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AS MULHERES BENZEDEIRAS: ENTRE O SAGRADO, A SAÚDE E A
POLÍTICA
Joel Martins Cavalcante
Waldeci Ferreira Chagas
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB
Resumo
Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada na cidade de Alagoinha, Paraíba,
com três benzedeiras. Nosso objetivo foi analisar a prática cultural da benzeção, a partir
da ação dessas mulheres como uma forma não-oficial de cura, não obstante os avanços
da medicina no século XXI, enquanto permanência de um saber fazer produzido ao
longo do período colonial brasileiro, através da prática dos três povos que constituíram
o Brasil. A bezenção é uma prática religiosa, médica e política inserida na cultura
popular e presente no cotidiano de muitas pessoas, sobretudo, das classes populares,
mas não restrita unicamente a elas. Através de entrevistas espontâneas, percebemos a
importância dessa prática enquanto produção de resposta para um determinado mal,
aproximando as pessoas da divindade, além de seu caráter alternativo para a saúde e
como resistência cultural e política a uma sociedade excludente e desigual. Para tanto, a
interdisciplinaridade foi essencial através do diálogo com a História, Antropologia e
Ciências da Religião, por meio das leituras de Burke, Souza, Priore, Oliveira, Silva
dentre outros (as).
Palavras chave: Benzeção. Doenças. Cura e saúde.
Introdução
Eram nove horas da manhã quando cheguei à casa de Dona Maria Rezadeira.
Não entrei de imediato. Dentro da casa, no seu consultório espiritual, templo do
sagrado, onde as pessoas buscam solução para os mais diferentes problemas que os
afligem, fugindo as determinações das religiões oficiais ela atendia. Na ocasião ela
atendia um homem, aparentemente de quarenta anos, estava sendo atendido, socorrido
na sua necessidade física e espiritual de cura. Não fiquei sabendo qual era o mal daquele
senhor, mas uma coisa é certa, seu objetivo de cura se não foi alcançado, ocorreu no
mínimo um alívio para o problema que o levou até aquele espaço sagrado, a sua
fisionomia demonstrava isso.
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Maria Angelina Fernandes, de setenta e sete anos, conhecida popularmente
como Dona Maria Rezadeira, juntamente com Nair de Oliveira, de setenta e três anos, e
Maria das Dores da Silva, Dona Maria de Seu Bibiu, de sessenta e cinco anos, são as
personagens desta narrativa. Essas cientistas populares, cada uma a sua maneira pratica
a benzeção, possibilitando outra forma de produzir resposta: aquelas que destinam à
saúde, ofertadas pela medicina erudita (OLIVEIRA, 1985, p. 14), onde o sagrado e o
profano se encontram, onde a medicina popular marginalizada é aceita, onde pessoas
excluídas de uma sociedade desigual encontram refúgio e a assistência negada pelas
instituições oficiais, através da benzedura.
A benzeção como prática cultural atravessou os séculos, chegando até os
dias hodiernos, com rupturas e permanências, bastante presente no cotidiano, mormente
de pessoas das classes populares, mas não restrita a elas, porque a cultura não é
estanque, fechada, limitada a um determinado estrato da sociedade. A cultura é
dinâmica, modifica-se o tempo todo, pois dela participam homens e mulheres do povo,
tanto quanto homens e mulheres da elite, ocorrendo o que Ginzburg tão bem denominou
de circularidade cultural, “um relacionamento circular feito de influências recíprocas,
que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo [...]” entre as classes
dominantes e as subalternas da Europa pré-industrial (GINZBURG, p. 13), mas um
conceito válido para se entender essa relação em nossa historicidade. Ademais, como
diz Silva (2007, p.124):
[...] É pertinente pensar que a ligação com o divino não é uma prática
exercida somente pelas pessoas mais pobres ou iletradas. Na
realidade, essa concepção ultrapassa muitas vezes os limites das
classes sociais. O que vem diferenciar uma da outra é a forma de
apresentação e de significação do ato.
Na contemporaneidade a medicina alcançou estágio avançado possibilitando
as doenças que anteriormente matavam, mutilavam, deixam seqüelas para toda a vida,
hoje são erradicadas através das campanhas de saúde pública mantidas pelos governos,
a exemplo da vacinação contra paralisia infantil e outras. Segundo Figueiredo (2002, p.
16):
3
[...] São inquestionáveis todos os avanços técnicos subsidiando os
médicos nos diagnósticos, nos processos de compreensão da doença,
nos tratamentos possíveis. São gerados bebês de proveta, perspectivas
de clones humanos, manipulação genética. Algumas descobertas
anunciam a volta permanente de felicidade, eliminando, através de
mecanismos químicos, depressão, angústia e pessimismo. São os
chamados remédios da alma. [...]
Diante dos avanços do saber médico-científico, não só na esfera física do
corpo, mas também na esfera psicológica, ou como alguns preferem, da alma, intervindo
no sentido de trazer o bem estar, a saúde, o equilíbrio perdido pela doença, deveria
supor que práticas mágicas de intervenção no corpo estariam superadas, restando a elas
o espaço da literatura ou praticadas em comunidades tradicionais. No entanto, isso não é
o que a realidade mostra. Conforme Machado (apud SILVA, 2007, p. 138)
No limiar do século XXI a benzeção e o curandeirismo ainda são
práticas religiosas populares, em plena vigência, mesmo que (re)
significadas. [...] Ao penetrar no território das doenças religiosas e,
por conseqüência da medicina rústica, desvela-se um mundo de
magia, cujos códigos de linguagem e ritual simbólicos permitem o
contato entre o material e o espiritual. Nele os dons de curar são
astúcias que permitem as práticas culturais de grande parte de sujeitos
sociais que, contra as próprias limitações que ocorram sua luta pela
sobrevivência, recorrem a este lugar utópico, ao mesmo tempo
palpável e real.
O que faz uma prática religiosa e médica popular tão antiga sobreviver em um
mundo cada vez mais dessacralizado e tecnologicamente mais avançado? Como as
mulheres que têm esse saber não-oficial de cura e de fé se enxergam e enxergam o seu
ofício? O que leva as pessoas a procurarem essa forma alternativa de produzir resposta
para suas doenças e inquietações físicas e espirituais? São essas as perguntam que me
levaram a fazer essa pesquisa e neste artigo procuro, ainda que insuficientemente e de
acordo com a minha visão com base em leituras de profissionais das ciências humanas,
respondê-las.
A benzeção, como outras práticas religiosas e médicas populares, foi inventada
no período colonial brasileiro. Para Moisés (1997, p.16), os fatores que propiciaram o
seu desenvolvimento foram “a precariedade da vida material, marcada pela raridade de
4
médicos, cirurgiões e produtos farmacêuticos, e o sincretismo dos povos, responsável
pela formação multifacetada e afeita ao universo da magia.”
No entanto, uma explicação de um fenômeno como a benzeção somente pela via
material é muito limitada. A concepção de doença que os habitantes da colônia tinham é
essencial para a compreensão de como essa prática de intervir no corpo foi forjada e
consolidada, não obstante as perseguições que benzedeiros (as), curandeiros (as)
sofreram durante todo o período. Para Priori (2007, p. 78):
Nos primeiro tempos de colonização, homens e mulheres acreditavam
que a doença era uma advertência divina. Considerado um pai irado e
terrível, Deus afligiria os corpos com mazelas, na expectativa de que
seus filhos se redimissem dos pecados cometidos, salvando assim,
suas almas. A enfermidade era vista por muitos pregadores e padres, e
também por médicos da época, como um remédio salutar para os
desregramentos do espírito. Nessa perspectiva, a doença nada mais era
do que o justo castigo por infrações e infidelidades perpetradas pelos
seres humanos.
A essa concepção de doença como fruto de uma ação sobrenatural para a
purificação dos pecados, somava-se a crença de que tantos os curandeiros podiam
restaurar a harmonia rompida, restituindo a saúde aos que a tinham perdido como
desencadear malefícios (SOUZA, 2005, p. 168). Burke (1998, p.131) diz que um dos
ossos do ofício de alguém que curava era a acusação de feitiçaria, sob a alegação que
“quem sabe curar, sabe destruir”. Assim, a recorrência a curas mágicas ou benzeções
podia ser em decorrência de um ato de Deus quanto de um ato do Diabo. De toda a
forma a doença tinha uma origem sobrenatural e só por meios sobrenaturais ela podia
ser expulsa de um corpo enfermo. Essa visão juntamente com a falta de profissionais de
saúde, a falta de remédios possibilitou uma ciência que usou o conhecimento indígena,
africano e mestiço, além do europeu para resolver os problemas cotidianos, através da
ervas, rezas, chás, benzeções. De acordo com Souza (2005, p. 166):
Africanos, índios e mestiços foram os grandes curandeiros do Brasil
colonial. O conhecimento que tinham das ervas e de procedimentos
rituais específicos a seu universo cultural atrelou-se ao acervo europeu
da medicina popular. Houve curandeiros europeus, mas em número
muito inferior. [...]
5
A mesma visão sobrenatural das doenças que possibilitou aliada a outros fatores
a invenção de uma medicina e religiosidade populares no período colonial está presente
hoje em vários lugares do Brasil. Em muitas Igrejas Evangélicas, por exemplo, a doença
ora é vista, assim como os colonos a viam, como um castigo ou mesmo provação
divina, e até mesmo como resultante da ação diabólica na vida das pessoas. Na
religiosidade popular, mormente no catolicismo popular, aqui entendido como não
eclesial não possuidor de um corpo doutrinário, configurando-se em uma religiosidade
dotada de razoável independência da hierarquia eclesiástica, materializada em uma
explosão íntima do sagrado, humanizando-o, tornando-o mais próximo, mais familiar,
experimentando sua força por métodos criados pelos próprios devotos em detrimento
dos métodos oficiais, transmitidos oralmente (CÂMARA NETO, 2009, p.2), essa
concepção sobrenatural das doenças está presente.
É comum ouvir-se a frase “tem doença que é pra médico, mas tem doença que
médico não resolve”. É aí que entra o ofício da benzedeira. Silva (2007, p. 146) explica
que na concepção de uma benzedeira, as doenças têm causas naturais e sobrenaturais,
sendo que as primeiras os médicos podem resolver, contudo em relação às segundas não
cabe ao médico restituir a ordem no corpo enfermo.
É necessário que se proceda ao ritual do benzimento para que a saúde
do cliente seja restabelecida. Entrelaçam assim no cotidiano os fios da
crença neste conhecimento ligado ao divino e sobrenatural à vida
prática. Tomando por empréstimo as palavras de Brandão. “Não é
porque uma crença é verdadeira que uma comunidade acredita nela;
é porque a comunidade acredita coletivamente nela é que ela é
verdadeira.” [...] Neste aspecto percebe-se a legitimidade social
destas práticas. (SILVA, 2007, p. 147)
Uma das doenças que as pessoas mais recorrem as essa benzedeiras é o olhado
ou olhos maus. Segundo Cascudo (apud THEOTONIO) o olhado é uma alteração de
saúde, causada por influência de olhos maus. Ainda diz que certas pessoas têm, nos
olhos, o poder de fazer murchar as plantas, adoecer as pessoas, fazer com que os
negócios dos outros não dêem certo. Todas as três benzedeiras fazem a “operação
mágica” do olhado. Segundo a crença, essa doença pode levar a morte.
6
A dor de cabeça, dor de barriga, dor de dente, ventre caído e espinhela caída, são
doenças comuns que especialistas populares tratam. Dentre elas, Dona Maria de Seu
Bibiu vai mais além, uma vez que a crença de que o corpo pode ser possuído por forças
malignas, tão presente no período colonial, ainda resiste na sociedade atual, ela faz
orações para fechar o corpo, protegendo-o do mal, de feitiços e de doenças. Ela chega a
fazer até exorcismo em quem tem o corpo possuído por alguma entidade ruim1.
Todas são unânimes em afirma a cura das pessoas por elas benzidas,
“operadas”. Chauí (1986, p. 82) afirma que, “Um aspecto da atitude religiosa popular é
a relação intrínseca entra a crença e a graça, isto é, a fé busca milagres.” Assim as
pessoas que vão a buscas das benzedeiras acreditam que através de suas rezas vão ser
curadas, atendidas nas suas dificuldades. Dona Maria Rezadeira diz categoricamente,
quando perguntei se as pessoas ficam curadas após suas rezas. “Fica curada. Os que eu
rezo fica curado. Graças a Deus fica.”2 Com Dona Nair, durante e entrevista, chegou
uma senhora para dá credibilidade ao seu trabalho. Maria Cândida da Silva Santos, de
sessenta e quatro anos, contou que já foi curada “umas quatro ou cinco vezes” através
de Dona Nair. “Eu tava doente, mufina, sem querer dormir, ai ela me reza, no outro dia,
eu já tou boa”.3 D. Maria de Seu Bibiu teve um milagre em sua casa. Sua filha
primogênita, hoje com 40 anos, “tinha um problema de dor de ouvido, dor de barriga,
uma doença nos olhos, que o povo mandava engolir bosta de coelhos, aqueles
cocozinhos de coelhos do roçado”. Ela conta que ia constantemente à Guarabira buscar
a cura de sua filha, mas sem obter resultado. Foi aconselhada a buscar uma curandeira
para que ela ficasse boa. “Ai então Joel, ela ficou boa e não precisou tá em médico”4.
É a cura, o milagre que legitima essas benzedeiras no seu ofício. Para Chauí, “...
nas religiões populares o milagre é rotina simples, fidelidade mútua entre as divindades
e os fiéis, com o sem ajuda de uma igreja ou de mediadores.” Souza (2005, p 179) diz
que “As curas mágicas com palavras refletiam velha crença no poder curativo da Igreja
1
Conforme entrevista concedida por Dona Maria de Seu Bibiu, moradora da cidade de Alagoinha - PB
em 13 de dezembro de 2007
2
Conforme entrevista concedida por Dona Maria Rezadeira, moradora da cidade de Alagoinha – PB, em
14 de dezembro de 2007.
3
Conforme entrevista concedida por Maria Cândida, moradora da cidade de Alagoinha – PB, em 14 de
dezembro de 2007.
4
Id. Ibid.
7
Medieval, e eram comuns em toda a Europa [...]”. Parece estranho aos olhos de quem vê
pela imprensa os avanços da biotecnologia, da medicina, das pesquisas no campo da
saúde, possibilitando curas antes impensáveis, que essa prática cultural de religiosidade
e de cura esteja presente atualmente e que muitos homens e mulheres dela faça parte.
Machado (apud Silva, 2007, p. 1240) comenta que:
Falar em cura pela via espiritual pode parecer um paradoxo em época
que a biotecnologia encontra-se tão avançada, em que um exame por
ressonância magnética é capaz de vasculhar milímetros do corpo
humano, em que a clonagem de animais é realidade e discussão ética.
Entretanto, o fenômeno de persistência do curandeirismo que pode ser
relacionado ao fato de que o homem é um ser complexo – emocional e
racional – e, nesse sentido, a doença do corpo não resulta apenas de
um fato físico, biológico. Além do que, a sua individualidade
dimensiona sintomas e respostas diferenciadas às doenças e aos
procedimentos médicos balizados.
Assim sendo, a complexidade do ser humano o leva a buscar ritos e símbolos
que torne sua vida menos dura, mais inteligível, por isso, homens e mulheres, em nosso
tempo procuram a benzeção com uma forma de responder suas necessidades que a
religião e medicina oficiais não respondem satisfatoriamente. Para Certeau (apud
SILVA, 2007, p. 137) “A recorrência à medicina teológica é uma forma de retomar o
próprio equilíbrio emocional, físico, material e de seu grupo.”
Essas mulheres se vêem como portadoras de um dom, por isso não cobram pela
consulta espiritual, até porque Jesus teria dito que “de graça recebeis, de graça dais”.
Para Oliveira o reconhecimento do dom é um marco na vida de uma benzedeira, porque
esse dom a converte em alguém muito especial. “Alguém que está construindo um novo
projeto de vida. Possuir um dom é sentir-se diferente. O dom impõe um ofício: o ofício
da benzenção” (OLIVEIRA. 1985, p. 36). Quitana (apud SILVA, 2007, p. 155) diz que:
O dom obriga. Manda. É um compromisso assumido. Ele representa
certo privilégio ao dotar o escolhido de um poder especial, mas
também é vivenciado no seu caráter obrigatório de atribuir uma
responsabilidade à qual o escolhido não pode fugir. Desta forma, o
ofício da benzedeira, semelhante ao do médico, mais do que uma
profissão, é visto como um sacerdócio.
8
Dona Maria Rezadeira, começou a rezar um ano após ter casado. Porém, desde
criança, o desejo de benzer nela estava presente. Ela andava sempre com sua madrinha
que tinha essa prática. “Ai, eu andei com ela muitas vezes, via ela rezando, ai eu fiquei com
aquele desejo. Eu assim ia dormir e me assonhava eu rezando, né?”5.
Dona Nair, da mesma forma que Dona Maria Rezadeira, aprendeu a rezar depois
de casada. Sempre teve vontade de benzer. Uma tia de seu esposo era benzedeira, e D.
Nair insistia para que ela a ensinasse, porém a resposta era sempre negativa. Diante
disso, só viu uma forma de aprender: pedindo a Deus e observando às escondidas a tia
de seu marido.
Ai, eu pedi forças a Deus e a Nossa Senhora, força e viço para que
mostrasse um jeito de aprender, mode eu ficar curando pra num ta
aperreando os outros. Ai, ela pegou a rezar e me assentei pro detrás
dela. Fui escutando com os poderes de Deus e Nossa Senhora
aprendi.6
Segundo D. Nair, o motivo da recusa da tia de seu marido não ensiná-la era a
crença de que ia enfraquecer seus poderes, quebrar suas forças. A despeito da negativa,
ela conseguiu “espiando”, aprender a rezar.
Dona Maria de Seu Bibiu aprendeu a rezar com seus familiares, essa prática era
cotidiana em sua casa. “Eu aprendi porque minha mãe aprendeu a com a vó dela e a vó
dela, já aprendeu com a bisavó. Ai então, das tataravós e bisavó e vó e ficaram
aprendendo minha mãe, minha tia, minha irmão.”7 Ela ressalta a valorização que os
benzedeiros tinham em sua infância, devido, em parte, pela dificuldade de acesso aos
médicos.
Agora porque esse pessoal de antigamente não tinha negócio de
médico, de hospital. Era quem tivesse com sagramento era reza, quem
tivesse com dor de mulher era reza, quem tivesse com olhado era reza.
Cura dor de dente, dor de cabeça [...], um pé quebrado não tinha
médico para engessar, ai rezava, num sabe? E aquilo com fé em Deus
era curado.8
5
Conforme entrevista concedida por Dona Maria Rezadeira, moradora da cidade de Alagoinha – PB, em
14 de dezembro de 2007.
6
Conforme entrevista concedida por Dona Nair, moradora da cidade de Alagoinha – PB, em 14 de
dezembro de 2007.
7
Conforme entrevista concedida por Dona Maria de Seu Bibiu, moradora da cidade de Alagoinha - PB
em 13 de dezembro de 2007
8
Id. Ibid.
9
É a fé na divindade que possibilita a cura e não a benzedeira em si, por isso elas
“são intermediárias entre o sagrado e o profano e o seu reconhecimento e sua identidade
provém do grupo social de origem” (MACHADO apud SILVA, 2007, p. 155). O
reconhecimento do ofício pela comunidade onde a benzedeira está inserida é
fundamental para legitimar sua prática religiosa e de cura. Oliveira esclarece que:
Não basta apenas que a própria benzedeira reconheça a existência de
um dom na sua vida. É necessário também que a própria comunidade
onde ela mora, onde atua, seus vizinhos, sua família, as pessoas que
lhe são chegadas partilhem com ela desse momento singular. É
necessário que essas pessoas queiram que tal dom exista, que a elejam
como uma pessoa especial, capacitada, dotada de poderes
sobrenaturais [...] (op. cit. 1985, p. 39).
Desse modo a prática da benzeção é uma prática social reconhecida pelo grupo
de pertencimento da benzedeira. Além de social ela é política, porque oferece uma
forma de combate à tragédia ou à doença dentre outras opções de solução
(OLIVEIRA, 1985, p. 49). É ai que entra em confronto a medicina popular contra a
medicina erudita, que esta discursa com a forma verdadeira de cura na sociedade,
relegando à outra a marginalidade. Além de ser uma prática religiosa vista não com
bons olhos pela Igreja Católica. Para Oliveira:
O ofício da benzeção sintetiza um dos momentos concretos e possíveis
em que aparece o confronto popular / erudito, onde a benzedeira
antagoniza o seu conhecimento ao do médico e ao dos padres. O
ofício da benzeção é um dos momentos em que a benzedeira propõe
uma releitura da religião e da medicina [...] (1985, p. 74).
E é nesse confronto que as benzedeiras assumem um papel político, à medida
que sua prática produz resposta às necessidades de homens e mulheres que não
encontram na religião e medicina oficial e, por isso, sofreram as conseqüências de
seu ofício, como diz Priore:
A naturalidade e a intimidade com que tratavam a doença, a cura, o
nascimento e a morte tornavam-nas perigosas e malditas. Com a
acusação de curandeirismo, eram duplamente atacadas: por serem
mulheres e por possuírem um saber que escapava ao controle da
medicina e da Igreja [...] (2007, p. 108)
10
Atualmente, essas mulheres não sofrem conseqüências físicas por sua prática
médica-religiosa populares, mas com todos os avanços científicos dos últimos anos
essa terapêutica é vista como supersticiosa e sem valor. A Igreja titubeia. Alguns
padres aceitam a religiosidade popular, outros a vê com desdém, e outros a
condenam, sobretudo a prática da benzeção. Mesmo assim, nos centros urbanos,
sobretudo na periferia, as benzedeiras continuam praticando o seu ofício, ainda que
reinventado, mas sempre resistindo a uma sociedade que pretende homogeneizar a
cultura, esquecendo toda a diversidade constituída historicamente ao longo do tempo,
sempre prontas a intermediar as pessoas que a procuram com o sagrado, restaurando
a saúde fragilizada e produzindo respostas alternativas às que o saber oficial produz,
agindo assim politicamente e revelando que as práticas populares, longe de serem
sem valor, funcionam tanto quanto as práticas médicas e religiosas oficiais.
Referências
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CÂMARA NETO, Isnard de Albuquerque. Religiosidade popular e catolicismo
oficial:
o
eterno
contraponto.
Disponível
em:
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OLIVEIRA, Elda Rizzo de. O que é benzeção. São Paulo: Brasiliense, 1985.
11
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SILVA, Giselda Shirley. Um cotidiano partilhado: Entre práticas e representações
de Raizeiros e Benzedeiros (Remanescente de Quilombo de Santana da Caatinga –
MG / 1999 – 2007). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós – Graduação em
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SOUZA, Laura de Mello. O Diabo e Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia
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THETONIO, Andréa Carla Rodrigues. Entre ramos de poder: Mulheres e práticas
mágicas influências na religiosidade popular do brejo paraibano. Monografia
apresentada ao curso de especialização História do Cotidiano, UEPB – CAMPUS III,
Guarabira, 2006.
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As mulheres benzedeiras: entre o sagrado, a saúde