Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
A imagem entre o erro e a realidade: o desenho enquanto proposição reflexiva1
2
Halisson Júnior da Silva
Resumo: A partir do conceito deescalada da abstração
proposto por VilémFlusser,
busca-se, no presente trabalho, mapear e problematizar a natureza das imagens que
compõem a realidade contemporânea; entendendo tais imagens técnicas e/ou digitais
enquanto textos criptografados, e estes, por sua vez, tal qual desenhos criptografados.
Desse modo, procura
-se reinserir a linguagem do desenho no debate sobre as imagens
contemporâneas por meio de sua natureza mais essencial, do desenho como linguagem
visual básica que define aquilo que desenha, tal qual linguagem em permanente
processo de defi
nição. Nesse sentido, serão discutidas algumas proposições artísticas
que trabalham com o desenho na intersecção dos erros característicos do esforço de
representação visual da realidade.
Palavras-chave: Imagem; Desenho; Erro.
Abstract: From the Flusser'sconceptof escalationof abstraction, weseek, in thisstudy,
map and discuss the nature of the images that make up the contemporary reality;
understandingthesetechniquesand/or digital images as encrypted
texts, andthese, in
turn, like drawings encrypted.Thus, weseekto reinsertthe languageof drawing in the
debate oncontemporaryimagesthrough its mostessential nature, thedrawing as basic
visual languagethat defines whatdraws, and as such as a language in permanent
processof definition of itself. In this sense, some artistic
propositionswil l be discussed
by working with the drawing at the intersectionof the characteristicerrorsthat emerges
with the effort of visual representation
of reality.
Keywords: Image; Drawing; Error.
Introdução
Dentre as linguagens produzidas pelo ser humano, a imagem temmsido u
meio eficaz para representação e constituição da realidade. Os bisões pintados na
caverna de Altamira, na Espanha, por exemplo, são tanto uma bela representação visual
pré-histórica de tais animais, quanto uma maneira de constituir uma realidade mágica,
a
partir da crença de que, ao se dominar a figura do animal, haveria menor dificuldade em
dominar o animal real, garantindo o alimento necessário para a sobrevivência.
1
Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional
de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI.
2
Professor no curso de Artes Visuais da Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Comunicação pela
Universidade Estadual de Londrina. Contato: [email protected]
1
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Evitemos a armadilha fácil de acreditar que tal comportamento se deve a
algumapossível ingenuidade ou simplicidade de pensamento dos povos
-históricos.
pré
Como
constata
seus
processos
o
historiador
de
pensar,
da
com
arte
Ernst
frequência,
(GOMBRICH, 1999, p. 39).Fenômenos da crença na correspondência entre imagem e
realidade são recorrentes no curso da história, e frequentemente independem de
representações realísticas:
Outrora, num passado sombrio e distante, era costume, quando morria um
homem poderoso, que os seus servos o acompanhassem na sepultura.
Sacrificavam-nos para que o senhor chegasse ao além com um séquito
condigno. Mais tarde esses horrores foram considerados cruéis, ou quiçá
onerosos demais, e a arte acudiu para ajudar. Em vez de servidores de carne e
osso, aos poderosos da Terra passaram a ser oferecidas imagens como
substitutos. As pinturas e os modelos encontrados em túmulos egípcios
estavam associados à ideia de fornecer servos para a alma no outro mundo
[...] (idem, p. 58).
Apesar da crença no poder vital das imagens no além vida, as
características formais da antiga pintura egípcia pouco intencionavam uma reprodução
realística da figura humana. A representação de um ser humano com dois pés e duas
3
mãos esquerdas
, por exemplo, é comum
ente associada à intencionalidade de clareza
narrativa mais do que uma suposta incapacidade de representação fiel da anatomia
humana. Todavia, tal figura estilizada não diminuía a fé que depositavam nela.
Tão ou mais importante do que a imagem em si,ce
pare
ser o contexto de
visualidade da mesma. A partir destas considerações iniciais, pretendemos estabelecer
um panoramaem relação às imagens, a partir do conceito
escalada
de
da abstração
de
Vilém Flusser, que compreende as imagens técnicas, como as fotograf
ias, por exemplo,
enquanto abstrações de textos; e o texto, por sua vez, enquanto abstração de imagens
tradicionais, como o desenho. Assim, abordaremos a linguagem do desenho enquanto
expressão visual elementar, seguido de sua utilização
no contexto de algumas
proposições artísticas autorais.
3
A pintura no Egito Antigo obedecia a uma série de normas estéticas conhecida posteriormente como Lei
da frontalidade. Por sua função essencialmente narrativa, as figuras deveriam ser claramente
reconhecíveis. Assim, as partes do corpo humano, por exemplo, eram representadas da maneira em que
poderiam ser mais facilmente identificadas: olhos e troncos eram mostrados de frente, enquanto cabeça,
braços e pernas eram vistos de lado.
2
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Escalada da abstração
No princípio, nossos antepassados-históricos
pré
interagiam entre si e
com a natureza através de gestos e sons que seu corpo era capaz de produzir no espaço
tridimensional e no tempo presente. Nesse mundo, o homem
–ao contrário dos outros
animais–possuimãos que conseguem segurar volumes e, por meio da manipulação dos
objetos, passa a transformar o mundo em circunstância. Ao fazer isto, o homem começa
a
criar
cultura:
“a
manipulação
é
o
gesto
tempo do mundo conc
reto e transforma a si próprio em ente abstraidor, isto é, em
homem
propriamente
dito”
(FLUSSER,
Baitello Jr.
2008,
p.
nos mostra que, ao passo que o homem começou a produzir marcas, representações
imagéticas, que permitiam umatura
lei de mundo além do espaço
-tempo conhecido até
então,
“desencadeia
-se uma revolução de consequências imprevisíveis: suas imagens
criam um novo olhar e uma nova percepção do tempo, um tempo circular que permite
ao observador retornar sempre a um ponto
cial”
ini
Porém,
continua
(BAITELLO
Baitello
JR.,
Jr.,
2010
“uma
perde nesta passagem. A dimensão da profundidade (que dá a materialidade palpável,
corpórea) perde
-se
no
universo
das
imagens
). Primeiro, planas
a
[
dimensão do tempo ficou comprometida com a manipulação dos objetos palpáveis; em
seguida a dimensão de profundidade do espaço se perdeu na mediação realizada pelas
imagens planas tradicionais, fixas sobre superfícies, como no caso dososdesenh
e das
pinturas, por exemplo.
O espaço tridimensional se tornou bidimensional com as imagens e,
quando de tais imagens começaram a surgir progressivamente símbolos não figurativos,
se abstrai mais uma dimensão do espaço. Com a invenção da escrita,
ensão
a dim
da
largura desaparece da leitura de mundo que existia até então, criando um universo
unidimensional.
“As
representações
-se em
planas
representações lineares. O olhar não mais circula sobre a imagem, mas segue uma linha.
[...] Com a escrita o mundo passa a ser descritível, o que abre os caminhos para o
pensamento
lógico,
linear
e-seconceitual”
aqui que falamos
3
(ib
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da trajetória da linguagem no ocidente. A escrita oriental, por exemplo, conduz o olhar
de maneira não linear e, embora tal aproximação possa ser frutífera, nos centraremos,
neste momento, nas transformações do pensamento ocidental.
Para Flusser (2009, p. 09), mais do que uma evolução natural das
imagens, a escrita surgiu como uma reação a, quando
elas
tais imagens que deviam ser
“mapas
do
imagens
mundo,
em
função
[...]
do
passam
mundo,
a
ser
passa
a
biombo
viver
e
Assim, os textos surgem para acabar com essa inversão
a função
d das imagens, para
“rasgá
-las a fim
de
abrir
a visão
para o
mundo
Ironicamente, o mesmo pensamento lógico e linear que buscava
desmagicizar as imagens tradicionais, acabou por criar as condições necessárias para o
surgimento de outro tipo de imagem, denominada por Flusser de imagem técnica ou
tecnoimagem:
Trata-se de imagem produzida por aparelhos. Aparelhos são produtos da
técnica que, por sua vez, é texto científico aplicado. Imagens técnicas são,
portanto, produtos indiretos de textos – o que lhes confere posição histórica e
ontológica diferente das imagens tradicionais. [...] Elas são dificilmente
decifráveis pela razão curiosa de que aparentemente não necessitam ser
decifradas. [...] O mundo representado parece ser a causa das imagens
técnicas e elas próprias parecem ser o último efeito de complexa cadeia
causal que parte do mundo. O mundo a ser representado reflete raios que vão
sendo fixados sobre superfícies sensíveis, graças a processos óticos, químicos
e mecânicos, assim surgindo a imagem. Aparentemente, pois, imagem e
mundo se encontram no mesmo nível do real: são unidos por cadeia
ininterrupta de causa e efeito, de maneira que a imagem parece não ser
símbolo e não precisar de deciframento (FLUSSER, 2009, p. 13/14).
Fruto de textos, que por sua vez são unidimensionais, as imagens
técnicas - como a fotografia ou o cinema, por exemplo
- são, portanto, nulo
dimensionais,
já
que
“a
última
dimensão
esp
As tecnoimage
ns não são mais uma superfície, mas a construção conceitual de um plano
por meio da constelação de grânulos [...] que, reunidos, oferecem a ilusão de uma
superfície
[...]”
(BAITELLO
JR.,
2010,
p.
estar no mesmo níve
l da realidade concreta é a mais irreal das imagens. Assim, a partir
desta perspectiva, pode
-se dizer que a mais "avançada" das linguagens criadas pelo ser
humano,
a mais
“real”,
é
a imagem
técnica,
4
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digital. Flusser
denomina
tal
“progresso”
escalada da abstração
da
.
lingu
Entretanto:
Os quatro passos rumo à abstração [...] não formam série ininterrupta: foram
sempre interrompidos por passos de volta para o concreto. O propósito de
toda abstração é o de tomar distância do concreto para poder agarrá-lo
melhor. [...] De maneira que a história da cultura não é série de progressos,
mas dança em torno do concreto. No decorrer de tal dança, tornou-se sempre
mais difícil, paradoxalmente, o retorno para o concreto (FLUSSER, 2008, p.
20, grifo meu).
Logo, seria equivocado dizer que a noção de realidade que nós temos
da fotografia seja maior do que o realismo que as pessoas dos séculos passados
percebiam nas imagens tradicionais. É preciso considerar que o realismo
ue vemos
q em
determinadas
imagens
depende
“tanto
da
mat
biológico da espécie humana quanto dos regimes de visualidade que permitem que o
espectador veja tal materialidade
como imageme, acima de tudo,como imagem
realista”,
nos
diz
o
pesquisador
Daniel
Portuga
um bisão de Altamira, como já mencionado, era tão real para nossos antepassados
distantes quanto a fotografia de um boi é para nós. O pensamento mágico de tempos
passados cr
iava determinado ambiente propício à crença de que uma pintura equivaleria
à realidade concreta. Se hoje tal crença em imagens tradicionais parece ser difícil de
acontecer, o mesmo não pode ser dito em relação às imagens técnicas. Como constata o
historiador
da
arte,
Ernst
Gombrich
(1999,
p.
consideramos tão axiomáticas quanto os primitivos consideram as–deles
usualmente a
um ponto tal que delas nem nos conscientizamos, a menos que deparemos com gente
que as question
e”.
Nesse sentido, podemos considerar que a fotografia é, em essência,
texto criptografado; e o texto, por sua vez, é desenho criptografado. Assim sendo, a arte
do desenho pode ser considerada como linguagem visual elementar e, desta maneira, as
represent
ações da realidade contemporânea, por mais diversas que sejam, podem ser
compreendidas como reelaborações e recombinações de desenhos já feitos. O próprio
mundo social com suas edificações, mapas e fronteiras não deixa de ser também
resultados de desenhos.
Ao mesmo tempo em que a linha entre dois países, duas
cidades, ou mesmo a linha de uma porta, estabelece parâmetros para a convivência
5
43
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social, estabelecem também linhas passíveis de serem transpostas e subvertidas na
medida em que tais parâmetros estabele
cidos deixam de atender aos desejos e
necessidades humanas. A partir de tais considerações, considera
-se oportuno considerar
tal linguagem como instrumento de investigação.
Desenho como instrumento de investigação
Quando o poeta Octavio Paz (1982, p.) diz
36 que o homem é um ser de
palavras, que sem elas ele é inapreensível, ele pretende mostrar que a condição do ser
humano como tal é indissociável da linguagem. O sujeito humano só é possível quando
dá significado à própria existência. E tal significação
, por sua vez, só é possível na
medida em que dá significado à realidade natural conforme cria sua própria realidade a
partir dela. Desse modo, a possibilidade de algo existir depende da capacidade da mente
humana de perceber e significar tal existência,
onstruindo
c
-a.
Assim sendo, o desenho parece ter localização privilegiada dentro do
contexto que se expõe, seja pela percepção do mesmo enquanto linguagem visual
elementar, seja por suas características particulares enquanto linguagem artística que o
diferencia ao mesmo tempo que o intersecciona com outras áreas e outras artes. No
sentido da primeira afirmação, a artista Edith Derdyk argumenta:
Da intersecção entre a representação gráfica que fixa e a fala fugaz que
escapa, a escrita foi sendo elaborada ao longo das primeiras tentativas
humanas por meio de registros visuais em direção à formalização do
conhecimento. O desenho do signo, aos poucos, foi se desencarnando da
imagem-figura para adquirir um valor fonético, abstrato, universal. Mas, em
seus primórdios, o desenho da palavra - os pictogramas, os hieróglifos, os
ideogramas, escritas analógicas e visuais - explicita sensivelmente a natureza
mental e inteligível do desenho como ato de expressão do pensamento
(DERDYK, 2010, p. 23, grifo meu).
Sobre essa percepção do desenho como forma de pensamento, observa a
pesquisadora Cecília Almeida Salles:
É importante destacar que o desenho, como reflexão visual, não está limitado
à imagem figurativa, mas abarca formas de representação visual de um
pensamento, isto é, estamos falando de diagramas, em termos bastante
amplos, como desenhos de um pensamento, uma concepção visual ou um
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pensamento esboçado. Não é um mapa do que foi encontrado, mas um mapa
confeccionado para encontrar alguma coisa (SALLES, 2010, p. 35).
Assim, possuindo também a capacidade de exercer a função de mapa, o
desenho reafirma sua característica transdisciplinar no processo stigação
de inve tanto
em campos distintos das artes, quanto em outras linguagens artísticas, oferecendo a
possibilidade
de
"dar
concretude
a
uma
ima
(idem, p. 36). Como aponta o artista Diego Rayck:
Um levantamento histórico sobre desenho, sem muita dificuldade, pode situar
a posição deste na tradição da arte ocidental. A trajetória histórica do desenho
privilegia sua relação com a pintura, escultura e arquitetura, assim como seu
papel especial na concepção da obra, esta compreendida, durante um longo
período, em termos de um processo que tem início em uma idealização e
culmina em uma finalização materializada e conclusiva. No contexto
contemporâneo, tendo sido problematizadas as noções conclusivas e as
hierarquias técnicas no processo artístico, o desenho parece ocupar uma
posição diferente, discreta apesar de insistente (RAYCK, 2009, p. 28).
Desse modo, se pode observar que a linguagem do desenho é, ao
mesmo tempo, "tão antiga e tão permanente, em contínua resolução.
como
Talo fluxo
contínuo do rio de Heráclito, nunca se desenha o mesmo desenho, nunca o traço da
linha será igual. Em permanente mutação, a natureza do desenho é sempre a mesma e
sempre
outra!"
(DERDYK,
2010,
p.
17)”.
a
Tal
"difícil encontrar uma forma de abordá
-lo sem reduzir sua complexidade. O desenho
parece fugidio às tentativas de apreendê
-lo
[…]” (2009,
p.
26).
Segu
Isto, parcialmente, parece se explicar por esta posição paradoxal do desenho
enquanto conceito amplo, interdisciplinar e dinâmico e, simultaneamente,
conjunto de práticas com certas particularidades que podem ser tratadas sob
esta mesma designação: desenho. [Tais características] não apresentam uma
dicotomia estanque, nem sequer um ponto fronteiriço nítido, mas [afirmam]
que esta condição complexa e conflituosa é constitutiva do desenho
(RAYCK, 2009, p. 26-27).
Considera
-se assim, que uma proposta de investigação a partir da
linguagem do desenho não tem a pretensão de criar um novo modo
presentação
de re
visual ou uma pretensa representação unívoca por meio do desenho
- embora, de certa
forma, tal postura não deixe de ser pretensiosa a seu modo. Assim, nesse caso, o que se
7
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pretende é evidenciar por meio do próprio trabalho a se instauraridade
a realenquanto
possibilidade poética, utilizando a arte do desenho como instrumento de investigação, e
não apenas como objeto.
O desenho então, nesse contexto, se instaura como uma linguagem que
abarca não só o que existe, o que é visível, mas também
a visível,
torn objetivando o
possível! Rayck (2011, p. 96) nos diz que pelo ato de desenhar
-se cria
uma ficção que
exacerba as características ficcionais do próprio objeto que se desenha. Em outras
palavras, a partir do ato de desenhar-se
criauma ficção; ficç
ão esta, porém, não menos
verídica do que a própria realidade.
Errando melhor
De maneira a inserir o desenho por meio de sua prática no debate sobre a
constituição imagética da realidade, abordarei, neste momento, duas proposições
artísticas realizadas
nos meses de setembro e outubro de 2014.
4
A primeira proposição chama
-se ERRE MELHOR
(figura 2). A
premissa básica da proposta é trabalhar com certa inevitabilidade do
Seerro.
por um
lado, o erro é sugerido a partir da educação que recebemos sobre
é certo
o queou não;
por outro, podemos isolá
-lo objetivamente em determinada atividade, como, por
exemplo, durante a execução de determinada música.
Mesmo que tal percepção pudesse
não ser aparente a princípio, ERRE MELHOR se desenvolveu na intersecção entre
estas duas abordagens do erro.
Assim, a proposta, desenvolvida durante o dia 16 de setembro de
5
2014,em horário comercial
, na Universidade Estadual de Maringá, contou com a
participação da violoncelista
Karolyni Da Vila no período da manhã e do violonista
Diego Zanata no período da tarde. Ambos tinham que executar músicas que não
dominassem por completo, de modo que erros na execução
fossem inevitáveis e
4
O título ERRE MELHOR é derivado de uma passagem do texto Worst ward Ho do dramaturgo e escritor
irlandês Samuel Beckett: “All of old. Nothing else ever. Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail
DJDLQ)DLOEHWWHU´ (BECKETT, 1983, p. 7).
5
A relação estabelecida com a ideia de “horário comercial” – 8h às 12h e 14h às 18h, com o intervalo de 2
horas para almoço entre manhã e tarde – procura refletir a noção implícita de controle e produtividade que
condiciona o cotidiano de grande parte dos trabalhadores.
8
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ocorressem naturalmente.
Ao redor da(o) instrumentista, foram utilizados 16 cavaletes
como suporte para apeis
p
A1,para que eu desenhasse com carvão o/a musicista
enquanto a música era tocada. A medida em que ocorriam erros na execução musical, eu
pausava o desenho que estava fazendo e iniciava outro ao lado, dando a volta e
consequentemente desenhando sobre
s desenhos
o
iniciados anteriormente, formando
assim, um acúmulo visual de erros (figuras 1 e 2). Embora tenham havido alguns
atrasos6, além de pequenas pausas para descanso, o trabalho transcorreu de forma
intensa, buscando confrontar entre si as necessidad
es de urgência e eficiência.
Figura 1–Diego Zanata e Halisson Jr em ERRE MELHOR, 2014. Foto: Henrique Rozada.
6
A instalação onde ocorreria a proposição artística deveria ter sido preparada no dia anterior por
funcionários da UEM, mas, por falha de comunicação interna da instituição, acabou sendo montada no
dia 16, a partir das 8h. Todavia, como se sabe, o erro era um dos pressupostos do trabalho. Tais
imprevistos, como este, constituem assim, parte da proposta.
9
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Figura 2–Um dos desenhos em processo durante a realização de ERRE MELHOR, 2014. Foto: Henrique
Rozada.
A partir do erro musical, qual
quer possível erro do desenho é redimido ao
se representar visualmente um músico ensaiando. As imagens resultantes certamente
não correspondem à uma representação realística do motivo desenhado,
seja devido à
incompletude dos mesmos ou pela sobreposição
traços
de divergentes;todavia, são
estas mesmas características que permitem uma imagem que emule visualmente um
músico em seu ensaio, se esforçando para acertar as notas, buscando a execução perfeita
dos acordes.
A segunda proposição artística relaciona esenho
o d
com a ideia de
visibilidade. Segundo as previsões de Flusser, o futuro de nossa sociedade se realizará
essencialmente por meio de sua materialização em imagens.
Todas as nossas condições objetivas, inclusive as biológicas, se passam às
nossas costas: elas não nos interessam. Por certo, continuam a se passar:
comemos, copulamos; há ciência, há técnica, há política, há economia. [...]
Mas tudo isso é quimérico; torna-se concreto apenas depois de levado das
costas para novo campo de interesse, ou seja, depois de “traduzido em
imagem”. Doravante, apenas a imagem é o concreto (FLUSSER, 2008, p.
189).
Se, por um lado, tal citação possa parecer absurda a princípio, por outro,
não é difícil identificar algumas de suas características nos dias que se
m. passa
Dentre
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as inúmeras imagens compartilhadas nas mais diversas redes sociais
internet,
da uma
parte significativa corresponde aos autorretratos fotográficos conhecidosselfies
como.
Em
uma
realidade
perspectiva
filósofo
A
de
onde
NÃO
esloveno
tudo
estar
tende tiràda imagem,
exposto
SlavojŽižek
“invisibilidade”
da
ao
(2002,
olhar
p.
225
proposição
que
maneira quesequer foi tratada oficialmente como um trabalho artístico, não recebendo
nem
mesmo
um
título,
nem
que
fosse
um
títu
meu aniversário de 28 anos, no dia 4 de outubro de 2014. Organizei uma festa para
reunir meus ami
gos e comemorar a data. Como forma de inverter a lógica deste tipo de
evento, onde o aniversariante recebe presentes dos convidados, ofereci com
antecedência um presente a cada um que comparecesse à confraternização: um desenho
da pessoa nua a ser feitorante
du a festa.
Há
certo
paradoxo
na
ideia
do
“prese
Para aceitar e receber o presente, o convidado teve que se desnudar, teve que me
“presentear”
com
sua
nudez.
Os
desenhos
cômodo e
f chado e sasessõesduraram entre 15 e 20 minutos. Depois de terminado, o
desenho foi entregue à pessoa desenhada dentro de um envelope de modo que ninguém
mais veria a imagem caso ela não quisesse. Em vez da exposição mediatizada pelas
imagens técnicas, na
proposição discorridaa exposição foi mediatizada pelo desenho,
alterando os vetores de significação da experiência imagética: o observador é, ao
mesmo tempo, a imagem observada, materializada por mim por meio do desenho de
observação. Certamente houve fluência
a in
de minha subjetividade e técnica artística na
realização do desenho. Todavia, tal influência também esteve condicionada à
subjetividade do convidado no momento em que este aceitou participar da proposta,
gerando, assim, um ciclo de significaçãoe qu
possibilita evidenciar poeticamente as
relações entre sujeito e imagem que ocorrem cotidianamente, onde o sujeito subjetiva a
imagem, que, por sua vez, objetiva o sujeito.
11
fo
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Considerações finais
No trabalho apresentado, procuramos tecer relaçõesproblematizem
que
as ideias comumente disseminadas acerca da linguagem imagética; colocando em
suspenso, por exemplo, juízos de valor que concebem a fotografia como uma imagem
mais realista que o desenho. Destarte, mesmo considerando tal expressão artística
mo
co
uma linguagem visual elementar
, as proposições artísticas das quais tratamos não
pretenderam instituir o desenho como representação
unívoca da realidade
. Antes, se
quis evidenciar a realidade enquanto possibilidade poética, utilizando a arte do desenho
como instrumento de pesquisa, e não apenas como objeto. Assim, distante de querer
buscar uma verdade absoluta da realidade, procuramos abordar aqui a própria noção de
verdade da realidade, questionando esta enquanto algo estabelecido e posicionando
-a ao
alcance da ação humana.
Referências
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esboços para uma teoria da
mídia. São Paulo: Paulus, 2010.
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DERDYK, Edith. (org.) Disegno. Desenho.
Desígnio. 2ª Ed. São Paulo: Editora Senac
São Paulo, 2010.
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RAYCK, Diego. Locussuspectus:o desenho no espaço e os espaços do desenho. 2009.
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13
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A imagem entre o erro e a realidade: o desenho enquanto