DAVID BORDWELL David Bordwell, o historiador de cinema, autor e blogger, em uma sala de ediação Três abordagens com relação à narrativa: • Como representação: considerando o mundo da narrativa ou diegese; seu retrato da realidade ou seu significado mais amplo. • Como estrutura: modos de combinar partes para construir um todo; segmentação e “gramática” ou linguagem do filme, isto é, o grande sintagmático. • Como processo:“a atividade de selecionar, organizar, e editar material narrativo de modo a alcançar efeitos de tempo específicos sobre um observador” (p. xi) Formalismo Russo (1920s) e a Escola de Praga (Jan Mukorovsky) Conceitos importantes: syuzhet, fábula, motivação, retardo, paralelismo. Definindo a especificidade da função estética enquanto reconhecendo a importância da convenção social no que a cultura define como uma obra de arte. Recusando colocar fronteiras arbitrárias entre teoria, história e crítica. Para uma poética histórica do filme • Conceitos poéticos relacionados À estrutura do trabalho de arte À relação do observador com a obra de arte Às funções mais amplas da obra de arte • Conceitos históricos examinando Mudanças nas normas e nas convenções da narração Como o contexto social modela a forma e a função da obra de arte. • A teoria mimética toma seu modelo do ato de visão: um objeto de percepção é apresentado aos olhos do observador. • Bordwell mostra que a tradição mimética no cinema se realizou no sentido de constituir uma unidade de visão do filme que ele chama de observador invisível (um filme representa eventos de uma história por uma visão, um ponto de vista de uma testemunha invisível). Para Bordwell as teorias da enunciação querem estudar a subjetividade na linguagem fazendo analogias do filme com o romance do século XIX: • A enunciação parte da dicotomia entre enunciado / enunciação e história / discurso. O enunciado é o dito, a proposição; a enunciação referese ao ato de dizer envolvendo seu contexto, constituído de um locutor e receptor; a história é a própria narrativa; e o discurso é o que trás as marcas de sua enunciação pois é sempre o enunciado no contexto da enunciação. Parte Dois: Poética Teórica • Syuzhet e Estilo • Vendo o filme como um processo dinâmico cognitivo-perceptivo • Como os fatores de espaço e tempo do filme são organizados como narração. Parte Três: Poética Descritiva • Narração Clássica (Hollywood, 1917-1960) • Narração do filme de arte (Europeu pós-guerra) • Narração histórica-materialista (Filme soviético dos anos 20 do século XX) • Narração Paramétrica (casos limitados a filmes Europeus do pós-guerra) • Mais o exemplo de Godard como estilo misto ou híbrido Protocolos de compreensão da narrativa, ou schemata, através dos quais expectadores são guiados pelo filme a construir uma história baseada em processo inferencial. • Schemata protótipo: identificando atores, ações,locais, etc., de acordo com a norma aplicada. • Schemata modelo: um scheme de narrativa mestra que incorpora expectativas concernentes ao modo como eventos deveriam ser classificados e como as partes deveriam ser relacionadas com o progresso do todo • Schemata procedimental: protocolos dinâmicos através dos quais expectadores procuram preencher informações ausentes do modelo. Uma busca por motivações e relações apropriadas de causalidades, tempo e espaço. Sistemas: Syuzhet Narração Estilo Excessos Fábula No filme de ficção, a narração é o processo através do qual a trama e o estilo interagem dando pistas e canalizando a construção da fábula pelo espectador. Portanto, é apenas quando a trama organiza as informações da fábula que o filme narra. A narração também inclui processos estilísticos. Seria possível, claro, tratar a narração somente como uma questão da relação trama/fábula.. (p. 53) A fábula (história) incorpora a ação como uma corrente de eventos cronológicos de causa e efeito ocorrendo dentro de uma certa duração e campo espacial dados. • Um padrão de construção mental que os expectadores criam através de um processo de assunção e inferência baseado em schemata protótipo, modelo e procedimental.. O syuzhet ou enredo é a organização e apresentação real da fábula pelo filme. Estilo nomeia o uso sistemático de recursos cinemáticos em um filme. Excesso, ou o “terceiro significado”: aqueles elementos que devem ficar for a da percepção do expectador, porque não se enquadram na narrativa ou nos padrões do estilo. Uma das distinções mais importantes para a Narratologia (ramo da semiótica) é entre fábula e syuzhet (trama). Essa distinção, já apresentada por Aristóteles, e, mais detalhadamente, pelos Formalistas Russos, pode ser feita nos seguintes termos: a história que é representada (fábula); e o modo de representação, de construção, dessa história (trama) – p. 49. O construto imaginário que nós criamos, progressivamente e retroativamente... (...) Mais especificamente, a fábula incorpora a ação como uma cadeia de eventos cronológica, de causa e efeito, ocorrendo numa duração e num campo espacial estabelecidos (p. 49) O arranjo propriamente dito e a apresentação da fábula no filme. (...) É um construto mais abstrato, o padrão da história reproduzido como uma recontagem minuciosa do filme (p. 50) Logicamente, o padrão da trama é independente do meio; os mesmos padrões da trama podem ser incorporados em um romance, em uma peça, ou em um filme (p. 50) Em um filme narrativo esses dois sistemas coexistem. Eles podem coexistir porque trama e estilo tratam aspectos diferentes do processo fenomenal. A trama materializa o filme como um processo “dramático”; o estilo materializa o filme como um processo “técnico” (p. 50) Três princípios básicos: • Lógica narrativa; • Tempo: ordem, duração frequência; • Espaço. Normas intrínseca definem um padrão de coerência estabelecido pelo próprio sistema de filmes individuais. Normas extrínsecas referem-se a padrões de coerência relevantes para grandes grupos de filmes. A codificação de normas extrínsecas podem, com o tempo, levar à inauguração de um modo narrativo: um conjunto historicamente distinto de normas de construção e compreensão narrativas. Narração clássica (Cinema de Hollywood 1916 aos dias de hoje). Narração Dialética-materialista (Filmes soviéticos pós-revolucionários dos anos 20 do século XX). Narração paramétrica característica da experimentação formal de cineastas como Alain Resnais e Robert Bresson. • Uma única estrutura determina a lógica composicional da textura local a uma forma completa. Cinema de Arte (aprox. 1957-1969). Modo Conhecimento Autoconsciência Comuni cação Narrador Autor Clássico Onisciente Moderada Alta Invisível Apagado Cinema de Arte Restrito Alta Baixa Em primeiro plano Presente Históricomaterialista Onisciente Alta Muito alta Em primeiro plano / Didático Presente Paramétrico Onisciente Alta Baixa Em primeiro plano Presente Goddard Misto Muito alta Mista Manifesto Presente Conhecimento: na medida em que a narração reivindica uma variedade e profundidade de informações da fábula. Auto-consciência: o grau em que a narração reconhece que se dirige ao expectador. Comunicação: na medida em que a narração retém ou comunica informações da fábula. Causalidade centrada no personagem Dependência da “história canônica”: Causalidade é o princípio primordial de unificação • Estrutura causal dupla: duas linhas de enredo (romance e ação) cada uma com objetivos, obstáculos e climax. Padrão de enredo organizado por segmentos O “efeito-fechamento” O Estilo é motivado composicionalmente como uma função do padrão do syuzhet: a técnica do filme é um veículo para a transmissão pelo syuzhet da informação da fábula. Esforça-se para o máximo de clareza denotativa. Altamente codificada; ou seja, usa um número limitado de dispositivos técnicos e estes dispositivos operam de acordo com parâmetros rigorosos. Influência da música avant-garde do pósguerra europeu , o nouveau roman, e o estruturalismo. • Transgressão de valores e a necessidade de cada • • • • obra de arte construir um sistema único. Uma única estrutura determina a lógica da composição da textura local á forma total. Componentes textuais formam uma ordem que é coerente de acordo com princípios intrínseco. Formas textuais tratadas como fenômeno espacial Forma fenomenal do texto tende a ser vista como uma distribuição de permuta de um set invisível. Sistema estilístico cria uma padrão distinto das demandas do sistema syuzhet. Significado de representação é subordinado ao perfil de uma ordem de percepção pura. Apenas poucos parâmetros são destacados e variam durante o filme. Uma unidade interna forte: uma prominente norma intrínseca com reiterações padronizadas.. • As opções “ascéticas” e “escassas” Tendência a trabalhar com formas auditivas. Foco no protagonista: persongens observam em vez de agir como agentes causais Ligação de eventos eliptico e /ou episódico. Enredos baseados em “situações limites” levando a crises existenciais e transformações nos principais personagens. Um “realismo expressivo” constrói o espaço: sonhos, memórias, fantasias que motivam narrativas ambiguas e “subjetivas”. Narração restrita. Alto grau de auto-consciência estilística. Narração Clássica Narração do Cinema de Arte Único Protagonista Protagonistas únicos e múltiplos Guiado pelo desejo Objetivo único Construída no conflito Histórias de situações limites Corrente linear de causa e efeito Episódico e elíptico Motivação clara e completa Motivação ambígua ou obscura Narração onisciente Narração restrita Forte senso de fechamento Final aberto Uma verossimilhança subjetiva ou expressiva em sintonia com o “personagem exibição” • A ênfase nas realidades interiores ou psicológicas. Enredos definidos por “histórias de situações limites”: • A situação causal leva a um episódio no qual o protagonista do filme de arte enfrenta uma crise de significado existencial. Características narrativas do protagonista do filme de arte. • Falta de traços e objetivos definidos. • Motivação causal é retirada ou desconhecida, enfatizando ações insignificantes e intervalos. • Os clássicos conflitos do protagonista: o protagonista do filme de arte movimenta-se passivamente, traçando um itinerário de situações sociais. • Preocupado menos com ação do que com reação, o cinema de arte apresenta efeitos psicológicos em busca de suas causas. • Os personagens retardam os movimentos á frente do enredo recontando histórias, fantasias, e sonhos. Frequentemente levam a disjunções temporais, tais como flashbacks. Características narrativas do protagonista do filme de arte – cont. • Convenções do realismo expressivo moldam a representação espacial: • Filmagem do ponto de vista óptico, flash de molduras de um evento vislumbrado ou lembrado, padrões de edição descontínuos associados ao tempo interior ou psicológico, modulações de luz, cor e som, são motivados pela psicologia de personagem. • O filme de arte restringe o ponto de vista narrativo de um único protagonista ou podem dividi-lo entre vários protagonistas. • Aumenta a expressividade da subjetividade, mas também faz a narração incerta. Filmes de arte tendem a narração altamente auto-consciente. • O espectador olha para os momentos em que a narração pode interromper o progresso do enredo e chamar a atenção para si por meio de floreios estilísticos. O narrador implícito não é mais invisível, mas chama atenção sobre si mesmo. Cenas podem terminar in medias res (no meio dos acontecimentos). São criadas lacunas que não são explicáveis pela psicologia do personagem. O enredo é retardado pela omissão ou pelo execesso de informações. Associações conotativas e simbólicas substituem a lógica de causa e efeito. A exposição é demorada e largamente distribuida durante o filme. Disjunções na ordem temporal tais como flashbacks and forwards. • Tem o efeito de ostentação tanto a extensão do conhecimento da narrativa como sua relativa incomunicabilidade (contando um pouco enquanto escondendo muito). Em suma, “a construção da narração se torna o objeto da hípotese do expectador: como está sendo contada a história? Por que contar a história daquela maneira?” (p. 210).