A auditoria às contas nas Associações – Análise de um caso Por Joaquim Fernando da Cunha Guimarães Fevereiro de 2006 Revisores & Empresas Introdução Na sequência da nossa experiência como ROC em algumas associações, julgamos útil esta reflexão com objectivo de abordar algumas das questões mais prementes no âmbito da auditoria às contas. Embora grande parte dos aspectos que desenvolvemos possam aplicar-se a qualquer associação, enfatizamos o caso concreto de uma associação empresarial, adiante designada abreviadamente por “Associação”, na qual exercemos funções de ROC não integrado no Conselho Fiscal. Esta abordagem apresenta alguns pontos que são comuns às associações de empresas, de profissionais, de estudantes, de antigos estudantes, etc. 1. “Revisão Legal das Contas” vs “Auditoria às Contas” Em primeiro lugar, temos de distinguir a “revisão legal das contas” da “auditoria às contas”. A “revisão legal das contas” está prevista no art.º 43.º do Estatuto da Ordem dos ROC (EOROC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de Novembro, e, como a própria designação sugere, resulta de disposição legal, nomeadamente o Código das Sociedades Comerciais e o Código dos Valores Mobiliários. Face ao previsto no art.º 45.º do EOROC a “auditoria às contas” decorre de disposição estatutária ou contratual, i.e., não é exigida por qualquer lei e resulta da iniciativa dos órgãos associativos, nomeadamente da Direcção e ou da Assembleia Geral. No âmbito da “auditoria às contas” o ROC emite uma “certificação das contas”, conforme prevê o referido art.º 45.º do EOROC, enquanto que, no contexto da “revisão legal das contas”, emite uma “certificação legal das contas”, nos termos do art.º 44.º do EOROC. Ou seja, os títulos desses dois relatórios diferem, precisamente, na palavra “legal”. 1 A Directriz de Revisão/Auditoria da OROC n.º 700, de Fevereiro de 2001 (DRA700), sob o título “Relatório de Revisão/Auditoria” define, nomeadamente, os modelos para as contas individuais e para as contas consolidadas. Em artigo sob o título “A Auditoria às Contas por não ROC”1 apresentámos um quadro com parâmetros comparativos que a seguir reproduzimos2. QUADRO N.º 1 – “Revisão Legal das Contas” vs “Auditoria às Contas” PARÂMETRO DE COMPARAÇÃO DEFINIÇÕES (art.º 41.º) COMPETÊNCIA TÉCNICA EXERCÍCIO PROFISSIONAL - A título definitivo REVISÃO LEGAL DAS CONTAS Alínea a) - Decorrentes de disposição legal (v.g. CSC, CVM). Alínea b) - Decorrentes de disposição estatutária (estatutos da entidade) ou contratual (v.g. contrato social, contrato particular). - Revisores Oficiais de Contas (art.º 40.º). - Revisores Oficiais de Contas (art.º 40.º). - Pessoas singulares, não ROC, que já exerciam a actividade na vigência da legislação anterior (art.º 164.º n.os 3 e 4)*. - Pessoas colectivas, não ROC, que já exerciam a actividade na vigência da legislação anterior (art.º 164.º n.os 3 e 4). DO - A título provisório (5 anos de 2000 a 2004)** RELATÓRIO/PARECER - Designação - Conceito - - - AUDITORIA ÀS CONTAS - Certificação legal das contas (art.º 44.º). - A certificação legal das contas exprime a opinião do ROC de que as demonstrações financeiras apresentam ou não, de forma verdadeira e apropriada, a posição financeira da empresa ou de outra entidade, bem como os resultados das suas operações, relativamente à data e ao período a que as mesmas se referem (n.º 2 do art.º 44.º). Modalidades N.º 3 do art.º 44.º - Opinião com ou sem reservas. - Escusa de opinião. - Opinião adversa. - Opinião com ou sem ênfases. N.º 4 do art.º 44.º - Declaração de impossibilidade de certificação legal. Obs.: Modelos previstos na Directriz de Revisão/Auditoria n.º 700 (DRA700). Sujeição aos regimes do direito à - Aplicável (n.º 5 do art.º 44.º). informação e do registo e publicação nos termos da lei respectiva Dotada de fé pública - Sim (n.º 6 do art.º 44.º). Acções judiciais destinadas a arguir - Sim. Deverão ser propostas no prazo de 120 dias a a falsidade contar do seu depósito legal na conservatória do registo comercial ou, quando obrigatória, da sua publicação no Diário da República ou publicação que legalmente a substituir, juntamente com as contas a que respeita, ou ainda, se anterior, do - Certificação das contas (art.º 45.º). - O Estatuto não conceptualiza, embora, em termos substanciais, se possa aplicar o conceito da “Certificação legal das contas”. - Não definidas no Estatuto, podendo aplicar-se, com as devidas adaptações, as modalidades de certificação legal das contas previstas na DRA700. - Não aplicável. - Não(?). - Não(?). 1 Publicado na revista TOC n.º 2, de Maio de 2000, na revista Revisores & Empresas n.º 8, de Janeiro/Março de 2000 e no nosso livro “Temas de Contabilidade, Fiscalidade, Auditoria”, Ed. Vislis Editora, Lisboa, Janeiro de 2001, pp. 405-13. 2 Este quadro contém algumas alterações relativamente ao quadro original. 2 conhecimento do teor da mesma por qualquer outra forma (n.º 7, do art.º 44). - Sim (art.º 45.º). - SÃO APLICÁVEIS AS NORMAS - Sim. TÉCNICAS DA OROC? * De acordo com informação da OROC, este direito não foi reconhecido a qualquer pessoa individual. ** Este regime especial de reconhecimento dos direitos adquiridos (art.º 164 do EOROC) expirou em 31/12/2004. Fonte: Elaboração própria No que concerne às características da certificação das contas relativas à “fé pública” e às “acções judiciais destinadas a arguir a falsidade”, referimos no quadro a expressão “Não(?)”3, o que se justifica pelo facto do EOROC não contemplar um artigo específico para a caracterização da certificação das contas, tal como prevê (art.º 44.º) relativamente à certificação legal das contas. Uma primeira resposta seria a que muitas vezes é invocada quando há vazios legais, i.e., se o legislador pretendesse tal equiparação tê-lo-ia previsto expressamente na lei. Uma segunda resposta, não linear e passível de esclarecimento por parte da OROC, seria que, em nossa opinião e salvo melhor, tais requisitos são inerentes às funções de interesse público, pelo que, face ao disposto no art.º 40.º, n.º 1, alínea a) do EOROC, também são aplicáveis à auditoria às contas. De notar, ainda, que, relativamente às associações em causa, a designação do ROC enquadra-se no âmbito da auditoria às contas, podendo resultar de exigência estatutária (estatuto da Associação) ou de iniciativa dos respectivos órgãos associativos (com base em contrato de prestação de serviços). 2. “Auditoria às Contas” vs “Certificação de Projectos” A Direcção da Associação em referência, contratou-nos para a “auditoria às contas” e para a “certificação de projectos” no âmbito do Programa Operacional da Economia (POE). A Direcção da Associação sugeriu-nos que a “certificação de projectos” fosse incluída no âmbito da auditoria às contas visando, obviamente, a economia de honorários. Para esclarecimento da Direcção da Associação, com conhecimento ao Conselho Fiscal, elaborámos um relatório de auditoria no qual defendemos que são actividades 3 Na primeira versão do quadro, constante do artigo mencionado no rodapé n.º 1 referimos “Não”, i.e., agora acrescentamos o ponto de interrogação, pela justificação apresentada. 3 independentes, embora, numa óptica da teoria dos conjuntos da matemática e assumindo a existência de algumas sinergias nos dois trabalhos, a segunda (a “certificação de projectos”) possa considerar-se um subconjunto, com características próprias, da primeira (a “auditoria às contas”). Nesse trabalho, apresentámos um quadro demonstrativo de algumas diferenças entre as duas funções do ROC, as quais indicamos no QUADRO N.º 2 seguinte: QUADRO N.º 2 – “Auditoria às Contas” vs “Certificação de Projectos” Parâmetros de Comparação Normas de Revisão/Auditoria Análise dos documentos contabilísticos (materialidade e amostragem) Verificação física dos investimentos (v.g. imobilizado corpóreo) Periodicidade do exercício da actividade Relatórios Honorários Auditoria às Contas Certificação de Projectos Normas Técnicas de Revisão/Auditoria às Contas (NTRAC): − Directrizes de Revisão Auditoria (DRA) − Interpretações Técnicas (IT) − Recomendações Técnicas (RT) Com base em amostragem e na definição de materialidade, de acordo com a DRA 320, de Dezembro de 1999, sob o título “Materialidade de Revisão/Auditoria” Exigida em função da materialidade do investimento Contínua, ao longo do exercício - NTRAC, em termos gerais - Directriz de Revisão/Auditoria n.º 925, de Maio de 2003, sob o título “Programa Operacional da Economia” (DRA 925) Análise da totalidade dos documentos e independentemente da sua materialidade, cf. item n.º 12 da DRA 925 Não exigida, cf. item n.º 9 da DRA 925 - Certificação das Contas - Relatório Anual sobre a Fiscalização Efectuada (RAFE), cf. DRA 700, de carácter facultativo Art.º 160.º do EOROC Pontual ou esporádica, de acordo com as necessidades Relatório com base em modelos prédefinidos pelas entidades financiadoras e ou pela DRA 925 Circular n.º32/03, de 28/05/03, da OROC Fonte: Elaboração própria 3. Ligação entre o Conselho Fiscal e o ROC Como já referimos, os estatutos da Associação não prevêem a inclusão do ROC no Conselho Fiscal, sendo este constituído por um presidente, um secretário e um relator, bem como pelos respectivos suplentes. Os órgãos associativos, incluindo, portanto, o Conselho Fiscal, são eleitos com base em listas nominativas que identificam as empresas (estas é que são os associados) e os seus representantes (sócios/accionistas). A nossa designação como ROC da Associação resultou de deliberação da Direcção e de ulterior ratificação em Assembleia Geral, i.e., trata-se de uma “auditoria às contas de base contratual”. 4 O Conselho Fiscal da Associação tem-nos convidado para participar nas reuniões trimestrais do órgão, nas quais apresentámos relatórios de auditoria de progresso, descrevendo os trabalhos desenvolvidos no período. De acordo com o estatuto da Associação4, o Conselho Fiscal tem as seguintes competências: “1 – Compete ao conselho fiscal, em especial: a) elaborar relatório e dar parecer, nos termos do n.º 1 do artigo 57º, sobre o relatório e contas da gerência da direcção, antes de submetidos à apreciação da assembleia geral; b) Aprovar, até 30 de Novembro, o orçamento ordinário para o ano seguinte e, até 31 de Outubro, os orçamentos suplementares a que haja lugar; c) Examinar, trimestralmente e quando o entender fazê-lo as contas da direcção, bem como os documentos e serviços que à mesma respeitem; d) Acompanhar a direcção dando parecer sobre qualquer questão que esta lhe apresente; e) Fiscalizar a actividade económica e financeira da Associação. 2 – No âmbito da alínea c) do número anterior pode o conselho fiscal solicitar parecer a entidades especializadas. 3 – Podem os membros do conselho fiscal assistir às reuniões da direcção, sempre que solicitados ou quando julgarem conveniente. Do n.º 2 supra infere-se que o Conselho Fiscal pode, ou seja, é facultativo, solicitar parecer a “entidades especializadas” para auxílio no desenvolvimento das competências definidas na alínea c) do n.º 1, i.e., examinar, trimestralmente e quando o entender fazê-lo, as contas da Direcção, bem como os documentos e serviços que à mesma respeitem. 4 Por uma questão de sigilo não indicamos os artigos do Estatuto e retiramos as referências concretas à Associação. 5 O estatuto da Associação está em vigor desde 1 de Janeiro de 1990, pelo que, nessa altura, ainda não tinha sido publicado o actual EOROC, pois, só a partir de 1 de Janeiro de 2000, é que a auditoria às contas passou a estar prevista no mesmo. O que pretendemos sublinhar é que se o estatuto da Associação fosse alterado a partir daquela data o n.º 2 do articulado supra deveria referir “solicitar parecer a um revisor oficial de contas ou a uma sociedade de revisores oficiais de contas” e não “entidades especializadas”, pois, repetimos, tal trabalho identifica-se com a referida “auditoria às contas”. Porém, admitindo que o “espírito do legislador”, ao referir-se a “entidades especializadas”, pretendia referir-se a uma entidade independente e com competências técnicas adequadas, então esse trabalho deveria qualificar-se de “auditoria às contas”. Assim sendo, poderíamos qualificar o trabalho do ROC como “auditoria às contas de base estatutária” e não “auditoria às contas de base contratual”. No entanto, repetimos, tal disposição estatutária não obriga o Conselho Fiscal a recorrer a esse trabalho especializado, o que resulta da referência à palavra “pode” (e não “deve”). Numa outra perspectiva, e antes do actual EOROC, podia invocar-se que a referida competência da alínea c) do n.º 1 poderia ser exercida por entidades ou individualidades especializadas não ROC, pois as competências técnicas e o âmbito das funções do ROC extravasam, em muito, o conteúdo dessa competência. Por outras palavras, o exame das contas da Direcção, no contexto referido, poderia ser efectuado por entidades/profissionais sem tais qualificações, como, por exemplo, o Técnico Oficial de Contas (TOC). Contudo, face ao actual EOROC, julgamos que a designação em apreciação e no que tange à expressão “entidade especializada” deverá ser interpretada como um ROC. Neste contexto, a Associação em apreço poderá designar ROC dentro de uma das duas seguintes perspectivas, ambas facultativas: - Por deliberação da Direcção ratificada em Assembleia Geral (auditoria às contas de base contratual); 6 - Por iniciativa do Conselho Fiscal (auditoria às contas de base estatutária), não dependendo de ratificação, quer da Direcção5, quer da Assembleia Geral, pois é uma prerrogativa estatutária. 4. Relatórios de revisão/auditoria No decurso da nossa actividade de ROC temos emitido, entre outros, os seguintes relatórios (QUADRO N.º 3): QUADRO N.º 3 – Relatórios de revisão/auditoria emitidos Periodicidade Tipo de relatório Anualmente - Certificação das contas, conforme modelo da DRA700 de Fevereiro de 2001; - Relatório Anual sobre a Fiscalização Efectuada (RAFE), conforme modelo da DRA790, de Janeiro de 2003 No decurso da actividade/funções - Relatórios de auditoria de progresso para apresentação nas reuniões trimestrais do Conselho Fiscal; - Relatórios de Auditoria sobre áreas específicas, no que respeita ao controlo interno contabilístico e administrativo; - Certificação de projectos de investimento (v.g. POE), de acordo com a DRA 925, de Maio de 2003. Fonte: Elaboração própria Desses relatórios, o RAFE é aquele que merece uma atenção especial, o que resulta da nossa interpretação do item 3 da DRA 790 que prescreve o seguinte: “Quando se trate de auditoria estatutária ou contratual, o relatório anual sobre a fiscalização efectuada só será obrigatório se tal estiver previsto nos estatutos ou no contrato, mas nada impede que o revisor/auditor o apresente no seu próprio interesse ou conveniência.”. De notar que o RAFE é exigido (obrigatório) para a generalidade das entidades, face ao preceituado no n.º 2 do art.º 451.º do CSC6 e na alínea a) do n.º 1 do art.º 52.º do EOROC, prescrevendo este último articulado: 5 De qualquer forma, uma vez que tais serviços originam custos para a “Associação” é óbvio que a Direcção deverá opinar sobre a respectiva cobertura orçamental. 6 Este articulado prevê: “2 – O membro do conselho fiscal que for revisor oficial de contas deve apreciar o relatório de gestão, completar o exame das contas com vista à sua certificação legal e elaborar o relatório anual sobre a fiscalização efectuada.”. 7 “1 – No exercício da revisão legal das contas, compete ao revisor oficial das contas: a) Elaborar relatório anual sobre a fiscalização efectuada, concluindo, entre outros aspectos, sobre a modalidade de certificação legal das contas ou a declaração de impossibilidade de certificação legal e também sobre a conformidade do relatório de gestão com as contas do exercício, distinto do relatório e ou do parecer exigido por lei ao órgão de fiscalização em que se integre, dentro dos prazos legais que vinculam este último, a apresentar ao órgão de gestão e, se o entender, à assembleia geral.”. A análise conjugada desses normativos, merece-nos os seguintes comentários: a) No âmbito da revisão legal das contas, o RAFE é obrigatório; b) No âmbito da auditoria às contas, estatutária ou contratual, o RAFE é apenas obrigatório no caso de se encontrar previsto no estatuto da entidade ou no contrato de prestação de serviços. No entanto, mesmo que o RAFE não esteja aí previsto, o ROC é aconselhado a emiti-lo no seu próprio interesse ou conveniência; c) De notar que o n.º 2 do art.º 451.º do CSC e a alínea a) do n.º 1 do art.º 52.º do EOROC enfatizam a importância da análise pelo ROC do relatório de gestão. O segundo articulado prevê mesmo, expressamente, que o ROC deverá prenunciar-se “sobre a conformidade do relatório de gestão com as contas do exercício”. Por outro lado, o item 6 do modelo de RAFE, constante do apêndice à DRA790, prevê: “6. Finalmente, cumpre-nos informar que apreciámos o relatório do Conselho de Administração, o qual satisfaz os requisitos legais, excepto quanto à evolução previsível dos negócios sociais, a qual não se encontra abordada no mesmo e 8 que verificámos a conformidade da informação financeira nele constante com as demonstrações financeiras do exercício.”7. Neste contexto, o RAFE assumia8 uma importância significativa na evidência do trabalho do ROC no âmbito do relatório de gestão, pois era o único documento em que o ROC emitia opinião sobre o mesmo, pelo que, apesar do seu carácter facultativo, defendemos que o mesmo deveria ser sempre emitido, nem que seja para dar sentido à citada expressão “no seu próprio interesse ou conveniência”9. Sublinhe-se, no entanto, que a DRA700 foi recentemente alterada pela OROC10 no que tange ao modelo de certificação (legal11) das contas, por força da transposição da Directiva da Modernização Contabilística (Directiva n.º 2003/51/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho) através do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, que alterou os art.os 451.º, 453.º e 508.º-D do CSC, relativos ao conteúdo desse relatório. Assim, as referências ao relatório de gestão por parte do ROC passam também a ser efectuadas no relatório mais importante – a certificação (legal) das contas - como consta do “âmbito” (item 5) do APÊNDICE 1 “Modelo de Relatório de Revisão/Auditoria para as Contas Individuais”: “5. O nosso exame abrangeu também a verificação da concordância da informação financeira constante do relatório de gestão com as demonstrações financeiras.”. 7 Note-se que este texto é um mero exemplo, pelo que a referência “excepto quanto à evolução previsível dos negócios sociais” deve ser interpretado dentro desse contexto, i.e., essa excepção não será aplicável caso o relatório de gestão desenvolva a evolução previsível dos negócios. 8 Mais à frente justificamos a referência ao passado. 9 Nessa altura (antes da publicação do DL35/05), a CLC não se referia ao Relatório de Gestão, pois apenas a CLC emitida para as empresas cotadas o fazia, de acordo com a DRA701 – Relatório de Auditoria elaborado por auditor registado na CMVM sobre Informação Anual. 10 Primeiramente pela Circular n.º 47/05, de 5 de Julho de 2005, e, recentemente, pela Circular n.º 5/06, de 24 de Janeiro. 11 De notar que a referência à palavra legal entre parêntesis deve ser interpretada no sentido de que o modelo pode designar-se de “certificação legal das contas”, no âmbito da revisão legal das contas, ou “certificação das contas”, no contexto da auditoria às contas. 9 5. O âmbito da “Auditoria às Contas” 5.1. ROC não integrado no Conselho Fiscal Como já referimos, no caso em apreço, o ROC exerce as funções sem se encontrar inserido no Conselho Fiscal da Associação, exercendo a “auditoria às contas de base contratual”. O EOROC não contém uma disposição específica para a auditoria às contas idêntica à do seu art.º 43.º “Processamento da revisão legal das contas” que transcrevemos: “1. Nas empresas ou outras entidades onde exista órgão de fiscalização, a revisão legal das contas processa-se mediante a inclusão dos revisores oficiais de contas nesse órgão ou, quando for o caso, pelo exercício das funções de fiscal único ou do órgão revisor oficial de contas, nos termos das disposições legais aplicáveis. 2. Não existindo órgão interno de fiscalização, a revisão legal das contas processa-se de acordo com a legislação em vigor, aplicando-se àquela e aos revisores oficiais de contas, com as necessárias adaptações, o disposto a esse respeito quanto às empresas ou outras entidades onde exista esse órgão. 3. O exercício de revisão legal das contas implica que os revisores oficiais de contas fiquem sujeitos ao complexo de poderes e deveres atribuídos aos restantes membros do órgão interno de fiscalização das empresas ou de outras entidades ou ao próprio órgão, sem prejuízo do seu estatuto próprio fixado no título II. 4. Nas empresas ou outras entidades sujeitas à revisão legal das contas é obrigatória a certificação legal das contas, a emitir exclusivamente pelos revisores oficiais de contas que exerçam aquelas funções.”. Na verdade, o EOROC apenas prevê o citado art.º 45.º, sob o título “Auditoria às contas”, que prescreve: “Decorrente da realização de auditoria às contas, estatutária ou contratual, será emitida certificação das contas sobre as demonstrações financeiras objecto de 10 exame, obedecendo às normas técnicas aprovadas ou reconhecidas pela Ordem.”. Com efeito, nas empresas ou entidades onde exista órgão de fiscalização, o ROC é nomeado na própria escritura de constituição e ou em assembleia geral posterior, independentemente do tipo de órgão (Conselho Fiscal, Fiscal Único, órgão Revisor Oficial de Contas nos termos do art.º 446.º do CSC, Revisor Oficial de Contas nos termos do art.º 262.º, n.º 2 do CSC). Assim, não havendo disposições idênticas às dos n.os 1.º e 3.º do art.º 43.º do EOROC para a auditoria às contas, o ROC não deverá, salvo melhor opinião, assumir as funções de fiscalização previstas para o Conselho Fiscal da Associação. Deste modo, o ROC apenas deverá exercer as suas funções obedecendo às normas técnicas aprovadas ou reconhecidas pela OROC, como preceitua o art.º 45.º atrás transcrito. Todavia, será que o ROC deverá assumir funções de fiscalização da Associação, no caso de ser convidado, como aconteceu connosco no caso em apreciação, para participar nas reuniões do Conselho Fiscal da Associação? Julgamos que não, pois, apesar dessa colaboração, o ROC não poderá exercer as competências atribuídas ao Conselho Fiscal, no Estatuto da Associação, como atrás enunciamos, designadamente a de elaborar relatório e dar parecer sobre o relatório e contas e aprovar o orçamento ordinário e os orçamentos suplementares. Note-se, porém, que, uma vez que o ROC é convidado para participar nas reuniões do Conselho Fiscal, as decisões deste poderão ser influenciadas pela opinião técnica do ROC, o que é inevitável. Refira-se, aliás, que se o Conselho Fiscal efectuou esse convite é porque constatou a utilidade das opiniões técnicas do ROC, pois o que acontece na realidade é que a maioria dos membros do Conselho Fiscal não têm conhecimentos contabilísticos adequados para exercerem tais competências estatutárias, sendo o trabalho do ROC visto como um “conforto” para as suas deliberações. Na verdade, julgamos que, neste caso, o ROC exerce funções de consultoria e de auxílio técnico ao Conselho Fiscal. 11 5.2. ROC integrado no Conselho Fiscal No nosso trabalho de ROC também exercemos funções numa outra Associação empresarial (instituto tecnológico) cujo estatuto prevê a possibilidade de o Conselho Fiscal integrar um ROC, nos seguintes termos: “O Conselho Fiscal é constituído por três membros, podendo um deles ser uma sociedade revisora de contas designada pela Assembleia Geral, e que elegerão entre si o respectivo Presidente.”. De notar que, ao contrário da revisão legal das contas em que o art.º 43.º do EOROC atrás transcrito caracteriza objectivamente a forma de exercício profissional nas entidades onde exista órgão de fiscalização, o EOROC não caracteriza as funções de fiscalização inerentes à “auditoria às contas” (neste caso, considera-se uma “auditoria às contas de base estatutária”). Neste contexto, julgamos que o ROC, integrando o Conselho Fiscal, deverá proceder à fiscalização da Associação dentro das competências atribuídas ao Conselho Fiscal, responsabilizando-se e assinando os relatórios emitidos por esse órgão, nomeadamente os relatórios e pareceres sobre os relatórios de actividade e contas elaborados pela Direcção da Associação à semelhança do disposto no art.º 420.º do CSC para as sociedades anónimas. Note-se, ainda, que ao ROC integrado no Conselho Fiscal são-lhe exigidos os designados deveres especiais de vigilância (sociedades anónimas) e de prevenção (sociedades por quotas), de acordo com o previsto nos art.os 420.º-A e 262.º-A do CSC, respectivamente. 5.3. Relatórios do ROC Como já referimos, o ROC deverá emitir a “certificação das contas”, nos termos do art.º 45.º do EOROC e da DRA700, e o RAFE de acordo com a DRA790 que é obrigatório se previsto no contrato. 5.4. Quadro-resumo De acordo com a análise efectuada, resumimos no QUADRO N.º 4 as principais características da “auditoria às contas” nas Associações. 12 QUADRO N.º 4 - Auditoria às Contas nas Associações AUDITORIA ÀS CONTAS (NATUREZA) CONTRATUAL CARACTERIZAÇÃO DAS FUNÇÕES DO ROC - Auditoria às contas de base contratual (art.º 45.º EOROC) - O ROC não integra o Conselho Fiscal - Não exerce funções de fiscalização que são da competência do Conselho Fiscal RELATÓRIOS DO ROC - Certificação das Contas (Art.º 45.º EOROC) - RAFE (obrigatório se previsto no contrato) ESTATUTÁRIA - Auditoria às contas de base - Certificação das Contas (art.º estatutária 45.º EOROC) - Inclusão do ROC no Conselho - Exerce funções de fiscalização - RAFE (obrigatório se previsto Fiscal atribuídas ao Conselho Fiscal no no estatuto) Estatuto da Associação - Não inclusão do ROC no Idem à auditoria às contas de base Idem à auditoria às contas de Conselho Fiscal contratual base contratual - É uma auditoria às contas - Não é emitida certificação das limitada, com determinados contas - TRABALHOS DE REVISÃO objectivos/âmbitos definidos no estatuto E AUDITORIA (LIMITADOS)* - Não exerce funções de - É emitido relatório com os fiscalização que são da objectivos específicos definidos competência do Conselho Fiscal * Como o caso da “Associação” referida, e alínea c) do n.º 1 e n.º 2 do estatuto. Fonte: Elaboração própria 13 6. Conclusões Com o presente artigo pretendemos abordar e caracterizar alguns dos aspectos mais importantes do trabalho de auditoria às contas das associações, com base num caso de uma associação empresarial. É óbvio que a caracterização efectuada poderia contemplar outros aspectos e abranger outro tipo de associações. No entanto, o nosso principal objectivo foi o de, através da análise do referido caso, extrair algumas ilações sobre o enquadramento das associações no âmbito da auditoria às contas, contratual ou estatutária, face ao disposto no art.º 45.º do EOROC, que poderão ter aplicação a qualquer tipo de associação, dependendo sempre da respectiva natureza jurídica e do seu enquadramento estatutário. Neste contexto, concluímos que o âmbito do trabalho do ROC e respectivos relatórios apresentam características diferentes, em função de integrar ou não o órgão de fiscalização (v.g., Conselho Fiscal, Comissão Fiscalizadora) da associação. Além disso, esclarecemos que o trabalho do ROC no âmbito da “certificação de projectos” (v.g., investimentos, acções de formação) não deve ser incluído no da “auditoria às contas”, embora a verificação documental inerente ao primeiro potencie sinergias para o segundo. 14