UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ELIANI SANTOS A PERCEPÇÃO DE ESTUDANTES DE PSICOLOGIA EM RELAÇÃO À MORTE DE PACIENTES HOSPITALIZADOS Palhoça 2008 2 ELIANI SANTOS A PERCEPÇÃO DE ESTUDANTES DE PSICOLOGIA EM RELAÇÃO À MORTE DE PACIENTES HOSPITALIZADOS Relatório de pesquisa apresentado na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, como requisito parcial para obtenção do título de psicólogo da Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul Orientadora: Profª. Alessandra d´Avila Scherer, Msc. Palhoça 2008 3 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pela minha vida e por ter me abençoado nos momentos mais difíceis desta caminhada. À minha família, especialmente meus pais, Irony e Sandra, minha irmã Luana e todos os meus familiares que inclui avós, tios e tias, primos e primas, pelo amor, compreensão e apoio que me dedicaram em toda essa caminhada. Ao meu namorado William, amigo e companheiro nesta trajetória importantíssima em minha vida, pelo seu carinho, apoio e compreensão dedicados, por estar ao meu lado nos momentos mais difíceis e por fazer parte dessa realização. A todos os meus amigos e colegas de fora e àqueles que fazem parte do curso, que em algum momento me dedicaram a sua atenção, apoio e carinho. A minha querida orientadora Alessandra, pelo incentivo, apoio e por apostar em mim e no meu empenho, bem como pela sua presença, que me proporcionou crescimento e me auxiliou nesse período longo e agradável que passamos juntas. As carinhosas professoras Simone Vieira e Cristiane Peixoto, que aceitaram com alegria ao meu pedido de fazerem parte deste momento tão especial em minha vida. As amizades que tive a oportunidade de realizar e de compartilhar momentos inesquecíveis durante esse agradável período. Aos pacientes que atendi no Serviço de Psicologia da Unisul e no Hospital de Caridade, por auxiliarem na ampliação e desenvolvimento da minha percepção em relação à Psicologia e a vida. Aos estudantes de psicologia entrevistados, por aceitarem com carinho e alegria fazerem parte da realização desta pesquisa. A todos, que de alguma maneira me apoiaram e me incentivaram a realizar este sonho, com carinho, muito obrigada! 4 RESUMO Hospitalização e morte são temas que, normalmente, quer-se dissociar. A crença plausível é que, ao internar-se, o paciente recupere a saúde e retome a sua vida plena. Assim, o estagiário de Psicologia Hospitalar ao se deparar com essa situação poderá reagir de formas diversas. Diante disso, o presente trabalho investigou a percepção de estudantes de psicologia em relação à morte de pacientes hospitalizados. Este trabalho tem o objetivo então, de compreender a percepção de estudantes de psicologia, em relação à morte de pacientes atendidos por eles no contexto hospitalar. A teoria foi fundamentada nos estudiosos da Tanatologia e Psicologia Hospitalar. A pesquisa é exploratória e qualitativa e as informações foram coletadas por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com quatro (4) estudantes, estagiários da nona e décima fases de Psicologia Hospitalar. Para a construção da análise e a obtenção dos resultados, foram apanhados os dados para a sua categorização e após esse procedimento, foram relacionadas às categorias com o referencial teórico aqui explorado. As análises foram realizadas através do tom subjetivo dado pelos informantes da pesquisa com o respaldo e o suporte dados pela teoria existente. Na análise foi possível identificar: significados diferentes com relação à morte como ato finito, como uma passagem ou ainda, a morte como perda; sentimentos e emoções tais como impotência e frustração diante da perda de pacientes por eles atendidos; os estudantes apresentaram também reações como choro e perplexidade; as dificuldades percebidas pelos estudantes diante da morte no contexto hospitalar foram relatadas pela falta de experiências de perdas vivenciadas por eles, bem como, relatos da falta de preparo acadêmico para lidar com esse acontecimento, em face de inexistência de disciplinas específicas correlatas. Houve também relatos, onde se verificou estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar com essa situação, tais como, rezar, pensar sobre a morte, chocar-se com a perda, bem como chorar e realizar rituais de despedida. Palavras-chave: Morte. Psicologia Hospitalar. Estudantes de Psicologia. 5 LISTA DE SIGLAS PUCMG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUCPR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRJ- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCSP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo UFBA – Universidade Federal da Bahia UFG – Universidade Federal de Goiás UFPR – Universidade Federal do Paraná UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. UFSM – Universidade Federal de Santa Maria UNB – Universidade de Brasília USP – Universidade de São Paulo UCPEL – Universidade Católica de Pelotas UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina E1, E2, E3 e E4 – Identificação dos Estudantes 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 1.1 PROBLEMÁTICA ...............................................................................................................8 1.2 OBJETIVOS....................................................................................................................... 12 1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................... 12 1.2.2 Objetivos Específicos..................................................................................................... 12 1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 13 2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 18 2.1 PSICOLOGIA DA SAÚDE E PSICOLOGIA HOSPITALAR ......................................... 18 2.2 A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM PSICOLOGIA.........................................................25 2.3 PSICOLOGIA E MORTE ..................................................................................................27 2.3.1 A morte e suas representações no desenvolvimento humano.................................... 27 2.3.2 Morte, Luto e Separação............................................................................................... 31 2.3.3 O psicólogo diante da morte ......................................................................................... 36 2.4 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO – MECANISMOS DE COPING ..................37 2.4.1 Coping e Controlabilidade ............................................................................................ 40 2.4.2 Gênero e seleção de respostas de coping...................................................................... 41 2.4.3 A aprendizagem das estratégias de coping .................................................................. 41 2.4.4 Apoio Social.................................................................................................................... 41 3 MÉTODO ............................................................................................................................. 43 3.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA............................................................................43 3.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA................................................................................... 44 3.3 TÉCNICA DE COLETA DE DADOS............................................................................... 44 3.4 ANÁLISE DE DADOS ......................................................................................................45 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS .................................................................. 47 4.1 O SIGNIFICADO DA MORTE .........................................................................................48 4.2 SENTIMENTOS E EMOÇÕES.........................................................................................51 4.2.1 Pensamentos sobre a morte .......................................................................................... 55 4.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DOS ESTUDANTES DIANTE DA PERDA DE PACIENTES ...................................................................................................................... 59 4.3.1 Dificuldades percebidas pelos estudantes frente à situação de perda do paciente .. 63 4.3.2 Experiências de perdas vivenciadas............................................................................. 66 7 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................69 6. CRONOGRAMA................................................................................................................ 72 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 73 APÊNDICES ........................................................................................................................... 77 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA ................................................................. 78 ANEXOS ................................................................................................................................. 79 ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................................... 80 ANEXO B – Termo de Consentimento para Gravações de Voz ........................................ 82 8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho investigou a percepção de estudantes de psicologia, em relação à morte de pacientes hospitalizados. Nesse aspecto, procurou-se identificar o significado da morte para os estudantes de psicologia, bem como os pensamentos, emoções, sentimentos e por último às estratégias de enfrentamento utilizadas por eles diante da perda dos pacientes. Esse estudo teve o alicerce das referências teóricas relativas à psicologia da saúde e psicologia hospitalar; a formação acadêmica em psicologia; psicologia e morte, que se desdobra nas questões da morte e suas representações no desenvolvimento humano; morte, luto e separação, o psicólogo diante da morte e, por fim, as estratégias de enfrentamento que ofereceram suporte teórico aos recursos utilizados pelos estudantes ao vivenciarem a morte dos pacientes. 1.1 PROBLEMÁTICA O presente texto objetiva discutir sobre a percepção da morte de pacientes hospitalizados para estudantes de psicologia. Para isto, inicialmente, foi realizado uma análise geral sobre a percepção das pessoas sobre a morte ao longo do tempo. A percepção que as pessoas têm em relação à morte foi-se modificando no decorrer do tempo e da história. As maneiras como as pessoas encaram a morte também muda com o passar do tempo. A morte sempre teve um caráter misterioso, provocando fascínio, mas também medo, questionamentos e até certa curiosidade nas pessoas para decifrar esse mistério. Na cultura ocidental, de um modo geral, a morte, é um tema difícil de ser discutido e refletido pelas pessoas. Entretanto, ao longo do tempo, percebeu-se que o ser humano, a exceção do ser humano primitivo, já tinha uma certeza com relação à sua morte. Embora as pessoas tivessem essa certeza, dependendo do vínculo que a relação entre elas possuía, a morte de alguém próximo poderia causar bastante sofrimento ao enlutado. A morte é uma realidade chocante para as pessoas, que abala profundamente as estruturas emocionais 9 e psíquicas de cada um que a vivencia, diante da perda de um ente querido. A possibilidade de ocorrer à morte provoca um impacto nas pessoas, por elas não estarem preparadas e por não preverem de que maneira e em que momento ela acontecerá. “Na verdade, o Homem sempre viveu sob o impacto da morte.” (CAMON, 2003, p. 73). Quando se remeteu à Antiguidade, pôde-se identificar que o homem não afastava do seu pensamento a idéia de que iria morrer. A morte surgia com mais rapidez e na maioria das vezes, as pessoas não sabiam o seu motivo. Nessa época, as pessoas adoeciam com mais facilidade, devido à sua fragilidade em relação às doenças e pela falta de prevenção e tratamento. A expectativa de vida das pessoas era mais curta, elas sabiam que não viveriam por muito tempo. (CAMON, 2003). As pessoas tinham a consciência da morte como algo natural, elas reagiam com naturalidade e pensavam na morte como algo que realmente faz parte da vida e se faz presente nela, assim era mais fácil a sua aceitação. Camon (2003, p. 75), descreve que: Antigamente, o velório ocorria na casa do morto, contando com a participação da família, amigos, parentes e comunidade. O velório caracterizava-se pelo momento de rever e se despedir do falecido, estimulando as emoções, trazendo-as à tona para que se baixassem as defesas diante da situação de morte. As crianças participavam naturalmente do processo de despedida. O ritual durava dias e as emoções eram expressas de forma clara e direta. Vale lembrar a presença de carpideiras nos velórios, que tinham como objetivo evitar que as emoções fossem reprimidas. Essas mulheres, através de seus cantos e orações, facilitavam a expressão de sentimentos, evitando a “vergonha” de chorar ou sofrer pela perda, facilitando a elaboração do luto. Antigamente as pessoas eram incentivadas e encorajadas a enfrentarem o processo de luto da perda de seus entes queridos. As pessoas evitavam reprimir suas emoções e o sofrimento para a elaboração do seu luto. Na Idade Média, as pessoas doentes permaneciam em suas casas para esperarem a recuperação ou a chegada da morte, pois ainda não existiam hospitais. O enfrentamento das pessoas diante da morte nesse período era parecido com a Antiguidade. As pessoas eram liberadas para viverem o seu processo de luto, podendo exteriorizar os seus sentimentos diante de uma perda, sem que isto fosse uma vergonha. (KOVÁCS, 1992). Nessa época houve o surgimento de epidemias que abalaram a sociedade. Não existiam defesas tecnológicas eficientes, que combatessem as doenças que iam surgindo com grande facilidade. As pessoas estavam mais suscetíveis a adquirirem essas doenças e então, a única certeza que restava a elas, seria a certeza de que a morte chegaria logo. Camon (2003, p. 73), confirma isto quando nos coloca que: 10 No século XIV, por exemplo, a “peste negra”, que determinou graves perturbações econômicas, sociais e psicológicas, caracterizou a visão catastrófica da morte que atormentava e angustiava a sociedade. A morte era prematura, infligia tormento insuportável e tornava o Homem um objeto repugnante para si e para o outro. Adultos e crianças sabiam que logo morreriam e o indivíduo arcava sozinho e por si a fúria da “morte negra”, pois não havia defesa tecnológica eficiente; os procedimentos médicos eram inúteis, o controle e os ajustamentos sociais e a religião e a magia pouco ajudavam. A morte, portanto, era inevitável. Não havia promessa de gloriosa mortalidade e a morte era fonte de terror e castigo. A expectativa de vida era limitada, havia maior proximidade física com a morte e sensação de pouco controle sobre a natureza. O ser humano era dominado pela própria morte, sem poder fazer algo que pudesse combatê-la ou adiá-la, pois não havia recursos para o seu controle. Com isto, essa falta de controle sobre a morte prematura, provocava muita angústia nas pessoas. Com o decorrer do tempo e as mudanças históricas, sociais e econômicas, houve também modificações na maneira como as pessoas começaram a encarar a morte. Essas mudanças foram significativas para a transformação na maneira de pensar sobre a morte e são características que provem da modernidade. Entre as mudanças que ocorreram na sociedade moderna, que interferiram na maneira de lidar com a morte, estão o avanço da ciência e tecnologia para a cura das doenças, a evolução da medicina, dos procedimentos médicos que se tornaram mais eficientes e o ser humano que passa a se achar um ser onipotente, se percebe como o centro de tudo, onde tudo pode controlar, pretendendo ter o controle também de algo que é inevitável, que é a morte. Assim, a morte deixa as casas, sai do cotidiano das pessoas e se ausenta da sociedade para marcar presença nos hospitais. (CAMON, 2003). O ser humano passa a se achar capaz de combater a morte com o avanço da ciência, deixando de pensar nela e crendo que é algo distante ou que parece não acontecer consigo, não estando preparado para o seu adoecimento, sofrimento e a morte. Ela é temida e vista como um tabu, um tema que é bastante evitado pelas pessoas. Desta forma, o homem começa a utilizar o silêncio para afastar a morte inevitável do seu cotidiano e aquilo que era exigido, como a vivência do processo de luto, agora é proibida na sociedade moderna. (CAMON, 2003). Desta forma, Camon (2003, p. 74), considera que “na sociedade atual, prevalece a negação da temática da morte”. O homem pretende através da ciência, buscar a sua imortalidade, sendo difícil aceitar a morte, não consegue se aceitar como um ser finito, tendendo a negá-la. A morte deixa as casas, se ausentando da sociedade. Agora, na modernidade, diferente da Idade Média e Antiguidade, torna-se vergonhoso chorar ou vivenciar a dor e a 11 tristeza pela morte de alguém, não é mais permitida a elaboração do luto. (KOVÁCS, 1987 apud CAMPOS, 1995). Com a mudança na dinâmica dos hospitais e sua função, que passaram a ser a cura e a reabilitação das pessoas, já não se pode mais conviver com a morte, ela então se escondeu e os cuidados necessários ao paciente passam a fazer parte do trabalho realizado nos hospitais. Os hospitais com a sua função curativa pretendem evitar a morte a qualquer custo. Em virtude disto, de acordo com Campos (1995), institui-se na medicina o modelo biomédico de atenção, que considera somente o aspecto biológico do ser humano. Esse cuidado biomédico era exercido pela equipe médica, que era constituída pelos médicos e enfermeiros, que tinham como propósito a manutenção da vida através da cura biológica dos pacientes. No entanto, aos poucos foi se percebendo a necessidade de outros cuidados com os pacientes. Esses iam além do cuidado biomédico, para uma atenção que abrange outros aspectos que compõem o ser humano, mudando o conceito dessa atenção para uma atenção biopsicossocial, havendo a inserção de outros profissionais na área da saúde, atuando no hospital e, em especial, o Psicólogo. (CAMPOS, 1995). A função do psicólogo no hospital é atender às necessidades subjetivas do paciente, que envolvem a sua hospitalização, o seu adoecimento e também questões relativas à morte. Segundo Campos (1995, p 81), “o psicólogo deve buscar aliviar o sofrimento do paciente, propiciando o falar de si, da doença, da família, de seus medos, fantasias, esclarecendo suas dúvidas”. Nas suas funções inclui também a atuação do psicólogo, no sentido de preparar o paciente para a hospitalização, exames, cirurgia e inclusive para a morte, trabalhando com ele de modo individual ou em grupo. Tendo em vista, através de um panorama geral, as mudanças que foram ocorrendo na percepção e na maneira das pessoas enfrentarem a morte ao longo do tempo, percebeu-se uma necessidade de conhecer mais sobre esse fato em relação ao profissional da saúde que, na modernidade passou a encará-la mais de perto. Portanto, o foco que este trabalho se propôs a ter então, foi o psicólogo. Para o psicólogo que trabalha no hospital, a morte poderá se fazer presente no seu dia-a-dia, fazendo parte do seu cotidiano. O psicólogo também é humano e por isto, acreditase que, como tal, tenha dificuldades para enfrentar a morte, assim, também os estudantes de Psicologia, que ainda estão em processo de formação e como o profissional, esperam que o paciente seja curado e o seu tempo de vida seja prolongado. (CAMPOS, 1995). Assim, diante das dificuldades que existem, a subjetividade dos estudantes de psicologia e profissionais da área pode se chocar com a morte, quando esses se dão conta da finitude. 12 Considerando que o psicólogo e em especial, estudantes de Psicologia poderão também sofrer com a morte de pacientes hospitalizados e esse sofrimento pode ser maior se o profissional não estiver preparado para lidar com essa situação. È necessário instrumentalizarse ao longo da sua formação para que, sejam exitosos nas suas intervenções junto à equipe de saúde, familiares e pacientes, a fim de prepará-los melhor para a situação de morte. Dessa forma, chegou-se diante do seguinte questionamento: Qual a percepção de estudantes de Psicologia, em relação à morte de pacientes por eles atendidos no contexto hospitalar? 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Compreender a percepção de estudantes de Psicologia, em relação à morte de pacientes atendidos por eles no contexto hospitalar. 1.2.2 Objetivos Específicos - Verificar o significado da morte para estudantes de Psicologia; - Identificar os pensamentos e as emoções desses estudantes, diante da morte de pacientes hospitalizados por eles atendidos; - Identificar as estratégias de enfrentamento apresentadas por esses estudantes, diante da morte de pacientes hospitalizados por eles atendidos. 13 1.3 JUSTIFICATIVA A morte é um tema relevante a ser tratado pelos profissionais de Psicologia, porque ela faz parte da vida do ser humano. A Psicologia tem o propósito de promover o alívio e a diminuição do sofrimento das pessoas, o qual pode ser causado também pelo processo de morte que o próprio indivíduo está vivenciando ou quando esse está lidando com a morte de pessoas próximas. Portanto, a morte, objeto desse estudo, constituiu-se em um tema significativo para que haja a reflexão, a sensibilização e questionamentos para o psicólogo. Segundo Kovács (1992), a Psicologia enquanto: ciência, arte, reflexão e prática cuidam do ser humano na sua relação com o outro e com o mundo, propondo-se a auxiliar as pessoas a viverem melhores e mais felizes. A Psicologia trabalha também para que as pessoas tenham uma qualidade de vida, lidando com sentimentos e emoções que elas vivenciam. Dessa forma, fez sentido estudar a morte, porque as questões que a envolvem estão relacionadas às emoções e provocam alterações no estado emocional das pessoas. Para tanto, Kovács (1992) diz que, a morte e o morrer são questionamentos que podem estar presentes nas diferentes áreas de atuação do psicólogo. As perdas, luto e morte fazem parte do desenvolvimento humano, temas com os quais o Psicólogo lida frequentemente. Ainda, segundo Kovács, a morte é um problema na atuação do psicólogo, considerando que: [...] Hoje em dia este problema vem se tornando muito importante para o psicólogo, que está sendo chamado para trabalhar em hospitais, clínicas, com pacientes portadores de doenças graves e também com suicidas. Pouco se tem escrito sobre este profissional diante da questão da morte. O que não deixa de ser um paradoxo, porque se a morte é uma preocupação universal do homem, e a psicologia estuda a relação do homem com o mundo, então a morte deveria ser área de preocupação primordial da psicologia, como campo de estudo e como prática profissional. (KOVÁCS, 1992, p. 229). Dessa forma, a reflexão sobre o tema é fundamental para o futuro profissional. Considerou-se que os estudantes de Psicologia, principalmente aqueles que realizam estágio de Psicologia Hospitalar, precisarão de um suporte para que, estejam mais preparados para atuarem melhor nas situações decorrentes da morte de seus pacientes hospitalizados. 14 Quanto mais houver trabalhos de pesquisa realizados, reflexões e exploração deste tema, o acesso aos recursos para o psicólogo enfrentar a morte na sua atuação profissional, poderá ser facilitado. Sabe-se que é difícil para as pessoas falarem sobre a morte e essa dificuldade se dá também nas Universidades, porque a morte é vista como um tabu. (CAMON, 2002). Por esses motivos, entre outros, que estudos e reflexões sobre a morte poderão facilitar o seu enfrentamento. O interesse pelo tema surgiu diante do desejo de compreender melhor a percepção que as pessoas têm em relação à morte, entender como elas lidam quando estão diante da morte, vivenciada por uma pessoa próxima e também entender melhor qual é a percepção do estudante de Psicologia sobre a morte do paciente que ele atendeu. Tal compreensão poderá auxiliar os estudantes de Psicologia no trabalho com seus pacientes, principalmente no âmbito hospitalar. Além disso, a morte é um tema que suscita muita curiosidade e dessa curiosidade também partiu o interesse. Esse tema é relevante academicamente pelo fato de que, pouco se discute nas Universidades sobre a morte e se faz necessário tratar mais sobre esse assunto, ainda mais nos cursos de Psicologia que esse tema precisa ser bastante trabalhado. Existem poucas Universidades brasileiras que contemplam disciplinas nos seus currículos acadêmicos do curso de Psicologia, que trabalham o tema da morte. (KOVÁCS, 1992). Essa ausência de disciplinas que tratem da morte pode implicar na formação do psicólogo e na sua preparação, podendo também ocasionar dificuldades para o profissional bem como, para o estudante lidar com a morte de seus pacientes, no caso de psicólogos que atuam no contexto hospitalar. Dessa forma, já que existe a escassez dessas disciplinas, e, não é tão simples haver uma mudança em nível nacional nos currículos com relação a esse problema, torna-se um desafio realizarmos pesquisas no meio acadêmico, contemplando esse tema. Para fundamentar a relevância científica e acadêmica desse estudo, foram realizadas pesquisas nos currículos do Curso de Graduação em Psicologia, de algumas universidades brasileiras1, conforme estará explicitado na tabela a seguir, o que confirmou a insuficiente oferta de disciplinas relacionadas ao tema da morte nas seguintes universidades: 1 UFBA. Disponível em: http://www.ffch.ufba.br/ffch_graduacao.html. Acesso em: 30 abr. 2008; UFG. Disponível em: http://www.prograd.ufg.br/uploads/files/matriz-curricular-psicologia.pdf. Acesso em: 30 abr. 2008; UFPR. Disponível em: http://www.ufpr.br/adm/templates/p_index.php?template=1&Cod=390&hierarquia=6.3.2.42.1. Acesso em: 30 abr. 2008; UFSM. Disponível em: http://www.ufsm.br/pppnovo/pdf/cursos_de_graduacao/psicologia/08_curriculo/01_estrutura_curricular/01_cont 15 Tabela 1 – Oferta de disciplinas relacionadas ao tema da morte em algumas universidades brasileiras. Universidade Oferece a disciplina com o Não Oferece a disciplina tema da morte com o tema da morte UFBA X UFG X UFRJ X UFPR X UFSM X UFSC X UNB X USP X PUCMG X PUCRJ X PUCSP X PUCPR X UCPEL X PUCRS X Fonte: Sites das Universidades Brasileiras2 Essa pesquisa realizada nas grades curriculares favoreceu esse trabalho, por ter constatado que, dentre os Cursos de Psicologia oferecidos por todas essas universidades brasileiras, há uma disciplina que aborda o tema da morte, que é oferecida pela USP, porém eudos_das_diretrizes_curriculares_e_disciplinas_da_ufsm/conteudos.pdf. acesso em: 30 abr. 2008; UFSC. Disponível em: http://notes.ufsc.br/aplic/curgrad.nsf/27985f7d0220152b8525639200750d4d/d1f5cab7c5cf487603256e16005622 52/$file/psicologia%20%5bcurriculo%2019911%5d.pdf. acesso em: 30 abr. 2008; UNB. Disponível em: http://www.serverweb.unb.br/matriculaweb/graduacao/curriculo.aspx?cod=2739. Acesso em: 30 abr. 2008; USP. Disponível em: http://www.ffclrp.usp.br/. Acesso em: 07 maio 2008; PUCMG. Disponível em: http://www.pucminas.br/cursos/index_graduacao.php?tipo=1&pagina=3&menu=53&cabecalho=1&lateral=1&c urso=2&mostra=disciplinas. Acesso em: 30 abr. 2008; PUCRJ. Disponível em: http://www.puc-rio.br/ensinopesq/ccg/psicologia.html#sobreocurso. Acesso em: 30 abr. 2008; PUCSP. Disponível em: http://www.pucsp.br/psicologia/estrutura_curso/index.htm. Acesso em: 07 maio. 2008; PUCPR. Disponível em: http://www.pucpr.br/cursos/graduacao/ccbs/psicologia/estrutura_curricular.php. Acesso em: 30 abr. 2008; UCPEL. Disponível em: https://www.ucpel.tche.br/sapu/mostradisciplinascurso.php3?codcurso=2514. Acesso em: 30 abr. 2008; PUCRS. Disponível em: http://www.pucrs.br/psico/. Acesso em: 02 maio. 2008; UFRJ. Disponível em: http://www.psicologia.ufrj.br/portal/course/index.php. Acesso em: 15 maio. 2008 2 Id. 16 trata-se de uma disciplina optativa, que se denomina de Psicologia da Morte, de cinco (5) créditos, implantada pela primeira vez em 1986 no curso de Psicologia. Além dessa universidade, constatou-se pela pesquisa realizada em revistas indexadas, que a UFRJ disponibiliza uma disciplina relativa à morte, de forma opcional, que se chama Tanatologia, com quatro (4) créditos. É importante que haja principalmente na formação acadêmica de psicologia essa disciplina, pois é possível imaginar as dificuldades enfrentadas pelos estagiários de psicologia, iniciantes nesse processo e a necessidade que eles possuem, de terem um suporte maior, para uma atuação mais eficaz diante da situação. Assim, essa pesquisa justificou-se também pela necessidade de compreensão diante da morte, para que haja uma possível preparação de estudantes de psicologia, que poderão vivenciar essa realidade com pacientes hospitalizados, como também poderão se deparar com pacientes que estão vivenciando as suas perdas. Esse trabalho pretende contribuir também para a conscientização da importância de se falar sobre a morte, aprendendo a não negá-la ou temê-la, e sim, facilitar o acesso às estratégias de enfrentamento funcionais ou saudáveis diante da situação. Sabe-se que há muitos trabalhos realizados, com base no tema da morte. Entretanto, percebeu-se, através de pesquisa realizada nas revistas científicas indexadas, que existem poucos trabalhos acadêmicos que falem do psicólogo ou do estudante de psicologia, lidando com a morte no contexto hospitalar, onde essa situação pode fazer parte da sua rotina diária e da sua vida profissional. E quando se trata de trabalhos realizados sobre a morte, não se pode deixar de citar as contribuições de Kovács. Ela é uma das mais importantes escritoras brasileiras sobre a morte. As suas contribuições mais importantes foram publicações sobre o tema, através do livro Morte e Desenvolvimento Humano, Vida e Morte e outros. Num dos seus artigos, ela ressalta a importância que Wilma da Costa Torres tem sobre esse tema. Torres foi pioneira da Tanatologia no Brasil, tendo que desbravar campos ainda desconhecidos e lutar contra preconceitos. Ela deu enorme contribuição para essa área. Foi na década de 1970 que surgiram as suas primeiras publicações sobre o tema nos Arquivos Brasileiros de Psicologia, envolvendo pesquisas referentes ao desenvolvimento do conceito da morte em crianças nos vários estágios, sua principal área de pesquisa. (KOVÁCS, 2004, p. 95). Segundo Kovács (2004), em 1981 foi criado por Torres o primeiro curso de especialização em Tanatologia no Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), da 17 Fundação Getúlio Vargas com os temas: Significado humano, histórico, antropológico e social da morte; Morte e educação; Morte institucionalizada e Psicologia do doente terminal. “Naquele contexto, desenvolveu também, um setor de documentação e consultoria que chegou a reunir 2000 fichas em 44 entradas, envolvendo vários temas relacionados ao luto, suicídio, abordagem do paciente terminal, entre outros.” (KOVÁCS, 2004, p. 95). Segundo Kovács (2004), a área de Tanatologia foi desenvolvida por Torres também na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrando disciplinas na graduação e pós-graduação. Ela deixou vários livros e artigos e sua contribuição se torna perene para nós. Ainda se tratando das contribuições em pesquisa e trabalhos sobre a morte, há muitas outras publicações realizadas, que são relevantes para o aprofundamento no assunto e para a promoção de possíveis intervenções diante desse evento que faz parte da vida. Entre os principais autores sobre esse tema, não se pode esquecer de citar Elizabeth Kübler-Ross com o seu clássico sobre “A morte e o Morrer”, onde conta experiências com pacientes em fase terminal, Phillipe Áries, com seu clássico sobre a Morte no Ocidente e outras obras. Após tratar sobre a relevância científica e acadêmica desse trabalho, coube expor a relevância social que esse tema representa em uma pesquisa. Esse estudo terá a sua contribuição e importância socialmente, pela possibilidade de apresentar subsídios para se pensar em procedimentos que possam ser realizados pelos profissionais de psicologia, em relação à morte de pacientes hospitalizados. Dessa forma, poderá apresentar meios de proceder com intervenções para a preparação do paciente para a sua morte, preparação dos seus familiares para o enfrentamento da morte de seu ente querido e o seu processo de luto, como também a promoção de cuidados e atenção para com a equipe de saúde, especialmente, a preparação do estudante de psicologia, diante da perda de seus pacientes. A morte é um tema de grande importância e profundidade na vida das pessoas, pois ela faz parte do desenvolvimento humano. Por isso, é necessário que as universidades, as pessoas e a sociedade em geral se acostumem a falar e escrever sobre a morte, como também saber enfrentá-la, pois talvez somente assim, terão a consciência sobre ela e sobre a finitude. 18 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 PSICOLOGIA DA SAÚDE E PSICOLOGIA HOSPITALAR A Psicologia começou a trilhar novos caminhos para atender às necessidades e demandas que aparecem na sociedade, decorrentes das suas mudanças. Isso ocasionou a ampliação da sua área de atuação. Ela deixa de ser um conhecimento exclusivamente clínico e começa a atuar e se expandir para outras áreas além da organizacional, a educacional e a clínica para a área jurídica, a área da saúde, como a Psicologia Hospitalar e outras. Essas transformações que vêm ocorrendo na Psicologia são frutos de uma ampliação da percepção dessa ciência, frente à totalidade que constitui o ser humano, voltando-se para uma visão histórica e social dos indivíduos. Através dessa visão em relação ao ser humano, segundo Camon (2002), a Psicologia passa a se preocupar também com a sua saúde, começa a se inserir nessa área, dando base à constituição da Psicologia da Saúde, que abrange a Psicologia Preventiva e de Tratamento. Dessa maneira, em relação à Psicologia da Saúde, Camon considera então, que ela deve ser: [...] uma psicologia que considere a compreensão orgânica da psicossomática, da psico-oncologia, os avanços da psiconeuroimunologia, as especificidades da psicologia hospitalar nos detalhamentos de sua intervenção nas diferentes doenças apresentadas pelo paciente e, acima de tudo, uma psicologia que leve em conta a historicidade do paciente. (CAMON, 2002, p.11). E como ela deve ser uma psicologia que, considere a compreensão da psicossomática, é preciso entender essa relação. Assim, a psicossomática está entre os aspectos de grande atenção da Psicologia da Saúde, como também chama a atenção da medicina. A psicossomática compreende a relação da emoção com a alteração orgânica de um indivíduo e a sua interação com o meio ambiente que ele vive, ou seja, [...] “estuda como o fato corporal está integrado no fato psíquico, que, por sua vez, está integrado no fato relacional ambiental. Essa integração biopsicossocial é o objeto da ciência psicossomática” (RIECHELMANN, 2002, p. 182). Como mencionado o conceito biopsicossocial, é preciso entender que ele surgiu com a intenção de ampliar a visão que existia que era uma visão biomédica do profissional da 19 saúde, o médico sobre o indivíduo doente, que o limitava e o reduzia ao aspecto biológico da sua doença. A partir daí, o indivíduo passa a ser visto também como um ser psíquico e social e começa a se perceber a necessidade de inclusão de outros profissionais na área da saúde, além dos médicos e enfermeiros e entre outros, o psicólogo para atender a outras demandas, surgindo então à necessidade de se formar uma equipe interdisciplinar. Dessa maneira, segundo Neme (2003): O fortalecimento da Psicologia da Saúde estimula o desenvolvimento de: concepções biopsicossociais sobre saúde e adoecimento; conhecimentos e técnicas que permitam intervir para a promoção, manutenção, prevenção e tratamento da doença; e competências para a inserção interdisciplinar da Psicologia em realidades sócio-institucionais cada vez mais complexas. (NEME, 2003, p. X). Além dessas relações da Psicologia com a saúde, há também a psico-oncologia que está entre os elementos que integram a Psicologia da Saúde e é outro exemplo de trabalho interdisciplinar. Ela refere-se a um novo e recente campo de conhecimento, que faz a união de intervenções da medicina com especialidade em oncologia e intervenções que provém da psicologia. Ela se propõe à realização de um trabalho interdisciplinar, pois de um lado está o médico, promovendo intervenções de caráter biológico e de outro, o psicólogo, intervindo no âmbito da subjetividade. Costa Júnior (2001, p.37), considera que: É possível descrever a psico-oncologia como um campo interdisciplinar da saúde que estuda a influência de fatores psicológicos sobre o desenvolvimento, o tratamento e a reabilitação de pacientes com câncer. Entre os principais objetivos da psico-oncologia está a identificação de variáveis psicossociais e contextos ambientais em que a intervenção psicológica possa auxiliar o processo de enfrentamento da doença, incluindo quaisquer situações potencialmente estressantes a que pacientes e familiares são submetidos. Sendo assim, a psico-oncologia busca proporcionar ao paciente com câncer, uma qualidade de vida diante dos procedimentos e eventos estressantes que possa sofrer, fazendo com que ele encontre a melhor forma de enfrentar o seu tratamento. (COSTA JÚNIOR, 2001). A psico-oncologia então, busca proporcionar uma qualidade de vida aos seus pacientes oncológicos. A psiconeuroimunologia é outro conceito que compõe a Psicologia da Saúde. Esse conceito surge com a intenção de ampliar ainda mais a visão biopsicossocial do indivíduo. Sendo assim, já não basta mais somente uma atuação interdisciplinar ou multidisciplinar dos profissionais da saúde, surgindo também o conceito de transdisciplinariedade, atrelado ao 20 conceito de psiconeuroimunologia. Através desses conceitos, percebe-se que “numa equipe verdadeiramente transdisciplinar, os profissionais arrolados saberão dividir suas parcelas de responsabilidade e sincronizar-se com a atuação do outro de forma adequada, conferindo-lhe igual porção de competência” (VASCONCELLOS, 2002, p. 33). A transdisciplinariedade se propõe a relação entre todos os profissionais, para a promoção do bem estar e da recuperação da saúde do paciente, onde todas as profissões são valorizadas pela sua competência e importância no tratamento. Sendo assim, a psiconeuroimunologia apresenta novas possibilidades para o futuro do conhecimento na área da saúde, entendendo que: [...] a divisão atualmente existente, entre ciências médicas e ciências psicológicas não tem mais sentido. Não se justifica mais formarem médicos e psicólogos separadamente. Essas duas profissões tratam da saúde e por isso se completam e se integram. Somente uma formação médico-psicológica ou psicomédica poderia então, instrumentalizar o profissional tornando-o capaz de compreender o fenômeno saúde ou doença de uma forma integrada. Não mais se justifica que o paciente seja atendido fragmentadamente. (VASCONCELOS, 2002, p. 33). Dessa forma, podemos perceber que essa consideração revela que, o psicólogo deverá ter noção dos aspectos biológicos e objetivos do fenômeno saúde-doença e o médico dos aspectos psicológicos e subjetivos dessa ambigüidade, sendo que terão de ser consideradas todas as dimensões que envolvem o ser humano nessa relação. Dessa forma, se faz uma relação da psiconeuroimunologia com a transdisciplinariedade. Portanto, a psiconeuroimunologia integra os aspectos psíquicos, neurológicos e imunológicos, sendo eles relacionados a tudo que envolve o ser humano, provocando alterações no seu estado, através das influências que algo tem sobre outro. Por exemplo, não há como se tratar de emoção sem considerar o aspecto cognitivo, como também, falar em fé sem um corpo que a contenha, falar em fenômenos físicos, sem as reações químicas e assim como todos os outros aspectos que estão interligados. (CAMPOS, 1992). Mas esse conceito já está sofrendo ampliação, a fim de envolver outros aspectos, e já se comenta sobre a Psiconeuroimunoendocrinologia, que irá abranger mais os aspectos que envolvem a saúde do ser humano. Assim, a saúde vai ampliando seus conceitos e modificando-os para o seu aperfeiçoamento diante do tratamento com o ser humano, para que assim, com o objetivo de prevenir as doenças e promover a reabilitação dos pacientes, e de acordo com as possibilidades, prolongar a vida. E a Psicologia da Saúde vai caminhando junto dessas 21 transformações, para que, dentro da sua proposta, consiga contribuir também para, melhorar a qualidade de vida das pessoas. Essas “mudanças na forma de inserção dos psicólogos da saúde e a abertura de novos campos de atuação têm introduzido transformações qualitativas na prática que requerem, por sua vez, novas perspectivas teóricas”. (SPINK apud CHIATTONI, 2002, p. 74). Percebe-se que a Psicologia Hospitalar também está fazendo o seu movimento. Dessa forma, ela vem tomando outros delineamentos no âmbito da investigação científica. (GIANNOTTI apud CHIATTONI, 2002). O psicólogo da saúde atua em determinados campos, se apropriando do modelo clínico, organizacional e educacional e entre os seus campos de atuação, está o hospital, inserção que constitui a Psicologia Hospitalar. Portanto, para falar sobre a Psicologia Hospitalar é necessário entender um pouco sobre a história do hospital. Segundo Lima Gonçalves (1983) e Borba (1985) (apud CAMPOS, 1995), o hospital nasceu na Antiguidade com uma função mais social do que terapêutica, recolhendo as pessoas das ruas para prestar-lhes uma devida assistência. Entre elas, estavam os pobres, as pessoas consideradas insanas, os enfermos, viajantes e peregrinos, assim como todas as pessoas que não tinham recursos mínimos para viver. Mas o hospital começa a fazer sua história mesmo a partir da Era Cristã, por volta do ano 360 d.C. com a função de restaurar a saúde, prestando assistência, de acordo com as condições que existiam na época. Assim, “Os primeiros hospitais foram criados como locais de isolamento, onde a caridade se exercia como uma prática de cristianismo” (CAMPOS, 1995, p. 18). Esses eram os primeiros modelos de assistência prestados através da caridade. Conforme a sua história e o seu desenvolvimento, o hospital passa por três momentos diferentes enquanto instituição que atende pessoas doentes: De acordo com Campos (1995), a primeira instituição pública ou privada denominada hospital começou a atuar com o tratamento dos doentes, tendo uma função curativa. Depois foi criada uma segunda instituição, ligada ao poder público, que se preocupava com a prevenção das doenças, que estava voltada aos problemas de saúde das comunidades, que eram as unidades de saúde. E, com a superação da divisão entre o atendimento curativo e preventivo, o terceiro momento de evolução dos hospitais se deu, pela necessidade de atuar em todos os serviços de saúde, desde a prevenção até a reabilitação, atendendo a toda a população. O hospital deve ser o lugar que procure manter o bem-estar físico, social e mental do homem, atendendo as necessidades que há na sociedade, considerando as dificuldades, os 22 anseios e as angústias das pessoas. Segundo Lima Gonçalves (1983 apud CAMPOS, 1995, p. 21): [...] o hospital representa a própria força do homem na batalha contra a morte, recuperando, reabilitando e promovendo a saúde e, sendo um sistema aberto, sofre as influências de seu meio, da evolução e mudanças que ocorrem na técnica, na educação, na comunicação, na sociologia, na economia e na política. Nesse sentido é que deve haver uma adequação do hospital às exigências decorrentes das características da sociedade que ele serve, correspondendo às expectativas e às necessidades de saúde da população. Nesse caso, como o hospital é uma instituição que cuida da saúde da população e a saúde não é somente o bem-estar físico do indivíduo, era preciso cuidar também dos aspectos psíquico e social. Conforme o conceito dado pela Organização Mundial da Saúde, ela designa “o completo bem-estar físico, psíquico e social, ocorrendo conjuntamente, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. (CAMPOS, 1995, p. 54). A partir disso, surge o conceito biopsicossocial sobre o ser humano, surgindo também à necessidade de inclusão de outros profissionais que atuem junto do médico, cada um com um papel específico na manutenção da saúde tanto individual, como coletiva. (CAMPOS, 1995). E, junto da inclusão desse conceito, começa então a existir o reconhecimento da interdisciplinariedade. A interdisciplinariedade, de acordo com Campos (1995), determina que cada profissional, com a sua especialidade vai atuar junto dos outros, buscando atingir o mesmo objetivo. Entre os profissionais da saúde que deverão atuar juntos, a fim de promover a interdisciplinariedade, está o psicólogo. Sendo assim, a partir daqui, será dado ênfase a esse profissional, para tratar sobre a Psicologia Hospitalar. Não é fácil inserir o modelo biopsicossocial na instituição hospitalar, pois ainda é muito forte a presença do modelo biomédico. Segundo Lima Gonçalves (1983 apud CAMPOS, 1995), foi no fim do século XIX e início do século XX que ocorreram os avanços tecnológicos e o surgimento da medicina científica, sendo assim, a função e o papel dos hospitais se transformaram para o tratamento das doenças, servindo o indivíduo e a comunidade. O poder e a autonomia sobre o funcionamento do hospital eram concentrados no grupo médico, predominando o modelo biomédico de atuação, frente ao tratamento das doenças. Esse modelo valoriza o aspecto biológico das doenças, reduzindo o indivíduo que possui uma enfermidade a um órgão doente. Em função disso, também há muitas resistências 23 de outros profissionais da saúde e da própria instituição hospitalar, com relação à atuação do psicólogo, dificultando e impedindo o seu trabalho. A entrada do psicólogo no hospital, não era esperada pelos outros profissionais da saúde. Mas ainda, segundo Campos (1995), a Psicologia Hospitalar é extremamente importante, pois quando uma pessoa busca atendimento hospitalar, ela não vai somente com seu corpo e o seu órgão doente, mas leva também a sua subjetividade, envolvendo a sua família que, participa do seu processo de adoecimento, hospitalização e recuperação e, todos necessitam de atendimento psicológico. Sobre o paciente e o seu adoecimento, percebe-se que não é simplesmente uma alteração funcional, mas que a doença se relaciona com suas vivências passadas e que, além das suas angústias, depressões e outros fatores, há algo mais profundo que abrange o seu modo de ser, sua história e seu modo de relacionar-se com o mundo. (CAMPOS, 1995). Dessa forma, é necessário que haja sempre um atendimento psicológico aos pacientes, a fim de trabalhar com eles, questões que vão além do seu aspecto físico. Em relação à atuação do Psicólogo no hospital, Campos (1995, p. 14) considera ainda que: O psicólogo tem uma atuação dentro do Hospital, como um profissional da saúde, envolvendo o indivíduo e as áreas social e da Saúde Pública, buscando sempre o bem-estar individual e social, utilizando também informações das áreas de Medicina, Enfermagem, Serviço Social, Nutrição e outras áreas afins. No entanto, os recursos técnicos e metodológicos utilizados, que provém de outras áreas da Psicologia, como também, as suas bases teóricas, nem sempre proporcionam uma adequação das atividades realizadas pelo psicólogo no contexto hospitalar, dificultando também a delimitação da identidade da Psicologia Hospitalar. Dessa maneira, é preciso que os psicólogos sempre reflitam sobre o seu saber e a sua prática em psicologia hospitalar, para que estejam sempre associados ao seu objeto de estudo dentro do hospital, que são o paciente, a doença e a saúde, como também os seus aspectos biopsicossociais envolvidos. (CHIATTONE, 2002). O psicólogo precisa rever a sua atuação no ambiente hospitalar, pois está muito presente ainda no exercício da sua função nas instituições de saúde, o modelo clínico tradicional. O modelo clínico tradicional, sendo utilizado no contexto hospitalar pela psicologia pode provocar um exercício desastroso, causando o distanciamento da realidade institucional, a inadequação na assistência e o exercício do poder por um falso saber. 24 Esse modelo trabalha entre outras, questões individuais que, envolvem o comportamento, os interesses, os problemas do cotidiano, mudanças e autoconhecimento, além de questões relativas a experiências afetivas e cognitivas dos indivíduos. (CAMON, 2002). Sendo assim, o modelo clínico tradicional apresenta um foco diferenciado da demanda hospitalar, deixando de atender às necessidades inerentes a esse contexto. O papel da Psicologia Hospitalar é atender às demandas existentes que, estão relacionadas ao adoecimento e à hospitalização dos pacientes, atendendo as necessidades de acordo com a instituição. Dessa forma, ela exige mesmo de psicoterapeutas experientes, conhecimentos mais específicos e técnicas mais adequadas a essa situação. (PENNA, 1992 apud CAMON, 2002). Com a utilização de técnicas mais específicas dentro do hospital, o psicólogo poderá satisfazer mais as necessidades do paciente frente ao seu adoecimento e à sua hospitalização, através de uma atuação mais focada nesse contexto. Sendo assim, o psicólogo no hospital deverá atuar, a fim de buscar o alívio do sofrimento, dando a oportunidade do paciente falar sobre si, sobre a família, sobre a sua doença, as suas fantasias e seus medos relacionados ao seu adoecimento, procurando tirar-lhe todas as suas dúvidas. (CAMPOS, 1995). Cabe ao psicólogo também, preparar o paciente para a sua internação, como também para receber alta do hospital, ajudando-o a encarar uma nova etapa de sua vida. Nesse caso, o psicólogo pode atuar de modo individual ou em grupo, preparando o paciente também para exames, cirurgias e para a morte. (CAMPOS, 1995). A morte é uma realidade dentro do hospital que, abala todas as pessoas que estão à sua volta e é uma situação que, familiares e profissionais da saúde e, em especial o psicólogo, enfrentarão diante do paciente hospitalizado. Segundo Camon (2002), ela representa a situação mais difícil de ser encarada por todas as pessoas, os familiares e amigos pela perda de seu ente querido e os profissionais da saúde, entre eles, o psicólogo, por contribuírem e lutarem no contexto hospitalar para a manutenção da vida das pessoas. O hospital está marcado pela luta constante entre a vida e a morte, pela esperança de melhora, cura, minimização ou suspensão do sofrimento. Está marcado também pela presença da morte, que provoca tensão nos profissionais da saúde que, estão preparados e treinados para salvar vidas, mas sempre angustiados frente à perspectiva da morte, da derrota, pois a instituição hospitalar existe para a cura, não admitindo nada que transcenda esse princípio. (CAMON, 2002). Dessa forma o hospital, a Psicologia da Saúde e a Psicologia Hospitalar têm uma bela função, que através da união dos profissionais se faz o trabalho e a 25 luta para preservar a vida, promovendo e recuperando a saúde, através da busca pelo bemestar total das pessoas, porém sabe-se infelizmente, que nem sempre isso é possível. 2.2 A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM PSICOLOGIA Como esse projeto de pesquisa está relacionado ao estudante de psicologia, é necessário tratar-se também de forma sintetizada, a questão da sua formação acadêmica, com foco no entendimento da sua atuação no contexto hospitalar, diante de pacientes hospitalizados, que estão em processo de morte. Dessa forma, esse texto se propõe questionar, o suporte que essa formação oferece para o estudante de psicologia, para o enfrentamento da morte de seus pacientes. Em relação à formação acadêmica, é interessante constatar que, a Psicologia, pressupondo o estudo da relação do homem com o mundo, praticamente desconsidere o estudo da morte, o que é evidenciado também nos trabalhos e publicações na área. Dessa maneira, mesmo a morte sendo uma preocupação universal do homem, a psicologia permanece distanciada desse aspecto importante. Constata-se que, diariamente o psicólogo, na sua atuação profissional, se depara com as mais diversas situações, onde a morte está presente no cotidiano. A morte do colega, a separação, a morte do filho, o temor à morte, as perdas e assim por diante. (CAMON, 2002) Além disso, a morte ronda os hospitais e, é a inimiga a ser vencida nesse contexto, refletindo também o “fracasso” das condutas terapêuticas. Ela é inerente à existência humana, mas é também um medo universal, um tabu e que os profissionais da saúde percebem como se não fosse possível para si. (CAMON, 2002). Dessa forma, é importante que a Psicologia esteja mais atenta para essa realidade e possa oferecer uma formação que esteja mais adequada aos estudantes, abrangendo aspectos como esses que, também são essenciais para a atuação profissional dos psicólogos. De acordo com Camon (2002), somente há poucos anos, as faculdades de psicologia passaram a se preocupar com a necessidade dessa nova área. “Porém, nos currículos universitários, o tema ainda não está incluído, o que causa dificuldades, quando o psicólogo despreparado, adentra ao contexto hospitalar”. (CAMON, 2002, p. 134). A maioria das universidades ainda preserva nos seus currículos, uma formação em Psicologia com o seu foco voltado para a atuação em clínica, o que dificulta a atuação dos 26 psicólogos em outras áreas. Deveria existir uma formação mais generalista, que disponibilizasse mais atenção a outras áreas da Psicologia, para que o psicólogo estivesse mais preparado, para lidar com questões que vão além do que se percebe em clínicas ou em consultórios. Nos hospitais a realidade é estranha e distante do psicólogo, sem que ele consiga perceber que existem para si também, possibilidades de adoecimento e morte. De acordo com Camon (2002), a formação em Psicologia não proporciona ao psicólogo que atua no contexto hospitalar, perceber que ele também é humano como seus pacientes, não permite esses envolvimentos, ensinando o psicólogo a estar acima dessas questões, procurando manter uma neutralidade máxima. Então, se o psicólogo está sendo preparado para manter essa neutralidade, surgem questionamentos sobre a sua preparação para atuar nos hospitais, diante do processo de morte dos pacientes, sobre o fato de que a sua formação não lhe deu esse suporte. Tanto o psicólogo como os outros profissionais da saúde foram preparados para proporcionar a cura dos pacientes e não para a morte deles. Segundo Kovács (1992 apud CAMON, 2002), uma das formas mais usadas pelo profissional é a formação reativa, a conquista da doença, o desafio da morte e a tentativa de tomar medidas heróicas para salvar o paciente a todo custo. Como trabalhar com as questões da morte faz parte da tarefa do psicólogo no hospital, através do seu contato diário com ela, o profissional poderá “[...] reexperimentar medos infantis de separação, abandono e o medo de sua própria mortalidade.” (KOVÁCS, 1992 apud CAMON, 2002, p. 122). O psicólogo, diante da morte de pacientes hospitalizados poderá reviver emoções e experiências relacionadas à sua infância, sofrendo um impacto que está relacionado com questões pessoais suas que, de certo modo, não foram resolvidas, o que dificulta o seu trabalho e o seu contato frente a essa situação. Sendo assim, “reconhecer as questões que envolvem a morte e o morrer torna-se difícil, porque sempre o psicólogo reporta aos seus sentimentos, questionamentos sobre a sua própria mortalidade, a sua própria vida”. (CAMON, 2002, p. 135). Diante dessas dificuldades então, o psicólogo precisa se perceber enquanto pessoa igual ao seu paciente, definindo a sua tarefa no contexto hospitalar, através do reconhecimento pessoal e profissional da morte. (CAMON, 2002). Mas, para que haja essa possibilidade, é importante que o psicólogo receba uma formação que, lhe dê o devido suporte e prepare-o para essa missão. Dessa forma, ele conseguirá desenvolver melhor a sua tarefa, podendo atingir um contato mais próximo com o paciente e o seu sofrimento, auxiliando-o e 27 preparando-o para que tenha uma boa recuperação e no caso de morte, para que, esse consiga vivenciar o seu processo de morte mais adequado e com isso, merecer uma morte digna. 2.3 PSICOLOGIA E MORTE 2.3.1 A morte e suas representações no desenvolvimento humano Esse capítulo apresentará questões sobre a morte diante do ser humano, relacionada às suas representações, a forma como ele encara esse processo e como ele se dá, de acordo com as fases do desenvolvimento humano. Dessa forma, será possível entender um pouco, como as atitudes e percepções sobre a morte se processam para o ser humano na sua vida. Em cada fase do desenvolvimento da pessoa, a morte é vista e percebida de forma diferente, pois está relacionado às suas vivências, o seu conhecimento, à sua idade e a outros fatores que influenciam para essa diferenciação. Cada pessoa tem a sua própria representação da morte, seja pela tradição cultural ou familiar de cada uma ou até mesmo pela investigação pessoal, atribuindo a ela personificações, qualidades e formas. (KOVÁCS, 1992). Segundo Kovács (1992, p. 2), Desde todos os tempos em busca da imortalidade, o homem desafia e tenta vencer a morte. Nos mitos e lendas essa atitude é simbolizada pela morte do dragão ou monstro. Os heróis podem conseguir tal façanha, mas os mortais não. E o homem é um se mortal, cuja principal característica é a consciência de sua finitude, isso o diferencia dos animais, que não têm essa consciência [...]. Mas, embora o homem tenha a consciência de sua finitude, ele busca a eternidade, com o desejo de continuar sempre jovem, preservando a sua força e beleza e usufruindo de seus prazeres da juventude. Ainda, de acordo com Kovács (1992, p. 2), “não acreditamos em nossa própria morte, agimos como se ela não existisse, fazemos planos para o futuro, criamos obras e filhos, imaginamos que estes perpetuarão o nosso ser”. Para que o homem não viva toda a sua vida limitada pela realidade da morte, ele tem possibilidades de ocultá-la cultural ou psicologicamente. E a forma psicológica de ocultar 28 a morte se dá, pelos mecanismos de defesa, utilizando a negação, a repressão, a intelectualização ou o deslocamento. (KOVÁCS, 1992). No entanto, essas defesas, ao mesmo tempo em que libertam o homem do seu medo com relação à morte, o impede de usufruir de sua vida, limitando-o nas suas experiências. É possível perceber que o medo da morte está presente em todas as fases do desenvolvimento humano, pois faz parte desse processo. Segundo Kovács (1992, p. 14), “o medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos, independente da idade, sexo, nível sócio-econômico e credo religioso.” Esse medo está relacionado ao medo da solidão, da separação de quem se ama, de estar só diante da morte, medo da doença e sofrimento antes da morte, entre outros. Em pesquisa realizada, “verificou-se, então, que pessoas que têm um nível maior de ansiedade apresentam mais medo da morte, ou seja, o medo da morte evoca ansiedade”. (HOELTER, 1979 apud KOVÁCS, 1992, p. 14). De acordo com Kovács (1992, p. 3), “a morte faz parte do desenvolvimento humano desde a mais tenra idade”. A autora considera também que, nos primeiros meses de vida a criança vive a ausência da mãe, que representa a sua morte, pelo fato da criança não conseguir viver nenhum momento sem ela. Esta é a representação mais forte de todos os tempos, que diz respeito à morte como ausência, perda, separação, e a conseqüente vivência de aniquilação e desamparo. O ocultamento da verdade para a criança perturba o seu processo de luto. A criança é poupada, por acreditar-se atualmente, que ela não sabe nada sobre a morte. No entanto, para Kovács (1992), toda a criança já vivenciou a morte e a perda, seja de um animalzinho de estimação, de algum parente próximo ou até mesmo, já viu a morte de pessoas em algum programa na TV, fazendo com que percebesse que esses seres que morreram, ficaram diferentes do que eram quando vivos. Segundo Kovács (1992, p.3), “para a criança é muito difícil definir a vida e a morte [...], pois na sua percepção a morte é não-movimento, cessação de algumas funções vitais como alimentação, respiração; mas na sua concepção a morte é reversível, pode ser desfeita [...]”. A criança acredita que depois da morte a pessoa poderá voltar a viver e a se movimentar. A criança também vive as suas perdas sofrendo, chorando e se desesperando diante delas e como o adulto, depois ela se conforma. Mas ela só vai expressar a sua dor, se ela souber que aconteceu uma morte, entretanto ela percebe que algo aconteceu quando os adultos agem de forma diferente. (KOVÁCS, 1992). 29 Faz parte do desenvolvimento da criança, o pensamento mágico e o sentimento de onipotência. Isto faz com que a criança se questione quando ela percebe a morte dos outros, se ela morrerá também, pois ela se percebe como um herói que vence o mal e a morte representa para si o desconhecido e o mal. Da mesma forma ocorre quando a morte passa a ser concreta para a criança pela TV, através da violência, dos assassinatos, acidentes e assim, ela se protege com a crença de que só ocorre com os outros e não com ela. (KOVÁCS, 1992). Outra característica dessa fase que a criança apresenta, é o sentimento de culpa sobre a morte, que está relacionado ao pensamento mágico e onipotente e com a sua socialização. Esses provocam nela o desejo de morte, e quando a morte ocorre, ela relaciona o seu desejo com a ocorrência, conforme Kovács (1992). Quando a criança deixa essa fase e torna-se adolescente, ela leva consigo algumas representações e deixa outras, que já não fazem mais parte do seu desenvolvimento. O adolescente carrega consigo para essa fase, determinada representação da morte, igual àquela que ele tinha quando criança. Os adolescentes também se sentem heróis da mesma forma que as crianças, porém se sentem mais potentes. Nesse caso, “[...] não há lugar para a morte, que representa a derrota, o fracasso, [...] aqui está representada a visão atual da morte: fracasso, derrota, incompetência [...].” (KOVÁCS, 1992, p. 5). O adolescente é onipotente a ponto de não dar espaço para a morte, vivendo a sua vida, desafiando-a e ultrapassando todos os seus limites possíveis, acreditando que ela nunca acontecerá consigo. Só que, diante dessa coragem de desafiar a vida, pode estar a sua morte também e não somente a do outro. E o adolescente, pelo seu desenvolvimento cognitivo, ele sabe que a morte não é reversível, mas é definitiva. Além disso, o adolescente pode viver mortes concretas que ocorrem com amigos, colegas, ocorrendo devido a acidentes, assassinatos, overdose ou doenças e o pensamento do adolescente conclui que ele, sendo um herói, nunca morrerá, embora ele sofra momentos de dúvida e insegurança. (KOVÁCS, 1992). A ocorrência de mortes devido à drogadição, que envolvem acidentes ou doenças é muito grande. Para o adolescente, “a droga traz a representação da morte ligada às grandes viagens, à percepção diferente do mundo, a um estado alterado de consciência.” (KOVÁCS, 1992, p. 6). Sendo assim, o adolescente não percebe o consumo de drogas, podendo ser uma ameaça à sua vida e provocar a sua morte, pois está relacionada apenas a uma alteração da sua consciência. Essas são algumas representações que o adolescente tem sobre a morte. O final da adolescência é uma fase de muitas mudanças, quando o jovem vai adquirindo responsabilidades e preocupações com relação ao seu projeto de vida e o seu 30 futuro. Sendo assim, de acordo com Kovács (1992), a pessoa deixa os seus impulsos e desejos de ultrapassar limites, desafiar a vida, tornando-se uma pessoa mais calma e ponderada e assim, inicia-se a fase adulta. O adulto carrega consigo experiências da sua infância e adolescência e, quando pensa nelas, provoca grandes transformações internas. Essas transformações ocorrem também com relação à morte, pois ela deixa de ser algo que acontece somente com os outros, passando a perceber que pode acontecer consigo também. A possibilidade da morte traz um novo significado para a vida, pois não existe mais todo o tempo do mundo e os limites não podem ser extrapolados. Nessa fase então, começa a ressignificação dos seus valores, onde o homem abandona alguns da sua juventude e admite outros. (KOVÁCS, 1992). Embora o homem em todos os tempos, tente driblar e vencer a morte, a diferença entre a consciência na vida adulta com a consciência na adolescência sobre a morte, é que ela é inexorável, pois sempre será vitoriosa e nenhum herói poderá vencê-la. A morte possui outros atributos também, que são o mistério, o poder e a força. (KOVÁCS, 1992). Essas são maneiras de os adultos representarem a morte. Depois dessa fase, vem à velhice, que traz consigo estigmas e atributos negativos, devido às perdas corporais decorrentes da idade, às perdas financeiras e a separação da família que é inevitável. É nessa fase que, o ser humano começa a pensar e sentir que a morte está próxima e será inevitável. Conforme Kovács (1992, p. 11), “a morte como limite nos ajuda a crescer, mas a morte vivenciada como limite, também é dor, perda da função, das carnes, do afeto. É também solidão, tristeza, pobreza. Uma das imagens mais fortes da morte é a da velhice [...]”. Essa imagem com relação à morte na velhice permanece, pois, quanto mais anos de vida a pessoa tiver, mais real e próxima será a sua morte. No entanto, o que mais preocupa as pessoas mais velhas são essas mudanças que ocorrem com elas, devido ao aparecimento de doenças, dores, o sofrimento, por não poderem mais fazer tudo aquilo que faziam antes, devido às limitações que vão surgindo, como também o medo de sofrerem de modo geral, o medo da separação da família e a solidão. Com relação ao medo da morte, somente sentirão esse medo, aquelas pessoas que não tiveram uma vida satisfatória, pois aquelas pessoas que obtiveram uma vida satisfatória, uma vida agradável, não temerão. (KOVÁCS, 1992). 31 2.3.2 Morte, Luto e Separação A morte é um assunto evitado pelas pessoas, embora elas tenham muitas dúvidas e questionamentos sobre ela. Assim as pessoas são impedidas de expressarem seus sentimentos, pensamentos e emoções e de lidarem de forma saudável com a situação. De acordo com Zimerman (2000, p. 117), [...] morte e morrer são duas palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria procura não pensar. Essa dificuldade de conviver e de trabalhar com a idéia da morte atrapalha enormemente sua elaboração e impede que se lide com tranqüilidade com as perdas, que são naturais e ocorrem inevitavelmente ao longo da vida [...] Quando pessoas próximas morrem, isso vem acompanhado de luto, perda e separação, trazendo sentimentos difíceis de serem administrados. Para Kovács (1992, p. 149), “a morte do outro se configura como a vivência da morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos”. Essa morte traz recordações da infância, quando havia separação entre mãe e filho, mesmo que fosse momentânea e até a separação ou a morte de pessoas próximas. É o tipo de morte que ocorre com todas as pessoas. De acordo com Kovács (1992), a morte enquanto perda supõe um sentimento, uma pessoa e um tempo, evocando sentimentos fortes. Esses sentimentos de perda são praticamente insuportáveis para as pessoas e elas procuram formas de aliviá-los. Segundo Kovács (1992, p. 150), “ver a perda como uma fatalidade, ocultar os sentimentos, eliminar a dor, apontar o crescimento possível diante dela, podem ser formas de negar os sentimentos que a morte provoca, para não sofrer”. Porém, de acordo com a autora é necessário viver esses momentos, expressando os sentimentos que são fundamentais para o desenvolvimento do processo de luto. Conforme Kovács (1992), o processo de luto diz respeito a um conjunto de reações diante de uma perda. Para Bowby (1985 apud Kovács, 1992), o processo de luto se dá em quatro fases: primeiro vem à fase em que a pessoa entra em choque, que poderá perdurar por algumas horas ou semanas, esta fase poderá vir acompanhada pelos sentimentos de desespero e raiva. Nesta etapa podem surgir expressões emocionais e ataques de pânico; a segunda fase é aquela que experimenta a expressão do desejo da presença e a busca da pessoa 32 perdida, que pode durar meses ou anos. Nesta fase também, a pessoa pode sentir raiva quando percebe que realmente houve uma perda, que provoca desespero, inquietação, insônia e preocupação. Existe também a ilusão de que pode ser um pesadelo, tendo a fantasia de que a pessoa irá voltar. Há então a realidade da perda, bem como a esperança do reencontro. A raiva também surge quando o enlutado sente-se responsável pela morte do outro, ou pela frustração da busca inútil, como também quando há o sentimento de que o morto não se cuidou de forma adequada, evocando a sensação de abandono. Essa raiva pode se manifestar através da irritabilidade ou através de uma profunda amargura. A esperança intermitente, os desapontamentos repetidos, o choro, a raiva, as acusações e a ingratidão com as pessoas próximas também se manifestam nesta fase; a terceira fase é o período da desorganização e do desespero, onde há a constatação da perda como definitiva, trazendo um sentimento de profunda tristeza, a sensação de que nada mais tem valor e vem acompanhada de um desejo de morte; A quarta e última fase é aquela em que ocorre uma reorganização da pessoa, que vem acompanhada de uma aceitação pela perda definitiva e a constatação de que ela precisa iniciar uma vida nova. Há em alguns casos de viúvos e viúvas, a necessidade de aprenderem novas habilidades, que eram funções da pessoa que morreu. Nesta etapa, surge à saudade e a necessidade da presença da pessoa que morreu e junto com a morte vem à tristeza pela falta da pessoa. O processo de luto nunca será totalmente concluído. Algumas pessoas buscam novos relacionamentos e outras ficam sozinhas. Essas são as fases necessárias para que, haja uma vivência de luto adequada pela pessoa que perde um ente querido. De acordo com Kovács (1992), a pessoa que vive o seu luto adequadamente, não sofrerá as conseqüências pela não vivência desse sentimento no futuro. Quando se trata do luto, não se pode deixar de falar um pouco sobre essa vivência na velhice, que é a fase em que a pessoa sofre diversas perdas. Nesse momento da vida, a pessoa sofre perdas físicas, sociais e psíquicas, além daquelas que dizem respeito à morte de seus companheiros ou cônjuges e de seus entes queridos em geral. Em relação ao enfrentamento sobre a morte do parceiro, Doll (2002, p. 1000) considera que: Não há dúvida de que a cultura influencia os comportamentos das pessoas, especialmente em uma situação de crise como a perda do parceiro e o confronto com a morte. Nessa situação, que é percebida pela maioria das pessoas como um choque, a existência de formas rituais de expressar sua dor e de agir em relação a outras pessoas pode ser uma ajuda e uma orientação para a pessoa enlutada. 33 As pessoas enfrentam a morte de acordo com a sua cultura. Porém, há maneiras de perceber a morte que são universais. Para Rosenblatt (2001 apud DOLL, 2002, p. 1000): A morte é percebida em todas as culturas como um problema, e a reação de luto à perda do parceiro ou de uma pessoa querida também se encontra em todos os lugares. Porém, a forma concreta de lidar com a morte e de expressar o luto varia muito, dependendo da cultura na qual a pessoa vive e pode ir de um rápido passar adiante até uma obrigação de mostrar tristeza, dor e desespero durante um longo período. Sobre a morte, há diferenças que podem ser provocadas pelos valores e crenças distintos. [...] Por exemplo, o impedimento da expressão de luto para que os outros membros da sociedade não sejam lembrados das dores das próprias perdas. As diferenças culturais também são influenciadas pelo que uma pessoa perde com a morte do parceiro, como o sustentador da família, o parceiro sexual, o companheiro, etc. (ROSENBLATT, 2001 apud DOLL, 2002, p.1000). Em pesquisa realizada sobre o impacto gerado nas pessoas sobre a morte do parceiro, Davidson (2000, apud DOLL, 2002, p. 1002) concluiu que: [...] as mulheres sentem mais a falta daquilo que os homens representavam para elas, como segurança social, status social ou a vida social, enquanto os homens sentem mais a falta daquilo que as esposas faziam para eles, como organizar a casa, cuidar deles e os aspectos emocionais vinculados a isso. Porém, fala-se que tanto o homem quanto a mulher sentem a falta um do outro enquanto pessoa. Em relação à perda do parceiro, para as pessoas mais velhas em geral, de acordo com Doll (2002), há menos impacto do que para uma pessoa mais jovem, quando a morte é menos esperada. A respeito disso, Doll (2002, p. 1005) cita que: [...] pessoas mais velhas também têm, em geral, mecanismos de controle emocional mais desenvolvido, e, por já terem passado por um número maior de perdas, podem ter desenvolvido formas melhores de lidar com a perda e o luto. Por outro lado, pessoas idosas são mais vulneráveis, tanto física quanto socialmente, e a perda do parceiro de longa data significa, em geral, muito mais do que somente a perda de uma pessoa amada. Para uma pessoa mais velha, a perda de seu parceiro acarretará maiores dificuldades de manter os seus contatos sociais, de resolver seus problemas e realizar suas tarefas, como também a sua recuperação será mais demorada. Porém, as pessoas mais velhas sofrerão menor impacto emocional e com isto, terão uma incidência depressiva mais fraca. 34 Segundo Doll (2002), a pessoa que vivencia uma perda, terá comportamentos vinculados a sentimentos que são modificados nessa situação. A pessoa apresenta agitação, inquietação, choro e uma tendência a se retrair socialmente. Já no caso do significado que a pessoa dá para a perda que teve, será pessoal. Cada perda provocada pela morte acarretará uma experiência pessoal a cada ser humano, onde cada qual irá reagir de forma diferente. De acordo com Doll (2002, p. 1007), “[...] a perda do parceiro ou de uma pessoa querida pode ter significado muito diverso para as pessoas, dependendo da sua biografia, dos seus valores e suas crenças”. Por “outro lado, o impacto e as conseqüências dependem da constituição anterior, tanto física, quanto psicológica e social.” A maneira como a pessoa vai enfrentar a situação estressante causada pela perda, de acordo com Doll (2002), vai depender de fatores que poderão influenciar esse processo. Assim, é preciso considerar a circunstância da morte, o contexto em que ela se dá o apoio social e a antecedência de doenças, mas principalmente a biografia e a estrutura psicológica da pessoa que vai viver o processo de luto. As teorias que abordam o tema, relacionado ao luto têm diferentes concepções sobre essa experiência. A seguir serão apresentadas as teorias cognitivas, teorias psicanalíticas e teorias de construção social. As teorias cognitivas do estresse se baseiam no conceito de enfrentamento, que consiste no esforço cognitivo e comportamental da pessoa, em lidar com as demandas internas e externas que uma determinada situação provoca. (STROBE & SCHUT, 2001 apud DOLL, 2002). O impacto de um evento estressante vai depender da avaliação individual, que a pessoa fizer sobre ele. Segundo Doll (2002), no caso da perda de uma pessoa importante, os esforços que a pessoa fará para lidar com ela, dependerão da sua percepção e avaliação sobre esse acontecimento. Esse evento estressante pode significar para uma pessoa um desafio e assim, ela enfrentará de forma ativa, enquanto que, para outra pessoa poderá representar uma sobrecarga, de difícil enfrentamento e assim ela terá um comportamento evasivo, ou seja, um comportamento de fuga ou evitação. Existem dois tipos de estratégias de enfrentamento para as teorias cognitivas. São denominadas estratégias centradas no problema e centradas na emoção. As estratégias de enfrentamento, que estão centradas no problema são aquelas que levam a pessoa para a ação. Já, as estratégias de enfrentamento baseadas na emoção são as defesas internas, que a pessoa busca para aliviar o seu sofrimento. “Enfrentamentos favoráveis acarretam emoções positivas; enfrentamentos desfavoráveis ou a impossibilidade de encontrar soluções causam angústia [...]”. (DOLL, 2002, p. 1007). 35 A perda de uma pessoa importante traz sentimentos negativos, mas também poderá trazer consigo sentimentos positivos para o enlutado. De acordo com Doll (2002), a existência de sentimentos positivos numa situação de luto, que é, predominantemente, triste e negativa, ajuda a pessoa a enfrentar as suas perdas e, especialmente, a lidar com as suas emoções frente à imutabilidade da morte. Segundo as teorias de estresse, a readaptação depois da perda de uma pessoa significativa, se baseia no uso adequado de estratégias de enfrentamento. Os critérios para a elaboração da perda ou para a adaptação são, principalmente, a diminuição da angústia e a predominância de sentimentos positivos. (DOLL, 2002). No caso das teorias psicanalíticas, entre as suas contribuições sobre a recuperação após ocorrer uma perda, existe uma análise sensível e compreensiva das reações imediatamente depois da morte do parceiro. Desta maneira, Doll (2002) cita que, essa análise é feita especialmente em relação aos sentimentos, às vezes controversos, experimentados pela pessoa enlutada, como tristeza pela perda, saudade em relação à pessoa perdida e, ao mesmo tempo, raiva por ter sido abandonada. Outro aspecto importante que Doll (2002) menciona, é que quando os sentimentos em relação ao falecido e ao luto são suprimidos, há um risco de a pessoa desenvolver outras formas de luto patológicas. Já está comprovado em várias pesquisas, que há um grupo de risco entre as pessoas enlutadas que, apresentam altos índices de depressão e tendência para doenças mentais. Em relação às teorias de construção social, de acordo com Doll (2002), as pesquisas nesse campo, se baseiam no interacionismo simbólico. Dessa forma, o significado da perda e da pessoa falecida é negociado em interações sociais da pessoa enlutada, com as demais ao seu redor. Há um novo modelo para se compreender e avaliar o processo de luto proposto por Walter (1999) apud Doll (2002, p. 1008), o qual considera que: As relações com a pessoa falecida são mantidas, basicamente por conversas, ou com outras pessoas falecidas, por exemplo, nas visitas ao cemitério, ou com as pessoas que conheciam o falecido. Mesmo se a conversa não ajuda diretamente na diminuição da angústia, ela ajuda no processo de construção de uma biografia da pessoa falecida. Segundo Walter, o processo de luto é resolvido quando a pessoa enlutada consegue construir uma biografia estável da pessoa falecida, que possibilita à pessoa enlutada integrar a memória da pessoa falecida na sua vida atual. 36 Em cada uma das teorias há uma maneira diferente de processar e avaliar o luto, a fim de compreender se ele está sendo vivido adequadamente. As teorias auxiliam as pessoas de forma adequada, para que elas vivam os seus lutos de maneira saudável. 2.3.3 O psicólogo diante da morte Há poucos escritos sobre o psicólogo, enquanto profissional diante da questão da morte ou do processo de morte vivenciado por seus pacientes. Há algumas reflexões sobre o trabalho com pacientes portadores de doenças graves, que são os pacientes terminais. Em artigo elaborado por Torres e Guedes (1987 apud KOVÁCS, 1992, p. 233), foi tecido reflexões sobre o psicólogo e a questão da terminalidade, onde cita que: [...] o primeiro ponto a ser considerado para quem vai trabalhar com pacientes terminais, é o de caminhar em direção ao medo em relação à morte e o morrer. Assim como ocorre com outros profissionais de saúde, é uma tarefa difícil defrontarse com a própria negação, para aí poder entender a da instituição de saúde e a do paciente. Essa negação pode manifestar-se no silêncio ou na omissão ante a questão da morte. Dessa forma, é difícil para o psicólogo trabalhar essas questões com os pacientes, que poderão ir de encontro com as suas, como nesse caso, pode surgir à negação com relação às questões que envolvem a morte. De acordo com Kovács (1992), a negação está relacionada ao fato, de que o psicólogo, também não quer aceitar a morte de seus pacientes, como também não quer perceber-se como ser finito, por isso tende a negá-la. Ainda com relação a essas dificuldades, as autoras Torres e Guedes (apud KOVÁCS, 1992, p. 233), consideram que, “trabalhar com o sofrimento ou a perda de significado da existência pelo paciente, pode despertar no profissional as mesmas vivências, ferindo o seu narcisismo, e a sua onipotência, colocando-o diante do incompleto e do nãoterminado”. Sendo assim, o psicólogo terá a possibilidade de vivenciar as mesmas experiências que seu paciente. O profissional vai utilizar de algumas estratégias para enfrentar e trabalhar com o paciente sobre a questão da morte. Segundo Kovács (1992 apud CAMON, 2002), “uma das formas mais usadas pelo profissional é a formação reativa, a conquista da doença, o desafio da morte e a tentativa de tomar medidas heróicas para salvar o paciente a todo custo [...]”. 37 Tratar da morte também faz parte da tarefa do psicólogo no hospital. Através do seu contato direto com a morte, o profissional pode “[...] reexperimentar medos infantis de separação, abandono e o medo de sua própria mortalidade.” (KOVÁCS, 1992 apud CAMON, 2002, p. 122). O psicólogo pode reviver emoções e experiências relacionadas à sua infância. Além disso, Camon (2002, p. 135) considera também que “reconhecer as questões que envolvem a morte e o morrer torna-se difícil, porque sempre o psicólogo reporta aos seus sentimentos, questionamentos sobre a sua própria mortalidade, a sua própria vida”. Sendo assim, diante do aspecto pessoal, o psicólogo precisa lidar com a sua dor e angústia para suportar a dor do outro, percebendo-se como ser humano dotado de finitude. 2.4 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO – MECANISMOS DE COPING O conceito de estratégia de enfrentamento refere-se, às estratégias que promovem uma adaptação dos indivíduos às situações estressantes que ele enfrenta. Assim, de acordo com Cerqueira (2000) apud Zakir (2003), o coping, que pode significar “ajustamento” ou enfrentamento, tem como centro, os acontecimentos da vida dos indivíduos que, podem ser as perdas, as dificuldades, fatos inesperados ou tragédias. O coping apresenta uma distinção na sua forma de atuação. Essa distinção está relacionada às estratégias de enfrentamento, que estão voltadas para a emoção e outras que estão voltadas à ação dos indivíduos para a resolução de seus problemas, diante de uma situação que provoca estresse. Segundo Folkman e Lazarus (1984, apud ZAKIR, 2003): [...] há dois tipos principais de estratégias, que equivalem às duas grandes funções do coping: coping centrado no problema e coping centrado na emoção. O primeiro tipo de estratégia se dirige as situações mutáveis, enquanto que o segundo tipo a situações imutáveis. Neste modelo, estratégias de coping são ações deliberadas, orgânicas ou não, emitidas em resposta a um estímulo estressor devidamente identificado. Uma ação que pode ser utilizada pelo indivíduo através do coping centrado na emoção, identifica-se, por exemplo, quando esse usa ingerir tranqüilizantes, visando atingir a área somática ou até mesmo, quando, por exemplo, o indivíduo se entrega às fantasias, buscando uma recuperação do seu estado emocional. Essas duas estratégias poderão 38 promover uma minimização da tensão, provocada por um agente estressor. No caso do coping centrado no problema, o indivíduo partirá para a ação, buscando a solução para o seu problema, através da mudança da sua relação com o ambiente e das contingências responsáveis pela tensão. (ANTONIAZZI, DELL’AGLIO E BANDEIRA, 1998 apud ZAKIR, 2003). A tensão é designada como evento estressor, como um estresse que a pessoa enfrenta. Em relação ao significado do estresse, Peixoto (2004, p. 4) considera que: “A palavra “stress” tornou-se comum atualmente, sendo utilizada para justificar desde as dificuldades de relacionamento amoroso a problemas de saúde. O seu significado vem do latim stringere que significa estreitar. Segundo Lazarus e Folkman, (1984) por volta do século XIV, o termo foi utilizado para descrever experiências e condutas humanas, significando dificuldade, sofrimento, aflição e adversidade. No final do século XVII, passou a ser utilizado nas ciências físicas”. Essas são algumas considerações necessárias sobre o estresse, que depende dos mecanismos de coping. Os mecanismos de coping dividem-se em padrões diretos e padrões indiretos. Segundo Lorencetti e Simonetti (2005), os padrões diretos contêm habilidades para solucionar problemas, afetando as suas demandas. E os padrões indiretos são aqueles que não modificam as demandas, mas promovem o ajuste do indivíduo às situações que não podem ser resolvidas. As estratégias utilizadas através desse modelo, que é o coping paliativo, contêm os mecanismos de negação, repressão, isolamento ou fuga. Sendo assim, quando se trata do enfrentamento relacionado ao problema ou à situação causadora de estresse, a pessoa trabalharia, a fim de manejá-lo ou modificá-lo, visando controlar ou lidar com a ameaça, o dano ou o desafio. Essas são chamadas de estratégias ativas de aproximação em relação ao estressor, como solução de problemas e planejamento. No caso do enfrentamento com foco na emoção, a sua principal função seria regular a resposta emocional causada pela situação estressora. Assim, a pessoa poderia representar atitudes de afastamento ou paliativas em relação à fonte de estresse, utilizando a negação ou comportamento de esquiva diante da situação. No entanto, essas estratégias poderão ser utilizadas acompanhadas de outras. (CARVER, SCHEIER & WEINTRAUB, 1989; ENDLER & PARKER, 1999; VITALINO, RUSSO, CARR, MAIURO & BECKER, 1985 apud E. M. F. SEIDL & COLS, 2001). A esquiva diante das situações tem uma função própria. De acordo com Peixoto (2004, p. 22), “as estratégias de esquiva referem-se a estratégias cognitivas e/ou comportamentais, que têm a função de evitar o contato com o estressor ou ainda mesmo a evitar pensamentos sobre o evento provocador de estresse e suas implicações”. 39 Quando o indivíduo escolhe estratégias de enfrentamento, focalizadas no problema, apresentará aspectos relacionados à solução para o estresse que ele está vivenciando. Dessa forma, o indivíduo terá uma aproximação com o seu problema, para fazer uma reestruturação cognitiva e possivelmente percebê-lo de maneira positiva. Nesse caso, o indivíduo poderá apresentar pensamento fantasioso, receptividade ao apoio social disponibilizado por terceiros, como também, a busca de suporte social. (E. M. F. SEIDL & COLS, 2001). No entanto, quando o indivíduo utiliza estratégias focalizadas na emoção, a sua maneira de lidar com o estressor será diferente, com a exceção de pensamentos fantasiosos que, se apresentam nos dois mecanismos de coping. Além desse aspecto, o indivíduo apresentará respostas de esquiva, autoculpa, reações de culpabilização de outra pessoa pelo seu problema, como também pensamentos fantasiosos e irrealistas voltados para a solução mágica do problema e reações emocionais negativas como raiva ou tensão. (E. M. F. SEIDL & COLS, 2001). Além desses aspectos, o indivíduo busca também enfrentar o seu problema, através de pensamentos e comportamentos religiosos, que trazem sentimentos de esperança e fé. São práticas religiosas que estão relacionadas às estratégias de enfrentamento focalizadas no problema, bem como focalizadas na emoção. (E. M. F. SEIDL & COLS, 2001). As pessoas buscam também enfrentar situações estressantes, através de atividades físicas e psíquicas e procuram estabelecer contato com outras no meio social. São ações praticadas pelas pessoas, ligadas aos mecanismos de coping, que são denominadas de enfrentamentos e podem ser classificados em físico, psicointelectual, social e em espiritual. Lorencetti e Simonetti (2005) citam alguns exemplos, que dizem respeito a essas ações. No caso da estratégia de enfrentamento relacionada ao aspecto físico, ocorre quando o indivíduo vai fazer caminhadas, nadar ou utilizar-se de técnicas de relaxamento; o aspecto psicointelectual relaciona-se, por exemplo, com a utilização de meditação, a realização e a confecção de trabalhos artesanais, fantasias e reavaliação cognitiva; o enfrentamento pelo aspecto social ocorre quando o indivíduo procura freqüentar um clube, realizar atividades de recreação em grupos e conversa com amigos e o enfrentamento pelo aspecto espiritual se dá, quando o indivíduo, por exemplo, participa de atividades religiosas, lê livros religiosos, conversa com padres, pastores e utiliza orações. 40 2.4.1 Coping e Controlabilidade O coping apresenta funções que estão relacionadas à controlabilidade. Segundo Folkman e Lazarus (1984, apud ZAKIR, 2003, p. 94), “as funções do coping são duas: alterar as relações indivíduo-ambiente, controlando a situação geradora de tensão (coping centrado no problema) ou modular a resposta emocional evocada pela situação-problema (coping centrado na emoção)”. No caso do coping centrado na emoção, existe mais freqüência diante de situações incontroláveis, situações que não podem ser evitadas. O coping centrado na emoção é utilizado pelos indivíduos que, se sentem incapazes de agir sobre o estressor. No caso do coping centrado no problema, esse é utilizado por indivíduos com condições razoáveis de controle sobre os eventos estressores. Os estressores são distinguidos por Lipp (1996) apud Peixoto (2004, p. 6) em externos e internos. Assim: “Os externos são os eventos que acontecem no ambiente, mas que afetam o organismo. Eles independem, muitas vezes, da vontade das pessoas [...]. Os estressores internos são aqueles que dependem do próprio indivíduo, ou seja, referemse à “maneira de ser da pessoa”, seu padrão de comportamento, a forma como expressa seus sentimentos, entre outros. Um evento estressor terá significados diferentes para as pessoas, dependendo em muito de suas crenças, valores, história de vida, e da avaliação que o indivíduo realizará da situação [...]” Sendo assim, o estresse pode ocorrer fora do organismo do indivíduo, como pode ocorrer internamente. Essas duas dimensões estão ligadas ao coping no problema e na emoção, de acordo com Lazarus e Folkman (1984) apud Peixoto (2004, p. 22): “[...] O coping focalizado no problema pode ser interno quando inclui reestruturação cognitiva como, por exemplo, a redefinição do elemento estressor. Pode ser externo quando inclui estratégias, tais como negociar para resolver um conflito, discutir com a pessoa responsável pela situação, tentando modificá-la. Já o coping focalizado na emoção é definido como um esforço para regular as emoções associadas ao estresse. [...] A função desta estratégia é reduzir sensações desconfortáveis ocasionadas pelo estresse”. 41 2.4.2 Gênero e seleção de respostas de coping Segundo Zakir (2003), é possível diferenciar as respostas de coping entre homens e mulheres, através da controlabilidade, pois os homens exercem mais controle sobre os estressores, assim eles utilizam mais o coping centrado no problema. Já no caso das mulheres, as respostas de coping se restringem com mais freqüência, no tipo centrado na emoção. Essas respostas são diferentes entre os gêneros desde a infância. Segundo Ferreira (1997 apud ZAKIR, 2003), a sensibilidade, a amabilidade e orientações pró-sociais, que estão associadas à feminilidade das mulheres, podem estar na base do coping centrado na emoção. No caso dos homens, as respostas mais comuns são a independência, a assertividade e a orientação para a realização de metas. Essas respostas estão relacionadas aos aspectos do coping centrado no problema. 2.4.3 A aprendizagem das estratégias de coping As crianças têm o primeiro acesso, na sua infância às respostas de coping centrado no problema, pois possuem restrições verbais, que não lhe dão condições ainda de acessarem a sua dimensão emocional, o seu mundo das emoções. Quanto mais nova a criança for, mais difícil será o seu alcance às respostas relacionadas ao coping centrado na emoção. Sendo assim, ela só poderá aprendê-lo no final da sua infância. (COMPAS, 1987 apud ZAKIR, 2003). Cada indivíduo escolherá a forma de enfrentar as situações estressantes que lhe surgirem, de maneira particular. As respostas de coping que os indivíduos escolherão, dependerão do contexto, das experiências e resultados que eles obtiveram no passado, com a escolha de determinada estratégia de enfrentamento. 2.4.4 Apoio Social As respostas de apoio social implicam na busca de um “suporte social”. Essas respostas dependem da situação em que o indivíduo se encontra e envolvem outra pessoa. De acordo com Zakir (2003, p. 97): 42 [...] são respostas sociais e implicam em alguma forma de estimulação social. Constituem-se em interações sociais, que não se concretizam sem a atuação de um outro indivíduo. Se não existissem variáveis sociais, se não houvesse a situação, com sua rede de apoio, sua estrutura, a resposta provavelmente não ocorreria. Ainda, segundo Zakir (2003), para que o indivíduo possa recorrer ao “apoio social”, ele deverá ser capaz de estabelecer contatos com os outros e saber usar os recursos que aprendeu, recursos esses, que são indispensáveis ao convívio social. Ele deverá ser também sensível às contingências para que, realize uma escolha congruente com a situação que está vivendo. 43 3 MÉTODO 3.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA A caracterização dessa pesquisa é de natureza qualitativa, pelo fato desse trabalho ter buscado a compreensão de fenômenos que envolvem a percepção de estudantes de Psicologia, especificamente estagiários de Psicologia Hospitalar, sobre a morte de pacientes hospitalizados. Dessa forma, como a pesquisa pretendeu compreender a percepção, ela teve um caráter qualitativo. Os resultados obtidos através dessa pesquisa sofreram alterações, devido à subjetividade que está envolvida, na relação do sujeito pesquisador com o objeto pesquisado. Nesse sentido, de acordo com Chizotti (1998), a pesquisa qualitativa parte do princípio de que, existe uma relação de dependência entre o mundo e o sujeito, em que o sujeitoobservador é um integrante ativo do processo de conhecimento, dando significado aos fenômenos interpretados. O delineamento dessa pesquisa se deu, pelo levantamento de dados e informações que são indispensáveis para a compreensão de fenômenos possíveis de identificar, de acordo com os objetivos que essa pesquisa se propôs a atingir, fenômenos esses que estão relacionados ao modo de sentir, pensar e agir de pessoas envolvidas no determinado contexto, realizando uma “descrição profunda de processos, sentidos e conhecimentos” (RAUEN, 2002, p.192). O procedimento se caracterizou pelo questionamento que foi realizado com os participantes, cuja percepção que eles têm sobre a morte de pacientes hospitalizados, desejouse compreender. Essa pesquisa foi realizada através do método exploratório, que se deu pela inserção do pesquisador no campo, onde os fenômenos pesquisados estiveram presentes na realidade, proporcionando a coleta de dados e informações necessárias para a identificação das questões que se propôs pesquisar. (MAZZOTI, 1998). A pesquisa explorou o seu objeto de estudo determinado, no seu campo específico, onde os fenômenos estavam, para que, pudesse chegar o mais próximo possível das respostas, que os seus questionamentos procuraram responder. 44 3.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA A população estudada foi aquela em que os indivíduos possuíam pelo menos uma característica em comum, definida para a investigação (RAUEN, 2002). Assim, a população escolhida para a realização da pesquisa foram estudantes de Psicologia, especificamente aqueles que estavam realizando estágio no Hospital de Caridade, sem restrição ao sexo e que estavam cursando a sua graduação pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Como requisito, foram estudantes que estavam realizando o primeiro e o segundo semestre de estágio, sendo essa experiência limitada pelo tempo que é estipulado pela grade curricular do curso. A escolha desses participantes na pesquisa justificou-se pelo fato de que, o estudante teve contato com pacientes que depois vieram a falecer, vivenciando a perda do paciente. Dessa forma, por ser estagiário do Hospital de Caridade, teve a possibilidade de expor a sua vivência nesse campo de atuação e a sua percepção na relação com esses pacientes, com um caráter experiencial e de aprendizado frente à situação, tendo tido a influência da sua inexperiência profissional. O tempo definido se deu, em virtude do cronograma que existe na grade curricular acadêmica, que delimita o período de estágio de Psicologia Hospitalar. Dessa maneira, foi respeitado o cronograma de acordo com o período estipulado. 3.3 TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS Como técnica de coleta de dados, foram realizadas entrevistas semi-diretivas ou semi-estruturadas (Apêndice A), que proporcionaram o relacionamento entre o pesquisador e o participante para a obtenção de informações importantes, abordando os temas estabelecidos pelo pesquisador previamente, a fim de alcançar os objetivos da pesquisa. Esse tipo de instrumento possibilitou que o entrevistado se sentisse livre para expor as suas percepções, sem que fosse limitado a responder de acordo com perguntas estruturadas, mas sim por meio de um roteiro pré-estabelecido. “Esta técnica tem a capacidade de facilitar o afloramento de dados corrigidos de afetividade e emoção” (BARROS E LEHFELD, 2003, p. 82). 45 Foram escolhidos pelo menos 4 (quatro) participantes, em virtude do tempo limitado para a coleta de dados. Os participantes foram escolhidos, de acordo com os critérios estabelecidos pela pesquisadora. Após serem escolhidos os participantes, foi agendado com cada um deles o dia e a hora disponível para a realização da entrevista, como também o local, conforme a possibilidade de cada um. As entrevistas foram realizadas com a utilização de um gravador. As gravações foram digitais e o registro das informações obtidas posteriormente foi transcrito manualmente, a fim de realizar a análise dos dados. O participante foi informado sobre todos os procedimentos e todas as questões pertinentes à pesquisa, que foram explicadas de forma clara e objetiva, orientando-o sobre os objetivos reais do estudo. Somente após o cumprimento dos compromissos éticos que permeiam a pesquisa e mediante a aceitação dos participantes, é que ela foi realizada. Dessa forma, somente após todos os esclarecimentos necessários à realização da entrevista, como a garantia ao sujeito pesquisado sobre a manutenção do sigilo das informações coletadas e dos dados fornecidos ao seu respeito, garantia do anonimato, o esclarecimento sobre a possibilidade de desistência a qualquer momento por parte do entrevistado, sem prejuízo algum ao mesmo, além da permissão do participante diante da gravação da entrevista é que o participante foi convidado a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A) e um Termo de Consentimento para Gravação de Voz (Anexo B). O instrumento de coleta de dados foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Unisul, para que o mesmo fizesse as suas considerações. 3.4 ANÁLISES DE DADOS A análise qualitativa, diz respeito ao estudo das informações obtidas, através do comunicado verbal do entrevistado. Ela se propôs analisar o discurso do entrevistado, através de questionamentos que dizem respeito ao fenômeno que foi pesquisado. Existe uma etapa seguida para a realização da análise dos dados. Conforme Barros e Lehfeld (2003), essa etapa se deu, pela organização e descrição dos dados; redução dos dados; interpretação através de categorias teóricas de análise e para a sua finalização, a análise de conteúdos. Após a organização e descrição das informações, foi realizada uma redução dos dados, segmentando os dados em elementos que pudessem ser submetidos à categorização. 46 Esses elementos constituem uma unidade de análise, de classificação ou de registro. (RAUEN, 2002). Para a construção das categorias de análise foi necessário realizar o recorte dos conteúdos, seguindo passo a passo, a fim de permitir também a classificação deles. Essa classificação reuniu os dados obtidos, de acordo com a sua distribuição e seleção em classes ou grupos, de acordo com os objetivos e interesses da pesquisa (BARROS E LEHFELD, 2003). A análise é a parte mais importante numa pesquisa, pois permite que o pesquisador apresente os resultados obtidos em seu trabalho. 47 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS A apresentação e análise dos dados foram elaboradas, conforme a relação do discurso dos sujeitos entrevistados com a teoria elaborada pelos autores, que foram citados no referencial teórico desse trabalho, através da percepção da pesquisadora. O desenvolvimento da análise constitui-se, através da relação dos estudantes entrevistados com a situação de perda, de morte de pacientes, vivenciada no contexto de estágio hospitalar. Os entrevistados que contribuíram para essa pesquisa foram quatro (4) estudantes de Psicologia, que realizam estágio de Psicologia Hospitalar, da nona e décima fases, no Hospital de Caridade da cidade de Florianópolis. O quadro abaixo irá identificá-los desta maneira: ENTREVISTADO IDADE SEXO ESCOLARIDADE PROFISSÃO RELIGIÃO E1 26 anos Masculino Superior Incompleto Estudante Católica E2 24 anos Feminino Superior Incompleto Estudante Protestante E3 26 anos Feminino Superior Incompleto Estudante Católica E4 21 anos Feminino Superior Incompleto Estudante Espírita Quadro 1 – Quadro síntese de apresentação dos sujeitos Fonte: Dados primários, 2008 Considerando a tabela acima, percebe-se que as idades dos entrevistados variam de 21 a 26 anos, sendo que dois (2) deles têm idade igual há 26 anos, uma delas possui idade igual a 24 anos e outra possui idade igual a 21 anos. Eles são todos estudantes de Psicologia, contendo assim o Ensino Superior Incompleto e, dentre os quatro (4) participantes, apenas um (1) é do sexo masculino. Com relação à religiosidade deles, constatou-se que dois estudantes são adeptos da religião Católica, uma estudante é Protestante e a outra é adepta da doutrina Espírita. É importante ressaltar que eles são estudantes, que estão realizando estágio de Psicologia Hospitalar, da nona e décima fases. Faz-se essencial considerar as diferenças entre os entrevistados, considerar os seus perfis, a fim de facilitar a percepção da influência que essas diferenças poderão ocasionar nas respostas, no sentido de dar tons variados a elas, podendo facilitar também a análise dos dados. Com o intuito de realizar a análise dos dados apresentados pelos entrevistados, foram primeiramente construídas categorias para facilitar esse procedimento. Essas categorias foram dividas entre: O Significado da Morte; Sentimentos e Emoções e Pensamentos sobre a 48 morte; Estratégias de Enfrentamento; Dificuldades percebidas frente à situação de perda do paciente e por último a categoria: Experiências de perdas vivenciadas. Essas categorias darão o tom da análise dos dados coletados e os resultados obtidos pela pesquisa realizada. Com relação à primeira categoria denominada O Significado da Morte, irá retratar os conceitos, o entendimento, a compreensão e o significado que tem a morte, para os estudantes de Psicologia entrevistados. No caso do significado que a pessoa dá para a perda, seja ela de um familiar ou, no caso de estudantes que vivenciaram a perda de pacientes, será particular. 4.1 O SIGNIFICADO DA MORTE A percepção que as pessoas têm em relação à morte, vai modificando no decorrer do tempo e da história. O significado da morte é um dado que pode variar para cada pessoa, conforme o seu modo de ver o mundo, suas vivências e sua percepção, que são particulares para cada um. De acordo com Kovács (1992), cada pessoa tem a sua própria representação da morte, seja pela tradição cultural ou familiar de cada uma ou até mesmo pela investigação pessoal. Diante disso, na pesquisa realizada, o significado da morte variou bastante entre os entrevistados. Cada um trouxe uma compreensão diferente do outro, em suas respostas. O entrevistado E1 trouxe como resposta em relação ao significado da morte, o seguinte entendimento pessoal: “Pra mim, a morte significa a limitação da pessoa humana. Pessoalmente, o significado que eu dou, é que é um mistério a morte, eu acho que não só pra mim, quanto pra todo mundo, acho que a morte é um grande mistério (...). Então representou essa limitação das pessoas, né, tipo assim, às vezes, a gente vê a morte do outro, a gente lembra que vai morrer também, a morte representa assim, a limitação que as pessoas têm (...). Foi uma perda, né, querendo ou não eu tinha um certo apego ali e foi uma perda assim (...)”. E1 Nessa narrativa do estudante 1, foi percebido que ele trouxe três enfoques diferentes para a morte, sendo que ele coloca que é a limitação da pessoa humana, é um mistério e ao mesmo tempo, ele expressa a morte enquanto perda. 49 O significado da morte, enquanto limitação do ser humano pode ter o mesmo sentido que finitude, pois quer expressar que a vida da pessoa tem um fim, tem um limite e esse limite é a morte. Conforme Kovács (1992, p. 11), “a morte como limite nos ajuda a crescer, mas a morte vivenciada como limite, também é dor, perda da função, das carnes, do afeto. É também solidão, tristeza, pobreza. [...]” De acordo com a fala, relacionando com o que Kovács (1992) explica, o estudante significou a morte dessa maneira. Em relação ao significar a morte enquanto um mistério, os adultos atribuem a ela esse sentido. De acordo com Kovács (1992), a morte possui outros atributos também, que são o mistério, o poder e a força. Os adultos representam a morte como mistério, porque é algo inexplicável. O estudante apontou também na sua narrativa que, vendo a morte do outro, a gente lembra que vai morrer também, pois segundo o estudante, havia estabelecido um vínculo naquela relação. Diante disso, Kovács (1992), considera que, a morte do outro configura-se como a própria morte, é a experiência da morte como se, uma parte nossa que está ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos, tivesse morrido. É a possibilidade que a pessoa tem de pensar na sua própria finitude. Outro significado constatado neste relato do estudante, foi que a morte da paciente que ele atendia, foi vivenciada como uma perda. Para Kovács (1992), essa perda supõe um sentimento, uma pessoa e um tempo, evocando sentimentos fortes, pois era um momento que o estudante vivia enquanto estagiário, naquela relação, estabelecendo certo vínculo e a paciente tinha a sua importância naquela situação. A entrevistada E2 trouxe em sua narrativa, um significado diferente sobre a morte, expressando que: “(...) Eu vejo a morte assim... como um fim (...). Então pra mim é isso, é o fim (...) Então eu acredito que hoje o luto e a morte são muito mais catastróficos do que eram antes (...)”. E2 A estudante 2 aponta o seu significado da morte enquanto o fim, que designa a finitude do ser humano. Ela significa a morte nesse sentido, tem a percepção dela como um fim, porém considerou que hoje o luto e a morte são muito mais catastróficos do que eram antes. O ser humano quer vencer a morte e tirá-la da sua realidade para não sofrer, não vivenciar o luto. Com relação a isso, Kovács (1992, p. 2) considera que: 50 Desde todos os tempos em busca da imortalidade, o homem desafia e tenta vencer a morte. Nos mitos e lendas essa atitude é simbolizada pela morte do dragão ou monstro. Os heróis podem conseguir tal façanha, mas os mortais não. E o homem é um se mortal, cuja principal característica é a consciência de sua finitude, isso o diferencia dos animais, que não têm essa consciência [...]. Isso quer apontar que as pessoas, nesse caso, os estudantes que, significaram a morte como um fim possuem essa consciência da finitude do ser humano. Para a entrevistada E3, o significado dado à morte é semelhante ao da entrevistada E2, pois quer dizer: “O fim da vida, seria o mais propício assim, né, um término, uma passagem pra algum lugar, mas o depois é o que eu fico me perguntando, sabe. A morte em si tem um significado que é o fim da vida, acabou né, é até ali e deu (...). É uma perda muito grande assim pra todo mundo, porque tu ta ali no meio da família, então tu vê eles abalados, né (...).” E3 Na narrativa da estudante 3, percebeu-se também três significados diferentes do que é a morte. Ela significou a morte enquanto o fim da vida, que está relacionado ao término, designando também a finitude, uma passagem pra algum lugar e com o significado de perda. É interessante constatar que essa estudante apontou três significados, os quais, cada um deles está relacionado a cada um dos demais estudantes. O significado da morte como o fim da vida, um término, designando a finitude, está relacionado aos estudantes 1, 2 e 3. Assim como perda está relacionada também ao estudante 1 e 3. Em relação ao significado da morte como uma passagem pra algum lugar, diz respeito à estudante 4. A análise feita dessa narrativa também está relacionada, com a análise apresentada com os discursos dos demais estudantes. A entrevistada E4 expressou a sua compreensão e o seu significado sobre a morte em seu relato, da seguinte maneira: “A minha compreensão pessoal da morte, é uma compreensão um tanto religiosa, por causa da concepção principalmente espírita. Pra mim a morte é uma passagem e não representa finitude como para muitas pessoas e sim uma mudança de estado para uma continuação (...)”. E4 51 A estudante 4 expressou o seu significado da morte, com a influência da doutrina espírita, que relaciona a morte como uma passagem, uma mudança de estado para uma continuação. Nesse sentido, a morte para ela não é um fim, mas uma passagem para outra vida. Esse significado se deu através de uma visão religiosa. Após ter realizado a análise sobre o significado da morte para os estudantes de Psicologia, o trabalho irá ater-se então, à segunda categoria elaborada sobre Sentimentos e Emoções. Essa categoria, assim como o Significado da Morte podem ser apresentados para cada pessoa de maneira diferente. 4.2 SENTIMENTOS E EMOÇÕES A morte é uma situação que, pode trazer emoções e sentimentos diversos a todas as pessoas que estão diante dela, sejam eles familiares, parentes, amigos e até mesmo profissionais ou estudantes, estagiários que vivenciam a perda de pacientes. De acordo com Camon (2003), a morte é uma realidade chocante para as pessoas, que abala profundamente as estruturas emocionais e psíquicas de cada um que a vivencia, diante da perda de um ente querido. As questões que envolvem a morte estão relacionadas às emoções e provocam alterações no estado emocional das pessoas e essa experiência também pode ocorrer com o estudante de psicologia que se depara com a morte de pacientes, no contexto hospitalar. Sendo assim, essa categoria vai abordar os dados, referentes aos sentimentos e emoções vivenciados pelos estudantes de psicologia, diante da morte de pacientes hospitalizados, que eles tenham atendido no contexto de estágio hospitalar. Diante dos dados fornecidos pelos informantes, percebeu-se que houve diferenças com relação aos sentimentos e emoções experimentados, que a seguir serão explicitados. O E1 e a E3 expressaram uma emoção parecida, que vivenciaram ao saber da morte de pacientes, nas seguintes narrativas: “Então, eu senti um certo desconforto... Eu lembro que eu fiquei triste também (...)”. E1 “(...) Aí, depois, como eu te falei, indo no ônibus, daí sim me veio né, florescer as emoções, depois que eu saí do hospital, peguei um ônibus, fui pra casa, aí veio emoções 52 assim de, ai, não chorei, mas fiquei muito triste, sabe, triste, a gente fica triste, fiquei muito triste assim, eu não queria ter perdido o paciente, a gente nunca quer que as pessoas morram né, por mais que tu saiba que isso vai acontecer, mas não é um desejo né, não é desejo nenhum (...) Eu fiquei muito triste nesse dia, outra vez que eu perdi um paciente, eu fiquei muito irritada, outra emoção que veio também, eu fiquei brava assim com a vida, com as coisas, mas também não perdi muitos né, então eu oscilo entre essas duas emoções, que eu já experienciei, que foram mais ou menos assim (...)” E3 Na primeira narrativa, o estudante 1 expressou que ele sentiu um desconforto emocional, apresentando também a tristeza enquanto uma emoção vivenciada naquele momento, devido à perda de um paciente que ele estava prestando atendimento. Esse desconforto apresentado pelo relato do E1 parece estar ligado a um desejo de que, a morte não ocorra ou que talvez não esteja preparado para lidar com ela, que vem acompanhado de uma tristeza pela perda vivenciada. A E3 também expressou na sua narrativa, muita tristeza diante da perda de um paciente. De acordo com Kovács (1992), a morte é também vivenciada com a emoção, com o sentimento de tristeza. A tristeza é uma emoção característica de uma perda experimentada, pela situação de morte de uma pessoa que se estabeleceu certo vínculo. A estudante 3 apresentou, uma variação de seus sentimentos e emoções experimentados nas situações de perda dos pacientes. Ela expressou que ficou chateada, aí depois expressou uma fala freqüente, com relação ao sentimento de tristeza por ter perdido o paciente. Num outro caso de morte do paciente, ela relatou que experimentou uma irritação. Além dessas emoções, a paciente expressou que ficou brava com a vida, com as coisas, dizendo que oscilou entre essas duas emoções. A estudante 3 apresentou também uma irritação, diante da perda de um paciente dizendo que ficou brava com a vida, com as coisas, emoção esta que pode ser decorrente da raiva, da revolta. A raiva, num processo de luto pela perda de alguém é uma emoção bastante expressada nas suas fases, principalmente na segunda. Segundo Bowby (1985 apud Kovács 1992), essa raiva pode se manifestar através da irritabilidade ou através de uma profunda amargura. É interessante constatar, que a estudante tenha vivenciado uma emoção que está ligada ao processo de luto. A E2 e a E4, experimentaram um sentimento semelhante em uma de suas narrativas: 53 “O que representou pra mim, primeiro, impotência! Impotência minha por ta atendendo aquele paciente, a gente acha que a gente poderia ter feito mais por ele enquanto vida... Então, fica uma lacuna na gente mesmo, então quando eu perdi os meus pacientes, eu me senti assim, vazia... Então eu acho que é isso, pra mim é vazio e impotência”. E2 “(...) dá a sensação de não poder fazer muita coisa, sabe, de impotência e a sensação de trabalho inacabado, porque eu nem comecei a trabalhar nada com ela... Então uma sensação de impotência absurda, eu acho que é a que mais cabe nesse momento e de chateação mesmo assim, de ficar chateada: puxa vida, não deu de... de insatisfação com o trabalho sabe (...)” E4 Após essas narrativas, serão apresentados outros relatos, relacionados aos sentimentos e emoções relatadas pela estudante 2: “(...) E como foi a minha primeira paciente, foi o meu primeiro contato com a morte aqui dentro do hospital, eu fiquei com medo, eu fiquei com medo e... fiquei fraca assim...” E2 “Teve horas que eu me senti injustiçada pelo mundo e teve horas que eu me senti leve, eu me senti com o meu dever cumprido (...)” E2 A estudante 2 expressou vários sentimentos e emoções, na situação de morte de pacientes que ela atendeu. Ela experimentou, segundo os seus relatos, sentimentos de vazio e impotência diante da perda de pacientes, por achar que poderia ter feito mais por eles enquanto vivos, sentindo que ficou uma lacuna nela mesma. Na sua segunda narrativa, a estudante 2 relatou que, no caso da perda da primeira paciente atendida por ela, por ter sido o seu primeiro contato com a morte dentro do hospital, ela experimentou o medo, que expressa uma emoção vivida naquele momento. Já, na terceira narrativa, ela expressou que teve horas em que ela se sentiu injustiçada pelo mundo e teve horas que se sentiu leve, com o seu dever cumprido. A estudante 4 relatou a sua vivência de sentimentos de impotência, a sensação de trabalho inacabado e de insatisfação com o trabalho. Percebeu-se que a experiência dela é parecida com a experiência da estudante 2. Os sentimentos de impotência vivenciados pelas estudantes, segundo as suas narrativas, estão relacionados à necessidade de seu processo de crescimento, por perceberem 54 que não puderam realizar algo mais pelas pacientes, enquanto elas viviam e esse vazio pode ter traduzido essa falta percebida pela estudante 2. De acordo com Kovács (1992), a visão atual da morte está representada pelo fracasso, pela derrota e pela incompetência. Essa visão pode estar relacionada, aos sentimentos de impotências experimentadas pelas duas estudantes. A sensação de trabalho inacabado, constatada pela estudante 4 está vinculada também ao sentimento de impotência, por ela ter percebido que não podia fazer algo a mais pela paciente. O fato da estudante 2 ter-se sentido injustiçada pelo mundo, ocorreu nas situações em que ela perdeu pacientes que, segundo seus relatos, haviam lutado bastante para viver e que ela havia trabalhado bastante com eles. Nesse sentido, percebeu-se que há um sentimento de revolta pelas mortes, existe uma não-aceitação pelas perdas dos pacientes, devido ao fato dela ter constatado que trabalhou em função da recuperação deles. Da mesma forma, a estudante 4 relatou a sua insatisfação com o trabalho, devido à presença da morte, o que provoca a dor da perda que é comum a todos os seres humanos. Nesses casos, de acordo com Kovács (1992), é como se a pessoa e nessa situação, o profissional ou as estudantes de psicologia pensassem que não há lugar para a morte, que representa a derrota, o fracasso, o que pode ferir a onipotência, os colocando diante do incompleto e do não-terminado. Na análise dessas narrativas da E2 e da E4, que apresentaram sentimentos semelhantes, percebeuse que existe uma relação entre eles, pois todos os sentimentos estão vinculados pelo significado que eles possuem. Quando a E2 relatou que se sentiu leve, está relacionado aos casos de pacientes que ela perdeu que sofreram muito, que estavam sozinhos, que não tinham família. Nesse sentido, a estudante expressou que sentiu um alívio, como se a morte nesses casos fosse uma solução encontrada, além de sentir que o seu dever com relação àqueles pacientes foi cumprido. De acordo com Doll (2002), a pessoa que vivencia uma perda, dependendo das circunstâncias, poderá experimentar também sentimentos positivos, como nesse caso, a sensação de alívio. Essa sensação de alívio não deixa de significar uma aceitação com relação a uma determinada situação de morte de outra pessoa. Além desses sentimentos vivenciados pela E2, ela experimentou o medo, emoção que está relacionada à perda da primeira paciente atendida por ela, no contexto hospitalar. O profissional e nesse caso o estudante de psicologia, diante da morte de pacientes poderá “[...] reexperimentar medos infantis de separação, abandono e o medo de sua própria mortalidade”. (Kovács 1992 apud Camon 2002, p. 135) Além disso, Kovács (1992) considera que, esse medo, está relacionado também ao medo da solidão, da separação de quem se ama, de estar só diante da morte, medo da doença, sofrimento antes da morte, entre outros. 55 É importante ressaltar que durante o seu relato, a estudante 2 pontuou que, cada caso foi diferente para ela, que teve pacientes que sofreram muito, que estavam sozinhos, sem familiares no hospital, então nesses casos ela se sentiu aliviada e nos outros casos em que a família estava junto do paciente, lutando com ele pela sua recuperação, ela teve esses sentimentos de vazio, impotência, sentindo-se também injustiçada pelo mundo. Através desses dados e da análise realizada, percebeu-se que duas estudantes experimentaram o sentimento de impotência. Além desse sentimento, a E2 sentiu-se injustiçada pelo mundo em determinadas situações de perda de pacientes e em outras se sentiu aliviada e com o seu dever cumprido, bem como vivenciou o medo diante da morte. Já no caso da E4, além desse sentimento de impotência, ela expressou a sensação de trabalho inacabado, bem como a insatisfação pelo trabalho nas falas apresentadas. Sendo assim, é preciso aprender a aceitar que vai existir dor nessas situações, é importante vivenciá-las e não ir contra essa experiência. Em relação ao vazio sentido pela E2, é interessante ressaltar que ele pode estar relacionado com a sensação de trabalho inacabado da E4. Através da análise realizada com as narrativas dos E1 e E3, percebeu-se também que houve uma semelhança de emoções vivenciadas por eles. Os dois estudantes expressaram a tristeza, como uma emoção que experimentaram diante da morte dos pacientes. Além dessa emoção, no caso da E3, ocorreu uma irritação, demonstrado pelo discurso de que ela ficou brava com a vida e com as coisas. Esses foram os principais sentimentos e emoções, que os estudantes expressaram nas suas narrativas. Sendo assim, em seguida, o trabalho abordará a próxima categoria, que foi denominada como Pensamentos sobre a morte. 4.2.1 Pensamentos sobre a morte Conforme o contexto histórico e social, a morte é vista como mistério, provocando dúvidas e questionamentos às pessoas que se deparam com ela, pela necessidade de obterem uma resposta. A morte e morrer foram sempre assuntos difíceis de ser falado e refletido pelas pessoas. De acordo com Camon (2003), na Antiguidade, pôde-se identificar que o homem não afastava do seu pensamento a idéia de que iria morrer. A morte surgia com mais rapidez e na maioria das vezes, as pessoas não sabiam o seu motivo. Nessa época, as pessoas adoeciam com mais facilidade, devido à sua fragilidade em relação às doenças e pela 56 falta de prevenção e tratamento. A expectativa de vida das pessoas era mais curta, elas sabiam que não viveriam por muito tempo. No entanto, houve mudanças na maneira de pensar sobre a morte na sociedade atual. Ainda, de acordo com Camon (2003), com o avanço da ciência, o ser humano passa a se achar capaz de combater a morte, deixando de pensar nela e crendo que é algo distante ou que parece não acontecer consigo, não estando preparado para o seu adoecimento, sofrimento e a morte. Ela é temida e vista como um tabu, um tema que é bastante evitado pelas pessoas. Dessa forma, o homem começa a utilizar o silêncio para afastar a morte inevitável do seu cotidiano e aquilo que era exigido, como a vivência do processo de luto, agora é proibida na sociedade moderna. Diante disso, a categoria a ser explicitada a partir daqui, será: Pensamentos sobre a morte, com o intuito de identificar quais os pensamentos que ocorreram aos estudantes de Psicologia, no momento em que souberam da morte de pacientes, por eles atendidos, no seu estágio no hospital. Os pensamentos também podem ocorrer, de forma variada de pessoa para pessoa. Nesse momento então serão apresentadas as falas dos estudantes. A E3 relatou os pensamentos que lhe ocorreram, diante da notícia da morte de pacientes que ela atendeu, aduzindo: “(...) tu fica mais introspectiva, pensando até mesmo nos teus projetos de vida, eu fico muito pensando assim: ai, como é a vida: um dia tu ta aqui e (...)” E3 “Pensamentos? Nossa! Vêm todos assim. Vem de indignação, frustração, todos, todos os péssimos, até aquele momento que tu pára, respira, reflete né e aí depois começa a botar a cabeça no lugar, porque eu acho que não tem como não ficar um pouco indignada assim, ai que saco, né! (...) mas depois que eu dei uma estabilizada, eu tive pensamentos assim de chateação assim, né: ai que droga, eu não acredito mais em nada, ai, cadê esse Deus que né (...) a gente começa a pensar mais na morte quando a gente ta nesse meio, só que daí quando... se tu se depara assim logo e ta bem no iniciozinho, aí tu pensa, pensa assim, fica dias pensando, bah, que droga, eu não queria que tivesse sido assim! E3 “(...) Tu vai ficando também mais consciente de que tu vai morrer (...)” E3 É interessante perceber que nestas narrativas da E3, sobre os seus pensamentos diante da morte de pacientes que ela atendeu, ela expressou o que sentiu, pois nesses discursos 57 se apresentaram pensamentos que se remetem a sentimentos de indignação, frustração e chateação frente a esses acontecimentos. Aqui se pôde constatar que os pensamentos e emoções, sentimentos estão interligados. No entanto, ela pôde perceber que ficou mais introspectiva, pensando até mesmo nos seus projetos de vida. Além disso, a E3 percebeu que começou a pensar mais na morte quando se inseriu nesse meio, no contexto hospitalar. Na sua primeira narrativa, a estudante mencionou que ficou mais introspectiva e que foi possível pensar até mesmo nos seus projetos de vida, estando diante da morte de pacientes. Dessa forma, a pessoa quando está diante da morte de outra, tende a pensar mais sobre a sua vida, sobre os seus projetos de vida. De acordo com Camon (2002), o psicólogo e nesse caso pode-se remeter à situação de perda vivenciada pela estudante de psicologia, à qual reportou aos seus sentimentos, questionamentos relacionados à sua própria vida. Na segunda narrativa, a estudante expressou pensamentos que se relacionam aos sentimentos de indignação e frustração. Esses sentimentos podem surgir, de acordo com Camon (2002), pela tentativa que o profissional ou no caso, o estudante farão de driblar a morte, que é a principal inimiga a ser vencida no contexto hospitalar, o que reflete também no “fracasso” das condutas terapêuticas, quando esse desejo não é alcançado. Da mesma maneira, de acordo com Kovács (1992 apud Camon 2002), uma das formas mais usadas pelo profissional é a formação reativa, a conquista da doença, o desafio da morte e a tentativa de tomar medidas heróicas para salvar o paciente a todo custo [...]” Além desses pensamentos relatados pela estudante 3, ela expressou também que, começou a pensar mais na morte quando ela se inseriu nesse meio, no contexto hospitalar. Relatou a consciência de sua própria morte, de sua finitude. De acordo com Camon (2002), o psicólogo e nessa situação, a estudante de psicologia teve a experiência de reportar aos seus sentimentos, questionamentos sobre a sua própria mortalidade. Dando continuidade à demonstração dos dados, a partir de agora então, serão apresentadas os relatos da E4, que representaram os seus pensamentos com relação à situação de morte de pacientes por ela atendidos, que foram as seguintes: “(...) aqui a gente olha pros pacientes no hospital, pensando sempre que eles vão ficar bem, que eles estão ali pro tratamento pra irem pra casa, pra melhorar a saúde, a gente atende com o viés de ajudá-los a melhorar a sua saúde e a gente esquece que às vezes a gente precisa ajudá-los a morrer, né. Mas na hora me veio mesmo pensamentos das situações em 58 que eu a atendi e o quanto a gente não pode fugir da morte e ela ta aí e acontece inclusive enquanto a gente ta dormindo e seja lá onde for, inclusive no hospital”. E4 Nessas narrativas, percebeu-se que a E4 apresentou os seus questionamentos, os seus pensamentos e reflexões com relação ao trabalho realizado com os pacientes, antes da sua morte, percebendo a necessidade de poder ajudá-los a enfrentar essa situação. A estudante expressou em seu relato, a intenção do trabalho com os pacientes, do atendimento prestado a eles, a fim de ajudá-los a recuperarem a sua saúde, sem pensar na possibilidade da morte. De acordo com Camon (2002), o hospital está marcado pela luta constante dos profissionais entre a vida e a morte de pacientes, pela esperança de melhora, da cura, da minimização ou suspensão do sofrimento, não admitindo nada que transcenda esse princípio e isso é também vivenciado pelos psicólogos e estudantes de psicologia inseridos nesse contexto. Diante dessas narrativas, percebeu-se que a estudante 3 passou por um processo de frustração e indignação diante da morte, levando-a pensar sobre os seus projetos de vida e sobre sua própria mortalidade. No caso da estudante 4, surgiram pensamentos sobre o objetivo que tem o trabalho com os pacientes hospitalizados, que é a sua cura, percebendo que às vezes é preciso ajudá-los a morrer também. Essa estudante também, nessa situação vivenciada fez reflexões sobre a morte. Com isso, pôde-se perceber que o contexto hospitalar que as estudantes estavam inseridas e diante da morte dos pacientes, proporcionou reflexões e questionamentos sobre esse assunto. Após o trabalho tratar dos pensamentos que ocorreram nas situações de perda de pacientes vivenciados pelos estudantes, será explicitado o tema sobre Estratégias de Enfrentamento diante da perda de pacientes. Essa categoria tem o propósito de identificar, as maneiras que os estudantes utilizam para enfrentarem a morte, a perda de pacientes que eles tenham atendido e o quê eles fazem para lidar com os sentimentos que vivenciam, pela perda de pacientes que eles tenham constituído um vínculo. 59 4.3 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DOS ESTUDANTES DIANTE DA PERDA DE PACIENTES As Estratégias de Enfrentamento estão ligadas às Reações dos estudantes, diante da morte dos pacientes. São os mecanismos de enfrentamento e de defesa, utilizados pelas pessoas para lidarem com um sofrimento ou situação difícil que estão vivendo. Dessa maneira, o conceito de estratégia de enfrentamento refere-se, às estratégias que promovem uma adaptação dos indivíduos às situações estressantes que ele enfrenta. Assim, de acordo com Cerqueira (2000) apud Zakir (2003), o coping, que pode significar “ajustamento” ou enfrentamento, tem como centro, os acontecimentos da vida dos indivíduos, que podem ser as perdas, as dificuldades, fatos inesperados ou tragédias. O coping apresenta uma distinção na sua forma de atuação. Segundo Zakir (2003), essa distinção está relacionada às estratégias de enfrentamento, que estão voltadas para a emoção e outras que estão voltadas à ação dos indivíduos para a resolução de seus problemas, diante de uma situação que provoca estresse. As pessoas terão maneiras particulares e singulares de lidar com a morte. Elas enfrentam a morte de acordo com a sua cultura. Porém, há maneiras de perceber a morte que são universais. Para Rosenblatt (2001 apud DOLL, 2002, p. 1000), A morte é percebida em todas as culturas como um problema, e a reação de luto à perda do parceiro ou de uma pessoa querida também se encontra em todos os lugares. Porém, a forma concreta de lidar com a morte e de expressar o luto varia muito, dependendo da cultura na qual a pessoa vive e pode ir de um rápido passar adiante até uma obrigação de mostrar tristeza, dor e desespero durante um longo período. Diante dessas considerações, a partir de agora serão apresentadas pelas narrativas dos estudantes, as estratégias que eles utilizaram, para lidarem com a questão da morte no contexto hospitalar, bem como as suas reações diante dessa situação. O relato da E3 expressou suas estratégias de enfrentamento, da seguinte maneira: “(...) porque tem essa parte assim que eu sou muito religiosa, eu acredito, né, tudo, mas eu to sempre brigando com Deus, porque se ele não faz as coisas que eu peço, ai porque aqui no hospital tem uma santinha lá em baixo e uns peixinhos, daí volta e meia eu vou lá, olho pra ela e peço uma ajuda (...)” E3 60 A estudante 3 relatou que é muito religiosa, que acredita em Deus e às vezes pede ajuda para uma santinha que existe no hospital. O fato de ela ser muito religiosa, de crer em algo, é uma maneira dela enfrentar as situações difíceis. Essa estratégia de enfrentamento apontada pela estudante, através de práticas religiosas está relacionada ao coping focalizado no problema, bem como o coping focalizado na emoção, onde o indivíduo busca também enfrentar uma situação estressante, como nesse caso, a perda de pacientes através de comportamentos religiosos, que trazem sentimentos de esperança e fé. (E. M. F. SEIDL & COLS, 2001). Há exemplos de ações realizadas pelas pessoas, no aspecto espiritual para enfrentarem uma situação difícil. Lorencetti e Simonetti (2005) citam que, o enfrentamento pelo aspecto espiritual se dá, quando o indivíduo, por exemplo, participa de atividades religiosas, lê livros, conversa com padres, pastores e utiliza orações. Nesse caso, a estudante utilizou a oração, como uma estratégia de enfrentamento diante da morte dos pacientes. A E3 relatou outras estratégias de enfrentamento, na sua fala seguinte: “(...) Então assim, eu já pensei muito mais sobre isso, né, na fase inicial,... porque daí eu entrei no hospital e já de cara um paciente morreu, né. Então eu acho que de uma certa forma me fez cair a ficha, eu acho que de uma vez: olha, você ta num ambiente que é assim que funciona e isso pode acontecer, então você tem que procurar sentir também, né, os mecanismos de defesa ou de adaptação que vão te propiciar, de enfrentamento pra ti poder ajudar o outro, né, porque é importante que a gente tenha isso bem estabelecido, não digo bem, que um dia tu não vai pegar um paciente e ele vai morrer e tu não vai chorar, eu acho que tu tem o direito e acho que até é uma forma adaptativa tua, né (...)” E3 Nessa fala então, a estudante pontuou que, conseguiu encontrar os recursos adaptativos para lidar com a morte no seu estágio de Psicologia Hospitalar, ressaltando também que o ato de chorar pode ser da mesma maneira, uma forma adaptativa. Nesse sentido, de acordo com outros relatos feitos pela estudante, constatou-se que ela reagiu diante da perda de pacientes, deixando de lado suas emoções naquele momento, a fim de ter condições para auxiliar àqueles que estavam precisando da sua ajuda. De acordo com Lorencetti e Simonetti, as estratégias de enfrentamento ou mecanismos de coping, dividem-se em padrões diretos e indiretos. Os padrões diretos contêm habilidades para solucionar problemas, afetando as suas demandas. E os padrões indiretos são aqueles que não modificam as demandas, mas promovem o ajuste do indivíduo às situações que não podem ser resolvidas. As estratégias utilizadas através desse modelo, que é o coping paliativo, contêm os mecanismos de negação, repressão, isolamento ou fuga. Nesse caso, foi 61 utilizada a estratégia de enfrentamento com foco na emoção, a qual, sua principal função seria regular a resposta emocional causada pela situação estressora. Sendo assim, percebeu-se que a estudante enfrentou a situação naquele momento possivelmente através da repressão de seus sentimentos e emoções. Na sua última narrativa, aí a estudante 3 expressou a maneira como vivenciou as suas emoções e sentimentos, provocados pela morte dos pacientes: “(...) Assim, por exemplo, já me veio esses sentimentos assim de ter passado aqui esses processos de morte, tomando banho no chuveiro, de repente vem: ai, que saco, a morte... Então é bem louco assim ou no ônibus eu penso na morte, quando eu to no chuveiro, deitada e assim, eu não, eu procuro não evitar isso, porque é uma forma de me acalmar também, sabe, me deixa mais aliviada (...) é importante que tu esteja vendo isso sempre, o que ta acontecendo em ti.” E3 Na última narrativa, a estudante expressou que vivencia esses sentimentos e pensamentos em relação à morte, em diversos lugares e situações, fora do contexto hospitalar, sem evitar isso, porque faz com que ela sinta-se calma e aliviada, ressaltando a importância de estar sempre percebendo o que está acontecendo consigo. A estudante precisou vivenciar essas emoções, para que se sentisse melhor. Essas são estratégias de enfrentamento baseadas na emoção, são as defesas internas que a pessoa busca para aliviar o seu sofrimento. “Enfrentamentos favoráveis acarretam emoções positivas; enfrentamentos desfavoráveis ou a impossibilidade de encontrar soluções causam angústia [...]”. (DOLL, 2002, p. 1007). Dessa forma, percebeu-se que, a estudante utilizou-se de estratégias de enfrentamento saudáveis, diante da perda dos pacientes. De acordo com Kovács (1992), é necessário viver esses momentos, expressando os sentimentos que são fundamentais para o desenvolvimento do processo de luto. Em relação à E2, a sua reação e a maneira como ela lidou com a perda do paciente ocorreu da seguinte forma: “Assim... eu fiquei em choque assim, eu não acreditava..., eu fiquei incrédula, né (...)” E2 62 “Da minha primeira paciente, a minha primeira reação foi chorar, segurar o choro, mas chorar assim. Chorei. E eu vou te dizer a minha segunda reação, eu fui lá me despedir (...) a gente tem uma reação meio de espanto, né (...)” E2 A E2 relatou duas situações nessas narrativas, onde experimentou reações diferentes. Numa situação de perda de um paciente, ela ficou chocada, não acreditava na morte e ficou incrédula. Já, na outra situação, as suas reações foram chorar e depois se despedir da paciente. Com relação ao fato da estudante 2 chocar-se com a morte de um paciente, como uma reação diante dessa perda, está relacionado ao processo de luto, bem como reagir através do choro, expressado na sua fala. Para Bowby (1985 apud Kovács, 1992), o processo de luto se dá em quatro fases: primeiro vem à fase em que a pessoa entra em choque, por algumas horas ou semanas, esta fase poderá vir acompanhada pelos sentimentos de desespero e raiva. No caso do choro, ele vem acompanhado pela esperança intermitente, os desapontamentos repetidos e outros que são caracterizados na segunda fase do processo de luto. Outra maneira da estudante enfrentar essa perda foi buscada, através de um ritual de despedida. Assim como na Idade Antiga, esse ritual é importante para a pessoa aceitar a perda. Segundo Camon (2003, p.75): Antigamente, o velório ocorria na casa do morto, contando com a participação da família, amigos, parentes e comunidade. O velório caracterizava-se pelo momento de rever e se despedir do falecido, estimulando as emoções, trazendo-as à tona para que se baixassem as defesas diante da situação de morte. As crianças participavam naturalmente do processo de despedida. O ritual durava dias e as emoções eram expressas de forma clara e direta. Vale lembrar a presença de carpideiras nos velórios, que tinham como objetivo evitar que as emoções fossem reprimidas. Essas mulheres, através de seus cantos e orações, facilitavam a expressão de sentimentos, evitando a “vergonha” de chorar ou sofrer pela perda, facilitando a elaboração do luto. As pessoas eram liberadas para viverem o seu processo de luto, podendo exteriorizar os seus sentimentos diante de uma perda, sem que isto fosse uma vergonha. (Kovács, 1992). Essas foram às reações e estratégias de enfrentamento apresentadas pelos estudantes, ao saberem da morte dos pacientes que eles atenderam. Percebeu-se que todas as estratégias apresentadas pelas estudantes foram consideradas saudáveis. A próxima categoria vai tratar sobre as dificuldades percebidas pelos estudantes, frente à situação de perda do paciente. 63 4.3.1 Dificuldades percebidas pelos estudantes frente à situação de perda do paciente As dificuldades sentidas pelos estudantes, com relação à morte e à perda de pacientes podem ser identificadas por diversas implicações. Neste caso, as dificuldades podem estar implicadas na formação acadêmica do psicólogo, bem como nas experiências e questões relacionadas à sua subjetividade e à sua vida pessoal. A morte é uma realidade dentro do hospital, que abala todas as pessoas que estão à sua volta e é uma situação que, familiares e profissionais da saúde e, em especial o psicólogo, enfrentarão diante do paciente hospitalizado. Segundo Camon (2002), ela representa a situação mais difícil de ser encarada por todas as pessoas, os familiares e amigos pela perda de seu ente querido e os profissionais da saúde, entre eles o psicólogo, por contribuírem e lutarem no contexto hospitalar para a manutenção da vida. Sendo assim, nesse momento, o trabalho se propõe a discutir sobre esse tema, que se define através das narrativas dos estudantes, como as dificuldades que eles enfrentaram diante da perda de pacientes. Nesses dados obtidos contém a falta de experiência dos estudantes, bem como a falta de discussão sobre esse tema essencial para a Psicologia que é a morte. Seguindo adiante com as falas, o E1 expressa suas dificuldades nos determinados discursos: “(...) deu pra vê que a morte não é um assunto que é debatido, a gente não tem aula que fale especificamente sobre a morte ou alguma disciplina, né (...) mas tipo assim, no curso eu acho que devia ter mais, ter mais espaço pra isso, ainda mais quando a gente vai pro hospital, né (...)” E1 “(...) quando eu tive a primeira experiência que eu fiz aquela cara assim e a colega já me deu assim um puxão, porque claro assim, a gente novinho assim, vamos começar o estágio, imagina né, tu acha o quê, ta a morte, a morte, estudamos sobre a morte e pouco ainda, né, porque na faculdade a gente tem bem pouca coisa sobre a morte, eu acho que a única matéria que eu estudei sobre a morte foi em sistêmica e aí, ainda tu acha que tu ta toda up pra ta ali, só que daí a gente vê que o buraco é mais embaixo, né. (...)” E3 64 Na primeira narrativa do E1, percebeu-se que foi difícil para ele, enfrentar a perda de pacientes em seu estágio no hospital. Ele percebeu essa dificuldade por não ter tido uma disciplina que trate especificamente da morte, ressaltando a necessidade de que haja mais espaço para discussões sobre o assunto Com relação ao relato da E3, a estudante expressou a sua dificuldade na primeira experiência de perda de um paciente, que foi no início de seu estágio, a necessidade que existe disso ser bem elaborado para que o estagiário não se coloque a chorar junto com a família. Além disso, a E3 pontuou a escassez de estudos sobre a morte, quando disse: ...estudamos sobre a morte e pouco ainda, né, porque na faculdade a gente tem bem pouca coisa sobre a morte, eu acho que a única matéria que eu estudei sobre a morte foi em sistêmica e aí, ainda tu acha que tu ta toda up pra ta ali, só que daí a gente vê que o buraco é mais embaixo, né. Diante dessa narrativa, a estudante 3 também relacionou a ausência de uma disciplina, que discuta sobre a morte, com as suas dificuldades e com a falta de preparo percebidos por ela, para lidar com essa situação. Diante disso, é necessário ressaltar a importância que têm estudos que abordam esse tema. De acordo com Camon (2002), somente há poucos anos, as faculdades de psicologia passaram a se preocupar com a necessidade dessa nova área. “Porém, nos currículos universitários, o tema ainda não é incluído, o que causa dificuldades, quando o psicólogo despreparado, adentra ao contexto hospitalar”. (CAMON, 2002, p. 134). Dessa forma, é importante que a Psicologia esteja mais atenta para essa realidade e possa oferecer uma formação que esteja mais adequada aos estudantes, abrangendo aspectos como esses que, também são essenciais para a atuação profissional dos psicólogos. Além dessa dificuldade, os estudantes apresentaram outras. O E1 expressou outras dificuldades enfrentadas também pela perda dos pacientes, diante da seguinte fala: “(...) eu sei que a morte não é algo desejado, mas saber lidar com ela no ambiente de trabalho, isso aí aumenta a qualidade de vida da pessoa. Você imagina assim: uma pessoa toda vez que vai atender alguém, ela pensa na própria morte, imagina: atende vinte pessoas, numa ala de pacientes terminais, aí cada paciente que ela vai atender, aí ela lembra que ela vai morrer também, né, isso aí gera um stress terrível. E tipo assim, muita gente que faz parte da psicologia, têm esse problema né, tem esse problema e é pouco discutido, imagina num ambiente de hospital, a gente né, eu nunca tinha lidado com essa situação, de atender pacientes terminais, pra mim no início isso foi um stress, no começo assim, pra mim foi bem estressante, mas aí depois eu comecei a me acostumar... Mas no início, eu não tava muito 65 confortável não, ali fazendo estágio, ah, eu não tava à vontade, tinha algo que me incomodava que era isso. (...)” E1 No segundo relato, o E1 pontuou que, a experiência de atender pacientes numa ala em que a morte está muito presente no cotidiano, faz com que a pessoa fique lembrando que ela vai morrer também e isso, segundo o estudante gera um estresse terrível. O estudante considerou também que isso é um problema para quem faz parte da psicologia e é pouco discutido. Expressou também a sua dificuldade no início de seu estágio, em lidar com a perda de pacientes, por ter sido bem estressante para ele, por não estar muito confortável e à vontade realizando aquela atividade, como também teve a compreensão de que, o que lhe incomodava era essa questão da morte naquele contexto. Através da narrativa do E1, constatou-se que toda vez que atendia um paciente terminal, ele lembrava na sua morte, o que gerava-lhe um estresse muito grande. Isso também, pode estar relacionado à não aceitação da angústia que ele vivenciava naqueles momentos. Diante dessa constatação, Zimerman (2000, p. 117) considera que: [...] morte e morrer são duas palavras que as pessoas costumam evitar dizer e duas questões sobre as quais a maioria procura não pensar. Essa dificuldade de conviver e de trabalhar com a idéia da morte atrapalha enormemente sua elaboração e impede que se lide com tranqüilidade com as perdas, que são naturais e ocorrem inevitavelmente ao longo da vida [...] O estudante acrescenta ainda neste relato, que a sua experiência no início foi bem estressante, que ele não se sentia confortável ao enfrentar à perda dos pacientes, no contexto de estágio hospitalar e que esse problema que é vivenciado pelos estudantes de psicologia, deveria ser mais discutido. De acordo com Camon (2002), a presença da morte no contexto hospitalar provoca tensão nos profissionais da saúde que, estão preparados e treinados para salvar vidas, mas sempre angustiados frente à perspectiva da morte, da derrota, pois a instituição hospitalar existe para a cura, não admitindo nada que transcenda esse princípio. A E3 apresentou outra dificuldade sua diante da morte, na seguinte fala: “(...) meu Deus, mas será que eu dou conta disso, fiquei assustada ao mesmo tempo, mas fiquei pensativa, ai, mas tem a minha família, mas a gente sabe esse elo assim (...)” E3 Neste relato, a estudante teve questionamentos em relação à sua condição de enfrentar ou não à perda de pacientes, levando-a pensar na sua família, no vínculo que tem com ela, deixando-a assustada. De acordo com Camon (2002), essa narrativa também está 66 relacionada ao fato de que o psicólogo, quando reconhece as questões que envolvem a morte, ele reporta aos seus sentimentos, questionamentos sobre a sua própria vida. Essa fala foi bem importante, porque retratou o quanto os estudantes podem transferir a questão da perda do paciente, para a sua vida pessoal. Considerando essas narrativas dos estudantes, percebeu-se que uma de suas dificuldades e talvez a mais importante a ser considerada no contexto de estágio de Psicologia Hospitalar, foi sentida com relação à ausência de disciplinas que tratem especificamente sobre o tema da morte. O passo seguinte a ser dado nesse trabalho será apresentar e discutir, analisando a categoria elaborada sobre: Experiências de perdas vivenciadas. Esse tema vai tratar sobre as experiências de morte que os estudantes tiveram nas suas vidas. Esses dados poderão ter grande relevância na pesquisa, a fim de identificar se, a falta de experiências vividas com relação à morte poderia trazer limitações para as intervenções dos estudantes, na sua maneira de lidar com a perda de pacientes, no seu campo de estágio. 4.3.2 Experiências de perdas vivenciadas As experiências que a pessoa tiver na sua vida, farão uma grande diferença na maneira como irão encarar determinadas situações. As vivências são muito importantes para o crescimento e a maturidade da pessoa. De acordo com Kovács (1992), a morte é encarada e percebida pelas pessoas de maneira diferente, pois está relacionada às suas vivências e ao seu conhecimento, bem como outros fatores que influenciam. Dessa forma, as experiências que os estudantes tiveram na sua vida pessoal, com relação à morte podem influenciá-los na sua percepção e enfrentamento diante dela. Sendo assim, esse ponto da análise se prestará a identificar com os dados, se na exposição dos estudantes, as experiências de perdas vivenciadas ou a ausência delas proporcionou dificuldades em lidar com a morte de pacientes por eles atendidos, no contexto hospitalar. Na entrevista do E1 não consta dados e informações, relacionados à experiência de perdas vivenciadas por ele. Já, no caso da E2, ela apresentou duas narrativas que estão relacionadas à ausência de experiência com morte: 67 “(...) Então eu acredito que hoje se tu me perguntar se eu to preparada pra morte de familiares, eu vou te dizer que não, porque eu nunca perdi, eu tenho as minhas duas avós, os meus dois avôs, eu tenho todo mundo da minha família, eu nunca perdi ninguém (...)” E2 Embora a E2 tenha tido uma experiência de perda de uma amiga, que foi relatada em outro relato, ela não se sente preparada para enfrentar a morte, porque ela nunca perdeu ninguém de seus familiares. Sobre essas experiências, a E3 relatou que: “(...) eu também não tive muitos processos de morte na minha família, então o único parente que eu perdi foi o meu avô, de toda a minha árvore genealógica, só o meu avô, então eu sou bem despreparada pra morte, né (...)” E3 Aqui nessa narrativa, a E3 expressou que sua falta de preparo para a morte é também decorrente de não ter tido muitas experiências de morte com seus familiares. A próxima narrativa será da E4, que também representou a falta de experiências de perdas com seus familiares. Ela expressou isso da seguinte maneira: “(...) Eu não tive na minha vida muitas situações de proximidade com a morte, eu tive dois familiares: um tio e um avô que morreram, únicas pessoas da família, próximas que morreram, então eu não tenho muito essa questão com a morte, muito de vivência mesmo com a situação da morte, sabe, mas fui primeiro pela questão teórica, né, do estudo, só que eu acho que apesar do conhecimento embasar melhor, de saber lidar melhor, o sofrimento existe e não vai sumir porque a gente entende melhor sobre a morte (...)” E4 Essa estudante relatou que, não passou na sua vida por situações de proximidade com a morte, não teve muitas vivências com relação a perdas. E ressaltou também que apesar do conhecimento, da questão teórica e do estudo proporcionar a ela um saber lidar melhor com a morte, o sofrimento existe. O sofrimento vivenciado diante de uma perda importante seja ela de familiares, amigos e até mesmo no caso de estudantes com relação aos pacientes, só pode ser negado a sua existência, porque mesmo com experiências e conhecimento ele não deixa de existir. As três estudantes entrevistadas relataram a falta de experiências vivenciadas com relação à morte, sentindo que não estão preparadas para enfrentá-la. Isso poderá ser um 68 indicador também de possíveis dificuldades apontadas por elas, em lidar com a perda de pacientes. Pelo discurso e percepção semelhantes, cabe nesse caso, realizar uma análise somente, pois as três falas apresentam os mesmos resultados. A maneira como a pessoa vai enfrentar a situação estressante causada pela perda, de acordo com Doll (2002), vai depender de fatores que poderão influenciar esse processo. Dessa forma, é preciso considerar esses fatores, como a circunstância da morte, o contexto em que ela se dá, o apoio social e a antecedência de doenças, mas principalmente a biografia e a estrutura psicológica da pessoa que vai viver o processo de luto. Diante disso, pôde-se perceber que, poucas experiências de perdas vivenciadas pelas estudantes foi fator considerado possibilitador de dificuldades, para lidarem com a morte dos pacientes, assim como o seu processo de crescimento. Ou seja, é possível que, se elas tivessem tido mais experiências de morte em suas vidas e uma maturidade psicológica suficiente, entre outros fatores que também são essenciais, enfrentariam melhor a perda de seus pacientes. 69 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse momento, o trabalho partirá para a etapa final, onde serão realizadas as principais considerações e apresentados os resultados essenciais a que essa pesquisa atingiu. As pessoas selecionadas para a realização dessa pesquisa foram estudantes de psicologia, que realizam estágio no Hospital de Caridade. Foram escolhidos 4 (quatro) estudantes com faixa etária entre 21 e 26 anos de idade, estagiários da nona e décima fases do curso de psicologia. O número de pessoas envolvidas nesse trabalho foi limitado, devido à dificuldade em encontrar estagiários que tivessem vivenciado a morte de pacientes por eles atendidos. A partir de agora, é importante ressaltar os pontos principais, que proporcionaram um entendimento e uma compreensão mais ampliada sobre a percepção dos estudantes de psicologia em relação à morte de pacientes hospitalizados, que foi o principal objetivo a ser alcançado. Sendo assim, em relação ao significado da morte, foi constatado que os estudantes apresentaram, na maioria de suas experiências pessoais uma compreensão diferente. Porém, o significado da morte enquanto o fim da vida, enquanto a finitude do ser humano foi apresentado por 3 (três) estudantes, sendo que um deles tem a representação da finitude como a limitação do ser humano. Uma (1) das estudantes significou a morte vivenciada como perda e mistério, enquanto 2 (duas) expressaram o entendimento da morte como uma passagem para algum lugar, através de uma concepção religiosa. A segunda etapa da análise se propôs a identificar os sentimentos, as emoções e pensamentos que os estudantes experimentaram diante da morte dos pacientes. Sendo assim, em relação aos sentimentos e emoções vivenciados por eles, identificou-se: a tristeza, a irritação e o medo diante da morte. Outros sentimentos importantes, identificados também pelas estudantes entrevistadas, foram: a impotência, a sensação de trabalho inacabado e a insatisfação com as intervenções profissionais realizadas, sentimentos estes, vinculados à sensação de fracasso, derrota e incompetência. É interessante enfatizar que os entrevistados teceram suas falas, sentimentos e emoções vivenciados enquanto estudantes, enquanto profissionais que lidam com a morte de pacientes hospitalizados. No entanto, também demonstraram sentimentos e emoções iguais às pessoas que perderam seus familiares e iniciam o processo de luto. Ainda nessa etapa, a análise identificou os reflexos mais marcantes que ocorreram aos estudantes em sua vida pessoal, ao saberem da morte dos pacientes. Entre esses 70 pensamentos foram identificados: reflexões sobre a vida e sobre a própria morte, sobre a finitude, constatando que esses pensamentos começaram a surgir no contexto hospitalar; pensamentos também que estão relacionados aos sentimentos de frustração e indignação pela morte; como também pensamentos que relacionam a hospitalização somente à recuperação e à cura dos pacientes e não à morte, visando à necessidade de trabalhar também com eles essas questões. O próximo aspecto da análise realizada foi identificar as estratégias utilizadas pelos estudantes, para lidar com a morte dos pacientes. Diante disso, foram identificadas as seguintes estratégias: comportamentos religiosos, como a utilização de orações, que trazem sentimentos de esperança e fé; a repressão dos sentimentos e emoções presentes na constatação da morte dos pacientes, no contexto hospitalar; a liberação e a vivência das emoções em outros lugares, fora desse contexto, como forma de sentir alívio e calma; o choro como uma reação e a realização de ritual de despedida do paciente. Além desse aspecto, foram constatadas dificuldades percebidas pelos estudantes, com a perda dos pacientes. Essas dificuldades foram identificadas como: ao atender o paciente terminal, os estudantes tiveram lembranças constantes com relação aos seus familiares, à vida e à própria morte e isso ocasionou um grande desconforto e estresses vivenciados por essa experiência; outras dificuldades também apontadas pelos entrevistados foram: a falta de discussões sobre a morte e a ausência de uma disciplina específica sobre o tema na formação acadêmica de psicologia, que foram percebidas por eles também, como desencadeadoras do despreparo para lidarem com essa situação no contexto hospitalar. Outro ponto a ser ressaltado também, está relacionado às experiências de perdas vivenciadas pelos estudantes. Eles relataram poucas experiências de morte vivenciadas, com relação aos seus familiares, como um dos motivos também, do despreparo deles para lidarem com a morte. Contudo, percebeu-se que além desses aspectos relevantes na pesquisa, identificados pelos dados obtidos, há outros que também precisam ser considerados. Existe a possibilidade do repertório comportamental reduzido, referente às estratégias de enfrentamento diante da morte, ocorrer devido à idade dos entrevistados (21 a 26 anos), bem como o contexto social vivido por eles. Há que se considerar também que, no processo de instrumentalização do estudante de psicologia, pressuponha a sua própria psicoterapia. Até aqui foi realizada uma síntese importante, sobre os resultados que essa pesquisa atingiu. Diante disso, vale ressaltar que os aspectos analisados através dos dados coletados, conseguiram responder aos objetivos que o estudo se propôs alcançar. 71 Esse estudo foi realizado por uma pesquisadora iniciante nesse processo de pesquisa, de investigação. Contudo, o seu método de abordagem procurou manter as devidas precauções ao lidar com a subjetividade dos estudantes de psicologia, que no contexto de estágio hospitalar se encontravam diante da morte, da perda de pacientes, situação esta que abala todas as pessoas que a vivenciam, mobilizando as estruturas emocionais e psíquicas de cada um. As dificuldades também se estendem ao pesquisador, que em outro momento também vivenciou no contexto de estágio hospitalar, a perda de pacientes, bem como em outros momentos, durante a realização da pesquisa, foi colega de seus entrevistados. Neste sentido, deve-se ressaltar a importância do Comitê de Ética na atenção, avaliação e decisão das condições em que os procedimentos dessa pesquisa foram realizados. A morte não é uma situação confortável, enfrentada pelos profissionais e por todas as pessoas que se deparam com ela, assim como não é fácil realizar um estudo de um tema tão profundo e complexo, como é a morte numa sociedade que prefere negar a sua existência, no lugar de enfrentá-la. Por isso, foi muito importante a realização dessa pesquisa, a fim de ampliar a percepção sobre a morte também como estudante, que em outro momento vivenciou essa experiência, podendo constatar emoções, sentimentos e dificuldades experimentadas, assim como as estratégias utilizadas para lidar com a situação, iguais ou parecidas com as dos colegas entrevistados. Esses fatos podem ter constituído um viés de pesquisa. Esse trabalho não tem a pretensão de levantar, junto às universidades brasileiras, a discussão sobre a importância que têm a inserção de disciplinas acadêmicas específicas sobre a morte e discussões sobre o tema, como também não terá esse alcance. Porém, ele poderá oferecer subsídios para se pensar em procedimentos que possam ser realizados pelos profissionais de psicologia, frente à morte de pacientes hospitalizados. Desta forma, poderá também apresentar meios de proceder com intervenções para a preparação do paciente para sua morte, preparação dos familiares para o enfrentamento da perda de seu ente querido e o processo de luto, a promoção de cuidados e atenção à equipe de saúde, especialmente, a preparação dos estudantes de psicologia, diante da perda de pacientes por eles atendidos. A morte é um tema de grande importância e profundidade na vida das pessoas, como também é uma situação bem impactante para quem a vivencia. Por isso, foi importante pesquisar e sem dúvida sempre será essencial a abordagem desse tema, que significa a finitude do ser humano. Sendo assim, percebe-se a necessidade de novas pesquisas que envolvem o tema, com a proposta de futuras investigações sobre os procedimentos ou intervenções realizados por estudantes (estagiários) ou profissionais das demais áreas especializadas da saúde. 72 6. CRONOGRAMA Atividades Qualificação do Projeto TCC - I Encaminhamento para o Comitê de Ética Revisão bibliográfica Coleta de dados Análise e interpretações dos dados Meses Jun. Jul. Agos. Set. Out. Nov. X X X X X Entrega da pesquisa TCC – II X Apresentação da pesquisa TCC – II X Quadro2: Cronograma de atividades Fonte: Elaboração da autora. 73 REFERÊNCIAS AIRÈS, Philippe. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro: F. Alves, 1977. ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto (Org). E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. ______. (Org.) Psicologia da saúde: um novo significado para a prática clínica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. ______ et al. 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Existe algo que você queira falar que não foi perguntado? 79 ANEXOS 80 ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA COMISSÃO DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP UNISUL TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Declaro que fui informado sobre todos os procedimentos da pesquisa cujo tema é “A percepção de estudantes de Psicologia em relação à morte de pacientes hospitalizados”. Estou ciente de que a pesquisa será realizada obedecendo aos seguintes critérios: a- O tempo de realização das entrevistas será de 40 a 50 minutos; b- O horário para a realização das entrevistas, será combinado com os participantes, considerando a disponibilidade dos mesmos e será agendada pelo próprio pesquisador com antecedência; c- Para o armazenamento das informações, a entrevista será gravada com a permissão do participante e posteriormente transcritas para que se possa garantir o registro de todas as falas do participante. Para o tratamento e análise das falas, serão feitos, após a realização das entrevistas, quadros com os questionamentos dela surgidos. A análise de conteúdo será feita através da descrição das falas do participante, com o intuito de concluir o conhecimento produzido; d- A pesquisa será realizada no Hospital de Caridade ou no local a ser combinado com o participante; e- Os instrumentos utilizados para a coleta de dados serão o guia da entrevista semiestruturada, previamente elaborado e o gravador de voz; f- No caso da pesquisa acontecer dentro do hospital, a pesquisadora estará vestida de acordo com as normas do mesmo, com um jaleco branco e sapatos fechados. Os riscos e desconfortos apresentados pela pesquisa são mínimos, porém no caso de haver desconforto emocional durante a entrevista, terei direito a interromper a entrevista e receber atendimento psicológico. Estarei contribuindo para a produção de conhecimento científico sobre a percepção de estudantes de Psicologia em relação à morte de pacientes hospitalizados. Este conhecimento poderá ser útil na atuação de profissionais psicólogos da área hospitalar. 81 Estou ciente que durante os procedimentos práticos deste estudo serei acompanhado pela pesquisadora. Declaro que fui informado sobre todos os procedimentos da pesquisa e que recebi, de forma clara e objetiva, todas as explicações pertinentes ao projeto e que todos os dados a meu respeito serão sigilosos. Eu compreendo que neste estudo as medições dos experimentos/procedimentos de tratamento serão feitas em mim. E que poderei ter acesso às informações da pesquisa a qualquer momento. Declaro que fui informado que posso me retirar do estudo a qualquer momento. Nome por extenso: ___________________________________________________________ RG: ______________________________________________________________________ Local e data: _______________________________________________________________ Assinatura: _________________________________________________________________ PESSOAS PARA CONTATO: PESQUISADOR RESPONSÁVEL: Alessandra d´Avila Scherer ALUNA RESPONSÁVEL: Eliani Santos NÚMERO DO TELEFONE: (48) 9156-8008 NÚMERO DO TELEFONE: (48) 96069340 ENDEREÇO: Rua Antonio Schroeder, n.º103 Apartamento 302. Barreiros – São José ENDEREÇO: Av Mauro Ramos, nº. 1754 Apto 41 Centro – Florianópolis 82 ANEXO B – Termo de Consentimento para Gravações de Voz UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA COMISSÃO DE ÉTICA EM PESQUISA - CEP UNISUL CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÕES DE VOZ Eu _________________________________________________________________ permito que o grupo de pesquisadores relacionados abaixo obtenha gravação de minha pessoa para fins de pesquisa científica, médica e/ou educacional. Eu concordo que o material e informações obtidas relacionadas à minha pessoa possam ser publicados em aulas, congressos, eventos científicos, palestras ou periódicos científicos. Porém, a minha pessoa não deve ser identificada, tanto quanto possível, por nome ou qualquer outra forma. As gravações de voz ficarão sob a propriedade do grupo de pesquisadores pertinentes ao estudo e sob sua guarda. Nome do sujeito da pesquisa e/ou paciente: __________________________________________ RG: ______________________________________________________________________ Endereço: _________________________________________________________________ Assinatura: ________________________________________________________________ Equipe de pesquisadores: Instituição de Ensino: Universidade do Sul de Santa Catarina – Fone: (48) 3321-3000 Professora: Alessandra d´Avila Scherer - Fone: (48) 9156-8008 Aluna: Eliani Santos - Fone: (48) 96069340 Data e Local onde será realizado o projeto: Florianópolis, __________________________________ Adaptado de: Hospital de Clínicas de Porto Alegre / UFRGS