G I L L E S
M A S S A R D I E R
Contos e Lendas dos
Grandes Enigmas da História
Ilustrações de Vincent Rio
Tradução de Julia da Rosa Simões
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Copyright © 2002 by Éditions Nathan/vuef — Paris, França
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Título original
Contes et récits: Les Grandes Énigmes de l’Histoire
Capa
Aline Temoteo
Preparação
Andressa Bezerra Corrêa
Revisão
Jane Pessoa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Massardier, Gilles
Contos e lendas dos grandes enigmas da história / Gilles Massardier ; ilustrações de Vicent Rio ; tradução de Julia Rosa
Simões. — 1a ed. — São Pau­lo : Com­pa­nhia das Letras, 2014.
Título original : Contes et récits : Les Grandes Énigmes
de l’Histoire.
isbn 978-85-65765-30-5
1. Contos e lendas – Literatura infantojuvenil i. Rio,
Vincent. ii. Título.
14-00166
cdd-028.5
Índices para catálogo sistemático:
1. Contos e lendas : Literatura infantil 028.5
2. Contos e lendas : Literatura infantojuvenil 028.5
2014
Todos os direitos desta edição reservados à
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Sumário
1. Nos rastros do passado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
7
2. Os Filhos do Dilúvio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3. O segredo de Imhotep . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4. Minha guerra de Troia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5. Ele ainda jaz sob o torreão de Gisors . . . . . . . . . . . . . . . . 83
6. O homem que queria existir aos olhos dos outros . . . . . . 99
7. Livrai-nos do mal! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
8. De vestido e espada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
9. dna Copyright . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
10. Na pele de Napoleão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Posfácio — Algo a declarar, sr. autor? . . . . . . . . . . . . . 191
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
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Nos rastros do passado
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NOS RASTROS DO PASSADO
S
em querer! Cédric Aveiro e José, seu
padrasto, descobriram sem querer aquela
fenda na encosta de uma colina, meio escondida por algumas moitas. Os dois exploradores amadores passaram por ela e
chegaram a uma caverna. E ali, sob a luz
das lanternas, que grande surpresa tiveram!
Boquiabertos e com olhos esbugalhados,
eles ficaram extasiados diante de um espetáculo dos primórdios da humanidade: na
rocha salpicada de luz, delineavam-se os
contornos terrosos de pares de mãos. Eles
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lembravam as marcas em negativo que fazemos quando crianças, soprando a tinta por
cima dos dedos.
Mais adiante, os feixes de luz iluminaram
algumas figuras — curvas simples, marrons
e negras, gravadas ou pintadas — que retratavam homens, bisões, cavalos, cervos.
José segurou o garoto pelo braço, impedindo-o de avançar.
— Não podemos alterar os rastros do passado — ele murmurou, como se estivesse
com medo de falar alto demais e quebrar o
encanto.
Cédric bem que gostaria de conservar
aquela caverna apenas para eles, mas seu
padrasto explicou que ela pertencia a toda a
humanidade.
— Talvez esta gruta receba seu nome —
disse José, para reconfortar o garoto.
Depois de alguns segundos de reflexão,
Cédric assentiu, com brilho nos olhos. Uma
caverna pré-histórica com o seu nome?! Se8
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Nos rastros do passado
ria a sensação do recreio entre os colegas do
sétimo ano.
E os dois voltaram para a superfície.
Longos meses haviam se passado desde a
revelação da descoberta. A gruta Aveiro
agora estava fechada para o público, inclusive para os dois. Um dia, porém, Cédric
recebeu um convite do professor Bérillon,
chefe da equipe de arqueólogos encarregados das escavações.
O garoto logo reconheceu o cientista que
os esperava na entrada desobstruída da caverna, pois já o vira na tv. Um cinquentão
simpático, com rabo de cavalo e jeans, Bérillon apertou calorosamente as mãos de
José e de Cédric, que se encheu de orgulho.
— Vocês serão os primeiros a saber da
novidade. Acabamos de fazer uma incrível
descoberta! Encontramos dois esqueletos
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Contos e Lendas dos Grandes Enigmas da História
humanos, de espécies diferentes,1 Cro-Magnon e Neandertal, numa mesma sepultura.
— O que há de tão excepcional nisso? —
José perguntou.
— Ora — disse Bérillon —, durante milênios as duas espécies de hominídeos viveram nas mesmas terras, que correspondem
à atual Europa. Neandertal, o habitante mais
antigo, e Cro-Magnon, o recém-chegado,
originário da África. Depois, por volta de 30
mil a.C., puft! O primeiro desapareceu em
benefício do segundo.
A voz do professor se acelerou, animada:
— E por quê? O que aconteceu? Algumas
hipóteses foram apresentadas, mas nenhuma foi conclusiva. Nesta tumba, encontramos uma pista especialmente interessante.
Mas chega de conversa. Venham! Meus colaboradores explicarão tudo em detalhes
quando chegarmos perto dos esqueletos.
1. Hoje existe uma única espécie, o Homo sapiens, cujo antepassado
foi o Cro-Magnon.
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Nos rastros do passado
Quando Cédric e José entraram na caverna, ficaram quase tão emocionados quanto
da primeira vez. A diferença era que a luz
intensa das lâmpadas, alimentadas por um
gerador, tirava muito da magia do lugar: havia estacas por toda parte, fios coloridos delimitando zonas de escavação e pranchas
ligeiramente elevadas servindo de passarela
entre elas. Um verdadeiro canteiro de obras!
A alguns metros, uma mulher e um homem mediam os esqueletos retirados de
seus invólucros de terra. Ambos em excelente estado de conservação.2
— Ei! Maria, Fred, temos visitas!
Os dois pesquisadores interromperam o
que estavam fazendo. Bérillon se encarregou das apresentações:
— Cédric e José, os dois “inventores”3 da
caverna. Professora Maria Mervezo, paleo2. Na maioria das vezes, são encontrados apenas fragmentos de
esqueletos.
3. Inventores: nome dados aos descobridores de tesouros, cavernas…
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Contos e Lendas dos Grandes Enigmas da História
patologista, e professor Friedrich Bach, paleantropólogo.4
Bérillon se aproximou dos esqueletos:
— Aqui estão “Ela” e “Ele”, dois adultos.
Ela é uma Cro-Magnon, nossa ancestral direta. Ele, um Neandertal, em geral considerado nosso tio distante. Vejam como são
diferentes fisicamente. O crânio, por exemplo: o da Cro-Magnon é parecido com o
nosso, com a mesma forma arredondada, a
testa alta, o queixo pronunciado, as maçãs
do rosto; em compensação, a caixa craniana
do Neandertal é achatada, alongada para a
frente e tem uma protuberância na parte de
trás. Além disso, tem enormes arcadas supraciliares. Reparem agora no tamanho dos
ossos: o Neandertal era atarracado, compacto; a Cro-Magnon, mais esguia. Imaginem
4. A partir de fragmentos fósseis, Fred tenta reconstituir a vida de
nossos ancestrais. Maria, por sua vez, estuda os vestígios deixados
nos ossos por doenças, acidentes ou traumatismos causados por
armas.
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Nos rastros do passado
a surpresa dos dois ao se encontrarem pela
primeira vez!
O Neandertal levanta a cabeça para o
céu. A água de cima havia parado de cair.
O longo cabelo molhado ainda pingava sobre as sobrancelhas espessas, o nariz proeminente e os fios ásperos de sua barba. Ele
passa a língua pelos lábios grossos para
limpar a umidade. As peles de animais que
está vestindo esquentam sob os raios do
fogo do dia, exalando um cheiro forte de
almíscar.
Escondido, acocorado atrás de um arbusto alto, sem se mexer, ele segura uma estaca com a ponta endurecida pelo fogo.
Ele fareja alguma coisa. Fica perplexo;
não reconhece o cheiro do “dois chifres”
que estava seguindo de maneira imprudente, longe dos outros caçadores.
Sem dúvida era um cheiro de “vivo que
caminha sobre duas patas”, mas diferente
daquele de seu clã. Seu instinto lhe diz para
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não se mexer. Seus membros inferiores
começam a formigar, de tanto permanecer
na mesma posição. Ele inclina a cabeça
lentamente para o lado da mão armada. E
então a vê, pela primeira vez, ao lado da
colina.
Ela está de pé sobre os dois pés, como os
do clã dele, os “vivos sobre a terra”, fazem.
No entanto, ela não se parece muito com
ele. Sua pele tem a cor da terra mais profunda, um tom escuro; sua silhueta é mais
alongada, seu porte é mais altivo. Em sua
cabeça, ele procura “sons que falam das
coisas” para lhe dar um nome. Ela é o contrário da velha e gorda Whér’maha’, “aquela que cura com as ervas”.
Um pequeno sorriso contrai seus lábios,
mostrando dentes amarelados, prematuramente gastos. Ele inventa “sons que falam dela” e que significam “graça” em
sua língua. Ela se torna Oni’ha, “aquela
que vive com graça”. Opa! Oni’ha se detém bruscamente. Ela fareja o ar, olha em
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Nos rastros do passado
sua direção. Solta gritos agudos apontando para ele.
— Se os dois puderam se encontrar, com
certeza não foram os únicos — declarou
José.
— Claro que não — respondeu Fred, o
paleantropólogo.
— Eu me pergunto como eles reagiram…
Bérillon tomou a palavra:
— Nossos colegas de outras universidades acreditam que houve conflitos, ou até
mesmo a primeira guerra de extermínio da
humanidade. Isso explicaria o desaparecimento do Neandertal. O Cro-Magnon levava vantagem, pois tinha armas mais evoluídas. Com o propulsor,5 conseguia atacar a
distâncias maiores.
5. Como seu nome já diz, era um instrumento de madeira ou osso
que permitia lançar mais longe e com maior força as armas de
arremesso.
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Ele foi descoberto! O sangue do Neandertal bate forte em seu peito. Outros “vivos” surgem, brandindo suas lanças. Ele
também vê “vivas” segurando seus filhotes. O clã de Oni’ha inteiro! Em número suficiente para encher três cabanas. Ele deveria ter desconfiado: uma “viva” nunca se
aventuraria sozinha pelas trilhas de caça.
Ele se sente idiota, como quando colocava
um pé descalço no cocô do “gigante de chifres ramificados”.6
Ele se prepara para fugir, quando sente
alguém tocar suas costas. Vira-se prontamente e dá de cara com os caçadores de sua
tribo. Solta um longo suspiro de alívio. O
olhar sombrio que o chefe lhe lança parece
dizer: “Você não deveria ter se afastado do
grupo, Turé’ho” — essa era a sequência de
sons que os anciãos haviam escolhido para
ele. Significava “só faz o que quer”.
Agora, os dois grupos de “vivos que caminham sobre duas patas” ficam frente a
6. O megácero, um cervo gigante.
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frente, expostos ao perigo. Batem no peito
com o cabo de suas armas, gesticulam, trocam insultos cada qual com seus sons. Eles
não se entendem. Não faz mal, o importante é gritar o mais alto possível para amedrontar os outros.
Quando a intimidação não faz mais efeito,
eles passam às armas. Os projéteis ­voam de
um lado para o outro. Os dardos de Turé’ho
e de seus companheiros caem no meio do
caminho, sem oferecer mais perigo do que
pequenos galhos. Uma lança inimiga, em
contrapartida, crava-se no chão aos pés do
chefe.
Um longo murmúrio de surpresa e temor
percorre o clã dos “vivos sobre a terra”: o
inimigo sabe como matar de muito longe.
Eles se olham, franzem as espessas sobrancelhas e batem em retirada.
— Espere! — Cédric exclamou. — Se eles
eram inimigos, por que Oni’ha e Turé’ho foram enterrados juntos?
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— A relevância da tumba é justamente
essa — avaliou Fred. — O que encontramos
aqui contradiz a hipótese dos meus colegas,
sobre a guerra. O primeiro encontro entre os
clãs talvez tenha resultado em confronto.
Mas nada indica que isso tenha sido uma
regra. Para mim, Cro-Magnon e Neandertal
conseguiram fazer as pazes, trocar técnicas,
coabitar e até mesclar suas populações. Ainda precisamos descobrir o que provocou
essas alianças. Talvez a necessidade de caçar em maior quantidade ou…
— Para mim, é evidente! — Cédric exclamou. — O Neandertal e a Cro-Magnon se
apaixonaram. E foi esse amor que aproximou as duas tribos.
Quando Turé’ho e os seus companheiros
chegam ao acampamento, o fogo do dia
está se pondo, incendiando as montanhas
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com seu tom ocre. Os caçadores voltam de
mãos abanando, como muitas vezes acontecia. Felizmente, as “vivas” haviam colhido frutos e desenterrado tubérculos.7 No
entanto, o encontro com “aqueles que matam de longe” faz os problemas de abastecimento ficarem em segundo plano. O clã
reunido em volta dos anciãos conversa por
um bom tempo, à luz do fogo. Fica decidido
que eles vão evitar o outro grupo e ter mais
cuidado com “aquele que ruge e arranha”,
o animal que se esconde no ventre da Terra, como eles.
Mas Turé’ho não resiste à vontade de rever Oni’ha. Nos dias que se seguem, seus
passos o levam para o lugar onde a viu pela primeira vez, e depois para ainda mais
longe, pois o clã de Oni’ha havia partido.
Ele procura os rastros, o cheiro e os sons
dela. Quando finalmente a ouve, Oni’ha está gritando: ela está com medo. E, como
7. Alguns arqueólogos acreditam que os caçadores da época muitas
vezes voltavam de mãos abanando das caçadas; era a colheita das
mulheres que garantia uma boa parte da subsistência.
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num eco, o rugido terrível “daquele que
ruge e arranha” lhe responde.
Sem pensar, Turé’ho corre até lá, segurando uma estaca com ponta de sílex em
cada mão. Perto dali, uma “viva” do clã
“daqueles que matam de longe” jaz no
chão. E, ereto como um “vivo que caminha
sobre duas patas”, de boca aberta, com lábios arreganhados mostrando quatro presas tão grandes quanto mãos de caçador,
“aquele que ruge e arranha” está prestes a
trucidar Oni’ha.
Turé’ho percebe rapidamente que elas
devem ter se aproximado demais de sua
toca. E, sem pensar em mais nada, ele se
atira em cima da fera para cravar uma estaca em seu corpo.
Um grande jorro avermelhado encharca
os pelos do monstro. O animal ferido é ainda mais perigoso. Com uma patada, ele
atinge Turé’ho, que berra de dor. A carne de
da coxa dele foi rasgada até o osso; ele está fora de combate. Mas guerreiros do clã
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de Oni’ha chegam para socorrê-los; eles
atacam a besta, que acaba fugindo.
Turé’ho contrai o rosto de dor, e sua coxa
não está muito bonita de se ver. E desmaia.
Quando Turé’ho volta a si, ele está deitado numa cama de folhas, coberto por uma
pele. Sua perna dói terrivelmente. Entre os
rostos das “vivas” que o observam, ele vê
o de Oni’ha. Seus lábios emitem uma sucessão de sons cheios de ternura.
Turé’ho leva vários dias para se recuperar, durante os quais aprende alguns sons
de Oni’ha. É ela quem tem a ideia de ensiná-lo, como faz com os filhotes de seu clã.
Ela pega seu colar de conchas e dentes de
raposa entre os dedos, mostra o objeto a
ele e emite sons que Turé’ho repete com
empenho.
Ele logo aprende o nome dela — “jovem
folha depois da neve” — e o de seu clã —
“aqueles que vivem caminhando”. Certa
noite, sem dizer nada, Oni’ha deita a seu
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lado, numa das grandes cabanas comuns,
perto de um dos fogos avermelhados.
***
Com o passar dos dias, “aqueles que vivem caminhando” acabam aceitando a
presença de Turé’ho. Quando o veem restabelecido, convidam-no para caçar com
eles. Mas Turé’ho quer rever seus companheiros e pergunta se Oni’ha pode partir
com ele. Os anciãos balançam a cabeça,
com seriedade. Pedem que Oni’ha decida.
Ela aceita. Encorajado pela resposta, Turé’ho
propõe que o clã de Oni’ha sele a paz com
o dele.
Turé’ho está feliz. Ele volta ao acampamento dos “vivos sobre a terra” junto com
Oni’ha e todo o clã dela. O seu grupo fica
dividido entre a alegria de reencontrá-lo vivo e a desconfiança em relação àqueles
que o acompanham. Turé’ho diz a eles que
não é preciso temer e conta sua aventura.
Exclamações admiradas se elevam quando
ele mostra o ferimento. Depois Turé’ho
acrescenta que há coisas boas a aprender
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com os outros. Com tantos argumentos, o
clã se deixa convencer.
Em volta dos fogos das cabanas, “aqueles que matam de longe” e os “vivos sobre
a terra” se conhecem melhor. E decidem
caçar juntos.
— Um Romeu e Julieta pré-histórico, mas
dessa vez com final feliz! Apesar de romântica demais para o meu gosto, sua ideia é
interessante, Cédric — disse Maria Mervezo. — Porém, eu apostaria mais numa espécie de casamento arranjado entre os dois
clãs, para selar uma aliança.
— Amor ou acordo, aqui estão os fatos —
disse Bérillon, indo além. — Houve mistura
entre as populações e nascimento de filhos.
— Filhos?! Como o senhor sabe? — José
perguntou, incrédulo.
— Graças a esta concentração de pó ocre
na bacia da Cro-Magnon — ele mostrou
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com o dedo. — Era um símbolo utilizado
para designar a maternidade.
— Se entendi bem — disse José —, houve mestiçagem. O Neandertal não desapareceu da face da Terra!
— É o que alguns de nós acreditam —
confirmou Bérillon. — De geração em geração, os recém-nascidos dessas uniões se
tornaram cada vez mais Cro-Magnon e cada
vez menos Neandertal.
— Nossos ancestrais são mestiços, então! — Cédric concluiu.
— Talvez. Se a história realmente tiver
acontecido assim — acrescentou Bérillon.
Com o passar das estações, o ventre de
Oni’ha vai se arredondando. Ela o carrega
com orgulho, acariciando-o por baixo, como antes dela haviam feito sua mãe e a
mãe de sua mãe. Quando a primeira criança do novo clã enfim nasce, ela tem muitos
traços de Oni’ha e poucos de Turé’ho.
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Amanhã, eles colocarão suas mãos na parede do “ventre da Terra” e desenharão
sua vida.
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