AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL A Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul, integrada pelo Colégio Registral do Rio Grande do Sul e pelo Colégio Notarial do Brasil - Seção do Rio Grande do Sul, entidades de classe que congregam os notários e registradores do Estado e que tem como finalidade a defesa dos interesses e prerrogativas de seus associados, bem como propugnar o aperfeiçoamento da legislação relativa aos serviços notariais e de registro, vem a presença de Vossa Excelência interpor o presente recurso administrativo. Este Tribunal de Justiça fez publicar, hoje, o Comunicado que informou a abertura de conta específica e determinou, no âmbito estadual, o cumprimento das obrigações estabelecidas pelo Corregedor Nacional de Justiça, em decisão no processo 0000384-41.2010.2.00.0000. O Ofício-Circular nº 25/CNJ/COR/2010, a que se reporta o aludido Comunicado, não disciplina totalmente a decisão do Corregedor Nacional de Justiça, porque impõe tão somente as obrigações dos chamados “interinos” quanto à receita dos serviços. Olvidou-se o Colendo Conselho Superior da Magistratura de disciplinar a transmissão da titularidade dos serviços públicos para Poder Público, o seu exercício e suas consequências. O Corregedor Nacional declarou o serviço considerado vago “revertido do serviço público ao poder delegante”. Conforme o artigo 236 da Constituição, o poder delegante é o Poder Público: os serviços são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público. De pronto, se percebe a necessidade de regulamentação da questão. O Corregedor Nacional não disciplinou a forma como se daria a reversão do serviço ao Poder Público. Enquanto a reversão não for formalizada, os “interinos” permanecem respondendo pela serventia com todas as responsabilidades do titular, nos exatos termos da Lei nº 8.935/1994. A formalização da transferência da titularidade das serventias notariais e de registro é de grande importância, pois conforme a Constituição Federal, e em especial a Lei nº 8.935/1994, atribui responsabilidades e deveres ao titular. Quem exerce a atividade notarial e de registro, por exemplo, responde, independente de culpa, pelos danos causados a terceiros decorrentes atos próprios do serviço. A responsabilidade civil objetiva recai, então, sobre o titular do serviço (art. 22, Lei 8.935/1994). O titular ainda é o responsável pela manutenção e guarda dos livros e documentos da serventia e pela eficiência e qualidade da prestação dos serviços. Como se trata do exercício privado e pessoal da atividade pública, o titular é pessoalmente responsável pela manutenção do serviço, ou seja, pela contratação de funcionários, locação de imóveis e equipamentos, contração de prestadores de serviço, bem como aquisição de todo material necessário ao desenvolvimento da atividade notarial e de registro. Com a reversão do serviço ao Poder Público (se é que isto é possível sem a alteração do artigo 236 da Constituição Federal, especialmente da sua primeira parte, que declara ser em caráter privado o exercício dos serviços notariais e de registro), o Estado assume a titularidade do exercício da atividade e, consequentemente, de todas as responsabilidades previstas expressamente na lei e as dela decorrentes. Assim, o Poder Público deveria formalmente assumir todas as responsabilidades civis e trabalhistas, passando a figurar como contratante dos funcionários, dos prestadores de serviços, e das locações. Merece destacar que o Corregedor Nacional, em sua decisão, afirma que o “interino” é preposto do Estado, e define teto remuneratório. Determina que a remuneração do “interino” seja lançada na folha de pagamento. Impede que o “interino” exerça a livre administração do serviço delegado, condicionando qualquer ato administrativo à autorização pelo Poder Judiciário. Em resumo, transforma o interino em verdadeiro empregado do Estado. Tanto são empregados do Estado, que o Corregedor Nacional ressalta que a renda obtida com os serviços notariais e de registro pertence ao Estado, e com isso o Estado remunera o “interino”. Entender de modo diverso – que o “interino” não é empregado do Estado – seria totalmente irracional e contrário a mais elementar lógica. Quem remunera e dirige o “interino” é o Estado, para quem ele presta o seu serviço. No entanto, como empregado do Estado, o “interino”, assalariado, faria jus a uma contratação formal, inclusive com o pagamento dos encargos sociais e o recolhimento do imposto sobre a renda. Faria jus à previdência estatal. Faria jus a um salário fixo, que já fora determinado pelo Corregedor Nacional como sendo de “90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal”. O Estado deveria garantir aos “interinos” o pagamento de sua remuneração mensal, no valor definido pela Corregedoria Nacional. No entanto, o Provimento (ou decisão) não disciplina a forma de pagamento dessa remuneração, muito menos o recolhimento das contribuições sociais e do imposto de renda. Dessa situação decorre outra questão não tratada pelo Provimento (ou decisão): como o Estado irá remunerar os “interinos” (empregados) quando os rendimentos do serviço não suficientes para alcançar o valor definido. Todos os “interinos” exercem as mesmas funções nas serventias notariais e de registro, todos devem receber a mesma remuneração. Repita-se, que a remuneração do “interino” foi definida pelo Corregedor Geral de Justiça como sendo de “90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal”. O Comunicado do TJ/RS nem o Ofício-Circular do CNJ também não firmara a forma de dispensa e contratação dos funcionários que atuam como prepostos do titular. Todos são contratados pessoalmente pelo titular, sob o regime da legislação trabalhista. O “interino” – agora empregado do Estado –, e atual empregador dos funcionários, não deveria arcar com tal ônus, pois se trata de responsabilidade exclusiva e pessoal do titular do exercício da atividade notarial e de registro – agora o Estado. É necessário, portanto, que o Estado providencie a contratação dos funcionários das serventias declaradas vagas, sob pena de paralisação dos serviços, pois, o “interino” não é mais responsável pelos funcionários da serventia. Por fim, merece disciplina a questão da lavratura de testamentos. Somente o tabelião ou seu substituto legalmente investido podem lavrar testamentos (art. 1.864, I, Código Civil), mas Corregedor Nacional afirmou que o “interino” “não se confunde com o notário ou com o registrador que recebe a delegação estatal”. O “interino” não é notário, e consequentemente seu substituto também não é substituto de notário, como será lavrado o testamento quando a lei exige que o testamento público somente pode ser lavrado por tabelião ou seu substituto? As questões que carecem disciplina são muitas, e não se exaurem com as descritas neste arrazoado, e os problemas daí decorrentes são enormes e afetam não só aos interinos diretamente, como também ao Poder Público e à toda sociedade, podendo prejudicar, inclusive a própria prestação do serviço público. Certo é, porém, que não se pode admitir que o Estado seja o titular e receba a remuneração, enquanto o “interino” – empregado do Estado – assuma todas as responsabilidades da titularidade, que agora não mais possui. Se o Estado é o titular deve assumir os direitos e deveres da titularidade, e deve fazê-lo formalmente, apesar da primeira parte do artigo 236 da Constituição Federal dispor de forma diversa, ou seja, que o exercício dos serviços notariais e de registro deve ser realizado em caráter privado. Enquanto não se formaliza essa nova relação entre Estado e “interino”, bem como entre Estado e serventia, não se pode admitir a execução da decisão do Corregedor Nacional de Justiça e, por consequência, a execução do Comunicado, que não disciplina todas as questões decorrentes do ato da Corregedoria Nacional. Por oportuno, ressaltamos que não se pretende aqui atacar a legalidade, constitucionalidade, validade ou razoabilidade do ato do Corregedor Nacional de Justiça, o que se fará em momento oportuno e no foro adequado. Por esses motivos, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul, agindo em defesa da legalidade, da proporcionalidade, do próprio Poder Público, da sociedade, de seus associados, e porque não dizer, da Justiça como bem maior, requer que este Tribunal de Justiça discipline todas as questões abordadas, bem como formalize a reversão do serviço para o Poder Público, se é que isto seria possível diante do imperativo constitucional do exercício dos serviços notariais e de registro em caráter, para que assim, assumindo as responsabilidades decorrentes da titularidade. Rogamos, ainda, que este Tribunal de Justiça, de tantas glórias e de tão reconhecida independência e galhardia, proteja os registradores e notários que foram removidos por ato do próprio Tribunal de Justiça, de tal modo que as medidas determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça - interinidade e limite de emolumentos - sejam aplicadas somente aos serviços realmente vagos, cujo rol é do conhecimento deste Egrégio Tribunal. Enquanto não disciplinadas as questões abordadas, nem formalizada a reversão dos serviços ao Poder Público, requeremos a suspensão da execução das medidas vencimentais determinadas. Muito atenciosamente, Porto Alegre, 10 de agosto de 2010 Mario Pazutti Mezzari Presidente da ANOREG/RS