Filho de abastada
família do Rio de Janeiro, mas nascido
a 13 de Agosto de
1774 na colónia
do Sacramento, devolvida por Portugal à Espanha em
1777 e hoje parte
do Uruguai, Hipólito José da Costa
Pereira Furtado de
Mendonça foi provavelmente o primeiro
verdadeiro director,
redactor e jornalista brasileiro.
Activo maçon, membro da Academia
Brasileira de Letras
e diplomata, Hipólito Mendonça foi
colocado pela Coroa
portuguesa em Londres, em 1802,
depois de passagens
pelo México e pelos
Estados Unidos da
América. Regressado ao reino, acusado de propagar
perigosas ideias
maçónicas, foi preso pela Inquisição
às ordens do famoso intendente Diogo
Inácio de Pina Manique, mas acabou
por se conseguir
invadir para a
Espanha, em 1805,
depois retornando
à Grã-Bretanha sob
a protecção do príncipe Augustus Frederick (1773-1843),
duque de Sussex,
grão-mestre da maçonaria inglesa e
sexto filho do rei
Jorge III do Reino
Unido. Suficientemente abonado e
protegido, Hipólito comprou as muitas
acções do Banco da Escócia que lhe
davam direito a adquirir a nacionalidade inglesa. Em Londres fundou, em
1808, aquele que é considerado o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense ou Armazém Literário, publicado
lusofonias
nº 10 | 26 de Agosto de 2013
Este suplemento é parte integrante
do Jornal Tribuna de Macau e não
pode ser vendido separadamente
COORDENAÇÃO:
Ivo Carneiro de Sousa
TEXTOS:
• O Brasil e a China:
os BRICS e mais além
• As relações económicas
e comerciais entre a China
e o Brasil
• O modelo do comércio entre
a China e o Brasil
• O modelo de investimentos
• O Fórum de Macau e os
serviços à relação económica
e comercial China-Brasil
Dia 02 de Setembro:
Viriato da Cruz, o nacionalista
e poeta angolano que morreu
em Pequim
APOIO:
A
China
eo
Brasil
para além dos BRICS
A China e o Brasil
para além dos BRICS
Ivo Carneiro de Sousa
F
ilho de abastada família do Rio de Janeiro,
mas nascido a 13 de Agosto de 1774 na colónia do Sacramento, devolvida por Portugal à
Espanha em 1777 e hoje parte do Uruguai, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça foi provavelmente o primeiro verdadeiro
director, redactor e jornalista brasileiro. Activo
maçon, membro da Academia Brasileira de Letras e diplomata, Hipólito Mendonça foi colocado pela Coroa portuguesa em Londres, em 1802,
depois de passagens pelo México e pelos Estados
Unidos da América. Regressado ao reino, acusado de propagar perigosas ideias maçónicas,
foi preso pela Inquisição às ordens do famoso
intendente Diogo Inácio de Pina Manique, mas
acabou por se conseguir invadir para a Espanha,
em 1805, depois retornando à Grã-Bretanha
sob a protecção do príncipe Augustus Frederick (1773-1843), duque de Sussex, grão-mestre
da maçonaria inglesa e sexto filho do rei Jorge
III do Reino Unido. Suficientemente abonado e
protegido, Hipólito comprou as muitas acções
do Banco da Escócia que lhe davam direito a
adquirir a nacionalidade inglesa. Em Londres
fundou, em 1808, aquele que é considerado o
primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense ou Armazém Literário, publicado entre 1 de
Junho daquele ano e 1 de Dezembro de 1822,
O Brasil
Q
e a
China:
uando, em 2001, o agora famoso economista Jim O’Neill da
Goldman Sachs publicou o relatório
intitulado Building Better Economics – BRIC (Brazil, Russia, India and
China), convidando os investidores a
prestar mais atenção ao rápido crescimento dos quatro países, estava
provavelmente longe de pensar que
o seu feliz acrónimo se transformaria num fórum devidamente institucionalizado tanto como influente.
Na verdade, depois de várias reuniões desde 2006, os BRIC formalizaram-se em cimeira ao mais alto nível
realizada em Yekaterinburg, aberta
a 16 de Junho de 2009, reunindo os
líderes do Brasil, da Rússia, da Índia
e da China, à época Luiz Inácio Lula
da Silva, Dmitry Medvedev, Manmohan Singh e Hu Jintao. Neste mesmo ano, as moderadas previsões
daquele primeiro célebre relatório
BRIC da Goldman Sachs foram substancialmente revistas: o PIB da China deve ultrapassar o dos EUA entre
os
tendo oferecido ininterruptamente com rigorosa britânica pontualidade 175 números agrupados em 29 volumes. O jornal cuidadosamente
estampado e escrito num impecável português
oitocentista era um paladino das ideias liberais
e da emancipação do Brasil, tendo adoptado
como divisa dois camonianos versos de Os Lusíadas (canto VII, estrofe 14): Na quarta parte nova
os campos ara/ E, se mais mundo houvera, lá
chegara. Impresso em forma de livro, oscilando
geralmente entre 70 a 140 páginas, o Correio
Braziliense saía mensalmente e era suportado
por 300 pontuais assinantes para se dirigir ao
que designava por mundo lusíada, mas entrava
quase sempre clandestinamente em Portugal e
no Brasil. A independência do grande país sul-americano, em 1822, parece ter chegado tarde
ao nosso também activo jornalista que, falecido
no ano seguinte, a 11 de Setembro de 1823, não
chegou sequer a saber da sua nomeação para
cônsul do Império do Brasil em Londres.
No cuidado número mensal de Setembro de
1813 do seu Correio Braziliense, Hipólito José da
Costa brindou os seus leitores com este exacto original texto de opinião: “A China não tem comércio
externo, e contudo é um próspero, rico e respeitável país. A comparação da China com o Brasil
não é descomedida, em ponto de capacidade de
BRICS
terreno, fertilidade do chão, bondade do clima, e
facilidade de comunicações internas. Logo, julgamos muito ajuizado imitar no Brasil a política dos
chineses.” Segue-se um sentido apelo ao desenvolvimento da agricultura, indústrias e, sobretudo, do mercado interno do Brasil, o que obrigava
à rápida abolição da escravatura que, “não consumindo nada”, tinha desaparecido com vantagens
na China, segundo o nosso autor, “há muitos milénios”. Texto verdadeiramente premonitório, mas
hoje largamente incorrecto: a escravatura seria
abolida tarde, apenas em 1888, enquanto a China
se transformou na segunda economia do mundo
graças em muito às suas gigantescas exportações,
sendo mesmo o primeiro parceiro comercial do
Brasil. Não adianta também comprovar com delonga que os dois grandes países continentais são
fundamentalmente diferentes, culturalmente até
bem diversos, pelo que qualquer modelo de imitação só existe conjecturalmente em algumas combinações mais ou menos de oportunidade concretizadas em reuniões dos BRICS e, ainda que mais
esparsamente, nas cimeiras do G20, conquanto
China e Brasil prossigam estratégias políticas externas pautadas por vários assimétricos protagonismos e sejam frequentemente fortes concorrentes comerciais, especialmente em África e na
América Latina.
e mais além
2025 e 2030; o PIB da Índia poderá
ultrapassar o norte-americano a
partir de 2050; e o PIB do Brasil será
superior ao de qualquer país europeu e ao do Japão à roda de 2030,
e variados vizinhos nem sempre
acomodados ao emergente poder
da quadriga original. O Brasil era,
no entanto, na versão a quatro dos
BRIC o país mais diferente pela geo-
tornando o país a quarta economia
do mundo em 2050. Os quatro países que constituíram inicialmente os
BRIC partilham uma grande dimensão territorial, populações abundantes e longas fronteiras com muitos
grafia, história e cultura, enquanto
China, Índia e Rússia partilhavam
grande parte da Eurásia e fronteiras
comuns conquanto ainda pontuadas por velhos conflitos e desavenças do passado. A entrada da África
do Sul, a 24 de Dezembro de 2010,
para este selectivo clube das economias muito mais do que emergentes
consagrou, para além de factores
económicos, também um prospectivo sentido estratégico visto que,
se ligarmos a crescente presença da
China em Angola, na África do Sul e
no Brasil, descobrimos uma espécie
de novo Atlântico Sul que, pelo menos comercial, pode muito bem vir
a competir vantajosamente com o
tradicional predomínio na economia
mundial desse Atlântico Norte ligando os Estados Unidos e a Europa que
agora se preparam também para demoradas negociações visando criar
a maior zona económica comum do
planeta. A ver vamos.
Os BRICS são fundamentalmente
um arranjo cooperativo mais do que
uma verdadeira coligação económica
e, muito menos, política, pelo que,
para além de algumas concertações
pontuais sobretudo sobre a agenda
financeira global, cada um dos paí-
LUSOFONIAS - SUPLEMENTO DE CULTURA E REFLEXÃO
Propriedade Tribuna de Macau, Empresa Jor­na­lística e Editorial, S.A.R.L. | Administração e Director José Rocha Dinis | Director Executivo Editorial Sérgio Terra | Coordenação Ivo Carneiro de Sousa | Grafismo
Suzana Tôrres | Serviços Administrativos Joana Chói | Impressão Tipografia Welfare, Ltd | Administração, Direcção e Redacção Calçada do Tronco Velho, Edifício Dr. Caetano Soares, Nos4, 4A, 4B - Macau • Caixa
Postal (P.O. Box): 3003 • Telefone: (853) 28378057 • Fax: (853) 28337305 • Email: [email protected]
II
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS
lusofonias
ses valoriza mais outras conexões políticas, nomeadamente com (por vezes também contra ou
em função de...) os Estados Unidos. Ao mesmo
tempo, é preciso matizar algum do optimismo
económico que rodeia os BRICS: o conjunto das
trocas comerciais em 2012 entre os cinco países
foi de 310 biliões de dólares, ainda muito longe
do total do seu comércio com os diferentes destinos mundiais que chegou a 5,6 triliões de dólares, ilustrando a predominância dos mercados da
Europa, dos Estados Unidos, do Japão e de outras
economias emergentes. Mais ainda, uma leitura
atenta demonstra que a força central neste agrupamento agora a cinco é a China, representando
85% das trocas intra-BRICS, estando sempre entre
os três maiores destinos de exportação com todos
os outros quatro parceiros, representando 55% do
total do PIB somado dos BRICS.
Assim é também com o Brasil. Em 2012, o total das trocas comerciais entre a China e o Brasil totalizou o valor impressionante de mais de
75 biliões de dólares, cerca de 60% do conjunto de todo o comércio entre a China e os PLP.
Recorde-se que, em 2009, o comércio bilateral
era de 37 biliões, poucos anos antes, em 2003,
de 6,7 biliões de dólares e, em 2000, de apenas
2 biliões, o que equivalia então a curtos 8% do
intercâmbio comercial com os EUA e a marginais
1,8% do comércio exterior total do Brasil. Números actualmente muito acima do intercâmbio
comercial com os outros membros dos BRICS. Assim, o comércio bilateral entre o Brasil e a Índia
atingiu em 2012 o valor de 10,6 biliões de dólares, aumentando 15% dos 9,2 biliões de 2011
e quando, dez anos atrás, em 2002, era apenas
de 1,2 biliões, mesmo assim muitíssimo mais do
que os insignificantes 177 milhões de dólares em
1992. Bastante atrás do comércio brasileiro com
a China, os EUA e a UE ou mesmo com a Argentina, o Japão, a Índia e a Coreia do Sul, as trocas
comerciais entre o Brasil e a Rússia chegaram em
2012 a 5,9 biliões de dólares, colocando o país
apenas como 12º parceiro brasileiro. Pelo seu
lado, a África do Sul situa-se ainda mais abaixo,
tendo sido em 2012 o 29º parceiro comercial do
Brasil com trocas bilaterais em torno de 2 biliões
de dólares. É a relação comercial com a China
que verdadeiramente conta no desenvolvimento
da economia brasileira como, aliás, mais do que
conta para todos os outros membros dos BRICS. A
China é, desde 2009, o maior parceiro comercial
do Brasil e tem vindo ano após ano a reforçar esta
posição. No entanto, em 2012, com um aumento
de 11,2% face ao ano anterior, as trocas comerciais entre a China e a Rússia foram as maiores no
universo BRICS chegando a um valor de 88,16 biliões de dólares. Razoavelmente acima dos 66 biliões de trocas comerciais entre a China e a Índia
e muito mais dos que os 20 biliões entre a China
e a África do Sul, mesmo assim suficientes para
transformar a RPC no maior parceiro comercial
do grande país africano. A adesão da África do Sul ao selecto fórum
mostra também, para além das estratégias políticas e comerciais, que o continente é um objectivo fundamental para os BRICS ou não fosse
essa sorte de última fronteira dos recursos naturais do planeta sem os quais é impensável a
emergência económica e industrial. Na verdade, todos os cinco países se encontram a alargar
vertigionosamente o seu comércio, cooperação
e investimentos em África. A começar pela própria África do Sul: uma década atrás, o comércio do país com os quatro BRIC originais era de
apenas 5%, alcançando em 2012 17%. Significativamente, os BRICS trocam mais com a África do
que entre eles próprios, tendo o comércio com
o continente alcançado em 2012 o valor impressivo de 340 biliões de dólares, dez vezes mais
numa rápida década. E, apesar de representar
somente 2,5% do total somado do PIB dos BRICS,
a África do Sul é responsável por 11% do comércio total BRICS-África, 35% mais volumoso do
que o comércio Brasil-África e 200% superior às
trocas Rússia-África, apesar do seu crescimento
significativo nos últimos cinco anos. Em consequência, por volta de 2015, as trocas comerciais
entre os BRICS e a África devem ultrapassar os
500 biliões do comércio dos EUA com o continente, mas prevendo-se que 60% deste volume, cerca de 300 biliões, saiam directamente do continuado crescimento do intercâmbio comercial
entre a China e os diferentes países africanos.
Apesar destes números, a novidade dos BRICS
não é essencialmente comercial ou política, antes representa uma dinâmica de desenvolvimento que o fórum agora de cinco países procura
subsumir em agenda internacional vazada numa
globalização ainda mais multilateral e numa
nova ordem mundial definitivamente multipolar. O que passa por alianças em torno de uma
nova governação económica internacional ou,
simplesmente, mais posições nas direcções das
organizações transnacionais, como ocorreu recentemente na eleição do diplomata brasileiro
Roberto Azevedo para director-geral da Organização Mundial do Comércio, o que foi geralmente interpretado como uma vitória dos BRICS. De
qualquer modo, os BRICS encontram-se institucionalizados, enformam uma aliança activa de
comunicação e, por vezes, de contraposição ao
poder político e económico dos países industrializados do Norte que, sobretudo os EUA e a UE,
continuam a ser os seus maiores mercados.
As Relações
económicas e comerciais entre a China e o Brasil:
um fenómeno recente de uma complementaridade singular
A
pós a sua independência, em
1822, o Brasil inaugurou relações diplomáticas com a China em
1881, mas sem grandes resultados
comerciais para além das exportações de tabaco em pó que remontavam, aliás, aos inícios do século
XVIII com a activa intermediação de
Macau. Depois da instauração da República Popular da China (RPC), em
1949, e da Guerra da Coreia, entre
1950 e 1953, sob pressão dos EUA,
o Brasil cortou as ligações diplomáticas com a República Popular da
China reatadas somente em 1974. É
certo que, em Agosto 1961, se deu
a célebre visita do Vice-Presidente
do Brasil João Goulart à China onde
recebeu a notícia da resignação do
Presidente Jânio Quadros, mas a sua
ulterior presidência, com poderes
muito limitados pelo parlamento,
não desenvolveria as relações com
a RPC, logo depois soçobrando face
ao golpe militar de 1 de Abril de
lusofonias
1964. O governo do regime ditatorial que se lhe seguiu, dirigido por
Castello Branco, decidiu um alinhamento com os EUA e o repúdio ao
que considerava serem as perigosas
ideias comunistas propagadas pela
China Popular. E, no entanto, no
início da década de 1970 mudanças
importantes na circulação internacional da China poderiam ter permitido uma aproximação do Brasil.
Recorde-se que, neste período, a
RPC entendeu privilegiar as relações Estado a Estado, independentemente do seu formato ideológico,
aproximando-se também dos EUA
para receber mais protecção face
à URSS, o que haveria de ser premiado, em 1971, com a sua entrada
para o Conselho de Segurança da
ONU substituindo definitivamente
Taiwan. Contudo, os governos do
regime militar desperdiçaram estas
oportunidades e, entre 1969 e 1974,
o famigerado governo do general
Emílio Garrastazu Médici privilegiou
aumentar ainda mais brutalmente
a repressão, promovendo também
um chamado “milagre económico”
que, assentando na intervenção do
Estado e na construção de grandes
infra-estruturas, beneficiou apenas
as classes muito ricas enquanto os
rendimentos per capita caíam para
parcos 40 dólares mensais, recuando o poder de compra dos brasileiros para os níveis de 1960. Tudo o
que fosse minimamente democrático e progressista, da imprensa aos
círculos intelectuais, passando pelas universidades, pela música, pelo
livro, foi violentamente perseguido,
muito mais tudo o que se aproximasse de alguma coloração comunista, assim inviabilizando completamente o reatamento de relações
com a China.
A abertura de relações diplomáticas faz-se em 1974, no primeiro ano
da presidência do general Ernesto
Geisel, um pouco mais pragmático
em matérias internacionais e ligeiramente mais flexível na dureza das
medidas anti-democráticas. Antigo
presidente da Petrobrás, Geisel assistiu ao impacto profundo da crise
petrolífera de 1974 na economia
brasileira e tentou encontrar novas
fontes de importação, o que ajuda a
explicar tanto a inauguração de relações siplomáticas com a China como,
em 1975, logo após a independência,
com Angola. Restabelecidas, assim,
em Agosto de 1974, as relações diplomáticas com a China, o comércio bilateral cresceu muito paulatinamente de 19,4 milhões de dólares, nesse
ano, para 202 milhões em 1979, ajudado por um Acordo Comercial assinado no ano anterior. Neste período,
o Brasil exportava para a China sobretudo algodão, açúcar e farelo de
soja contra importações que, desde
CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >
LUSOFONIAS • Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013
III
OM
A
< CONTINUADO DA PÁGINA ANTERIOR
1978, eram dominadas a 95% por petróleo chinês.
É na década de 1980 que, quando
se consolida a política de reformas na
China e a sua progressiva abertura ao
mundo, se começam lentamente a desenvolver as relações comerciais e de
cooperação com o Brasil. As viagens à
RPC do último presidente do regime
militar, João de Figueiredo, em Junho
de 1984, e depois de José Sarney, em
Julho de 1988, permitiram a assinatura de mais de vinte actos bilaterais
nas áreas económicas, científicas e
tecnológicas, destacando-se em 1988
a proposta de construção conjunta de
satélites em projecto conhecido por
China-Brazil Earth Resource Satellite, o CBERS. Neste período, a China
tornava-se o segundo parceiro comercial brasileiro na Ásia depois do Japão, chegando as trocas bilaterais a 1
bilião de dólares, exportando o Brasil
principalmente minérios, óleos vegetais, produtos siderúrgicos e agropecuários, comprando petróleo, produtos químicos e peças de máquinas.
É a partir de 1993 com a assinatura de uma parceria estratégica que as
relações comerciais e a cooperação
se desenvolvem um pouco mais significativamente. Grandes companhias
brasileiras como a Companhia de Projectos e Obras (CBPO) e a Andrade
Gutierrez participaram em licitações
para a construção de hidro-eléctricas
na China, a cooperação no programa
de satélites CBERS foi incentivado (o
primeiro satélite foi lançado em 1999,
o segundo em 2003 e o terceiro em
2007) e as trocas comerciais voltaram
a instalar-se na ordem do bilião de
dólares, registando-se em 1994 importações brasileiras de 460 milhões
de dólares contra 820 milhões de exportações. A seguir, durante os governos do presidente Fernando Henrique
Cardoso, entre 1995 e 2002, foi desenhada uma estratégia para conciliar
as relações tradicionais do Brasil com
os países desenvolvidos, especialmente os EUA, e as oportunidades que se
começavam a abrir com o rápido crescimento económico da China. A partir
de 2000, com o fim do Plano Real e
a estabilização cambial e financeira
ganha pelo Brasil, as relações comerciais com a RPC aumentam as impor-
IV
tações chinesas até 2004 em 351%,
enquanto as exportações brasileiras
crescem 106%, logo transformando
a China em quarto parceiro comercial do Brasil com um valor total de
trocas a situar-se na ordem dos 8 biliões de dólares. As vendas brasileiras, contudo, assentaram em 70% na
exportação de matérias-primas e alimentos com baixo conteúdo tecnológico – agropecuária (32%), mineração
(21,6%), siderurgia (7,8%), celulose
(5,3%) e óleos vegetais (9,1%) –, enquanto em contraste as importações
do mercado chinês se situaram a 57%
em equipamentos electrónicos, produtos químicos e farmacéuticos: um
modelo comercial que, como veremos, se tem vindo a aprofundar. Pese
embora estes desenvolvimentos, o
Brasil representava em 2000 somente
0,72% das importações chinesas (24º
lugar), passando em 2004 para 1,55%
(14º lugar). Neste período, como se
sabe, praticamente 50% das importações da China saíam de quatro países
– Japão (16,81%), Taiwan (11,54%),
Coreia do Sul (11,09%) e Estados
Unidos (7,96%) –, ao mesmo tempo
que 55,14% das exportações chinesas
se dirigiam para outros quatro destinos dominantes – Estados Unidos
(21,06%), Hong Kong (17%), Japão
(12,39%) e Coreia do Sul (4,69%).
Seja como for, pode situar-se a maturação, desenvolvimento continuado
e especialização das relações económicas e comerciais entre a China e o
Brasil a partir de 2004, abrindo uma
década de impressionante crescimento das trocas comerciais transformando a China, desde 2009, no principal
parceiro comercial do Brasil. Naquele
ano, concretiza-se a importante viagem do anterior presidente Luiz Inácio
Lula da Silva que, em Maio, mobilizou
nove ministros, seis governadores e
mais de 400 empresários. Firmando
nove acordos bilaterais e catorze contratos bilaterais, esta visita procurava
destacar a dimensão continental do
Brasil, a sua autonomia em política
internacional, mais o seu comprometimento com uma nova cooperação
Sul-Sul, para além de reconhecer definitivamente a importância política
e económica da China tanto na construção de uma ordem internacional
multipolar quanto na multilateralização do processo de globalização. Pou-
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS
cois meses depois, em Novembro de
2004, o antigo presidente chinês Hu
Jintao visitava oficialmente o Brasil
no preciso momento em que o governo brasileiro decidiu conceder à RPC
o estatuto de economia de mercado,
apesar dos fortes protestos de muitos
empresários brasileiros que, liderados
pela poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
acusavam a concorrência desleal das
grandes companhias estatais chinesas
com o seu forte apoio governamental,
créditos abundantes, taxas e condições de trabalho muito especiais. O
que não impediu o franco reforço das
relações bilaterais com a criação, em
2006, da Comissão Sino-Brasileira de
Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban); o lançamento governamental em 2007 da Agenda China e do
Diálogo Estratégico; a especialização,
em 2008, do Diálogo Financeiro Brasil-China; mais a institucionalização dos
BRICS, o diálogo mantido no G20 e na
abertura das cúpulas da OMC às economias emergentes.
Refira-se ainda que, actualmente,
quando a RPC continua a reforçar a
sua posição de principal parceiro comercial do Brasil, ainda é a Agenda
China a dilucidar tanto as orientações
quanto as principais disfunções numa
relação que tem sido muito mais comercial do que efectivamente política. Recorde-se, por isso, que a agenda
definia várias metas bilaterais, algumas ainda largamente por concretizar, a saber: (i) aumentar o valor tecnológico das exportações brasileiras
para o mercado chinês; (ii) equilibrar
quantitativa e qualitativamente a balança comercial bilateral através do
aumento da exportação de produtos
industrializados brasileiros; (iii) incrementar as exportações brasileiras de
produtos intensivos no uso de recursos
naturais; (iv) aumentar a participação
brasileira em missões, feiras e projetos específicos com a China; (v) atrair
mais investimentos chineses para o
desenvolvimento do Brasil, incluindo
nas áreas de infra-estruturas e logística. Sete anos volvidos, convém tentar
perceber como é que esta brasileira
Agenda China se comportou em comércio e investimentos com a segunda
maior economia mundial.
s relações comerciais do Brasil c
-se lentamente desde a reabertu
em 1974, explodindo verdadeirame
se confirma através dos muito porm
rio do Desenvolvimento, Indústria e
tico pelo menos original...): em 200
-Brasil chegaram a 4.074.972.311 de
para 6.681.164.162; em 2004, cre
em 2005, situaram-se já em muito
em 2006, atingiram 16.392.817.26
23.370.087.139; em 2008, desenvol
cativamente para 36.567.112.752; e
da crise internacional, conseguiram
36.915.020.034; em 2010, aumenta
mente para 56.381.325.447; em 201
resultado com 77.105.013.552; caind
do, em 2012, para 75.476.039.012, m
saldo positivo em favor do Brasil de 6
inferior aos generosos 11.524.177.12
Afectados pelo abrandamento do
sileiro, agora também contestado em
festações públicas, o comércio Brasi
valor total de exportações brasileira
41.227.540.253 de dólares (-6,97% d
mais especializada destes números
damente estável há mais de duas d
ou commodities (que mercadorias s
talvez sem o mesmo economicista e
literal como comodidades parece
muito material campo das trocas eco
leram de forma mais do que dominan
(82,8%), os produtos industriais sem
a 4.671.421.501 (11,3%) enquanto o
valor acrescentado se quedaram por
se acresceram ainda em operações e
exactamente cem produtos, as esta
ano transacto registaram cinco prod
de 1 bilião de dólares: os minérios d
(33,84%); a soja em grão e farelo e
lor de 11.880.053.533 (28,82%); o pe
4.834.736.660 (11,73%); o muito bras
no mercado chinês 1.063.070.877 (
atingiu os 1.008.407.370 (2.45%). O p
industrial nas exportações brasileira
rece em sétimo lugar, constituído pe
que, valendo 785.721.160 (1,91%), sã
Embraer.
As exportações chinesas para o B
valor de 34.248.498.759 de dólares,
uma enorme variadade de muitas o
cem produtos listados pelas estatís
apenas se descobrem quatro com e
vendas chinesas de televisões, rádio
única exportação acima de 1 bilião d
sos 1.606.693.213 (4,70%); aparelho
valeram aos exportadores chineses 67
lusofo
Modelo do comércio entre a China e o Brasil
com a China desenvolveramura de ligações diplomáticas,
ente na última década, como
menorizados dados do Ministée Comércio Exterior (um tríp02, as trocas bilaterais Chinae dólares; em 2003, subiram
esceram para 9.151.882.865;
expressivos 12.189.516.341;
61; em 2007, saltaram para
lveram-se ainda mais signifiem 2009, apesar do impacto
m crescer ligeiramente para
aram ainda mais expressiva11 atingiram o mais volumoso
ndo ligeiramente o ano passamesmo assim conseguindo um
6.979.041.494 de dólares, mas
20 de 2011.
o crescimento económico braem recorrentes grandes maniil-China registou em 2012 um
as para o mercado chinês de
do que em 2011). Uma leitura
revela um modelo continuadécadas: os produtos básicos
se pode dizer em português,
efeito, já que uma tradução
excessivamente exterior ao
onómicas e comerciais...) vante 34.147.262.539 de dólares
mi-manufacturados chegaram
os manufacturados de maior
r 2.373.217.008 (5,7%), a que
especiais 35.639.205. Listando
atísticas oficiais brasileiras do
dutos com exportações acima
de ferro com 13.950.844.361
exportou para a China no vaetróleo em crude chegou aos
sileiro açúcar de cana vendeu
(2,58%); a pasta de madeira
primeiro produto tecnológico
as para a China em 2012 apapelos aviões e veículos aéreos
ão negócio maior da poderosa
Brasil atingiram em 2012 um
, mas aparecem pautadas por
ofertas industriais. Assim, nos
ísticas ministeriais do Brasil,
exportações acima de 1%: as
os e seus componentes são a
de dólares com os seus precios telefónicos e de telegrafia
679.948.128 (1,99%); as expor-
onias
tações de turbinas a vapor chegaram a 502.957.030 (1,47%) e as
telas para microcomputadores alcançaram 467.729.215 (1,37%).
Segue-se uma lista marcada pela diversidade das mais diferentes
produções industriais que somam às habituais manufacturas baratas em têxteis, calçado e brinquedos produtos de alta tecnologia,
da informática aos painéis solares. Em rigor, 97% das exportações
chinesas para o Brasil fazem-se em produtos manufacturados com
muito maior valor agregado do que as importações chinesas de
commodities brasileiras: mais de 40% das vendas da China fazem-se já em produtos de alta tecnologia enquanto os de baixa caíram
para 20%. Mais ainda, as manufacturas chinesas concorrem directamente com os produtos industriais brasileiros domesticamente
e em mercados terceiros, neste caso tanto entre economias emergentes como nas economias em desenvolvimento, especialmente
na América Latina e na África.
Trata-se de um modelo que não é exclusivo das trocas bilaterais China-Brasil, mas que se verifica na maioria das relações comerciais brasileiras com os outros países asiáticos, exceptuando-se apenas o caso da Índia para onde o total das exportações do
país lusófono contempla quase 50% de produtos manufacturados.
Assim, no geral, ao longo de mais de uma década, tanto a China
como os demais mercados asiáticos compraram maioritariamente
ao Brasil commodities, sobretudo soja e minério de ferro, acrescentado de crude já que, com as descobertas e início da exploração das enormes reservas descobertas no pré-sal da bacia marítima de Santos, as exportações brasileiras de produtos petrolíferos
tenderão a aumentar substancialmente nos próximos anos. O que
terá certamente impacto nas trocas comerciais bilaterais ou não
fosse a China desde 2009 o maior consumidor energético do mundo com os seus 2.252 biliões de toneladas de petróleo equivalente, superando nessa altura os 2.170 biliões de consumo dos EUA.
Mas nesta área, como se bem sabe, a concorrência é quase feroz
até porque a China soube diversificar as suas importações de crude do Médio-Oriente, da África e da América Latina. De qualquer
forma, desde 2008, concretizando precisamente essa política de
diversificação das importações de recursos energéticos, a China
tornou-se o segundo destino das exportações brasileiras de petróleo, mas as vantagens do Brasil nos mercados globais são muito
mais evidentes em soja e minérios de ferro.
A soja conhece actualmente apenas três grandes produtores
mundiais com escala suficiente para a procura do enorme mercado chinês que são, por ordem decrescente, os EUA, o Brasil e
a Argentina. O minério de ferro só é verdadeiramente produzido em grande escala pela Austrália e pelo Brasil. Desde 2006, a
Vale transformou-se no principal fornecedor de minério de ferro
ao mercado da China, na altura com 75,7 milhões de toneladas
embarcadas, representando 23,2% das importações chinesas, percentagem que se tem vindo a alargar nos últimos anos. A China vai
continuar a precisar de importar nas próximas décadas quantidades colossais destas commodities, apesar dos sentidos esforços e
investimentos em diversificação económica, das energias ao alimentar. O Brasil parece, assim, pelo menos nestas duas áreas, em
condições de impôr níveis suficientemente lucrativos de preços
como, aliás, o fez a gigante Vale na exportação de minério de ferro para a China. O que, porém, não resolve a situação de fundo do
insuficiente valor agregado destes produtos. Com efeito, mesmo
a soja é exportada para o mercado chinês a 95% em grão, sem o
valor industrial agregado que poderia vir do farelo e, sobretudo,
do óleo. O que não se afigura fácil de reverter já que as alfândegas chinesas cobram uma tarifa de 3% sobre as importações de
grão, mas impõem 9% sobre óleo de soja, à semelhança de outros
produtos primários industrializados brasileiros como o aço, papel
e celulose.
A complementaridade assimétrica de um modelo comercial
que, apesar de favorável ao Brasil, intercambia as commodities
primárias brasileiras por produtos manufacturados chineses, incluindo de altas tecnologias, tem vindo a suscitar a preocupação
crescente de vários sectores manufactureiros brasileiros que, especialmente nos têxteis, vestuários, calçados e nas componentes
industriais, denunciam repetidamente a perda de competitividade
nos mercados interno e externos face à China, situação agravada
ainda pela valorização do Real, aumento dos custos salariais, correndo a par com disfunções estruturais brasileiras, da burocracia à
irritante corrupção, passando pelos custos de transporte ou pelas
dificuldades logísticas. Preocupações inteiramente justificadas: o
modelo actual do comércio Brasil-China é mais assimétrico que o
padrão comercial Brasil-Estados Unidos ou Brasil-União Europeia.
Em rigor, enquanto no ano passado a participação do comércio
intraindustrial nas trocas bilaterais com os EUA foi de 50% e de
39% com a UE, situou-se com a China em benévolo optimismo
apenas em 16% se incluirmos os produtos semi-manufacturados.
Paradoxalmente, o modelo do comércio China-Brasil segue exageradamente as assimetrias tradicionais do padrão mais do que
conhecido “Norte-Sul”, sendo mesmo muitíssimo mais acentuado
do que com os grandes países industrializados.
Uma assimetria económica e socialmente grave, insustentável na longa duração. Efectivamente, apesar dos extraordinários
avanços no desenvolvimento económico e social brasileiro nas últimas décadas com uma larga redução da pobreza e um crescimento significativo da classe média, conquanto em muito à custa
do crédito e do endividamento talvez na ordem dos 40%, vários
economistas brasileiros sublinham com razão que, nas economias
desenvolvidas do Norte industrializado, a diminuição do sector industrial no PIB deu-se geralmente quando essas sociedades cruzaram um PIB per capita de 20.000 dólares, um patamar que o Brasil
ainda está longe de alcançar. Neste contexto, a progressiva substituição do peso das indústrias em favor de serviços especializados de grande valor acrescentado parece ainda difícil, mais ainda
quando não existe o mercado interno para sustentar económica
e estamentalmente esta mudança. Logo, uma continuada desindustrialização do Brasil potenciada pela promoção nos mercados
globais das commodities e pela concorrência das muito mais competitivas manufacturas chinesas pode configurar um fenómeno
económico excessivamente precoce somando à desvalorização
comercial externa graves consequências sociais. Por isso, o futuro
das relações comerciais entre a China e o Brasil vai exigir muito
mais diversificação de actores, sectores e inovação, para além de
um modelo de investimentos e de cooperação económica capaz
de qualificar complementaridades e infirmar as assimetrias. O que
não se vislumbra no horizonte próximo quando se analisa o modelo de investimentos dominante nas relações económicas China-Brasil ainda mais assimétrico do que o jogo das trocas comerciais.
LUSOFONIAS • Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013
V
O Modelo
À
semelhança das relações comerciais, é sobretudo a partir
de 2004 que se alargam os investimentos chineses no Brasil com
a assinatura do Memorando de
Entendimento sobre Cooperação
em Matéria de Comércio e Investimento, concedendo à RPC o referido estatuto de economia de
mercado, ano também marcado
como se sublinhou pela visita do
presidente Lula da Silva à China
e do presidente Hu Jintao ao Brasil. No entanto, não é fácil analisar e avaliar qualificadamente os
impactos destes investimentos,
existindo continuadamente uma
discrepância entre intenções,
projectos e realizações concretas: entre 2007 e 2012, um total
de 60 projectos de investimento
foram anunciados por 44 companhias chinesas, mas apenas 39
foram confirmados, enquanto 21
continuam em processo de negociação e avaliação por
empresas de ambos
os países. Assim,
até ao ano passado, tinham sido
anunciados investimentos chineses
no valor de 68,5
biliões de dólares, mas apenas se
concretizaram até
agora 24,4 biliões,
cerca de um terço
do prometido.
O modelo geral
dos investimentos
chineses no Brasil
capta-se com mais
facilidade, decorrendo directamente do padrão das
trocas comerciais.
Com efeito, até
2010, os investimentos situaram-se nos sectores
dos recursos, especialmente
em
minérios de ferro,
soja e petróleo,
assim
acompanhando e procurando proteger as
principais exportações
brasileiras para a China.
Destacaram-se em
valor neste período os investimentos no sector petrolífero: os
7,1 biliões de dólares pagos pela
Sinopec pela compra de 40% da
subsidiária brasileira da espanhola Repsol; os 3,1 biliões da
compra pela Sinochem de 40% do
campo de exploração de petróleo
denominado Peregrino, concessionado à norueguesa Statoil; e
os 4,8 biliões dispendidos pela
Sinopec na aquisição de 30% de
participação na Petrogal Brasil.
Os investimentos nesta área tinham recebido já forte impulso
VI
de Investimentos
em 2009 através de um contrato
de financiamento celebrado pela
Petrobrás com o China Development Bank (CDB) que disponibilizou uma linha de financiamento
de 10 biliões à gigante petrolífera brasileira com a contrapartida
de exportação de 200 mil barris
de petróleo diários até 2019 à
Unipec Asia, subsidiária da Sinopec.
A partir de 2011, e ainda mais
claramente no ano passado, os investimentos chineses começaram
a perseguir alguma ténue diversificação e a associar as gigantes
estatais a algumas empresas privadas. Descobrem-se investimentos no sector automóvel, reunindo 19 projectos que representam
5,8% dos investimentos totais
chineses no Brasil. Encontram-se igualmente nos sectores dos
produtos electrónicos e de veí-
com os seus mais do que impressionantes activos de 2,7 triliões
de dólares. Uma presença a ligar
ao acordo assinado no passado
mês de Junho pelos dois governos e bancos centrais permitindo
às empresas brasileiras operar na
China em reinminbi (yuan) e as
chinesas em reais no Brasil. Em
consequência destas tentaivas de
diversificação dos investimentos
chineses no grande país lusófono,
juntaram-se às gigantes estatais
dos sectores dos petróleos, outras empresas como a Wuhan Iron
& Steel Group, Baosteel Group,
AOC TPV Technologie Group,
ZTE Zhongxing Ltd., China Trade Center, China Aluminiun Ltd.,
Phihong, Baoan, Gree, Jialing,
Huawei, ZTE, Citic, operando
principalmente na indústria siderúrgica, na exploração de minérios, no processamento de ma-
culos de duas rodas, mas apenas representando 3,4% do total,
disseminando-se por mais de 51
projectos com um valor médio de
investimentos relativamente baixo à roda dos 30 milhões de dólares. Mais recentemente, algumas
empresas chinesas investiram em
agronegócios e ampliou-se moderadamente a presença financeira, tendo o Banco da China, presente timidamente no Brasil desde 2009, recebido agora a companhia do gigantesco Industrial
Commercial Bank of China (ICBC)
deira e na montagem de eletrodomésticos, ampliando também
aquisições e fusões empresariais.
Em radical contraste (muito
mais do que mera assimetria...),
os investimentos brasileiros na
China são mais do que modestos.
No conjunto dos investimentos do
Brasil no exterior somente 0,06%
se dirigem para a China, representando escassíssimos 0,04% do
IDE que entra abundantemente
na RPC. Identificam-se actualmente 57 empresas brasileiras a
operar na China, concentradas
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS
especialmente na produção de
aviões através da Embraer que
mantém uma fábrica em Harbin
e na indústria de carvão, tendo a
Vale adquirido algumas posições
minoritárias em companhias chinesas. Existem também empresas
brasileiras activas no imobiliário,
na industria têxtil e na produção
automóvel como a Embraco, Marcopolo, Maxion, Veg, Schulz, notando-se igualmente a presença
atenta da Petrobras, entidades
financeiras estatais e privadas
(Banco do Brasil, BNDES, BM&F,
Bradesco) e uma série de escritórios de advocacia. Tudo somado
é ainda muito pouco para que os
investimentos brasileiros possam
competitivamente tirar vantagens do gigantesco crescimento
do mercado de consumo interno
da China.
Trata-se de um contraste que
convém situar no
seu
verdadeiro
contexto global: o
Brasil é ainda muito mais receptáculo de IDE do que investidor no estrangeiro,
enquanto
investimentos chineses no Brasil se
integram numa estratégia de internacionalização das
grande empresas
da RPC, maiormente estatais, desenhada a partir de
2002 com a conhecida política governamental do Going
Global, misturando
indisfarçadamente o económico e
o geopolítico. Por
isso, o alargamento
dos investimentos
da China no Brasil
deve
integrar-se
também na atracção que o grande
país sul-americano
continua a exercer para os mais
variados
investimentos
directos
estrangeiros, mais
ainda com a crise
global de 2008 com
Petrobrás
origem nos EUA e
a arrastada crise das dívidas soberanas na UE. Em 2012, apesar
do baixo crescimento económico
dos últimos dois anos, o Brasil recebeu 65,3 biliões de dólares de
IDE, colocando-se na quarta posição mundial, atrás dos EUA com
167,6 bilhões, da China com 121,1
biliões e de Hong Kong com 74,6
biliões. O ano passado, a RPC foi
mesmo o terceiro maior investidor mundial com os seus 84 biliões de dólares, ainda assim muito atrás dos 329 biliões dos EUA e
em menor volume do que os 123
lusofonias
biliões do Japão. Em contraste,
o Brasil praticamente não investiu em 2012 no estrangeiro, tendo mesmo as empresas brasileiras
repatriado cerca de 3 biliões de
dólares.
O que é mais grave no modelo
ainda dominante de investimentos chineses no Brasil é a sua
decorrência directa do padrão
comercial com a sua esmagadora preferência pelos produtos
primários. É que a primarização
da economia por mais comercialmente lucrativa que seja na conjuntura global presente não solucionará os problemas estruturais
da economia e sociedade brasileiras. O sector das commodities
emprega muito pouco: em 2010,
apenas 3,2% dos trabalhadores
formais estavam empregados no
sector agropecuário e menos de
0,5% no sector mineral. Além de
empregar pouco, o sector de produtos básicos gera pouco emprego quando cresce. A primarização não parece ser avenida com
futuro para a criação de mais e
melhores empregos, muito menos se afigura o melhor caminho para um país que elegeu (e
bem...) a superação da pobreza
e das desigualdades como os seus
principais objetivos de políticas
públicas. Em alternativa, tanto
as relações comerciais como os
investimentos China-Brasil precisam de ser verdadeiramente pensados em diversidade com mais
ciência, investigação, tecnologias e cultura. Alguns exemplos
parecem promissores.
Em 2010, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade de Tsinghua criaram um
centro dedicado à investigação
das mudanças climáticas e segurança energética para o qual
o governo brasileiro canalizou 2
milhões de dólares. Abriram os
inevitáveis Institutos Confúcio
em universidades brasileiras,
em São Paulo e Brasília. O governo brasileiro financia cursos
de Português na Universidade de
Pequim, na Universidade de Comunicações da China e na Universidade de Shijiazhuang. Mas
nenhuma destas, e algumas outras, formas de cooperação sino-brasileira parece tão importante
como o acordo assinado em 2011
pelos ministérios da Ciência e
Tecnologia da China e do Brasil
para o desenvolvimento conjunto de investigação e inovação
em nanotecnologias. Inovação e
investigação são condição de diversificação tanto no Brasil como
na China: os 5000 trabalhadores
da chinesa Foxconn poderiam até
montar todos os iPads e iPods
do mundo, mas provavelmente
menos de 5% do preço cobrado
ao consumidor ficaria na China.
A ideia, o conceito, a marca, o
grande valor acrescentado ainda
fica nos EUA – investigação e inovação são os desafios que a China
e o Brasil devem abraçar, porque
não também com renovado comércio e novos investimentos.
lusofonias
O Fórum
de Macau
e os serviços à relação económica
e comercial China-Brasil
A
s trocas comerciais entre a China e o Brasil
representaram em 2012 praticamente 60% do
conjunto do comércio entre a RPC e os Países de
Língua Portuguesa. O engajamento do Brasil no
Fórum de Macau é, por isso, mais do que fundamental. É certo que o cônsul-geral do Brasil em
Hong Kong e Macau representa o país oficialmente
no Secretariado Permamente do Fórum, mas faz
muita falta um delegado permanente que acompanhe crítica e activamente as acções quotidianas
do organismo. É certo também que o Embaixador
do Brasil em Pequim segue as reuniões ordinárias
do Fórum e o país tem estado presente nas cimeiras ministeriais, mas nunca aos mais altos níveis. Sendo as relações económicas e comerciais
entre a China e o Brasil assunto bilateral, quais
poderão ser os serviços pertinentes do Fórum de
Macau a oferecer ao desenvolvimento das ligações
sino-brasileiras tão complementares como, afinal,
assimétricas?
Convém esclarecer que o o Brasil não conhece a
China, reagindo ao enorme crescimento chinês com
lugares-comuns, desconfiança e mesmo alguns preconceitos que se manifestam em todas as sondagens
e estudos de opinião. O chinês é, no Brasil (como
em muitos países ocidentais...) o “outro”, domesticado por uma espécie de regime incompreensível
e concorrente desleal. A cultura chinesa é estranha
e distante, sendo desconhecida mesmo pela maioria dos políticos e empresários brasileiros que se
relaciona ou visita a China, geralmente ignorando
tradições, hábitos, mentalidades tanto como regras comerciais, economia e sociedade. Apesar do
exponencial desenvolvimento comercial, o Brasil
ainda não conhece a China. Esta, por sua vez, desconhece ainda mais o Brasil fora de alguns tópicos
cómicos e folclóricos subsumidos entre carnavais e
tropicais pecados. O Fórum de Macau pode e deve
ser um instrumento para melhorar compreensão,
entendimentos e reconhecimento da diversidades
das culturas e das sociedades do Brasil e da China. Aproveitando a sua história – foi Macau que,
no século XIX, informou o Brasil sobre a civilização
chinesa... – e as vantagens do segundo sistema, o
Fórum deve promover conferências, reuniões e debates em que responsáveis políticos, ermpresários,
académicos e investigadores chineses e brasileiros
se possam conhecer e, assim, aprender a trabalhar
em conjunto. Pode e deve contribuir também para
multiplicar a presença e visita de empresários brasileiros em feiras e certames comerciais em Macau
e na China, colaborar no intercâmbio académico e
científico, nos intercâmbios de escolas e associações de estudantes, promovendo igualmente muito
mais encontros e actividades marcadas pelas indústrias criativas e culturais.
Em seguida, aproveitando tanto os muitos quadros de língua portuguesa instalados em Macau, vários capazes de se expressarem em mandarim, assim como os muitos quadros chineses que na RAEM
se movimentam com competência em português, o
Fórum deve prestar serviços de estudo, jurídicos,
de aconselhamento e facilitação, de capacitação e
planeamento capazes de servir empresas e instituições brasileiras e chinesas interessadas em comerciar, investir e cooperar. Deve também o Fórum de
Macau servir para convidar empresas brasileiras a
encontrar no território facilidades para entrar nos
mercados chineses, aproveitando as vantagens do
acordo CEPA e dos entendimentos formalizados no
quadro do Grande Delta do Rio da Pérola que, certamente, agradecerá as ligações às empresas industriais e tecnológicas do Brasil. O que implica
mais investimento na formação de recursos humanos, convidando quadros e empresários brasileiros
a partilhar livremente as suas experiências em Macau com auditórios especializados vindos dos PLP e
da China continental.
Finalmente, o Fórum de Macau deve mobilizar
os saberes e competências da cooperação brasileira, especialmente em África, para ajudar tanto
o desenvolvimento económico e social dos outros
países lusófonos quanto a cruzar experiências com
a crescente cooperação chinesa que, tantas vezes,
se embaraça em preocupantes faltas de entendimento das outras sociedades e culturas. Referencial em áreas fundamentais como o combate à pobreza, o desenvolvimento e investigação agrícolas,
a saúde e a socialização da energia, a cooperação
brasileira em África constitui um património fundamental que o Fórum de Macau deve transformar em
oportunidades para mais cooperação e projectos
concretos ao serviço do desenvolvimento sustentado que cada vez mais vai desafiar as relações entre
a China e os PLP.
A China e Brasil, apesar de concorrentes em várias áreas, não poderiam ser mais complementares – fraquezas e virtudes foram igualmente distribuídas entre ambos. Cabe ao Fórum de Macau
transformar em formação as virtudes e ajudar com
serviços especializados de intermediação a limitar
as fraquezas.
LUSOFONIAS • Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013
VII
Literatura angolana
“versus” línguas nacionais
Publica
textos de estudo e opinião
sobre a diversidade cultural
das Lusofonias
Ideias
Norberto Costa*
“Nestes termos,
julgamos que a nível
da literatura angolana,
já era sem tempo a
promoção e a valorização
daqueles autores que se
exprimem em línguas
nacionais, sob pena de
vermos o comboio passar
das muitas literaturas
africanas, que para além
da sua afirmação nas
línguas étnicas (como é
cado da Nigéria, em que
existe uma literatura
em língua igbo),
continuam a arvorar,
concomitantemente,
o estandarte das suas
literaturas nacionais,
nas línguas do
excolonizador.”
VIII
A
gostinho Neto afirmava, a propósito, num colóquio
por si animado em Lisboa, em Novembro de 1958:
“Um poeta negro que escreve em Francês, língua em
que é considerado mestre, disse não onde que se sentia
muito orgulhso em escrever na língua fracesa. Não sei
qual seria o espanto do povo francês, qual o espanto de
que seria possuído o povo francês caso os seus intelectuais, reconhecendo a enorme beleza da língua chinesa, entendessem todos em escrever em chinês.” E Neto
avança ainda sobre o drama do intelectual colonizado
e não só: “É mais triste que espantoso que uma maior
parte de nós “os assimilados” não sabe falar ou entender qualquer das nossas línguas. E isto é tanto mais
dramático, quanto é certo que pais há que proíbem os
filhos de falar as línguas dos seus avós”, observando
que “encontramos em alguns de nós apenas a preocupação de lamentar o pobre homem negro a quem não
é fornecida igualdade absoluta com valorização intelectual. A maior parte das vezes não se voltaram para
o lado mais importante da questão: para as tradições
e para as suas línguas que não sabiam.” Nestes termos
capta-se o conflito sociocultural e o drama psicológico
em que vive mergulado o intelectual africano colonizado, com todas as incidências actuais atinentes.
O facto de a literatura angolana, bem como as demais literaturas dos “Cinco” (PALOP), serem quase que
exclusivamente praticadas em língua portuguesa, não
deixa de constituir um paradoxo aparente. Muito embora tal facto seja um caso arrumado na história das
nossas literaturas, no sentido de se esclarecer e ajudar
a compreender as demais nuances e matizes envoltas
no assunto, tendo em atenção a praticamente inexistente produção literária em línguas nacionais, excepção feita – para bom entendedor meia palavra basta
– a alguns textos da tradição oral ou de alguns raros
poemas, por exemplo, em kimbundu.
Contrariamente ao que acontece em Cabo Verde e
Moçambique, literaturas que sempre acompanharam a
“démarche” da nossa, várias foram as obras que surgiram nas respectivas línguas nacionais, como é o caso
do romance em crioulo de Manuel Viega, o mais pronunciado nestas lides, embora não seja o único. Em
Moçambique, tal tipo de produção em línguas locais é
uma constante no quadro das preocupações sociais e
culturais da nova vaga de escritores surgida nos anos
80 (sobretudo surgida no marco da geração literária da
“Charrua”), como é o caso de Bento Sitoé, que publicou já dois livros de prosa na sua língua materna – o
tsonga. Entre nós, porém, tal experiência parece estar
longe de ser efectivada.
No entanto, pensamos, sem qualquer chauvinismo, que não será de maneira nenhuma serôdia a
promoção desses valores literários, quer seja através
de concursos ou outras realizações que preenchem
no plano institucional a literatura, atribuindo-se prémios, quando for caso disso, aos mais conseguidos
dos autores e das obras.
Nesta vereda, achamos importante chamar a atenção do leitor para tão apaixonante problemática, já
que tal questão tem merecido a atenção duma boa
parte dos fóruns que se realizam sobre a matéria das
líguas maternas e a sua articulação com a literatura,
não só ao nivel do nosso continente, bem como fora
dele, constituindo a UNESCO um dos seus principais aeropágos. Quer dizer, o problema da valorização das línguas africanas tem assumido cada vez mais foro de cidadania, no quadro das preocupações que atravessam
a “inteligência” africana e não só. Deste modo, e em
relação à questão que nos mobiliza hoje, aqui e agora, que é a da produção literária em línguas nacionais,
ou dito doutro modo e mais concretamente, a relação
entre o escritor angolano e o seu público, convidamo-lo a ouvir um reputado intelectual africano, cujo país
guarda bastantes similitudes com Angola, o conhecido
escritor moçambicano Marcelino dos Santos, quando
Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS
refere: “Algumas angústias acompanham o escritor
africano, nomeadaente quando tem de usar a língua do
ex-colonizador como seu instrumento de trabalho (…)
Esta situação determina o facto de o escritor no seu
país comunicar-se apenas com uma minoria letrada”.
Neste pormenor ganha primazia a questão da alfabetização em línguas nacionais e não só: o surgimento de autores que nela se exprimam, é fundamental.
Prosseguindo na sua análise, o poeta Kalungano (pseudónimo literário de Marcelino do Santos), manifesta a
necessidade de se empreender uma vasta acção continental, no sentido da valorização de tão valioso património linguístico, sublinhando que algumas dessas
línguas estão ameaçadas de degenerescência, “constituindo deste modo um forte golpe para milhares ou
milhões de pessoas que nelas se expressam”.
Finalmente, aquela legendária figura do nacionalismo africano e, consequentemente, um dos combatentes pela afirmação da identidade cultural africana
remata:“ As nossas línguas têm de ser defendidas e
preservadas (…) Investigar e usar as linguas africanas
tem de ser tambem um acto do escritor, na sua ânsia
de se fazer ouvir e comunicar”.
No fundo, o drama psicológico e o conflito sócio-cultural (de que vos falávamos incialmente, pela voz
de um seu companheiro de rota, aquele que viria a ser
o poeta da Sagrada Esperança, e que já tinha escrito
a “Renúncia Impossivel”, em 1949); drama que atravessa a sua geração reunida em torno do mais vasto
“Movimento de Reafricanização dos Espíritos”, que os
reconduziu a repensar as suas origens ancestrais, baseadas no continente negro, nomeadamente Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, onde
tinham plantado o seu cordão umbilical e à criação do
Centro de Estudos Africanos, em Lisboa, em Outubro
de 1951, depois de terem rompido com as associações
oficiais e reformistas, como a Casa dos Estudantes do
Império (organização oficial que congregava os estudantes universitários oriundos das cinco colónias africanas de Portugal), e a Casa de África ( capitaneada
pelo reformista Artur de Castro, um jornalista proto-nacionalista santomense que agia sob o signo do legalismo), respectivamente.
Nestes termos, julgamos que a nível da literatura
angolana, já era sem tempo a promoção e a valorização daqueles autores que se exprimem em línguas
nacionais, sob pena de vermos o comboio passar das
muitas literaturas africanas, que para além da sua afirmação nas línguas étnicas (como é cado da Nigéria, em
que existe uma literatura em língua igbo), continuam
a arvorar, concomitantemente, o estandarte das suas
literaturas nacionais, nas línguas do excolonizador.
Finalmente, haja em vista assinalar que Mário Pinto
de Andrade publicou nos anos 50 um poema em kimbundu; Wanhenga Xitu igualmente publicou um poema em
kimbundu, na revista “Angolense”, em 1976(?), além
de empréstimos da sua língua materna na sua ficção
narrativa em língua portuguesa), Óscar Ribas (recolha
da tradição oral kibumdu), Samuel Cakueiji (tradição
oral cokwe, da região do México), Raúl David e Fernando Costa Andrade (estes dois últimos têm livros com
recolha da tradição oral umbundu). O que não resolve
efectivamente o problema em termos de material didáctico para leitura, em caso de uma já eventual adopção das línguas maternas angolanas no ensino, pelo que
urge a produção de mais textos literários em línguas
nacionais. A este respeito vale ainda recordar Cordeiro
da Mata, o primeiro a publicar um poema na sua língua
materna, intitulado “Kicôla”(Pecado, em kimbundu),
ou ainda Eduardo Neves que publicou um poema bilingue (kimbundu-português), dando conta da mesma
inquietação existencial, que atravessam os escritores
(angolanos) vítimas do assimilacionismo colonial.
*Jornalista, escritor e ensaísta angolano,
in: Cultura. Jornal Angolano de Artes e Letras
lusofonias
Download

A China e o Brasil para além dos BRICS