DISCURSO – ÚLTIMA SESSÃO NA 1ª CÂMARA CÍVEL TJMG
DIA 03/03/15
Exmo. Sr. Presidente do TJMG
Des. Pedro Carlos Bittencourt Marcondes
Desembargadores Geraldo Augusto, Vanessa Verdolim Hudson
Andrade, Armando Freire e Alberto Vilas Boas, meus queridos pares
desta 1ª Câmara Cível
Demais Desembargadores aqui presentes
Juízes e membros do Ministério Público
Serventuários
Advogados
Meus familiares
Senhoras e senhores
A vida é composta também de uma série de adeuses.
A começar pelo primeiro adeus, do útero materno, até o último, da vida
mesmo, com o derradeiro suspiro.
Não importam as alegrias e as tristezas, a vida vale a pena e para todos
nós é um privilégio passar por aqui.
Como sempre digo: a vida só gosta de quem gosta dela.
É inevitável o ciclo da vida.
Ao ver, aqui, tantos jovens ligados ao Direito, colegas Desembargadores
recém-chegados aos 50 anos, alguns nem a isso, só me resta lembrar de que:
“Ai da civilização em que os discípulos não sobrepujarem os mestres”.
Disse o gênio SIGMUND FREUD:
“Sou um homem de sorte;
nada na vida me foi fácil”.
Se é assim, sou mesmo um homem de sorte.
Depois de 6 listas e de 12 anos de persistência, cheguei a este TJMG.
Aqui permaneci por 19 anos.
Com outras atividades, somados os 29 anos de advocacia, são 56 anos
de trabalho ininterrupto.
É muito tempo.
Disse o poeta ANTÔNIO MACHADO:
"Caminhante, são suas pegadas
o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
o caminho se faz ao andar
e ao andar se volta a vista atrás.
E se mira a senda, que não voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho
Apenas esteiras, no mar”.
É tão linda essa imagem: os caminhos são como as esteiras que os
barcos deixam para trás ao navegar. Essas esteiras desaparecem pouco
tempo depois de os barcos passarem.
É também tempo de voltar a vista atrás e ver o caminho percorrido.
Lembro-me neste momento de NORBERTO BOBBIO:
“Creio que alcancei a tranqüila consciência, tranqüila mas infeliz
por chegar apenas aos pés da árvore do saber.”
Creio que nesses 19 anos agi com suficiente honradez.
Se por um lado me dói alguns erros de inteligência cometidos, confortame a certeza de que não cometi erros de consciência.
Nenhuma missão mais grave foi dada aos homens do que julgar o seu
semelhante, decidir sobre sua liberdade, patrimônio e afetos.
Missão mais séria hoje, já que o Judiciário se transformou na última
esperança do povo contra a mentira, a desfaçatez, o engodo, a manipulação, o
assalto ao dinheiro público e a crise moral que grassa no país e que precisa ser
denunciada, diariamente, pelos homens de bem, como faço agora.
Não é catalisando as desigualdades, dividindo o País, que alcançaremos
a almejada justiça social, indispensável ao nosso pleno desenvolvimento.
Só existe Estado verdadeiramente democrático onde as liberdades
coexistem numa comunhão de todos, sem exceções, pela dignidade coletiva.
Atualíssima a lição de BOBBIO:
“Deixo com prazer aos fanáticos, isto é, àqueles que desejam a
catástrofe, e aos frívolos, isto é, àqueles que pensam que no fim
tudo dá certo, o prazer de ser otimista. O pessimismo, hoje,
permitam-me ainda esta expressão não-política, é um dever civil.
Um dever civil, porque apenas um pessimista radical da razão
pode despertar algum frêmito naqueles que, de um lado ou de
outro, dão mostras de não perceber que o sono da razão gera
monstros.”
Lembro PABLO NERUDA:
“Minha poesia e minha vida têm transcorrido como um rio
americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na
profundeza secreta das montanhas austrais, dirigindo sem
cessar até uma saída marinha, o movimento de suas correntes.
Minha poesia não rejeitou nada do que pôde trazer em seu
caudal; aceitou a paixão, desenvolveu o mistério e abriu caminho
entre os corações do povo.
Coube a mim sofrer e lutar, amar e cantar; couberam-me na
partilha do mundo o triunfo e a derrota; provei o gosto pão e do
sangue. Que mais quer um poeta?”
Senhoras e senhores.
Se cheguei aonde cheguei foi porque subi no ombro de gigantes. Alguns
aqui permanecem, inclusive nesta sala, outros já se foram, deixando-me lições
perenes. Lembrando-me dos que ficaram na saudade, cito os
Desembargadores Aloysio Nogueira, Júlio Bueno, Garcia Leão, Gouvêa Rios e
Sérgio Braga.
Com eles aprendi que humildade, serenidade, equilíbrio, seriedade e
operosidade são indispensáveis à correta prestação jurisdicional.
A verdadeira justiça se harmoniza é com a humildade, não com a
prepotência.
Mais do que qualquer outro, o juiz vive para servir ao seu semelhante, e
não para se servir dele.
Só mantendo a integridade moral é que o juiz pode ser respeitado pelo
jurisdicionado.
Volto aos poetas. Agora MÁRIO QUINTANA:
“Se as coisas são inatingíveis,
Ora, não é motivo para não querê-las.
Que tristes seriam os caminhos,
se não fosse a presença das estrelas”.
Se não atingi todos os meus objetivos como juiz, foi pelas minhas
limitações, mas nunca deixei de buscá-los.
É também hora de agradecer:
Aos meus colegas Desembargadores, que, como eu, amam o Judiciário
e, especialmente, aos Desembargadores Geraldo Augusto, Vanessa Verdolim
Hudson Andrade, Armando Freire e Alberto Vilas Boas, com quem convivi por
14 anos, numa relação fraterna e leal.
Aos dedicados serventuários, imprescindíveis à nossa atividade
jurisdicional.
Aos queridos componentes do meu gabinete, de ontem e de hoje, sem
os quais eu nada poderia ter realizado.
Aos advogados, indispensáveis à administração da Justiça, como diz a
Constituição e aos quais tenho a honra de representar neste Tribunal, como
membro do quinto constitucional.
Aos membros do Ministério Público.
Aos juízes e juízas, alguns do interior, que aqui compareceram.
À Rosany, minha mulher, companheira e cúmplice de tantos anos.
Aos meus familiares e amigos queridos aqui presentes.
Ao Presidente do Tribunal, Des. Pedro Carlos Bittencourt Marcondes,
fraterno amigo. Com ele compartilhei a alegria da vitória, com ele compartilho o
orgulho de uma administração que tem como base a sabedoria, a justiça, o
respeito e a seriedade no trato da coisa pública.
Ao Des. Herbert Carneiro, digno e sério presidente da AMAGIS.
Ao completar 70 anos, recordo-me do poeta irlandês WILLIAM BUTLER
YEATS, aquele que disse que: “Da briga do homem com outros surge a
retórica; da briga do homem consigo mesmo nasce o poeta”. Ele disse:
“Um homem idoso é uma coisa reles,
Um casaco rasgado sobre uma vara, a não ser
Que a alma desse homem bata palmas e cante em voz alta
Para cada rasgão na sua vestimenta mortal”.
Esta poesia de HERMANN HESSE traduz o momento que vivo:
“Andares
Como emurchece toda flor e toda idade
juvenil cede à senil, cada andar da vida
floresce, qual a sabedoria e a virtude,
a seu tempo e não há de durar para sempre.
A cada chamado da vida o coração
deve estar pronto para a despedida e para
novo começo, com ânimo e sem lamúrias,
aberto sempre para novos compromissos.
Dentro de cada começar mora um encanto
que nos dá força e nos ajuda a viver.
Devemos ir contentes, de um lugar a outro,
sem apegar-nos a nenhum como a uma pátria:
não nos quer atados o espírito do mundo,
quer que cresçamos, subindo andar por andar.
Mal a um tipo de vida nos acomodamos
e nos habituamos, cerca-nos o abatimento.
Só quem se dispõe a partir e a ir em frente
pode escapar à rotina paralisante.
É preciso ter sempre novos planos,
para nós, não deve ter fim o chamado da vida...
Saúda, pois e despede-te, coração!”.
Permitam-me terminar com meu indispensável JORGE LUIZ BORGES,
em seu Ensaio Autobiográfico:
“Suponho que já escrevi meus melhores livros. Isso me dá uma
espécie de tranqüila satisfação e serenidade. No entanto, não
acho que tenha escrito tudo. De algum modo, sinto a juventude
mais próxima de mim hoje do que quando eu era um homem
jovem. Não considero mais a felicidade inatingível, como eu
acreditava tempos atrás. Quanto ao fracasso e à fama, parecemme totalmente irrelevantes e nem me preocupam. Agora, o que
eu procuro é a paz, o prazer do pensamento e da amizade e,
ainda que pareça demasiado ambicioso, a sensação de amar e
de ser amado.”
Muito obrigado.
Eduardo Andrade.
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