamente anterior à data adiantada
por Cirilo, já que a decoração em estuque, rodeando
uma tela alusiva à tomada de Lisboa, da autoria de
Vieira Lusitano, é já referida numa descrição datada
de 174531.
A sua permanência em 1743 (e possivelmente também
em 1744, ano em que não comparece no “Rol dos Confessados” do Loreto) na freguesia de S. Sebastião da
Pedreira poderá estar relacionada com a sua colaboração com os outros estucadores italianos na decoração
do Palácio do Provedor e arquitecto Fernando Larre.
Segundo Cirilo, foi Larre quem apresentou Grossi ao
futuro marquês de Pombal, talvez após o seu regresso
de Viena, em 1749. Este veio a tornar-se o seu protector, “dando-lhe ou pedindo que lhe dessem a fazer
todas as grandes Obras que então se construião, que
erão muitas e pagas por altos preços”32.
b. A influência da Regência francesa e do barocchetto
italiano
A análise estilística de algumas composições em estuque relevado ainda existentes em espaços civis e
39
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
religiosos de Lisboa permitiu-nos atribuir à década
de 1740 alguns espaços onde poderão ter trabalhado
os artistas estrangeiros mencionados por Cirilo. Entre
eles refiram-se alguns exemplos na cidade de Lisboa:
a cúpula da casa de fresco da Quinta do Meio em Belém, conhecida como a “Casa do Veado”, a abóbada de
aresta com penetrações da pequena capela do Senhor
dos Passos, da irmandade do mesmo nome, no claustro
da igreja de Santos-o-Novo, o tecto em forma de masseira de planta rectangular na escadaria do convento
dos Agostinhos, ou dos Grilos, na zona do Beato e a
maior parte das decorações das salas e do oratório do
palácio Cabral, na calçado do Combro.
Em todos estes tectos dominam os elementos decorativos da Regência francesa, conjugados com grande leveza: ornatos em “C” e em “S”, gradinhas preenchidas
por pequenas flores, palmetas, mascarões femininos
com toucado de plumas ou coroa de palmetas, lambrequins, etc.. Estes ornatos, que retiram a sua designação
dos interiores característicos do período da Regência
francesa (durante o qual o governo da França foi assegurado pelo regente, Filipe de Orleães, entre 1715 e
1723, durante a menoridade do futuro Luís XV), ditaram
a moda em toda a Europa. Este novo gosto, divulgado
pelas gravuras realizadas a partir dos desenhos ornamentais de Jean Bérain (1637/1711), decorador de Luís
XIV, chegou a Portugal durante o reinado de D. João
V, a partir da década de ’30, presumivelmente através
das vinhetas gravadas por François-Laurent Debrie e
Pierre Rochefort para várias edições da Academia Real
de História33.
Exemplos paradigmáticos do gosto Regência são os
tectos de uma pequena sala da enfilade do palácio Cabral que pertenceu aos Figueiredo Cabral, senhores de
Belmonte, descendentes do descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral34, ou a abóbada da pequena capela
do Senhor dos Passos no claustro de Santos-o-Velho,
onde se conjugam os leves encadeados contracurvados
com as características palmetas.
Ao gosto Regência associaram-se, em tectos da mesma
época, elementos decorativos oriundos do barocchetto
de matriz italiana: conchas e gordos concheados assimétricos de contornos contidos e cartelas ainda com
elementos do “estilo auricular” (assim designado pelos
ornatos de carácter naturalista que lembram as cartilagens da orelha52).
Nos ornatos do tecto da escadaria do convento dos
Grilos, do oratório e do salão nobre do palácio Cabral,
os gordos concheados mostram o conhecimento das
gravuras realizadas a partir dos desenhos ornamentais
do conhecido cenógrafo e arquitecto teatral Ferdinando Bibiena, tio de GiovanCarlo Sicinio Bibiena, contratado por D. José para a construção do malogrado
40
Figura 9: Palácio Cabral em Lisboa, pormenor do tecto de uma
das salas, década de 1740. Vinheta de François-Laurent Debrie,
década de 1730.
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
teatro da Ópera do Tejo, destruído pelo terramoto de
1755, pouco depois de inaugurado36.
A influência da Regência francesa, conjugada com a
utilização da “quadratura” - a sugestão de elementos
arquitectónicos perspectivados, introduzida em Portugal, em inícios do século XVIII, pelo pintor florentino
Vincenzo Baccharelli -, está presente nos tectos estucados do palácio do Mitelo e da anexa capela do
Senhor Jesus dos Perdões, no largo do Mitelo, junto ao
Campo de Santana, em Lisboa, realizados por volta de
1752. A capela era sede da Irmandade do Senhor Jesus
dos Perdões, da freguesia dos Anjos, e foi erguida em
terrenos cedidos pelo Dr. Alexandre Mitelo de Menezes, conselheiro de D. João V e diplomata (chefiou a
famosa embaixada de D. João V à China), em troca de
um acesso directo ao seu palácio37.
Os tectos da capela-mor e da nave mostram rasgamentos centrais enquadrados por uma moldura, na capela-mor, a que se associa, na nave, uma balaustrada
perspectivada pintada; colunatas antecedidas de parapeitos de perfil ondulante percorrem longitudinalmente
os lados maiores da nave e da capela-mor. Os lados
menores do tecto da nave são preenchidos por plintos
com gradinhas, enquadrados por volutas contracurvadas. Estão igualmente presentes outros elementos decorativos da Regência francesa: plumas, fitas, e ornatos
em ‘C’ e em ‘S’. A meio dos parapeitos, na nave e na
capela-mor, dentro de medalhões ovais, os bustos dos
quatro Evangelistas. Nos rasgamentos centrais é figurada a pomba do Espírito Santo, na capela-mor, e putti
ostentando cruzes e objectos eucarísticos, na nave.
c. Estuques decorativos nos anos a seguir ao terramoto
de 1755
O terramoto de 1755 e o incêndio que se seguiu destruíram ou danificaram seriamente uma boa parte do
património edificado da cidade de Lisboa. A construção
de tectos em fasquiado de madeira, servindo de su-
Figura 10: Convento do Grilo em Lisboa, pormenor do tecto da
casa da escada conventual, 1749. Gravura de Carlo Buffagnotti,
desenho de Ferdinando Bibiena, início do séc. XVIII.
Figura 11: Capela do Senhor Jesus dos Perdões, anexa ao palácio
do Mitelo, em Lisboa, abóbada da nave, c. de 1752.
porte a pintura ou mesmo a estuque, já utilizados em
Lisboa na primeira metade do século XVIII, tornou-se
a alternativa rápida e económica às pesadas abóbadas
em cantaria ou em abobadilha de tijolo.
A presença em Lisboa dos estucadores atrás referidos e a vinda de outros após o terramoto, também
referida por Cirilo (Chantoforo, Guadri e Toscanelli),
permitiram a divulgação desta prática decorativa, que,
além da maior rapidez e economia de realização, se
adequava muito bem ao gosto rococó que então dominava os interiores lisboetas, pela extrema ductilidade
da matéria prima utilizada.
Em meados do século XVIII o novo estilo estava já implantado na arte portuguesa, nas suas duas vertentes:
a linguagem decorativa do rocaille de inspiração francesa, com os seus concheados assimétricos ligeiros,
divulgado pelas gravuras de Meissonier, Pierre-Edmé
Babel, Boucher, entre outros; e a linguagem do rococó de inspiração alemã, fruto da adaptação ao gosto
germânico da linguagem decorativa francesa, com os
seus concheados vazados, com contornos irregulares
flamíferos, por vezes com sugestões do perfil recortado da asa do morcego ou lembrando a água das cascatas petrificada38. A linguagem característica do rococó
germânico vai ter uma ampla divulgação através das
gravuras realizadas em Augsburgo e em Nuremberga,
a partir de desenhos de Franz-Xavier Haberman, Carl
Pier, Emmanuel Eichel e Johann-Isaias Nilson, entre
outros, de que existem numerosos exemplares em colecções portuguesas provenientes dos fundos dos antigos conventos39. A difusão desta linguagem decorativa
em Portugal pode estar associada à vinda dos mestres
estucadores italianos parentes de Grossi e que a ele
se vieram juntar, nomeadamente Guadri, que, segundo
Cirilo, trabalhou na Alemanha, Prússia e Holanda antes
de vir para Portugal.
Duas igrejas em Lisboa, muito danificadas pelo terramoto, receberam novos tectos em estuque relevado nos anos imediatamente a seguir ao terramoto: a
igreja do convento dos Eremitas de S. Paulo, também
conhecidos como Paulistas, actual igreja paroquial de
Santa Catarina, cujos tectos estucados estavam prontos no final de 1757, e a capela da Ordem Terceira de
S. Francisco de Jesus, actualmente inserida no Hospital
de Jesus e anexa à igreja paroquial das Mercês, cujas
obras estavam em curso em Maio de 1758, data de um
documento que atesta um pagamento a Grossi pela
obra de estuque das paredes da nave40. Na obra de
estuque destes dois templos (talvez os mais belos tectos da cidade de Lisboa), participaram, segundo Cirilo,
Grossi e os seus dois primos Toscanelli e Guadri, e
ainda Pedro Chantoforo41.
Nas naves destas duas igrejas encontramos compo-
41
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
sições extremamente bem elaboradas, enquadradas
lateralmente por quadraturas simulando um parapeito
apoiado em mísulas, sobre o qual se erguem frontões.
A decoração em estuque dos Paulistas cobre ainda o
cruzeiro e os braços do transepto, enquanto na capela
da Ordem Terceira de Jesus preenche também a parte
média das paredes da nave, logo acima dos silhares
de azulejo. Um complexo programa iconográfico foi
aplicado, embora mais elaborado, dadas as dimensões,
na igreja dos Paulistas: cenas alusivas ao orago ou a
Figura 12: Igreja dos Paulistas, Lisboa, abóbada da nave, 1757,
João Grossi, Toscanelli, Guadri e Pedro Chantoforo.
Figura 13: Capela da Ordem Terceira de Jesus em Lisboa, pormenor da decoração da abóbada, 1758, João Grossi, Toscanelli,
Guadri e Pedro Chantoforo. Gravura de F. X. Haberman.
42
membros da Ordem, alegorias à religião e às virtudes,
emblemas marianos e a figuração dos Evangelistas.
Os concheados dominam as composições estucadas
destas duas igrejas, oscilando entre os motivos de
influência do rocaille francês (nas molduras das composições alegóricas das paredes da nave da capela da
Ordem Terceira) e as formas claramente derivadas das
gravuras alemãs, por exemplo na moldura do painel
central do tecto desta capela ou nas elaboradas cartelas da nave dos Paulistas.
Contemporâneos dos estuques destes dois edifícios
religiosos são certamente os tectos do palácio do
Correio-Mor junto de Loures, construído de raiz, entre
1735 e 1750, por José António da Mata de Sousa Coutinho, o 6º Correio-Mor do reino42. Quatro das salas
em enfilade do piso nobre têm tectos estucados com
elaboradas composições com quadraturas de enquadramento, cartelas de concheados de influência germânica, alegorias, brincadeiras de meninos, bustos e
cenas figurativas mitológicas43. As quadraturas da Sala
da Fama são idênticas às que encontrámos nos alçados
laterais da nave da capela da Ordem Terceira de Jesus,
pelas quais Grossi foi pago em 1758, comprovando a
sua presença e a da equipa italiana que com ele trabalhou nas duas igrejas atrás analisadas.
Figura 14: Palácio do Correio-Mor, em Loures, abóbada da Sala da Fama.
Capela da Ordem Terceira de Jesus, em Lisboa, pormenor da parede da
nave, 1758, João Grossi, Toscanelli, Guadri e Pedro Chantoforo.
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
c. A Aula de Desenho e Estuque das Reais Fábricas
A necessidade de reconstruir os edifícios arruinados
pelo terramoto de 1755 levou à criação, em 1764, da
Aula de Desenho e Estuque, inserida na Real Fábrica
das Sedas, com a intenção de “formar hum competente
numero de Artifices Nacionaes, hábeis para as ditas
Obras, com utilidade pública da reedificação da Cidade de Lisboa”44. A sua direcção foi entregue a Grossi,
evitando se assim, segundo Cirilo, o seu regresso a
Madrid para trabalhar nas obras de decoração do Palácio Real45.
A “Aula de Desenho e Fábrica de Estuques” funcionou
entre 28 de Agosto de 1764 e 6 de Outubro de 1777.
Grossi recebia pelo ensino e pela direcção da Aula um
ordenado de 600$000 réis por ano. Os 15 discípulos
“de número”, admitidos anualmente, recebiam como
ajuda de custo 100 réis diários. A idade de entrada variava entre os dez e os 16 anos, e a aprendizagem demorava cerca de cinco anos, findos os quais os alunos
eram examinados e recebiam carta de oficiais46. Entre
os alunos formados na Aula que receberam carta de
oficial contam-se António Bernardino da Fonseca, António Carlos de Almeida, António José Vieira, Francisco
Inácio Xavier, Francisco Solano, José Joaquim Xavier,
Júlio Vicente Gonela, Leonardo Caetano de Passos e
Teodósio Ferreira47.
A par dos novos oficiais, receberam carta de mestre,
a 18 de Junho de 1773, quatro estucadores com provas
dadas na sua profissão, iniciada ainda antes da fundação da Aula, muito provavelmente junto de Grossi
- Manuel Francisco dos Santos, Paulo Botelho da Silva,
José Francisco da Costa e Manuel José de Oliveira48.
Durante o período de actividade da Aula foram instituídas medidas legais para proteger os estucadores nela
formados. A 23 de Dezembro de 1771, um alvará régio
proibiu, sob pena de seis meses de cadeia e 40$000
réis de multa, o exercício da profissão de estucador
aos pedreiros, carpinteiros, canteiros e moldureiros
que não tivessem uma “carta de exame”. Ao mesmo
tempo, os novos oficiais eram obrigados a receber nas
suas obras dois discípulos aprovados na Aula49. A 3 de
Abril de 1772, Grossi conseguiu que aquela determinação fosse também alargada aos próprios estucadores,
obrigados a obter carta de aprovação como condição
para poderem dirigir obras de estuque50.
Durante o período de laboração da Aula, Grossi, provavelmente assistido pelos seus alunos, trabalhou em
várias obras públicas em Lisboa. Está documentada a
sua presença em 1768 e em 1769 na capela de S. Roque,
no Arsenal da Marinha, na casa grande da Audiência do
Ouvidor da Alfândega51 e na Casa do Despacho, Secretaria e Casa dos Cofres da Santa Casa da Misericórdia
de Lisboa, no antigo Colégio jesuítico de S. Roque52.
Do mesmo período destacam-se ainda os tectos, da
igreja da Conceição Velha, concluído em 177053 e de S.
Luís dos Franceses.
A decoração desta última igreja, sede de uma confraria
de franceses que ali tiveram um hospital, é um dos
exemplos que bem caracteriza os caminhos da arte em
Portugal durante este período. A reconstrução das coberturas, muito danificadas com o terramoto, decorreu
entre 1766 e 1769 e foi dirigida pelo arquitecto português Francisco Ribeiro. Era então capelão da igreja o
abade Garnier, nomeado para esse cargo em 1750. Os
seus apontamentos e notas de obras, recentemente recolhidos em arquivos franceses, permitiram trazer uma
nova luz sobre as obras realizadas e os artistas que
ali intervieram54.
Em 1769 surge na documentação o nome do estucador
da obra da sacristia: “Manoel Francisco”, muito provavelmente Manuel Francisco da Silva, um dos estucadores portugueses que em 1773 viriam a receber carta
de mestre da mão de Grossi55. É igualmente referido
o autor dos desenhos do tecto da capela-mor, JeanBaptiste Philippe Signol, que deixou duas propostas
alternativas para a realização dos estuques da capelamor, legendadas em francês.
Destaca-se a composição central da abóbada de penetrações da nave, enquadrada por moldura polilobada
representando a Glorificação de S. Luís, de belo efeito
perspéctico, rodeada por uma invulgar malha geométrica centrada por rosetas. S. Luís (Luís IX, rei de França) enverga capa de arminho com flores de lis e tem
ao pescoço o colar da Ordem do Espírito Santo56. Nos
quatro cantos da abóbada, emblemas alusivos ao orago e no fecho do arco triunfal uma cartela de concheados centrada pelas armas do reino de França, rodeadas
pelo colar da Ordem do Espírito Santo e suportadas
por dois anjos tenentes; nas penetrações da abóbada,
de um lado uma auréola de luz, do outro, a coroa de
espinhos de Cristo, para a qual Luís IX mandou erguer
o maior “relicário” da Cristandade: a Sainte Chapelle,
em Paris. A moldura que enquadra a cena central tem
perfil idêntico ao das duas grandes molduras da nave
da igreja dos Paulistas, mas envolvida por simples elementos vegetalistas, em vez dos exuberantes concheados desta última.
O tecto da capela-mor, em abóbada de esquife, é mais
sóbrio, apenas decorado com elementos heráldicos: a
pomba do Espírito Santo e quatro flores de lis, dentro
de molduras, no pano rectilíneo central; duas cartelas
coroadas, enquadradas por plumas e grinaldas de louros, uma com o duplo “L” entrelaçado (de Luís XV);
as armas francesas, com o colar da Ordem do Espírito
Santo, nos panos oblíquos laterais. Na parede do arco
triunfal, ramos floridos, concheados de inspiração ro-
43
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
caille e grandes flores de lis.
Apesar das diferenças da linguagem decorativa, foi
aparentemente a mesma equipa que realizou os estuques dos tectos da nave e da capela-mor. Embora
o estucador Manuel Francisco apareça apenas referido
nas obras da sacristia, é provável que também tenha
trabalhado na nos tectos da igreja. No interior da sacristia já não há vestígios de decoração em estuque
relevado, mas subsiste ainda um belo frontão de remate da porta de acesso, decorado com os mesmos
elementos vegetalistas e concheados que encontrámos
no tecto da capela-mor.
As composições dos tectos das três igrejas referidas - a
de S. Roque do Arsenal, a da Conceição Velha e a de
S. Luís dos Franceses - , realizadas durante o período
em que funcionou a Aula de Estuque, mostram uma clara simplificação em relação aos tectos do período que
antecedeu o terramoto. Do ponto de vista decorativo é
também evidente uma diminuição do número e da qualidade dos elementos decorativos: desapareceram as elaboradas e inventivas cartelas de ascendente germânico,
constituídas por elementos de concheados justapostos,
que encontrámos tanto nos Paulistas como na capela da
Ordem Terceira de Jesus, substituídas por outras mais
contidas, próximas do rocaille francês, enquanto se repetem as plumas, as fitas e as grinaldas floridas.
Esta nova influência do rocaille francês, que vamos
também encontrar nas restantes artes decorativas em
interiores lisboetas, terá resultado, como mostrou
Marie-Thérèse Mandroux-França, da divulgação tardia
daquela linguagem, já fora de moda em Paris, mas ilustrando ainda os tratados então muito difundidos entre
nós: o Cours d’Architecture de d’Aviler, o tratado de
Blondel, De la distribution des Maisons de Plaisance,
e o muito difundido tratado de Briseux, L’Art de Batir
des Maisons de Campagne57.
Figura 15: Porta de acesso à sacristia da igreja de S. Luís dos
Franceses, em Lisboa, obra do mestre estucador Manuel Francisco da Silva, 1769.
44
d. Estuques em Lisboa após a extinção da Aula de Desenho e Estuque: do rocaille ao neoclássico
Após a queda do marquês de Pombal e o encerramento
da Aula de Desenho e Estuque, foi permitido a Grossi,
por especial favor, continuar a residir, a troco de uma
renda, nas casas que ocupava na Praça das Águas Livres, pertencentes à Real Fábrica das Sedas58. Faleceu
cerca de dois anos depois, a 26 de Janeiro de 1780,
tendo sido sepultado na igreja do Loreto com o hábito
de S. Francisco59 (e não em 1781, como diz Cirilo).
Depois da extinção da Aula de Estuque, João Paulo da
Silva, um dos alunos de Grossi, e seus “companheiros”
pediram à Junta da Administração das Fábricas Reais
e Obras das Águas Livres autorização para arrendar
um quarto de casas, o que lhes foi concedido a 7 de
Janeiro de 177860. Aí terão continuado a formar estucadores, mantendo vivo o ensino da profissão até à
viragem do século.
A actividade de dois estucadores que receberam carta
de mestre em 1773, durante o período de laboração da
Aula, está documentada em obras que ainda se preservam: José Francisco da Costa, na decoração dos tectos
da nave e da capela-mor da igreja do convento da
Quietação ou das Flamengas, concluída em 1782 e Paulo
Botelho da Silva, nas obras da igreja e do convento do
Sagrado Coração de Jesus, entre 1781 e 178961. A decoração em estuque relevado que encontramos nestes
dois templos permite-nos datar com alguma segurança
a mudança de gosto que ocorre na arte portuguesa
entre finais da década de 70 e inícios da década de
80, com a introdução de novos modelos decorativos
recuperados da Antiguidade Clássica.
A decoração dos tectos da nave e da capela-mor da
igreja do convento da Quietação ou das Flamengas
estava já concluída em 1782, ano em que José Francisco da Costa recebeu, por conta da obra realizada,
a quantia de 124$800 réis, mandada pagar por Portaria de 15 de Julho62. As composições dos dois tectos
são idênticas, simples mas muito bem delineadas, e
organizam-se em função de pinturas centrais atribuídas
a Pedro Alexandrino: quatro cartelas com concheados,
enquadrando emblemas marianos e marcando os quatro lados dos dois tectos.
No convento do Sagrado Coração de Jesus, à Estrela, em Lisboa, de freiras carmelitas, obra de fundação régia, construído entre 1779 e 1794, com risco de
Mateus Vicente de Oliveira e Reinaldo Manuel dos
Santos, participou na decoração de estuques Paulo
Botelho da Silva. De 1781 data a sua primeira intervenção documentada, “em huma Capella do noviciado,
teto e paredes”, no valor de 153$600. Trata-se, muito
provavelmente da primitiva Sala do Presépio63, uma
ampla divisão, no primeiro andar da zona conventual,
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
com um silhar de azulejos com cenas da Natividade
e uma bela decoração de fundo marmoreado nas paredes e no tecto, animada por molduras e cartelas de
concheados em estuque branco relevado.
Nos tectos das Flamengas e da Sala do Presépio do
convento do Sagrado Coração de Jesus mantém-se
ainda a inspiração do rocaille francês, lembrando algumas das cartelas de Meissonier, de Boucher e de
Pierre-Edmé Babel.
No final da década, em 1789, o mesmo Paulo Botelho
da Silva foi pago por outras obras em estuque ainda
existentes na igreja e convento, que revelam já a adesão aos valores estéticos do neoclássico: o “tecto da
sacristia da parte do nascente” (a sacristia da igreja),
o tecto da “Sachristia da parte do Convento”, terminado em Setembro do mesmo ano (ou a actual Sala
do Presépio ou a contígua Sala da Roda) e o tecto
“da Tribuna de S. Magestade”, por cima da sacristia
da igreja. Também a decoração do tecto da Sala da
Raínha, concluída em Setembro de 1790, mas sem
qualquer indicação do estucador nela interveniente,
lhe pode ser atribuída64, bem como os outros tectos
de várias dependências deste convento que lhe estão
estilisticamente muito próximos65.
Em todas estas composições domina a linguagem estilística do neoclássico, com uma compartimentação
depurada do espaço, criada por frisos e molduras de
ornatos clássicos (óvulos e dardos, conteados, ondas, gregas, festões, grinaldas, fitas e panejamentos,
ramos de loureiro e finos enrolamentos de acantos),
emoldurando painéis de estuque relevado não muito
acentuado, com motivos florais e emblemas, e, sobretudo, servindo de enquadramento a painéis pintados
figurativos e alegóricos, colocados em posição central,
quase todos da autoria de Pedro Alexandrino.
Na Sala da Rainha, um belo espaço virado para a fachada principal do convento, do lado da igreja, os ornatos em estuque servem de enquadramento a pequenos painéis alegóricos pintados, repetindo os mesmos
motivos utilizados pela pintura decorativa das paredes
e pelos silhares de azulejo, inspirados nos chamados
grotescos neoclássicos: figuras híbridas de meninos
com corpos de acantos com cestos floridos à cabeça,
marcando o eixo da composição, vasos com a mesma
função axial, ladeados de esfinges, golfinhos, gregas,
enrolamentos de folhagem, grinaldas, festões, fitas e
laços. Estes motivos combinam se com grinaldas, festões e pássaros pintados.
Como fonte de inspiração directa destes motivos e
daqueles que encontrámos na Sala da Rainha, estiveram muito provavelmente as gravuras dos mestres
decoradores franceses que ajudaram a divulgar uma
linguagem já conhecida, agora renovada por um novo
espírito arqueológico. Um dos desenhos de um desses decoradores, Jean Démosthène Dugourc66, mostra
idênticas figuras híbridas afrontadas, simetricamente
dispostas dos lados de um eixo central rematado por
vasos floridos.
Na capela-mor da Ordem Terceira de Jesus, em cuja
nave trabalharam Grossi e os seus parentes italianos
a seguir ao terramoto, encontramos um interessante
exemplo da utilização dos mesmos grotescos de gosto
neoclássico nos relevos em estuque que revestem os
Figura 17: Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, pormenor do tecto da antiga sacristia das freiras, Paulo Botelho
da Silva, 1789.
Figura 18: Convento do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa,
pormenor do tecto da Sala da Rainha, 1789. Capela da Ordem
Terceira de Jesus, em Lisboa, pormenor da abóbada da capelamor, 1789?. Gravura de Jean-Démosthène Dugourc, 1782.
Figura 16: Tecto da antiga Sala do Presépio, 1781, Paulo Botelho
da Silva. Gravuras de Juste Aurèle Meissonier, 1733.
45
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
Figura 19: Palácio Quintela às Laranjeiras, pormenor de uma das
salas, João Paulo da Silva e Felix Salla, inícios do séc. XIX.
panos da abóbada de arestas: enrolamentos acânticos,
meninos e figuras híbridas aladas com caudas de acantos, segurando emblemas eucarísticos, simetricamente
dispostos em torno de um eixo central, repetindo a
organização das candelabra, de inspiração clássica. A
decoração em estuque prolonga-se pelas paredes, tal
como acontece na nave, mantendo-se o mesmo rigor
neoclássico na organização dos motivos decorativos,
em torno das pinturas de vários santos associados à
Ordem Terceira.
O gosto neoclássico está também presente num notável
exemplo de arquitectura civil, cujos estuques foram realizados em inícios do séc. XIX: o palácio das Laranjeiras, na Estrada das Laranjeiras, em Lisboa. As obras de
remodelação do edifício de raiz seiscentista, herdado
em 1802 por Joaquim Pedro Quintela, o primeiro barão
de Quintela, de seu tio materno, o desembargador Luís
Rebelo Quintela67, foram conduzidas, segundo Cirilo,
por um outro tio, o oratoriano Bartolomeu Quintela. Cirilo refere igualmente o nome de dois estucadores que
aí trabalharam: João Paulo da Silva, o aluno de Grossi a
que já nos referimos e que terá continuado responsável
pelo ensino do estuque após a morte do seu mestre, e
Felix Salla, que em Itália fora discípulo de Giocondo Albertolli (1742/1839)68. Salla terá ainda realizado, segundo Cirilo, “todos os tectos do palacio de Quintela em
Lisboa” (ou seja o palácio da rua do Alecrim, mandado
edificar por Joaquim Pedro Quintela)69.
Nas numerosas salas estucadas do palácio das Laranjeiras e do palácio Quintela, da rua do Alecrim,
confundem-se os contributos de João Paulo da Silva e
de Felix Salla, dois artistas com origens diferentes mas
com uma formação com muitos pontos de contacto,
bebida junto de dois mestres italianos pertencentes a
gerações distintas: João Grossi, o artista da povoação
de Como responsável pela renovação da arte do estuque em Portugal ainda na primeira metade do séc.
XVIII, Giocondo Albertolli, estucador com uma intensa
46
actividade em Milão e Florença70, professor de ornato
na Academia de Brera (1776 e 1812) e autor de vários
álbuns de ornatos e de decoração. De Felix Salla são
apenas conhecidos estes dois contributos, já que após
completar a obra de estuque dos palácios do barão
de Quintela partiu para Cadiz, acompanhado por dois
estucadores portugueses, Domingos Lourenço e José
Eloy, para realizar os estuques do “salão dos bailes”,
regressando depois “a Milão sua pátria tendo pouco
mais de 30 anos”71.
As composições decorativas que encontramos nos tectos, quer do palácio das Laranjeiras, quer do palácio
Quintela na rua do Alecrim, estão ainda muito próximas dos estuques realizados em finais da década de 80
na igreja e convento do Coração de Jesus, mostrando
a influência constante da arte italiana sobre os estuques lisboetas. Na região do Porto, como é sabido, o
estuque neoclássico seguiu caminhos muito diferentes,
através da influência directa da Arquitectura inglesa e
dos artistas formados na tradição dos irmãos Adam.
***
A necessidade de formação na área do estuque voltou
a ser equacionada em inícios do século XIX, com a
vinda para Lisboa em 1805 do estucador suíço Vicente
Tacquesi, discípulo de Canova. Ele e José Francisco
Espaventa, referido por Cirilo como um dos estucadores mais bem sucedidos da época, pediram o restabelecimento da Aula dos Estuques, tendo-lhes chegado
a ser concedido um espaço para o efeito pela Junta
das Fábricas. A queda em desgraça do artista suíço,
expulso em 1810 por suspeitas de apoio aos franceses,
gorou tal intento72.
A arte do estuque na capital acabaria por se renovar
com a vinda de estucadores do Norte do país, da região de Afife, no concelho de Viana do Castelo, para
trabalharem sobretudo na decoração dos palacetes
dos novos capitalistas do liberalismo. José Moreira e
António de Amorim, ambos afifenses, terão sido os primeiros a chegar a Lisboa, onde trabalharam nas obras
do palácio do “Monte Cristo” (como era conhecido
o capitalista Manuel Pinto da Fonseca), à Junqueira,
em meados do século XIX, no início da Regeneração.
Pouco tempo depois chegava a Lisboa Rodrigues Pita,
vindo de Carreço (freguesia vizinha de Afife), que
montou uma oficina na capital, onde trabalharam João
Bandeira e Domingos Meira, oriundos de Afife, o primeiro coadjuvando o na obra da Câmara Municipal e
o segundo na decoração do palácio do “Monte Cristo”,
comprado em 1882 pelo conde de Burnay e por ele
restaurado e ampliado.
Domingos Meira, que viria a estudar na Academia de
Belas Artes, sucedeu na oficina ao seu mestre Rodri-
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
gues Pita e tornou se um dos mais requisitados mestres
estucadores da época, dirigindo a maioria das obras
então realizadas em Lisboa e em muitas outras localidades do país. Protegido do rei D. Fernando II, que
muito apreciava o seu trabalho, visitou os monumentos
árabes da vizinha Espanha, onde encontrou as fontes
de inspiração para muitos dos estuques neo-árabes que
realizou. Esteve presente em várias exposições nacionais e internacionais (França, Estados Unidos e Brasil),
tendo recebido prémios por obras aí mostradas. Com
ele trabalharam vários artistas da sua terra, entre os
quais Francisco Enes Meira, seu primo, António Afonso
da Silva, Domingos Ruas e Manuel Joaquim Enes73.
A oficina de Domingos Meira foi responsável por muitos dos estuques realizados ao longo da segunda metade do século XIX, não só na região de Lisboa, mas
um pouco por todo o país. Uma vez mais, a dúctil
argamassa do estuque se adaptou com grande versatilidade às estéticas vigentes, num período essencialmente dominado por ecletismos e revivalismos da arte
do passado.
NOTAS DE RODAPÉ:
1 Flórido de VASCONCELOS, “Considerações sobre o estuque
decorativo”, in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, nº 2, vol. V, 1966.
2 Vejam-se, por exemplo, os grotescos figurados no fólio 58
do chamado Codex escurialensis [Fig. 2], conjunto de desenhos
atribuídos à oficina de Domenico Ghirlandaio ou de Giuliano
da Sangallo, realizados por volta de 1505, levados de Roma
para Espanha por Don Iñigo Lopez de Mendoza, embaixador
espanhol em Veneza, Roma e Siena, e hoje guardados na biblioteca do Real Mosteiro do Escurial. Cf. L’art décoratif en Europe
– Renaissance et Maniérisme (dir. de Alain GRUBER), Paris,
Citadelles et Mazenod, 1993.
3 As principais campanhas decorativas da Charola foram realizadas entre 1492 e 1515, logo após a construção da nova nave
manuelina por Diogo de Arruda e João de Castilho.
4 Túlio ESPANCA, Inventário Artístico de Portugal - Distrito
de Évora, vol. VIII, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes,
1975.
5 Idem, ibidem.
6 Cf. L’art décoratif en Europe - Renaissance et Maniérisme (…).
7 Idem, ibidem.
8 Isabel Mayer Godinho Mendonça, “Um tecto quinhentista na
igreja do convento de Santa Marta em Lisboa”, Monumentos, nº
17, Lisboa, DGEMN, Setembro de 2002,.
9 Este retábulo foi transferido em inícios do séc. XX para a igreja de Santo António do Estoril, onde ainda se encontra, o mesmo
acontecendo com os retábulos dos altares colaterais.
10 Existem exemplares destas estampas na Biblioteca Pública
Municipal do Porto, inseridas no Libro d’Antonio Labacco appartenente a l’Architettura nel qual si figurano alcune notabili antiquità di Roma (Y-14-16). A gravura aqui utilizada foi reproduzida
a partir do conjunto gravado de H. Cock da Bibliothèque Royale
Albert I (Albertine), em Bruxelas.
11 S. SERLIO, De Architectura Libri Quinque quibus cuncta fere
Architectonicae facultatis mysteria docte; perspicuè, uberrimeque, explicantur, Veneza, Apud Franciscum de Franciscis Senensem, & Ioannem Chrigher, 1569, Livro IV. Arquitecto, teórico
e pintor, Serlio foi o autor de um dos tratados de arquitectura
que maior influência exerceu sobre a arte de todos os tempos.
Natural de Bolonha, estudou em Roma, sofrendo a influência
de Bramante e de Baldassare Peruzzi, e trabalhou em Bolonha,
Roma, Veneza e em França, na corte de Francisco I. Em Veneza,
adaptou temas da arquitectura romana às tipologias construtivas
locais, absorvendo mais tarde as características da arquitectura
francesa. Os vários livros do seu tratado, amplamente ilustrados, alguns publicados postumamente, tiveram uma amplíssima
divulgação e tradução para várias línguas.
12 S. SERLIO, ob. cit., fl. 349, desenho inferior à direita, e fl. 351,
desenho superior.
13 Veja-se a Ficha de Inventário da DGEMN (actual IHRU), nº IPA
PT040705210023, onde está sintetizado o essencial da informação
sobre este edifício, em www.monumentos.pt. Cf. também Túlio
ESPANCA, “A Igreja do Espírito Santo – sua fundação e originalidade na arte do barroco”, in Cadernos de História e Arte
Eborense, XX, Évora, Livraria Nazareth, 1959 e José Alberto Go-
47
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
mes MACHADO, “As pinturas a fresco da sacristia nova da Igreja
do Espírito Santo de Évora”, in Barroco, Actas do II Congresso
Internacional, Porto, 2001, pp. 281-289.
14 Veja-se a Ficha de Inventário da DGEMN (actual IHRU), nº
IPA PT040705210023 (…) e Túlio ESPANCA, “A Igreja do Espírito
Santo (...)”
15 S. SERLIO, ob. cit., fl. 349, o desenho em baixo, do lado
esquerdo e fl. 351, desenho de baixo.
16 Veja-se a Ficha de Inventário da DGEMN (actual IHRU), nº IPA
PT040706040013, onde está sintetizado o essencial da informação sobre este edifício, em www.monumentos.pt e ainda Túlio
ESPANCA, “Vida, Morte e Ressurreição do mosteiro de Santo
António de Montemor-o-Novo, in A Cidade de Évora, vol. 8,
Lisboa, nº 56, 1967, e Julieta MARQUES, Vozes do Silêncio – Estudo sobre o convento de Santo António Pregadores da Ordem
Dominicana de Montemor-o-Novo, 2005.
17 S. SERLIO, ob. cit., fl. 349, o desenho de cima do lado direito
e fl. 350, o desenho superior.
18 Idem, ibidem, fl. 349, o desenho de baixo à direita e fl. 351,
desenho superior.
19 S. SERLIO, ob. cit., fl. 349, o desenho inferior, do lado esquerdo.
20 S. SERLIO. ob. cit., fls. 349 e 350, desenho superior.
21 Idem, ibidem, fl. 349 e 351, desenho superior.
22 S. SERLIO, ob. cit., fl. 349 e fl. 350, desenho inferior.
23 Idem, fl. 354.
24 Vejam-se as actas do encontro que reuniu na cidade de Como
estudiosos de vários países europeus onde ainda existem numerosos exemplos de estuques realizados por esses artistas: Arte e
Artisti dei Laghi Lombardi. Gli stuccatori dal Barocco al Rococo
(dir. de Edoardo ARSLAN), vol. II, Como, Tipografia Artistica
Antonio Noseda, 1962.
30 A.L., Livro da Dezobrigação do Perceito Annual da Quaresma
da Nação Italiana (1739/1744), fls. 30v; Livro da Dezobrigação
do Perceito Annual da Quaresma da Nação Italiana (1745/1751),
fl. 11.
31 Manuel Ferreira da SILVA, “Igreja dos Mártires”, in Dicionário
da História de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1994,
pp. 566-569.
33 Veja-se a recolha destas vinhetas em Marie-Thérèse MANDROUX-FRANÇA, “L’image ornementale et la littérature artistique importées du XVIe au XVIIIe siècles : un patrimoine méconnu des bibliothèques et musées portugais”, Boletim Cultural da
Câmara Municipal do Porto, Porto, Câmara Municipal do Porto,
1983, 2ª série, nº 1, pp. 412-445, fig. 17.
34 O palácio Cabral passou para a Casa dos viscondes de Moçâmedes, pelo casamento da filha de D. Pedro de Figueiredo Cabral, D. Francisca da Câmara Meneses, com Manuel de Almeida.
Cf. a entrada respectiva do Dicionário da História de Lisboa, de
Maria João Madeira RODRIGUES, p. 191.
35 Cf. L’art décoratif en Europe – Classique et Baroque (dir. de
Alain GRUBER), Paris, Citadelles et Mazenod, 1992.
36 Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, “Os teatros régios
portugueses em vésperas do terramoto de 1755”, in Brotéria, nº
157, Lisboa, Julho de 2003.
37 Norberto de ARAÚJO, Peregrinações, vol. IV, Lisboa, Parceria
António Maria Pereira, pp. 45, 46 e Maria Júlia Jorge, “Palácio
do Mitelo”, in Dicionário da História de Lisboa, pp. 582/583.
38 Na origem dessa adaptação estão as gravuras ornamentais
de François de Cuvilliés, o prolixo decorador da corte da Baviera. Nascido no Hainault (Valónia) mas de nacionalidade alemã,
François de Cuvilliés contactou em França directamente com a
nova linguagem e adaptou-a aos seus “caprichos”, como intitulou os seus desenhos de ornatos, de formas densas, muito
distantes dos ornatos estilizados e finos do rocaille francês.
40 Henrique Pinto REMA, “Capela e Hospital da Ordem Terceira
de Jesus”, in Dicionário da História de Lisboa, pp. 672, 673.
27 Ibidem, pp. 215, 216.
43 Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, “Estuques em Palácios Setecentistas”, in Os Interiores em Portugal, Lisboa, IADE,
2008 (no prelo).
48
48 T.T., Real Fábrica das Sedas, Lº 422, fls. 187-190, 195-198,
206 e 242. Veja-se ainda a carta de mestre de José Francisco da
Costa — A.H.M.O.P., Junta do Comércio, JC10.
49 T.T., Real Fábrica das Sedas, Lº 384, fls. 151v e 152.
50 T.T., Ibidem, fls. 159v e 160.
51 Maria Luísa de Oliveira GUIMARÃES, A capela de S. Roque no
Real Arsenal da Ribeira das Naus, Lisboa, Ed. Culturais da Marinha, 2006, pp. 97-101 e Doc. 11, e Hélia SILVA, Giovanni Grossi e
a Evolução dos Estuques Decorativos no Portugal Setecentista,
dissertação de Mestrado em Arte, Património e Restauro, Lisboa,
Faculdade de Letras, 2005, exemplar policopiado.
52 Cf. Paula NOÉ, “A Casa professa de S. Roque e o convento
de São Pedro de Alcântara. Dois modelos arquitectónicos”, Património Arquitectónico. Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
(dir. de Teresa Freitas MORNA), Lisboa, Santa Casa da Misericórdia, 2006, pp. 36-65.
53 Cf. o nosso artigo “Estuques decorativos em Igrejas de Lisboa
– A viagem das formas”, in A Presença do Estuque em Portugal. Do Neolítico à época contemporânea. Estudos para uma
base de dados, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 2009,
apresentado no I ciclo de conferências para o estudo dos bens
culturais da Igreja, Formas de Religiosidade e Sacralidade nas
Artes Decorativas Portuguesas, 2007 (no prelo).
54 Archives diplomatiques: archives de Saint-Louis des Français,
liasse 49, nº 3 - Cf. Église de Saint-Louis des Français - Étude
Préliminaire, Julho de 2005, relatório policopiado. As pesquisas
foram realizadas sob a direcção de Jean Pierre Rochette, Architecte en Chef des Monuments Historiques. Veja-se também
Nuno Daupiás d’ALCOCHETE, “Igreja de S. Luís dos Franceses”,
in Dicionário da História de Lisboa (…), pp. 808/810.
59 A.L., Livro Segundo dos Óbitos (1777/1846), fl. 10.
60 Idem, Lº 427, fl. 143. “Livro dos Termos de Arrendamento das
Cazas da Administração das Obras Públicas e Outras … donativo
dos 4% (1781/1804)” (Antigo Maço 685, nº 1)
61 Veja-se a nota 48 e Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, Estuques Decorativos em Igrejas de Lisboa, pp. 122-125, 136, 137.
62 Arquivo do Tribunal de Contas (A.T.C.), Erário Régio, Livro
4312 (antigo Maço 689, 1). Registo das Portarias que sobem à
assinatura (1781 – 1790).
63 Esta divisão abre, a Sul, para o claustro e a Oeste, para o
corredor das celas.
64 Idem, ibidem e T.T., M.O.P.C.I./ I.G.O.P., Livro 304, Igreja do
Coração de Jesus – 1789/1801, fl. 25v
65 Na capela da Raínha, contígua à Sala da Raínha, no coro
alto, na tribuna das freiras, no coro e retro-coro das freiras,
na Portaria, no Torreão Norte e na Sala de Santa Teresa e de
S. João da Cruz.
66 Jean Démosthène Dugourc (1749/1825), arquitecto, desenhador e gravador, além de ter trabalhado em Paris, foi o responsável pela divulgação do estilo neoclássico em Espanha. As suas
composições mais interessantes fazem parte dos Arabesques
inventés et gravés par J. D. Dugourc, de 1782.
67 Este tinha comprado a quinta e palácio a Francisco de Azevedo Coutinho em 1779. Veja-se a Ficha de Inventário da DGEMN
(actual IHRU), nº IPA PT031106390086, onde está sintetizado o
essencial da informação sobre este edifício, em www.monumentos.pt.
68 Cirillo Volkmar MACHADO, ob. cit., pp. 217, 218.
69 Cirilo Volkmar MACHADO, ob. cit., p. 218. Veja-se a Ficha
de Inventário da DGEMN (actual IHRU), nº IPA PT031106150052,
onde está sintetizado o essencial da informação sobre este edifício, em www.monumentos.pt.
70 Os seus estuques mais conhecidos foram realizados em Florença, no Poggio Imperiale (apartamentos do Grão-duque), no
Palazzo Pitti (sala degli stucchi) e nos Uffizi (sala della Niobe),
e em Milão, no Palácio Real e no Teatro della Scala.
55 Veja-se a nota 48.
42 Sobre este palácio veja-se sobretudo o artigo de Matilde
TAMAGNINI, “O palácio do Correio-Mor em Loures”, in BelasArtes, nº 31, Lisboa, 1977, pp. 101-122.
29 Arquivo do Loreto (A.L.), Livro Segundo dos Baptizados,
fls. 5, 25, 35v, 66, 101v. A naturalidade de Grossi — a cidade de
Como — era até à data desconhecida. Cirilo refere a cidade de
Milão e o ano de 1719 como o local e a data de nascimento do
estucador italiano. Cirilo Volkmar MACHADO, ob. cit., p. 215.
47 T.T., Real Fábrica das Sedas, Lº 422, fls. 190, 195, 196, 206 e
242, Lº 427, fls. 17v, 32 e 32v.
41 Ibidem.
26 Segundo o próprio Cirilo refere no prefácio da sua Colecção
de Memórias: “João Paulo fez-nos scientes do que tocava à
aula dos estuques”. Cirilo Volkmar MACHADO, ob. cit, p. 7.
28 Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA “Estuques do Palácio
de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência
da República, 2005, pp. 247-263. Veja-se também a entrada sobre João Grossi na nossa obra Estuques Decorativos - a viagem
das formas (séculos XVI a XIX), Lisboa, Patriarcado de Lisboa,
2009, pp. 123-134.
do Tombo, fundo Real Fábrica das Sedas, reúnem-se muitas informações sobre o funcionamento da Aula. Veja-se o Livro 355,
“Balanço demonstrativo da Real Fábrica das Sedas desde 16 de
Agosto de 1757 athé 31 de Dezembro de 1769”, e ainda os Livros
422 e 427, onde são referidas atribuições de cartas de oficial a
alguns dos alunos da Aula.
32 Cirilo Volkmar MACHADO, ob. cit., p. 215.
39 Cf. Marie-Thérèse MANDROUX-FRANÇA, ob. cit.
25 Cirilo Volkmar MACHADO, Collecção de Memorias Relativas
às vidas de pintores, e escultores, e architectos, e gravadores
portuguezes, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1922, pp. 215, 216 (1ª ed.
de 1823).
Estuques Decorativos em Portugal - do Manuelino ao Neoclássico Isabel Mayer Godinho Mendonça
44 Veja-se o alvará régio de 24 de Dezembro de 1771 dirigido
à Junta do Comércio — Arquivo Histórico do Ministério das
Obras Públicas (A.H.M.O.P.), Junta do Comércio, “Avisos e Ordens (1757/1833)”.
45 O embaixador espanhol em Lisboa tê-lo-á aliciado com o
perdão da pena pelo delito que o trouxera a Portugal. Cirilo
Volkmar MACHADO, ob. cit., p. 216.
46 Gustavo de Matos Sequeira, Depois do Terramoto, vol. IV,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, pp. 228-230. Na Torre
56 Em francês, Ordre du Saint-Esprit. Trata-se da mais antiga
e mais importante ordem honorífica francesa, criada em 1578
por Henrique III.
57 Marie-Thérèse MANDROUX-FRANÇA, “Information Artistique
et Mass-media au XVIIIe siècle: la difusion de l’ornement gravé
rococo au Portugal“, in A Arte em Portugal no século XVIII, Actas
do Colóquio, Bracara Augusta, vol. II. Braga: Câmara Municipal
de Braga, 1973, pp. 425-430. A autora comprovou a existência de
exemplares destas obras (nomeadamente, provenientes da Casa
do Risco das Obras Públicas), em várias colecções portuguesas e
a sua divulgação tardia junto dos artistas nacionais.
71 Cirilo Volmar MACHADO, ob. cit., p. 218. Os dois estucadores
referidos por Cirilo, de seu nome completo Domingos Lourenço
da Silva e José Eloy de Mendonça, dirigiram em 1825 um requerimento a D. João VI, em conjunto com Daniel Félix Amaro dos
Santos Campos, retomando a velha questão das prerrogativas
dos estucadores, concedidas pelo alvará de 23 de Dezembro de
1771, que proibia aos pedreiros, carpinteiros e moldureiros tomarem por sua conta obras de estuque, sob pena de seis meses
de cadeia e uma multa de 40$000. Juntavam ao requerimento
documentos que comprovavam a sua qualidade de mestres do
ofício de estucador. Cf. Isabel Mayer Godinho MENDONÇA, Estuques Decorativos em Igrejas de Lisboa, pp. 65 a 67.
72 Cirilo Volkmar MACHADO, ob. cit, pp. 217 a 219.
58 T.T., Real Fábrica das Sedas, Lº 427, fl. 141v. A 7 de Outubro
de 1777 Grossi fora sumariamente despejado das casas onde
habitava junto à Praça das Águas Livres - idem, Lº 446, fl.
126v -, uma vez que a nova administração das Reais Fábricas,
nomeada após a Viradeira, não aceitou a alegação de lhe ter
sido concedida pela direcção extinta a assistência de casas até
ao fim da vida - idem, ibidem, fl. 109.
73 Avelino Ramos MEIRA, Afife. Síntese monográfica, Porto, ed.
do autor, 1945, pp. 108 a 112.
49
Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques
Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
Técnica Superior do Museu
Nacional de Soares dos Reis é
Pós-graduada em Museologia e
encontra-se a preparar a tese
de doutoramento sobre espaços
interiores.
Tem desenvolvido o seu trabalho essencialmente nas Artes Decorativas,
onde é responsável pelas colecções
de Mobiliário e Vidros, e ainda pela
colecção de Gravura. Nesse âmbito
tem essencialmente aprofundado
estudos de mobiliário, interiores e
gravura de ornamentação.
Esteve ligada à programação da
actual exposição permanente de Artes Decorativas do Museu Nacional
de Soares dos Reis, 2001, onde tem
participado em várias exposições
temporárias.
Conta com a colaboração em
diversos catálogos e é autora de
comunicações e vários artigos.
Entre as publicações mais recentes
conta-se Biombos Namban, Museu
Nacional de Soares dos Reis, IMC,
Lisboa, 2009.
Aposentos de aparato
Segundo a definição do Dictionnaire d´Architecture,
Civile (…), de 1770, os aposentos de aparato eram situados ao nível do primeiro andar, com vista sobre o
jardim e compostos por uma sequência de aposentos
em enfilade - cada conjunto de salas ou appartement
seguia uma sequência linear que percorria todo o comprimento do edifício e que se alcançava através de
um olhar:
“de parade; est celui qui est au première-étage, ayant
vue sur le jardin, & est composé d´un nombre considérable de pièces enfilade, d´une extrémité à l´autre
du palais. Cet appartement annonce la grandeur & la
majesté, & on donne aux différentes pièces, différentes
noms: comme salle de concert, salle du trône, salle de
Mars, de Mercure, &tc, galeries”1.
Aos diferentes aposentos eram dados diferentes nomes podendo a designação dos aposentos ser indicada
pelos atributos normalmente induzidos pela escultura
e pela pintura dos tectos, ou ainda por alegorias que
adornavam as sobreportas, pilastras, fogões de sala
e tremós2.
Desde as primeiras décadas do século XVIII em França,
que os manuais destinados a alunos de arquitectura,
a artistas e artesãos integravam um espaço dedicado
ao tema da distribuição e decoração de interiores. Sob
uma procura de harmonia e unidade na arquitectura a
extensão do projecto era remetida para a organização
do espaço interior. Constituíam elementos da decoração e alvo a projectar elementos como as estruturas
apaineladas das paredes, portas, cornijas, tectos, tapeçarias e ainda mobiliário.
O apainelamento das paredes, com painéis de apoio ou
de altura, era neste período preferencialmente utilizado para revestimento mural dos aposentos, onde eram
adicionadas tapeçarias. Era aconselhada a sua utilização em países frios, como França e países vizinhos do
Norte, pois permitia que os aposentos se tornassem
mais secos e quentes, e por consequência saudáveis.
Razões climatéricas opostas determinariam a escassa
utilização de apainelados de madeira em países quentes, pois contribuíam para que estes perdessem a sua
frescura, facultando ainda a presença de insectos que
se alojavam e multiplicavam na madeira3.
Diferentes revestimentos utilizados em Portugal e Espanha recebiam curiosos comentários na tratadística:
“On voit en quelques villes d´Espagne & de Portugal,
de compartiments assez bizarres, qui sont imités de
ceux des bâtiments des Maures qui ont été autrefois
50
possesseurs d´une partie de cês royaumes, & qui ont
laissé divers monuments dignes de leur magnificence (…). Les compartiments qui ornent les murs, les
voûtes, & même le pavé de cês bâtiments, sont formés
par un assemblage de carreaux de porcelaine, & autres
terres cuites de diverses formes & couleurs dont l´effet
est extrêmement brillant (…)”4.
A integração do mobiliário nos aposentos seguindo um
planeamento global do espaço, constituía matéria a
cuidar pelos arquitectos setecentistas. Pela necessidade de preservar a simetria na distribuição, os móveis,
a par das tapeçarias, deveriam ser adaptados ao esquema decorativo dos aposentos, contribuindo para o
resultado final da decoração.
Entre as várias salas de aparato, a sala de jantar constituía um dos locais com decoração mais cuidada. A
grandiosidade deste aposento serviria como indicador
das faculdades do proprietário5, podendo indiciar o estatuto social superior do mesmo.
Palácio dos Carrancas – o andar nobre
O Palácio dos Carrancas, construído entre 1795 e 18056
foi mais a importante residência construída nos últimos anos do séc. XVIII na cidade do Porto. Igualmente
no seu interior a decoração dos aposentos de aparato
foi pautada por padrões estéticos elevados, seguindo
um movimento internacional em que a apetência por
objectos decorativos e pela decoração interior tinha
alcançado uma extensão nunca antes vista. Para o espaço interior eram demandados novos conceitos de
conforto e elegância, exigindo uma maior intervenção
de artistas e arquitectos neste domínio. A decoração
interior deveria estar em harmonia não apenas com a
proporção das salas, mas ainda com a qualidade social
do destinatário incluindo-se assim entre uma das manifestações de prestígio e poder.
Os primitivos proprietários do Palácio dos Carrancas, a
família Morais e Castro7 procuraram os melhores artistas existentes no Porto para ornamentação da sua residência8. Na decoração interior terá tido a intervenção
o artista italiano Luís Chiari que se encontrava, desde o
final do ano de 1797 e início 1798, a trabalhar no Porto9.
Durante o breve período de tempo que permaneceu na
cidade empreendeu várias obras de decoração interior
constituindo o Palácio dos Carrancas, o único espaço
civil onde é atribuída a sua actividade. Já no regresso
a Lisboa em 1807 abandonou os programas de decoração interior, dedicando-se a actividade de cenógrafo e
planos de arquitectura10.
O andar nobre, situado no primeiro andar e voltado
para a fachada principal, seguia princípios construtivos defendidos pela tratadística setecentista: era assim
51
O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
Figura 2: Nicho (demolido); Extremo norte da Sala de Jantar,
Palácio dos Carrancas, Arquivo Fotográfico Museu Nacional de
Soares dos Reis.
Figura 3: Sala de Recepção; Palácio dos Carrancas. Fotografia, c.
1908, Arquivo Fotográfico Museu Nacional de Soares dos Reis
Figura 1: Sala de Jantar, Palácio dos Carrancas. Fotografia Domingos Alvão, 1938.
precedido de uma ampla escadaria principal e dava
acesso a um vestíbulo, espaço que deveria ser aberto,
decorado em pedra, e desprovido de mobiliário.
Nos topos do edifício foram situadas duas escadarias
menores para uso de serviço, destinadas, segundo indicava a tratadística, à circulação dos criados pelas escadarias secundárias, com o objectivo de não fazerem
ruído e sem passar sob os olhos dos senhores 11.
A decoração original
Os aposentos de aparato eram constituídos por cinco
salas dispostas em enfilade. Um conjunto de registos
fotográficos revela embora em estado de abandono, a
decoração original de todas as salas do Andar Nobre 12
(Figs. 1, 3, 4, 5, 6). Trata-se dos únicos vestígios visuais
de três das salas intermédias, as quais, pelas obras
realizadas, foram despojadas da primitiva decoração.
Nos dois aposentos dos extremos do edifício, a Nascente e Poente, designadamente a Sala da Música e a
Sala de Jantar, subsistiu praticamente de forma integral
a decoração original, constituindo um exemplo raro em
espaços domésticos neste período em Portugal.
Na Sala de Jantar foi preservada a decoração original das estruturas apaineladas em estuque, a pintura
de ornato nas sobreportas e nos painéis das paredes,
as placas de luminária, o fogão de sala, e o trabalho
52
da parte superior das portas (Fig. 1). No tecto, pode
observar-se a ausência de estuques na primitiva decoração, hoje existentes, e realizados durante as obras
de adequação do imóvel a Museu, empreendidas pela
oficina de Domingos Baganha.
A localização da Sala de Jantar num dos extremos da
enfilade do edifício, seguia igualmente preceitos defendidos nos tratados de arquitectura francesa setecentista. A sua situação permitia a interrupção da comunicação com os restantes aposentos em enfilade, de forma
a não incomodar a utilização das outras salas, pois as
salas de jantar encontravam-se ocupadas pelos criados
durante muitas horas do dia13.
A Sala de Jantar seria precedida de uma sala de trinchantes e copa14. A localização da copa em zona contígua era sugerida igualmente pela tratadística, pois
dada a distância que usualmente as salas de jantar se
situavam das cozinhas era aconselhada a existência de
uma dependência anexa para colocação nos bufetes,
de fontes ou cisternas para fornecimento de água15.
A colocação de fontes na sala de jantar, para além de
constituir uma constante presença de humidade, o que
era considerado pouco saudável, igualmente implicava
o movimento constante dos criados naquele local, o
que era tido como desagradável16.
No Palácio dos Carrancas essa dependência deverá ter
Figura 4: Salão Nobre; Palácio dos Carrancas. Fotografia, c. 1938.
Figura 5: Sala de Recepção; Palácio dos Carrancas. Fotografia, c.
1908, Arquivo Fotográfico Museu Nacional de Soares dos Reis.
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O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
tido lugar numa zona imediatamente anexa. Foi conservado até recentemente em dependência contígua um
nicho (Fig. 2)17 onde deveria ter sido situado a zona
do bufete.
O arquitecto escocês Robert Adam18, figura artística de
renome em Inglaterra e com projecção internacional
entre 1775 e 1785, utilizou nichos com referências na
Antiguidade na decoração de salas de jantar, situando
nesse local o sideboard.
Subsiste um desenho assinado por Robert Adam que
representa o nicho da Sala de Jantar de Kedleston
Hall19. O local foi restaurado conforme o desenho
original20, mantendo-se o nicho enquadrado por duas
portas colocadas em simetria21, como o que existia no
Palácio dos Carrancas. Também uma gravura Design
of the side Board table in the Dinning room c. 1767
– 177022, pertencente à sua obra The Works in Architecture, repositório de vários projectos de decoração
interior editada em fascículos entre 1773-1779, revela
um bufete adornado com estojos de faqueiro, refrescador, cisternas de água e pedestais para manter os
pratos quentes, objectos realizados com inspiração em
formas da Antiguidade e habilmente adaptadas por Robert Adam a modernas necessidades de Setecentos.
É ainda na sua nomeada obra The Works in Architecture que Adam tece curiosas apreciações sobre as salas
de jantar, considerando-as como aposentos privilegiados entre as salas de conversação, e como locais onde
se passava grande parte do tempo, procurando por tal
conferir-lhes elegância e esplendor. O arquitecto escocês referia a preferência pela utilização de estuques
nestes espaços aconselhando este tipo de revestimento
e não o de damascos e tapeçarias como seria usual
em outros aposentos, de forma a não reterem o odor
dos alimentos:
“(…) The eating rooms are considered as the apartments
of conversation, in which we are to pass a great part of
our time. The renders is desirable to have them fitted
up with elegance and splendour, but in a style different
from that of other apartments. Instead of being hung
with damask, tapestry &c. they are always finished with
stucco, and adorned with statues and paintings, that
they may not retain the smell of the victuals.23”
A influência da obra de Robert Adam na decoração da
Sala de Jantar do Palácio dos Carrancas foi já evocada24. Este constituiu o único espaço civil, pelo menos
que subsistiu, em que Luís Chiari interveio no Porto e
onde o artista italiano poderá ter assimilado de uma
forma mais ampla a influência de Adam, uma vez que a
obra do arquitecto inglês foi essencialmente realizada
em espaços interiores domésticos.
54
Os painéis de grotescos em estuque foram verdadeiros
ex-líbris da obra de Robert Adam. São vários os exemplos encontrados na sua obra que revelam afinidades
formais e estilísticas com os painéis que Luís Chiari
terá realizado para a Sala de Jantar do Palácio dos
Carrancas, como os painéis de estuque da Sala de Jantar em Osterley Park25, ou os da Sala de Recepção em
Bowood House (demolida em 1956)26.
A reciprocidade de influências processadas em território italiano neste período, onde Luís Chiari terá recebido a sua formação, trazidas pela vivência de Robert
Adam em Itália e pelos contactos precoces com Piranesi e Clérisseau teve ampla repercussão não só naquele
país como em outros da Europa. Tido como grande
responsável por uma revolução no espaço interior em
Inglaterra, Adam alcançou uma ampla homogeneização de estilo não só no seu país mas igualmente no
exterior. A universalidade da obra de Robert Adam
traduziu-se num fenómeno novo neste domínio artístico, colocando Inglaterra na liderança da estética
da decoração interior neste período, e tornando assim possível o entendimento de um espaço com forte
presença da influência inglesa sob concepção de um
artista italiano.
Enquadrado nos painéis de estuque o fogão de sala
pontua o centro da sala: de introdução recente na
cidade, provavelmente de importação inglesa, este
elemento constituía por si só uma componente de
modernidade, sendo ainda acrescido pelo respectivo
enquadramento com o plano decorativo da sala. Os
espelhos integraram a organização original deste espaço como fundo de placas de luminária. A introdução dos espelhos neste aposento é de realçar: as suas
capacidades de reflexão e ampliação da luz tornaram
este elemento componente fundamental na decoração
interior setecentista.
Três das salas de aparato intermédias do Andar Nobre
foram totalmente destituídas da sua decoração original
pelas obras levadas a cabo pela ex - Direcção-Geral de
Edifícios e Monumentos Nacionais iniciadas em 1737.
Numa das salas de recepção apenas foram preservadas
as pinturas de sobreportas com temática inspirada nas
pinturas a fresco das villas da cidade de Herculano e
divulgadas pela obra Le Antichità di Ercolano Exposte,
publicada entre 1757 e 1792.
Num extremo da enfilade do Palácio dos Carrancas,
a Nascente, situa-se a Sala da Música, cujo conjunto
decorativo original formado por estuques, mobiliário
e pintura ainda persiste. Neste espaço Luís Chiari terá
criado um programa de concepção global, caracteri-
O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
zadamente Neoclássico com um planeamento unitário,
por tal, harmonioso.
Durante o período em que o Palácio foi residência temporária da família real27 este aposento foi destinado a
“Quarto da Rainha” (Fig. 6), seguindo assim uma tradição que desde o século XVII considerava os quartos
como os grandes aposentos de aparato.
Foi neste espaço seguida a tradição que preconizava
ao uso de pintura nos tectos das galerias e salões28,
com designação induzida pela temática. A designação
deste aposento surge na pintura do tecto com uma
“Alegoria à Música”, atribuída ao pintor Francisco Vieira Portuense29. Para ornamentação das extremidades
arredondadas, eram considerados especialmente ornamentos em baixo-relevo e em camaieu, ou ainda figuras de estuque, como foram aí realizadas30.
Na concepção da sala assumem papel preponderante
os espelhos pertencentes ao par de tremós, que em
conjunto com três mesas circulares completam o mobiliário realizado em talha dourada para esta sala31.
Referimos que os espelhos nos espaços interiores
setecentistas constituíam um elemento decorativo de
primordial importância. O seu papel no bem-estar e
conforto era obtido através da colocação frente a frente para uma melhor ampliação da luz, conferindo assim
aos aposentos não só o conforto como o aparato ou a
grandiosidade desejável.
No plano de concepção global vários componentes da
decoração encontram-se em diálogo, entre o par de
tremós, os estuques do tecto integrados no plano geral
da sala32 ou a pintura em grisaille situada nos ângulos
do tecto. A unidade decorativa foi alcançada através
da utilização de motivos decorativos iguais, versados
em diferentes materiais: nos tremós, ao centro da consola, situa-se uma máscara feminina, e no tecto, em
linha perpendicular, figura um conjunto ornamental
com igual máscara transposta para o estuque. Aí foi
encimada por um vaso com chama de onde pendem,
em unidade decorativa com o trabalho da talha da consola, grinaldas de flores abertas.
Seguindo o plano de harmonia entre mobiliário e estuques do tecto, encontram-se em cada espelho de
tremó, quatro medalhões elípticos de pintura a óleo
sobre tela. Superiormente e inferiormente Ninfas com
Cupidos, Alegorias às Artes e lateralmente, figuras de
Bacantes, estas em unidade decorativa articulada com
as figuras de Bacantes das pinturas em grisaille, dispostas em medalhões de forma igualmente elíptica, nos
ângulos em abóbada do tecto.
A procura de uniformidade decorativa foi extensiva ao
pormenor. Chiari realizou para o tecto em estuque o
motivo de “leque”33, ornamento de que a descoberta
da Antiguidade trouxe à luz34. O motivo foi interpretado parcialmente em estuque no tecto, e em pormenor
miniaturizado em talha dourada, ao centro das quatro
consolas situadas nos ângulos da sala. Este ornamen-
Figura 6: Sala da Música; Palácio dos Carrancas. Fotografia, c.
1908. Arquivo Fotográfico Museu Nacional de Soares dos Reis.
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O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
to foi preferencialmente utilizado pelo artista como
adorno em portas, como no Guarda-vento da Igreja da
Lapa35, e na parte superior das portas do Andar Nobre
do Palácio dos Carrancas, onde é ainda possível identificar o motivo interpretado de forma estilizada.
Se a presença da obra de Robert Adam é fundamental
para o entendimento destes espaços interiores, o artista italiano Luís Chiari era todavia sucessor de uma
pujante escola em matéria de ornamentação interior.
No seu país de origem dividido por reinos e ducados, a
influência francesa era dominante, quer pela presença
de pensionistas do rei de França na Academia de França em Roma, quer por personagens da própria corte
francesa. No Ducado de Parma, sob o reinado de D.
Filipe de Bourbon e Luísa Isabel, primogénita de Luís
XV de França entre 1749 e 1764, um grande incremento
artístico gerado em volta da corte com intervenção de
grandes nomes, criou na cidade um ambiente artístico
de vanguarda36.
O estucador Giocondo Albertolli, autor de projectos
de decoração interior e qualificado como próximo do
gosto francês, foi influenciado pela figura tutelar do
arquitecto francês Ennemond Alexandre Petitot durante
o seu período de formação na Academia de Parma, tornando-se um intérprete junto da aristocracia da decoração interior de vários palácios. A sua grande actividade como ornamentista foi especialmente exercida em
Milão e em outras cidades italianas, mas foi na capital
lombarda que realizou as suas mais prestigiadas obras.
Nessa cidade exerceu ainda a função de professor na
Academia de Belas-Artes de Brera, dirigindo a famosa
Aula de Ornato37.
Encontramos referências de Giocondo Albertolli na
obra de Luís Chiari, muito especialmente no mobiliário, domínio onde trabalhou com uma técnica da talha
densa e simultaneamente delicada. A nível ornamental o mobiliário afasta-se um pouco das referências
imediatas da Antiguidade, encontrando inspiração na
ornamentação de origem francesa e ainda nos mestres
quinhentistas.
O motivo de máscara feminina que já referimos, utilizado na talha das consolas e no estuque do tecto da Sala
de Música encontra afinidades com a obra de Albertolli.
As grinaldas espessas de flores abertas na talha das
consolas podem igualmente associar-se à técnica de Albertoli, num estilo vigoroso, de talha profunda. Os troféus, originalmente constituídos por armas capturadas
ao inimigo e exibidas em marchas triunfais, tornaram-se
desde o século XVI um elemento obrigatório nas artes decorativas, muito especialmente na arte francesa,
encontrando-se na obra de Albertolli e igualmente na
talha realizada por Luís Chiari para os conjuntos escultóricos de remate dos tremós da Sala da Música.
Assim, nos dois exemplos analisados das salas que
persistem com a decoração original no Andar Nobre
do Palácio dos Carrancas, a interpretação ai realizada
pode essencialmente caracterizar-se por um cunho internacional, que se cruzou nestes espaços interiores da
cidade do Porto em finais do século XVIII.
O Andar Nobre do Palácio dos Carrancas. O programa de decoração, mobiliário e estuques Paula Carneiro Museu Nacional de Soares dos Reis
NOTAS DE RODAPÉ:
1 Le Virloys Roland, Dictionnaire d`Architecture, Civile, Militaire
Et Navale, Antique, Ancienne et Moderne, Et De Tous les Termes
sont exprimés. Auquel On A Joint Une Notice des Architectes
Ingénieurs, Peintres, Sculpteurs Graveurs et autres artistes les
plus célèbres, dans on rapporte les principaux Ouvrages. Paris,
Chez les Libraires Associés, 1770, vol. I, p. 78.
para Exposição de Artes Decorativas, realizadas em 2001 sob
projecto do Arquitecto Fernando Távora.
2 Blondel, De La Distribution des Maisons de Plaisance, et De
La Décoration Des Edifices en General, Chez Charles-Antoine
Jombert, 1738, II, p. 122, 123.
18 Robert Adam era natural da Escócia onde nasceu em 1728.
Aí estudou arquitectura prosseguindo a sua formação em Itália
para onde partiu em 1755 e onde se manteve durante três anos,
aí usufruindo de um ambiente intelectual e artístico com contactos com personalidades da vanguarda do neoclassicismo como
Giovanni Baptista Piranesi e Charles-Louis Clérisseau. De regresso a Inglaterra estabeleceu-se em Londres, onde trabalhou entre
as décadas de 1760 e 1790 para um círculo da aristocracia urbana
influenciada pelo Grand Tour e pelo regresso à Antiguidade.
3 Augustin-Charles D´Aviler, Cours D`Architecture qui Comprend les Ordres de Vignole (,,,); Par Sieur C.A. D´Aviler, Architecte. Nouvelle Edition, par Pierre-Jean Mariette., Paris, Chez
Charles-Antoine Jombert, 1760, p. 391.
19 Design of the West End of the Dining Room with the Nich &
Sideboard, Desenho, Robert Adam, 1762, in Eileen Harris, The
Genius of Robert Adam, his interiors, Yale University Press, New
Haven and London, 2001, p. 33, il. 43.
4 D´Aviler, op. cit., p. 378.
20 Harris, op. cit., p. 33, il. 42.
5 C.E Briseau, L´Art de Bâtir des Maisons de Campagne où
l´on traite de Leur Distribution, de Leur Construction & de leur
Décoration, Par de Sieur C. E. Briseau, Architecte. A Paris, Chez
Pault Pere, 1743 p. 23.
21 Harris, op. cit., p.33, il. 42,43.
6 Os primeiros lotes de terreno para a construção foram adquiridos em 1795. Em 1805 o Palácio deveria estar concluído.
Veja-se in Teresa Viana, Os Carrancas no Porto, Itinerário de
uma Família na Cidade entre 1700/ 1800, Porto, Boletim Cultural
da Câmara Municipal do Porto, 1989/90, p. 295.
23 Citado por Harris, op. cit., p. 74.
7 Veja-se Viana, op. cit., p.291-350.
26 Harris, op. cit., p. 110, il. 165.
8 Maria Clementina Quaresma, “Algumas Obras de Luís Chiari no
Porto”, Colóquio, (Fev. 1963), p. 23-25.
27 Entre 1861-1910. Veja-se Paula Carneiro, “O Paço Real do Porto:
Interiores, Vivência”, Museu (1995), IV série, n.º 3, p. 59-85.
9 Quaresma, op. cit., p. 23.
28 D´Aviler, op. cit., p. 399.
10 Veja-se em Paula Mesquita dos Santos, “Luiz Chiari: Mestre entalhador, estucador, cenógrafo e arquitecto em Portugal
(1798-1837)”, Museu, IV série, n.º 4, (1995), p. 195-226.
29 Carlos de Passos, Guia Histórica e Artística do Porto, Porto,
Editora Figueirinhas, 1935, p. 275.
22 The Works in Architecture of Robert and James Adam, Henry
Hope Reed (Int.), New York, Dover Publications, 2006, pl. 16.
24 Viana, op. cit. 1984, p. 18.
25 Harris, op. cit., p. 162, il. 233.
30 D´Aviler, op. cit., p. 398.
11 Brixeaux, op. cit., p. 20.
12 Em 21 de Julho de 1937 o edifício foi incorporado no Património do Estado para aí ser instalado o Museu Nacional de Soares
dos Reis. As obras de adequação do imóvel foram realizadas
pela Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais.
31 Mobiliário atribuído a Luís Chiari por Quaresma, op. cit., p.
23-25.
32 Santos, op. cit., p. 206.
33 Santos, op. cit., p. 206.
13 Blondel, Architecture Françoise ou Recueil des Plans, Elevations, Coupes et Profils Des Eglises, Maisons Royales, Palais,
Hôtels & Edifices les plus considérables de Paris, ainsi que des
Châteaux & Maisons plaisance situés auz environs de cette
Ville, ou en d´autres endroits de la France, bâtis par les plus
célèbres Architectes. & mesurés exactement sur les lieux. Avec
la description de ces Edifices, & des dissertations utiles & intéressantes sur chaque espèce de Bâtiment. Par Jacques-François
Blondel, Professeur d `Architecture. A Paris, rue Dauphine, Chez
Charles-Antoine Jombert, Avec Approbation et privilège du Roy,
1752, I, p. 31, 32.
14 Viana, “Os Carrancas e o seu Palácio” [Cat. Exp.] MC/ IPPC,
1984, p.45.
15 Briseaux, op. cit., p. 23.
16 Blondel, op. cit., 1752, I, p. 31, 32.
34 Ornamento designado como “leque antigo” ou “véu ondulado”.
35 Carlos Bastos, Nova Monografia do Porto, Porto, Companhia
Portuguesa Editora, 1938, p. 302.
36 Enrico Colle, “Il Ducato di Parma: decorazioni d´interni e
manifatture”, in Il Neoclassicismo in Italia, da Tiepolo a Canova,
[Cat Exp.], Milão, Skira, 2002, p. 299-300.
37 Colle, “Il Ducato di Milano: decorazioni d´interni e manifatture”, in Il Neoclassicismo (…) op. cit., p. 339-342.
38 Disponível na Internet: http://www.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_C.aspx; 03/02/2008
39 Disponível na Internet: http://www.monumentos.pt/Monumentos/forms/002_C.aspx; 03/02/2008
17 O nicho foi destruído nas obras de renovação do Andar Nobre
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Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras
Maria Augusta Pires Marques Martins
Maria Augusta Pires Marques Martins
Técnica Superior na Divisão de Património Cultural da Câmara Municipal do Porto desde 1987.
Habilitações literárias
.Licenciatura em Artes Plásticas –
Pintura, pela Escola Superior de
Belas Artes do Porto.
.Curso de Pós-Graduação em Museologia pela Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.
.Curso de Pós-Graduação em Gestão
Estratégica do Património na Administração Pública e Autárquica – ISPGaya/ IPPAR, 2005.
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1. Avelino Ramos Meira
Avelino Ramos Meira, nasceu em Afife, Viana do Castelo, a 12 de Janeiro de 1874 e faleceu na freguesia de
Miragaia, Porto, a 10 de Agosto de 1953.
Frequentou o Curso de Construção Civil no Instituto
Industrial e Comercial do Porto, um ensino especializado nas artes aplicadas e nas artes industriais. Alicerçou então os conhecimentos de desenho, modelação
e ornamento, disciplinas balizadoras da sua prática
profissional enquanto mestre-estucador.
A 12 de Fevereiro de 1908, a Câmara Municipal do Porto
confere-lhe o Diploma de Mestre-de-Obras1 e, em 21
de Março de 1925 obtém o registo n.º 37 no Livro de
Registo Geral de Técnicos de Construção Civil.
Obtém a carteira profissional de Construtor Civil a 1 de
Julho de 1941, tornando-se o sócio n.º 110 do Sindicato
Nacional dos Construtores Civis.
A Câmara Municipal do Porto concede-lhe, a 23 de Novembro de 1941, a Licença n.º 11 do Registo de Inscrição
de Técnicos, permitindo-lhe assinar projectos e dirigir
obras no concelho.
Nessa qualidade, o seu nome é referido em, pelo menos, 23 licenças concedidas pelo Município do Porto
entre 1909 e 1937, na maioria para execução de obras
de 2ª categoria2.
É no Porto que se estabelece fundando a Oficina de
Construção Civil “Avelino Ramos Meira”, sedeada no
n.º 236 da Rua do Rosário, na freguesia de Cedofeita, a
qual se especializou nas artes do estuque e da pintura
decorativa.
Esta oficina poderá ter iniciado a sua actividade logo
nos primeiros anos do século XX, possivelmente ainda
sob impulso de seu pai António Pinto Meira3, tendo
continuado naquele local com Avelino e onde também
fixou residência4.
Cumulativamente, Avelino Ramos Meira desempenhou
o cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Afife
nos anos de 1926 até 1942 e de 1947 (?) a 1953, cumprindo cerca de 22 anos de mandato.
Foi autor de Afife (Síntese Monográfica), excelente
fonte que nos permite perceber a evolução da arte do
gesso, os mestre, as técnicas, etc..
Filho de Maria Rosa Alves Ramos Meira e de António
Pinto Meira (1847/1904), o qual foi em novo estucador
e imitador de mármores e depois mestre-de-obras5,
Avelino seguiu uma actividade profissional já enraizada no seio familiar.
Além do pai, foram também influentes na sua carreira
os tios paternos, José Pinto Meira (1847/1900) que fazia
quase todos os desenhos e modelações para obras
dos diversos empreiteiros do Porto6 e Luís Pinto Meira
(1849/1908) grande artista de desenho e modelação de
ornatos, contando entre as suas principais obras no
Porto, a decoração da Capela do Cemitério de Agramonte7 e vários trabalhos no Palácio da Bolsa, onde
trabalhou durante 40 anos, primeiro como artista modelador e estucador, e por último como empregado,
dirigindo os trabalhos de conservação do edifício8. É
contudo o Salão Árabe, o mais esplendoroso trabalho
executado sob a sua direcção, considerado, segundo o
Dr. Flórido a mais espectacular realização romântica
do estuque em Portugal9.
Outros familiares que se notabilizaram neste ramo artístico foram:
Domingos Meira10 (1850/1928), um dos mais importantes mestres-estucadores e decoradores portugueses da
Escola de Afife11, da segunda metade do século XIX e
primeiras décadas do século XX.
Em Lisboa, fundou uma das mais importantes oficinas,
onde acolhia bons estucadores seus conterrâneos, entre os quais podemos destacar Francisco Enes Meira,
grande modelador falecido em 1938, sendo portanto
sogro e primo de Avelino Ramos Meira.
Na capital e arredores, Domingos Meira deixou obra
numerosa e de reconhecido mérito, como a do Castelo da Pena, que lhe valeu o título de comendador da
Ordem de Cristo.
No Porto, são-lhe atribuídas as obras do Grande Hotel
do Porto e do Palacete Braguinha (actual Faculdade de
Belas Artes), sendo que, neste último, as sucessivas
renovações e adaptações do edifício, conduziram ao
total desaparecimento das decorações em estuque.
Os Meira constituíram uma verdadeira dinastia de exímios estucadores, que perdurou por mais de um século
e meio de actividade, deixando a sua arte disseminada
de norte a sul do país.
Cabe a Avelino Ramos Meira a derradeira missão de
concluir este ciclo de prodigiosos mestres-artífices,
prolongando a actividade da oficina até ao fim da vida
(1953), transitando nessa altura para a posse do seu
sobrinho Avelino Meira Ramos.
As pacientes decorações em estuque de excelente qualidade técnica deram lugar a soluções simples, em que
o trabalho do estucador quase se resumia à preparação do gesso e a correr os ‘contra-moldes’.
Assim, neste último período de laboração, esta oficina
executou sobretudo trabalhos de conservação e restauro nomeadamente na casa de S. João Novo (Museu
de Etnografia) e Casa Barbot (actualmente Casa da
Cultura da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia).
Encerrou portas em Dezembro de 1999, tendo sido a
última do seu género no Porto.
Por iniciativa de Maria Alina Meira Ramos12 o espólio
foi doado à Câmara Municipal do Porto em Julho de
2001, encontrando-se em depósito no Banco de Materiais do Departamento Municipal de Museus e Património Cultural.
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Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
2. A Oficina
Integrado num conjunto de frente urbana característica
do século XIX, o edifício n.º 236 da Rua do Rosário
é composto por piso térreo, onde funcionou a oficina,
e 1.º andar destinado a habitação, numa área total de
cerca de 700 m2 incluindo o logradouro.
Vista do lado da Rua, aparenta ser uma casa de habitação corrente, sem quaisquer indícios que a relacionem
com uma oficina de construção/ornamentação. Acedendo ao interior via-se um imenso mostruário de peças
dependuradas nas paredes, como se de uma página de
catálogo se tratasse.
Nos seus tempos áureos, era ali que se concebiam
os modelos ou protótipos dos ornatos em estuque os
quais, depois de repetidos eram levados para as obras
e aí aplicados ou ‘corridos’ de forma directa sobre as
superfícies dos tectos e paredes.
A oficina extrapolava assim a sua área de acção para
os locais de trabalho – o lugar onde o desenho e o
modelo se transformavam em obra – onde eram criadas verdadeiras oficinas de modelação.
Dentro da sua especialização, esta oficina, foi uma
das mais prestigiadas do Porto na primeira metade do
século XX, não podendo, contudo, igualar-se, quer
em dimensão quer na própria especialização, à sua
congénere, propriedade dos irmãos Baganha, como
aliás, o podemos comprovar nas palavras de Avelino:
Na época moderna, (…) [entre 1910 e 1945], têm-se
feito muitos trabalhos de decoração, em estuque, estilo Luís XV e XVI, no Pôrto e terras do norte. Nesta
época, os melhores modeladores têm sido os irmãos
Baganha, António e Joaquim, naturais da freguesia de
Areosa (Viana do Castelo), os quais sempre preferiram
os estucadores de Afife, para colaborarem com êles
nos seus trabalhos13.
Os irmãos Baganha executaram muitas obras de particulares e públicas nomeadamente para a Câmara
Municipal do Porto, no projecto de melhoramento e
embelezamento das avenidas de Montevideu e Brasil
e construção da pérgola, nesta última14.
Após a morte de António Enes Baganha, ocorrida acidentalmente em 1934, a oficina prossegue por mão de
Joaquim Enes Baganha, contando entre as suas principais obras, o desenho e modelação da decoração
interior do edifício do Banco de Portugal, na Praça da
Liberdade, Porto.
Verificámos uma estreita colaboração entre as oficinas
dos Baganha e dos Meira, ambas localizadas na Rua do
Rosário, executando trabalhos complementares numa
mesma obra, consoante a sua área dominante.
Assim sucedeu na sede do Banco de Portugal acima referida, onde, aos trabalhos de modelação de Joaquim
60
Fotografia 1: Vista do edifício da Rua do Rosário, 236 em 2006.
artes decorativas aplicadas à arquitectura que se especializa, trabalhando com alguns dos melhores arquitectos do seu tempo, o que nos confirma a confiança
destes arquitectos nos serviços da sua oficina para a
materialização dos seus projectos.
À sua oficina é atribuída a intervenção em prestigiados
edifícios como o do Grande Hotel da Bela Vista (Caldelas) e as Empresas Termais de Vidago (Melgaço) e
Pedras Salgadas.
No Porto, além das obras já referidas, temos ainda
indicação de ter colaborado em grandes empreendimentos públicos e privados tais como:
– interior dos Bancos Inglês, Espírito Santo e Nacional
Ultramarino, Clínica Dr. Alberto Gonçalves e Colégio
Luso-Francês;
– Mercado do Bolhão, à época, uma construção de carácter monumental cujo projecto reformulado e aprovada em 1914, foi subscrito pelo engenheiro Casimiro
Barbosa e pelo arquitecto António Correia da Silva.
A atitude projectual e construtiva desenvolvida no
Mercado do Bolhão demonstra o conhecimento das
realidades locais, as possibilidades técnicas e eco-
nómicas, respondendo positivamente aos princípios
programáticos e à utilização do Betão Armado, dando
preferência a este material, pela sua “rapidez de execução, durabilidade, economia de conservação, e de
facilidade de adaptação ao ornamento arquitectural”17.
Com o passar dos anos, verificou-se uma progressiva
degradação do edifício, nomeadamente dos elementos
decorativos e escultóricos, todos levantados em cimento;
– Empreitada de acabamento da Maternidade de Júlio
Dinis que decorreu entre 1934 e 1938, na qual Avelino
Ramos Meira fez parte da Sociedade de Construtores
Civis constituída para o efeito, cabendo-lhe a gerência
de trolhas e estucadores18. A construção já havia iniciado em 1928 sob projecto do arquitecto suíço George
Epitaux tendo dirigido as obras os arquitectos Baltazar
de Castro e Rogério Azevedo;
– Palácio do Comércio (1946) na Rua de Sá da Bandeira, da autoria dos arquitectos Maria José Marques da
Silva e Moreira da Silva, para onde foram chamadas
as mais distintas casas entre as quais a de Avelino Ramos Meira a quem foi confiado o honroso e delicado
trabalho de intervir nos diferentes trabalhos do seu
Fotografia 2: Vista do interior da oficina em 2001.
Baganha se juntaram as obras de estucador, realizadas
por Avelino Ramos Meira, como mestre-de-obras, incluindo todos os trabalhos de mármore artificial, em
colunas, pilastras e outros motivos decorativos do
mesmo género, (…) [que] foram feitos por António
Silva, de Afife e por Joaquim Gonçalves, natural do
concelho da Maia (Porto)15.
O mesmo se verifica em 1951 no Hotel Infante de Sagres onde Avelino executou os trabalhos de pintura
e estucador cabendo à Oficina Baganha & Irmão Ld.ª
o fornecimento de todos os motivos decorativos em
gesso para os tectos e paredes16;
Avelino Ramos Meira é, como já o dissemos, Mestrede-Obras e Construtor Civil, sendo porém, na área das
Fotografia 3: Grupo de estucadores nas Pedras Salgadas. Col. Maria Alina Meira Ramos.
61
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
«metier»19. Toda a obra de estuque foi contudo realizada pela Sociedade Cooperativa dos Estucadores
Portuenses;
– Edifício sede da Associação dos Comerciantes do Porto20, na Av. de Rodrigues de Freitas, n.º 200, edificada
em 188921 por Casimiro José da Silva a partir do risco
do arquitecto José Geraldo da Silva, considerado um
dos maiores arquitectos da Escola do Porto da segunda
metade do século XIX, onde mais tarde, possivelmente em 1909 e na década de 40, Avelino terá realizado
obras conforme indicação explícita em dois ‘moldes de
correr’ que fazem parte deste nosso espólio.
Visitado o edifício, verificámos a identidade dos referidos moldes aplicados no tecto da sala da Direcção,
bem como de outros ornamentos no Salão Nobre. Nesta dependência, todos os paramentos são exuberantemente pintados, ora sobre tela, ora directamente sobre
o fundo estucado, relegando os ornatos em estuque à
função de emolduramento. Destacam-se dois grandes
medalhões no tecto, datados de 1909 e assinados pelo
artista Paulino Gonçalves22, curiosamente, o mesmo
autor de dois “quadros” em azulejo que ladeiam a escadaria interior deste mesmo edifício.
Supomos também uma boa relação profissional dos
Meira com o arquitecto Marques da Silva (1869-1947).
Primeiro, em 1898, com Luís Pinto Meira na decoração
do Salão do Tribunal do Comércio e Sala da Direcção
do Palácio da Bolsa, na casa Ramos Pinto & Irmão23, na
estucagem das paredes e tectos da casa-mãe dos Ramos Pinto, em S. Roque da Lameira24 e mais tarde, provavelmente logo a partir da morte de Luís Pinto Meira,
em 1908, com o sobrinho deste, Avelino Ramos Meira.
Como prova desta ligação, podemos referir a licença
requisitada à Câmara Municipal do Porto em 1911 por
Avelino Ramos Meira para o levantamento de passeio25
na casa-atelier do próprio arquitecto Marques da Silva,
na Praça do Marquês de Pombal, 44.
António Cardoso refere também que um Meira (provavelmente já Avelino) executou os tectos de estuque
nas casas do Dr. José Domingues de Oliveira e Ernesto
Nogueira Pinto, em Leça da Palmeira26, no período entre 1906 e 1908, aquando da direcção das obras por
Marques da Silva.
Ainda segundo o mesmo autor, Avelino Meira também
trabalhou com Marques da Silva no Palácio da Brejoeira, em Monção, nomeadamente no teatrinho Apolo.
Muitas outras obras realizadas por esta oficina ficarão
no anonimato por falta de documentação e da realização de um levantamento que nos permita complementar este nosso esboço.
62
3.2 Motivos decorativos e fontes de inspiração
Podemos agrupar as peças desta ‘colecção’ pelo motivo decorativo que representam e pela sua forma,
sendo esta condicionada ao espaço que pretende ornamentar.
Tal como refere o Dr. Flórido de Vasconcelos, os ornatos de gesso apostos às estruturas dos edifícios
dependem, em primeiro lugar, do local em que se inserem, isto é da forma das superfícies que vestem29.
Neste contexto, podem distinguir-se as ornamentações
para tectos, onde cabe toda uma panóplia de centros
(medalhões), cantoneiras, frisos, toros e faixas.
Fotografias 6 e 7: Peças G231 e G771.
Fotografias 4 e 5: Av. de Rodrigues de Freitas, n.º 200 (Salão
Nobre).
3. O espólio: “Uma quase infinita multidão de formas
nascidas na mente humana (…)27”
3.1 Modelos, moldes e formas
O espólio proveniente da Oficina Avelino Ramos Meira
é constituído por 872 peças, das quais 784 em estuque28, onde se incluem modelos para aplicação directa, moldes ou matrizes e formas ou contramoldes, que
se destinavam à reprodução em série, consoante a sua
adaptação ao local de aplicação, o gosto dos encomendadores e a sensibilidade artística dos estucadores.
Os ornatos eram modelados em barro, passados a gesso com moldes de gesso, cera ou de gelatina e depois
colados nas superfícies que se pretendia ornamentar.
A operação de multiplicação das peças é evidenciada em alguns moldes através das várias camadas de
goma-laca ou de outro tipo de impermeabilizante, o
que significa que foram repetidamente contramoldados
e utilizados.
Já quanto ao seu modelador, fundidor, data de realização ou locais de aplicação as informações são escassas, salvo raras excepções:
– um centro de tecto com flores e frutos que refere
“Porto 4-9-909/ José e António /enxerto (…)”;
– um friso de pérolas com legenda “31-12-944 DM”;
– uma peça com a referência a “Narciso/ 6-10-1934
/ Afife” .
Além das peças em estuque, este espólio integra ainda
cerca de 88 ‘moldes de correr’ de diferentes perfis, que
se destinavam à execução de sancas e frisos.
Estas peças eram constituídas por uma estrutura de
madeira formando ângulo recto, onde era fixada uma
chapa de zinco com o perfil do desenho que se pretendia obter. Tinham ainda uma pega para permitir
empurrar e “correr” o gesso até se obter os perfis desejados em função do seu desenho.
As sancas eram corridas no ângulo formado pelos
paramentos com os tectos, enquanto os frisos eram
aplicados nas superfícies. (Fotografia 8)
Fotografia 8: Molde de Correr, peça G808.
Fotografias 9, 10 e 11: Peças G112; G108; G056.
63
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
Destinados também às paredes, os frisos e toros têm
nesta ‘colecção’ grande variedade de motivos, quase
todos de inspiração clássica, como gregas, óvulos, dardos, folhas de acanto, ondas, heras, dentículos, dentadura, pérolas, modilhões, discos, rosário, ziguezague,
etc., sendo os que mais se repetem são os de folhas
de loureiro (cerca de 25 exemplares), ora simples, ora
combinados com folha de carvalho, entrelaces, etc.
A preferência pelas folhas do loureiro e carvalho estará associada ao seu significado de glorificação, militar
ou civil.
Além destes, outros elementos vegetais aparecem modelados em gesso como rosas, margaridas e frutos,
dispostos em grinaldas, em festões, em taças ou em
faixas e também malmequeres, nestes últimos numa
estilização próxima da ‘Art Deco’.
As poucas referências à Arte Nova estão patentes nos
medalhões alusivos às estações do ano, como o Verão
e a Primavera30.
Surgem ainda combinações com instrumentos musicais
que se destinavam às salas de música e salões de baile
de edifícios apalaçados e motivos religiosos mais vocacionados a locais de culto.
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
Para as superfícies verticais, encontramos ainda uma
gama de peças que embora pertencentes ao vocabulário arquitectónico, quando aplicadas, cumprem apenas
uma função estritamente ornamental ou decorativa.
Incluem-se aqui, cachorros, mísulas, consolas, tímpanos, e capitéis de pilastras e de colunas bem ao estilo
clássico.
FONTES ARQUIVÍSTICAS:
AGMP/ CMP (Arquivo Histórico Municipal do Porto/ Câmara
Municipal do Porto)
Livro do Registo Geral de Construtores Civis do Concelho do
Porto, n.º 2, Registo n.º 106, fl. 18.
AHMP/ CMP (Arquivo Histórico Municipal do Porto/ Câmara
Municipal do Porto)
Livro de Licenças de Obras
n.º 227, Vol. 15 – Lic.ª 718/ 1909, de 14 de Junho
n.º 237, Vol. 36 – Lic.ª 1765/ 1909, de 21 de Dezembro
n.º 274, Vol. 109 – Lic.ª n.º 2025/ 1911, de 7 de Dezembro
Livros de Plantas de Casas
n.º CXII – Lic.ª n.º 490/ 1889, de 7 de Agosto,
DMPC/ CMP (Divisão Municipal de Património Cultural/ Câmara
Municipal do Porto)
Base de Dados de Licenças de Obras
IPAP – Inventário do Património Arquitectónico do Porto.
MASSENA, Joaquim Orlando Fonseca – «Relojoaria Mendonça.
Parte de um todo – Candidatura ao Prémio João de Almada
2002»
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
Fotografia 14: Peça G049.
Vasos e taças, balaústres, monogramas, figurações
humanas e de animais fantásticos, sob forma de mascarão ou carranca complementam esta diversidade de
ornatos.
Numa última análise, verificámos que muitos dos elementos decorativos desta colecção se encontram repetidos também no exterior dos edifícios da cidade,
neste caso, ‘fundidos’ em bronze, cimento ou copiadas
em granito, por serem materiais mais resistentes e duradouros.
A título de exemplo, refira-se uma frente comercial na
Rua de Santa Catarina, n.º 250, datada de 1922, em que
todos os ornatos foram levantados numa argamassa de
cimento e executados com a mesma técnica de construção dos elementos em estuque.
GRAÇA, Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – Construções
de Elite no Porto (1805-1906). Porto: Edição do Autor, 2004 (Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal apresentado à Faculdade de Letras da Universidade do Porto).
MEIRA, Avelino Ramos – Afife (Síntese Monográfica) (2.ª Edição). Afife: Junta de Freguesia de Afife, 2004.
SANTOS, Ana Paula Machado dos – «A Oficina Baganha: Uma
colecção no Museu Nacional Soares dos Reis», Museu, Série
IV, n.º 4, 1995.
SILVA, Eduarda Moreira da – Técnicas Tradicionais de Fingidos
e de Estuques no Norte de Portugal. Contributo para o seu estudo e conservação. Évora: Edição do Autor, 2002 (Dissertação
de Mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico e
Paisagístico apresentada à Universidade de Évora).
VASCONCELOS, Domingas Isabel Costeira da Rocha de – A Praça do Marquês de Pombal na Cidade do Porto: das suas origens
até à construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Porto: Edição da Autora, 2004 (Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal apresentado à Faculdade de Letras da
Universidade do Porto).
VASCONCELOS, Flórido de – Estuques Decorativos no Norte
de Portugal» [Catálogo da Exposição de Fotografias do Inventário de Estuques Decorativos do Norte de Portugal]. Porto:
Fundação Calouste Gulbenkian/ Centro Regional de Artes Decorativas, 1991.
VASCONCELOS, Flórido de – Os Estuques do Porto, Col. «Porto
Património – 1». Porto: Câmara Municipal do Porto, Departamento de Museus e Património Cultural, Divisão de Património
Cultural, 1997.
Fotografia 12: Peça G061
Fotografia 13: R. Santa Catarina, 1316; utilização do modelo
G061.
64
VASCONCELOS, Flórido de – «Introdução a um Inventário dos
Estuques do Porto», Centro de Estudos Humanísticos Studium
Generale, n.º 1 – Estudo e Defesa do Património Artístico. Porto: Ministério da Cultura/ Delegação Regional do Norte, 1984.
VASCONCELOS, Flórido de – «Notas sobre Estuques do Porto»,
Revista ARPPA, n.º 1, 1.º Semestre de 1987.
65
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
NOTAS DE RODAPÉ:
1 Cf.: AGMP/ CMP – Livro do Registo Geral de Construtores
Civis do Concelho do Porto, n.º 2, Registo n.º 106, fl. 18.
2 Cf.: DMPC/ CMP – IPAP – Inventário do Património Arquitectónico do Porto. DMPC/ CMP – Base de Dados de Licenças
de Obras.
3 A presença de António Pinto Meira é indicada no Almanaque
do Porto e seu distrito entre 1894 e 1896-99 na Rua da Carvalhosa, 47 e em 1906 no Annuário do Commercio do Porto na
Rua. do Rosário, 236 (informação disponibilizada por Maria de
São José Pinto Leite).
4 Cf.: AHMP/ CMP – Livro de Licenças de Obras, n.º 227, Vol.
15, fl. 85-95 – Lic.ª n.º 718/ 1909, de 14 de Junho. Licença para
construção de moradia na Rua de Guerra Junqueiro, n.º 24,
onde o próprio Avelino Ramos Meira assina o termo de responsabilidade da obra, indicando por sua morada o edifício n.º 236
da Rua do Rosário. Uma outra licença camarária do mesmo ano
refere um pedido de obras de saneamento para aquele edifício
pelo próprio Avelino Ramos Meira, na qualidade de construtor civil, e pelo proprietário do imóvel – Jacinto de Oliveira.
[AHMP/ CMP – Livro de Licenças de Obras, n.º 237, Vol. 36, fl.
311-314 – Lic.ª n.º 1765/ 1909, de 21 de Dezembro].
5 Cf.: MEIRA, Avelino Ramos – Afife (Síntese Monográfica) (2.ª
Edição). Afife: Junta de Freguesia de Afife, 2004, p.113.
Estuques do Porto - O Contributo dos Meiras Maria Augusta Pires Marques Martins
Lisboa (Chiado), etc., etc. [Cf.: MEIRA, Avelino Ramos – Afife
(Síntese Monográfica), op. cit., p. 110-111].
11 A Escola de Afife é assim chamada por aquela localidade
ter sido berço de um conjunto notável de mestres estucadores
e decoradores. Por vezes, também recebe o nome de Escola
de Viana do Castelo, concelho a que pertence a freguesia de
Afife. Destacaram-se, os artistas: José Moreira, o ‘Francês’, um
dos primeiros a desenhar e esculpir os ornatos em gêsso que
trabalhou no Palácio do Conde de Monte Cristo, em Lisboa,
onde, consigo também trabalhou o modelador de estuques António Amorim; os mestres Bezerras (que, segundo indicações
terão trabalhado com Nasoni na Torre dos Clérigos e na Igreja
de Santa Marinha, de Vila Nova de Gaia); João Bandeira (que
trabalhou na decoração dos tectos da Câmara Municipal de Lisboa); António e Joaquim Enes Baganha, naturais da freguesia
da Areosa; Francisco António Meira (mestre-formador da Escola
Industrial de Coimbra), entre os Meiras já citados [Cf.: MEIRA,
Avelino Ramos – Afife (Síntese Monográfica), op. cit., p. 105,
e 108-110].
8 Cf.: IDEM, Ibidem, p.113.
9 Cf.: VASCONCELOS, Flórido – Os Estuques do Porto, Col.
«Porto Património – 1». Porto: Câmara Municipal do Porto,
Departamento de Museus e Património Cultural, Divisão de Património Cultural, 1997, p. 72.
10 Domingos António de Azevedo da Silva Meira [Domingos
Meira], natural de Afife, começou a sua actividade artística aos
14 anos de idade, em Lisboa, com Rodrigues Pita, (natural de
Carrêco), de quem, à morte, assumiu a chefia do atelier. Trabalhou com alguns dos melhores arquitectos do seu tempo, como
Rambois e Cinatti. Da sua obra, destacam-se: O Castelo da Pena
(Sintra), Palácio das Necessidades (Lisboa), Chalet da Rainha D.
Maria Pia (Estoril), Sala do Conselho de Estado do Ministério do
Interior, Palácios do Duque de Loulé e do Duque de Palmela (actual Procuradoria-Geral da República, Lisboa), do Marquês da
Praia e Monforte, do Marquês de Faial, do Marquês de Pombal,
do Marquês da Foz, do Conde da Folgosa, da Condessa do Porto Covo, do Conde de São Marçal, do Conde de Nova Goa, de
Cabral, do Conde de Daupias, do Conde da Boavista, do Conde
de Geraz do Lima, do Conde de Paço de Lumiar, da Viscondessa de Reboredo, do Visconde de Porto Salvo, de Monserrate
(Sintra). Câmara Municipal de Beja (1883), Palácio Barahona
(Évora, 1884), Teatro Garcia de Resende (Évora, 1889), Palacete Lima Mayer (Lisboa), e do Conselheiro Morais de Carvalho
(galeria). Casas de Alfredo Guedes, do Dr. Manuel de Castro
Guimarães, de Francisco Simões Margiochi, de Carlos Eugénio
de Almeida, de José e Francisco Ribeiro da Cunha, de Eduardo
Coelho, de Alfredo Ribeiro, etc., na Escola Médica de Lisboa
(salão nobre e escadaria), Museu de Artilharia (1902), Palácio
Sotto Mayor (Figueira da Foz, 1907-1918), Salão do Turf-Club de
66
24 Cf.: CARDOSO, António – O Arquitecto José Marques da
Silva e a arquitectura no Norte do País na primeira metade do
séc. XX. Porto: FAUP, publicações, 1997, p 590.
25 Cf.: AHMP/ CMP – Livro de Licenças de Obras, n.º 274, Vol.
109, fl. 101-104 – Lic.ª n.º 2025/ 1911, de 7 de Dezembro, cit. in
VASCONCELOS, Domingas Isabel Costeira da Rocha de – A Praça do Marquês de Pombal na Cidade do Porto: das suas origens
até à construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Porto: Edição da Autora, 2004 (Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal apresentado à Faculdade de Letras da
Universidade do Porto), Vol. II, p. 168.
26 Cf.: CARDOSO, António – O Arquitecto José Marques…,
op. cit., p 590.
12 Maria Alina Meira Ramos, filha de Avelino Meira Ramos e
sobrinha-neta de Avelino Ramos Meira.
27 Cf.: VASCONCELOS, Flórido de – Os Estuques do Porto, op.
cit., p. 28.
13 Cf.: MEIRA, Avelino Ramos – Afife (Síntese Monográfica),
op. cit., p. 115
28 Estuque – espécie de argamassa composta geralmente de
cal, areia fina, pó de mármore e gesso.
14 Cf.: SANTOS, Ana Paula Machado dos – «A Oficina Baganha:
Uma colecção no Museu Nacional Soares dos Reis», Museu,
Série IV, n.º 4, 1995, p. 306-307.
29 Cf.: VASCONCELOS, Flórido de – Os Estuques do Porto,
op. cit., p. 26.
6 Cf.: IDEM, Ibidem, p.113.
7 Indicação fornecida por Avelino Ramos Meira, contudo, segundo o Dr. Flórido de Vasconcelos foi António Almeida Costa
que executou os estuques desta Capela. C.: Cf.: VASCONCELOS,
Flórido de – Os Estuques do Porto, op. cit., p. 78.
23 Marques da Silva fará arranjos nesta casa, intervindo nos
escritórios, na modificação da fachada, desenhando móveis e
ornatos (com os estuques de Luís Meira (…) [cf.: CARDOSO,
António – O Arquitecto José Marques…, op. cit., p. 589.
15 Cf.: MEIRA, Avelino Ramos – Afife (Síntese Monográfica),
op. cit., p. 116.
16.[Cf.: «Hotel Infante Sagres», O Comércio do Porto, Sábado,
23 de Junho de 1951, p. 8].
30 Foi possível localizar estes motivos decorativos no edifício
da Rua de Santa Catarina, 1316, antiga Villa Júlia, construído em
1909 segundo projecto de Avelino Ramos Meira para António
Pereira da Silva, capitalista. É actualmente sede da Administração Regional de Saúde do Norte.
17 Cf.: MASSENA, Joaquim Orlando Fonseca – «Relojoaria Mendonça. Parte de um todo – Candidatura ao Prémio João de
Almada 2002», in Arquivo DMPC/ CMP.
18 Cf.: Livro de Actas da Sociedade Particular de Construtores
Civis designada Sociedade Saúl & Companhia – Agosto de 1934
a Junho de 1938.
19 Cf.: «A Construção Civil – factor preponderante do desenvolvimento e urbanização da cidade. O seu valor e as suas possibilidades», O Comércio do Porto, Sexta-feira, 13 de Setembro
de 1946, p. 5.
Segundo informação verbal, Avelino concentrou nesta obra cerca de 70 operários, ocupando hierarquicamente as categorias
de encarregado de obra, oficial de 1ª, oficial de 2.ª, aprendiz
e servente.
20 Integra o conjunto de edifícios com os n.os de polícia 192,
194, 200 e 204, classificado como Conjunto de Imóveis de Interesse Público, pelo Decreto 735/ 74 de 21 de Dezembro.
21 Cf.: AHMP/ CMP – Livros de Plantas de Casas, n.º CXII,
fl. 4-6 – Lic.ª n.º 490/ 1889, de 7 de Agosto, cit. in GRAÇA,
Manuel de Sampayo Pimentel Azevedo – Construções de Elite
no Porto (1805-1906). Porto: Edição do Autor, 2004 (Dissertação
de Mestrado em História da Arte em Portugal apresentado à
Faculdade de Letras da universidade do Porto), Vol. I, p. 149,
Vol. II, p. 501-507.
22 Paulino Gonçalves, artista que se especializou na pintura de
azulejos na Fábrica do Carvalhinho. É autor de inúmeros painéis
figurativos de inspiração nacionalista.
67
Os Estuques no Século XX no Porto - A Oficina Baganha
Maria de São José Pinto Leite
Maria de São José Pinto Leite
1976 – Licenciatura em Filologia
Românica na Universidade de Letras
do Porto.
De 1977 a 1986 – Prática pedagógica como professora do ensino
secundário e como leitora de
português, em França (Universidade de Lyon II).
1992 – Estadia em Londres para
frequentar o Atelier de Mrs. June
Spinella, com vista a uma formação
em Conservação e Restauro de
Cerâmica.
1994 – Estágio no Museu de
Conimbriga, na área de restauro de
cerâmica.
Desde 1994, prática no âmbito
da Conservação e Restauro de
Cerâmica, tanto para clientes particulares e antiquários como para
Instituições. Destas últimas salientase colaboração com a Casa Museu
dos Patudos em Alpiarça, com a
Venerável Ordem Terceira de São
Francisco no Porto e contribuições
pontuais para a Sé do Porto e para
a Diocese de Beja.
2002/2004 – Pós-Graduação em
Artes Decorativas na Universidade
Católica Portuguesa – Núcleo do
Porto.
20 e 21 de Outubro de 2006 –
Participação nas «I Jornadas
sobre o Estuque em Portugal»,
realizadas na Universidade Católica
Portuguesa, com uma comunicação
intitulada «Colecção Baganha».
2 a 5 de Maio de 2007 – Participação no Seminário subordinado ao
tema «A Presença do Estuque em
Portugal», organizado em parceria,
pelo Fórum Unesco, pela Universidade Lusíada, pelo Museu do
Estuque e pela Câmara de Cascais,
com comunicação intitulada «Os
Baganha: uma oficina através do
68
seu espólio».
2007 – Conclusão do Mestrado em
Artes Decorativas na Universidade
Católica Portuguesa – Núcleo
do Porto, com tese intitulada «A
Oficina Baganha e os estuques no
séc. XX no Porto».
Fevereiro de 2008 – Artigo publicado na Revista de Artes Decorativas
da UCP, intitulado «Os interiores
eclécticos da Casa Barbot, em Vila
Nova de Gaia».
Abril de 2008 – Lançamento do livro intitulado «A Oficina Baganha e
os estuques no séc. XX no Porto»
com o patrocínio do CITAR, UCP.
20 de Setembro de 2008 a 6 de Janeiro de 2009 – Participação como
Comissária Científica na Exposição
«A Oficina Baganha e os estuques
no séc. XX no Porto», patente no
MNSR.
No início do século XVIII, e irradiando de Itália, assistiu-se na Europa a uma proliferação da decoração
estucada. Em Portugal, tal difusão esteve intimamente
ligada às reformas levadas a cabo pelo Marquês de
Pombal a seguir ao terramoto de 1755 visando, não
só a reconstrução de Lisboa, mas também a modernização do país e a sua equiparação aos demais países europeus1. No norte, a introdução e implantação
dos estuques fez-se lentamente pela tradição dos
revestimentos de madeira e também pela dificuldade
de obtenção de matéria-prima devido à composição
maioritariamente granítica dos solos2. No entanto, implantado o liberalismo, o Porto entrou numa época de
desenvolvimento: o século XIX e os primeiros anos do
século XX foram de grande vitalidade e a cidade cresceu, impulsionada pelas ambições de uma burguesia
empreendedora ligada ao comércio e à indústria. Muito
relevantes, foram, por um lado, as acções da numerosa
colónia inglesa ligada ao negócio do vinho do Porto
que fez vir estucadores do seu país de origem para as
obras da Feitoria Inglesa, influenciando notoriamente o
gosto dos portuenses pela estética neoclássica; por outro lado, o regresso dos brasileiros de «torna-viagem»
que encomendaram para habitação própria e para fins
assistenciais numerosas construções onde patentearam
a sua fortuna e posição.
Tal surto construtivo incrementou a abertura de numerosas oficinas a que a decoração estucada e a escultura
decorativa não foram alheias. Cedofeita foi escolhida
por, pelo menos, duas das mais importantes linhagens
de mestres estucadores para aí se instalarem: os Baganha e os Meira.
É à primeira dessas casas que o Museu Nacional de Soares dos Reis dedica a exposição patente nas suas instalações. Tendo recebido um imenso legado de gessos
das mãos do seu último proprietário, Domingos Enes
Baganha3, o MNSR congregou esforços com a firma
CRERE4 e com familiares, as três entidades depositárias
do espólio, para organizar uma exposição que seja o
testemunho do talento e do saber fazer dos estucadores daquela época. Metodologicamente, foi decidido
dividir o espaço em núcleos: o 1º, focado na produção
oficinal à luz das gramáticas decorativas mais significativas, o 2º, na família e relações, o 3º, na obra estucada propriamente dita. Na prossecução deste objectivo,
escolheram-se painéis verticais, vitrinas e plintos, nos
quais se apresentam, lado a lado, desenhos, moldes
em gesso e gravuras, assim como recordações da vida
e da produção dos vários membros da família: fotos,
ferramentas e documentos.
A integração da exposição no espaço museológico total
faz-se através de referências colocadas, a primeira, no
hall de entrada, onde, numa vitrina, se mostram frag-
Figura 1: Vitrina com fragmentos de estuque da estação arqueológica do freixo.
Figura 2: Foto da equipa de estucadores do Hotel das Pedras
Salgadas.
mentos pertencentes ao campo arqueológico de Tongóbriga (Freixo), próximo do Marco de Canaveses5; a
segunda, no 1ºandar, onde dois cavaletes sustentam
modelos em gesso com motivos usados na campanha
de obras empreendida no Palácio dos Carrancas pela
Direcção Geral dos Monumentos Nacionais e levada a
cabo pela Oficina Baganha.
O périplo pela exposição propriamente dita, inicia-se
com a foto do grupo de estucadores que tomaram parte
nas obras do Hotel das Pedras Salgadas. Devidamente
uniformizados, dão-nos as boas-vindas6 e remeten-nos
para a importância que teve o rei D. Fernando II no ressurgir do apreço pela arte do estuque e pela onda de
revivalismos que se fez sentir na construção e decoração da época7. É a eles que se dedica o 1º momento do
69
Os Estuques no Século XX no Porto - A Oficina Baganha Maria de São José Pinto Leite
percurso: a produção da Oficina não ficou imune ao espírito romântico que fez despertar as gramáticas decorativas do passado medieval, embora maioritariamente
se tenha dedicado às decorações de cariz neorococó
e neoclássico. Para as zonas de receber, a preferência
ia para os concheados, os motivos “asa de morcego”,
as volutas em S desenvolvendo-se assimetricamente,
numa profusão decorativa muito própria da gramática
“rocaille”. Nos ambientes íntimos, surgiam decorações
mais simples, jogando com grinaldas e hastes floridas,
fitas e laços, molduras de óvulos e dardos, de gregas
e caneluras, ao gosto clássico. Para documentar as
correntes estéticas mencionadas, apresentam-se desenhos de motivos soltos e de ambientes decorativos,
acompanhados de folhas de álbuns da época e moldes em gesso, dos quais destacamos centros diversos
e um jogo de sobreporta e entreporta. Da biblioteca
familiar, e atendendo à influência que os tratados e
álbuns estrangeiros terão certamente tido na produção, escolheram-se gravuras que exibem duas salas de
jantar, uma neorenascentista e outra neogótica8, um
salão «Luís XIV», um quarto «Luís XV» e um último
quarto «Luís XVI».
Mas o labor oficinal foi contagiado pelos ventos de
mudança que sopraram nas Exposições Universais de
Paris de 1900 e 1925, trazendo estilos de características
inusitadas, a Arte Nova e a Art Déco. O painel seguinte
demonstra-o, novamente com gravuras9, desenhos e
gessos, representando painéis e elementos decorativos
como conchas, tabelas e frisos.
Este 1º momento expositivo prolonga-se numa rubrica
intitulada «Interpretações», expondo peças com presença relevante nas encomendas da casa. Destaque
para desenhos de tectos onde centros muito elaborados exibem putti no meio de enrolamentos e ornamentos vegetalistas, conjugando-se com frisos sucessivos
e de múltiplos motivos. Tal riqueza decorativa encontra
eco em alçados interiores com fogões de sala, mísulas,
colunas e seus capitéis, sancas e sobreportas profusamente decoradas.
Figura 3: Visão geral das «Interpretações»
70
Os Estuques no Século XX no Porto - A Oficina Baganha Maria de São José Pinto Leite
Com a abertura das casas para a rua e o aparecimento dos jardins frontais, também a ornamentação dos
espaços exteriores passou a receber a atenção dos encomendantes. Assim, segue-se um conjunto de peças
destinadas a esses espaços de ar livre, destacando-se
carrancas de leão e golfinhos servindo de bica da água,
vasos e taças.
No 3º núcleo da Exposição, intitulado «Obras na cidade», reproduzem-se fotograficamente e através de
moldes em gesso, motivos utilizados em edifícios onde
trabalharam os vários mestres que levaram o nome
Baganha. Mereceram especial atenção uma sobreporta
do hotel Infante Sagres, uma mísula do café «A Brasileira», uma máscara do Teatro Nacional S. João, uma
coluna do café Majestic, uma taça da pérgula instalada
na Av. Brasil, na Foz do Douro e um menino em tudo
semelhante aos que se expõem no hospital Maria Pia.
Num painel com fotografias, apontam-se possíveis percursos de estuques a apreciar no grande Porto, compreendendo espaços públicos com ornamentação que
pode ser atribuída à Oficina Baganha.
Falar duma obra sem nos debruçarmos sobre os autores da mesma e sobre a clientela que a celebrou
é forçosamente limitado. Se para a última, os dados
disponíveis são muito raros e incompletos10, os primeiros são um dos focos importantes da nossa exposição.
Estão identificados na assinatura de alguns desenhos
e em dois painéis que atestam a formação académica que receberam e a sua contribuição para o labor
da Oficina. Em três vitrinas, um conjunto de objectos,
documentos e materiais ajudam a essa compreensão11.
Destaque para fotos e desenhos rubricados, bilhetes
de identidade e diplomas, testemunhos da imprensa
e ferramentas, assim como para álbuns de gravuras e
livros vários que faziam parte da biblioteca familiar.
Desta última, estão visíveis numa vitrina, exemplares
do legado de Domingos Enes Baganha, alguns possivelmente provenientes da casa de seu tio Joaquim12.
Figura 6: A vitrina da biblioteca e matéria-prima
Figura 4: Máscara do Teatro S. João
Figura 5: Obras na cidade e vitrina dos amigos
Ao longo dos sucessivos períodos de laboração, as
oficinas da família foram centro de passagem e de encontro de personalidades da época ligadas às artes e
à arquitectura. Lembranças desse convívio encontram
lugar na vitrina dedicada aos amigos. Destacamos
cabeça de criança de António Teixeira Lopes, retrato
autografado de Zeferino do Couto a acompanhar estatueta em gesso assinada, carta do Arq.º Marques da
Silva, fac-simile duma carta do Arq.º Oliveira Ferreira,
bilhetes de José Rosas e carta de Avelino Ramos Meira,
todos endereçados a Domingos Enes Baganha.
Uma última vitrina remete-nos para os materiais e ferramentas utilizados neste mister. Uns são pertença do
espólio da Oficina, outros cedidos. Distinguimos moldes, linhadas, garlopas, ganchetas e tecos, bem como
várias amostras de gesso natural de proveniências distintas, com explicações sobre a utilização de cada um,
desde a preparação da matéria-prima para o trabalho
de estuque até à reprodução dos motivos decorativos.
Figura 7: Vista da vitrina da
família e painel Formação.
Figura 8: O painel dos percursos na cidade.
Uma exibição em Power Point completa a visão do labor artístico desta Oficina, alargando algumas rubricas
a que a exposição dedicou menor atenção, como a
arquitectura funerária ou o desenho de mobiliário e
luminária.
A terminar, quatro palavras que gostaríamos norteassem
a actuação de todos os amantes das artes decorativas e
da decoração estucada em particular: documentar, conservar, restaurar e divulgar. Apelam a que se fotografe,
a que se conserve e, quando necessário e possível, se
restaure com o merecido respeito pelos materiais e pela
época, tendo em vista a difusão do interesse por este
património tão rico e tão injustamente subvalorizado
– para que as gerações vindouras possam sempre
ter contacto, mesmo que limitado, com testemunhos
de uma época que alguns estudiosos consideram “das
mais fascinantes da história da cidade”13.
71
Os Estuques no Século XX no Porto - A Oficina Baganha Maria de São José Pinto Leite
NOTAS DE RODAPÉ:
1 Para tal, foi de especial relevância a protecção dada ao mestre
italiano João Grossi, convidado a dirigir a Aula de Desenho e
Estuque, integrada na Real Fábrica das Sedas, a partir de 1764,
não só pelo talento de que deu provas, mas pela geração de
artistas que formou e que continuaram o seu labor.
2 Um dos exemplares mais antigos é um tecto em abóbada do
Palácio do Freixo, datado de meados do século e atribuído ao
italiano Nicolau Nasoni, apesar de se apontar ao mestre lisboeta
António Pereira a responsabilidade da iniciação dos estuques no
Porto: chamado a trabalhar nas obras da Sé durante o período
da Sede Vacante (1717-1741), aí de instalou em 1719 e teve o
mérito de formar uma plêiade de alunos que com ele foram os
principais divulgadores da decoração estucada
3 Nasceu no dia 7 de Agosto de 1914 na freguesia de Massarelos
no Porto, filho de António Enes Baganha e de Maria José Martins
de Araújo. Morreu em 1 de Fevereiro de 1994, estando sepultado
em jazigo de família no cemitério de Agramonte. Estudou na
Escola Industrial Infante D. Henrique; fez ainda o Curso de Arte
Aplicada na Escola de Arte Aplicada, depois anexada à Escola de
Faria Guimarães, actual Escola de Soares dos Reis. Tal como seu
pai, foi mestre de oficina na Escola de Faria Guimarães e ainda
ajudante do escultor Sousa Caldas nas cadeiras de modelação
e escultura decorativa. Sucedeu a seu pai e tio, na direcção da
Oficina por eles fundada, no início do século XX.
4 C.R.E.R.E. – iniciais da firma «Centro de Restauro Estudo e Remodelação de Espaços, Lda.» criada em 1989 por Paulo Ludgero
de Castro com o propósito de conservar e restaurar património
no campo das artes decorativas e essencialmente vocacionada
para as áreas do estuque e da pintura decorativa. É depositária
dos gessos entregues ao MNSR e dona de desenhos, ferramentas e parte da biblioteca pertencente à Oficina Baganha.
Os Estuques no Século XX no Porto - A Oficina Baganha Maria de São José Pinto Leite
Enes Baganha. Para o primeiro esboço, conhecemos o destinatário, Maria da Costa e Sá da Quinta do Penedo – Santo Tirso.
11 Como já foi dito anteriormente, a colecção que apreciamos
hoje foi doada por Domingos Enes Baganha, mas outros membros da família tiveram o seu lugar na saga profissional desta
família, quer na 1ª, quer na 2ª geração e estão presentes nesta
mostra. Sob o nome Baganha, três casas funcionaram no Porto,
na zona de Cedofeita. Dirigidas por diferentes membros da família, todas se dedicaram à mesma arte, a do estuque e escultura
decorativa, para além da actividade de construção civil; no entanto, o espólio aqui presente pertence à casa-mãe, fundada por
António e Manuel Enes Baganha e gerida nos seus últimos tempos por Domingos Enes Baganha, com sede na Rua do Rosário,
nº125: é a ela que nos referimos quando utilizamos a expressão
«Oficina Baganha». As outras duas pertenceram a Joaquim Enes
Baganha, Rua Miguel Bombarda, n.º101 e a António M. Enes
Baganha, Rua do Rosário, n.º153, levando esta última o nome de
«Atelier de Escultura Decorativa António Enes Baganha».
12 A saber : DALY, César – L’Architecture privée au XIXe. Siècle.
Tome I: hôtels privés. Paris: Librairie Générale de l’Architecture
et des Travaux Publics, 1870; FARGES, R. (dir. de) – La Décoration ancienne et moderne – architecture, ferronnerie, mobilier,
décoration murale, motifs d’architecture. Paris: Aulanier & Cie.
Ed., [s.d.] ; VIGNOLE– Traité élémentaire pratique d’architecture.
Paris: Garnier-Frères, [s.d.] ; DALY, César – Décorations intérieures peintes. 1er. volume. Paris: Librairie Générale, [s.d.] e
BRISEUX, C.E. – L’Art de bâtir des Maisons de Campagne. Tome
second. Paris: Prault Père, 1743.
13 Vd. SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e – Arte e Sociabilidade
no Porto romântico. Porto: Citar, 2009, p.13.
5 Tais fragmentos atestam do uso do gesso policromado no
tempo da civilização romana. Além desta estação arqueológica,
têm aparecido fragmentos de estuque argamassado e moldado
e painéis de pintura mural sobre estuque de gesso nas estações
de Bracara Augusta (Braga), Conímbriga (Condeixa-a-Velha), e
Miróbriga (Alcácer-do-Sal).
6 Estes trabalhos foram levados a cabo pela Oficina Meira e a
foto cedida por familiares do seu último dono, Avelino Meira
Ramos.
7 D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, marido da rainha D Maria II, chamou Domingos Meira, de Afife para as obras no Palácio
da Pena onde pretendia concretizar um projecto inovador aliando o gótico ao árabe.
8 As gravuras pertencem ao álbum “Intérieurs d’Appartements
de Haut Style vus en perspective d’après les Travaux des Frères
Guéret dessinés par Th. Villeneuve”. Paris: Librairie d’Art Décoratif Armand Guérinet, Éditeur, [s.d.] que faz parte de espólio.
9 Gravuras retiradas respectivamente, dos álbuns Analypta,
[s.l.], [s.n.], [s.d.] e RAPIN, Henri – La Sculpture décorative
à l’Exposition des Arts Décoratifs de 1925. Paris: Éd. Charles
Moreau, 1925.
10 Nos desenhos expostos, reconhecem-se algumas assinaturas,
embora a percentagem com autoria identificada seja diminuta;
do mesmo modo, a nomeação dos encomendantes é rara e incompleta. Mas, para a exemplificar, incluímos no 2º núcleo expositivo, «Interpretações», uma carranca de leão e golfinhos, da
autoria respectivamente de Domingos Enes Baganha e de António
72
73
Maria Isabel Pinto Osório
Natural do Porto (1963), licenciada
em História/Arqueologia (1984/
FLUP), mestra em Arqueologia
(1994/FLUP), arqueóloga da Câmara
Municipal do Porto desde 1985,
foi entre 1996 e 2009 responsável
pela Divisão do Património Cultural
daquela Autarquia. Entre outros
projectos, criou as bases para
o lançamento do Inventário do
Património Arquitectónico do Porto
(IPAP), projecto financiado pelo
PRONORTE (1ª fase) e pelo POC (2ª
fase). A par da colaboração na definição do programa do inventário
municipal, coordenou o processo
de criação do sistema informático
de gestão da informação relativa
ao património arquitectónico e
arqueológico, LOCVS, projecto
que introduz novas abordagens ao
problema da produção e gestão da
informação em Património. É autora
de comunicações e artigos sobre a
temática da Arqueologia e salvaguarda do património edificado.
74
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo
Maria Isabel Pinto Osório
Divisão M. de património Cultural/DMMPC/DMC
Pelouro da Cultura, Turismo e Lazer da Câmara M. do Porto
Em boa hora os responsáveis pelo projecto Museu do
Estuque, a CRERE, entenderam organizar, juntamente
com o Museu Nacional Soares dos Reis, um encontro
sobre a temática que dá corpo à colecção do futuro Museu do Estuque, convidando outras entidades
a partilhar a sua experiência de trabalho no campo
da criação, estudo, gestão e conservação desta arte
decorativa. O local não poderia ter sido mais apropriado, porquanto a principal colecção do futuro museu,
constituída por um dos mais importantes conjuntos
documentais e materiais para trabalho em estuque artístico existente a nível nacional, o espólio da Casa
Baganha1, pertence ao Museu Nacional Soares dos
Reis, que transferiu para a CRERE a responsabilidade
da sua conservação e estudo. Por outro lado, o Palácio
dos Carrancas, sede deste museu nacional, conserva na
sua arquitectura interior belas ornamentações estucadas, ao gosto neoclássico, as quais foram restauradas
pela oficina Baganha em 1940, no âmbito das obras de
instalação do museu na antiga residência e fábrica dos
“Carrancas”, a família Morais e Castro, depois adquirida pela Casa Real.
A Autarquia do Porto não poderia estar à margem
desta iniciativa - aceitando o amável convite que lhe
foi dirigido para participar – considerando a especificidade da sua missão relativamente ao património
cultural, traduzida numa dupla responsabilidade: a
de conservar e valorizar os bens culturais existente
no seu espaço de actuação, promovendo a correcta
preservação dos elementos, arquitecturas e espaços,
que concorrem para a sua identidade histórica, e a
de dinamizar o estudo em torno desse Património2,
criando as condições necessárias para o acesso dos
diferentes públicos ao seu conhecimento e fruição. Ou
não fosse também a Câmara Municipal do Porto, fiel
depositária do importante espólio da antiga oficina
Ramos Meira, a qual tem sido objecto de estudo e
conservação por uma equipa coordenada pela minha
colega Drª Maria Augusta Marques3, responsável pelo
Banco de Materiais, um serviço inovador no campo da
recolha, tratamento e conservação de diferentes tipologias de materiais de construção, com maior ou menor
cunho artístico, provenientes de obras particulares e
demolições4. A sua pesquisa em torno do trabalho dos
estucadores Meira Ramos, conterrâneos dos Baganha e
também eles provenientes de Afife, partiu da necessidade de classificar e conservar dezenas e dezenas de
peças de diferente tipologia e função que integravam a
antiga oficina daquela família de estucadores, instalada
num edifício da Rua do Rosário, na Cidade do Porto, e
que a herdeira deste precioso legado, tendo conhecido
o trabalho desenvolvido no Banco de Materiais, entendeu ser a reserva apropriada para a sua instalação5.
Como todos os que têm a seu cargo a conservação de
um acervo cultural bem sabem, a montante da tarefa
de preservar uma herança, há, primeiro, que identificar
de que é composto o acervo; a identidade está, assim,
implícita ao acto de apropriação da herança que constitui um processo de inventário. No caso das colecções
culturais todo o inventário implica o reconhecimento
de um conjunto de atributos a cada peça, por mais sucinto que seja o rol de descritores. Esta questão levanos à temática em que se centra esta comunicação:
o tratamento da informação produzida no âmbito dos
inventários e dos catálogos do Património, dimensões
essenciais quando se trata da gestão de Património
Imóvel e Integrado, materializado em construções e
materiais que se encontram em grande parte fora da
tutela das entidades administrativas responsáveis pela
conservação desse Património.
Em nosso entender há diferenças significativas entre
um inventário de peças museológicas, e um inventário
de elementos de carácter arquitectónico ou arqueológico, integrados em depósitos não definitivos; a
inventariação destes últimos obedece a requisitos necessariamente mais flexíveis, visto a sua gestão não
se encontrar sujeita às rigorosas normas da tutela
museológica, ainda que ambos possam integrar alguns
descritores comuns, e ainda que as peças possam ser
tipologicamente afins, senão mesmo idênticas6. As
diferenças são mais notórias quando se trata de um
inventário de bens imóveis, pela capacidade que estes têm de interagir com o meio envolvente, no qual
adquirem um significado particular, e pela sua maior
exposição aos condicionalismos humanos e temporais. Por isso no domínio da Arquitectura um inventário quase nunca é inocente. O que está em causa
num inventário desta natureza, não é o mero relato
de indícios aparentes, visíveis, mas a capacidade de
inscrever uma construção, um sítio, um ornato arquitectónico, no rol dos bens portadores de qualidade
de identidade, seja a nível local, regional, nacional ou
mesmo mundial. O que hoje nada vale aos olhos dos
concidadãos passa, de um momento para o outro - e
porque lhe é atribuído um significado cultural - a estar
protegido e a suscitar a curiosidade da comunidade.
Pelas consequências que acarreta o reconhecimento do
valor cultural num determinado imóvel, um inventário do património arquitectónico7 é sempre palco de
discussão quando dá origem a um catálogo, como a
chamada Carta do Património, um precioso instrumen-
75
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo Maria Isabel Pinto Osório
to de ordenamento do território e peça integrante dos
modernos PDM’s8. Há em muitos inventários do Património Imóvel e Integrado um sentido de urgência, decorrente do desconhecimento generalizado que existe
sobre determinados conjuntos urbanos ou tipologias
arquitectónicas, situação agravada pelo aspecto de ruína ou abandono a que estão votados. O quadro legal
que regula a intervenção no Património reconhece esta
realidade, permitindo o registo de emergência sempre
que está em causa a sobrevivência do imóvel. No caso
de um objecto integrado num acervo museológico,
está assumida a sua carga cultural pelo que só por
decisão técnica fundamentada, e porque o objecto foi
“desvalorizado” e perdeu o seu lugar na colecção, se
pode justificar o seu desaparecimento.
Mas a realidade dos acervos culturais móveis é complexa, caracterizada por uma enorme diversidade, sendo
tantas as situações quantas as tipologias de “objectos”
e os mecanismos e propósitos de quem reuniu as peças
ou seleccionou os bens. Há, frequentemente, depósitos
cuja constituição de origem é completamente alheia a
razões de ordem cultural, nunca tendo estado na mente do seu promotor a criação de uma colecção para
mostra futura num espaço museológico ou expositivo.
Como nestes casos, da chamada colecção Baganha e o
depósito Meira Ramos, ou Ramos Meira como também
é designado: espólios que constituíam, na sua origem,
o material de trabalho de duas oficinas de estucadores9, e só o posterior reconhecimento do seu valor
de memória explica o seu “destino cultural”. Valor de
memória que a decadência funcional dos ofícios torna mais evidente. A incorporação em instituições de
vocação cultural, como é um museu nacional e uma
direcção de municipal de cultura, teve implícito o reconhecimento do valor cultural do todo, do conjunto,
reconhecendo ambas as entidades que esses espólios
eram portadores de valores de memória de antigos ofícios e artes decorativas, valores de identidade artística
e social de uma determinada época. Contudo, nestes
depósitos está implícita uma nova dimensão da função
cultural, a da sua utilidade no processo de reabilitação das artes tradicionais ao serviço da recuperação
arquitectónica, abrindo novos desafios às entidades
responsáveis pela sua conservação.
E esta relação entre um passado ainda presente e um
futuro que queremos sensível à preservação e reutilização da arte do estuque, obriga a um tratamento
especial destes depósitos, conciliando a sua – ainda
presente - função utilitária, e a sua função cultural, de
memória. Este reconhecimento deve implicar uma atenção especial na forma como os espólios são tratados,
desde a concepção do programa de fruição pública, à
76
sua inventariação e instalação em reserva, e na forma
como é tratada e gerida a informação associada. Um
molde de uma roseta ou de um canto de tecto da Oficina Ramos Meira poderão ser passíveis de reutilização
para produção de um novo elemento decorativo, ou
serem utilizados no fabrico de réplicas para uso industrial. Apenas dependerá do estado de conservação das
peças – devem existir as garantias da boa resistência
do objecto ao seu manuseamento - e da política de
acesso aos bens, definida pela entidade detentora. Mas
de nada servem as políticas sem os instrumentos adequados à sua implementação, sendo que a estrutura
deve ser capaz de dar resposta às solicitações que a
prática política potencia. Neste sentido, a informação
que resulta do processo de incorporação, tratamento,
exposição, estudo ou movimento das peças, deve ser
processada no sistema de informação, devendo este
ser capaz de integrar e cruzar os dados que cada uma
das etapas produz.
O sistema informático não visa apenas dar resposta
às necessidades que a gestão da informação coloca,
ou permitir um acesso mais rápido aos dados e a sua
célere ordenação. Um moderno sistema de informação
deve ser uma ferramenta essencial ao desenvolvimento
das diferentes operações que a gestão de espólios implica – incluídas a sua conservação e valorização - e
de quem tem por missão a salvaguarda do património
construído, esteja ou não soterrado. A análise que está
subjacente à arquitectura do sistema deve considerar
os requisitos específicos necessários à implementação
das funcionalidades identificadas previamente, caso
contrário dificilmente a aplicação terá capacidade de
as desenvolver.
Não vimos aqui descrever com minúcia as fichas de
inventário de peças em gesso estucado ou qualquer
outro material afim, disponíveis a quem as quiser
consultar, mas abordar, necessariamente ao de leve,
o complexo universo dos sistemas de informação que
hoje substituíram quase por completo os ficheiros
de gavetas apinhadas de fichas que a mão humana
ia escrevinhando e manuseando. Um tema da maior
oportunidade porquanto a temática do processamento
e gestão da informação em património edificado não
ocupa ainda o devido lugar nas políticas e programas
promovidos pela administração central, nomeadamente no campo do património arquitectónico, apesar de
se tratar de um vector estruturante ao desenvolvimento
deste sector.
O Inventário do Património Arquitectónico do Porto
(IPAP)
Antecedentes
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo Maria Isabel Pinto Osório
Em 1998 a Câmara Municipal do Porto deu início ao
projecto-piloto de Inventário do Património Arquitectónico do Porto (IPAP), apoiado pelo PRONORTE/
FEDER, com vista à elaboração de um programa metodológico-tipo de inventário municipal do património,
e à inventariação de uma parcela do tecido urbano da
cidade10. Pouco tempo depois do início dos trabalhos,
tornou-se evidente que em função dos objectivos – o
conhecimento e protecção dos valores patrimoniais –
e atendendo à diversidade das situações (arquitectónicas, urbanísticas e paisagísticas), o levantamento teria
de ser sistemático e não selectivo. Desta forma o IPAP
transformou-se num instrumento de registo sistemático
do tecido construído da cidade, condição necessária à
identificação dos valores que poderiam ser considerados património arquitectónico11.
Um dos objectivos da candidatura foi produzir um
modelo de inventário passível de aplicação em outros
concelhos, definindo-se os princípios e métodos que
devem orientar o trabalho de levantamento e pesquisa.
Tal como na componente de levantamento e caracterização do tecido edificado (que integra a componente
paisagística), também a análise e a arquitectura do
sistema informático que apoia a gestão da informação
produzida, pode ser explorada por outros projectos
afins. Contudo à intenção de disponibilização de saberes e instrumentos apôs-se o vazio de uma verdadeira
política de inventário, que potenciasse apoio financeiro aos organismos locais e regionais, nomeadamente através da criação de uma plataforma fixa anual a
que os municípios pudessem concorrer. Desta forma
a obrigatoriedade do inventário dos imóveis, sítios e
conjuntos de valor histórico e arquitectónico que a lei
determina, poderia ser uma realidade a dez anos, se
fossem facilitados aos poderes locais, ou a associações
de municípios, as ferramentas e as linhas estratégicas
que deveriam nortear a sua acção; num programa integrado todos teriam oportunidade de contribuir para
uma missão de interesse local, regional e nacional,
produzindo um manancial de dados e informações de
utilização múltipla, assente num padrão de requisitos
que desse garantia da qualidade da informação produzida. Um conhecimento que será também um recurso
de enorme potencial para muitas áreas vitais ao processo de requalificação ambiental e desenvolvimento
económico do País.
A complexidade do tecido edificado do Porto e das
suas múltiplas tipologias, e a necessidade de organizar
num único sistema toda a informação considerada útil à
prossecução dos objectivos em causa, implicou um forte investimento no estudo das formas de representação
das diferentes realidades territoriais, escalas de análise
e suportes de registo, bem como na análise dos conte-
údos específicos de cada nível de análise e na definição
das articulações/ligações entre as tabelas do sistema.
Uma das principais características do chamado registo
de rua/arquivo - com implicações na forma como se
estrutura a informação no próprio sistema informático
– prende-se com o carácter objectivo, factual, das informações produzidas. Por outras palavras, os registos
realizados pelos técnicos tendem a ser objectivos, sem
margem para descrições ou apreciações qualitativas,
diminuindo assim a margem de erro na informação
produzida. O princípio da economia de tempo, sempre
presente em todos os momentos do projecto, e o princípio da qualidade da informação produzida levaram
a que não fossem preenchidos os campos de carácter
descritivo, reservando-se o contributo de especialistas
no domínio da realidade em causa.
Definido e testado o programa metodológico e definidas as bases da arquitectura do sistema de informação
de apoio ao IPAP, foi lançada uma nova candidatura
em 2003, desta vez ao POC (Programa Operacional
de Cultura/FEDER) que decorreu entre 2004 e 200712,
tendo sido inventariadas quatro freguesias da Cidade
e criado o novo sistema informático de base SIG, o
LOCVS, entre outras acções.
O processo de registo
Na base do registo está o desenho, o qual, como Luís
Aguiar Branco consultor do projecto IPAP e principal
responsável pelo programa metodológico refere13, “é
uma linguagem universal por excelência: directo e
objectivo, transmite ideias, pensamentos e emoções,
utilizando diferentes processos e meios de execução,
variando segundo a finalidade que se procura atingir.
O desenho é a génese e o fio condutor de todo o processo de inventariação.” O inventário inicia-se pelo desenho de registo das fachadas urbanas do arruamento
seleccionado, após pesquisa prévia de fontes diversas,
sobretudo cartográficas14, da zona e do arruamento a
inventariar. Assim, quando procedem ao desenho dos
alçados da rua, os técnicos estão já informados dos
antecedentes históricos do local. Este conhecimento
de base permite reconhecer muitas vezes indícios de
antigos alinhamentos, ou identificar marcas de edifícios
que, entretanto desapareceram, mas que estão representados na cartografia antiga. O registo é feito sobre
uma folha de desenho própria, em que são previamente assinaladas algumas informações importantes:
a largura dos lotes e a extensão do troço a desenhar,
para além dos elementos de identificação comuns.
Após o desenho das fachadas, regra geral à escala
1:200, em que é feita uma análise crítica dos elementos
observados, anotam-se as principais características de
77
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo Maria Isabel Pinto Osório
cada imóvel, nomeadamente os elementos decorativos,
o revestimento ou algum pormenor arquitectónico de
maior destaque, temas que são depois objecto de cuidado registo fotográfico.
Partindo do conhecimento adquirido no desenho da
rua, dá-se início ao processo de identificação das licenças dos respectivos imóveis nos arquivos municipais
e outras fontes (no caso dos bairros económicos foi
feita a recolha dos dados no antigo IGHAPE), constituindo estes arquivos um manancial de informação de
enorme importância para o conhecimento da Cidade. O
trabalho de pesquisa em arquivo é também preparado
previamente, com elaboração de listas ordenadas por
arruamento, a partir dos índices dos livros de licenças
de obra, tendo o IPAP investido na informatização de
alguns importantes fundos documentais, nomeadamente dos serviços de Urbanismo da Autarquia do Porto,
facilitando a informação aos novos pedidos de licenciamento.
Ainda em arquivo é feita a triagem dos elementos gráficos mais importantes com vista à sua digitalização,
registando-se em ficha própria os elementos constantes no requerimento que se revelam essenciais à
compreensão do projecto de arquitectura, desde o seu
proprietário/representante, data do pedido, autor do
projecto, etc., salvaguardando sempre a possibilidade
de não haver uma correspondência entre o nome do
técnico responsável pela obra e o autor do projecto; é
feita a digitalização das assinaturas presente nos desenhos, ficando essa informação registada no sistema.
O trabalho de inventário implica o tratamento regular
dos dados produzidos, nomeadamente as imagens,
facilitando o seu posterior processamento no sistema informático. Nesta fase é feito o tratamento dos
dados relativos aos materiais arquitectónicos e artísticos, que foram registados durante o levantamento de
rua. Sempre que possível é feito o registo do interior
dos prédios, ainda que as ocasiões sejam raras, com
o objectivo de registar as situações patrimonialmente
mais interessantes, como é o caso dos elementos decorativos em gesso. Tal como qualquer outro material
decorativo, o estuque denuncia aspectos diversos da
cultura arquitectónica e artística das sociedades que o
utilizaram. O seu estudo contribui assim para um melhor conhecimento das formas de habitar, das modas
e hábitos sociais, sendo, por isso, importante o seu
inventário num tempo em que a qualidade ambiental
do interior de muitos prédios é sacrificada perante uma
rentabilização até ao limite, ou para além dele, da área
habitável. É urgente contrariar a actual tendência de
substituição dos madeiramentos por lajes de cimento na reabilitação do tecido histórico, caso contrário
78
dificilmente se irá conservar a maior parte dos tectos
em fasquia com revestimento a estuque. Pela sua natureza e contexto em que surge, o estuque decorativo apresenta aspectos singulares num programa de
inventário e catalogação, sendo praticamente inviável
qualquer levantamento sistemático destes elementos
decorativos, pela dificuldade de acesso ao interior das
habitações. Um inventário de estuques será sempre
tendencialmente parcelar, por privilegiar as arquitecturas de maior prestígio, sobretudo a que têm acesso
público15.
Esta breve sinopse do trabalho que caracteriza a fase
de levantamento de rua, de pesquisa em arquivo e organização dos materiais e documentação produzida, é
essencial ao entendimento da arquitectura do sistema
LOCVS, na componente relativa ao domínio do património arquitectónico, entendido este na sua dimensão
mais abrangente16.
O Sistema de Informação LOCVS
Tendo por base um sistema de informação geo-referenciado, o LOCVS, procura englobar, num mesmo
complexo informativo, todas os dados relativos às
diferentes tipologias arquitectónicas, urbanísticas e
arqueológicas existentes na Cidade. Não se pretendem
apenas registar dados e informações relativos às construções de cariz monumental ou de interesse relevante,
mas edifícios, conjuntos, ruas, construções e espaços
cujo reconhecimento do valor patrimonial não é imediato, e que só através de uma análise detalhada e na
relação com a área envolvente, podem ser avaliados.
O facto de se tratar de uma aplicação desenvolvida
com base na experiência de anos de trabalho, em que
foram profundamente analisadas as questões de tratamento da informação, na procura de resposta aos
problemas suscitados pela gestão dos processos relacionados com os domínios do património arqueológico
e arquitectónico, dá garantia de maior eficácia e boa
adequação à realidade da gestão municipal. Todos os
domínios do novo sistema foram objecto de aturada
recolha de dados, num processo de debate permanente
entre especialistas e técnicos da Autarquia do Porto e
da empresa ParadigmaXis, a quem foi adjudicada a
criação da nova aplicação, de base SIG17.
Pela temática deste “I Encontro Sobre os Estuques Portugueses”, iremos tratar apenas o domínio da Arquitectura, em cujo âmbito se inscrevem os descritores
relacionados com o inventário e catálogo de materiais.
São cinco as dimensões do tecido construído, em torno
das quais se organiza a arquitectura do sistema, que
assenta no entendimento da Cidade como um todo,
composto por realidades e espaços que, por sua vez,
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo Maria Isabel Pinto Osório
de decompõem em outros níveis de análise:
• Espaço público - unidade que incorpora os registos
relativos à rua considerando neste termo toda a tipologia de espaços de circulação para uso público: praças,
largos, vielas, becos, calçadas, etc.
• Espaço público-Jardim – unidade relacionada com o
espaço público ajardinado, que constitui uma realidade
com características distintas do simples arruamento;
• Conjunto – unidade de análise relativa a unidades
arquitectónicas que incluem mais do que um imóvel
principal, frequentemente associadas a espaço público
(cemitérios, bairros, passos, etc.)
• Lote – unidade relativa à propriedade, privada ou
pública, englobando área edificada e logradouro;
• Equipamento/mobiliário urbano – unidade de análise
em que se inscrevem todas as criações arquitectónicas,
artísticas e utilitárias que integram o domínio público.
Numa arquitectura de relações complexas, a tradicional ficha única do monumento dá assim lugar a cinco
unidades de análise, completadas por outros níveis e
módulos informativos. A análise, hierarquizada, que
orienta o inventário no terreno, é transportada para o
sistema de informação. Assim, partindo da análise do
Espaço Público (Rua e Jardim), ou de um Conjunto,
acede-se à informação relativa aos lotes que constituem esse espaço, acesso que pode, naturalmente ser
directo, mas que se complementa e ganha significado
nesta relação hierárquica. Da ficha de lote acede-se às
unidades informativas relativas às realidades que estão
associadas ao lote: o logradouro, os sistemas construtivos, os elementos arquitectónicos e decorativos.
Por sua vez, a ficha de mobiliário/equipamento urbano
está estreitamente associada à ficha de espaço público,
ainda que se possa associar também a um lote, na medida em que algumas materializações deste património
urbano ocorrem em espaços privados, como as fontes
e outros elementos de água, os pequenos pavilhões
de jardim, etc.
Partindo destas cinco unidades podemos aceder a outros sectores informativos essenciais ao conhecimento
da realidade construída, integrando a arquitectura do
sistema outros módulos que sendo independentes em
termos de processamento e acesso ao sistema, complementam a informação que as unidades de análise
contêm, interagindo entre si. Destacam-se, para efeito de exemplificação, o módulo Autores e o módulo
Acontecimentos, servindo o primeiro para registar todas as informações que a pesquisa em arquivo e fontes
documentais e bibliográficas revela sobre a identidade
e obra dos indivíduos e instituições que participam,
através da sua obra, na construção da cidade, seja
ao nível do desenho urbano ou das arquitecturas, sem
limites cronológicos ou tipologias profissionais. O registo abrange todos os que têm o seu nome associado
à construção/alteração de imóveis, arruamentos ou jardins, quiosques ou equipamentos, toda a diversidade
tipológica que podemos encontrar num aglomerado, e
todos os ofícios e profissões interessam, do mestre de
obras ao estucador, do entalhador ao arquitecto. No
módulo Acontecimentos, registam-se todos os factos
que fazem a história de cada espaço ou arquitectura ou
os factos de maior relevo para a história da Cidade e
que, por regra, se podem associar a um espaço público
ou a um edifício, dados que se cruzam com as cinco
unidades de análise que constituem as células centrais
do sistema.
Neste processo de tradução simplista da orgânica do
sistema, destaque para a existência de uma ferramenta
de trabalho inovadora e da maior utilidade; os Catálogos, banco de dados destinados a receber e gerir a
informação dos materiais que marcam as arquitecturas
do Porto - azulejos, cantarias, guarnições em ferro,
estuques, etc. – visando a criação de um corpus de
enorme importância para o seu conhecimento e valorização. Cada peça ou material (como o estuque)
é registado no sistema enquanto elemento tipo (conceptual) no Catálogo, sendo igualmente registadas as
suas ocorrências (existências), seja num imóvel ou
num depósito como o Banco de Materiais. Reconhecido o carácter repetitivo de muitos destes materiais,
como sucede com os ornatos dos estuques, a figura
do “elemento tipo” permite a caracterização do elemento uma única vez, independentemente das suas
materializações, e o registo sumário das ocorrências.
Em estreita relação com o trabalho desenvolvido pelo
Banco de Materiais, o sistema dá apoio a todas as
cadeias operativas implicadas na incorporação, gestão
e movimento das peças, incluindo a sua conservação
e tratamento laboratorial, de que foi exemplo o tratamento do espólio da Oficina Ramos Meira.
Relacionado com todo este universo de análise que
acabamos de descrever, servindo os domínios do património arquitectónico e arqueológico, encontra-se
o módulo Unidades Documentais, um arquivo digital
aberto a inúmeras interacções com os dois subsistemas,
e que além de conservar, classificar e organizar todo
o tipo de documento digital (peças gráficas, imagens,
vídeos, etc.), permite a gestão dos arquivos físicos dos
serviços, de carácter documental e bibliográfico. Por
último, refira-se que a aplicação informática recorre a
ferramentas ArcView (ESRI), em ambiente Windows NT.
Por razões de escalabilidade, eficiência e versatilidade,
os dados são organizados num Sistema de Gestão de
Bases de Dados relacional (ORACLE).
79
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo Maria Isabel Pinto Osório
A utilidade de um inventário depende da sua credibilidade, do rigor com que se desenvolvem as diferentes
etapas e se utilizam os instrumentos de reconhecimento e análise. É fundamental que as ferramentas de trabalho sejam aplicadas com critério e por profissionais
competentes. No caso, por exemplo, de um inventário
de estuques do séc. XIX, para além do domínio dos
instrumentos de registo – seja na forma como se fotografam ou descrevem os elementos estucados – é
fundamental que o olhar de quem orienta, tenha a
experiência dos problemas que esse registo suscita,
conhecendo as fontes e os recursos úteis à sua realização. Um inventário deve ser, antes de mais, útil, pelo
que deve ser muito mais ambicioso do que a simples
descrição dos atributos de um elemento ou de um edifício, e aberto a todo o tipo de utilizações.
BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA:
D. P. C. (2001) – “IPAP: a cidade desenhada rua a
rua”. Portus. Boletim de Arqueologia Portuense. 1 (Dez.
2001). Porto: Câmara Municipal.
FARINHA MARTINS, A. J. (2004) – Administração de
Sistemas de Informação I. Primeira parte. Lins (SP):
Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis de
Lins. Curso de Administração – FACAC. Disponível em
http://www.codilon.oi.com.br/bd/bdaula23.pdf. Consulta em 15.09.2009
OSÓRIO, Maria Isabel P.; AGUIAR BRANCO, Luís M.
(2002) – “Inventário do património arquitectónico do
Porto”. In VV.AA. – Património edificado. Novas tecnologias, inventários. Comunicações apresentadas na
XIII Semana de Estudos dos Açores. Lisboa/Angra do
Heroísmo: IAC/IPPAR, p. 167-90
OSÓRIO, Maria Isabel P.; AGUIAR BRANCO, Luís M.
(2003) – “LOCVS – Manual de Inventário Municipal
do Património Arquitectónico e Sistema de Informação
do Património Arquitectónico”, ed. policopiada, Porto:
Câmara Municipal.
VASCONCELOS, Florido de (1997) – “Estuques do Porto”, Col. Porto Património, Ano 1, Nº 1, Porto: Câmara
Municipal.
Inventário do Património Arquitectónico do Porto - Arquitecturas e materiais: registo e catálogo Maria Isabel Pinto Osório
NOTAS DE RODAPÉ:
1. Prestigiada família de estucadores com obra espalhada um
pouco por todo o País, que sendo originária de Afife teve no
Porto a sua principal oficina; vd VASCONCELOS(1997)
2 Lei 107/2001 de 8 de Setembro (I Série-A, nº209)
3 A Drª Maria Augusta Marques, apresentou uma comunicação a
este Encontro intitulada Estuques do Porto – O contributo dos
Meiras, a propósito da pesquisa que realizou sobre esta oficina,
depois da transferência do espólio para o Banco de Materiais da
Câmara Municipal do Porto, para efeitos de inventariação.
4 Com o objectivo de constituir um banco de materiais arquitectónicos e construtivos, que possam ser reutilizados na recuperação de fachadas do Porto.
5 O depósito foi transferido para o Banco de Materiais na Casa
Tait, no Verão de 2001, sendo à data responsável pelo Departamento de Museus e Património Cultural da Câmara Municipal do
Porto, a actual Directora do MNSR, Drª Maria João Gagean de
Vasconcelos, incansável dinamizadora deste serviço.
6 Os serviços municipais responsáveis pela conservação do depósito de materiais arqueológicos – Gabinete de Arqueologia
Urbana - e o Banco de Materiais, têm uma intervenção directa
na esfera de licenciamento de obras particulares e outras, sempre que estão em causa áreas e imóveis ou conjuntos assinalados na Carta do Património do PDM do Porto.
7 Por Património Arquitectónico entende-se toda a realidade
construída pelo homem ao logo dos tempos, no sentido amplo
preconizado pela Convenção de Granada, de 1985, no seu artº1
(Convenção de Granada, Conselho da Europa, 1985).
8 A Carta do Património publicada no âmbito do último Plano
Director Municipal do Porto, foi realizada com o apoio do IPAP,
estando na origem do projecto Carta dos Valores Arquitectónicos, uma cartografia SIG disponível na página electrónica da
Autarquia do Porto, tendo recentemente incluído a Arte Pública,
adoptando a designação Carta dos Bens Patrimoniais (acesso
através de http://sigweb.cm-porto.pt/mipwebportal/ )
9 Uma observação: enquanto não especialistas no domínio da
museologia, entendemos como próximos os termos colecção ou
depósito, e ainda que se reconheça naquele um maior sentido
de unidade, no presente artigo o seu uso é indistinto.
13 Branco, Luís Maria Aguiar, in “LOCVS – Manual de Inventário
Municipal do Património Arquitectónico e Sistema de Informação
do Património Arquitectónico”, ed. policopiada, CMP, 2003.
14 A Cidade do Porto orgulha-se de possuir um instrumento de
análise histórica de enorme valor, editado em 1892, a chamada
Planta de Telles Ferreira (Arquivo Histórico Municipal do Porto),
nome que homenageia o responsável pela equipa que procedeu ao levantamento, à escala 1.500, do actual espaço urbano,
durante o último quartel do séc. XIX; trata-se de um projecto
pioneiro na época, contra o qual se levantaram vários entraves
colocados por um poder central que tardava em reconhecer à
representação cartográfica, o papel fundamental que viria a desempenhar na gestão e ordenamento dos territórios concelhios.
15 Os estudos publicados sobre o tema, revelam uma análise
centrada em arquitecturas mais emblemáticas, pelos condicionalismos que se levantam a um registo tendencialmente sistemático desta arte decorativa, mas tal não diminui o seu interesse
e importância para o conhecimento da arte, de que é exemplo
o trabalho “Estuques do Porto”, do Dr. Florido de Vasconcelos,
levado à estampa pela Autarquia do Porto (Vasconcelos, 1999)
16 ao projecto IPAP, e que serve de base à intervenção dos
serviços municipais, abrange toda a tipologia construtiva que
o homem foi capaz de edificar ao longo dos tempos, tal como
define a Convenção de Granada, de 1985, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 5/91, em
16 de Outubro de 1990, publicada no Diário da República, 1.ª
série-A, n.º 19, de 23 de Janeiro de 1991, tendo depositado o seu
instrumento de ratificação em 27 de Março de 1991, conforme o
Aviso n.º 74/91, de 29 de Maio.
17 A criação da aplicação esteve a cargo da firma ParadigmaXis,
e participaram nesta empresa, do lado da firma, o Engº Aurélio Pires (coord.) e os Engºs Hugo Ferreira e Hugo Almeida;
a equipa do município teve a participação de vários técnicos
da Divisão M. do Património Cultural e elementos afectos ao
projecto IPAP, destacando-se, pelo seu especial contributo, os
Arqº Luis Aguiar Branco e Arqº Paulo Sousa, do IPAP, a Arqª
Marta Cunha, os arqueólogos Drº António Manuel Silva (coordenador do GAU/DPC) e Drª Manuela Ribeiro, bem como a Drª
Maria Augusta Marques (coordenadora do Banco de Materiais/
DPC) e Drª Orquídea Félix; saliente-se ainda o empenho da Engª
Armanda Carvalho, nas fases iniciais, estruturantes, do projecto
LOCVS, em representação da Direcção Municipal de Sistemas
de Informação, mais tarde substituída pelo Engº Pedro David
daquela direcção municipal.
10 Em 1997, um ano antes do início do projecto apoiado pelo
PRONORTE, a Câmara Municipal do Porto, a através da Divisão
do Património Cultural do DMMPC, constituiu um grupo de trabalho para análise e discussão do projecto de inventário para
a Cidade do Porto. A análise então realizada foi fundamental
para a definição das linhas estratégicas do projecto IPAP, dos
seus objectivos e metodologia; integravam essa equipa, além
da signatária deste artigo, o Prof. Arquitecto Bernardo Ferrão,
da FAUP, a Arqª Ângela Melo, da então DRN do IPPAR hoje
Direcção Regional da Cultura do Norte, e o Arqº Luís Aguiar
Branco, arquitecto diplomado pelo FAUP, investigador e profundo conhecedor dos arquivos municipais.
11 “Património Arquitectónico: do inventário ao sistema de informação”: candidatura ao Programa Operacional da Cultura,
Maio de 2001.
12 A candidatura apresentada à Medida 2.2. Eixo 2, Favorecer o
acesso a bens culturais do POC.
80
81
GraçaViterbo
Em Busca do Tempo Perdido
Graça Viterbo
Membro do I.I.D.A (Internacional
Interior Designers Association)
Gracinha Viterbo é uma Designer
de Interiores Portuguesa. Gosta
de criar projectos de vida além
dos espaços. Talvez por isso tenha
vindo a construir um estilo próprio,
gerado em torno da sua experiência
de vida e profissional.
Formada em Londres, onde
iniciou a sua carreira profissional,
voltou para Portugal em 2000 onde
integrou a equipa do Atelier Graça
Viterbo.
O seu Portfolio inclui projectos em
Portugal e no Estrangeiro, tendo
também colaborado em inúmeros
projectos de cinco estrelas em
Hotelaria e Restauração.
Tem referências e bases Clássicas
que alia à sua curiosidade Actual.
Aposta na qualidade, arrisca na
novidade.
A sua palavra preferida é Vazio,
talvez por ser o ponto de partida
de tudo...
FORMAÇÃO ACADÉMICA
Inchbald School of Design (Londres).
1999/2000 Especialização em Artes
Decorativas (MA)
Chelsea College of Art & Design,
University of the Arts (Londres)
1996/1999 “Honours in Interior &
Spatial Architecture”
Central Saint Martins College of
Art,
University of the Arts (Londres)
1995 / 96 “Foundation course” Arte
& Design
Lycée Français Charles Lepierre
(Lisboa)
1980/95 Bachalauréat Literatura
e Artes,
Cursos adicionais
Viterbo Imaginação
2005: Design de Iluminação
2003: Gestão de Projectos
2002: Vitrinismo
A.R.C.O.
2001: fotografia
Central Saint Martins College of Art
and Design
1997-98: fotografia
Victoria &Albert Museum,
1998: História de Arte e Mobiliário
82
Central Saint Martins College of Art
& Design
1997: book binding
Central Saint Martins College of Art
and Design
1995: desenho modelo nu
EXPERIÊNCIA PROFISSIOAL
PRIVADOS:
-Desde 2000 projectou várias casas
em Portugal, resto Europa, Angola.
-Desde 2007 Atelier Graça Viterbo
tem uma parceria e escritório em
Angola sobre supervisão e criaçãod
e Gracinha Viterbo.
PÚBLICOS:
-2001: empresa de Eventos,(Quinta
da Rosa, Belém)
-2002 : festa de apresentação Swarovski ( Porto , Casa do Ribeirinho)
-2002: Hotel Solar do Castelo,
Lisboa (Hotel Héritage) - premiado
na revista Condé Nast Traveller
americana como um dos 80 melhores novos hotéis do mundo de
2003. – nº maio2003
-2001/02: Hotel As Janelas Verde,
Lisboa (Hotel Héritage) .
-2001/03: Hotel Plaza, Lisboa (Hotel
Héritage) - renovação de zonas
públicas, acesso a salas de congressos e suites, Varanda Chill-Out.
-2002- Remodelação escritórios de
administração PT
-2002/2003- Hotel Real Palácio,
Lisboa
-2002/2003- Hotel Real Oeiras.
-2004/ 2005: responsável de decoração de montras da loja HERMÈS,
Lisboa
- 2003/2004- Hotel Real Santa
Eulália, Algarve
-2003/2004- Hotel Vila Sol, Algarve
- 2007- Hotel Real Villa Itália,
Cascais
-2008- Execução projecto para
cadeia de 61 Hóteis em Angola.
-2009- Hotel Bela Vista Portimão –
projecto em execução
-2009-2010- Hotel Real Olhão,
Algarve – projecto em excução
OUTROS
-2010-Participação na “campanha
Internacional Star Alliance”
-2010- Criação de cenário para
programa “ Imagens de Marca” na
SIC NOTICIAS
-2010- lançamento de linha de loiça
Sanitaria Valadares “EGG” assinada
por Grainha Viterbo
-Particiapção na Fil no “Hotel Ideal”
com Suite Presidencial
-2009- lançamento livro Lifestyle
-2007-2008- Direcção de livro
“Lifestyle”, de Gracinha Viterbo ,
Primebooks Editora.
-2006-2007 Direcção de livro
“Aprenda a decorar com Graça
Viterbo, de Graça Viterbo, Primebooks Editora
-2007-Participação na Casa Ideal ,
FIL ,Liboa
-2005- Participação na Casa Ideal
, FIL, Lisboa
-2004-2005- Direcção de livro de
livro “História de Ambientes”, de
Graça Viterbo por Bertrand Editora.
-2004- Participação Casa Décor/
Estoril Sol
-2004 – Participação FIL HOREXPO
-2003- Participação “elas em
Marte”, SIC MULHER
-2003- Participação FIL INNOVA
-2002: direcção 2 aulas sobre
“Ambientes e Receber” na Viterbo
Arte e Design
-2001- Participação LUXDECO
-2000: Kelly Hoppen Interiors,
Londres
-1997: British Interior Design Exhibition, Londres
-1995-97: criativa ,“South Ken
Florist”, Londres.
PALESTRAS
-2008- “Em Busca do Tempo
Perdido- a descoberta no Antigo
da Novidade. “I Encontro Sobre os
Estuques Portugueses”- Museu do
Estuque.
-2004- “ vitrinismo: a nova Arte?”,
VAD
-2002-“Decorações efémeras.”, VAD.
-2002- “a Arte de Receber” ,VAD
-2002- “sala de jantar.”VAD
83
CONCLUSÕES
84
85
Conclusão
Paulo Castro
No entendimento e na consciência do que a arte do
estuque artístico representa, o Museu do Estuque tinha
um principal objectivo: lembrar e chamar a atenção a
todos para este bem da cultura artística do país.
Enquanto Museu do Estuque era nossa função, através
das comunicações, abranger a história desta matéria
desde os primórdios do homem até aos dias de hoje.
E um ponto que é logo de assinalar e alertar, é a valência semântica do termo estuque; na realidade, este
termo apresenta múltiplos planos de leitura e que se
apresentam integrados no conhecimento matérico com
a designação generalizada de estuque. Consequentemente, tornou-se também nosso objectivo permitir a
individualização matérica do que é o “estuque”: indispensável para a orientação das operações de manutenção, conservação, restauro e reabilitação, sem as
quais perde-se a memória do construir, o que constituiria, mais tarde ou mais cedo, a perda do objecto
construído ou a perda da percepção da representação
do original.
Conforme confrontados com as comunicações, apercebemo-nos que é uma tecnologia, de facto, sedimentada
em operações principalmente artesanais e, por isso,
raramente fixadas em formulações codificadas e aprofundadas. No entanto, também nos foi permitido concluir que, enquanto país periférico, Portugal absorveu
os movimentos e os estilos que fluíam pela Europa,
revelando por muitos dos exemplos abordados, a importância deste movimento no contexto das Artes Decorativas, assim como dos grandes mestres e artesãos
perfeitamente desconhecidos e que urge relembrar.
Também foi nosso objectivo criar um ponto de partida para uma reflexão da sociedade em geral, e dos
agentes culturais em particular, que permita indagar as
razões pelas quais e de que modo, foram realizados
os estuques; não com o objectivo central de responder
a interrogações de carácter historiográfico mas, sobretudo, como contributo a uma pratica de conservação,
restauro e de recuperação destes artefactos mais conscienciosa. Assim, estamos conscientes de que poderemos imprimir um alento em prol da gestão da manutenção e da continuidade desta arte que, é também
testemunho social e cultural da presença portuguesa
no mundo. A protecção dos estuques impõem-se não
só pela exigência de conservar ramos da nossa cultura
material e figurativa, e cujas técnicas construtivas não
resultam actualmente reempregáveis por uma série
de motivos não repetíveis, tais como, a capacidade
manual dos mestres, a difícil obtenção e manipulação
das matérias primas tradicionais mas, também, pela
necessidade de salvaguarda de todas aquelas características ambientais que a sua presença determina e
no contexto no qual são colocadas e das quais fazem,
imprescindivelmente, parte.
86
Como premissa à sensibilização da opinião pública e
profissional sobre a importância e a fragilidade deste
património, o Museu do Estuque desenvolveu e participou nas actividades seguintes:
• Oficinas de Estuque ( workshop realizado na Escola
das Artes no Pólo da Foz da Universidade Católica
Portuguesa: 14 Março – 27 Abril de 2006)
• I Jornadas sobre o Estuque em Portugal ( 20 a 21 de
Outubro de 2006) Pólo da Foz da Universidade Católica Portuguesa.
• Participação no II SIMPÓSIO CONSERVAÇÃO E INTERVENÇÃO em Sítios Arqueológicos e Monumentos Históricos (18 e 19 de Outubro de 2007) e que decorreu na
Universidade Portucalense Infante D. Henrique (Porto)
e a convite da organização (Universidade Portucalense
Infante D. Henrique -Porto).
• I Seminário Internacional “A Presença do Estuque em
Portugal – do Neolítico à Época Contemporânea” (2,3,
4 e 5 de Maio de 2007) no Centro Cultural de Cascais e
organizado conjuntamente com a Universidade Lusíada
de Lisboa, Centro Lusíada de Estudos Tecnológicos de
Arquitectura e pela Câmara Municipal de Cascais.
• “I Encontro Sobre os Estuques Portugueses” realizado dia 22 de Novembro de 2008 no Auditório do Museu
Nacional Soares dos Reis (Porto).
• Colaborador na acção de formação subordinada ao
tema: “Aveiro 2009: Meandros do Património” e que
decorreu a 7 de Janeiro de 2009 no auditório do Museu
da Cidade e a convite da organização (Câmara Municipal de Aveiro – Vereação da Cultura)..
• Participação no Encontro: “A Autenticidade e a Identidade nas Intervenções no Património Construído” e
que decorreu de 26 a 28 de Novembro de 2009 no
Centro Cultural de Cascais e a convite da organização:
Universidade Lusíada de Lisboa e Câmara Municipal
de Cascais.
• Lançamento do Livro de Actas: “ A PRESENÇA DO
ESTUQUE EM PORTUGAL” no âmbito do Seminário
“A Autenticidade e a Identidade nas Intervenções no
Património Construído” e que decorreu de 26 a 28 de
Novembro de 2009 no Centro Cultural de Cascais (
conjuntamente com a Universidade Lusíada de Lisboa,
Centro Lusíada de Estudos Tecnológicos de Arquitectura e Câmara Municipal de Cascais).
Estas acções tem permitido e promovido o estudo,
cursos de formação e trabalhos de difusão onde se
pretendeu estimular a reflexão precedente à gestão, ao
projecto, à reavaliação e à actuação sobre este património, frágil e anónimo à escala urbana.
Paulo Castro
87
DINAMIZAR A INVESTIGAÇÃO NO DOMÍNIO DOS ESTUQUES EM PORTUGAL
Gonçalo de Vasconcelos e Sousa
Director do Departamento de Arte e Restauro Escola das Artes da UCP
Ao longo deste I Encontro sobre Estuques Portugueses,
assistiu-se a um conjunto de comunicações que evidenciam o apreço que os estuques vêm alcançando por
parte de um painel de investigadores e de empresas que
se dedicam a esta arte, seja na sua aplicação em termos
da decoração contemporânea, seja em termos de conservação e restauro dos espécimes sobreviventes.
Os estudos das mais diversas Artes Decorativas começam a situar-se, em Portugal, numa plataforma de
cientificidade, de rigor e de sistematização, que apenas
eram observáveis em alguns dos trabalhos publicados
nestes domínios até há alguns anos. Nos últimos tempos surgiram diversas investigações académicas que
permitiram demonstrar, em termos de pesquisa, aquilo que há muito os apreciadores da sumptuária e das
artes aplicadas defendiam, ou seja, que em Portugal
existem peças, artes e ambientes que necessitam de um
aprofundado estudo, contextualização e correcta preservação, de forma a poderem ser disponibilizados a
visitantes e a diversos tipos de públicos.
A ligação com o Brasil é fundamental em algumas das
Artes Decorativas, entre as quais se situa a dos estuques,
pelas notórias proximidades formais e estéticas observáveis em muitas das obras executadas. A emigração de
artífices lusos para terras além-Atlântico efectivou essa
passagem de testemunho artístico, sendo importante
conhecê-los, perceber as regiões de onde provinham e
as obras que executaram, de forma a podê-las comparar com as que se executavam em Portugal.
O contacto internacional com as obras francesas, alemãs, inglesas, italianas e espanholas, numa perspectivação da dialéctica centro(s)-periferia(s), impele-nos a
estabelecer fontes de influência e das matrizes estéticas
e ornamentais, fundamentais para a correcta caracterização das obras de estuques portuguesas. Essa leitura
alargará os horizontes de investigação dos estudos a
realizar e permitirá encontrar pistas para leituras muito
mais interessantes e aprofundadas das obras estucadas
em Portugal.
No estudo dos estuques, não podemos desligar as encomendas dos diversos grupos socioeconómicos que
garantiram o seu desenvolvimento. Se a Corte Setecentista e a Igreja são indissociáveis da obra de Grossi, os
trabalhos de Oitocentos encontram-se ligados a uma
nova Nobreza e, sobretudo, a uma Burguesia em expansão, que se socorrem da arte dos estuques para
enriquecer decorativamente os ambientes das entradas
dos seus palácios, palacetes e casas, numa evocação
de grandeza que assumiu distintas paletas e concretizações nas diversas regiões do País.
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Por outro lado, constatamos a existência de opções
de distinta grandeza dentro das obras estucadas promovidas pelos diversos grupos sociais, pois do palacete à casa de habitação da média burguesia, situada
em zonas de nova expansão urbana, ia uma distância
acentuada, tanto em termos de quantidade como de
qualidade de execução. Se não podemos entender esta
ideia como uma regra, ela assume-se como genericamente perceptível em algumas localidades, como Lisboa e Porto.
Esta leitura socioartística dos estuques torna-se determinante para o seu devido entendimento, enquanto
expressão de poderio económico, e dele não devem
dissociar-se as matrizes estéticas em voga, de pendor
revivalista e ecléctico, que, por vezes, transformaram
os ambientes decorativos em emaranhados de soluções, cuja unidade se concretiza, precisamente, na sua
opção pela diversidade. Para um apuramento mais preciso desta ideia há que realizar, ainda, muito labor de
recolha, investigação e comparação, de forma a identificar modelos decorativos e o grau de adesão por parte
de estucadores e da respectiva clientela.
O programa decorativo destes novos grupos sociais
e, também, de muitas outras transformações operadas
em edifícios mais antigos, associam o estuque à mobilidade do género social do Portugal de Oitocentos e
das primeiras décadas de Novecentos, não sendo raros
encontrá-lo, igualmente, nas edificações cemiteriais,
nomeadamente nas capelas dos cemitérios e das secções privativas, como sucede na cidade do Porto.
Das artes decorativas móveis às artes decorativas de
aplicação arquitectónica, entre as quais se situam os
estuques, passando pelas artes decorativas de figuração humana, há todo um conjunto de domínios que
carecem ainda de uma pesquisa concreta, sendo que
sobre alguns deles mais não há do que breves elementos conhecidos.
Não devemos, igualmente, esquecer a perspectiva da
transversalidade da investigação e compreensão das
Artes Decorativas, nomeadamente dentro do interior
dos três grupos enunciados supra e, inclusivamente,
entre eles, porque essa visão é um eixo fundamental
para um maior apuramento das investigações a realizar. O estuque surge associado à pintura decorativa,
de melhor ou mais deficiente qualidade, aos têxteis, e
até a um projecto decorativo de ambientes, que pode
incluir peças de mobiliário, objectos de iluminação,
como lustres e candeeiros de tecto, papéis de parede,
peças de mobiliário, bronzes, ferragens, espelhos e puxadores de porta, entre diversas outras manifestações
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artísticas. Falta, pois, alcançar essa visão de conjunto
em alguns dos estudos que seria desejável surgissem
nos meios académicos em Portugal.
A arte do estuque não foi apenas obra de Giovanni
Grossi, dos Meira e dos Baganha; há ainda que identificar muitas outras oficinas, buscando espólios onde
menos se imagina. A experiência de investigação vainos ensinando que a persistência acaba, em geral, por
dar os seus frutos, e aquilo que parecia totalmente
destruído acaba por ser encontrado. Talvez não já na
sua totalidade ou numa dimensão razoável, mas há
sempre quem fique com vestígios – ao jeito de recordações –, que escapam de uma inexplicável fúria
destruidora dos vestígios materiais do passado, que
aniquila os desenhos, apontamentos de trabalho, facturas comerciais, entre tantos outros aspectos deste
mester, cuja preservação poderia fornecer, actualmente, dados inestimáveis para a compreensão da vida dos
estucadores portugueses.
Há, portanto, todo um conjunto de edificações por
inventariar, de oficinas por identificar e de mestres
por relacionar, tarefas que ocuparão muitos investigadores, segundo diversas perspectivas, podendo levar
bastantes anos a concretizar. Diríamos esta frase com
serenidade, se não estivesse em causa a degradação de
muitos edifícios e, consequentemente, dos respectivos
estuques, tendo por pano de fundo o custo elevado
da sua preservação. Daí a urgência da sua inventariação, a par do que sucede com o plano exterior. Não
pretendemos, com isso, afirmar que toda e qualquer
manifestação estucada deva ser preservada como representação de um património em perigo, mas, quando
a qualidade da expressão artística ou patrimonial o
justificar, é importante que as gerações vindouras possuam elementos para conhecer os diversos cambiantes
que esta arte atingiu em Portugal.
Com o desenvolvimento da investigação sobre os estuques em Portugal, haverá certamente novos motivos
para nos encontrarmos, para debater ideias, partilhar
experiências teóricas e práticas, e apurar, numa visão
cada vez mais concreta, o que foram os distintos trabalhos da arte do estuque em Portugal, com especial
evidência entre os séculos XVIII e XX.
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I Encontro Sobre Estuques Portugueses