Os primeiros encontros de paz dos kaapor com os brasileiros Karai ta Namõ Mukatuha Rehe Har Contado por Maneru (Esta história é) sobre os primeiros encontros de paz dos kaapor com os brasileiros. Meus antepassados atiravam muitas flechas. Eles não gostavam dos brasileiros. Também os brasileiros atiravam muito com suas espingardas. Meus antepassados respondiam atirando flechas contra eles, até que acertaram um. Novamente os brasileiros atiraram contra eles, que fugiram pelo mato para se esconder. Os brasileiros usaram espingardas contra eles, porque não gostaram das suas flechadas. Meus antepassados queriam coisas como facões. Mas tinham medo de brasileiros. Um disse: – Eu vou matá-los agora. Mas ele voltou para casa. Um outro foi espiar onde Araújo estava. Ele fez sua casa na ilha de Canindé, e estava limpando o lugar, e capinando. Seus companheiros o ajudavam. Meus antepassados voltaram para casa e disseram que os brasileiros os cumprimentaram assim: – Ei! Contou que Araújo estava preparando lugar para sua casa, e que tinham muitos brasileiros na cachoeira do rio Gurupi. Perto dela eles faziam suas casas. Então meus antepassados foram espiar, e atiraram flechas neles. Atiraram muitas flechas. Os brasileiros estavam com medo. Meus antepassados voltaram para casa. – Onde estão os brasileiros? – perguntou um. Seus companheiros responderam: – Estão perto daqui, na cachoeira. Há muitos lá, e falaram com a gente. Vão fazer paz conosco. Eles nos chamaram assim: "Amigos! Amigos! Amigos!" Agora vai ser bom. Meus antepassados resolveram ir de novo. Um velho, que era amigo e que morava na outra aldeia, foi. Sabe qual era o nome dele? Era Aramiantã! Ele disse: – Eu vou matar um brasileiro. E foi espiar mesmo. Raimundo Caetano, um brasileiro, colocou facões na beira do rio. Aramiantã foi bem devagarinho e olhando cuidadosamente enquanto andava. Ele chegou onde estavam os facões. – Aqui estão! – disse ao seu amigo. – Os facões estão aqui! Vamos levá-los! E levaram-nos para sua aldeia, e seus parentes. – Onde estão os facões? – perguntaram os outros. – Aqui! Os brasileiros os deixaram para nós. Tem mais lá. Desta vez um outro foi. – Eu vou ver! Então Raimundo Caetano deixou mais facões. Deixou dois. Também deixou miçangas, espelhos e apitos. Aí o pessoal começou a chegar. Pa'i chegou primeiro, e levou só um facão. Chegou outro, que também levou um facão. E os brasileiros falaram assim: – Amigos! Haverá paz agora! Vocês do mato terão paz! Eles falaram muito, sorriram, estavam alegres. Pa'i chegou novamente. Meu avô veio, junto com meu pai. Ele disse: – Eu vou ver! Ele veio de noite com luz de breu. Chegou onde estava outro facão. Só ficou um, e ele o levou. Pa'i procurou outro, mas não tinha nada para ele. Seus amigos levaram tudo mesmo. Finalmente Pa'i decidiu: – Eu vou conversar agora. Vou fazer paz com os brasileiros. Reuniram-se dois homens. O filho de um deles foi, também. Seu pai disse: – Você fique ali. Ele estava tremendo. Era mesmo muito medroso. Pa'i não. Ele era muito valente. Foi para a beira do rio, e gritou: – Ei! Amigo! Então Araújo ouviu: – Ei! Amigo! Araújo chamou: – Raimundo Caetano! Raimundo Caetano! Aí ele veio correndo. – Vá depressa – disse Araújo. – Vá depressa, Raimundo Caetano. Vá espiar! Alguém está gritando! É um índio kaapor! Pa'i gritou: – Está tudo bem, amigo! Raimundo aproximou-se dele e perguntou: – Ei! O que você quer? – Facão! – disse Pa'i. – Estou querendo facão! Estou sem nada no mato, onde mora. Estamos com necessidades lá. Então Raimundo Caetano trouxe facões. Araújo os entregou, trazendo-os a beira do rio. – Traga depressa! – disse Pa'i. – Traga depressa! Raimundo Caetano perguntou: – Você não está zangado? – Não! Tudo está bem! Sou bom! E não tenho medo! – disse Pa'i. Assim ele pegou os facões. Pegou dois feixes. – Leve-os – disse Raimundo Caetano. – Onde está sua esposa? – Não! – respondeu Pa'i. – Não tenho esposa. Estou com muitas necessidades no mato. Estou como nômade. – Onde está seu filho? – Não tenho filho. Sou como nômade. O que Pa'i falou era tudo mentira. Sua esposa e seu filho estavam lá. Pa'i mentiu. Depois foi embora para outra aldeia. Andou de noite. E chegou onde estava seu pai. Sabe qual era o nome de seu pai? Era Iaripó. Ele aproximou-se do velho, que perguntou: – Onde estão os facões? Você trouxe muitos? – Aqui! E deu-lhe um. Distribuiu muitos para seus parentes. Outro que recebeu foi Caaró. Há muito tempo atrás que eles fizeram paz com os brasileiros. E um outro chegou. Na beira do rio as pessoas se pintaram de vermelho. Eles se envermelharam de urucu. Assim um outro cantou. Capitão Rucu estava cantando na beira do rio, com José. Eles cantaram muito. Nós chegamos perto, também. Então Capitão Rucu disse: – Vocês ficam ali distante. Os brasileiros querem raptar as criancinhas. Então nós afastamos uns metros. Eles nos amedrontaram. Meu pai disse: – Agora os brasileiros vão levar vocês. – Não! Não vai nos levar. E Raimundo Caetano distribuiu facões. Distribuiu todos. Ele deu foices também. Então um outro queria muito um facão. Os facões foram suficientes para todos? Não. Não foram suficientes. Desta forma, outro ficou zangado. Seu companheiro agarrou nele. Um outro pegou sua flecha. – Eu vou matar os brasileiros. Vou matar mesmo. Aí ele bateu o chão com seus pés (em sinal de raiva). O outro pegou o arco dele, tirou, e cortou. Cortou a corda, também, deu-lhe uma foice. – Olhe aí! Vá com isso! E ele foi embora. Foi há muito tempo atrás que eles fizeram paz com os brasileiros. Muito tempo, mesmo. E Araújo ficou sabendo bem. Ficou alegre. Fim.