UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR UNIDADE CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA DE CIÊNCIAS DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELECTROMECÂNICA EFEITOS BIOLÓGICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E DA RADIAÇÃO CARLOS MANUEL PEREIRA CABRITA LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOMÉDICAS 2008 Dedicado à memória de James Clerk Maxwell (Edimburgo, 13 de Junho de 1831 – Cambridge, 5 de Novembro de 1879) e a Nikola Tesla (Similjan, Sérvia, 10 de Julho de 1856 – New York, 7 de Janeiro de 1943). Ao primeiro, porque representa um dos expoentes máximos da capacidade intelectual da humanidade e, ao deduzir as suas equações, fez confluir entre si os fenómenos eléctricos e magnéticos, dando origem ao electromagnetismo, que, por sua vez, permitiu o nascimento no seio da ciência da indústria determinante da nossa civilização – exactamente a indústria electrotécnica. Ao segundo, porque, ao inventar o motor trifásico de indução e o transformador, e ao prever as comunicações sem fios, é muito justamente considerado o fundador da indústria electrotécnica. i PREFÁCIO Assim como o carvão representou a base energética da Primeira Revolução Industrial, a Electricidade é o combustível invisível da vida moderna. O aumento descomunal da utilização da electricidade prova, indubitavelmente, que a energia eléctrica tem um papel essencial na nossa sociedade, ao ponto de ser impensável imaginar-se o quotidiano actual sem se ter acesso a essa fonte energética. Sem dúvida que as tecnologias associadas ao electromagnetismo têm vindo a tornar a nossa vida bastante mais fácil, podendo afirmar-se que, por exemplo, a vida familiar e pessoal seria impossível sem a existência de electrodomésticos e dos equipamentos multimédia de lazer. Por outro lado, o desenvolvimento das telecomunicações e dos sistemas informáticos tem vindo a permitir a comunicação fácil e directa entre pessoas individuais, grupos e colectividades, sejam elas citadinas ou rurais. Todavia, a par de todas estas vantagens e benefícios altamente significativos, a electricidade apresenta os seus próprios riscos, muitos deles de extrema gravidade, como sucede com as electrocussões por contacto directo ou indirecto com condutores ou cabos eléctricos. Adicionalmente, a utilização da energia eléctrica resulta na geração de campos eléctricos e de campos electromagnéticos, ou seja, de campos electromagnéticos, que, ao cabo e ao resto, representam forças naturais invisíveis e encontram-se presentes sempre que exista electricidade. Contudo, os campos electromagnéticos são parte integrante e essencial da nossa vida, devido à sua presença em numerosas aplicações, o que obriga a uma exposição permanente que poderá conduzir ao aparecimento de efeitos biológicos nocivos e adversos, como se verá nos diversos capítulos deste livro. Poder-se-á afirmar que, desde o nascimento da indústria electrotécnica, nos finais do Século XIX, os seres vivos encontram-se rodeados de campos electromagnéticos criados pela própria humanidade, devido ao rápido desenvolvimento das centrais e redes de transporte de energia eléctrica, da rádio e da televisão, do radar, das comunicações celulares, dos electrodomésticos, dos equipamentos multimédia, e dos computadores, entre toda uma panóplia de sistemas que seria exaustivo descrever. ii A influência dos campos electromagnéticos em sistemas biológicos nasceu praticamente com Hipócrates, e tem vindo a ser estudada através da história, com muito mais realce, como não poderia deixar de ser, nos tempos modernos, devido aos efeitos nocivos eventualmente causados pelas antenas de comunicações e pelas linhas de alta tensão de transporte de energia eléctrica. Estes estudos continuarão a ser realizados e, por serem bastante complexos, obrigarão à constituição de equipas multi e inter-disciplinares, onde participarão médicos, biomédicos, engenheiros, biólogos, técnicos de saúde pública, técnicos de ambiente, e gestores de avaliação de situações de risco. A unidade curricular a que se destina este livro de apoio, representa exactamente um bom exemplo da miscigenação entre medicina, biomedicina e engenharia electrotécnica, e apresenta os seguintes objectivos, a seguir discriminados: • Descrição e compreensão dos fenómenos inerentes ao espaço electromagnético, através das quatro equações de Maxwell, que englobam em si todas as leis relacionadas com a electrostática, a corrente eléctrica, o campo magnético variável, e a indução electromagnética. • Descrição sucinta das fontes geradoras de campos eléctricos, de campos magnéticos, e de radiação de rádio-frequência. • Descrição e compreensão dos mecanismos de acção dos campos electroma-gnéticos sobre os sistemas biológicos. • Descrição e compreensão das bases para a modelização matemática relacionada com a absorção da energia dos campos electromagnéticos por parte dos sistemas biológicos. • Descrição e compreensão dos efeitos biológicos dos campos electromagnéticos de extremamente reduzida frequência e das rádio-frequências. • Descrição e análise dos efeitos terapêuticos dos campos electromagnéticos. • Descrição das medidas a adoptar, como prevenção das acções nocivas dos campos electromagnéticos. iii • Enumeração da regulamentação de segurança e de protecção, internacional assim como de diversos países, contra a exposição a radiações. Por outro lado, com a aprovação na unidade curricular em questão, os alunos adquirirão as seguintes competências profissionais, técnicas e científicas: • Capacidade para descrever os fenómenos inerentes ao campo electromagnético, através da recorrência às equações de Maxwell. • Capacidade para definir as vias a seguir conducentes à modelização matemática relacionada com a absorção da energia da rádio-frequência e dos campos ele-ctromagnéticos de muito baixa frequência por parte dos sistemas biológicos. • Capacidade para enumerar e discernir os tipos de equipamentos, industriais, domésticos, e utilizados em electromedicina, geradores de radiação electro-magnética. • Capacidade para descrever e enumerar os mecanismos e os efeitos da radiação electromagnética nos sistemas biofísicos. • Conhecimento das publicações internacionais – livros e revistas científicas e técnicas –, que expõem e divulgam os mais recentes resultados de investigação sobre este tema. • Conhecimento das regras e linhas de acção internacionais, de protecção contra os efeitos nocivos da exposição às radiações electromagnéticas. • Capacidade para formar e integrar equipas multidisciplinares com médicos e engenheiros electrotécnicos, com a finalidade de procurarem soluções técnicas com vista à protecção contra a exposição a radiações. • Capacidade para promover e desenvolver estudos, individualmente e em equipa, que procurem relacionar determinados tipos de doenças e anomalias com a exposição a radiações. • Capacidade para elaborar relatórios técnicos, que descrevam e explicitem os modos de assinalar os equipamentos potencialmente perigosos, assim como as medidas preventivas a adoptar. iv • Capacidade para integrar equipas de projecto de unidades hospitalares, onde existam equipamentos de electromedicina, com a finalidade de melhor localizar esses equipamentos. • Capacidade para participar em equipas de projecto e manutenção de equipamento electromédico. No que respeita à estrutura organizativa deste livro, ele contém cinco capítulos, onde se abordam, de uma forma aprofundada, os seguintes assuntos: Capítulo 1. Introdução – Perspectiva Histórica Descreve-se, do ponto de vista histórico, a existência e o aparecimento de campos electromagnéticos naturais e artificiais, isto é, criados pela humanidade, realçando-se que a radiação electromagnética representa uma forma de energia que é transmitida sob a forma de ondas às quais correspondem variações no espaço e no tempo do campo eléctrico e do campo electromagnético. Como consequência da existência dos campos electromagnéticos e da radiação, expõe-se, através da citação de experiências científicas iniciadas com o radar, alguns efeitos nocivos observados em animais e em operadores desse tipo de equipamento e, nessa sequência, cita-se ainda o International Electromagnetic Fields Project, criado em 1996 no âmbito da Organização Mundial de Saúde com a finalidade de se estudarem os efeitos ambientais e de exposição a campos eléctricos e magnéticos estáticos e variáveis no tempo, no sentido de se elaborarem normas de segurança e protecção. A terminar, apresentam-se alguns efeitos terapêuticos da utilização dos campos electromagnéticos em medicina. Capítulo 2. Electromagnetismo Define-se campo eléctrico e apresentam-se alguns aspectos relacionados com a electrostática. Define-se igualmente campo magnético e, da mesma forma, apresentam-se alguns aspectos do estudo da magnetostática. Como base da origem dos campos electromagnéticos, expõe-se ainda o fenómeno da indução electromagnética, descoberto e comprovado praticamente em simultâneo pelo v americano Joseph Henry e pelo inglês Michael Faraday, no Século XIX. Por outro lado, na medida em que reúnem em si todos os fenómenos do campo eléctrico e do campo magnético, estudam-se as quatro equações de Maxwell na forma integral, que é a de mais simples compreensão e, na sua sequência, cita-se a energia electromagnética, definindo-se e apresentando-se o vector de Poynting. Continuando com a teoria do electromagnetismo, estabelece-se a relação entre os campos electromagnéticos e a radiação, apresentando-se o espectro das frequências, expondo ao mesmo tempo os conceitos de radiação não-ionizante e de radiação ionizante. A terminar, descrevem-se as interacções entre os campos electromagnéticos e os materiais biológicos mais importantes – as células e os tecidos humanos. Capítulo 3. Campos Electromagnéticos de Frequências Extremamente Reduzidas Descrevem-se as fontes geradoras de campos eléctricos e magnéticos, em corrente contínua (magnetosfera, imagiologia através de ressonância magnética, linhas eléctricas em corrente contínua, como é o caso das catenárias ferroviárias), e em corrente alternada (condutores em instalações eléctricas, geradores eléctricos). Assinala-se e descrevem-se igualmente quais as origens dos campos electromagnéticos no meio ambiente – linhas aéreas de transporte de energia eléctrica, cabos subterrâneos de transporte e distribuição de energia eléctrica, subestações, transformadores, instalações eléctricas de baixa tensão, veículos rodoviários e ferroviários, fornos de indução industriais, electrodomésticos, terminais de vídeo. Atendendo a que, na maioria das situações, coexistem diversos equipamentos geradores de campos electromagnéticos, apresenta-se, em termos de compatibilidade electromagnética, as interferências que surgem frequentemente, como por exemplo a acção dos telemóveis sobre os pacemakers cardíacos assim como sobre outros equipamentos médicos de apoio à vida. Descrevem-se igualmente os efeitos biológicos dos campos electromagnéticos – interacção com os sistemas biológicos, relação com o cancro, estudos em animais, e estudos em humanos (sistema nervoso, sistema cardiovascular, síndroma da fadiga crónica, sensibilidade à electricidade, alterações visuais, consequências de choques eléctricos directos e indirectos). Como consevi quência, apresentam-se os resultados de estudos epidemiológicos – epidemiologia, leucemia infantil, leucemia em adultos, tumores cerebrais, cancro mamário, cancro pulmonar, cancro da pele, cancro da próstata, doença de Alzheimer, demência, esclerose múltipla, depressão. A terminar, apresenta-se um subcapítulo que descreve em pormenor os aspectos relacionados com a protecção e segurança contra os efeitos nocivos dos campos electromagnéticos – normas de segurança, técnicas e procedimentos normalizados de medição dos campos eléctricos e magnéticos, técnicas de inspecção em locais potencialmente perigosos, procedimentos de segurança. Descrevem-se ainda não só os objectivos do International Electromagnetic Fields Project, criado em 1996 pela Organização Mundial de Saúde, mas também quais os critérios de segurança contra a exposição a campos electromagnéticos, que resultaram desse projecto. Relativamente aos riscos de exposição a radiações não-ionizantes, expõe-se os níveis de segurança normalizados que deverão ser respeitados. Capítulo 4. Radiação de Rádio-Frequência Inicia-se este capítulo através da indicação do espectro das frequências de radiação, para os diversos equipamentos actuais, e descrevem-se e enumeram-se as fontes geradoras de radiação – geradores, linhas de transmissão de sinal, antenas, estações de transmissão de rádio e televisão, sistemas de radar, estações de recepção e rastreio de satélites, comunicações na banda das micro-ondas, equipamento de transmissão rádio-móvel, comunicações celulares móveis, comunicações multimédia sem fios, fornos microondas. Descrevem-se os efeitos biológicos da radiação de rádio-frequência – propriedades electromagnéticas dos materiais biológicos, propagação da radiação através dos materiais biológicos e sua absorção, efeitos térmicos e não térmicos, efeitos genéticos, proliferação e transformação de células, influência hormonal, estudos em animais, estudos em humanos. Apresentam-se os resultados obtidos através de estudos epidemiológicos realizados em humanos, cobrindo aspectos como a percepção auditiva, a actividade cerebral, o sistema cardiovascular, o sistema imunitário, os níveis de vii melatonina, e o aparecimento de cataratas, descrevendo-se igualmente os riscos a que se encontram expostas determinadas classes profissionais, como por exemplo os operadores de radar, os militares, o pessoal de telecomunicações e de radiodifusão, abordando-se ainda os riscos inerentes à exposição a transmissores de rádio e televisão, e a telefones celulares. Dada a sua importância, dedica-se um subcapítulo integralmente à descrição e análise das normas de protecção e segurança contra os efeitos nocivos das radiações de rádio-frequência, apresentando-se os regulamentos norte-americanos e os organismos legisladores, os regulamentos canadianos, os de alguns países europeus (Áustria, Bélgica, Finlândia, Alemanha, Itália, Holanda, Suécia, Suíça, Reino Unido, e Rússia), os de alguns países asiáticos (Austrália e Nova Zelândia, China, e Japão). Adicionalmente, apresentam-se os níveis de exposição considerados seguros, recomendados por dois importantes organismos internacionais – The International Radiation Protection Association, e The International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection. Atendendo a que a avaliação (dosimetria) da exposição a radiações, compreende duas partes – a primeira, envolve a avaliação dos campos incidentes, que são gerados por fontes externas e que poderão ser medidos ou calculados a partir das informações dessas fontes, enquanto que a segunda diz respeito aos campos internos dentro dos objectos –, optou-se por incluir um modelo de estudo das radiações de rádio-frequência (análise da densidade de potência e do campo eléctrico), e expor algumas técnicas e instrumentação de medida, e, como complemento, descrevem-se as precauções a adoptar em locais públicos. Na prática, torna-se fundamental conhecerem-se todos os locais onde os níveis de radiação ultrapassem os limites de segurança aceitáveis, no sentido de se protegerem não só as pessoas em geral mas também trabalhadores que permaneçam bastante tempo nesses locais, daí que se deva efectuar um cadastro exaustivo, para que se possam adoptar as medidas preventivas mais adequadas. Como tal, finaliza-se este capítulo com a descrição de resultados práticos obtidos no terreno em zonas de radiação, por exemplo onde existam antenas de rádio e de comunicações móveis, sistemas de radar, e sistemas de comunicação por rádio, apresentando-se como consequência as recomendações de segurança a adoptar. viii Capítulo 5. Aplicações Médicas e Efeitos Terapêuticos dos Campos Electromagnéticos Diversos estudos de biologia sugerem que os campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida, podem ter um profundo efeito numa gama variada de sistemas biológicos, incluindo fracturas ósseas e osteoporose. Por outro lado, a característica que aqueles campos electromagnéticos apresentam de induzirem efeitos biofísicos, parece residir no conteúdo da informação da própria forma de onda, daí que se possa talvez explicar em parte a sensibilidade dos sistemas biofísicos a esses campos, motivada pela interacção com os mecanismos de controlo presentes nas células. Todavia, os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, ainda está por explicar, continuando o debate acerca dos perigos potenciais do valor terapêutico dos campos electromagnéticos de reduzida intensidade, até que esses mecanismos sejam clarificados. Apesar disso, estes campos electromagnéticos são utilizados, com fins terapêuticos, no tratamento de fracturas, da osteoporose, e da esclerose múltipla, como se descreve neste último capítulo. Por outro lado, descrevem-se igualmente os efeitos terapêuticos relacionados com o aquecimento derivado da energia das radiações de rádio-frequência, no tratamento e ablação de determinados tipos de tumores e carcinomas. Capítulo 6. Técnicas de Imagiologia A imagiologia é uma das especialidades clínicas que mais depende da ciência física e da tecnologia em engenharia, e encontra-se directamente relacionada com o aproveitamento dos campos electromagnéticos como meio de diagnóstico fiável e seguro. Assim sendo, neste capítulo apresentam-se alguns conceitos relacionados com a radiação e a sua medição e protecção, sob a óptica clínica, e descrevem-se as bases físicas das diferentes técnicas, como sejam a radiologia convencional, a fluoroscopia, a radiografia digital, a angiografia, a tomografia computorizada, a ressonância magnética, a medicina nuclear, e a mamografia. A terminar, descreve-se ainda as modernas técnicas associadas à terapia por partículas como terapêutica do cancro. ix Bibliografia Este livro parece-nos, devido à elevada quantidade e variedade de temas abordados e expostos, ser suficiente para que os alunos compreendam toda a problemática relacionada com os efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos. Quanto aos restantes livros citados, contêm uma enorme variedade de assuntos interessantíssimos, apresentados na maioria das situações com uma profundidade científica notável, e poderão pontualmente contribuir para a formação especializada dos alunos, daí que se aconselhe que, no seu processo de auto-aprendizagem complementar, sejam consultados, na medida em que poderão esclarecer dúvidas e, ao mesmo tempo, indicar linhas orientadores de investigação futura. x CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO – PERSPECTIVA HISTÓRICA Desde as origens do nosso planeta até finais do Século XIX, o ambiente electromagnético terrestre, fraco em intensidade e de frequência reduzida, provinha de fontes naturais – isto é, do sol, da electricidade estática gerada entre núvens provocando descargas de elevadíssima tensão eléctrica vulgo trovoadas, assim como do próprio campo geomagnético terrestre. Contudo, desde o início do Século XX, com os notáveis desenvolvimentos da engenharia electrotécnica, que permitiram a construção dos mais variados equipamentos, desde geradores e motores, electrodomésticos, aparelhos de rádio, radares, telefones fixos e comunicações móveis, aos modernos sistemas utilizados em medicina, que o ambiente que nos rodeia representa uma miscigenação entre o magnetismo natural e os campos electromagnéticos artificiais, gerados por todos os equipamentos eléctricos e electrónicos desenvolvidos, criados e utilizados pela humanidade, coexistindo à nossa volta campos com uma grande gama de intensidades e de frequências. Assim como a força da gravidade e a energia nuclear, o electromagnetismo é uma força básica da natureza. Poder-se-á afirmar que a Radiação Electromagnética é uma forma de energia que é transmitida sob a forma de ondas às quais correspondem variações no espaço e no tempo do campo eléctrico e do campo electromagnético. Esta energia é utilizada e está na base de muitas das invenções do século passado, numa gama que compreende desde a informática aos telefones celulares, passando pela electrónica do automóvel, pela aviónica, e pelos sofisticados meios de diagnóstico em medicina. Ou seja, as ondas electromagnéticas são parte integrante da moderna vida actual – quem pode passar sem telemóvel ou sem televisão? Como reverso da medalha, em anos recentes tem vindo a ser comentado publicamente com cada vez maior insistência, que as ondas electromagnéticas, geradas quer por linhas de transporte de energia eléctrica – baixa frequência –, quer pelas comunicações móveis sem fios – muito altas frequências –, podem originar o aparecimento de um conjunto significativo de doenças graves, incluindo carcinomas. 1 Infelizmente, tem sido prática corrente nos meios de comunicação actuais, o surgimento de diversas polémicas acerca dos efeitos nocivos das radiações electromagnéticas, polémicas essas que, na esmagadora maioria dos casos, têm origem em fontes sem qualquer preparação técnica ou científica. Veja-se como o grande público, de uma forma geral, perante todos esses rumores, se comporta – ninguém imaginaria deixar de utilizar o seu telemóvel, porém bastaria que o traçado de uma linha de transporte de energia eléctrica se fizesse próximo de alguma habitação ou de algum aglomerado populacional de pequena dimensão, que teriam imediatamente lugar as habituais manifestações públicas de desagrado, sem quaisquer bases científicas, devido aos habituais receios do desenvolvimento de cancros. Em contrapartida, todos sabemos, uma vez que não existem quaisquer dúvidas quanto à sua elevada perigosidade, quais os riscos da exposição ao sol, aos raios X e aos raios gama, cuja frequência se encontra na banda acima dos 300 GHz (1 Gigahertz = 109 Hertz). As primeiras investigações levadas a cabo com a finalidade de se concluir dos efeitos nocivos das radiações, tiveram lugar um pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, devido à invenção do radar, que opera em onda curta (alguns GHz), e transmite feixes intensos de radiação. No final de 1940, iniciaram-se experiências com coelhos, tendo-se constatado que contraíam glaucoma após uma exposição de 10 minutos, com os seus olhos sujeitos a ondas curtas com uma densidade de potência de 3000 mW/cm2. Em Outubro de 1951 surgiram os primeiros casos de inflamação da retina e de glaucoma em técnicos de radar, e, em 1953, os engenheiros da Bell Labs recomendaram que o nível de segurança a adoptar deveria ser de 0,1 mW/cm2. Contudo, em 1955 todos os países da NATO, por indicação dos Estados Unidos, adoptaram o limite de 10 mW/cm2. Por outro lado, na ex-União Soviética, que já vinha a investigar as implicações nocivas das radiações electromagnéticas desde 1930, tinha já estabe-lecido, como nível de segurança às exposições, um valor 1000 vezes inferior ao adoptado no Ocidente, ou seja, 10 µW/cm2, muito provavelmente na sequência dos trabalhos de Pavlov, laureado com o Prémio Nobel da Medicina em 1904. As investigações têm continuado, de uma forma intensiva, em diversos países industrializados, sendo de salientar que, também na ex-União Soviética, ainda 2 na década de 1960, se iniciaram as pesquisas relacionadas com os perigos possíveis inerentes às radiações não-ionizantes, isto é, radiações que não provocam a ionização dos átomos dos meios sujeitos a essas radiações, geradas por cabos telefónicos, redes de transporte e utilização de energia eléctrica, transmissores de rádio e televisão, aparelhos electrónicos domésticos, fornos microondas, aparelhos de climatização, resistências de aquecimento dos soalhos, jogos electrónicos, equipamento informático, cobertores eléctricos, camas de água aquecidas, etc. Atendendo a que estes equipamentos fazem parte há muito do nosso quotidiano, as investigações sobre os efeitos nocivos deste tipo de radiação têm vindo a conhecer um incremento notável, no sentido de, por um lado, equacionarem-se quais as suas verdadeiras implicações negativas para a saúde pública e, por outro, poderem-se adoptar as medidas preventivas mais adequadas. Saliente-se que, no âmbito da Organização Mundial de Saúde, foi criado, em 1996, o International Electromagnetic Fields (EMF) Project, com a finalidade de se estudarem os efeitos ambientais e de exposição a campos eléctricos e magnéticos estáticos e variáveis no tempo, numa gama de frequências de 0 a 300 GHz, com a finalidade de se desenvolverem regras e linhas de conduta internacionais sobre os limites de exposição. Este projecto, de grande envergadura, envolveu 8 agências internacionais, 40 autoridades nacionais, e 7 centros de colaboração daquela organização. Além de todos os equipamentos de electromedicina desenvolvidos como apoio às actividades médicas, como por exemplo os bisturis a laser, os TAC, os electrocardiógrafos e os electroencefalógrafos, os ecocardiógrafos, as bombas cardíacas, a ressonância magnética, etc, um outro aspecto bastante interessante dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, consiste nas suas propriedades terapêuticas por exemplo no tratamento de doenças como o cancro, as fracturas ósseas e a osteoporose. É interessante recordar que Hipócrates foi o criador do bio-electromagnetismo, tendo tentado a cura de determinados tipos de cancro através das radiações solares. Dois mil anos mais tarde, Galvani tentou curar tumores, aneurismas e hemorragias por aplicação da electricidade e, em 1840, Recamier e Pravaz apresentaram um método de destruição do cancro do colo do útero através da electricidade, tendo-se utilizado correntes alternadas, na sequência dos 3 trabalhos de Helmholtz, Kelvin e Hertz. A partir de 1891, d’Arsonval (18531940) utilizou a auto-indução, em sessões de 20 minutos com correntes até 450 mA, na cura de reumatismos e artrites. Outros utilizadores dos efeitos terapêuticos da rádio-frequência foram Nikola Tesla (1856-1943) e Thomson (1853-1937), e, em 1926, os cirurgiões ingleses e americanos iniciaram as rádio-frequências em operações delicadas ao cérebro e à próstata, para tratarem hemorragias, e para controlarem a multiplicação precária de células. Diversos estudos de biologia sugerem que os campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida, podem ter um profundo efeito numa gama variada de sistemas biológicos, incluindo fracturas ósseas e osteoporose. Por outro lado, a característica que aqueles campos electromagnéticos apresentam de induzirem efeitos biofísicos, parece residir no conteúdo da informação da própria forma de onda, daí que se possa talvez explicar em parte a sensibilidade dos sistemas biofísicos a esses campos, motivada pela interacção com os mecanismos de controlo presentes nas células. Todavia, os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, ainda está por explicar, continuando o debate acerca dos perigos potenciais do valor terapêutico dos campos electromagnéticos de reduzida intensidade, até que esses mecanismos sejam clarificados. Apesar disso, estes campos electromagnéticos são utilizados, com fins terapêuticos, no tratamento de fracturas, da osteoporose, e da esclerose múltipla, sendo, por sua vez, os efeitos terapêuticos relacionados com o aquecimento derivado da energia das radiações de rádio-frequência, utilizados no tratamento e ablação de determinados tipos de tumores e carcinomas. 4 CAPÍTULO 2. ELECTROMAGNETISMO 2.1. GRANDEZAS E UNIDADES Ao longo deste livro de apoio, utilizam-se frequentemente as expressões Campo Electromagnético e Radiação, que convém explicitar em termos dos seus significados físicos. Assim sendo, o Espaço Electromagnético, definido pela primeira vez pelo cientista escocês James Clerk Maxwell, representa todo o espaço físico onde, por sua vez, em todos os seus pontos se manifestam fenómenos eléctricos e magnéticos, quantificados essencialmente através dos vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, sendo o Campo Electromagnético a interacção entre esses dois vectores. Como exemplo pode-se citar o caso de um simples motor eléctrico que equipa um electrodoméstico em que, no interior dos seus condutores, existe um campo eléctrico e, no seu circuito magnético nos troços no ferro e no ar, manifesta-se a existência de um campo magnético. Por outro lado, sob determinadas circunstâncias que serão descritas ao longo do texto, os campos electromagnéticos produzem ondas, que radiam a partir das suas fontes, daí a existência do vocábulo Radiação Electromagnética ou simplesmente Radiação. Como exemplo evidente, tem-se a radiação provocada pelas antenas de comunicações móveis e de rádio e televisão. Como se verá um pouco mais à frente, a interacção entre os campos eléctrico e magnético é descrita através das denominadas Equações de Maxwell, que permitem estudar e analisar todos os fenómenos, estáticos e variáveis no tempo, que se manifestam no espaço electromagnético. 2.1.1. Grandezas Escalares e Vectoriais Como é sabido da matemática e da física, uma grandeza que tem apenas magnitude e sinal algébrico, é designada por grandeza escalar ou simplesmente por escalar, como sucede por exemplo com o tempo t, a massa m, a potência P, e a energia W. Por outro lado, as grandezas que, além de possuírem magnitude, são ainda caracterizadas por apresentarem uma direcção e um sentido, são designadas por grandezas vectoriais ou simples- 5 r r mente por vectores. É o caso, por exemplo, da velocidade V , da força F , e do r vector densidade de fluxo eléctrico D . Como é habitual e do conhecimento geral, os vectores serão sempre representados em itálico encimados por um pequeno segmento com uma seta na sua extremidade direita, enquanto que o seu módulo, ou magnitude, será sempre representada pelo mesmo símbolo, r mas sem o segmento superior – por exemplo, B representa o vector densidade de fluxo magnético, enquanto que B é o seu módulo. Saliente-se que, no estudo do campo electromagnético, utilizam-se diversas grandezas escalares e vectoriais, como se verá de seguida. 2.1.2. Sistema de Unidades Na prática, a medição de qualquer grandeza física deverá sempre ser expressa através de um número seguido por uma unidade, unidade essa que é uma normalização através da qual uma dimensão pode ser expressa numericamente. Os sistemas de unidades são usualmente definidos através de siglas, que têm como significado as iniciais das unidades das suas grandezas fundamentais, tendo coexistido até há relativamente poucos anos, três sistemas de unidades: • Sistema CGS: grandezas fundamentais – comprimento, massa, tempo unidades – centímetro, grama-massa, segundo • Sistema prático ou gravitatório MKpS: grandezas fundamentais – comprimento, peso, tempo unidades – metro, kilograma-peso, segundo • Sistema MKS: grandezas fundamentais – comprimento, massa, tempo unidades – metro, kilograma-massa, segundo Note-se que o sistema MKS, introduzido por Giorgi em 1901, representa exactamente o Sistema Internacional de Unidades SI, adoptado universalmente com as siglas MKSA, devido à introdução da sigla A que representa a unidade Ampére da grandeza fundamental intensidade da corrente eléctrica. Este 6 sistema recomenda ainda que os múltiplos e os submúltiplos de todas as unidades sejam escritos em passos (steps) de 103 e de 10-3. 2.2. CAMPO ELECTROMAGNÉTICO 2.2.1. Grandezas do Campo Como o seu próprio nome indica, o campo electromagnético é um espaço físico onde coexistem, em interacção, campos eléctricos e campos magnéticos, podendo ser criados artificialmente, por exemplo, em sistemas de produção, transporte e utilização de energia eléctrica, através dos geradores, dos transformadores, das linhas aéreas ou dos cabos subterrâneos de transporte, das instalações eléctricas de baixa tensão domésticas e industriais, e por todos os receptores que utilizam essa energia, tendo esses campos origem na existência e no movimento de cargas eléctricas. Convém igualmente salientar que os campos electromagnéticos criados artificialmente encontram-se sempre presentes onde quer que existam equipamentos eléctricos, sejam electrodomésticos, motores eléctricos, antenas, ou equipamentos médicos. No nosso meio ambiente, existem igualmente campos electromagnéticos, de origem natural, como o próprio campo magnético terrestre, as tempestades com trovoadas, e as conhecidas auroras boreais, provocadas pela interacção entre o vento solar e o campo magnético do planeta. Apesar do campo electromagnético existir, não é possível ver nem sentir de forma directa a existência de campos eléctricos e de campos magnéticos, sendo no entanto possível medi-los e avaliá-los. Por exemplo, um simples condutor de uma instalação eléctrica doméstica em baixa tensão, sujeito a uma diferença de potencial que origine um movimento de cargas eléctricas no seu interior, será sede não só de um campo eléctrico devido ao movimento das cargas mas também de um campo magnético concêntrico – ou seja, este condutor, assim como todo o espaço envolvente, representam um espaço electromagnético. A energia electromagnética, artificialmente gerada por equipamentos e que se propaga através de ondas, interage não só com outros equipamentos geradores de ondas similares, podendo provocar anomalias – daí a importância crescente dos estudos sobre incompatibilidades electromagnéticas (veja-se a influência dos telefones celulares sobre os pacemakers cardíacos) –, mas 7 também sobre os sistemas biológicos, daí que seja essencial a compreensão de alguns conceitos físicos, que se apresentam seguidamente, para que se possa analisar e entender os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os materiais biológicos. Apesar das investigações iniciais dessa interacção se terem centrado essencialmente nos efeitos resultantes das exposições a campos de elevada intensidade, os estudos actuais debruçam-se cada vez mais sobre todas as possibilidades, incluindo a influência de campos electromagnéticos muito reduzidos. Apesar de, no espaço electromagnético, coexistirem campos eléctricos e campos magnéticos, muito provavelmente os efeitos biofísicos provocados por estes dois tipos de campos serão bastante diferenciados. Quanto às grandezas que caracterizam o campo electromagnético, elas são as seguintes, tanto vectoriais como escalares: • r Vector densidade de fluxo eléctrico ou vector deslocamento eléctrico D , de módulo densidade de fluxo eléctrico ou deslocamento eléctrico D. r • Vector densidade de corrente J , de módulo densidade de corrente J. • Vector densidade de fluxo magnético B , de módulo densidade de fluxo r B. • r Vector intensidade do campo eléctrico E , de módulo intensidade do campo eléctrico E. • r Vector intensidade do campo magnético H , de módulo intensidade do campo magnético H. • Constante dieléctrica, ou permitividade, do meio (material) dieléctrico ε. O seu valor no vazio é ε0 = 8,854 x 10-12 farads/metro (F/m). • Condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ. • Permeabilidade magnética do meio (material) magnético μ. O seu valor no vazio é μ0 = 4 π x 10-7 henries/metro (H/m). Outra constante importante utilizada em electromagnetismo, é a velocidade de propagação das ondas electromagnéticas no vazio (velocidade da luz no vazio), c = 3 x 108 metros/segundo (m/s). Na disciplina científica electromagnetismo, é canónico efectuar-se o estudo da electrostática (cargas eléctricas e 8 campo eléctrico invariantes no tempo), da corrente eléctrica estacionária (corrente contínua, em que as grandezas intervenientes são invariantes no tempo), da magnetostática (campo magnético gerado por corrente contínua, sendo as grandezas intervenientes igualmente invariantes no tempo), e dos campos eléctricos e magnéticos variáveis no tempo. Como se verá um pouco mais à frente, estes estudos têm todos eles como base as 4 Equações de Maxwell, que serão apresentadas de uma forma generalizada, mas que, para cada estudo concreto, são particularizadas. Um outro aspecto importante, para que se fique com a noção clara de que existem similaridades entre a electrostática, a corrente eléctrica estacionária e a magnetostática, consiste exactamente na apresentação dessas similaridades não só entre grandezas vectoriais mas também entre grandezas escalares, como se mostra no quadro 2.1. Estudo Grandezas vectoriais Grandezas escalares Electrostática E D ε Corrente Estacionária E J σ Magnetostática H B µ Quadro 2.1 – Grandezas características do campo electromagnético e similaridades entre elas. 2.2.2. Campo Eléctrico Como é sabido, o átomo é electricamente neutro, sendo constituído por um núcleo com protões, isto é, cargas eléctricas positivas, e por electrões, ou seja cargas eléctricas negativas, que, em número igual aos protões, giram em órbitas em torno do núcleo. Estas cargas eléctricas encontram-se presentes no vácuo, no ar e no interior de condutores – quando os electrões se movimentam no interior dos condutores e cabos eléctricos, tem-se a conhecida corrente eléctrica; porém essas cargas podem-se movimentar no espaço de um local para outro, criando assim a denominada electricidade estática, cujos efeitos são por nós conhecidos, como por exemplo quando os nossos cabelos se dispõem de uma forma erecta perante um objecto electrizado ou quando se “apanha” um pequeno choque eléctrico ao tocar-se na estrutura metálica de um 9 automóvel. Outro exemplo típico, natural, consiste nas trovoadas, em que as nuvens, ao movimentarem-se na atmosfera, ficam carregadas fortemente com cargas eléctricas, devido ao atrito com o ar. Sempre que existam cargas eléctricas em movimento no interior de um condutor, ou quando há cargas eléctricas de sinal contrário, separadas entre si, existirá um vector intensidade do campo eléctrico E, que permite definir e avaliar a diferença de potencial, ou tensão eléctrica, U, devida a essa separação de cargas. Esta tensão, entre dois pontos do espaço ou entre dois pontos de um condutor, pontos esses que se encontram, genericamente, aos potencias eléctricos absolutos V1 e V2, é definida matematicamente como r sendo a circulação do vector intensidade do campo eléctrico E entre esses dois pontos, ou seja: r r U = V1 − V2 = ∫s E • ds sendo ds o vector de definição do caminho de circulação do vector campo eléctrico. Se estes dois vectores forem colineares, isto é, se tiverem a mesma direcção e o mesmo sentido, como sucede entre as armaduras paralelas de um condensador plano ou no interior de um condutor eléctrico, ao resolver-se o integral obtém-se: U = V1 − V2 = E s sendo s, em metros (m), a distância entre os pontos 1 e 2. Esta tensão eléctrica, expressa em joules/coulomb (J/C), equivalente em termos dimensionais ao volt (V), representa o trabalho necessário para mover uma unidade de carga eléctrica entre aqueles dois pontos 1 e 2. Como se constata, através da última expressão, quanto mais elevada for a tensão eléctrica ou quanto mais próximas estiverem as cargas entre si, mais intenso será o campo eléctrico, cuja intensidade tem como unidade o newton/coulomb (N/C), dimensionalmente equivalente ao volt/metro (V/m). Basicamente, os campos eléctricos podem ser representados de uma forma gráfica, como se mostra na figura 2.1, considerando apenas uma única carga (a), em que as linhas de força do vector campo eléctrico são radiais, ou então considerando duas armaduras planas, paralelas, carregadas com cargas eléctricas de sinais contrários (b). 10 Figura 2.1 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico: (a) – devidas a uma única carga eléctrica (b) – devidas a duas armaduras paralelas (condensador). Por sua vez, na figura 2.2 mostra-se o campo eléctrico na zona envolvente do coração humano, destacando-se as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico assim como as linhas equipotenciais, isto é, as linhas cujos pontos se encontram todas elas ao mesmo potencial. Note-se que se têm duas cargas eléctricas iguais, mas de sinal contrário, constituindo o que se designa por dipolo eléctrico. Figura 2.2 – Linhas de força do campo eléctrico e linhas equipotenciais no coração humano. Por outro lado, observa-se ainda que as linhas equipotenciais são perpendiculares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e, além disso, quanto mais próximas essas linhas equipotenciais se encontram das respectivas cargas mais elevado é o valor do potencial eléctrico. 11 Este facto deve-se à seguinte expressão: r E = − ∇V em que ∇ é um operador vectorial diferencial, conhecido da análise matemática, representando ∇V o gradiente do potencial eléctrico V. Por conseguinte, esta expressão diz-nos, por um lado, que as linhas equipotenciais são perpendiculares às linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico, e, por outro, que o vector intensidade do campo eléctrico tem o sentido dos potenciais eléctricos decrescentes. Nas figuras 2.3 e 2.4 são visíveis estas constatações. Figura 2.3 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e linhas equipotenciais, entre duas cargas iguais (140 pC), mas de sinais contrários. 12 Figura 2.4 – Linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico e linhas equipotenciais, entre duas cargas iguais (140 pC), e com o mesmo sinal. Relativamente à figura 2.3, conclui-se que cargas eléctricas com sinais contrarios repelem-se, enquanto que, como se pode ver na figura 2.4, cargas com o mesmo sinal atraem-se. Se, em lugar de cargas eléctricas, se tivessem por exemplo condutores eléctricos rectilíneos percorridos por correntes eléctricas invariantes no tempo, com a mesma intensidade, circulando com sentidos contrários ou com o mesmo sentido, os mapas apresentados seriam rigorosamente iguais, com a única diferença de que, em lugar da carga eléctrica Q, expressa em coulombs (C), se teria a intensidade de corrente eléctrica I, cuja unidade é o ampere (A), dimensionalmente idêntica ao coulomb por segundo (C/s). Saliente-se que este fenómeno, de atracção ou de repulsão entre condutores percorridos por correntes eléctricas, foi pela primeira vez descoberto e explicado pelo físico e matemático francês André-Marie Ampére, em 1820. 13 Do exposto anteriormente, constata-se assim que, quanto mais próximo nos encontrarmos de linhas áreas de transporte de energia eléctrica, de alta e muito alta tensão, por exemplo 110 - 220 - 750 kV, mais intensos são os campos eléctricos, daí os eventuais riscos inerentes da exposição a esses campos eléctricos. Na figura 2.5 mostram-se as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico electrostático, bem como as respectivas linhas equipotenciais, no espaço abaixo de uma nuvem de trovoada, carregada de cargas eléctricas. Nesta mesma figura desenhou-se uma figura humana assim como uma trincheira no solo, constatando-se, por um lado, que o campo eléctrico no fundo da trincheira é inferior a 2000 V/m, enquanto que, na cabeça do humano, é sensivelmente igual a 100000 V/m. Por conseguinte, durante a trovoada, o risco de electrocussão do humano, ao manter-se em pé, é elevadíssimo, ao passo que, se se deitar no chão da trincheira, é praticamente nulo (veja-se o conselho que se encontra escrito na filactera). Este desenho comprova cientificamente os sábios conselhos populares, a adoptar em campo aberto durante as trovoadas, adquiridos empiricamente mas contudo correctos, de que nunca se deve ficar em pé ou abrigarmo-nos debaixo de árvores, durante aquele tipo de intempéries. Figura 2.5 – Mapa das linhas de força do campo eléctrico electrostático (verticais), e das equipotenciais (horizontais, na perpendicular), debaixo de uma núvem de trovoada. 14 Por sua vez, na figura 2.6 mostram-se os campos eléctricos e as equipotenciais electrostáticas da atmosfera, numa situação de céu pouco nublado e com condições propícias ao aparecimento de trovoadas, sendo de salientar que o solo e a electrosfera constituem um enorme condensador de armaduras paralelas. As núvens mais carregadas (cumulo-nimbus), propícias ao desencadear de trovoadas, comportam-se como um potente gerador de cargas eléctricas, que vão carregando aquele condensador, deslocando-se as cargas eléctricas positivas para a electrosfera e as cargas negativas para a parte inferior dessas nuvens, concluindo-se que o campo eléctrico é bastante intenso. Em contrapartida, quando as condições climatéricas são amenas (céu limpo, núvens fracto-cumulus), os campos eléctricos são bastante reduzidos, e dirigem-se exclusivamente para o solo. Figura 2.6 – Campo eléctrico e equipotencias na atmosfera, em condições de céu pouco nublado e de aparecimento de trovoadas. Em electrostática, se se tiver um meio dieléctrico com uma constante dieléctrica, ou permitividade, ε, em F/m, onde existam cargas eléctricas estáticas, a relação entre a intensidade do campo eléctrico E (V/m) e a densidade de fluxo eléctrico, ou deslocamento eléctrico, D (C/m2), é dada pela seguinte expressão vectorial: r r D =ε E 15 Note-se que D representa uma medida do campo eléctrico em termos da carga eléctrica equivalente por unidade de superfície. Por outro lado, na prática, os materiais dieléctricos são os materiais isolantes utilizados em electrotecnia. Nas situações em que os vectores densidade de fluxo eléctrico e intensidade do campo eléctrico são colineares, pode-se escrever: D =ε E Quanto à constante dieléctrica, é ainda usual definir-se a constante eléctrica relativa εr, adimensional, tomando como referência a constante dieléctrica do vazio, ou seja: εr = ε ε0 Para a maioria dos materiais biológicos, os valores desta constante relativa situa-se entre 1 (como para o vácuo) e cerca de 80. Conforme se salientou anteriormente, o movimento de cargas eléctricas no interior de um condutor, origina o aparecimento de uma corrente eléctrica. Assim sendo, a relação entre a intensidade do campo eléctrico e a densidade de corrente no interior do meio condutor, é expressa através da seguinte expressão: r r J =σ E sendo a condutividade eléctrica do meio (material) condutor σ expressa em amperes/volt/metro (A/V/m), dimensionalmente equivalente a 1/ohm/metro (1/Ω/m). Havendo colinearidade entre os dois vectores, pode-se ainda escrever: J =σ E 2.2.3. Campo Magnético No subcapítulo anterior, o campo eléctrico foi estudado por meio de uma força de carácter eléctrico entre cargas, que actua sobre uma linha estabelecida entre essas cargas. Com o movimento de cargas eléctricas, outro tipo de força é exercida ao longo dessa linha entre cargas. 16 Esta força é representada através do vector intensidade do campo magnético r H , o qual é devido às cargas eléctricas em movimento no espaço ou no interior de condutores. Este vector, cujo módulo é H, expresso em amperes/metro (A/m), é perpendicular à direcção da corrente eléctrica, e descreve círculos concêntricos em torno do eixo longitudinal do condutor, como se esquematiza na figura 2.7. Por conseguinte, sempre que existam condutores percorridos por correntes eléctricas, estacionárias ou variáveis no tempo, existirão igualmente campos magnéticos no espaço envolvente, também estacionários ou variáveis no tempo. Ou seja, quem estiver próximo de linhas aéreas ou subterrâneas de transporte de energia, ou mesmo em insta-lações domésticas ou industriais, estará exposto a campos magnéticos e, consequentemente, aos seus possíveis efeitos adversos. Figura 2.7 – Linhas de força circulares do vector intensidade do campo magnético, originadas pela corrente eléctrica que circula no interior do condutor. Por conseguinte, existem campos magnéticos significativos gerados por centrais eléctricas, linhas de transporte de energia, subestações eléctricas, transformadores, catenárias de linhas ferroviárias eléctricas, painéis e anúncios eléctricos, motores, e electrodomésticos, campos esses que facilmente penetram noutros materiais, incluindo os tecidos humanos. Em geral, os campos electromagnéticos são bastante intensos junto às fontes que lhes dão origem, e diminuem bastante à medida que nos afastamos dessas fontes. Por outro lado, as pessoas não sentem directamente a presença dos campos electromagnéticos, todavia, quando a sua intensidade é elevada, podem causar uma sensação visual tremeluzente, temporária, denominada magnetophosphenes, que desaparece assim que a fonte do campo magnético é removida. 17 Quando um campo magnético, caracterizado pelo vector intensidade do campo magnético, penetra através de uma superfície seccional de um meio (material) magnético, de permeabilidade μ, como se esquematiza na figura 2.8, o vector densidade de fluxo magnético através dessa superfície é dado pela seguinte expressão: r r B=μH em que a densidade de fluxo é expressa em webers/metro quadrado (Wb/m2), unidade esta que é equivalente ao tesla (T), em homenagem ao físico e engenheiro Nikola Tesla. Existindo colinearidade entre os dois vectores, pode-se ainda escrever: B=μH Tal como em relação à constante dieléctrica, é usual definir-se a permeabilidade magnética relativa, tomando como base a permeabilidade magnética absoluta do vazio, ou seja: μr = μ μ0 Do ponto de vista do seu comportamento face aos campos magnéticos, os materiais são classificados em 3 categorias distintas: • Materiais diamagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente inferior à unidade, como é o caso do bismuto (0,99983), da prata (0,99998), e do cobre (0,999991). • Materiais paramagnéticos: A sua permeabilidade relativa é ligeiramente superior à unidade, como é o caso do ar (1,0000004), do alumínio (1,00002), e do palladium (1,0008). • Materiais ferromagnéticos: A sua permeabilidade relativa é bastante elevada, como é o caso do níquel (600), do ferro (5000), e do supermalloy (1000000). Na prática, os materiais são classificados em não-ferromagnéticos (diamagné- ticos e paramagnéticos), uma vez que a sua permeabilidade relativa se pode considerar igual à unidade, isto é, μr = 1, e em ferromagnéticos, com μr >> 1. 18 O fluxo magnético φ, expresso em webers (Wb), através de uma superfície de área S, expressa em metros quadrados (m2), conforme se representa na figura 2.8, é definido como sendo a totalidade da densidade de fluxo magnético através dessa superfície S. Supondo que as linhas de força do vector densidade de fluxo magnético são perpendiculares à superfície, tem-se: φ =BS = μ H S B área S Figura 2.8 – Linhas de força do vector densidade de fluxo magnético B através de uma superfície de área S. Como exemplificação, esquematiza-se na figura 2.9 o espectro das linhas de força do campo magnético gerado por um magneto permanente rectilíneo. Figura 2.9 – Distribuição de linhas de força do campo magnético, de um magneto permanente. 19 2.3. INDUÇÃO ELECTROMAGNÉTICA A magnetostática, como se compreende, representa o estudo do campo magnético com origem na corrente eléctrica estacionária, isto é, na corrente contínua. Como tal, todas as grandezas intervenientes, eléctricas e magnéticas, são invariantes no tempo. A magnetostática abrange igualmente o estudo dos materiais magnéticos permanentes, que possuem um campo magnético também ele invariante no tempo, não havendo a presença de correntes eléctricas estacionárias. Todavia, quando um condutor ou um enrolamento eléctrico se encontram sob a acção de um campo magnético estacionário no tempo, esse condutor ou esse enrolamento permanecerão inertes, isto é, não será gerada qualquer força electromotriz e, consequentemente, corrente eléctrica estacionária. Contudo, em 1831, em Londres, o físico inglês Michael Faraday descobriu que os campos magnéticos variáveis no tempo geram correntes eléctricas em circuitos fechados, também variáveis no tempo, desde que esses circuitos se encontrassem sujeitos à acção desses campos magnéticos. Este mesmo fenómeno, conhecido por indução electromagnética, foi igualmente constatado, quase em simultâneo mas de uma forma independente, pelo físico americano Joseph Henry, em Albany, no Estado de New York. Na prática, esse fenómeno é conhecido universalmente por Lei de Indução de Faraday, lei esta que é considerada como das mais importantes da história da humanidade, na medida em que representa a base teórica e científica para a construção, por exemplo, de geradores, motores, transformadores, e fornos de indução. Faraday, na sua investigação, concluiu que a intensidade da corrente induzida no circuito fechado é proporcional não ao fluxo que abraça, mas sim à taxa de variação negativa desse mesmo fluxo em ordem ao tempo. Para melhor compreensão, considere-se uma espira de condutor eléctrico, de forma rectangular, com um comprimento total s e com uma área total S, conforme se esquematiza na figura 2.10, sujeita à acção de um campo magnético variável no tempo, caracterizado pelo fluxo φ, perpendicular à superfície. Atendendo a que o campo magnético é variável no tempo, gera-se um vector intensidade do campo eléctrico no interior do condutor da espira, de módulo E também 20 variável no tempo, sendo assim a força electromotriz induzida na espira, f.e.m., variável no tempo, dada pela expressão: r r E ind = ∫s E • ds = E s φ S s Eind Figura 2.10 – Esquematização da Lei de Indução de Faraday. Por outro lado, o valor instantâneo desta f.e.m. é também dado pela seguinte expressão, que traduz, na sua forma original, a Lei de Indução de Faraday: E ind = − dφ dt Como o valor instantâneo do fluxo magnético φ, através da totalidade da superfície S da espira, é dado por: φ =BS ter-se-á, finalmente: E ind = − d (BS ) dt Analisando esta expressão geral da lei de indução, conclui-se o seguinte: • Se B for invariante no tempo, e se a espira for mecanicamente indeformável (S constante), a f.e.m. induzida é nula. 21 • Se B for variável no tempo e se a espira não se deformar, existe f.e.m. induzida, que tem a designação de f.e.m. estática ou de transformação, e é característica dos transformadores eléctricos. E ind = − S • dB dt Se B for invariante no tempo, mas se a superfície da espira for variável ou se rodar em torno do seu eixo de simetria longitudinal, existe f.e.m. induzida, que se designa por f.e.m. dinâmica ou de rotação, e representa a base da existência de geradores e motores eléctricos de corrente contínua e de corrente alternada. E ind = − B • dS dt Se B for variável no tempo e, em simultâneo, se a superfície da espira for variável ou se rodar em torno do seu eixo de simetria longitudinal, existe f.e.m. induzida, com as duas parcelas anteriores – estática e dinâmica. É característica dos motores de corrente contínua a trabalharem em corrente alternada, como é o caso dos pequenos motores que equipam diversos electrodomésticos. E ind = − S dB dS −B dt dt 2.4. EQUAÇÕES DE MAXWELL Como se estudou anteriormente, um campo eléctrico produz sempre um campo magnético e, inversamente, um campo magnético variável no tempo produz sempre um campo eléctrico. Esta interacção entre os campos eléctricos e os campos magnéticos dá origem a uma região do espaço físico designada por campo electromagnético, em que todos os seus fenómenos são traduzidos matematicamente pelas 4 Equações de Maxwell que, na forma diferencial, apresentam o seguinte aspecto, considerando os campos variáveis no tempo: 22 r r ∂B ∇×E = − ∂t r r r ∂D ∇×H = J + ∂t r ∇ •B = 0 r ∇ •D = ρ Nestas equações, e como já se salientou anteriormente, ∇ é um operador vectorial, representando ∇ • um produto interno ou escalar (divergência), e ∇ x um produto externo ou vectorial (rotacional). Por outro lado, ρ representa a densidade de cargas eléctricas estáticas em volume, expressa em coulombs por metro cúbico (C/m3). A primeira destas equações relaciona o rotacional do campo eléctrico num ponto do espaço com a variação da densidade de fluxo nesse mesmo ponto do espaço. Fisicamente, esta equação mais não é que a forma diferencial da lei de indução de Faraday. A segunda equação relaciona o rotacional do vector intensidade do campo magnético num ponto do espaço, com a densidade de corrente nesse mesmo ponto, compreendendo o segundo membro duas parcelas, representando a primeira o vector densidade de corrente de condução num meio condutor, e a segunda, a densidade de corrente de deslocamento num meio dieléctrico (lei de Ampere). As correntes de deslocamento surgem em qualquer dieléctrico desde que exista uma variação com o tempo do campo eléctrico. Note-se que as cargas eléctricas que se movimentam livremente no interior de um material sob a acção de um campo eléctrico designam-se por cargas livres, e que, sob a acção desse campo, deslocam-se livremente nos condutores, dando origem às correntes eléctricas de condução. Por outro lado, as cargas ligadas são cargas eléctricas que fazem parte da estrutura de alguns materiais e que são mantidas em determinadas posições por acção das forças de coesão moleculares, sendo o número de cargas ligadas positivas igual ao número de cargas ligadas negativas. Os materiais assim caracterizados são designados 23 por dieléctricos, ou materiais isolantes. Deste modo, quando um material isolante fica sujeito à acção de um campo eléctrico, as cargas ligadas positivas deslocar-se-ão no sentido dos potenciais decrescentes, enquanto que as cargas ligadas negativas se deslocarão no sentido contrário, isto é, dos potenciais crescentes, gerando assim as correntes de deslocamento eléctrico. Por conseguinte, devido à acção do campo eléctrico as cargas ficarão distribuídas à superfície do material, como sucede nos condensadores. Quanto à terceira equação, exprime a continuidade do fluxo magnético, isto é, diz-nos que as linhas de força do campo magnético fecham-se sobre si próprias (lei de Gauss para o campo magnético). Finalmente, a quarta equação relaciona a divergência do vector densidade de fluxo eléctrico com a densidade volumétrica de cargas estáticas (lei de Gauss para o campo eléctrico). Adicionalmente, existem ainda mais 3 expressões, já expostas e analisadas anteriormente, e que representam as denominadas equações de constituição dos meios (materiais), respectivamente isolantes, condutores e magnéticos: r r D =ε E r r J =σ E r r B=μH sendo de salientar que a segunda das equações representa a Lei de Ohm na forma diferencial. Se se particularizarem as Equações de Maxwell para a electrostática, para a corrente eléctrica estacionária, e para a magnetostática, obtêm-se, respecti-vamente, as seguintes equações: • Electrostática – como não existem correntes de condução e campos magnéticos, tem-se: r ∇×E = 0 r ∇ •D = ρ r r D =ε E 24 • Corrente Eléctrica Estacionária – como não existem correntes eléctricas de deslocamento nem campos magnéticos, tem-se: r ∇×E = 0 r r J =σ E • Magnetostática – como não existem correntes de deslocamento nem campos eléctricos, e a densidade de fluxo é invariante no tempo, tem-se: r r ∇×H = J r ∇ •B = 0 r r B=μH No estudo da corrente eléctrica estacionária, isto é, da corrente contínua, existe uma outra equação vectorial afim, r ∇•J =0 que explicita que as linhas de força do vector densidade de corrente são contínuas, fechando-se sobre si próprias. Ou seja, num circuito eléctrico não se verificam perdas na intensidade de corrente – por exemplo, se um determinado receptor necessitar de uma intensidade de corrente de 10 A para poder funcionar, quando se aplica aos terminais desse receptor a respectiva tensão eléctrica, a corrente que circulará nos condutores de ligação terá sempre a mesma intensidade, quer seja medida no condutor a montante ou no condutor a jusante desse receptor. Nas suas investigações, Maxwell concluiu que a luz mais não era que uma onda de propagação, composta de electricidade e magnetismo, predizendo assim a existência de ondas electromagnéticas a propagarem-se à velocidade da luz. O próprio Albert Einstein baseou-se nos trabalhos de Maxwell, prematuramente desaparecido, e que poderia ter desenvolvido a teoria da relatividade. Sem dúvida que o seu trabalho foi, a todos os títulos, notável e merecedor do Prémio Nobel, se tal já existisse no seu tempo. 25 Como informação complementar, que consideramos importante, na figura 2.11 mostra-se o campo magnético terrestre, simétrico, enquanto que, na figura 2.12, se pode observar a deformação causada pela radiação solar (vento solar). Figura 2.11 – Campo magnético terrestre, simétrico. Figura 2.12 – Deformação do campo magnético terrestre, devido à acção da radiação solar. 26 2.5. ENERGIA ELECTROMAGNÉTICA É sabido, da teoria dos circuitos eléctricos, que a potência P, expressa em watts (W), é igual ao produto da tensão eléctrica U, em volts (V), pela intensidade da corrente eléctrica I, em ampéres (A). Como a potência representa a taxa de variação da energia em jogo na unidade de tempo, a sua unidade (W) corresponde ao joule por segundo (J/s). Na prática, é também usual considerar-se a densidade de potência, isto é, a densidade de fluxo de potência, expressa em watts por metro quadrado (W/m2), e que representa a distri- buição de potência por uma determinada área. O fenómeno da energia electromagnética poder ser transmitida através do espaço sem se recorrer a meios materiais condutores, é uma das ferramentas de progresso mais importantes das modernas sociedades. Por conseguinte, há que contabilizar a potência tendo em atenção esse fenómeno, o que é feito r através do vector de Poynting P , definido através do produto externo ou vectorial dos vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, associados a uma onda de energia electromagnética: r r r P = E ×H A sua unidade é o (V/m) x (A/m) = (W/m2), sendo a sua direcção a da onda electromagnética. Este vector, perpendicular ao plano definido pelos vectores campo eléctrico e campo magnético, representa a densidade de potência vectorial instantânea associada aos campos electromagnéticos num determinado ponto, sendo função do tempo na medida em que o campo eléctrico e o campo magnético são igualmente variáveis no tempo. Por outro lado, a integração do vector de Poynting ao longo de uma superfície fechada conduz à potência total que flui através dessa superfície (teorema de Poynting). Atendendo a que a energia electromagnética está associada directamente aos r r vectores E e H , existe um efeito sobre as partículas atómicas carregadas electricamente, sobretudo os electrões, devido às suas massas serem reduzidíssimas. Adicionalmente, todas as partículas carregadas, que estejam em movimento, possuem um campo eléctrico e um campo magnético a elas associados. Por conseguinte, existe uma interacção entre os campos electromagnéticos exteriores e os campos electromagnéticos associados a essas par- 27 ticulas em movimento, resultando não só na alteração do campo eléctrico e do campo magnético das partículas, mas também no aumento da sua energia cinética. A absorção de energia por um meio (material) é definida como sendo a taxa específica de absorção, conhecida universalmente por specific absorption rate SAR, e que é igual ao quociente entre a taxa de energia transferida e a massa do material, sendo a sua unidade o watt por kilograma (W/kg). Para um campo electromagnético forçado, de forma sinusoidal, a SAR é dada pela seguinte expressão, para cada ponto do material: SAR = ( σ + ω ε ) sendo r E2 υ ω a frequência angular eléctrica do campo (s-1), e υ a densidade de massa do material, em kg/m3. A SAR total de um corpo é obtida por média aritmética dos valores das SAR calculados para todos os pontos do corpo. Atendendo a que o vector de Poynting resulta do produto vectorial entre os vectores campo eléctrico e campo magnético, constata-se que, para que esse vector não seja nulo, ou seja, para que a potência transmitida através do campo electromagnético exista, as direcções dos campos eléctrico e magnético não podem ser paralelas, sendo essa potência máxima quando os campos forem perpendiculares. Na prática, a potência transmitida é igualmente nula quando um dos campos não existe, como sucede na vizinhança de cargas eléctricas estáticas, devido à não existência de campo magnético. 2.6. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RADIAÇÕES r r Para campos electromagnéticos variáveis no tempo, os vectores E e H são dependentes entre si, podendo contudo ser independentes em determinadas situações. Na prática, para frequências de 20 - 30 kHz e superiores, os campos eléctricos e magnéticos não podem ser entendidos separadamente, ou seja, deverão ser estudados como um todo, que é a onda electromagnética. Estas ondas, previstas por Maxwell, através das suas equações, e tendo sido pela 28 primeira vez investigadas pelo físico alemão Heinrich Hertz, podem propagar-se livremente no espaço e com perdas através dos materiais biológicos. As ondas electromagnéticas de baixa frequência (tempo de período e comprimento de onda elevados) são usualmente referidas como sendo campos electromagnéticos, enquanto que as ondas electromagnéticas de muito alta frequência (tempo de período e comprimento de onda muito reduzidos) são designadas por radiação electromagnética ou simplesmente por radiação. Como se salientou anteriormente, as ondas electromagnéticas contêm um campo eléctrico E e um campo magnético H, perpendiculares à direcção de propagação das ondas, como se esquematiza na figura 2.13, propagação essa que, no vácuo e aproximadamente no ar, se faz à velocidade da luz, isto é, a c = 300 000 000 m/s, sendo a velocidade de propagação mais reduzida noutros materiais como por exemplo os tecidos biológicos. Quanto mais reduzido é o comprimento de onda, mais elevada é a quantidade de energia que é transferida para objectos similares em dimensão ao comprimento de onda. Figura 2.13 – Onda electromagnética, com os seus campos eléctrico e magnético, a deslocar-se ao longo do eixo z. Todas estas ondas são caracterizadas pelo tempo de período T, em segundos, pela frequência f, em hertzs, e pelo comprimento de onda λ, em metros, sendo usual exprimir a frequência apenas em hertzs para as ondas de muito reduzida frequência, como por exemplo na produção, distribuição e utilização de energia 29 eléctrica, enquanto que, para as ondas de radiação electromagnética, ou seja, de muito alta frequência, se utilizam os múltiplos Kilohertz (1 kHz = 103 Hz), Megahertz (1 MHz = 106 Hz), e Gigahertz (1 GHz = 109 Hz). Por exemplo, as ondas de rádio AM (modulação de amplitude, Amplitude Modulation) têm uma frequência de 1 MHz e um comprimento de onda de cerca de 300 metros, enquanto os microondas utilizam frequências de 2,45 GHz e comprimentos de onda de 12 cm. A frequência e o tempo de período encontram-se relacionados através da seguinte expressão: T= 1 f enquanto que o comprimento de onda no vazio (e, aproximadamente, no ar), está relacionado com a frequência por meio da seguinte expressão: λ= c f As ondas electromagnéticas consistem em minúsculos corpúsculos de energia, que são os fotões, sendo a energia de cada fotão proporcional à frequência da onda, de acordo com a seguinte expressão: eV =hf representando o primeiro membro essa energia, em electrões volts (eV), e h a constante de Planck, com o valor de 4,135667 x 10-15 eVs. Recorde-se que o electrão volt é a variação de energia potencial a que fica sujeito um electrão quando se movimenta de um ponto ao potencial V para outro ponto ao potencial V+1 volt. Por outro lado, a quantidade de energia de um fotão por vezes torna-o como que uma onda, enquanto que noutras, mais como uma partícula – é um fenómeno que, na física, tem a designação de dualidade onda- partícula da luz. Como exemplo desta dualidade, os fotões de baixa energia das ondas de rádio-frequência comportam-se mais como se fossem ondas, enquanto que os fotões de alta energia dos raios X parecem-se mais com partículas. 30 2.7. ESPECTRO DAS FREQUÊNCIAS ELECTROMAGNÉTICAS A evolução do espectro das frequências electromagnéticas nasceu com as descobertas de Maxwell, Hertz e Marconi, espectro esse que, actualmente, tem a configuração classificativa que se expõe na figura 2.14. Figura 2.14 – Espectro das frequências electromagnéticas. 31 Este espectro, que exemplifica para cada gama alguns equipamentos e sistemas típicos, estende-se das extremamente reduzidas frequências (extremely low-frequency ELF) e muito reduzidas frequências (very-low frequency VLF), à radiação de rádio-frequência (radio frequency radiation RFR), à radiação infravermelha (infrared radiation IR), à luz visível, à radiação ultravioleta (ultraviolet UV), aos raios X, e aos raios gama de frequências que excedem 1024 Hz. Por outro lado, este espectro é ainda dividido em duas zonas – radiação não ionizante, e radiação ionizante, encontrando-se a separação na zona da radiação ultravioleta. 2.7.1. Radiação Não Ionizante Esta radiação é caracterizada pelo facto de não possuir energia suficiente para causar a ionização em sistemas vivos. As fontes naturais – sol, radiação das estrelas, outras fontes cósmicas –, são muito poucas e extremamente fracas. Em contrapartida, com a explosão do desenvolvimento da engenharia electrotécnica, a densidade de energia electromagnética criada pelo homem é incomensuravelmente mais elevada que a energia electromagnética proveniente daquelas fontes naturais. Em geral, o sector não-ionizante do espectro das frequências electromagnéticas encontra-se dividido em três gamas principais: a) campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida, b) radiação de rádio-frequência, c) radiação óptica não coerente. a) Campos Electromagnéticos de Frequência Extremamente Reduzida Estes campos englobam todos aqueles cujas frequências não ultrapassam 3 kHz. Para esta gama de frequências, os comprimentos de onda no ar são bastante elevados – 6000 km a 50 Hz e 5000 km a 50 Hz – e, além disso, os campos eléctricos e magnéticos são independentes uns dos outros, sendo igualmente medidos separadamente. Estes campos são normalmente gerados por equipamentos de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, por equipamentos de comunicações estratégicas globais com submarinos imersos na água condutora, por toda a variedade de electrodomésticos e de equipamentos de escritório, por comboios eléctricos, por equipamento informático, e por motores eléctricos. Saliente-se que esta gama de frequências não é propícia para ser utilizada em 32 telecomunicações, devido à severa limitação de largura de banda e às dificuldades de se gerar energia através de antenas de dimensões razoáveis. b) Radiação de Rádio-Frequência Esta radiação, que é constituída por ondas electromagnéticas que se propagam no ar e no vácuo, e cujas frequências se situam entre 3 kHz e 300 GHz, são utilizadas em radar, comunicações por satélite, em rádio e televisão, em navegação aérea e marítima, em comunicações móveis sem fios, e em comunicações móveis celulares. A banda de frequências compreendida entre 30 kHz e 500 kHz, é designada por banda de baixa frequência (low-frequency LF), sendo utilizada essencialmente nas comunicações aéreas e marítimas. A banda de médias frequências (medium frequency MF), com comprimentos de onda inferiores a 200 metros, é normalmente utilizada por rádio-amadores, sendo a banda de altas frequências (high-frequency HF), entre 3 MHz e 30 MHz, aplicada nas comunicações internacionais tradicionais, por satélite. As bandas VHF e UHF, situadas entre 30 MHz e 3GHz, são especialmente utilizadas nas comunicações móveis sem fios, nas comunicações móveis celulares, e nas comunicações por satélite, encontrando-se as frequências das comunicações móveis celulares situadas nas gamas 800-900 MHz e 1700-2200 MHz. A frequência de 2,45 GHz é reservada para aplicações industriais, médicas e científicas, e para fornos microondas. Por outro lado, as frequências acima de 3 GHz são divididas em duas categorias – super altas frequências (3 GHz a 30 GHz) e extra altas frequências (30 GHz a 300 GHz) –, sendo utilizadas em radar, comunicações por rádio, e em serviços baseados em satélites. c) Radiação Óptica Não Coerente Conforme se pode constatar do espectro da figura 2.14, a fronteira entre este tipo de radiação e a radiação de rádio-frequência situa-se na zona dos comprimentos de onda de aproximadamente 1 mm. A radiação óptica é outra componente do espectro de frequências electromagnéticas em relação à qual os olhos humanos são bastante sensíveis, e compreende a radiação ultravioleta (UV) e a radiação infra-vermelha (IV). 33 Os raios ultravioletas (comprimentos de onda entre 5 nm e 380-400 nm), como é sabido, encontram-se presentes na luz solar, sendo igualmente gerados por diversas fontes artificiais, como por exemplo as lâmpadas e os monitores de TV e de computadores e, como é do domínio público, podem originar reacções fotoquímicas que conduzem a queimaduras graves e mesmo a cancros de pele (melanomas), quando a exposição é prolongada como sucede com os banhistas nas praias, com os trabalhadores rurais e com os trabalhadores da construção civil. Contudo, em doses de exposição muito reduzidas, têm efeitos benéficos na medida em que são responsáveis pela produção de vitamina D3, essencial à vida humana para se evitar o raquitismo. Por outro lado, estes raios, na sua maior parte, são retidos pela camada de ozono, que constitui uma protecção natural essencial contra os raios ultra-violetas, daí a grande preocupação com a sua redução, vulgo “buracos de ozono” em linguagem popular. A região da radiação ultravioleta compreende, por sua vez, três sub-regiões classificadas em função dos valores dos comprimentos de onda e dos respectivos efeitos biológicos: • Ultravioletas A (UVA), com comprimentos de onda entre 400 nm e 315 nm, que originam fenómenos de fluorescência em diversas substâncias. • Ultravioletas B (UVB), com comprimentos de onda entre 315 nm e 280 nm, que são os mais perigosos que atingem a terra através dos raios solares. • Ultravioletas C (UVC), com comprimentos de onda inferiores a 280 nm, e que ocorrem na radiação emitida por arcos eléctricos de soldadura, não existindo contudo na luz solar que atinge a terra na medida em que são absorvidos pelo ar. Quanto à luz visível, recebida pelos olhos, que a transformam em impulsos interpretados pelo cérebro, abrange uma gama muito estreita de frequências, estando o seu comprimento de onda compreendido entre 400 nm e 740 nm. Por exemplo, o arco-íris, que tanta beleza nos transmite, representa uma parte da luz visível. Finalmente, a radiação infravermelha (IV), com comprimentos de onda situados entre 750 nm e 1mm, inclui a radiação térmica, como sucede com o carvão em 34 combustão, que não emite luz mas sim IVs, os quais são sentidos como calor. Saliente-se que muitas das fontes emissoras de ultravioletas ou de luz visível, emitem também, provavelmente, infravermelhos. Estas fontes podem ser classificadas em naturais, como é o caso do sol, e em artificiais, caso das lâmpadas de descarga, as chamas, as lareiras, e os aquecedores eléctricos. A radiação infravermelha, tal como a ultravioleta, é subdividida em três bandas de acordo com os seus efeitos biológicos: • Infravermelhos A (IVA), com comprimentos de onda entre 0,78 μm e 1,4 μm. • Infravermelhos B (IVB), com comprimentos de onda entre 1,4 μm e 3 μm. • Infravermelhos C (IVC), com comprimentos de onda entre 3 μm e 1000 μm. 2.7.2. Radiação Ionizante Esta radiação comporta uma energia suficiente para conseguir remover electrões das suas órbitas atómicas, transformando os átomos em iões, daí a sua designação. Como exemplo de fonte de radiação ionizante, têm-se os núcleos de átomos instáveis que, para se tornarem mais estáveis, esses núcleos emitem partículas sub-atómicas e fotões de alta energia. Incluídos neste tipo de radiação, têm-se os raios X, os raios gama, e os raios cósmicos. Esta radiação de alta frequência, superior a 1015 Hz, é caracterizada por apresentar comprimentos de onda reduzidos e elevada energia, e pode causar alterações no equilíbrio químico das células, com consequências graves para os materiais genéticos. A radiação ionizante contém taxas elevadas de energia nos seus quanta de energia individuais – por exemplo, 12 eV ou mais –, tendo assim a capacidade de expelir electrões das órbitas atómicas, daí que seja extremamente perigosa para os seres vivos – cria radicais livres, aumentando assim os riscos de anomalias cromossómicas que poderão conduzir ao aparecimento de cancros. Note-se que, quando um átomo possui um número de electrões (cargas eléctricas negativas) nas suas órbitas, igual ao número de protões (cargas eléctricas positivas) do seu núcleo, a sua carga eléctrica total é nula, sendo 35 assim electricamente neutro. Todavia, quando adquire electrões a sua carga eléctrica total será negativa, tendo-se assim iões negativos e, no caso de perder electrões, ter-se-ão iões positivos, na medida em que a sua carga eléctrica total será positiva. Além disso, enquanto que os átomos, por serem electricamente neutros, não são nocivos, os iões, devido ao seu desequilíbrio eléctrico, são muito mais activos quimicamente que os átomos, daí que a radiação dita atómica – raios alfa, beta e gama –, é extremamente perigosa, podendo causar gravíssimos problemas de saúde a médio e longo prazo, em várias gerações, e causar a morte ao fim de muito pouco tempo. Veja-se as consequências das explosões atómicas em Hiroshima e Nagasaki, assim como do grave acidente na central atómica de Chernobyl. a) Raios X Estes raios, também designados por raios Roentgen, em homenagem ao seu descobridor, têm um comprimento de onda situado entre 10-9 m e 10-11 m, possuem energia elevada, e têm um largo poder de penetração, sendo produzidos quando os electrões situados num tubo de vácuo reagem com os átomos de metais pesados, usualmente o tungsténio. Os raios X possuem a capacidade de penetrarem nos tecidos vivos, assim como em diversos metais, daí as suas aplicações em electromedicina (radiografias), e em engenharia na inspecção de fendas superficiais em veios e em cordões de soldadura. Como fontes naturais, tem-se o sol assim como as restantes estrelas. b) Raios Gama Possuem os comprimentos de onda mais reduzidos do espectro das frequências electromagnéticas, situados entre 10-10 m e 10-14 m e, simultaneamente, são os que têm mais energia, sendo gerados por átomos rádioactivos e em explosões nucleares, apresentando um poder de penetração bastante superior ao dos raios X. Todos os elementos radioactivos criados pelo homem, como por exemplo o césio 137 e o plutónio 239, são fontes artificiais de raios gama. Estes raios conseguem atravessar totalmente o corpo humano ou serem absorvidos pelos tecidos, causando por conseguinte a morte de células em todo o corpo. Contudo, o facto de possuírem a capacidade de matarem células vivas, é aproveitado pela medicina oncológica para, em doses 36 muito reduzidas, eliminarem as células cancerosas – quimioterapia e radioterapia. 2.8. MATERIAIS BIOLÓGICOS Para que se possa não só analisar os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e o corpo humano, mas também compreender todos os efeitos indesejáveis desses campos, efeitos esses que, esporadicamente, também se designam por “poluição eléctrica ou electromagnética”, é fundamental conhecerem-se as características, ainda que de forma sucinta, das células e dos tecidos que compõem o nosso corpo. 2.8.1. Células Todos os seres humanos são formados por um conjunto de biliões de células vivas, que se agrupam entre si originando os nossos diversos órgãos, com a finalidade de desempenharem as funções vitais da vida humana. Como se sabe, existem células de diversas formas e tamanhos – por exemplo, as células musculares podem ter alguns milímetros de comprimento, enquanto que as células nervosas podem ter um comprimento superior a um metro –, tendo comummente apenas alguns mícrons de diâmetro. As células são constituídas, de uma forma geral, por uma fina membrana, que envolve toda a célula, pelo citoplasma, que é como que uma matéria gelatinosa encerrada na célula, e pelo núcleo. Contudo, nem todas as células possuem um núcleo. Por exemplo, algumas células musculares possuem vários, enquanto que as células que constituem os glóbulos vermelhos do sangue não possuem nenhum. No interior do citoplasma existem diversos tipos de pequenas estruturas designadas por organéis (organelles), com uma dimensão que varia de algumas fracções do mícron até um mícron, consequentemente com uma dimensão similar aos comprimentos de onda de determinadas ondas electromagnéticas, e que são responsáveis por determinadas funções metabólicas. As células biológicas, além de serem estruturas muito complexas, possuem ainda cargas eléctricas de elevada energia, que podem alterar a sua orientação e o seu movimento, quando sujeitas à acção de campos eléctricos exteriores, como se ilustra na figura 2.15, onde se constata que, devido ao campo eléctrico 37 E, as cargas eléctricas positivas alteram a sua distribuição, concentrando-se fortemente na zona da célula mais próxima da acção desse campo. Por conseguinte, as interacções entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos são analisadas através das células, mais concretamente através das interacções com a membrana celular, com o citoplasma, e com o núcleo. Figura 2.15 – Estrutura eléctrica da célula humana, e influência da acção de um campo eléctrico exterior (a) – distribuição de cargas eléctricas, em situação normal (b) – redistribuição de cargas eléctricas, devido ao campo eléctrico E O núcleo das células contém a maioria da informação hereditária contida nos genes e nos cromossomas, sendo os genes, como é sabido, constituídos pelo ácido desoxiribonucleico ADN (deoxyribonucleic acid DNA), que apresenta a forma de uma hélice. Quando uma célula se reproduz, utiliza toda a informação armazenada no material genético do núcleo, sendo este material codificado como uma longa sequência de diferentes moléculas orgânicas existentes no ADN que, por sua vez, controla muitas das actividades celulares através da sintetização de proteína, que, por sua vez, recorrendo às moléculas de ácido ribonucleico ARN (ribonucleic acid RNA), sintetizadas pelo ADN, transfere informação através do citoplasma das células, em três fases: • Transcrição: Formação do “mensageiro” ARN a partir do ADN. • Translação: Síntese da proteína, através do “mensageiro” ARN. • Replicação: Duplicação do ADN. 38 As células crescem, alteram-se e reproduzem-se através de um processo contínuo, denominado mitose (mitosis), que começa no núcleo através da duplicação e igual distribuição de cromossomas, e apresenta quatro fases: • Profase (prophase): Os cromossomas aparecem fora do ADN, desaparecendo a membrana à volta do núcleo. • Metafase (metaphase): Os cromossomas alinham-se ao longo do plano equatorial. • Anafase (anaphase): Os cromossomas separam-se. • Telofase (telophase): As células dão origem a duas novas células. As células sem núcleo não se conseguem dividir, enquanto que outras dão origem aos embriões. Uma vez que a mitose compreende diversos processos que podem ser afectados pela exposição a campos electromagnéticos, é dada uma grande importância no que respeita aos cuidados a ter pelas grávidas, relativamente a essa exposição. O estudo dos efeitos dos campos electromagnéticos sobre as diversas actividades dos cromossomas durante as quatro fases da mitose, deverá representar uma área muito importante de investigação, na medida em que, conhecendo-se os mecanismos de interacção, será possível combater os efeitos nocivos daqueles campos sobre o organismo humano. 2.8.2. Tecidos Os tecidos humanos são materiais biológicos que resultam do agrupamento de células entre si, ou da sua combinação com outros materiais, havendo quatro tipos básicos: • Tecidos epiteliais (epithelial tissues): Consistem em células com membranas simples ou múltiplas, e desempenham as funções de protecção e de regulação das secreções e absorções de materiais. • Tecidos conectivos (connective tissues): Consistem em células de materiais não vivos, tais como fibras e substâncias gelatinosas, e suportam e ligam os tecidos celulares ao esqueleto. Compreendem muitas das substâncias que asseguram a importante tarefa de 39 transportar materiais entre células. Como exemplos têm-se os ossos e as cartilagens. • Tecidos musculares (muscular tissues): Consistem em células com 1 mm a 40 mm de comprimento e até 40 μm de diâmetro. • Tecidos nervosos (nervous tissues): São utilizados para as actividades sensoriais, de controlo e de governo do corpo humano, consistindo em células nervosas com longas projecções, análogas a linhas de transmissão, que enviam toda a informação não só ao sistema nervoso central, oriunda dos receptores dispostos ao longo do corpo humano, mas também do sistema nervoso central aos músculos, órgãos, e glândulas. 2.9. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS E RISCOS PARA A SAÚDE Será que a exposição a campos electromagnéticos acarreta riscos mais ou menos graves para a saúde? Apesar das evidências cada vez em maior número e cada vez mais baseadas em investigações científicas credíveis, parece não existir uma resposta concisa e concreta a essa pergunta, talvez por representar uma questão que tem levantado alguma controvérsia, técnica e científica, e mesmo pública. Os campos electromagnéticos são o exemplo flagrante de um produto criado e desenvolvido pela tecnologia, e que é utilizado diariamente por ser essencial e imprescindível à vida quotidiana actual, apesar dos eventuais riscos que possam acarretar. A discussão pública deve-se não só ao aumento de conhecimentos por parte do público em geral e da sua consciencialização para os problemas ambientais, mas também ao papel que os meios de comunicação social têm vindo a assumir, tendendo essa discussão para a seguinte questão crucial, que consiste em avaliar se os riscos que se correm compensam todos os benefícios colhidos. Sem dúvida que a utilização da energia eléctrica significa haver campos electromagnéticos criados pelo homem, desde as residências particulares, os locais de trabalho quer sejam escritórios ou fábricas, os meios de transporte quer sejam rodoviários ou ferroviários, e o próprio meio ambiente devido às telecomunicações e a antenas de outros sistemas, tendo os níveis de radiação vindo a ser considerados como normais. Todavia, a controvérsia que tem vindo a ser gerada assenta no pressuposto de que esses níveis são perigosos, 40 podendo causar um sem número de doenças e anomalias, mais ou menos graves, incluindo o cancro. Durante bastante tempo, em épocas já ultrapassadas, as grandes preocupações da opinião pública diziam respeito aos riscos inerentes aos operadores de radar e à utilização de fornos microondas em ambientes residenciais e, presentemente, as grandes preocupações e discussões situam-se nas telecomunicações, mais concretamente, nas comunicações celulares. Presentemente, aceita-se que os modernos fornos microondas são inofensivos, enquanto que, em relação aos radares, foram identificados alguns efeitos térmicos tendo sido adoptadas medidas de precaução. À medida que a tecnologia das comunicações celulares se tem vindo a desenvolver, popularizando a utilização de telemóveis, a ideia dos efeitos nocivos sobre a saúde está a constituir um foco de investigação, na medida em que não existem muitos estudos científicos sobre a incidência na saúde pública deste novo equipamento, e a informação existente é relativamente escassa. Para muitos investigadores, os resultados obtidos confirmam as observações realizadas durante anos acerca dos efeitos das radiações de baixa energia sobre os sistemas vivos – acreditam que a exposição a pequenas quantidades de energia de radiação tem o mesmo efeito que uma dose massiva de químicos. O problema permanente nesta controvérsia sobre os riscos da exposição a campos electromagnéticos, consiste no conhecimento limitado acerca do facto que campos muito específicos interagindo com o corpo humano possam ter efeitos nocivos sobre a saúde. Estes efeitos variam de pessoa para pessoa, havendo umas bastante mais afectadas que outras, devido às suas diferenças naturais físicas e bioquímicas. Esta controvérsia tem sido polarizada essencialmente por dois grandes grupos – o primeiro é constituído por todos aqueles que protestam, muitas vezes sem quaisquer bases científicas, porque acreditam que os efeitos dos campos e da radiação electromagnética é nociva para a saúde, enquanto que o segundo engloba os industriais e os investigadores de novos equipamentos, que não acreditam na existência daqueles efeitos nocivos. À parte destes dois grupos, encontram-se os investigadores científicos que, de boa fé, têm vindo a desenvolver trabalho honesto e sério com a finalidade de se comprovar ou não a nocividade para a saúde humana 41 da exposição a campos electromagnéticos. Presentemente, os resultados obtidos não só através da modelização de determinados efeitos biofísicos mas também de resultados epidemiológicos, permitem concluir que, de facto, há riscos, uns maiores que outros, assim como consequências gravosas para os seres vivos. A concluir este capítulo e como curiosidade bastante significativa, apresentam-se de seguida os resultados obtidos pelo Engº José Manuel Santos, publicados na Revista Electricidade 157/158, de Novembro/Dezembro de 1980, com o sugestivo título alguns dados sobre campos electromagnéticos e suas implicações biológicas, respeitando esse estudo a técnicos envolvidos directamente em linhas aéreas e equipamentos de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão. Devido à procura, sempre crescente, de energia eléctrica, o transporte de grandes potências tem vindo a ser realizado com níveis de tensão cada vez mais elevados (Alta Tensão e Muito Alta Tensão), da ordem de 700 kV, 1500 kV e 2000 kV, por questões do ponto de vista económico no sentido de se minimizarem as perdas no transporte. Por outro lado, desde a década de 1970, do século passado, que os estudos sobre os efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos relacionados com o aparecimento dessas linhas de transporte, foram intensificados nos Estados Unidos e na então ainda União Soviética, tendo sido identificados três efeitos qualitativos: • Efeitos neurofisiológicos produzidos pelas correntes eléctricas, como consequência da variação no tempo (sinusoidal com uma frequência de 50 Hz) da indução electromagnética. • Influência directa nos processos biológicos do organismo humano, tais como a acção nos processos das hormonas e dos enzimas, e a acção no desenvolvimento ósseo. • Efeitos fisiológicos e psicológicos produzidos por pequenas descargas que se verificam quando as pessoas, sujeitas a determinado potencial eléctrico, tocam objectos a potenciais diferentes. Parece não haver dúvidas quanto aos efeitos nocivos dos campos electromagnéticos sobre as funções cerebrais. Nos anos 70, o Brain Research Institute of the University of Califórnia Los Angeles, procedeu a ensaios 42 utilizando campos eléctricos compreendidos entre 7 V/m e 100 V/m, tendo obtido os seguintes resultados: • Para um campo de 7 V/m, à frequência de 7 Hz, o tempo de resposta variou de 0,4 s para animais previamente condicionados à resposta em intervalos de tempo de 5 s. • Para um campo de 7 V/m, à frequência de 10 Hz, curiosamente não se detectaram variações no tempo de resposta. • Para campos de 100 V/m obtiveram-se tempos de resposta variáveis, permanecendo os efeitos por intervalos de tempo significativos. Ainda nos anos 70, concluiu-se laboratorialmente através de ensaios realizados nos Estados Unidos e na União Soviética, que as capacidades cognitivas são afectadas após uma exposição contínua de 24 horas a um campo magnético de 10-4 T à frequência de 50 Hz, tendo-se verificado ainda que, em testes de rapidez de resposta, as pessoas apresentaram um desempenho muito fraco. Entre 1966 e 1970 foram realizados estudos bastante importantes e completos, na União Soviética, com a finalidade de investigar e quantificar os efeitos dos campos electromagnéticos das linhas de muito alta tensão, no que respeita à fisiologia e comportamento humano. Nessa linha, foram examinados 45 trabalhadores de uma subestação de 500 kV, devido a queixas e reclamações frequentes, motivadas pelos seguintes sintomas: • Dor de cabeça permanente. • Apatia. • Sonolência. • Disrupção nos sistemas digestivo e cardiovascular. Além disso, um terço desses trabalhadores, com idades compreendidas entre 30 e 40 anos, queixaram-se de fraqueza sexual verificada 8 meses após o início do seu trabalho naquela subestação. Os exames médicos resultaram no seguinte diagnóstico: • Patologia neurológica em 28 trabalhadores. • Descontrolo funcional do sistema nervoso central em 26 trabalhadores. • Deficiências na tensão arterial em 11 trabalhadores. 43 • A intensidade máxima dos campos eléctricos na subestação era de 27 kV/m. As conclusões gerais deste diagnóstico foram as seguintes: 1. Dados estatísticos • Número total de trabalhadores da subestação: 45 (41 homens e 4 mulheres). • Distribuição de idades: menos de 30 anos – 10 entre 30 e 40 anos – 29 mais de 40 anos – 6 • Experiência profissional na subestação: menos de 1 ano – 9 entre 1 e 3 anos – 25 mais de 5 anos – 11 • Tempos de exposição aos campos electromagnéticos: pessoal da manutenção – mais de 5 horas por dia pessoal de serviço – menos de 2 horas por dia 2. Potenciais eléctricos, campos e correntes medidos na subestação • Próximo do equipamento em serviço, ligado à linha de transporte de energia: Valor máximo Valor médio • Tensão (kV) 26 14 - 18 Campo eléctrico (kV/m) 14,5 7,8 - 10 Corrente (µA) 230 115 - 125 Próximo do equipamento fora de serviço, desligado para intervenções de manutenção: Valor máximo Valor médio Tensão (kV) 4 2 Campo eléctrico (kV/m) 2,2 1,1 Corrente (µA) 35 15 44 3. Sintomas clínicos • Dores de cabeça, sonolência e sensação de fadiga: 41 trabalhadores. • Descontrolo na actividade dos sistemas digestivo e cardiovascular: 4 trabalhadores. • Fraqueza sexual: 1/3 dos homens com idades compreendidas entre 30 e 40 anos. 4. Resultados dos exames médicos • Distúrbios neuro-patológicos: 28 trabalhadores. • Descontrolo funcional do sistema nervoso central: 6 trabalhadores. • Doenças cardiovasculares: arteriosclerose – 3 trabalhadores bradicardia – 12 trabalhadores taquicardia – 5 trabalhadores hipotensão – 7 trabalhadores hipertensão – 4 trabalhadores 5. Resultados dos electrocardiogramas • Sinus-bradicardia: 14 trabalhadores. • Actividade anormal do sistema circulatório e ventricular: 10 trabalhadores. • Variações difusas do miocárdio: 5 trabalhadores. Como consequência destes resultados, sem dúvida altamente significativos apesar de terem já cerca de 40 anos, a União Soviética elaborou os seus regulamentos de segurança e protecção nessa matéria, sendo de destacar os seguintes artigos: • Ninguém poderá estar exposto a campos eléctricos de intensidade superior a 25 kV/m, sem que existam barras de protecção para isolamento ou atenuação desses mesmos campos para um limite máximo de 5 kV/m. 45 • Para um campo eléctrico de intensidade 25 kV/m, o tempo máximo consecutivo de exposição é de 5 minutos. • Para um campo eléctrico de 10 kV/m, a permissão de permanência máxima consecutiva é de 180 minutos. • Para campos com intensidades inferiores a 5 kV/m, não existe limite máximo de tempo de exposição. Para terminar, saliente-se ainda que se demonstrou, igualmente nos anos 70, que a taxa de absorção específica das radiações electromagnéticas de alta frequência depende fortemente da orientação do campo eléctrico em relação à maior dimensão do corpo humano, como se mostra na figura 2.16, para um campo eléctrico vertical e uma densidade de potência incidente igual a 10 mW/m2. Figura 2.16 – Distribuição da taxa de absorção específica SAR (W/kg), de radiação de alta frequência, para uma densidade de potência de 10 mW/m2. 46 CAPÍTULO 3. CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS DE FREQUÊNCIAS EXTREMAMENTE REDUZIDAS 3.1. FONTES GERADORAS DE CAMPOS ELÉCTRICOS E MAGNÉTICOS Como é do conhecimento geral, a electricidade é a fonte de potência mais comum do planeta, devido à facilidade da sua geração e do seu transporte a qualquer distância. Desde o início do século XX que as indústrias baseadas na energia eléctrica assim como as tecnologias afins são parte integrante da nossa sociedade, e, consequentemente, a geração de campos eléctricos e de campos electromagnéticos ocorre sempre que exista produção, transporte, distribuição e utilização dessa energia. Com o aumento da oferta de energia eléctrica, em todas as actividades humanas, como não poderia deixar de ser, aumentaram os riscos e, evidentemente, os acidentes, sendo o mais conhecido a electrocussão, mais conhecida em termos populares por “choque eléctrico”, cujas consequências estão directamente ligadas com o nível da tensão de contacto e com a frequência da corrente eléctrica, podendo causar a morte por fibrilação ventricular (baixa tensão) ou por queimaduras irreversíveis (média e alta tensão). Em habitações, as fontes de campos electromagnéticos mais comuns são os cobertores eléctricos, os aquecedores de camas com colchões de água quente, os secadores de cabelo, as máquinas de barbear, as escovas de dentes eléctricas, os televisores, as aparelhagens de rádio, os ares condicionados, os aquecedores portáteis, as lâmpadas de descarga, os frigoríficos e as arcas frigoríficas, as batedeiras e trituradoras, as máquinas de sumos, as varinhas mágicas, as serras eléctricas de carne e pão, as máquinas de lavar e secar roupa, as máquinas de lavar loiça, as máquinas de café, os aspiradores, os desumidificadores, as torradeiras, as tosteiras, os exaustores de fumos, os sistemas informáticos, os fogões e fornos eléctricos, os microondas, os sistemas de alarme, os sistemas de accionamento de estores eléctricos, e os sistemas de accionamento de portões e cancelas de garagens. Por outro lado, nos locais de trabalho as fontes geradoras de campos electromagnéticos incluem os sistemas informáticos e seus periféricos (computadores, 47 impressoras, scanners), as máquinas de fax, as centrais telefónicas, as fotocopiadoras, as lâmpadas de descarga, os equipamentos de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, os motores eléctricos, assim como muitos dos receptores utilizados em habitações – por exemplo, os refeitórios onde existe toda uma panóplia de equipamentos eléctricos de cozinha, os hotéis, e as salas de convívio e de café nos escritórios. Saliente-se, curiosamente, que todas estas fontes de campos electromagnéticos foram desenvolvidas apenas de há um século para cá. A atenção da opinião pública relativamente a possíveis efeitos nocivos da exposição a campos electromagnéticos, focaliza-se nas situações em que áreas residenciais, locais de trabalho e escolas se encontram nas proximidades de linhas aéreas de transporte de energia eléctrica, devido ao receio de desenvolvimento de doenças cancerígenas. Estas preocupações, em bastantes casos, baseiam--se nos resultados obtidos em estudos epidemiológicos realizados em amostras significativas de pessoas. Todavia, apesar do elevado número de estudos científicos realizados, nos planos físico e biológico, não corroborarem incondicionalmente a interacção entre os campos electromagnéticos e determinadas doenças, o interesse do público assim como a investigação científica internacional têm vindo a aumentar de forma significativa. Estes esforços, mesmo por vezes perante resultados contraditórios, têm conduzido à elaboração de normas e procedimentos de segurança, como se exemplificou no final do capítulo anterior, com o objectivo da protecção em relação aos efeitos nocivos dos campos electromagnéticos. 3.1.1. Fontes de Corrente Contínua Como é sabido, as grandezas intervenientes no estudo da corrente contínua são estacionárias, isto é, invariantes no tempo. Por conseguinte, atendendo a que a frequência é igual a zero, ou seja, o comprimento de onda é infinito, a corrente contínua figuraria na base do espectro das frequências electromagnéticas. Consequentemente, apesar de existirem campos eléctricos e campos magnéticos, não há radiação, ou seja, não se verifica a excitação de moléculas que se encontrem próximas de instalações e equipamentos de corrente contínua, nem os consequentes aquecimentos. Os únicos sintomas palpáveis relacionados com a existência de corrente contínua ocorrem nas 48 proximidades de linhas e de equipamentos de muito alta tensão, e manifestam-se através da electrização dos cabelos, que ficam ligeiramente em pé, e pela sensação de formigueiro no corpo. Outra manifestação de fontes de campos eléctricos estacionários (DC fields) são as descargas eléctricas que acontecem entre nuvens e entre estas e a terra, quando da existência de tempestades e trovoadas. Atendendo aos extremamente elevados valores dos campos eléctricos em acção, as suas consequências para os seres vivos, em caso de descarga directa, são usualmente fatais, devido às elevadíssimas intensidades de corrente de condução. a) Magnetosfera O planeta Terra, como é do conhecimento geral, é constituído por quatro camadas: núcleo interior, núcleo exterior, manto, e crosta. O núcleo interior é sólido e é composto essencialmente por ferro, e encontra-se a uma temperatura tão elevada que o núcleo exterior é uma massa fundida, pastosa, com cerca de 10 % de enxofre. A grande concentração de massa encontra-se no manto, que é constituído por ferro, magnésio, alumínio, silício, e silicatos, a temperaturas superiores a 1000 oC. Quanto à crosta, tem uma espessura reduzida e é relativamente fria, sendo constituída essencialmente por silicatos de cálcio, sódio e alumínio. A Terra é uma fonte de campos eléctricos e magnéticos estáticos, tendo o campo eléctrico uma intensidade de cerca de 120 V/m junto ao solo, enquanto que a densidade de fluxo magnético tem um valor de cerca de 50 μT, tendo as linhas de força uma distribuição teoricamente simétrica, mas na prática com uma deformação provocada pelas partículas das radiações solares (vento solar, que comprime as linhas de força do lado do sol, e expande as que se encontram no lado contrário), como se mostrou no capítulo anterior, sendo esse espectro designado por magnetosfera, que se estende no espaço entre 80 km e 60000 km do lado do sol, e mais de 300000 km do lado contrário. No espaço compreendido pela magnetosfera encontra-se plasma frio oriundo da ionosfera terrestre, plasma quente com origem na atmosfera solar, e ainda plasma muito quente acelerado até altas velocidades e que se pode comportar como uma lâmpada de néon acesa, nas altas camadas da atmosfera, originando as misteriosas auroras austrais e boreais. 49 A actividade solar, através das forças electromotrizes induzidas pela corrente ionosférica e pela corrente da terra, origina as denominadas correntes induzidas geomagnéticas, as quais podem circular nas linhas de transporte de energia eléctrica, através das ligações à terra, sendo essas correntes quasi-estacionárias, uma vez que a sua frequência é de apenas 1 Hz. A sua influência poderá ser significativa – em neutros de transformadores de potência na América do Norte e na Finlândia, foram medidas correntes de 184 A e 200 A, respectivamente. b) Linhas de Transporte de Energia Eléctrica A produção e o transporte de energia eléctrica em corrente contínua praticamente não existe, salvo algumas excepções, como sucede com a linha de alta tensão por cabo entre o Reino Unido e a França, e a linha aérea que liga Cabora-Bassa à África do Sul, por questões técnicas e económicas muito particulares. Em ambas as situações, a geração é feita em corrente alternada trifásica, à saída da central essa corrente é rectificada para corrente contínua, e, no final das linhas de transporte, a corrente contínua é convertida para corrente alternada. Um sector de actividade onde a corrente contínua ainda apresenta um grande peso, é a tracção eléctrica ferroviária. Nos centros urbanos, devido a questões de segurança, os níveis de tensão são bastante reduzidos, tendo-se 550 V a 650 V nos fios de contacto de carros eléctricos e de trolley-buses, e 750 V no terceiro carril de metropolitanos, enquanto que na tracção suburbana e interurbana, as catenárias de alimentação possuem uma tensão nominal de 1500 V ou 3000 V. c) Imagiologia de Ressonância Magnética A obtenção de imagens através de ressonância magnética é, actualmente, um meio de diagnóstico médico de elevada importância, devido à alta resolução conseguida na obtenção de imagens do interior do corpo humano. Os equipamentos utilizados podem sujeitar o corpo humano a densidades de fluxo estacionários, isto é, obtidos a partir da excitação em corrente contínua, de 2000 mT durante curtos períodos de tempo. Acredita-se que esta exposição é 50 inofensiva para os humanos, todavia valores superiores àquele são considerados críticos porque podem afectar a actividade eléctrica do coração. 3.1.2. Fontes de Corrente Alternada Os campos electromagnéticos gerados por corrente alternada (AC fields) resultam da produção, transporte, distribuição e utilização da energia eléctrica sob a forma alternada sinusoidal, com uma frequência de 50 Hz, exceptuando os Estados Unidos, Canadá, Coreia, e Japão, que utilizam 60 Hz. Se bem que a frequência fundamental seja 50 Hz ou 60 Hz, o corpo humano encontra-se quase permanentemente sujeito a frequências bastante mais elevadas, que podem atingir 50 kHz, originadas por equipamentos electrónicos como por exemplo as televisões e os terminais de vídeo. Adicionalmente, os accionamentos eléctricos controlados por variadores electrónicos de velocidade, assim como os regimes transitórios que se manifestam nas operações de ligação e de desligação de equipamentos, são também fontes geradoras de campos electromagnéticos de frequências muito elevadas, que podem atingir os MHz, isto é a gama das radiações de rádio-frequência. Saliente-se que, quando se utilizam aparelhos electrónicos, devido à sua não linearidade e aos regimes transitórios que são característicos do seu funcionamento, a forma de onda da corrente não é alternada sinusoidal, mas sim deformada face à sinusóide. Nestas situações, que são a maioria, essa forma de onda é composta pela soma da sinusóide de 50 Hz, com outras sinusóides de frequências múltiplas e que podem atingir valores muito elevados. Na prática, a influência dos campos magnéticos enfraquece à medida que aumenta a distância da fonte geradora. Por exemplo, para um condutor rectilíneo linear percorrido por uma corrente eléctrica, a densidade de fluxo é inversamente proporcional à distância r desse condutor, para dois condutores rectilíneos paralelos é inversamente proporcional a r2, enquanto que, para uma espira ou para um enrolamento, será proporcional a r3. Estas relações, que serão quantificadas seguidamente através das respectivas expressões de cálculo das densidades de fluxo, são importantes na medida em que permitem implementar esquemas de redução das acções dos campos electromagnéticos. 51 Por conseguinte, tem-se assim, para os quatro tipos de fontes de campos electromagnéticos através de correntes alternadas sinusoidais: a) Condutor Simples Um simples condutor eléctrico rectilíneo percorrido por corrente eléctrica, representa a fonte mais simples de geração de um campo magnético, cujas linhas de força são circulares com centro no eixo longitudinal do condutor, como se esquematiza na figura 2.7. Deste modo, sendo I a intensidade da corrente eléctrica, µ a permeabilidade magnética do meio envolvente (normalmente o ar), e r o raio de cada círculo descrito pelas linhas de força do campo, a densidade de fluxo B ao longo desse círculo é calculada através da seguinte expressão: B= μI =μH 2π r Na prática, esta situação encontra-se nos cabos de transporte de energia eléctrica, nos fios aéreos de contacto em tracção eléctrica urbana, no terceiro carril em metropolitanos, e nas catenárias em tracção eléctrica de médio e longo curso, concluindo-se, através da expressão anterior, que a densidade de fluxo e, consequentemente a exposição ao campo magnético, varia inversamente com o afastamento do condutor. Por exemplo, em relação ao fio de contacto de uma catenária de tracção eléctrica monofásica a 25 kV e 50 Hz, percorrida num determinado instante por uma corrente com uma intensidade de 400 A, a densidade de fluxo magnético a 4 metros (aproximadamente a distância a que se encontram as cabeças dos passageiros situados na gare, junto aos comboios), e a 6 metros (aproximadamente junto à plataforma da gare), tem os seguintes valores, respectivamente: Bcabeça = B pés = 4π ×10 −7 × 400 = 2 ×10 − 5 T = 0,2 μT 2π × 4 4π ×10 −7 × 400 = 1,3 ×10 − 5 T = 0,13 μT 2π × 6 Atendendo a que a densidade de fluxo varia inversamente com a distância ao fio de contacto, a diferença que se verifica não é muito significativa. 52 b) Dois Condutores Paralelos A densidade de fluxo magnético B, a uma distância r dos dois condutores rectilíneos paralelos, afastados entre si de d e percorridos por uma corrente de intensidade I, em sentidos contrários, como se esquematiza nas figuras 2.3 e 3.1, varia inversamente com o quadrado daquela distância, de acordo com a seguinte expressão: B= 2Id r2 Figura 3.1 – Campo magnético gerado por dois condutores paralelos, percorridos por correntes em sentidos contrários. Esta configuração encontra-se essencialmente em linhas de transporte de energia eléctrica e em condutores das instalações eléctricas convencionais, domésticas, públicas, e industriais. c) Enrolamentos (Bobinas) Os enrolamentos, existentes em máquinas eléctricas rotativas e lineares, transformadores, computadores e periféricos, microondas, fontes de alimentação e em muitos electrodomésticos, são fontes de campos magnéticos importantes. Na figura 3.2 ilustra-se uma espira de uma bobina (loop), percorrida por corrente eléctrica, e um dipolo magnético, que representa as linhas de força do campo magnético, que é gerado e abraçado pelas espiras, tendo um trajecto interior rectilíneo. O momento magnético do dipolo M, é igual ao produto da intensidade da corrente que circula nas espiras da bobina pela área S da superfície limitada por cada espira, ou seja: M =I S 53 Figura 3.2 – Espira de uma bobina, e dipolo magnético gerado pela corrente que circula na bobina. Por outro lado, a densidade de fluxo é dada pela seguinte expressão: B= μ0 M 4π r 3 = μ0 H d) Linhas de Transporte Trifásicas Para esta situação, em que os três condutores se encontram afastados entre si de uma distância d, a densidade de fluxo do campo magnético gerado pela linha, varia inversamente com o quadrado da distância r, através da seguinte relação: B= 3,46 I d r2 Na figura 3.3 ilustra-se, através de um esquema unifilar, os vários andares de um sistema de produção e transporte de energia eléctrica e, na figura 2.5, mostra-se esse mesmo esquema, mas de uma forma mais compreensível. Na Europa, de uma forma geral, as linhas aéreas trifásicas de transporte de energia, em alta tensão, são dimensionadas com valores nominais de tensão de 400 kV, 220 kV e 150 kV, havendo ainda linhas de 500 kV, 750 kV e 1500 kV, sobretudo na ex-União Soviética, devido às grandes distâncias a que é necessário efectuar o transporte. Quanto às linhas trifásicas de distribuição, em média tensão, as tensões nominais normalizadas são de 60 kV, 30 kV e 15 kV e, no que respeita à rede de utilização em baixa tensão, tem-se 230 V (tensão entre fases e neutro) e 400 V (tensão entre fases). 54 Figura 3.3 – Esquema unifilar de um sistema de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica. Figura 3.4 – Esquema tecnológico de um sistema de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica. Por sua vez, nas figuras 3.5 e 3.6 esquematizam-se as configurações electromecânicas dos postes de linhas aéreas de alta tensão, assim como a distribuição dos respectivos cabos eléctricos. Relativamente à segunda figura, a confi- 55 guração (a) – uma só linha, do mesmo lado dos postes, é a que origina maiores campos magnéticos, a configuração (b) produz campos magnéticos reduzidos, enquanto que a configuração (c) – uma só linha, em delta, é a mais benéfica para a redução dos campos magnéticos. Figura 3.5 – Configurações electromecânicas dos postes de linhas aéreas de alta tensão. Figura 3.6. – Distribuição dos cabos eléctricos em postes de linhas aéreas de alta tensão (a) – uma só linha, configuração simples (b) – duas linhas, de cada lado dos postes (c) – uma só linha, configuração em delta Por sua vez, mostra-se ainda na figura 3.7 as linhas de força dos campos magnéticos gerados pelos condutores em linhas aéreas de alta tensão. Apesar dos campos magnéticos mais intensos serem gerados pelas linhas de muito alta tensão, esses campos dependem igualmente das intensidades de corrente nos cabos. Para tensões entre 400 kV e 415 V, as densidades de fluxo imedia56 tamente abaixo dos cabos aéreos, na vertical, podem atingir, respectivamente, 40 µT e 1 µT. Alguns estudos experimentais estimam que as densidades de fluxo no solo, nas proximidades de linhas de transmissão, em termos médios situam-se entre 0,09 µT e 0,38 µT, podendo estes valores, com configurações de instalação dos cabos mais favoráveis, reduzirem-se para valores entre 0,01 µT e 0,02 µT. Figura 3.7 – Distribuição dos campos magnéticos em diferentes configurações de linhas aéreas de transporte de energia eléctrica. Analisando ainda as expressões anteriores, que relacionam a densidade de fluxo dos campos magnéticos com a distância às fontes emissoras, conclui-se que a maior das atenuações acontece com os enrolamentos eléctricos (variação com 1/r3), e a menor com cabos eléctricos simples (variação com 1/r). No caso das catenárias monofásicas em tracção eléctrica a 50 Hz, 25 Hz e 16 2/3 Hz, os campos magnéticos gerados podem atingir densidades de fluxo da ordem de 0,5x10-4 T, valor este que se pode considerar relativamente elevado. A presença de cabos eléctricos subterrâneos de transporte de energia situados nas proximidades das habitações, contribui para a exposição dos seus moradores aos efeitos dos campos magnéticos gerados por esses cabos, tendo-se 57 medido no chão em habitações nessas circunstâncias, densidades de fluxo médias da ordem de 0,03 µT, e valores máximos superiores a 0,13 µT. No espaço envolvente de subestações em redes de transporte de energia eléctrica, as densidades de fluxo, como é evidente, dependem dos níveis de tensão, tendo-se, em termos médios e de uma forma geral, 10 µT para subestações entre 275 kV e 400 kV, e 1,6 µT para 11 kV. No que respeita a habitações particulares, situadas longe de linhas de transporte de energia, o valor médio das densidades de fluxo em grandes cidades é aproximadamente de 0,1 µT e, em cidades de pequena dimensão assim como nos meios rurais, esse valor desce sensivelmente para metade. Contudo, nas regiões metropolitanas cerca de 10 % das habitações possuem pelo menos uma divisão com valores excedendo 0,2 µT. Por outro lado, estima-se que, à volta de 0,5 % de habitações, a densidade de fluxo ultrapasse 0,2 µT devido à sua proximidade de linhas de transporte de energia. Relativamente aos edifícios públicos, é usual, por questões de aproveitamento de espaço, instalar subestações e postos de transformação no seu interior, originando, devido às intensidades de corrente elevadas, campos magnéticos bastante intensos. Usualmente, nas áreas circundantes muito próximas desses equipamentos as densidades de fluxo são muito elevadas – 1 µT a 100 µT –, ou mesmo extremamente elevadas – 100 µT a 10000 µT. No interior dos compartimentos de comboios eléctricos, e dependendo das tecnologias e dos equipamentos utilizados, ao nível do chão têm-se densidades de fluxo que podem atingir 0,2 mT, e algumas dezenas de µT nos assentos, enquanto que a intensidade dos campos eléctricos pode alcançar 300 V/m. 3.1.3. Electrodomésticos Como se constata no dia a dia, a vida actual seria impossível sem a existência de electrodomésticos, dos mais variados tipos, desde a máquina de barbear até à máquina de lavar roupa. Estes equipamentos, como não poderia deixar de ser, geram campos electromagnéticos cujas densidades de fluxo variam inversamente com o cubo da distância, daí que a sua reduzida influência seja atenuada ou praticamente inexistente em locais ligeiramente afastados, apresentando-se no quadro 3.1 os valores das densidades de fluxo associadas aos campos electromagnéticos gerados pelos electrodomésticos. 58 Electrodomésticos Densidades de fluxo (μT) Distância = 30 cm Distância = 90 cm Monitor de computador 0,02 – 13,00 0,001 – 0,9 Máquina de fotocópias 0,005 – 1,80 0,00 – 0,20 Máquina de fax 0,00 – 0,016 0,00 – 0,003 Lâmpada fluorescente 0,50 – 2,00 0,02 – 0,25 Impressora 0,07 – 4,30 0,02 – 0,25 Scanner 0,20 – 2,60 0,009 – 0,30 Máquina de café 0,009 – 0,70 0,00 – 0,06 Máquina de lavar loiça 0,50 – 0,80 0,08 – 0,16 Fogão eléctrico 0,15 – 0,50 0,01 – 0,04 Forno microondas 0,05 – 5,00 0,011 – 0,45 Trituradora 0,05 – 4,00 0,009 – 0,40 Frigorífico 0,01 – 0,30 0,001 – 0,06 Torradeira 0,03 – 0,45 0,001 – 0,05 Relógio analógico 0,18 – 4,10 0,003 – 0,32 Relógio digital 0,03 – 0,57 0,00 – 0,13 Rádio portátil 0,04 – 0,40 0,003 – 0,10 Aspirador 0,70 – 2,20 0,05 – 0,13 Máquina de barbear 0,01 – 10,00 0,01 – 0,30 Secador de cabelo 0,01 – 7,00 0,01 – 0,03 Ventilador 0,04 – 8,50 0,03 – 0,30 Televisão a cores 0,02 – 1,20 0,007 – 0,11 Ferro de engomar 0,15 – 0,30 0,025 – 0,035 Aquecedor portátil 0,011 – 1,90 0,00 – 0,14 Máquina de lavar roupa 0,15 – 3,00 0,01 – 0,15 Quadro 3.1 – Densidades de fluxo associadas aos electrodomésticos. Conforme se constata dos valores expostos, os níveis das densidades de fluxo reduzem-se significativamente à medida que a distância aumenta. Apesar dos valores apresentados serem insignificantes, sucede que, usualmente, o corpo humano encontra-se exposto a diversos equipamentos em simultâneo, por exemplo computadores, impressoras, scanners, faxs, lâmpadas fluorescentes, televisão a cores, daí que as densidades de fluxo aumentem bastante. 59 3.1.4. Monitores de Computadores O monitor (Vídeo Display Terminal VDT) é parte integrante de um sistema de computadores, sejam fixos ou portáteis. Presentemente, as tecnologias utilizadas estão a conduzir à generalização de monitores, tanto em computadores como em jogos de vídeo e ecrãns de televisão, de plasma e de cristal líquido (Liquid Crystal Display LCD), em relação aos quais não existe ainda informação concreta e desenvolvida no que respeita aos níveis de exposição da radição electromagnética. Apesar dessa generalização acelerada, existem ainda monitores de raios catódicos, de muito maior dimensão devido ao tubo de raios catódicos, que ilumina o ecrã através de um bombardeamento de electrões. Estes monitores podem emitir campos electromagnéticos que cobrem todo o espectro de frequências, além de emitirem em todas as direcções, como se mostra na figura 3.8. Figura 3.8 – Radiação produzida por monitores de computador com tubo de raios catódicos (a) – campo magnético (b) – campo eléctrico Devido a essas particularidades, e atendendo a que a exposição aos monitores acontece durante várias horas diárias, dia após dia como actividade laboral e como actividade de lazer, as investigações sobre os efeitos das radiações emitidas por monitores com tubo de raios catódicos têm incidido nos seguintes parâmetros: 60 • Emissão de radiação ultravioleta e de raios X (comprimentos de onda inferiores a 400 nm). • Radiação visível devido à luz visível na gama de frequências entre 4,3 x 1014 Hz e 7,5 x 1014 Hz, gerada devido à interacção entre os electrões que bombardeiam o ecrã do tubo de raios catódicos e o fósforo existente na face interior do ecrã. • Radiação infravermelha gerada pelo aquecimento dos componentes electrónicos. • Radiação de rádio-frequência gerada pelos sinais electrónicos, pelo oscilador, e pelos circuitos electrónicos digitais. • Campos eléctricos e campos magnéticos de reduzidíssima frequência gerados pelo sistema de deflexão horizontal do tubo de raios catódicos e pelo transformador de alta tensão. Saliente-se que este sistema de deflexão opera entre 15 kHz e 100 kHz. • Campos eléctricos e magnéticos gerados pelo sistema de deflexão vertical do tubo de raios catódicos, pelo transformador, e pelos electrões que chocam com a parede interior do ecrã. Este sistema de deflexão opera entre 50 Hz e 80 Hz. • Campos eléctricos estáticos, associados às altas tensões aplicadas à superfície interna do ecrã. • Ionização do ar envolvente. • Gases químicos gerados pela degradação progressiva dos componentes electrónicos. Como o vidro dos tubos de raios catódicos contém chumbo, o próprio vidro absorve a baixa energia dos raios X assim como dos raios ultravioletas, sendo assim a luz visível a única radiação emitida. Por outro lado, a radiação infravermelha provoca um aumento de temperatura no local de trabalho envolvente. Na prática, contudo, os níveis de raios X, ultravioletas, luz visível, e infravermelhos, são consideravelmente inferiores aos valores consignados nas normas de segurança relativas aos tubos de raios catódicos normais. Contrariamente às crenças populares, a maior parte dos campos electromagnéticos não radiam a partir directamente da superfície do ecrã do monitor, mas sim do equipamento existente no interior do monitor, campos esses que 61 resultam de fenómenos de indução electromagnética, sendo atenuados pelos construtores quando da fabricação dos transformadores de alta tensão, através da colocação de uma malha absorvente desses campos. Quanto aos modernos monitores LCD e de plasma, não emitem campos electrostáticos nem raios X, na medida em que consomem muito pouca energia, o que implica que a emissão de campos electromagnéticos seja muito reduzida. Adicionalmente, devido à fonte de alimentação e ao tipo de iluminação do ecrã, os campos electromagnéticos de frequência reduzidíssima são bastante baixos. 3.1.5. Incompatibilidade Electromagnética Adicionalmente aos seus efeitos sobre os sistemas biofísicos, os campos electromagnéticos gerados pelos equipamentos podem provocar interferências entre si, afectando por vezes de forma grave e significativa, o seu funcionamento. Basta recordar as proibições actualmente em vigor, no que respeita à utilização de telefones celulares, computadores portáteis e jogos de vídeo no interior dos aviões, devido à sua interferência nos sistemas electrónicos de bordo, vitais para o bom funcionamento e segurança das aeronaves. Os sistemas de armazenamento de informação através de fita magnética são susceptíveis à exposição a campos electromagnéticos da ordem de 10 mT, podendo essa informação armazenada ser afectada. Apesar desses campos não se manifestarem a frequências de 50/60 Hz, o problema também existe devido à influência de campos eléctricos electrostáticos. Os equipamentos electrónicos utilizados nos sistemas de controlo de veículos são sensíveis a campos electromagnéticos da ordem de 2 mT, agravando-se a influência a frequências elevadas. Os relógios electrónicos analógicos, que utilizam um motor passo a passo para o accionamento dos ponteiros, são bastante sensíveis à acção de campos magnéticos externos, da ordem de 1 mT, na medida em que esses campos são capazes de promover o accionamento do motor a velocidades superiores à correspondente a 60 impulsos por minuto. Quanto aos relógios electrónicos digitais, são igualmente sensíveis aos campos electromagnéticos, podendo adiantar-se, atrasar-se ou mesmo parar. 62 As imagens mostradas em ecrãs de computadores podem tornar-se instáveis, movimentando-se, especialmente em zonas onde existam campos electromagnéticos, devido à interferência desses campos na trajectória dos electrões que são projectados contra a parede interior do ecrã. Este fenómeno começa a ser notado para interferências de 1 μT e será bastante sério a 10 μT. Finalmente, campos magnéticos relativamente intensos, da ordem de 20 μT a 50 Hz, originam interferências electromagnéticas em pacemakers cardíacos e noutros equipamentos electrónicos implantados no corpo humano, assim como em equipamentos utilizados em electromedicina. 3.2. EFEITOS BIOFÍSICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS Em termos de conceito, ocorre um efeito biológico quando a exposição a campos electromagnéticos provoca alterações detectáveis ou visíveis em sistemas vivos. Esse efeito pode, por vezes, mas não sempre, causar problemas de saúde adversos, o que significa que existirá uma mudança que excede os parâmetros normais, ocorrendo esta situação quando os mecanismos naturais de defesa do próprio sistema de vida perdem a sua capacidade de reacção e de compensação da agressão externa. Quanto à forma como se manifestam, os efeitos biológicos podem causar alterações gravíssimas de saúde num curto espaço de tempo – por exemplo, as consequências de uma exposição a raios gama de grande amplitude –, ou então originar alterações cujas consequências se manifestarão apenas passados bastantes anos – por exemplo, os problemas de saúde derivados da excessiva exposição aos raios ultravioletas, durante anos e anos. Por conseguinte, é fundamental conhecer-se os efeitos biológicos, no sentido de se poder compreender de forma concisa os riscos inerentes à saúde. Um exemplo bastante elucidativo, e que ocorre no dia a dia, diz respeito à exposição aos raios solares, que representam uma das formas mais familiares de radiação não ionizante. A protecção do corpo humano a esta radiação é assegurada pela melanina, que é um pigmento que confere à pele a sua cor mais escura e providencia a sua protecção contra a radiação ultravioleta e a luz visível. Os efeitos da luz solar são também controlados por nós, utilizando protectores de pele, assim como óculos escuros para se reduzir os riscos de aparecimento de cataratas anos mais tarde. Como consequências nocivas de 63 uma exposição prolongada, têm-se ainda os riscos de queimaduras graves e do aparecimento de malanomas (cancros da pele). Todavia, quando as exposições são moderadas, existe o efeito benéfico que consiste na produção de vitamina D pelo corpo humano, que ajuda à absorção de cálcio pelos tecidos ósseos. No dia a dia, os sistemas vivos encontram-se expostos a campos electromagnéticos de frequências extremamente reduzidas, emanados de diversas fontes, já citadas anteriormente, como por exemplo as centrais eléctricas, os transformadores, as linhas de transporte de energia, e toda a panóplia de electrodomésticos do nosso quotidiano. Normalmente, a exposição a estes campos ocorre a distâncias muito inferiores ao seu comprimento de onda, daí que os campos eléctricos e os campos electromagnéticos sejam tratados separadamente (note-se que o comprimento de onda no vácuo e, aproximadamente, no ar, é igual ao quociente entre a velocidade da luz e a frequência das ondas electromagnéticas). Por exemplo, numa instalação eléctrica sob tensão, mas sem receptores ligados, existe campo eléctrico mas o campo magnético é nulo devido à não existência de corrente eléctrica, enquanto que, num magneto permanente, existe campo magnético mas não há campo eléctrico devido a não existir enrolamento de excitação. Contrariamente, na radiação de rádio-frequência os campos eléctrico e magnético são indissociáveis. Por conseguinte, os efeitos biofísicos destes dois tipos de ondas electromagnéticas são, necessariamente, diferenciados. Por outro lado, apesar dos campos eléctricos e magnéticos ocorrerem, na maioria das situações, em conjunto, tem sido dada maior importância à análise dos efeitos nocivos dos campos magnéticos na medida em que são mais difíceis de anular e têm um maior poder de penetração em edifícios e em seres vivos, que os campos eléctricos. 3.2.1. Mecanismos de Interacção Tem vindo a ser estudado o modo como os campos electromagnéticos interagem com os sistemas biológicos, sobretudo quando a energia associada a esses campos não é suficiente para causar estragos em biomoléculas ou aquecimento por indução, residindo a explicação talvez nas propriedades electromagnéticas das células e dos tecidos humanos. 64 A interacção electromagnética entre materiais encontra-se plenamente elucidada e estudada, através das Equações de Maxwell, expostas e analisadas no capítulo anterior. Apesar da sua aplicação aos materiais isolantes, condutores e magnéticos ser relativamente fácil, na medida em que se consideram, na prática, como sendo meios homogéneos, isto é, em que as suas propriedades são iguais em todos os seus pontos, o mesmo não sucede com a sua aplicação aos sistemas biológicos, devido à elevada complexidade e aos múltiplos níveis de organização dos organismos vivos, complexidade essa que, uma vez integralmente resolvida, permitirá o completo conhecimento dos mecanismos de interacção biológica entre os campos electromagnéticos e os sistemas biofísicos. Os tecidos biológicos são materiais não magnéticos, daí que os campos manéticos no interior do corpo humano sejam os mesmos que existem no seu exterior, o que torna ainda o problema mais complexo uma vez que os efeitos nocivos que se têm vindo a verificar são causados exactamente pela exposição a campos magnéticos. Em relação à influência dos campos eléctricos, a situação é bastante diferente, como se ilustra na figura 3.9, em que se tem um corpo humano sujeito à acção de um campo eléctrico externo paralelo à sua maior dimensão – a altura –, com uma intensidade de 1 kV/m a 60 Hz. Figura 3.9 – Campos eléctricos no corpo humano, exposto a um campo eléctrico exterior de intensidade 1 kV/m a 60 Hz. Conforme se constata, a ligação entre o campo eléctrico aplicado exteriormente (1 kV/m), e os valores a que o corpo fica sujeito (de 0,3 mV/m na cabeça até 10 mV/m nas pernas) é extremamente fraca, sendo estes últimos campos 65 inferiores ao campo exterior em cerca de 10-7, raramente excedendo 10-4, e, adicionalmente, são também bastante mais fracos que os campos eléctricos induzidos naturalmente pelo coração, nervos, cérebro, e músculos. Ou seja, as correntes que circularão no corpo humano induzidas pelo campo eléctrico externo, têm intensidades significativamente inferiores às correntes naturais, permanentes, existentes naqueles sistemas biológicos. Têm sido propostos diversos mecanismos de interacção, todavia não completamente estabelecidos, que se descrevem seguidamente: a) Correntes Induzidas Na gama dos campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas, os materiais biológicos comportam-se como sendo meios condutores. A nível microscópico, todos os tecidos são constituídos por células e fluídos intercelulares, sendo de salientar que estes fluídos possuem uma elevada condutividade eléctrica. Por outro lado, devido à sua membrana, as células comportam-se como meios isolantes, daí que as correntes induzidas nos tecidos devido à acção de campos eléctricos de frequência reduzida circulem apenas nos espaços circundantes das células. Por conseguinte, atendendo a que o citoplasma das células é condutor e que a sua membrana é isolante, em termos eléctricos as células são equivalentes a um circuito eléctrico constituído por uma resistência (o citoplasma) ligada em série com um condensador (a membrana). Uma vez que a espessura da membrana é inferior a 10 nm, a capacidade do condensador equivalente é bastante elevada. Usualmente, para frequências inferiores a 100 Hz a impedância dos materiais biológicos é resistiva, devido ao reduzido valor da capacidade da membrana, que se pode desprezar, na medida em que não ultrapassa 10 % do valor da impedância daquele circuito equivalente. Contudo, esta sua contribuição aumenta com a frequência das correntes induzidas. Deste modo, a influência dos campos electromagnéticos em sistemas biológicos traduz-se pela sua capacidade em induzir correntes nas membranas das células e nos fluídos intercelulares. Por sua vez, como essas correntes são correntes de curto-circuito, elas próprias irão gerar campos magnéticos concêntricos a esses circuitos, cujas intensidades são baixíssimas daí que possam ser negligenciados na medida em que os seus efeitos são nulos. 66 Atendendo a que os circuitos por onde circulam as correntes induzidas são constituídos por diferentes materiais biológicos, não homogéneos e com condutividades anisotrópicas, essas correntes apenas poderão ser determinadas através de modelos computacionais numéricos. Contudo, se se considerar o corpo humano como um meio homogéneo e isotrópico, a densidade de corrente J, em A/m2, poderá ser calculada analiticamente através da seguinte expressão: J =π σ r B f sendo σ (S/m) a condutividade eléctrica do corpo, r (m) o raio médio do trajecto circular do campo magnético em torno da corrente induzida, B (T) a densidade de fluxo, e f (Hz) a frequência do campo magnético e das correntes induzidas. Alguns trabalhos de investigação apresentam os seguintes valores para essa densidade de corrente: 2 mA/m2 para um campo de 100 μT a 60 Hz, e 30 μA/m2 para um campo de 1,41 μT. O aquecimento dos tecidos devido às correntes induzidas por campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência não constitui problema, excepto se essas correntes forem bastante intensas, correndo-se o risco da estimulação de células electricamente excitáveis, tais como os neurónios. b) Biomateriais Magnéticos Todos os organismos vivos são essencialmente constituídos por compostos orgânicos diamagnéticos, todavia contêm igualmente algumas moléculas paramagnéticas – o oxigénio – assim como microestruturas ferromagnéticas – o núcleo da hemoglobina e a magnetite –, estando estas magnetites biológicas cobertas por finas membranas denominadas magnetosomas (magnetosomes), que são um óxido de ferro com a composição Fe3O4. Atendendo a que estas microestruturas magnéticas podem ser entendidas como sendo pequenos magnetos permanentes, ficarão sujeitas à acção de campos magnéticos exteriores, tendendo a movimentar-se devido à acção das forças magnéticas de atracção majoradas exactamente pela acção desses campos externos, podendo esse movimento, que tende a orientar as magnetosomas segundo a direcção dos campos externos, causar perturbações biofísicas, que só acontecerão para campos magnéticos entre 2 μT e 5 μT. 67 c) Radicais Livres Os radicais livres são átomos ou moléculas que possuem pelo menos um electrão sem par, que é antinatural, instável e perigoso, na medida em que estes electrões fazem com que os radicais livres colidam com outras moléculas, que ficarão com a sua estrutura alterada transformando-se por sua vez noutros radicais livres. Este fenómeno pode originar uma reacção em cadeia que se auto-perpetua e na qual a estrutura de milhões de moléculas é alterada numa questão de nanosegundos, destruindo o DNA, as moléculas das proteínas, os enzimas e as células. Estes radicais livres são marcadamente reactivos, existindo apenas por períodos muito reduzidos, inferiores a 1 ns, porém o seu efeito é devastador devido aos diversos tipos de cancro que provocam, motivados pelos estragos que esses radicais originam no DNA, nas células e nos tecidos. Os campos magnéticos estacionários podem influenciar a taxa de resposta de reacções químicas envolvendo pares de radicais livres. Atendendo a que o tempo de vida dos radicais livres é extremamente reduzido face ao tempo de período das ondas dos campos electromagnéticos em geral, e das ondas geradas por sistemas de energia (50 Hz) em particular, os campos electromagnéticos actuam praticamente não como ondas periódicas variáveis no tempo mas sim como grandezas estacionárias durante a ocorrência daquelas reacções provocadas pelos radicais livres. Além disso, os efeitos biofísicos originados por campos inferiores a 50 µT são insignificantes. Há também a considerar os efeitos do campo magnético terrestre sobre as reacções dos radicais livres, tudo levando a crer, com base em estudos teórico-práticos, que tais efeitos são teoricamente concebíveis para campos geomagnéticos da ordem de 0,1 mT. Contudo, esses efeitos são muito reduzidos – provocam um aumento de apenas 1 % nas concentrações de radicais livres. Além disso, o organismo humano possui defesas altamente sofisticadas que combatem os radicais sob condições normais de vida. d) Membrana Celular e Ligação Química Acredita-se cada vez mais que a membrana celular tem um papel principal nos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, julgando-se que os receptores situados nas membranas são, prova68 velmente, o local onde têm início as interacções entre os tecidos e os campos electromagnéticos, em relação a muitos neurotransmissores, enzimas, e reacções químicas que desenvolvem carcinomas. Por assim dizer, as células biológicas são estruturas bioelectroquímicas, que interagem com o seu meio ambiente através de vários caminhos, incluído os fenómenos físicos, químicos, bioquímicos e eléctricos. Outra teoria interessante afirma que os iões, especialmente os iões de cálcio, podem jogar o papel de ligação química entre os campos electromagnéticos e os processos de vida, na medida em que as propriedades eléctricas e a distribuição dos iões à volta das células são condições perfeitas para o estabelecimento de interacções com campos electromagnéticos exteriores. Outras investigações afirmam que os campos eléctricos de baixa frequência podem excitar as membranas das células, causando choques eléctricos ou outros efeitos. Para as frequências comerciais de 50 Hz e 60 Hz, a densidade de corrente necessária para provocar esses choques situa-se sensivelmente em 10 A/m2, à qual corresponde um campo eléctrico com uma intensidade de 100 V/m nos tecidos. Além disso, os campos eléctricos podem ainda criar poros (furos) nas membranas celulares devido às correntes eléctricas induzidas, o que sucede para diferenças de potencial entre as membranas de 0,1 V a 1 V, tensões estas que requerem campos eléctricos na vizinhança das células de pelo menos 105 V/m. Note-se que estes valores são elevadíssimos se se pensar exclusivamente na exposição a ondas electromagnéticas de fraca energia, todavia acontecem na situação de choques eléctricos em média e alta tensão, daí a inevitável electrocussão com queimaduras gravíssimas ou mesmo a morte biológica. 3.2.2. Campos Electromagnéticos e Cancro Apesar de existirem em grande número estudos teórico-práticos relacionados com os mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biofísicos, assim como em relação a diversos efeitos nocivos, tem vindo a ser dada uma atenção muito especial às possíveis interacções que promovam o aparecimento e o desenvolvimento de carcinomas, devido a ser uma doença particularmente grave. Essa atenção recai não só em aspectos de investigação biomédica mas também nos resultados obtidos a partir de estudos 69 epidemiológicos, como se exemplificou em detalhe no capítulo 2, sobre o caso dos trabalhadores de uma subestação de 500 kV na ex-União Soviética. a) Mecanismos do Cancro O termo médico “cancro” é utilizado para descrever cerca de 200 doenças diferentes, todas elas caracterizadas pela destruição incontrolada de células. Esta doença representa o caso de uma mitose incontrolável, em que as células se dividem aleatoriamente, escapando às condições naturais de controlo existentes no corpo humano, ou seja, é essencialmente uma desordem genética ao nível celular. As causas de muitas doenças cancerosas são desconhecidas, todavia existem factores de risco que induzem alguns tipos de cancro, como sejam o tabaco, o álcool, a alimentação, e a exposição a campos electromagnéticos e a radiações, como sucede com os ultravioletas. A radiação ionizante possui energia suficiente para provocar cancros de uma forma rápida e fulminante, como sucede com a radiação atómica gama, todavia, apesar da luz visível originar a fotossíntese, não se suspeita, habitualmente, que induza o aparecimento desta doença. Por outro lado, a radiação solar ultravioleta, especialmente a UVB, está cada vez mais associada ao aparecimento de cancros de pele (melanomas), enquanto que a energia dos fotões em campos electromagnéticos a 50 Hz e a 60 Hz (2,5x10-13 eV) é insuficiente para induzir reacções químicas celulares conducentes ao cancro. Em geral, as doenças cancerígenas directamente associadas com a exposição a campos electromagnéticos são a leucemia, o cancro cerebral, e o cancro da mama. b) Carcinogénese A transformação de células sãs em células cancerígenas é um processo complexo, que comporta três fases diferenciadas, caracterizadas por um conjunto de injúrias que afectam o material genético das células, sendo este processo de produção de cancro, exposto na figura 3.10, designado por carcinogénese multipassos ou multiníveis (multistep carcinogenesis). Este modelo inicia-se nas células sãs, isto é, em bom estado, seguidamente processa-se a com-versão de algumas células sãs em células pré-can70 cerígenas, o passo seguinte consiste na conversão de algumas células précancerígenas em células cancerígenas, consistindo o último passo no desenvolvimento de um tumor a partir das células cancerígenas. Figura 3.10 – Modelo de carcinogénese multipassos. O cancro humano é o resultado de uma acumulação de várias alterações genéticas e epigenéticas que ocorrem numa determinada população de células, e inicia-se através de danos no ADN, danos estes que usualmente são provocados por um agente denominado genotoxina (genotoxin). Este agente pode afectar vários tipos de células, dando origem a diversos tipos de cancro. Por outro lado, um agente epigenético é alguma coisa que aumenta a probabilidade de se contrair cancro através de um agente genotóxico. Alguns estudos permitem concluir que não existem efeitos genotóxicos celulares significativos, isto é, danos no ADN, aberrações cromossómicas, mutações, e transformações celulares, originados pela exposição a campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas, enquanto que outros concluem que, de facto, existe alguma interacção epigenética. De um modo geral, a exposição a campos electromagnéticos até 0,1 mT não resulta em efeitos biofísicos celulares, como a actividade genotóxica e epigenética. Todavia, para campos superiores a 0,1 mT é possível haver já alguns efeitos adversos. 71 c) Hipótese da Melatonina Outra hipótese possível de interacção, sob investigação, diz respeito ao facto a provar ou não, das exposições a campos eléctricos e magnéticos provocarem a supressão de melatonina, que é uma hormona produzida pela glândula pineal, localizada próxima do centro do cérebro. Esta hormona é produzida principalmente durante a noite e é introduzida na corrente sanguínea para se dispersar através do corpo, encontrando-se presente nas células e contribui para a destruição dos radicais livres, ajundado a reparar o ADN. A melatonina é responsável pela regulação dos ciclos menstruais e dos ritmos circadianos. A sua secreção decresce à medida que a idade avança, atingindo o seu máximo na idade infantil e diminuindo gradualmente após a puberdade e, após os 60 anos, a secreção é inferior à da juventude. A melatonina tem a propriedade de reduzir as secreções de hormonas que promovem o desenvolvimento de tumores, e contribui ainda para aumentar a citotoxicidade dos linfócitos destruidores do sistema imunitário. Por conseguinte, a sua produção é essencial para o sistema imunitário, o qual protege o organismo das infecções e das células cancerígenas, daí que determinados tipos de cancro proliferem quando os níveis de melatonina são baixos. É o caso do cancro da mama, do cancro da próstata, e dos tumores malignos nos ovários. Para melhor compreensão, na figura 3.11 ilustra-se as consequências da redução dos níveis de melatonina. Seguidamente expõem-se algumas conclusões interessantes, relacionadas com a interacção entre os campos electromagnéticos e a produção de melatonina: • Existe supressão de melatonina com a exposição a campos electromagnéticos e, consequentemente, aumento dos riscos de desenvolvimento de carcinomas. • A melatonina reduz as taxas de desenvolvimento de células cancerígenas relacionadas com o cancro da mama, todavia a exposição a campos magnéticos de 1,2 µT a 60 Hz inibe a acção da melatonina. • Estudos em ratos expostos a campos de 60 Hz e com densidades de fluxo de 1 µT, 10 µT e 100 µT durante 12 horas ou durante 30 dias com 18 horas por dia de exposição, permitiram concluir que o nível de mela- 72 tonina desceu cerca de 40 % para a exposição durante os 30 dias com campos de 10 µT e 100 µT, e cerca de 20 % para a exposição a 100 µT durante 12 horas consecutivas. Em contrapartida, não se observaram quaisquer efeitos para a exposição a campos de 1 µT. Figura 3.11 – Consequências biológicas da redução dos níveis de melatonina. • Experiências realizadas com babuínos, expostos a campos eléctricos de 6 kV/m e campos magnéticos de 50 µT, ambos a 60 Hz, e a campos de 30 kV/m e 100 µT, igualmente a 60 Hz, durante 12 horas por dia em 6 semanas, não conduziram a quaisquer efeitos nos níveis de melatonina. • A exposição nocturna a campos magnéticos de 100 µT e 50 Hz, por períodos compreendidos entre 1 dia e 13 semanas, não conduziram a quaisquer efeitos na redução do nível de produção de melatonina. • Não se detectaram efeitos biológicos, isto é, redução do nível de melatonina em jovens voluntários do sexo masculino, após uma exposição durante 4 noites consecutivas a um campo magnético de 28,3 µT a 60 Hz, em experiências realizadas em 2000. 3.2.3. Estudos Celulares Conforme se salientou anteriormente, parece existir alguma relação directa entre a exposição a campos electromagnéticos e o desenvolvimento de cancro, de acordo com o processo sequencial que se esquematiza na figura 3.12. Para 73 uma melhor compreensão do fenómeno, apresentam-se seguidamente alguns dados obtidos por observação experimental. Figura 3.12 – Efeitos dos campos electromagnéticos relacionados com o desenvolvimento de doenças cancerígenas. a) Efeitos Relevantes para o Cancro Material Genético O genoma humano representa a sequência química que contém a informação básica para construir e desenvolver o corpo humano, e consiste em ADN e moléculas de proteína associadas, sendo, além disso, organizado em estruturas designadas por cromossomas. Por seu turno, cada molécula de ADN contém um número elevado de genes, que são a unidade física e funcional fundamental da hereditariedade. Os genes podem ser entendidos como a informação armazenada na memória de um computador, sendo assim unidades de informação no ADN que são utilizadas para fabricar as proteínas, entre outras substâncias do corpo humano. Estima-se que o genoma humano compreenda pelo menos 100000 genes. O núcleo de cada célula contém 2 conjuntos de cromossomas, sendo um deles dado pelo pai e o outro pela mãe, possuindo assim as células as características dos pais biológicos. Por sua vez, cada conjunto possui 23 cromossomas simples, um dos quais é o cromossoma do sexo, X ou Y – os indivíduos do 74 sexo masculino possuem um par de cromossomas X e um par Y, enquanto que os do sexo feminino possuem apenas um par de cromossomas X. Quanto à influência dos campos electromagnéticos sobre o ADN, é possível que os campos com intensidades superiores à do campo magnético terrestre, natural, podem originar problemas na síntese do ADN, e, consequentemente, aberrações nos cromossomas. Vejam-se, de seguida, os resultados de alguns estudos realizados recentemente: • Detectaram-se efeitos nocivos na síntese do ADN no cérebro de ratos sujeitos a campos magnéticos de 0,1 µT, 0,25 µT, e 0,5 µT, a 60 Hz. Esses efeitos nocivos afectam as funções celulares, podendo causar a morte das células e o aparecimento de carcinomas. • Foram detectados efeitos cancerígenos e alterações em grávidas – danos no DNA de células amnióticas –, sujeitas a campos magnéticos de 50 Hz e de 15,6 kHz. • Exposições a campos magnéticos de 400 mT e 50 Hz, podem originar mutações genéticas e, consequentemente, carcinomas. Transporte de Cálcio Os iões de cálcio são partículas carregadas electricamente, e que desempenham um papel fundamental em diversos processos celulares, sendo um dos mensageiros das comunicações intercelulares do corpo e, também, um regulador do crescimento celular. Estes iões são essenciais para muitas das funções celulares, especialmente para a transmissão de sinais extra-celulares, para a regulação do transporte intracelular de compostos, para a libertação de secreções, para o metabolismo dos ossos, e para as contracções musculares, daí que seja muito importante manter um nível óptimo de cálcio no organismo. O fenómeno da libertação de iões Ca++ das células devido à acção de campos electromagnéticos é bem conhecido, especialmente no que respeita às células linfáticas e cerebrais, podendo o seu excesso provocar distúrbios nas actividades hormonais, conduzindo a leucemias e a outros tipos de cancro. Proliferação e Diferenciação de Células A biologia da divisão e diferenciação celular é similar quer em células normais quer em células cancerígenas, contendo estas últimas o complemento total de 75 biomoléculas que são essenciais à sobrevivência, proliferação, diferenciação, e expressão de muitas funções de células de tipos específicos. Consequentemente, falhas na regulação destas funções conduzem a doenças cancerígenas. O fenómeno da proliferação de células é bastante complexo, sendo um processo regulado geneticamente e, por sua vez, a diferenciação é também um processo complexo, no qual é induzida a expressão dos genes específicos das células. Através de ensaios realizados in vitro, constatou-se haver uma proliferação de células expostas à acção de campos electromagnéticos. Actividade Enzimática Tal como outras proteínas, as enzimas consistem em longas cadeias de aminoácidos, estando presentes em todas as células vivas e sendo responsáveis pelo desempenho da importante função de controlar os processos metabólicos. Uma enzima especial, a ornitina descarboxilase (ornithine decarboxylase ODC) é bastante importante pelo papel que possui na regulação da multiplicação de células através da síntese das poliaminas necessárias para a síntese das proteínas e do ADN, e é, simultaneamente, uma enzima activada durante o processo de carcinogénese, ou seja, um aumento da actividade da ODC representa um sintoma de cancro. Veja-se, seguidamente, quais os resultados de vários estudos sobre a influência dos campos electromagnéticos sobre a enzima ODC: • Existe um aumento da actividade das ODCs sob a acção de um campo eléctrico alternado sinusoidal a 60 Hz e de intensidade 10 mV/m. • Ensaios realizados em ratos, expostos a campos magnéticos de 10 μT e 60 Hz, indiciaram um aumento da actividade dos linfomas. • Mais de 10 anos de ensaios permitiram concluir que a exposição a campos electromagnéticos aumenta a actividade das enzimas ODC, tendo sido encontradas mudanças na actividade das ODCs devido a campos magnéticos induzidos, assim como um aumento na taxa de anormalidades fetais em embriões de galinhas em desenvolvimento. • Encontrada uma redução na actividade de leucócitos humanos, quando expostos a campos de 450 MHz modulados a 16 Hz. 76 Hormonas As hormonas são substâncias químicas formadas num órgão ou parte do corpo, sendo transportadas através do sangue para outro órgão, alterando a actividade funcional e, por vezes, a estrutura de um ou mais órgãos de uma maneira específica. Na prática, existem diversos estudos que demonstram que a diminuição do nível da síntese da melatonina assim como da sua secreção pela glândula pineal, devido à exposição a campos electromagnéticos, está associada ao aumento do risco de contracção de doenças cancerígenas. Sistema Imunitário Este sistema mais não é que um mecanismo de protecção composto de um número elevado de células interdependentes que, em conjunto, defendem e protegem os seres vivos dos ataques de bactérias, micróbios, toxinas, parasitas, fungos, infecções virais, assim como da proliferação de células cancerígenas. Este sistema não é afectado por campos magnéticos de baixa energia, como se concluiu através de estudos realizados em populações de ratos, todavia, ainda em experiências feitas com ratos, detectaram-se alguns efeitos visíveis sobre o sistema imunitário após 6 semanas de exposição a campos magnéticos entre 200 µT e 2000 µT, e efeitos insignificantes para campos entre 2 µT e 20 µT. Comunicações Intercelulares As interacções entre células e as transduções de sinais têm um papel de primeira importância no desenvolvimento do sistema nervoso, sendo os sinais eléctricos e químicos que circulam através das membranas celulares, os responsáveis pelas comunicações entre células. Acredita-se que os campos electromagnéticos em geral, e os campos electromagnéticos de frequência extremamente reduzida em particular, podem alterar as propriedades das membranas, modificar as funções celulares, e interferir com a transferência de informação entre células. b) Efeitos não Cancerígenos A par das investigações relativas aos efeitos cancerígenos dos campos electromagnéticos, têm igualmente vindo a realizar-se diversos estudos sobre os 77 efeitos não cancerígenos desses campos. Efeitos que têm como consequência a divisão das células e a sua proliferação surgem com a exposição a campos eléctricos e magnéticos de intensidades da ordem das dezenas de V/m e de mT, surgindo a rotação eléctrica das células, assim como a sua fusão, sob a acção de campos eléctricos entre 10 kV/m e 100 kV/m, como é o caso das electrocussões a 50 Hz e a 60 Hz. Um outro estudo internacional, realizado em seis países, submeteu os ovos de duas incubadoras iguais a um campo magnético de 1 µT, sob a forma de impulsos de 500 ms, com uma frequência de 100 Hz, tendo os resultados globais constatado um aumento de 6 % no número de embriões defeituosos. 3.2.4. Estudos em Humanos São vários os efeitos nocivos que a opinião pública clama, por vezes sem quaisquer bases científicas, devido às exposições a campos electromagnéticos, sobretudo no que respeita às linhas aéreas de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão. Esses efeitos incluem normalmente dores de cabeça, alterações cardiovasculares, alterações neurológicas, confusão mental, depressão, dificuldade de concentração, perturbação do sono, diminuição da líbido, e perturbações no aparelho digestivo, sendo as principais fontes de informação as pessoas e os trabalhadores que habitam ou trabalham muito próximo de fontes de campos electromagnéticos, os resultados laboratoriais, e os dados epidemiológicos. a) Sistema Cardiovascular Como é sabido, o coração é um órgão muscular bioeléctrico, daí que o seu funcionamento seja analisado através dos sinais eléctricos emitidos – electrocardiograma e ecografia cardíaca. Na prática, densidades de corrente da ordem de 0,1 A/m2 podem estimular os tecidos electricamente excitáveis, enquanto que, valores superiores a 1 A/m2, interferem com a acção eléctrica do músculo cardíaco, causando fibrilação ventricular e aquecimentos eléctricos por efeito de Joule, que, usualmente, são as causas de morte por electrocussão, quando da ocorrência de choques eléctricos por contacto directo. Seguidamente, explicitam-se os resultados observados resultantes da interacção entre campos electromagnéticos e o funcionamento do coração: 78 • Em trabalhadores expostos a campos eléctricos de intensidade compreendida entre 12 kV/m e 16 kV/m, durante mais de 5 horas por dia, constatou-se que a sua pulsação no final do dia de trabalho era, em média, 2 a 5 pulsações por minuto mais baixa que no início do dia. • A exposição de voluntárias do sexo feminino a campos electromagnéticos de 20 µT e 60 Hz, permitiu concluir estatisticamente, com uma margem significativa, que o número de pulsações cardíacas diminuiu. • Um estudo intensivo sobre os efeitos dos campos electromagnéticos sobre a alteração das pulsações de trabalhadores expostos a campos gerados por linhas aéreas de alta tensão de 110 kV a 400 kV, estudo esse que utilizou técnicas de registo ambulatório, constatou não se ter verificado quaisquer alterações do ritmo cardíaco. b) Síndroma da Fadiga Crónica Este síndroma (Chronic Fatigue Syndrome CFS), também conhecido como Síndroma da Fadiga Crónica e Disfunção Imunológica (Chronic Fatigue and Immune Dysfunction Syndrome CFIDS), é um termo clínico geral utilizado para descrever uma doença emergente, que se caracteriza pela existência de fadiga debilitante, problemas do foro neurológico, e uma variedade de outros sintomas debilitantes. Esta doença deprime ainda o sistema imunológico, e afecta adultos, crianças e adolescentes. Nos últimos anos, detectaram-se diversas anomalias no sistema imunitário de pacientes com CFS, que incluem alterações na actividade e na estrutura superficial celular em dois importantes tipos de glóbulos brancos do sangue: células assassinas naturais e T-linfócitos. Adicionalmente, a exposição a campos electromagnéticos afecta negativamente o sistema imunitário, podendo causar uma disfunção hormonal e mudanças ao nível das células. Ou seja, a exposição a campos electromagnéticos constitui um risco potencial para os pacientes que padecem de anomalias associadas à inexplicável fadiga crónica. c) Sensibilidade Eléctrica A sensibilidade eléctrica (electrical sensitivity ES), igualmente conhecida por hipersensibilidade electromagnética ou electrosensibilidade, é uma doença com sintomas neurológicos e alérgicos, activados perante a exposição a campos 79 electromagnéticos, sendo um problema de saúde pública, em crescimento. As pessoas afectadas pela ES são particularmente sensíveis a determinadas frequências eléctricas, reagindo de uma forma exarcebada quando expostas à acção de campos electromagnéticos. Os sintomas desta doença incluem dores de cabeça, irritação ocular, náuseas, vertigens, borbulhagem na pele, inchaços faciais, fraqueza, fadiga, perturbações na concentração, dores nos tendões e nos músculos, zumbidos nos ouvidos, dormências, dores e pressão abdominais, dificuldades respiratórias, ritmo cardíaco alterado, paralisia, confusão mental, alterações no equilíbrio, depressão, perturbações do sono, e alterações na memória. Por conseguinte, os pacientes que sofrem de sensibilidade eléctrica apresentam uma hipersensibilidade à acção de campos electromagnéticos insensíveis ao público em geral, não existindo actualmente qualquer tipo de tratamento. d) Choques e Microchoques Eléctricos Um dos mecanismos de interacção entre os campos eléctricos de reduzidíssima frequência e os tecidos vivos, consiste na estimulação directa das células e membranas excitáveis, o que demonstra a capacidade do corpo humano para absorver correntes eléctricas e desenvolver choques ou microchoques, dependendo da intensidade dos campos eléctricos. Saliente-se que o termo choque eléctrico é utilizado para descrever todas as injúrias graves, provocadas pelas elevadas intensidades de corrente, e que compreendem desde a perda de consciência à electrocussão mortal, passando pelas queimaduras graves, enquanto que o termo microchoque eléctrico se refere às arritmias cardíacas produzidas por correntes de intensidades muito reduzidas, ao percorrerem o músculo cardíaco, normalmente através de um cateter intravascular ou intracardíaco. Para melhor compreensão dos efeitos térmicos causados por um choque eléctrico, considere-se o exemplo de um trabalhador, electricista, que sofre um contacto acidental, directo, numa mão, de um condutor eléctrico de média tensão, a 60 kV. Considerando que os seus pés se encontram apoiados directamente no solo, ao potencial zero, e sem qualquer protecção isolante, pela lei de Ohm a intensidade da corrente que percorrerá o seu corpo, com um 80 trajecto “mão – braço – peito – órgãos genitais – pernas”, será, tendo ainda em atenção que a resistência eléctrica média do corpo humano se pode considerar igual a 2000 ohms (Ω): I= U 60 ×10 3 volts = = 30 amperes R 2000 ohms valor este que é extremamente elevado, como se prova através da determinação da potência calorífica desenvolvida por efeito de Joule no corpo do trabalhador: P = R I 2 = (2000 ohms ) × (30 amperes ) 2 = 1800000 watts = 1800 kilowatts Por sua vez, se o choque eléctrico tiver uma duração de 5 segundos, a energia calorífica desenvolvida pelo corpo da vítima terá o seguinte valor: W = P t = (1800000 watts ) × (5 segundos ) = = 9000000 joules (watts × segundo) = = 2,5 kilowatts × hora Ou seja, nos 5 segundos de duração do choque eléctrico, o corpo da vítima desenvolveria uma quantidade de energia calorífica equivalente à que seria libertada por uma resistência de aquecimento de 2,5 kW durante 1 hora! Evidentemente que, nestas circunstâncias, os danos térmicos causados nos tecidos e órgãos do corpo com toda a certeza que conduziriam a uma morte inevitável. Em termos quantitativos, estima-se que a densidade de corrente suficiente para estimular a excitação das células situa-se em 1 A/m2, enquanto que, valores da ordem de 10 A/m2, aos quais correspondem campos eléctricos de intensidade 100 V/m no interior do corpo humano, situam-se no limiar dos choques eléctricos. e) Sensações Visuais A acção dos campos electromagnéticos, que se reflecte através das correntes eléctricas induzidas na retina, dá origem a tremuras nos olhos que, contudo, não têm quaisquer efeitos degenerativos. O limiar do início dessas tremuras, 81 para uma frequência de 20 Hz, acontece com densidades de corrente da ordem de 20 mA/m2, ocorrendo a máxima sensibilidade entre 20 Hz e 30 Hz. Esta sensação ocorre igualmente, sob a influência de campos magnéticos, a partir de valores da ordem de 10 mT a 50 Hz e 60 Hz. 3.3. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS A maioria dos resultados respeitantes aos efeitos dos campos electromagnéticos sobre os sistemas biofísicos, são largamente baseados em conjuntos de estudos de determinação epidemiológica, sendo o objectivo desses estudos identificar as associações entre doenças e características ambientais particulares, de modo a ser possível estabelecer uma relação do tipo “causa-efeito”. Os estudos epidemiológicos permitem ainda estabelecer uma correlação histórica de dados biológicos, para grandes amostras populacionais, ou seja, no caso dos efeitos dos campos electromagnéticos os resultados obtidos podem mostrar apenas a associação das pessoas com um determinado estímulo – a exposição a esses campos –, desde que existam bastantes factores envolvidos em cada uma dessas pessoas – por exemplo, os sintomas resultantes da exposição. Contudo, o facto de se desconhecerem concretamente os mecanismos de interacção entre os campos e os sistemas biológicos, confere a estes estudos uma certa margem de incerteza. 3.3.1. Epidemiologia A epidemiologia constitui uma ferramenta poderosa, utilizada para se determinar se existe algum risco para a saúde, derivado de uma causa desçonhecida, ou seja, a epidemiologia pode ser entendida como o estudo da ocorrência e da distribuição de doenças numa determinada população. A primeira vantagem destes estudos para a população humana ocorreu em 1885, quando o médico inglês John Snow observou que a morte de ratos devido à cólera, em Londres, era particularmente significativa em áreas onde a água potável tinha sido extraída do rio Tamisa em locais muito próximos de embocaduras de esgotos. Esses resultados permitiram concluir que a cólera era transmitida por meio de um agente desconhecido existente nos esgotos, tendo essa constatação conduzido posteriormente a um programa de tratamento das águas dos esgotos. 82 a) Rácio de Possibilidades Os estudos epidemiológicos são, de uma forma consistente, “estudos de caso-controlo” (case-control studies), sendo identificados dois grupos de pessoas de uma determinada população: • Os casos (cases), que representam as pessoas com uma determinada doença, encontrando-se em estudo. • Os controlos (controls), que representam as pessoas seleccionadas da mesma população à qual pertencem os casos, sendo similares em tudo excepto no facto de não possuírem a doença. É de salientar ainda que a exposição destes dois grupos de pessoas a um determinado agente, por exemplo os campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, encontra-se em estudo, sendo igualmente realizadas medições de parâmetros característicos. O resultado do estudo epidemiológico é expresso através da seguinte relação, denominada rácio de possibilidades ou de probabilidades (odds ratio OR), que representa uma estimativa: OR = possibilidade de pessoas expostas do grupo casos possibilidade de pessoas expostas do grupo controlos Este rácio é assim uma medida de associação, medida essa que quantifica a relação entre exposição e saúde, resultante de um estudo comparativo. Se o valor de OR é igual a 1, não se encontrou nenhuma diferença entre a exposição de pessoas com a doença e as pessoas sem a doença, o que significa que existe uma associação negativa entre a doença e a exposição. Contrariamente, se OR é superior a 1, as pessoas casos estiveram provavelmente mais expostas que as pessoas controlo, havendo assim uma associação positiva entre a doença e a exposição. Por exemplo, para se estudar o caso da associação entre a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência e o cancro, deverão ser comparados dois grupos de pessoas: um grupo (casos), o qual tem sido exposto a esses campos electromagnéticos, e o segundo (controlos), que nunca esteve exposto. O grupo exposto deverá ser constituído por pessoas que vivem próximo de fontes identificadas dos campos electromagnéticos, 83 como por exemplo linhas aéreas de transporte de energia e subestações, enquanto que o segundo deverá ser composto por pessoas que habitam longe dessas fontes. Para melhor compreensão, considerem-se os seguintes exemplos numéricos: Exemplo 1: • Estudo de 500 cancros (casos), e 500 controlos. • Se 130 casos estiveram expostos aos campos electromagnéticos, e os restantes 500 – 130 = 370 casos não estiveram expostos, então a possibilidade de pessoas expostas do grupo casos será 130/370 = 0,35. • Se 130 controlos estiveram também expostos, os controlos não expostos são 500 – 130 = 370, daí que a possibilidade de pessoas expostas do grupo controlos será 130/370 = 0,35. • Por conseguinte, tem-se OR = 0,35/0,35 = 1, ou seja, existe uma associação negativa entre a exposição e o cancro. Exemplo 2: • Estudo de 500 cancros (casos), e 500 controlos. • Se 200 casos estiveram expostos aos campos electromagnéticos, e os restantes 500 – 200 = 300 casos não estiveram expostos, então a possibilidade de pessoas expostas do grupo casos será 200/300 = 0,66. • Se 130 controlos estiveram também expostos, os controlos não expostos são 500 – 130 = 370, daí que a possibilidade de pessoas expostas do grupo controlos será 130/370 = 0,35. • Por conseguinte, tem-se OR = 0,66/0,35 = 1,88, ou seja, existe uma associação positiva entre a exposição e o cancro. b) Locais de Exposição Atendendo a que os regulamentos de segurança assim como as linhas directivas de protecção contra as exposições a campos electromagnéticos, fazem uma diferenciação entre ambientes ocupacionais, isto é, locais de trabalho, e ambientes ou locais públicos, apresenta-se de seguida, respeitando essa separação, algumas características típicas desses locais, no que respeita aos tipos de fontes geradoras de campos electromagnéticos. 84 Locais de Trabalho Estes locais são estudados no contexto de indústrias específicas e de postos de trabalho, particularmente nos casos de fábricas de equipamentos eléctricos, onde a probabilidade dos trabalhadores estarem expostos à acção de campos eléctricos e magnéticos de reduzidíssima frequência é bastante elevada, campos esses gerados não só pelas instalações eléctricas mas também pelas próprias ferramentas com que operam. As pessoas que trabalham nas proximidades de transformadores, subestações, quadros eléctricos e outros equipamentos e instalações onde as intensidades de corrente são elevadas, podem ficar expostos a campos de elevada densidade, superior a 10 μT. Quanto a escritórios e a outros edifícios de serviços, as densidades de fluxo são similares às existentes nas habitações particulares, podendo variar entre 0,05 μT e 0,4 μT. Locais Públicos Os locais públicos onde existem exposições a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, compreendem as residências, escolas, hotéis, e vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias, sendo as fontes que afectam as residências, escolas e hotéis os cabos e as linhas eléctricas de transporte de energia, as subestações e postos de transformação, e diversos equipamentos de escritório e electrodomésticos, havendo vários estudos que comprovam que os campos magnéticos de elevada densidade de fluxo existentes em habitações devem-se à sua localização muito próxima de linhas de transporte. Por outro lado, as fontes de campos em comboios e transportes ferroviários urbanos são devidas às linhas de contacto e às catenárias de alimentação. 3.3.2. Estudos Epidemiológicos do Cancro Nas últimas décadas, são diversos os estudos epidemiológicos que corroboram a existência de uma associação positiva entre a exposição a campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas e as doenças cancerígenas, como a leucemia em crianças e em adultos, os cancros no cérebro, os cancros da mama, e os cancros pulmonares, havendo, todavia, outro grupo de estudos que concluíram existir uma associação negativa. 85 Os primeiros estudos epidemiológicos que relacionam a exposição a campos electromagnéticos gerados por linhas de transporte de energia e o cancro, datam dos anos 70 do século passado, tendo de facto concluído que essa exposição é directamente responsável pelo aparecimento e desenvolvimento de doenças cancerígenas. Nos anos seguintes, foram realizados mais estudos de carácter epidemiológico, não só na Europa mas também nos Estados Unidos e na Austrália, apontando para uma clara associação entre os campos electromagnéticos e o desenvolvimento de cancros, apesar de, por outro lado, ser bastante difícil estabelecer qual a correlação mais clara e evidente entre os efeitos das linhas de transporte de energia e as doenças cancerígenas. Um dos trabalhos mais importantes, teve início em 1990 nos Estados Unidos, e constituiu uma parte significativa do Research and Public Information Dissemination (RAPID) Program, mandatado pelo Congresso e incluído no Energy Policy Act de 1992, no sentido de investigar a associação entre a exposição a campos electromagnéticos de baixa frequência e a degradação da saúde humana. Este programa RAPID, que durou cerca de cinco anos, foi liderado pelo National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS) e pelo Department of Energy (DOE), tendo, em Junho de 1998, havido uma reunião internacional entre 30 cientistas, que, utilizando os critérios desenvolvidos pela International Agency for Reseaech on Cancer, concluíram não existir provas concludentes de que a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência possa desenvolver “carcinomas humanos conhecidos” ou “prováveis carcinomas humanos”. Contudo, a maioria dos membros desse grupo de trabalho concluiu que a exposição a campos magnéticos emanados de linhas aéreas de transporte de energia pode conduzir a “possíveis carcinomas humanos”. Entretanto, em 15 de Junho de 1999, o NIEHS concluiu que os campos electromagnéticos de reduzidíssimas frequências podem causar cancro, baseados em estudos epidemiológicos que mostraram haver uma associação entre alguns tipos de leucemia e a exposição a campos magnéticos. Num estudo realizado em 2001, na Nova Zelândia, o seu autor concluiu haver evidências, suportadas por bastantes estudos epidemiológicos, de que os campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas são perigosos para a saúde humana, especialmente em crianças, havendo uma ligação forte ao aparecimento de leucemias. 86 Seguidamente, apresentam-se alguns aspectos quantitativos da exposição a campos electromagnéticos e as incidências de determinados tipos de doenças cancerígenas. a) Leucemia Infantil Como é sabido, a infância é um período onde se verifica um enorme crescimento de células, associado ao normal crescimento e desenvolvimento das crianças, daí que seja de todo o interesse para a sua saúde adoptar cuidados especiais no que respeita à sua exposição a campos electromagnéticos gerados por linhas de transporte de energia, por computadores e seus periféricos em casa e nas escolas, por televisores, e por telefones celulares. A palavra “leucemia”, que significa literalmente “sangue branco”, descreve uma variedade de cancro que é conhecida pela criação anormal de glóbulos brancos no sangue – os leucócitos –, afectando não só a existência de glóbulos brancos saudáveis, que são essenciais para o combate a bactérias, vírus e outras infecções, mas também os glóbulos vermelhos, que são os responsáveis pelo transporte do oxigénio a todos os pontos do corpo. Esta doença representa menos de 4 % do universo de todos os tipos de cancro que afectam os adultos, todavia é o tipo mais comum dos cancros que afectam as crianças. Vejam-se de seguida diversos resultados e constatações consideradas importantes, no que respeita a esta doença: • As crianças com o Síndroma de Down têm um risco acrescido (10 a 40 vezes superior) de contraírem leucemia, em relação às crianças consideradas normais. • As crianças cujas mães, durante a gravidez, foram sujeitas a diagnósticos através de raios X, apresentam igualmente um risco acrescido. • Um dos primeiros estudos epidemiológicos realizados sobre este assunto, em 1979, chegou a um OR de 2,35, o que permitiu concluir da existência de elevados riscos na contracção de leucemia infantil por parte de crianças sujeitas à acção de campos electromagnéticos. 87 • Em 1976-1977, um estudo conduzido por dois investigadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, constatou que, crianças que viviam muito próximo de grandes instalações eléctricas, contraíram cancro, contrariamente àquelas que habitavam em zonas bastante mais afastadas. Como resultado, os autores do estudo salientaram que as crianças que habitam casas muito próximas de linhas de transporte de energia eléctrica em alta tensão, apresentam um risco duas a três vezes superior de contraírem leucemia ou tumores no sistema nervoso, que as restantes crianças. • Foram detectados, através de estudos realizados em 1980, casos de leucemia e outros cancros infantis, associados à exposição a campos magnéticos de 0,25 μT. • Um estudo epidemiológico americano, realizado em 1991, em Los Angeles, Califórnia, conduziu a um OR de 2,15, ou seja, à confirmação da associação positiva entre o desenvolvimento de leucemia infantil e a exposição a campos electromagnéticos. • Em estudos bastante completos, realizado na Suécia, Dinamarca e Finlândia, foi considerada, para a Suécia, uma população base constituída por todas as crianças suecas com 15 anos de idade ou mais jovens, que viveram dentro de um perímetro de 800 m relativamente a linhas de transporte de energia, durante o período 1960-1985, tendo identificado 142 casos – 39 de leucemia, e 33 de cancro no sistema nervoso. O estudo realizado na Dinamarca considerou crianças de residências situadas entre 25 m e 50 m de linhas de transporte de energia, cabos subterrâneos e subestações, tendo demonstrado um aumento significativo do risco de contracção de linfomas entre crianças sujeitas a campos magnéticos iguais ou superiores a 0,1 μT. Quanto ao estudo realizado na Finlândia, envolveu 68300 rapazes e 66500 raparigas, com idades até aos 19 anos, que viveram, entre 1970 e 1989, em habitações distanciadas de 500 m ou menos de linhas aéreas de 100 kV a 400 kV, não se tendo detectado estatisticamente um aumento significativo no número de leucemias e linfomas. Ainda estatisticamente, notou-se um excesso significativo de tumores no sistema 88 nervoso, mas apenas em rapazes, que estiveram expostos a campos magnéticos iguais ou superiores a 0,2 μT. • De acordo com um estudo realizado em Taiwan, publicado em 1998, foi concluído que as crianças que vivem em três distritos do norte do país, próximo de linhas de transporte de energia, apresentam elevados riscos de contraírem leucemia. Foram detectados 28 casos de leucemia entre 120696 crianças e, além disso, as crianças que vivem em áreas dentro dos 100 m a partir das linhas aéreas apresentam um risco 2,7 vezes superior às restantes crianças. b) Leucemia em Adultos • Um estudo conduzido pela Southern California Edison Company, entre 36221 trabalhadores que se encontravam directamente envolvidos com equipamentos eléctricos, detectou um ligeiro aumento do risco de cancro em algumas situações, todavia sem significado acima dos níveis normais. • Investigadores da Johns Hopkins University e da empresa norteamericana AT&T, estudaram a ocorrência de leucemias entre os trabalhadores expostos a campos electromagnéticos de reduzidíssimas frequências, tendo constatado que, de todos aqueles que exerceram funções pelo menos durante dois anos e que faleceram entre 1975 e 1980, a 124 deles foi-lhes diagnosticado leucemia como causa de morte. Foi também concluído que os trabalhadores que estiveram sempre expostos a campos magnéticos acima do normal, durante toda a sua carreira laboral, apresentaram uma taxa de incidência de leucemia 2,5 vezes superior à dos outros trabalhadores. • Um estudo realizado por investigadores franceses e canadianos, numa população de 223292 trabalhadores de duas grandes empresas industriais canadianas e de uma empresa pública francesa, mostrou que os trabalhadores que contraíram leucemia pertenciam aos recursos humanos que se encontravam expostos cumulativamente a campos magnéticos. Todavia, os resultados globais obtidos não encontraram 89 qualquer associação positiva entre os casos de cancro estudados e a exposição a campos electromagnéticos. • Outro estudo, realizado em 1995 por um grupo da University of North Carolina, que envolveu 138000 trabalhadores da indústria electrotécnica americana, no período 1950-1986, não suporta igualmente qualquer associação positiva entre leucemia e exposição a campos electromagnéticos. • Um estudo, também bastante completo, realizado na Suécia, incluiu a análise da exposição a campos eléctricos e magnéticos em 1015 postos de trabalho diferentes, e envolveu mais de 1600 pessoas de 169 profissões diferentes. Foi encontrada uma associação positiva entre a exposição a campos electromagnéticos e a leucemia, tendo igualmente sido concluído que aumenta o risco de desenvolvimento de tumores cerebrais em indivíduos do sexo masculino abaixo dos 40 anos, quando expostos a campos iguais ou superiores a 0,2 μT. • Um outro estudo, também realizado na Suécia, e que incluiu aproximadamente 400000 pessoas que viveram a 300 m ou menos de linhas aéreas de transporte de energia pelo menos durante um ano, entre 1960 e 1985, permitiu afirmar que as pessoas expostas a campos magnéticos, em casa ou no posto de trabalho, apresentavam uma probabilidade de contrair leucemia 4 vezes superior à das outras pessoas, habitando em zonas afastadas. • Um estudo realizado no Canadá, que apresentou como objectivo analisar a acção cumulativa dos efeitos dos campos eléctricos e dos campos magnéticos sobre o desenvolvimento de cancros, e cujo grupo de análise era constituído por trabalhadores electrotécnicos da empresa Canadian Power Company Ontario Hydro, mostrou haver um risco acrescido de contracção de leucemia, na medida em que, para os níveis mais elevados de exposição simultânea a campos eléctricos e magnéticos, os valores do OR situavam-se entre 3,51 e 11,2. Saliente-se que, apesar da maioria dos estudos epidemiológicos dizerem respeito à associação entre a leucemia e a exposição a campos magnéticos de reduzidíssima frequência, os efeitos dos campos eléctricos são igualmente 90 bastante importantes, talvez mesmo ainda mais, na medida em que, naquele último estudo, assim como noutro mais recente, realizado nos Estados Unidos em 2000, constatou-se igualmente que a exposição a campos eléctricos de intensidades entre 10 V/m e 40 V/m aumenta consideravelmente o risco de desenvolvimento de leucemia. c) Cancro Cerebral O cancro do cérebro, que é o órgão principal do nosso sistema nervoso central, não é muito frequente, sendo as causas desta doença primariamente desconhecidas, apesar dos factores que estão na origem de outros tipos de cancro, tais como a exposição a radiações químicas e electromagnéticas, o tabaco, a alimentação, e o consumo excessivo de álcool, estejam igualmente associadas ao desenvolvimento deste tipo de cancro. Vejam-se os resultados dos estudos epidemiológicos relativos à associação entre o cancro do cérebro e a exposição a campos electromagnéticos: • Num estudo realizado na Suécia, e publicado em 1994, incidindo sobre trabalhadores dos caminhos de ferro, concluiu-se haver um aumento não significativo de leucemias, cancro do cérebro, cancro da glândula pituitária, e de linfomas. • Num estudo publicado em 1994, e realizado no Canadá e em França, tendo incidido em trabalhadores de três grandes empresas do sector eléctrico produtor, e que incluiu 250 casos de cancro do cérebro, constatou-se também não haver um aumento significativo da doença em trabalhadores sujeitos a campos magnéticos mesmo superiores a 3,15 μT. • Outro estudo, realizado entre trabalhadores de empresas produtoras de energia eléctrica, estimou que o risco de desenvolvimento de cancro no cérebro aumenta 1,94 por μT-ano de exposição a campos magnéticos. • Os resultados de um estudo levado a cabo com a finalidade de reportar uma possível associação entre o desenvolvimento de cancros cerebrais em crianças, e a exposição a campos electromagnéticos por parte dos progenitores durante o ano imediatamente anterior à concepção, 91 encontrou um OR entre 1,12 e 1,31, o que significa que não existe uma associação positiva significativa. • Concluiu-se haver uma associação positiva entre a exposição a campos eléctricos e magnéticos e o desenvolvimento de cancros em trabalhadores de empresas produtoras de energia eléctrica. De um modo geral, com base na grande maioria dos estudos epidemiológicos efectuados em vários países, não se poderá dizer que existe uma associação positiva significativa entre o desenvolvimento de cancro cerebral e a exposição a campos electromagnéticos de frequências reduzidíssimas. d) Cancro Mamário O cancro da mama, bastante característico dos indivíduos do sexo feminino, é uma anomalia que se refere ao desenvolvimento e proliferação errática de células dos tecidos mamários, originando tumores que, na maioria das situações, degeneram em malignidades. • Foram reportados casos de ocorrência de cancro da mama, na Noruega, entre trabalhadores ligados ao sector das indústrias eléctricas. • De acordo com um estudo realizado na Suécia, incidindo em trabalhadores dos caminhos de ferro, com idades entre 20 e 64 anos, concluiu-se que o risco de contrair cancro na mama é bastante elevado no grupo de indivíduos do sexo masculino sujeito a uma maior e mais duradoura exposição, caso dos maquinistas e dos técnicos de via. • Outro estudo epidemiológico sueco, concluiu não haver uma associação significativa entre o cancro da mama e a exposição a campos electromagnéticos gerados nas residências particulares, tendo esta conclusão sido corroborada por um outro estudo, realizado na Finlândia. • Num estudo dinamarquês, não foi encontrada qualquer associação entre a incidência de cancro da mama (96 casos) em indivíduos do sexo feminino ligados ao sector das indústrias eléctricas, com base no número insignificante de casos encontrados: dois na gama de exposições reduzidas (0,1 μT a 0,29 μT), e apenas um na gama das exposições muito elevadas (> 1,0 μT). 92 • Não existe incremento do risco de desenvolvimento de cancro mamário em mulheres, devido às exposições dos campos eléctricos e magnéticos originados por cobertores eléctricos. Devido às investigações relativas aos efeitos dos campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência sobre os níveis de melatonina, levantou-se a hipótese de que a exposição a esses campos poderia ser um risco para o desenvolvimento deste tipo de carcinoma, com base no facto de que tais exposições fazem diminuir a produção de melatonina, que é uma hormona protectora contra determinados tipos de cancro. Contudo, os resultados obtidos a partir dos estudos epidemiológicos realizados, parecem indiciar que, na prática, a exposição a campos electromagnéticos não incrementa o risco de desenvolvimento do cancro da mama. e) Cancro Pulmonar Presentemente, não se encontrou ainda qualquer explicação científica para justificar a relação entre a exposição a campos electromagnéticos e o desenvolvimento do cancro do pulmão, tendo essa associação sido analisada em diversos estudos, que confirmam de facto haver uma associação positiva, como se discrimina seguidamente: • A exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, não só em locais residenciais mas nos locais de trabalho, conduz a um excesso de ocorrências de cancro pulmonar. • A exposição a campos electromagnéticos transitórios de elevada frequência, em instalações de produção e transporte de energia, aumenta de forma significativa o risco de se contrair cancro do pulmão, como o demonstra um estudo epidemiológico realizado no Canadá e em França, que obteve para o OR um valor bastante elevado – 3,1. Outro estudo realizado igualmente no Canadá concluiu que o aumento do risco, também para trabalhadores expostos a linhas de transporte de energia, se situa em 1,84. • Um interessante estudo realizado pelo Medical Physics Research Centre da Bristol University, no Reino Unido, concluiu que a exposição a campos magnéticos representa uma possibilidade de aumento de casos 93 de cancro do pulmão. Esta conclusão baseia-se no facto, demonstrado nesse estudo, da aptidão que os campos eléctricos gerados por linhas eléctricas de transporte de energia possuem para atrair e concentrar átomos de radão, que é um gás radioactivo, na vizinhança dessas linhas. Por sua vez, quando os átomos de radão são gerados de uma forma rápida atraem moléculas de água presentes no ar, desenvolvendo nelas aerosóis ultrafinos, com uma dimensão de 10 nm. f) Cancro da Pele Este tipo de cancro, infelizmente em rápida expansão, representa já cerca de metade do universo dos novos tipos de cancro na Europa e nos Estados Unidos. Apesar de todos os tipos humanos o poderem contrair, os grupos de maior risco são constituídos por pessoas de pele muito clara, ruivos, louros, e com olhos claros. Os estudos epidemiológicos realizados até agora, permitiram constatar da existência de uma associação francamente positiva entre o desenvolvimento de cancros de pele e a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, sendo de salientar o estudo realizado pelo grupo citado na alínea anterior, sediado na Bristol University, e que examinou a incidência de cancros na pele em pessoas que residem a cerca de 20 m ou menos de linhas de transporte de energia, em Devon e na Cornualha, tendo concluído haver um aumento significativo de casos. Além disso, a população alvo desse estudo foi catalogada em dois grupos, em função da sua proximidade das linhas de transporte – o primeiro grupo compreendia as pessoas que residiam muito próximo das linhas, por conseguinte sujeitas a elevados níveis de radão, enquanto que o segundo grupo era constituído pelas restantes pessoas, mais afastadas, e portanto sujeitas aos níveis mais baixos de radão. Como conclusão, constatou-se que o risco inerente às pessoas do primeiro grupo aumentou ainda mais. g) Cancro da Próstata Este tipo de cancro é bastante comum nos indivíduos do sexo masculino, sobretudo acima dos 55 anos de idade, uma vez que o risco aumenta com a idade. As células cancerígenas são primeiramente formadas na próstata, 94 podendo seguidamente transformar-se em metástases que irão afectar outras partes do corpo, sobretudo os ossos e outras estruturas selectivas. Um estudo publicado em 1998, envolvendo utilizadores de cobertores eléctricos e camas com colchões de água aquecida, não encontrou qualquer associação positiva entre a incidência deste tipo de cancro e a exposição, mesmo por períodos continuados, a campos electromagnéticos de reduzida energia. 3.3.3. Estudos Epidemiológicos de Doenças Não Cancerosas Além dos estudos epidemiológicos relevantes associados à incidência de doenças cancerosas, têm igualmente vindo a ser realizados outros estudos não menos importantes, relativos à associação entre a incidência de doenças não cancerosas e a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, como se discrimina seguidamente. a) Doença de Alzheimer e Demência Esta doença, descrita pelo médico alemão Alois Alzheimer em 1906, é a mais comum das doenças da terceira idade, afectando actualmente mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, com tendência para aumentar devido ao incremento do número de idosos com mais de 65 anos, sobretudo nos países desenvolvidos, motivado pelo aumento da esperança média de vida. É uma doença do foro neurodegenerativo, progressiva e irreversível, afectando áreas específicas do cérebro normalmente em idosos com mais de 65 anos de idade. O seu diagnóstico inclui sintomas de demência – perdas de memória e das funções mentais –, e exclui outras causas como a doença de Parkinson, os traumas na cabeça, o alcoolismo, e os derrames cerebrais. Quanto às suas causas, existem diversas possibilidades, incluindo alterações genéticas indirectas iniciadas e induzidas pela acção de campos electromagnéticos, tendo diversos estudos de incidência epidemiológica permitido chegar às seguintes conclusões: • Pessoas expostas a campos de elevada intensidade, nos seus locais de trabalho, como por exemplo os operadores de máquinas de costura, apresentam um risco de contrair a doença três a cinco vezes mais alto. 95 • O risco é igualmente elevado em carpinteiros, electricistas, e em montadores de equipamentos eléctricos e electrónicos, assim como em operadores de máquinas ferramentas portáteis. • A exposição a campos electromagnéticos nos locais de trabalho poderá, possivelmente, influenciar o desenvolvimento de demência. b) Esclerose A esclerose lateral amiotrófica (amyotrophic lateral sclerosis) é uma doença neurológica progressiva e fatal. É uma degeneração avançada das células cerebrais que comandam os nervos motores (neurónios motores superiores), e da espinal medula (neurónios motores inferiores) – quando os neurónios motores superiores deixam de enviar impulsos aos músculos, estes começam a atrofiar originando fraqueza que se transformará gradualmente em paralisia. Por outro lado, esta doença não afecta as capacidades intelectuais, a visão, a audição, o paladar, o cheiro, a actividade sexual, os intestinos, e o aparelho urinário. Quanto à associação entre o desenvolvimento desta doença e a exposição a campos electromagnéticos, os poucos estudos realizados indiciam que, de facto, existe alguma relação directa, sobretudo em pessoas expostas a esses campos nos seus locais de trabalho – exposição ocupacional. c) Depressão e Suicídio A depressão é uma doença cada vez mais comum, que pode afectar qualquer pessoa, indiscriminadamente. Caracteriza-se por um desinteresse pela vida, e afecta pensamentos, sentidos, saúde física, e a vida privada e profissional, sendo um factor de risco conducente ao suicídio. Como conclusão dos estudos realizados, é possível haver uma reduzida asso-ciação entre a exposição a campos electromagnéticos e a depressão, contudo entre a exposição e a tendência para o suicídio, nada indica que exista qualquer relação. d) Doenças Cardíacas Alguns estudos concluíram não haver uma associação positiva entre a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssimas frequências e doenças ou alterações cardíacas, enquanto que outros afirmam o contrário, como sucede com os resultados de um estudo que se apresentou no capítulo 2. 96 3.3.4. Estudos Relevantes sobre Terminais de Computador e Outros Electrodomésticos Ao longo dos anos, não só as instituições de investigação mas também os próprios fabricantes têm vindo a realizar estudos intensivos com a finalidade de determinar quais os riscos para a saúde derivados da exposição aos écrãns dos monitores (vídeo display terminals VDTs) utilizados nos computadores. Apesar de serem construídos de acordo com todas as normas de segurança em vigor, e com a garantia dos próprios fabricantes de que não existem perigos que coloquem em risco a saúde dos utilizadores, há ainda bastantes dúvidas e opiniões contrárias. De facto, existem diversos mecanismos físicos e biofísicos associados à utilização e exposição aos VDTs, tais como dores de cabeça, náuseas, fadiga ocular, manchas na vista, tensão nos músculos oculares, ardor e irritação nos olhos. Se bem que as alterações visuais sejam passageiras e não tenham consequências sérias, quando a vista se encontra bastante cansada diminui o ritmo de trabalho e podem suceder-se erros. Por outro lado, os utilizadores intensivos de computadores podem vir a sofrer de dores posicionais no pescoço e nas costas, assim como no punho que manipula o rato e nos ombros, sendo estas anomalias classificadas pelos médicos de saúde ocupacional como sendo “danos de esforço repetitivo”, sendo também possível que surja alguma tensão psicológica. Eis os resultados de diversos estudos epidemiológicos levados a cabo: • Não há qualquer relação entre os efeitos dos campos electromagnéticos emanados dos monitores e doenças oftalmológicas, incluindo cataratas. • O trabalho feminino com computadores, consequentemente com a utilização, mesmo intensiva, de VDTs, não aumenta o risco de deficiências nos fetos nem de abortos espontâneos Quanto à influência dos campos electromagnéticos com origem em eléctrodomésticos, constata-se o seguinte, com base nos estudos epidemiológicos realizados: • Um estudo realizado no Colorado, Estados Unidos, no sentido de investigar a relação entre a utilização de camas de água aquecidas e de 97 cobertores eléctricos, e o desenvolvimento da gravidez, especialmente o tempo de gestação,o peso dos recém-nascidos, o desenvolvimento de anormalidades, e as perdas de fetos por aborto espontâneo, e que envolveu uma população de 1806 famílias em relação às quais ocorreu um nascimento, em 1982, em dois hospitais de Denver, permitiu concluir que a utilização daqueles dois equipamentos durante o tempo de gravidez poderá causar efeitos adversos na saúde dos fetos. • Um outro estudo, mais recente, publicado em 1992, e realizado no Estado de New York, constatou que as progenitoras de fetos defeituosos não estiveram nem mais nem menos tempo expostas aos campos electromagnéticos gerados por camas aquecidas, que a generalidade de outras mães. • Um estudo desenvolvido na Finlândia e publicado em 1993, realizado numa população de 443 mulheres saudáveis, voluntárias, que tentaram engravidar no período 1984-1986, concluiu que não existe qualquer associação positiva entre o desenvolvimento de abortos espontâneos e a exposição a campos magnéticos gerados por cobertores eléctricos. Os estudos epidemiológicos apresentam a vantagem de permitirem a obtenção de informação valiosa relativamente aos seres humanos, mais do que aquela que é possível obter através de estudos em células humanas ou em animais. Todavia, convém salientar que estes últimos estudos têm um carácter estritamente científico, com o objectivo de determinar, por exemplo, quais são os mecanismos físicos e biológicos da interacção entre a exposição a campos electromagnéticos e o desenvolvimento de determinadas doenças, enquanto que os primeiros são estudos essencialmente estatísticos, mas que permitem avaliar da existência ou não daquela interacção, através do processamento dos dados obtidos por amostragem. Considerando todas as evidências acerca dos efeitos nocivos da exposição a campos electromagnéticos, obtidas através dos estudos epidemiológicos, parece não haver uma ligação sólida com o desenvolvimento de cancro e outras anomalias, que possam satisfazer as dúvidas que se levantam na opinião pública se, de facto, existem ou não efeitos nocivos para os sistemas biofísicos. Todavia, na medida em que as evidências mostram haver algumas 98 situações fora do que é normal e esperado, a atitude correcta a adoptar consistirá em admitir a existência de riscos possíveis. Adicionalmente, apesar de não haver bases científicas teóricas e experimentais que, de uma forma concisa e consistente, possam justificar essa existência de riscos, o carácter penetrante dos campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência em relação ao ambiente que nos rodeia e a nós próprios, fará igualmente com que aquela atitude passe por não ignorar não só a existência desses campos mas também a mais remota das sugestões de risco para a saúde humana. Ou seja, deverá estar sempre presente a seguinte questão: “Poderão os campos eléctricos e magnéticos gerados por toda a panóplia de equipamentos utilizados na produção, transporte, distribuição e utilização de energia eléctrica, desde os grandes geradores das centrais até às utilitárias máquinas de barbear e escovas eléctricas de lavagem dos dentes, causar problemas de saúde?” 3.4. NORMAS DE SEGURANÇA E REGULAMENTAÇÃO 3.4.1. Normas de Segurança Uma norma de segurança é um documento normalmente elaborado por um grupo de reconhecidos especialistas na área, oriundos não só do tecido industrial mas também do sector académico, com investigação desenvolvida e reconhecida na área de elaboração dessa norma. Esse documento explicita, relativamente ao assunto a que diz respeito, determinados níveis, designados por níveis de segurança, que têm como objectivo assinalar que, por exemplo, acima desses níveis existe risco para a saúde humana. É o caso da exposição a campos electromagnéticos, em que as respectivas normas de segurança indicam quais os níveis máximos de exposição, acima dos quais poderão ocorrer riscos para a saúde. Como tal, a elaboração deste tipo de normas pressupõe os seguintes passos: • Identificação dos perigos. • Selecção do nível de exposição mais adequado, abaixo do qual o meio envolvente se poderá considerar seguro, isto é, isento dos perigos identificados. No caso da exposição a campos electromagnéticos, note-se que o nível máximo de exposição representa não uma linha exacta de separação entre 99 perigo e segurança, mas sim um possível risco para a saúde humana, que é tanto mais elevado quanto maior for o afastamento por excesso em relação àquele nível. Saliente-se que as incertezas e indefinições inerentes à actividade das agências de normalização para conseguirem, de uma forma o mais consensual e segura possível, definir os níveis máximos de exposição mais aconselháveis em locais ocupacionais e em locais residenciais, têm sido devidas à ausência de mecanismos de interacção, reconhecidos cientificamente, entre saúde humana e campos electromagnéticos, Veja-se de seguida qual a situação, sobretudo nos países mais industrializados e desenvolvidos, no que respeita a regulamentos e normas de segurança relativos à protecção contra a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência. Os primeiros regulamentos foram elaborados na União Soviética, em 1975, contudo a norma que conseguiu reunir um consenso mais alargado foi composta pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), em 1991, norma essa aprovada em 1992 pelo American National Standards Institute (ANSI), com a referência ANSI C95.1-1992. Esta norma de segurança recomenda que a exposição média para cada período de seis minutos e para cada secção do corpo humano não deverá exceder 0,614 kV/m para campos eléctricos e 163 A/m (205 μT) para campos magnéticos. O objectivo destes níveis consiste em manter as intensidades das correntes induzidas no corpo humano bastante inferiores ao valor mais baixo correspondente à corrente de excitação das células electricamente excitáveis. Além desta norma, outras instituições de outros países têm vindo a trabalhar, há já bastante tempo, no sentido de estabelecerem a sua própria regulamentação de segurança. É o caso da Austrália, através do Australian Radiation Laboratory (ARL) e do National Health and Medical Research Council (NH & MRC), do Canadá, da Commonwealth of Massachusetts, da República Federal Alemã (FRG), da North Atlantic Treaty Organization (NATO), da United States Air Force (USAF), e da União Soviética (USSR). No quadro 3.2, para todos estes regulamentos, mostram-se os níveis de segurança relativos à exposição a campos magnéticos em áreas ocupacionais (locais de trabalho) e em áreas públicas, indicando-se, dentro de parêntesis, as datas de publicação e entrada em vigor dos regulamentos de segurança discriminados. 100 Instituição / País Níveis de exposição (μT) Locais Locais ocupacionais públicos ANSI/IEEE (1991) 205 205 Austrália: NH & MRC (1989) 500 100 Canadá (1989) 5,01 2,26 Com. of Massachusetts (1986) 1,99 ----- FRG (1986) 314 314 NATO (1979) 3,27 ----- USAF (1987) 1,99 1,99 USSR (1985) 1760 ----- Quadro 3.2 – Normas de segurança e limites de exposição para campos magnéticos, adoptados por diferentes organismos e países. Como se constata, ao observar-se o quadro 3.2, os valores diferem significativamente de país para país – por exemplo, 1760 µT na União Soviética contra apenas 1,99 µT no Massachusetts, nos Estados Unidos –, devendo-se essas disparidades exactamente à situação de não existir ainda uma justificação científica universalmente comprovada e aceite no que respeita aos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biofísicos. a) Europa Suécia Este país tem sido um dos líderes no estudo e desenvolvimento de regulamentação respeitante à ergonomia visual e às emissões de campos electromagnéticos em relação aos monitores de computadores (VDTs). A Direcção Nacional para a Saúde e Segurança Ocupacional e o Instituto Sueco de Protecção contra Radiações, MPR – Mät-och Provningsrådet –, foram encarregues da tarefa de investigar a necessidade da existência de regulamentação e das consequências da introdução de ensaios obrigatórios de VDTs, tendo sido introduzidos em 1987, de forma não obrigatória, procedimentos de ensaios. O método imposto, designado por MPR-I, especificava um máximo de 0,05 µT para campos magnéticos de muito baixa frequência, na gama entre 1 kHz e 400 kHz, a 50 cm de afastamento directo dos ecrãs. 101 Todavia, como esse método foi considerado como sendo embaraçoso e difícil de avaliar, em Julho de 1991 foi criado um novo método, designado por MPR-II, que especifica níveis máximos inferiores a 0,25 µT para as emissões provenientes de campos magnéticos de reduzidíssima frequência na banda de 5 Hz a 2 kHz (banda 1), e máximos inferiores a 0,025 µT para as emissões de campos magnéticos de muito baixa frequência na banda de 2 kHz a 400 kHz (banda 2). Este método engloba igualmente normativas relativas a ergonomia visual (focagem, distorção de caracteres, tremura do ecrã), emissão de raios X, potencial electrostático, descargas electrostáticas, e campos eléctricos sinusoidais. Adicionalmente, a Confederação Sueca de Trabalhadores TCO, que representa mais de um milhão de empregados, considera que deveriam ser adoptados limites mais restritivos, da ordem de 0,2 µT para as emissões de campos magnéticos extremamente reduzidos, a 30 cm da parte da frente dos ecrãs e a 50 cm das restantes estrutura dos monitores, sendo a justificação baseada no facto de que níveis superiores a esse valor poderiam estar associados ao aumento do risco de cancro, assim como de que os utilizadores de computadores normalmente têm a sua cabeça, mãos e tórax a menos de 50 cm de distância. Note-se que as normas TCO mais recentes incluem também linhas de conduta relativas a consumos de energia, iluminância, tremura do ecrã, e utilização do teclado. Em termos resumidos, no quadro 3.3 expõem-se os limites recomendados pelo MPR-II assim como pelo TCO, não só no que respeita a campos eléctricos mas também a campos magnéticos. É de salientar que alguns especialistas questionam a validade do limite de 0,025 µT para as emissões de campos magnéticos de muito baixa frequência, justificando a sua posição no facto de que estes campos contêm muito mais energia que as emissões de campos magnéticos de reduzidíssima frequência. Esses especialistas mostram que, se os níveis de indução são utilizados para medir a quantidade de energia da radiação, então o nível de 0,25 µT para campos de reduzidíssima frequência corresponde a um nível de 0,001 µT para campos de muito baixa frequência. 102 Gama de frequências MPR-II TCO Campos eléctricos Campos estacionários ± 500 V ± 500 V CRF (5 Hz – 2 kHz) ≤ 25 V/m ≤ 10 V/m CMF (2 kHz – 400 kHz) ≤ 2,5 V/m ≤ 1 V/m ----- ----- Superiores a 400 kHz Campos magnéticos CRF (5 Hz – 2 kHz) ≤ 0,25 µT ≤ 0,2 µT CMF (2 kHz – 400 kHz) ≤ 0,025 µT ≤ 0,025 µT ----- ----- Superiores a 400 kHz CRF – campos eléctricos e campos magnéticos de reduzidíssima frequência CMF – campos eléctricos e magnéticos de muito baixa frequência Quadro 3.3 – Normas de segurança e limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, utilizados na Suécia. Reino Unido Neste país, o National Radiological Protection Board (NRPB) estabeleceu recomendações acerca dos níveis máximos do campo eléctrico e do campo magnético, para as frequências de 50 Hz e de 60 Hz, sem distinção entre locais ocupacionais e locais públicos em geral, como se mostra no quadro 3.4. Os níveis aconselhados foram estabelecidos com base nas correntes induzidas no corpo humano, de elevadas intensidades, não sendo relevantes para as preocupações da opinião pública relativamente ao desenvolvimento de doenças cancerígenas e outras anomalias de saúde. Gama de frequências Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) 50 Hz 12 1600 60 Hz 10 1330 Quadro 3.4 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, utilizados no Reino Unido. Alemanha De acordo com a Lei Federal de Controlo da Poluição, os limites para os campos eléctricos e magnéticos para sistemas de transporte de energia 103 eléctrica de tensão igual ou superior a 1000 V, são respectivamente 5 kV/m e 100 μT, para a frequência de 50 Hz, e 10 kV/m e 300 μT para a frequência de 16 2/3 Hz, utilizada nas linhas ferroviárias electrificadas. Em determinadas circunstâncias, especificadas nas normas, os limites para as densidades de fluxo podem ser excedidos em 100 % em períodos de curta duração, o mesmo sucedendo no que respeita aos limites dos campos eléctricos dentro de áreas reduzidas. b) Estados Unidos Neste país não existem normas governamentais sobre a exposição a campos eléctricos e magnéticos, contudo, alguns estados, têm as suas próprias linhas de conduta relativamente aos níveis de exposição a campos eléctricos nos terrenos circundantes de linhas aéreas de transporte de energia, a 60 Hz, em relação aos quais os proprietários dessas linhas aéreas têm garantia de direitos de construção não só de linhas mas também de centrais e de subestações (terrenos concessionados, designados como rights-of-way ROW na literatura técnica americana). Por outro lado, somente os estados de New York e da Florida fixaram os níveis máximos para exposição a campos magnéticos entre 15 μT e 25 μT, nos limites daqueles terrenos concessionados (edge of ROW), mostrando-se os níveis adoptados nos quadros 3.5 e 3.6. Estas recomendações tiveram como objectivo assegurar que as futuras linhas de transporte de energia não excederiam esses limites. Quanto aos restantes estados têm sido relutantes em estabelecer limites devido às incertezas inerentes a esses próprios limites. Um organismo independente norte-americano, a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), recomenda um limite de 614 V/m para exposição a campos eléctricos nos locais de trabalho, para uma gama de frequências situada entre 30 kHz e 3000 kHz, e 205 μT para campos magnéticos entre 30 kHz e 100 kHz. Como complemento, expõe-se no quadro 3.7 os limites recomendados por esse organismo, para campos eléctricos e magnéticos a 60 Hz, em locais de trabalho, sendo de destacar a preocupação com a saúde de trabalhadores com pacemakers cardíacos. 104 Campo eléctrico (kV/m) Estados ROW Florida 8 (1) 10 (2) Minnesota 8 Montana 7 2 ----- (3) New Jersey ----- New York 11,8 11 (4) 7 (3) Oregon Edge of ROW 1 3 1,6 9 ----- (1) – para linhas aéreas em duplo circuito (69 – 230 kV) (2) – para linhas aéreas com um único circuito (500 kV) (3) – limite máximo para passagens aéreas superiores sobre as linhas (4) – para linhas de 500 kV, em determinados ROW Quadro 3.5 – Limites de exposição para campos eléctricos, utilizados em alguns estados dos Estados Unidos. Estados Campo magnético (edge of ROW) (µT) Florida 15 (1) 20 (2) 25 (3) New York 20 (4) (1) – para linhas aéreas em duplo circuito (69 – 230 kV) (2) – para linhas aéreas com um único circuito (500 kV) (3) – para linhas de 500 kV, em determinados ROW (4) – para linhas de tensão superior a 230 kV Quadro 3.6 – Limites de exposição para campos magnéticos, utilizados nos estados da Florida e de New York. Frequência de 60 Hz Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) Limites máximos 25 1 Trabalhadores com pacemakers ≤1 0,1 Quadro 3.7 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, nos locais de trabalho, recomendados pelo organismo americano ACGIH. 105 c) Normas ICNIRP Em 1989, o International Radiation Protection Association (IRPA) aprovou, interinamente, as linhas de conduta relativas à exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, preparadas pela sua International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP), estando os limites recomendados expostos no quadro 3.8, para a frequência de 50 Hz. Saliente-se que estas recomendações resultaram de um trabalho de cooperação com a World Health Organization (WHO), assim como com a United Nations Environment Program (UNEP), sendo o seu objectivo a prevenção das correntes eléctricas induzidas nas células, assim como a estimulação nervosa, que é sabido ocorrerem com níveis de campos eléctricos e magnéticos típicamente superiores aos que se verificam em áreas residenciais e de trabalho. É de notar que os limites apresentados foram estipulados unicamente para se evitarem riscos imediatos, não tendo sido considerados os riscos inerentes a exposições prolongadas, mesmo de nível reduzido, daí que, em Abril de 1998, o ICNIRP reviu as suas normas, passando a recomendar, para locais públicos em geral, um limite de 100 μT para 50 Hz, e 84 μT para 60 Hz, enquanto que, para os locais de trabalho, os limites passaram a ser de 500 μT a 50 Hz e 420 μT a 60 Hz. Por sua vez, as normas australianas adoptaram as linhas de conduta do ICNIRP, sendo de 0,5 μT o limite para locais ocupacionais, para uma exposição de 8 horas, e acima de 5 μT para 2 horas de exposição. Para outros locais, o limite recomendado é de 0,1 μT. Exposição Campo eléctrico (kV/m) Campo magnético (µT) Locais ocupacionais Dia inteiro 10 0,5 Período curto (2 horas/dia) 30 5 Membros (braços/pernas) ----- 25 Locais públicos Dia inteiro 5 0,1 Poucas horas diárias 10 1 Quadro 3.8 – Limites de exposição para campos eléctricos e campos magnéticos, a 50 Hz, recomendados pelos organismos internacionais IRPA/ICNIRP. 106 Tendo em atenção que as regulamentações que se apresentaram anteriormente consagram níveis de exposição relativos a campos eléctricos e magnéticos, para melhor compreensão da separação entre campos eléctricos e campos magnéticos de frequência reduzidíssima, considere-se o exemplo simples, mas evidente, de um simples candeeiro de secretária, como se mostra esquematicamente na figura 3.13. Quando a lâmpada se encontra apagada, como os condutores se encontram em circuito aberto, mas sob tensão, existe apenas campo eléctrico, que é perpendicular aos condutores. Todavia, quando se fecha o circuito, isto é, quando se acende a lâmpada, o campo eléctrico mantém-se devido à existência da tensão, mas, uma vez que circula corrente nos condutores, passará a existir um campo magnético devido a essa corrente, e cujas linhas de força são circulares e concêntricas em relação aos condutores. Figura 3.13 – Campo eléctrico e campo magnético num candeeiro (a) – lâmpada apagada, existência apenas de campo eléctrico (b) – lâmpada acesa, existência simultânea de campo eléctrico e de campo magnético 3.4.2. Avaliação dos Campos Electromagnéticos Tendo em atenção que os regulamentos e as normativas de segurança recomendam níveis máximos de exposição a campos eléctricos e magnéticos, em locais de trabalho e em locais públicos em geral, torna-se necessário efectuar medições desses campos, obedecendo, contudo, a normas técnicas que indicam os passos e os procedimentos a adoptar, sendo de salientar as seguintes, elaboradas pelo Institute of Electrical and Electronic Engineers IEEE, e que são universalmente aceites: 107 • IEEE 644-1994, que estabelece os procedimentos para as medições de campos eléctricos e magnéticos emitidos por linhas aéreas de transporte de energia. • IEEE 1140-1994, desenvolvida pela IEEE Electromagnetic Compatibility Society, define os procedimentos para a medição de campos eléctricos e magnéticos, de frequência 5 Hz a 400 kHz, na vizinhança muito próxima de ecrãs de monitores de computador. • IEEE P1140.1-1999, desenvolvida pela IEEE Computer Society, define os locais onde as medições devem ser realizadas relativamente aos ecrãs. Posteriormente, os resultados obtidos nas diversas medições deverão ser analisados pelas seguintes razões: • Avaliar o espaço comercial onde monitores de computadores ou outros equipamentos possam ser afectados por outros sistemas eléctricos geradores de interferências electromagnéticas. • Prevenir condições que possam evitar exposições exageradas que comduzam a problemas de saúde a curto e a longo prazo. • Avaliar o impacto de linhas eléctricas de transporte de energia e de outros equipamentos eléctricos de grande potência, no sentido de se elaborarem procedimentos a respeitar em novos projectos. • Avaliar as condições de exposição em habitações e em escritórios, com o objectivo de se confirmar a sua conformidade com os regulamentos de segurança mais relevantes. a) Tipos de Avaliação Na prática, existem três metodologias de medição e avaliação dos níveis dos campos eléctricos e magnéticos: • Avaliação normal (spot survey). É aconselhável para áreas residenciais e comerciais de pequena dimensão, devendo as medições serem efectuadas nos pontos centrais de determinadas áreas seleccionadas, aconselhando-se a expor os resultados obtidos sob a forma de tabelas referenciadas relativamente a esses locais. 108 • Análise por contorno (contour survey). É aconselhável para a maioria dos espaços comerciais e para os espaços abertos, situados nas proximidades de linhas aéreas de transporte de energia. Para se conduzir este processo da melhor forma, deverá ser efectuado um mapa, tipo contorno, com a indicação de todos os pontos onde as medições terão lugar. • Análise dosimétrica (dosimetric survey). Para esta metodologia, deverão ser efectuadas medições num determinado ponto fixo, em áreas residenciais e ocupacionais, a intervalos de tempo regulares e pré-definidos, isto é, horas ou dias. As medições a efectuar, assim como as análises posteriores, deverão incluir os seguintes itens: • Perímetro das áreas residenciais e/ou ocupacionais. • Localização das linhas aéreas de transporte de energia, e de subestações, que se encontrem próximo das áreas em análise. • Descrição e localização dos espaços de entrada dos locais, gabinetes, quartos, salas, áreas comuns, das celas dos postos de transformação, dos quadros eléctricos, e dos condutores e cabos eléctricos. b) Parâmetros de Avaliação Ao efectuar-se a análise posterior aos resultados obtidos nas medições, convém salientar, que os níveis de exposição a campos magné-ticos variam inversamente com a distância r em função dos equipamentos, ou seja, para cabos ou condutores isolados, variam apenas com (1/r); para cabos ou fios eléctricos com dois condutores, variam com (1/r2); e para motores, geradores, transformadores e electrodomésticos equipados com motores, variam com (1/r3). Dever-se-á igualmente explicitar nos respectivos relatórios de avaliação quais as condições climatéricas em que as medições foram realizadas, assim como a duração dessas medições, que se podem classificar em três categorias: • Medições usuais, que se referem à medição de parâmetros, em locais previamente definidos, durante um curto período de tempo. 109 • Medições de longa duração, que são normalmente realizadas num determinado local e numa determinada posição, por exemplo durante todo um dia ou mesmo durante vários dias. • Medições de exposição individual, em que os voluntários transportam consigo os aparelhos de medida durante um determinado período, normalmente 24 horas, com a finalidade de se avaliarem durante esse período quais os diferentes níveis de exposição a que, habitualmente, se encontram submetidos nas suas actividades diárias. 3.4.3. Estudos de Avaliação Devido à importância de que se reveste a exposição a campos eléctricos e magnéticos, são vários os países que têm vindo a proceder a medições e avaliações dos níveis de exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, gerados por linhas de transporte de energia, subestações, e outros equipamentos de utilização diária, como se exemplifica seguidamente: a) Europa No Reino Unido, em medições registadas em 200 habitações localizadas na Inglaterra e no País de Gales, registaram-se níveis de exposição de 37 nT e 54 nT, respectivamente, valores esses obtidos por média geométrica de todos os registos efectuados. Medições idênticas registadas em Avon, conduziram a níveis de 19 nT, 29 nT e 42 nT, também através de média geométrica. Na Alemanha, medições efectuadas durante mais de 3 anos em mais de 300 residências, conduziram a um valor de 32 nT, obtido por média geométrica. Em França, obtiveram-se níveis de 0,010 µT tanto no interior como no exterior de habitações, e apenas 5 % dos casos apresentaram níveis superiores a 0,120 µT. Os valores obtidos nas medições seguiram uma distribuição normal-logarítmica, tendo aqueles níveis sido obtidos por média geométrica. Na Finlândia, como resultado de medições em 37 residências durante 24 horas, obteve-se uma média geométrica de 60 nT. Na Noruega, nos arredores de Oslo, efectuaram-se medições personalizadas durante 24 horas em 65 alunos que habitavam entre 28 m a 325 m de uma linha aérea de transporte de energia a 300 kV, com correntes entre 200 A e 700 A, tendo-se obtido uma média geométrica de 15 nT. 110 b) América do Norte Nos Estados Unidos, em medições realizadas durante um período de 24 horas em cerca de 900 habitações, obtiveram-se níveis médios de 0,06 µT, com 28 % das habitações a apresentarem um nível superior a 0,1 µT. Concluiu-se ainda que 11 % das casas excediam 0,2 µT, e 2 %, 0,5 µT. Através de outro ensaio, também nos Estados Unidos, concluiu-se estatisticamente que a sua população se encontra exposta, durante 24 horas, a campos magnéticos de reduzidíssima frequência de cerca de 0,09 µT, tendo sido igualmente observado que 14 % se encontram expostos a níveis acima de 0,2 µT, 2,5 % acima de 0,5 µT, e menos de 1 % acima de 0,75 µT. Ainda nos Estados Unidos, no estado de Maryland e na cidade de Washington, foi levado a cabo um ensaio relativo à emissão de campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência (Extremely Low Frequency ELF) e de muito baixa frequência (Very Low Frequency VLF), em aparelhos electrodomésticos e de lazer, tendo sido avaliadas as exposições produzidas por 72 televisores utilizados por crianças, e 34 monitores utilizados para jogos de vídeo. Através de média geométrica, concluiu-se que os níveis de exposição a campos magnéticos de ELF e de VLF são, respectivamente, de 0,0091 µT e 0,0016 µT para as crianças que vêem televisão, e de 0,023 µT e 0,0038 µT para as crianças que praticam jogos de vídeo. No Canadá, em medições rápidas e de longa duração efectuadas respectivamente em 24 e 31 residências, concluiu-se que o nível de exposição em 24 horas, obtido por média geométrica, é de 0,107 µT, justificando-se este valor bastante elevado pelo facto das residências sob ensaio se encontrarem muito próximas de linhas de transporte de energia. 3.4.4. Redução dos Níveis dos Campos Electromagnéticos a) Procedimentos gerais Como é evidente, torna-se bastante importante não só para os utilizadores de equipamentos eléctricos e electrónicos, em locais residenciais ou nos seus locais de trabalho, mas também para a população em geral, evitar as exposições a campos electromagnéticos em níveis considerados potenciadores de riscos para a saúde. Assim sendo, apresentam-se seguidamente quais as sugestões a cumprir no sentido de minimizar essa situação: 111 • Efectuar o levantamento de todas as fontes emissoras de campos electromagnéticos. • Instalar cabos de transporte de energia eléctrica e cabos de distribuição em baixa tensão, com condutores entrelaçados e com bainhas de aço, para atenuar a geração e a emissão de campos magnéticos. • Projectar as instalações eléctricas de modo a que os quadros de distribuição e os seus instrumentos de medida fiquem afastados de salas ocupacionais e habitacionais. • Instalar os eléctrodos de terra suficientemente afastados das habitações ou dos locais de trabalho. • Os cabos e condutores eléctricos por onde circulam correntes de elevadas intensidades deverão ser instalados o mais afastados que for possível de espaços de utilização frequente. • Nas instalações de baixa tensão deverão sempre ser utilizados cabos e fios com mais de um condutor. • Manter determinados electrodomésticos, como termoacumuladores, máquinas de lavar roupa, secadores de roupa, afastados de quartos de dormir e das cozinhas. • Evitar utilizar cobertores eléctricos nas camas e relógios de alarme nas mesas de cabeceira. • Utilizar blindagens magnéticas em zonas onde os níveis de geração de campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência possam ser elevados. b) Monitores de Computador (VDTs) Neste equipamento, as fontes geradoras de campos eléctricos de muito baixa frequência são as fontes de alimentação e as bobinas de deflexão, podendo estes componentes criar um potencial superficial de alguns kilovolts, dependendo da humidade, temperatura, velocidade do ar, e da concentração iónica do ar. Como é sabido, a redução destes potenciais electrostáticos assim como dos campos eléctricos é feita exteriormente instalando sobre o ecrã do monitor uma placa transparente ligada à terra, e interiormente, pelos construtores, através de uma blindagem metálica envolvente da fonte de alimentação. 112 Apesar de não haver evidências que comprovem o aparecimento de problemas de saúde induzidos pela exposição a VDTs, é, no entanto, de todo o interesse reduzir os níveis de exposição, adoptando as seguintes medidas: • Utilizar VDTs de baixa radiação. • Fazer intervalos periódicos, por exemplo de hora a hora, para reduzir o cansaço e a tensão oculares, assim como para relaxar todo o sistema muscular, devido à posição de trabalho. • A maioria das emissões de campos eléctricos e magnéticos provêm dos componentes indutivos, instalados no interior da caixa, junto às suas paredes laterais e à parede de fundo. Como tal, deve-se evitar estar sentado muito próximo de monitores, devendo a distância mínima à parte traseira de outros monitores ser igual ou superior a 120 cm, como se ilustra na figura 3.14. Além disso, esta figura mostra ainda qual a posição ergonómica mais correcta para o corpo humano, sendo ainda aconselhável manter a cabeça a uma distância mínima de 70 cm do monitor. Figura 3.14 – Posição ergonómica de trabalho, e distâncias mínimas recomendadas entre computadores e utilizadores. • Evitar os problemas ergonómicos, escolhendo convenientemente os assentos, os ratos e os teclados, devendo igualmente evitar-se a utilização de materiais metálicos mesmo nas armações de óculos, para evitar potenciar a acção dos campos eléctricos e magnéticos. • Não instalar computadores em quartos de dormir, nem mesmo noutras salas junto de paredes que façam a separação para quartos, na medida em que os 113 materiais de construção são permeáveis às linhas de força dos campos eléctricos e magnéticos. • Antes de se utilizar um computador em pleno, deve ser deixado numa sala bem ventilada, com o objectivo de permitir a dissipação de gases químicos ainda presentes nos plásticos e nos componentes dos circuitos electrónicos. • Os computadores devem ser totalmente desligados sempre que não estejam a ser utilizados. • Os VDTs deverão ser substituídos, assim que possível, por LCDs, na medida em que consomem bastante menos energia e, virtualmente, não emitem campos. Todavia, os teclados e os ratos dos novos computadores passaram a ser as fontes emissoras uma vez que a transmissão se processa sem fios. 114 CAPÍTULO 4. RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA 4.1. FONTES DE RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA 4.1.1. Definições e Conceitos A rádio teve início, em termos práticos, em 1909, quando o físico e empresário italiano Guglielmo Marconi (1874-1937) deu utilização às invenções e inovações dos seus predecessores, Heinrich Hertz e Nikola Tesla, ao enviar o primeiro sinal sem fios através do Atlântico Norte, entre Poldhu (Cornualha, Reino Unido) e St. John, na Terra Nova, Canadá. Desde então, a rádio, como passou a ser conhecida a telegrafia sem fios, tornou-se uma componente essencial da vida quotidiana, representando um dos maiores negócios da actual economia global, como se pode constatar com a dramática expansão dos telefones celulares. O termo rádio-frequência (RF) refere-se a uma corrente alternada que, se for fornecida por uma antena, gera campos electromagnéticos, campos esses adequados para serem utilizados em comunicações sem fios, rádio, televisão, e outras aplicações industriais, científicas e médicas. A rádio-frequência cobre uma zona muito importante e significativa do espectro de radiação electromagnética, estendendo-se de poucos kilohertzs, dentro da gama de audição humana, até aos milhares de gigahertz. De acordo com a definição do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), a radiação de rádio-frequência (na terminologia normalizada anglo-saxónica, radio frequency radiation RFR) é uma banda do espectro electromagnético que abrange uma gama de frequências entre 3 kHz e 300 GHz. Por outro lado, a radiação de microondas (microwave MW) é usualmente considerada como um subconjunto da RFR, apesar de, em definições alternativas, se considerar a RF e as MW como duas regiões espectrais separadas. Note-se que as microondas ocupam a região espectral entre 300 GHz e 300 MHz, enquanto que a rádio-frequência se estende entre 300 MHz e 3 kHz. Atendendo a que possuem características similares, a RF e as MW serão designadas apenas como sendo a RFR, ao longo deste capítulo. No quadro 4.1 expõem-se as aplicações e as gamas de frequências da RFR. 115 Aplicações Gama de frequências Radiação de rádio-frequência RFR 3 kHz – 300 GHz Gerais Rádio AM (modulação de amplitude) 535 – 1705 kHz Rádio FM (modulação de frequência) 88 – 108 MHz Canais de TV 54 – 88 / 174 – 220 MHz Televisão UHF 470 – 806 MHz Pagers comerciais 35, 43, 152, 158, 454, 931 MHz Rádio-amadorismo 10,1 – 10,15 / 14 – 14,35 / 18,068 – 18,168 / 21,0 – 21,45/ 24,89 – 24,99 / 28,0 – 29,7 MHz Sistemas celulares NMT 450 453 – 457,5 / 463 – 467,5 MHz NMT 900 890 – 915 / 935 – 960 MHz AMPS 825 – 845 / 870 – 890 MHz TACS 890 – 915 / 935 – 960 MHz ETACS 872 – 905 / 917 – 950 MHz GSM 900 890 – 915 / 935 – 960 MHz DCS 1800 1710 – 1785 / 1805 – 1880 MHz Sistemas sem fios (rede telefónica fixa) CT-2 864 – 868 MHz DECT 1880 – 1900 MHz PHS 1895 – 1918 MHz PACS 1910 – 1930 MHz PCS 1850 – 1990 MHz Industriais, científicas, e médicas ISM 433, 915, 2450 MHz Aquecimento por RF Fornos microondas 13,56; 27,12; 40,68; 100 MHz 2450 MHz Quadro 4.1 – Aplicações e gamas de frequências da RFR. A RFR é descrita como sendo uma série de ondas de energia electromagnética constituídas por campos eléctricos e magnéticos oscilatórios, que se propagam através do espaço à velocidade da luz c = 3 x 108 m/s, e que não carecem de um meio material para que se verifique a transmissão. Note-se que a velocidade de propagação destas ondas é atenuada em meios como o ar, a 116 água, o vidro, e os tecidos biológicos, e radiam a partir da sua fonte de transmissão em “pacotes” de energia que combinam as características de ondas e de partículas. Por outro lado, são reflectidas, refractadas ou absorvidas pelos seus receptores ou por qualquer outro objecto que se encontre na sua trajectória. As aplicações da energia de rádio-frequência RF incluem os seguintes campos de aplicação e equipamentos: • Estações de rádio e televisão. • Comunicações via rádio em microondas ponto-a-ponto, comunicações móveis de rádio (walky talks) e celulares, pagers, comunicações rádio navios-terra. • Rádio amadorismo, e rádio na banda do cidadão. • Navegação aérea e marítima, e radar – militar e civil para vigilância e indicação de rotas, controlo do espaço aéreo, controlo do tráfego rodoviário, vigilância meteorológica e predição do clima. • Processamento e confecção culinária, fornos de RF, soldadura a alta frequência, equipamentos de secagem a microondas, fornos microondas. • Amplificadores de potência utilizados em compatibilidade electromagnética e em metrologia. Saliente-se que os consumidores utilizam muitos dos equipamentos e aplicações discriminadas, mais ou menos consoante o seu bem-estar pessoal, social e económico, contudo a questão dos riscos inerentes à exposição a radiações de rádio-frequência, como sucede de maneira similar com os riscos associados à exposição a campos eléctricos e magnéticos de frequência reduzidíssima, como se analisou pormenorizadamente no capítulo anterior, é um assunto de extrema importância, que diz respeito a todos, indiferenciadamente. 4.1.2. Elementos de um Sistema de RFR A radiação de rádio-frequência RFR é emitida a partir de três elementos básicos, de qualquer sistema sem fios – gerador, trajecto da transmissão, e antena –, como se esquematiza na figura 4.1. 117 Figura 4.1 – Elementos básicos de um sistema de transmissão sem fios. a) Geradores Estes geradores, também designados por fontes de RF, convertem potência eléctrica em radiação, utilizando determinadas tecnologias tais como os osciladores ou os magnetrões. As necessidades de radiação do sistema determinam o tipo de gerador ou fonte, sendo a potência de saída, o rendimento, a dimensão, a largura de banda, a frequência, e a técnica de modulação os parâmetros mais importantes de dimensionamento. O oscilador representa a fonte mais básica de RF, e consiste num circuito ressonante usualmente equipado com andares de amplificação e circuitos de retroacção. Operam pelo princípio da modulação da velocidade e da corrente, e o seu princípio de funcionamento consiste na injecção de uma corrente de electrões num tubo de vácuo para, de uma forma alternada, acelerarem ou retardarem essa corrente de electrões, consoante a frequência de saída desejada. Quanto ao magnetrão, é um gerador de pequena dimensão que comporta um tubo de vácuo e cavidades de ressonância. Não requer um oscilador, e os electrões deslocam-se do cátodo para o ânodo, através dessas cavidades, induzindo correntes com as frequências pretendidas para a radiação. b) Linhas de Transmissão O objectivo destas linhas consiste em guiar a energia, através das ondas electromagnéticas geradas na fonte, até às antenas de recepção e de propagação. Essa transmissão é conseguida através dos seguintes meios: • Linhas com Dois Condutores. Estas linhas, constituídas por dois comdutores com a mesma secção, instalados no mesmo cabo, são uma das 118 tecnologias mais antigas utilizadas em canais de comunicação, sendo essencialmente aplicadas em redes telefónicas que operam em frequências que não ultrapassam 100 MHz. Atendendo a que existe uma ligação indutiva e capacitiva entre os vários condutores do mesmo cabo, em termos de cálculo e análise, estas linhas são caracterizadas, como se esquematiza na figura 4.2, através dos seus parâmetros distribuídos R – resistência por unidade de comprimento, L – indutância por unidade de comprimento, G – condutância por unidade de comprimento, e C – capacidade por unidade de comprimento. Quanto mais próximos estiverem os cabos entre si, mais elevadas serão aquelas ligações indutivas e capacitivas, tendo como consequência o aparecimento de conversações telefónicas cruzadas. Saliente-se que ambos os condutores são entrançados, com o duplo objectivo de diminuir a emissão de campos electromagnéticos, assim como de atenuar as interferências por parte de campos eléctricos e magnéticos exteriores. Figura 4.2 – Linha de transmissão com dois condutores, e parâmetros distribuídos. • Cabos Coaxiais. Estes cabos representam o modo mais comum para as linhas de transmissão de alta frequência. Os dois condutores necessários para a transmissão da energia são, respectivamente, o condutor central e a baínha metálica condutora, estando isolados entre si através de um material dieléctrico, normalmente o polietileno, como se mostra esquematicamente na figura 4.3. Estes cabos são adequados para transmissões de longa distância com um número elevado de dados, e 119 apresentam uma baixa atenuação dos sinais e uma elevada imunidade às interferências exteriores de campos eléctricos e magnéticos. Figura 4.3 – Constituição de um cabo coaxial de transmissão de dados. • Guias de Onda. Estes componentes metálicos, normalmente ocos, como se mostra na figura 4.4, podem apresentar formas rectangulares ou tubulares, sendo utilizados para a transferência de sinais de frequências muito elevadas, superiores a 2 GHz. Estes guias de onda apresentam perdas muito reduzidas, o que significa que as ondas ao percorrê-los não apresentam praticamente atenuação. Além disso, podem ser agrupados em pares, sem que percam contacto com as respectivas ondas, e sem gerarem reflexões. Figura 4.4 – Guias de onda, de forma rectangular (a), e de forma tubular (b). c) Antenas Como se viu anteriormente, a antena é o último componente de um sistema de transmissão sem fios, sendo uma estrutura que tem como funções assegurar a transição de uma onda electromagnética guiada, proveniente de uma linha de 120 transmissão, para uma onda electromagnética que se irá propagar no espaço, podendo igualmente ser utilizadas como transdutores de sinal de linhas de transmissão, para o meio envolvente. As antenas são equipamentos recíprocos, isto é, funcionam nos dois sentidos, como emissores ou como receptores: Como emissores, radiam as ondas electromagnéticas para o espaço, e como receptores, fazem a recepção dessa radiação, encaminhando-a para transdutores e cabos de transmissão. A selecção e o projecto de uma antena são directamente influenciados por parâmetros como a dimensão, a gama de frequências, a potência de saída, a directividade, o ganho, a técnica de propagação, a polarização, e a impedância eléctrica, justificando-se a existência de uma larga gama de tipos de antenas. Adicionalmente, as propriedades das antenas, que se discriminam seguidamente, são o aspecto mais importante associado à avaliação dos riscos da radiação: • Bel. É um termo utilizado para a medição do som, tendo em atenção que o ouvido humano tem uma resposta logarítmica. Define-se como sendo a razão entre a potência de saída Po e a potência de entrada Pi. • Decibel. Com a finalidade de se trabalhar com a banda larguíssima de frequências em telecomunicações, é conveniente utilizar-se uma escala logarítmica, de base 10, para se comparar os níveis da potência de saída, multiplicando-se ainda o resultado por 10, sendo a unidade o decibel (dB). Por exemplo, o ganho de um amplificador é determinado através da seguinte expressão: ⎛ P ⎞ G = 10 log ⎜⎜ o ⎟⎟ dB ⎝ Pi ⎠ • Directividade. É a capacidade da antena em concentrar a radiação na direcção pretendida. Numericamente, é calculada como sendo a razão entre a intensidade da radiação numa determinada direcção a partir da antena, e a intensidade média da radiação em todas as direcções. • Ganho. Representa o parâmetro mais importante no projecto e no desempenho da antena, sendo definido como o produto do rendimento 121 da antena pela sua directividade. É calculado através da seguinte expressão, sendo Ae a área efectiva de abertura da antena (m2), e λ o comprimento de onda da radiação (m): G= • 4 π Ae λ2 Polarização. A polarização de uma onda electromagnética representa a orientação das linhas de força do vector campo eléctrico relativamente à superfície da Terra, existindo dois tipos básicos de polarização: Linear (vertical e horizontal), e elíptica (normalmente circular). • Zona de proximidade do campo. É a região que se encontra muito próxima da antena, e na qual os campos eléctrico e magnético não exibem uma relação entre si de onda plana (perpendicularidade entre os respectivos vectores), e a potência radiada por unidade de área não diminui com o quadrado da distância à fonte, mas varia consideravelmente de ponto para ponto. • Zona de afastamento do campo. É a região que se encontra de tal modo afastada da antena, onde a potência radiada por unidade de área diminui com o quadrado da distância à fonte. A energia radiada é armazenada alternadamente nos campos eléctrico e magnético da onda electromagnética em propagação. Quanto aos vectores campo eléctrico e campo magnético, são perpendiculares entre si e perpendiculares, por sua vez, ao vector de Poynting, que tem a direcção e o sentido da onda em propagação. A distância RNF (m) entre a antena e a denominada zona de afastamento do campo (zona longe do campo), é calculada através da seguinte expressão: RNF = 2 D2 λ sendo D a maior das distâncias à estrutura radiante (m), e λ o comprimento de onda da radiação (m). Na prática, quando se efectuam estudos de caracterização de riscos de exposição às radiações, esta zona de afastamento do campo é marcada 122 com uma distância 75 % mais curta, daí que se utilize na sua determinação a seguinte expressão, adaptada da anterior: RNF = 0,5 D2 λ Como se salientou anteriormente, existem diversos tipos de antenas, como se mostra na figura 4.5, utilizadas em transmissões de rádio e TV, sistemas de radar, comunicações de rádio, comunicações celulares, e muitas outras aplicações. Figura 4.5 – Tipos de antenas de comunicações. • Antena isotrópica (isotropic antenna). É uma antena hipotética que radia potência igualmente em todas as direcções, sendo utilizada como uma referência de base no estudo da radiação das antenas reais. 123 • Antena em fio (wire antenna). Como é do conhecimento geral, um simples fio metálico comporta-se como sendo uma antena, não tendo necessariamente que ser rectilíneo. Estas antenas são projectadas para operarem a frequências entre 2 MHz e 30 MHz, sendo o seu comprimento tanto maior quanto mais baixa for a frequência. • Antena de meia-onda (half-wave antenna). É uma antena cujo compri- mento eléctrico é igual a metade do comprimento de onda do sinal de rádio. • Antena de cabo (line antenna). É constituída por um simples cabo, como sucede por exemplo nos navios, em que se encontrava estendida entre as extremidades dos dois mastros. A velocidade de onda é muito próxima da velocidade no vácuo, daí serem utilizadas para a transferência directa da radiação para o vácuo. • Antena circular (loop antenna). É utilizada na transmissão de rádio AM na banda das ondas longas, e são bastante direccionais podendo ser dimensionada com mais de uma espira. • Antena log-periódica (log-periodic antenna). É uma antena de banda larga, constituída por dipolos de comprimento sucessivamente decrescente, e ligados em paralelo ao longo da fonte. • Antena parabólica (dish antenna). Estas antenas são utilizadas para a recepção e transmissão de ondas de rádio para satélites e estações terrestres, recebendo as ondas e focalizando-as através da superfície parabólica do reflector, para um transdutor, que conduzirá o sinal através de uma linha de transmissão com fios. É o caso, por exemplo, das antenas domésticas e industriais de recepção de sinais de televisão. • Antena micro-pastilha (microstrip antenna). É uma antena tipo micro- ship, de baixo perfil, em que uma área de material condutor é depositada sobre um dieléctrico de pequena espessura, sendo utilizada em aplicações de microondas, daí as suas reduzidíssimas dimensões. • Antena helicoidal (helical antenna). É, basicamente, constituída por um fio metálico enrolado sob a forma de hélice, sendo utilizadas numa banda larga de frequências. Podem facilmente gerar ondas polarizadas circulares. 124 • Antena com orifício (slot antenna). É um elemento radiante (orifício), criado por uma cava numa superfície condutora ou numa parede de um guia de onda. • Antena de painel (panel antenna). Esta antena, também denominada de antena direccional, é uma antena ou um conjunto de antenas, de forma rectangular e de espessura reduzida, projectadas para concentrar a radiação numa determinada área. É utilizada em estações celulares em cidades e em áreas suburbanas onde seja necessária uma grande capacidade de resposta para elevadas concentrações populacionais. • Antena Yagi-Uda (Yagi-Uda antenna). É uma das mais familiares antenas, uma vez que é comummente utilizada na recepção de sinais de televisão, representando uma matriz passiva, com um único elemento principal que conduz a energia para os restantes elementos, parasitas. • Matriz de antenas (antenna array). É constituída por um conjunto de antenas, que, no seu todo, se comportam como uma só. Cada matriz activa tem os seus elementos individuais alimentados pelas suas próprias fontes, enquanto que as matrizes passivas possuem um elemento principal que tem como função conduzir a energia radiante para os elementos parasitas. • Matriz de antenas direccionais (phased array antenna). É um conjunto de antenas, semelhante ao anterior, mas em que os seus elementos podem ser electronicamente orientados, mantendo-se contudo estática a estrutura da antena, com a finalidade de orientar a emissão de ondas. 4.1.3. Transmissores de Rádio e Televisão As estações de rádio (telefonia) e de televisão transmitem os seus sinais através de antenas de AM e de FM, podendo a gravidade desses sinais no que respeita à exposição a que se encontram sujeitos quer trabalhadores quer o público em geral, ser avaliada através das respectivas frequências da radiação – 535 kHz a 1705 kHz para as transmissões de rádio em AM, e 2 MHz a 806 MHz para rádio em FM e para televisão em VHF (Very High Frequency) e UHF (Ultra High Frequency). 125 a) Estações de Rádio AM A modulação de amplitude constitui um processo simples e efectivo de transmitir informação, e opera numa frequência específica, não havendo alterações de potência do sinal transmitido. Um aspecto importante que interessa realçar relativamente à existência de antenas de rádio de altas frequências, consiste na existência de campos eléctricos polarizados com uma direcção vertical, através da matriz de antenas, de dimensão considerável e com polarização horizontal. Esses campos eléctricos polarizados verticalmente são devidos à elevada diferença de potencial eléctrico de RF entre os elementos das antenas e o solo, podendo induzir correntes de elevada intensidade no corpo de pessoas que se encontrem muito próximas das antenas. Em alguns casos, essas correntes induzidas poderão exceder os limites máximos de exposição aconselháveis, muito antes dos campos eléctricos e magnéticos excederem os seus correspondentes limites de exposição. b) Estações de Rádio FM O conceito de frequência modulada foi introduzido como uma alternativa ao sistema AM, em 1931, e consiste em “super-impor” um sinal inteligente de áudio ou de vídeo sobre uma alta frequência. O sinal parte assim do seu valor de referência, com um montante proporcional à amplitude do sinal inteligente. As estações de rádio FM transmitem na banda de 88 MHz a 108 MHz, consistindo as antenas numa matriz de elementos, por vezes em grande número, instalados lateralmente nas respectivas torres, sendo o afastamento entre os elementos de cerca de um comprimento de onda, isto é, de cerca de 3 metros. Estas antenas são omnidireccionais, produzindo assim um espectro de cobertura com forma circular. c) Estações de Televisão FM Os canais de televisão em FM operam nas bandas 54 – 88 / 174 – 220 MHz em VHF, e na banda 470 – 806 MHz em UHF, consistindo as antenas numa matriz de elementos radiantes instalados numa torre. Quando comparadas com as antenas FM, os elementos são mais complexos de projectar e radiam menos energia para o solo, sendo as torres bastante mais altas que as utilizadas na transmissão de rádio em FM. 126 4.1.4. Sistemas de Radar O termo radar é um acrónimo, utilizado pela marinha dos Estados Unidos (United States Navy) em 1942, e significa radio detecting and raging, tendo sido desenvolvido para fins militares em 1940. Após a segunda guerra mundial, além das finalidades militares, este sistema passou também a ser utilizado para fins civis, como por exemplo na navegação aérea, marítima e ferroviária (comboios de grande velocidade TGV e ICE), em meteorologia, e no controlo do tráfego rodoviário. Basicamente, o radar emite sinais de RFR, através de uma antena rotativa de forma a varrer todas as direcções, sinais esses que são constituídos por cerca de 1500 impulsos por segundo de elevada potência, tendo cada impulso uma duração entre 10 μs e 50 μs. Estes sinais são, por sua vez, reflectidos por um objecto ou por uma superfície, sendo captados pela mesma antena, o que permite determinar a distância a que os objectos se encontram. Ou seja, a antena emite e recebe sinais alternadamente, com comprimentos de onda entre 1 cm e 1 m, aos quais correspondem respectivamente as frequências de 300 MHz e 30 GHz. a) Radares Estacionários Estes radares são fontes estacionárias de RFR, utilizadas para controlar, assistir ou fornecer informações relativas a tráfego em terra, no mar e no ar, como por exemplo os radares de controlo da navegação aérea, os radares de controlo do espaço aéreo, os radares de profundidade, os sistemas de aterragem de aeronaves por instrumentos, os radares de previsão meteorológica, e os radares utilizados em investigação científica, sendo de realçar que todas estas instalações se encontram montadas em terra ou ao longo da costa. Como se mostra na figura 4.6, uma matriz de antenas direccionais de um sistema de radar multifunções emite electronicamente vários feixes de ondas, com funções diferenciadas. A intensidade da radiação depende de diversos factores, como sejam a frequência da radiação, as características da fonte, a potência a transmitir, a largura dos impulsos, a taxa de repetição, e a distância da fonte. Saliente-se que os trabalhadores dos aeroportos incorrem amiudadamente no risco de sobre-exposição a radiações de RFR, se permanecerem demasiado tempo próximo das instalações de radar, o mesmo sucedendo com 127 passageiros frequentes, que são obrigados a permanecer também durante bastante tempo nos aeroportos. Figura 4.6 – Sistema de radar fixo, multifunções. b) Radares de Controlo do Tráfego Actualmente, a utilização do radar por parte das autoridades policiais no controlo do volume de tráfego rodoviário bem como das velocidades praticadas, tornou-se usual e massificada, situação que teve o seu início apenas a partir de 1970. Os primeiros radares, em 1970, operavam com uma frequência de 10,525 GHz, ou seja, na banda dos raios X e, em 1975, foi introduzida a segunda geração, a operar a 24,15 GHz, tendo a terceira geração entrado em funcionamento na década de 1990, utilizando a gama entre 33,7 GHz e 36 GHz. Estes radares transmitem um sinal de baixa potência, de uma forma contínua, detectam uma parte da energia reflectida por um objecto em movimento, por exemplo a matrícula de uma viatura, e comparam a frequência do sinal recebido com a frequência do sinal transmitido. A diferença entre essas frequências é directamente proporcional à velocidade do veículo relativamente à unidade de radar – efeito Doppler. Comparativamente com outros tipos de radares estacionários, o nível de potência dos radares de controlo de tráfego é muito reduzida, sendo igualmente mais baixa quando comparada com outras fontes emissoras de RF, utilizadas muito próximo de pessoas, tais como os telefones celulares. 128 Os radares de tráfego podem ser estacionários ou móveis. Em relação aos primeiros, são utilizados por um agente colocado numa posição fixa, enquanto que os segundos (figura 4.7) são instalados numa viatura de patrulha em movimento, podendo suceder duas situações opostas: Quando se controlam viaturas que circulam em sentido contrário, as duas velocidades são somadas, sendo a velocidade da viatura controlada obtida por subtracção da velocidade do carro patrulha. Por outro lado, quando as duas viaturas circulam no mesmo sentido, a velocidade da viatura é igual à subtracção entre as duas velocidades. Figura 4.7 – Radar móvel de controlo do tráfego. Os níveis da radiação emitida por estes tipos de radares são inferiores aos limites considerados de segurança, a alguns metros de distância da antena. Todavia, no caso dos radares estacionários, o nível de radiação poderá ultrapassar os limites de segurança na vizinhança da antena. 4.1.5. Estações Terrestres de Rastreio de Satélites Os satélites de comunicações em órbita terrestre têm como funções assegurar as comunicações telefónicas globais, contribuir para a previsões meteorológicas através da recolha de imagens da evolução de fenómenos atmosféricos, recolher imagens da terra para se avaliar de situações de atentados ambientais, assegurar transmissões televisivas, e servir de plataforma para o sistema de posicionamento global (global positioning system GPS). Quanto às estações de rastreio terrestres, do interesse público no que respeita às emissões de radiação RFR, consistem em antenas parabólicas de grande dimensão, utilizadas para transmitir ou receber sinais via satélite, figura 4.8. 129 Figura 4.8 – Sistema de comunicações por satélite. Devido às grandes distâncias envolvidas, por exemplo 36000 km para os satélites geoestacionários, os níveis de potência necessários para a transmissão dos sinais são relativamente mais elevados quando comparados com outros sistemas de transmissão terrestres. Uma vez que o diâmetro dos feixes hertzianos é muito reduzido e como estes feixes são altamente direccionais, é praticamente impossível alguém do grande público ficar exposto a essa radiação. Quanto à radiação ao nível do solo, depende do ângulo de inclinação da antena, do seu formato, e da intensidade do sinal, podendo os trabalhadores que tenham que estar presentes junto às antenas, temporariamente para intervenções de manutenção, poderão ser sujeitos a elevados níveis de radiação, caso não sejam tomadas as devidas precauções. Por outro lado, algumas antenas são apenas utilizadas como receptores de informação, como sucede com as antenas domésticas de TV, e que não constituem qualquer risco para o público. 4.1.6. Comunicações por Microondas Estas comunicações, ponto-por-ponto, permitem ligar com elevada eficiência, via rádio, locais muito próximos, sem obstrução. As antenas de microondas transmitem e recebem sinais de muito baixa potência através de curtas distâncias, como se mostra na figura 4.9. Estas antenas são usualmente rectangulares ou circulares, tendo uma grande variedade de aplicações, como sejam a transmissão de mensagens via telefone ou telégrafo, e a ligação entre 130 estúdios de rádio e de TV por cabo com as respectivas antenas de transmissão. Além da sua reduzida energia, atendendo ainda a que os feixes são alinhados com grande precisão e que a dispersão é mínima ou insignificante, não é expectável a existência de riscos para a saúde humana. Figura 4.9 – Sistema de transmissão de microondas. 4.1.7. Equipamento Móvel de Rádio Este sistema móvel representa a forma mais antiga de comunicação sem fios, tendo tido o seu início em 1921 nos Estados Unidos, operando a uma frequência de 2 MHz. Permite a comunicação de pessoas entre si ou de pessoas com uma central fixa, como sucede por exemplo com os serviços de bombeiros, com as forças de segurança, com o pessoal dos aeroportos, com as empresas de segurança, com os serviços de transportes, ou mesmo dentro de empresas para que os trabalhadores de diversos sectores de actividade, dependentes uns dos outros, possam comunicar entre si. Cite-se o caso de uma unidade de manutenção de material circulante ferroviário, em que, com grande frequência, as equipas que se encontram no parque de material necessitam comunicar com os serviços que se encontram no interior do edifício, bem como com outras brigadas em serviço. Estes sistemas utilizam a polarização vertical, daí que as antenas utilizadas sejam verticais, quer estejam instaladas em locais fixos ou em viaturas, tendo estas últimas um comprimento que depende do comprimento de onda. Por outro lado, os veículos representam um bom elemento de recepção, sendo no entanto aconselhável instalar as antenas no centro do tejadilho, sempre que possível, para se dispor de uma larga superfície metálica. 131 4.1.8. Comunicações Celulares a) Generalidades O cenário celular é radicalmente diferente das comunicações móveis de rádio, na medida em que é um tipo de transmissão, analógica ou digital, de banda limitada, no qual um assinante dispõe de uma ligação sem fios, de um telefone celular até uma estação de base relativamente próxima. O primeiro sistema celular, que deu origem à primeira geração, surgiu em 1971, por iniciativa da empresa de telecomunicações americana AT&T Bell Laboratories, com a designação de Advanced Mobile Phone System AMPS, tendo o grande desenvolvimento começado na década de 1980, representando actualmente as comunicações celulares o sector das telecomunicações em mais rápida expansão, com uma taxa de crescimento de 40-50 % por ano, tudo indiciando que serão, num futuro muito próximo, o meio preferido de telecomunicação. O sistema AMPS foi instalado na América do Norte, Austrália, e em alguns países da Ásia. Seguiram-se outros sistemas de primeira geração, analógicos, como o NMT-450 e o NMT-900, na Escandinávia, na restante Europa, e em partes da Ásia; o C-Netz na Alemanha, Áustria, Portugal e África do Sul; o RC2000 em França; o TACS e o ETACS no Reino Unido, na Irlanda, e em partes da Ásia; o RTMS em Itália; e o MCSL1 e o JTACS no Japão. Na década de 1990 surgem os sistemas celulares digitais, oferecendo um largo número de serviços de valor acrescentado, como sucedeu com o Global System for Mobile Communication GPS, tendo-se registado uma expansão significativa no número de subscritores. Presentemente, a normalização faz parte dos sistemas celulares de terceira geração, sendo promovida pelo European Telecommunication Standardization Institute ETSI, através de um projecto designado por Universal Mobile Telecommunication System UMTS, e com a participação da International Telecommunication Union ITU, onde é designado por IMT2000, tendo este sistema sido adoptado já na década de 2000, sendo as bandas de frequência 1920-1980 MHz e 2110-2170 MHz. Esta terceira geração caracteriza-se por apresentar uma plataforma com uma oferta variada de outros serviços integrados, como a Internet sem fios, a transmissão de dados, o acesso à informação noticiosa, e a captação de imagens fixas e em movimento. 132 Como se esquematiza na figura 4.10, espera-se que, a partir de 2010, sejam apresentados os sistemas da quarta geração e, a partir de 2020, os da quinta geração. Saliente-se que os telefones sem fios (cordless phones), isto é, os terminais que circulam livremente nas residências ou em escritórios e serviços públicos, não devem ser considerados, no sentido estrito do termo, como sendo um serviço, mas sim mais um produto de consumo, integrado na rede telefónica fixa. Figura 4. 10 – Evolução das comunicações celulares. Por sua vez, na figura 4.11 mostra-se a estrutura de um sistema celular de comunicações. Figura 4.11 – Sistema celular de comunicações típico. 133 A associação entre o equipamento electrónico e as respectivas antenas de comunicações celulares, é comummente referida com Base Transceiver Station BTS, tendo cada BTS um conjunto de antenas emissoras e receptoras. As estruturas BTS possuem uma altura compreendida entre 10 m e 75 m, e utilizam antenas omnidireccionais. A potência radiada efectiva (effective radiated power ERP) de um sistema celular depende do número de canais autorizados, sendo o seu valor, em zonas urbanas, de 100 W por canal, potência esta à qual corresponde um verdadeiro valor de potência radiada (actual radiated power) de 5 a 10 W. Por outro lado, existem ainda as estações móveis e portáteis, que incluem os aparatos utilizados em comunicações sem fios, em comunicações celulares, e nos serviços de comunicação por satélite. Uma estação móvel é definida como sendo um equipamento de transmissão/recepção, utilizado numa posição não fixa, como é o caso dos telefones celulares, dos veículos com antenas instaladas, e dos sistemas de computadores pessoais sem fios. Por outro lado, uma estação portátil é definida como sendo um equipamento utilizado com a sua estrutura radiante em contacto directo com o corpo humano, como é o caso dos sistemas celulares de mãos-livres, dos auriculares, e dos sistemas telefónicos dos computadores pessoais. Quanto à potência máxima de RF destas estações, os seus valores são de 0,8 W, 2 W e 5 W para os sistemas celulares de mãos livres, e de 8 W e 20 W para as estações portáteis e para os sistemas instalados em veículos. b) Tecnologias Celulares Os telefones celulares transmitem sinais analógicos – os da primeira geração, já retirados –, ou sinais digitais, tendo os sinais analógicos uma natureza contínua, enquanto que os sinais digitais são discretos. As tecnologias que têm vindo a ser utilizadas nas comunicações celulares são as seguintes: • Frequency Division Multiple Acess FDMA. Consiste numa divisão da banda de frequências utilizadas nas comunicações celulares, em vários canais, cada um dos quais podendo assegurar uma conversação de voz, ou então, no caso do serviço digital, transportar dados digitais. A FDMA constitui a tecnologia básica dos sistemas celulares analógicos. 134 • Time Division Multiple Acess TDMA. Foi utilizada pela primeira vez no Japão em 1982, na medida em que permite a redução do custo das estações de base, desde que existam bastantes utilizadores a partilhar o mesmo transceiver. Esta tecnologia foi utilizada em todos os sistemas de segunda geração, e, em 1987, a TDMA de banda estreita com 200 kHz foi escolhida como standard para o sistema GSM. Em 1989, foi ainda seleccionada como a tecnologia digital standard para o sistema AMPS, com uma largura de banda de 30 kHz. • Code Division Multiple Acess CDMA. É uma alternativa às duas tecno- logias anteriores, e utiliza todo o espectro da largura de banda, para todos os utilizadores, ou seja, todas as transmissões partilham a mesma largura de banda em simultâneo. 4.1.9. Comunicações Multimédia sem Fios Nos anos mais recentes, concentraram-se grandes esforços humanos e materiais na investigação de sistemas sem fios, aptos a assegurar serviços interactivos e de multimédia aos consumidores, de forma a poderem utilizá-los onde quer que se encontrem, e em qualquer instante. Os avanços nas redes de alta velocidade na transmissão de dados, nas comunicações sem fios, na tecnologia dos circuitos integrados, e nas aplicações de base multimédia, contribuíram decisivamente para a emergência e consolidação dos sistemas de comunicações multimédia sem fios. Actualmente, os computadores portáteis permitem também a sua utilização como ecrãs de cinema vídeo e de vídeo-telefone. Um dos inconvenientes deste sistema encontra-se directamente relacionado com os computadores portáteis, que funcionam como emissores/receptores de informação, como é o caso da rede de Internet sem fios, devido à relativamente reduzida autonomia das suas baterias (2 h a 4 h, dependendo do trabalho que esteja a ser realizado). Por outro lado, estas comunicações sem fios poderão representar algum risco para os utilizadores, que se encontram expostos a radiação de RFR, devido à sua utilização por longos períodos, risco esse acrescido ainda pelo facto do aumento da exposição motivado pela posição dos portáteis muito próximo dos órgãos genitais, como se mostra na figura 4.12. 135 Figura 4.12 – Utilizador de sistema multimédia sem fios. 4.1.10. Fornos Microondas Estes fornos, inventados logo após o final da segunda guerra mundial, utilizam directamente o princípio físico de que a energia de RF possui a aptidão para penetrar profundamente, gerando calor quase instantaneamente, nos materiais utilizados na alimentação humana. Na figura 4.13 esquematiza-se a constituição de um forno microondas, que contém essencialmente um magnetrão que produz a energia em microondas, uma fonte de alimentação em corrente contínua de alta tensão (transformador, rectificador, condensador), e um sistema computorizado de controlo do funcionamento, sendo a energia dirigida para os alimentos através de um guia de ondas. Figura 4.13 – Configuração esquemática de um forno microondas. A frequência de operação é de 2,45 GHz, escolhida pela sua capacidade de penetração em toda a massa dos alimentos. Quanto à radiação, existem ondas electromagnéticas geradas pelo magnetrão, e campos eléctricos e magnéticos gerados pelo transformador. Contudo, para o exterior existe apenas a radiação electromagnética emanada pelo magnetrão através do ecrã da porta, e os campos magnéticos gerados pelo transformador. 136 4.2. BIOELECTROMAGNETISMO 4.2.1. Introdução O bioelectromagnetismo é uma vastíssima área interdisciplinar que engloba física, engenharia, medicina, e biomedicina, com a finalidade de investigar, entender, e explicar os fenómenos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, existindo actualmente um grande número de trabalhos científicos publicados, que contribuem de forma positiva para a compreensão desses fenómenos de interacção. Esta área tem vindo a assumir um interesse crescente, devido à rápida expansão do desenvolvimento de equipamentos eléctricos e electrónicos, sobretudo de grande consumo, equipamentos esses geradores de campos electromagnéticos que poderão potencialmente colocar em risco a saúde pública. O objectivo deste sub-capítulo consiste em apresentar em detalhe os conceitos básicos, os princípios e as características dos campos eléctricos e magnéticos, assim como da forma como interagem com os materiais biológicos. 4.2.2. Propriedades Electromagnéticas dos Materiais Biológicos O conhecimento básico das propriedades únicas dos materiais biológicos e da sua variabilidade entre os sistemas vivos, poderá providenciar uma base de conhecimentos para a exploração dos mecanismos de interacção. Contudo, esse conhecimento é reduzidíssimo quando comparado com o que se sabe acerca das características dos materiais não vivos, como o cobre ou o alumínio. É sabido que a estrutura atómica e molecular dos materiais, e o seu comportamento, são os responsáveis pelas características macroscópicas desses materiais, que, em termos de electromagnetismo, são usualmente a permitividade ou constante dieléctrica ε, a condutividade eléctrica σ, e a permeabilidade magnética μ, permitindo avaliar, respectivamente, as suas propriedades isolantes, condutoras e magnéticas. Contrariamente aos materiais inertes, isto é, não vivos, em que se consideram apenas as suas características macroscópicas, no que respeita aos materiais biológicos, devido à sua elevada complexidade, estudam-se os seus modelos microscópico e macroscópico, como se apresenta seguidamente. 137 a) Modelo Microscópico É do conhecimento da física das partículas que, de acordo com o modelo atómico de Niels Bohr, os átomos são constituídos por electrões (cargas negativas), que se movimentam em órbitas em volta do núcleo, que é constituído por protões (cargas positivas) e neutrões (sem carga eléctrica), sendo a carga eléctrica global igual a zero, ou seja, os átomos são electricamente neutros, uma vez que o número de electrões é igual ao número de protões. Como se frisou anteriormente, são os átomos que contribuem para a diferenciação das propriedades eléctricas e magnéticas dos materiais. Ainda de acordo com o modelo de Bohr, a força de atracção entre cargas eléctricas de sinais contrários é compensada pela força centrífuga associada ao movimento dos electrões, que mantêm assim órbitas estáveis. Atendendo a que toda a matéria é constituída por cargas eléctricas positivas e negativas, a acção de campos eléctricos e magnéticos exteriores exercem sempre algum tipo de influência sobre a estrutura atómica da matéria, seja sobre os átomos electricamente neutros, seja sobre os electrões livres, sendo esta interacção existente em materiais inertes e em materiais biológicos. Como se explanou nos capítulos 2 e 3, a um nível microscópico todos os tecidos são constituídos por células e por fluidos extracelulares, sendo as células compostas por duas partes distintas – a interior, com o núcleo e o citoplasma, e a exterior, com a membrana. Por conseguinte, devido à membrana, a célula poderá ser entendida como um isolador eléctrico, daí que praticamente todas as correntes induzidas nos tecidos por campos eléctricos de baixa frequência circulem nos espaços exteriores às células, no fluído extracelular, que possui uma elevada condutividade. Atendendo ainda a que o citoplasma possui também uma elevada condutividade, a célula poderá ser entendida como um circuito RC, em que o citoplasma condutor, de resistência R, se encontra ligado em série com a membrana, de capacidade C. b) Modelo Macroscópico Neste modelo, considera-se a totalidade do material biológico, como um todo, exposto à acção de campos electromagnéticos, requerendo esta aproximação o completo conhecimento das características eléctricas e magnéticas de todos os materiais biológicos, para que se possam utilizar as equações de Maxwell. 138 Na prática, existem duas grandezas básicas que contribuem para a caracterização eléctrica dos materiais: • A energia eléctrica dissipada, que é o resultado do movimento (ou transporte) das cargas eléctricas no interior do material, ou seja, da condução de corrente eléctrica. Esta dissipação, também designada por perdas de energia por efeito de Joule, representa a consequência da conversão de energia eléctrica em energia térmica, durante as colisões que se sucedem durante o movimento das cargas eléctricas. • A energia eléctrica armazenada, que é o resultado do que acontece com as cargas que se encontram a armazenar energia quando ficam sujeitas a uma força exterior que as faz mover de uma posição de equilíbrio para outra posição oposta. Este fenómeno é designado por polarização dieléctrica, e ocorre, por exemplo, no dieléctrico de um condensador – quando se aplica uma diferença de potencial entre as armaduras metálicas paralelas, gera-se um campo eléctrico que se dirige, vectorialmente, da armadura que se encontra ao potencial positivo para a armadura com potencial negativo. Esta força exterior vai actuar na estrutura do dieléctrico, deslocando-se as cargas positivas para a armadura negativa, e as negativas, para a armadura positiva. Quanto aos materiais biológicos, vistos sob um ângulo macroscópico, as suas propriedades eléctricas podem ser sumarizadas através dos seguintes dois parâmetros: • Condutividade eléctrica σ, que caracteriza o movimento das cargas eléctricas livres (corrente eléctrica de condução), nos materiais condutores quando sujeitos à acção de um campo eléctrico. • Permitividade ε, que caracteriza o movimento das poucas cargas eléctricas livres (corrente de deslocamento), no interior dos materiais isolantes quando sujeitos à acção de um campo eléctrico. Adicionalmente, em ligação com os mecanismos de interacção, as ondas de radiação de rádio-frequência RFR deslocam-se no interior dos seguintes três tipos de materiais biológicos: 139 • Suspensões de células e de moléculas de proteínas. • Suspensões similares num estado condensado, tais como os músculos e os tecidos de órgãos como o fígado, os rins e o coração. Estes tecidos possuem um teor elevado de água, cerca de 70 %, e um conteúdo macromolecular de cerca de 25 % em peso. • Tecidos com um teor reduzido de água, como os tecidos adiposos (gordura), e os ossos. As propriedades eléctricas dos materiais biológicos e a frequência de operação determinam os mecanismos de interacção com a radiação electromagnética, sendo esses materiais considerados como dieléctricos possuindo uma estrutura heterogénea. Por conseguinte, tem-se assim: ε ,, = σ ω ε0 sendo ω = 2π f a frequência angular eléctrica (radianos por segundo). Considerando um regime alternado sinusoidal, isto é, que os campos electromagnéticos são alternados sinusoidais, a permitividade será representada por um complexo, da forma: ε * = ε 0 ( ε , − j ε ,, ) em que ( ε , − j ε ,, ) representa a permitividade relativa complexa, ε , a sua parte real, também designada por constante dieléctrica relativa, e ε ,, a sua parte imaginária. Fisicamente, ε , é uma medida da quantidade de polarização relativa que ocorre para um dado campo eléctrico, enquanto que ε ,, é uma medida simultânea do atrito associado com a mudança de polarização, e da deslocação das cargas eléctricas. Como se esquematiza na figura 4.14, os valores da constante dieléctrica e da condutividade variam significativamente com a frequência, no caso concreto da figura no que respeita aos músculos e aos tecidos adiposos. Na prática, constata-se que a permitividade dos tecidos biológicos depende do tipo de tecido (isto é, pele, músculos, gordura), do conteúdo de água, da temperatura, e da frequência dos campos electromagnéticos. 140 Figura 4.14 – Variação das propriedades eléctricas dos músculos e do tecido adiposo (gordura) com a frequência. Por outro lado, a permitividade e a frequência podem igualmente determinar qual o grau de penetração da radiação electromagnética no corpo humano, fenómeno este que é quantificado através da grandeza profundidade de penetração Dp. Para materiais com propriedades homogéneas, e com uma incidência perpendicular à sua superfície de radiação RFR, a profundidade de penetração é definida como sendo a distância para a qual a densidade de potência absorvida tem um valor igual a 13,534 % do seu valor na superfície de incidência. Todavia, a amplitude dos campos eléctrico e magnético, para essa distância, diminui para 36,788 % do seu valor naquela superfície de incidência. Em termos de quantificação, a profundidade de penetração é dada pela seguinte expressão: Dp = 1 α sendo α a constante de atenuação do material, expressa em nepers por metro. Em materiais biológicos, os valores da profundidade de penetração variam de uma pequena fracção de milímetro para frequências elevadas de radiação RFR, a alguns centímetros para tecidos com um elevado conteúdo de água, a frequências de alguns megahertzs, e a valores mais elevados para tecidos com 141 um baixo teor de água. Os quadros 4.2 a 4.6 apresentam em detalhe as propriedades dos músculos, dos tecidos adiposos (gordura), dos tumores, da água, e do sangue, em função da frequência de radiação RFR. Note-se que λ0 representa o comprimento de onda da radiação no ar (praticamente igual ao seu valor no vazio). Uma outra técnica para se determinarem as propriedades dieléctricas dos tecidos biológicos consiste em utilizar um modelo paramétrico, na gama de 10 Hz a 100 GHz, proposto em alguns trabalhos científicos já publicados. 4.2.3. Ondas e Matéria Quando a radiação electromagnética entra em contacto com a matéria, interage imediatamente com a sua estrutura atómica, comportando-se, por um lado, como um feixe de partículas, e por outro, como uma simples onda. No seu comportamento como sendo um feixe de partículas, inclui os fenómenos da reflexão, da dispersão, e da absorção, e, como uma simples onda, os fenómenos da reflexão, da refracção, da transmissão, da difracção, e da absorção. Contudo, o efeito global da radiação ao penetrar na matéria depende de diversos factores, que incluem os comprimentos de onda da radiação, da fonte emissora da radiação, do material que absorve a radiação, das componentes de polarização da radiação, assim como do ângulo de incidência na superfície dos materiais. f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 160,0 113,0 72,0 57,0 54,0 53,0 52,0 51,0 49,0 48,1 47,0 46,0 864,0 339,0 159,0 90,0 72,2 42,5 36,9 31,5 21,2 18,3 16,2 13,6 0,62 0,51 0,88 1,00 1,20 1,22 1,54 1,60 1,77 2,03 2,20 2,27 101,26 72,45 27,02 16,59 11,78 8,91 5,26 4,40 2,80 2,13 1,76 1,46 19,65 16,22 6,76 4,86 3,80 4,09 2,66 2,50 2,18 1,87 1,70 1,63 Quadro 4.2 – Propriedades eléctricas dos músculos. 142 f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 25,00 20,00 7,50 6,00 5,70 5,60 5,60 5,60 5,55 5,55 5,50 5,40 8,4 3,4 3,4 2,3 1,9 1,6 1,3 1,1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,01 0,01 0,02 0,03 0,03 0,04 0,05 0,06 0,07 0,09 0,10 0,10 455,33 247,57 106,96 60,18 41,28 28,99 16,79 13,79 8,46 6,35 5,21 4,30 449,40 473,40 79,88 52,47 39,29 33,40 23,66 22,87 16,95 14,29 13,27 12,52 Quadro 4.3 – Propriedades eléctricas do tecido adiposo (gordura). f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 205,0 180,0 101,0 78,0 74,0 63,0 61,0 60,0 59,0 57,0 56,0 55,0 1273,85 606,67 196,38 109,80 78,60 64,02 47,04 39,93 26,04 22,77 20,72 17,88 0,92 0,91 1,09 1,22 1,31 1,54 1,96 2,03 2,17 2,53 2,82 2,98 84,40 55,12 23,65 14,55 10,48 7,93 4,81 4,03 2,55 1,95 1,61 1,33 15,99 11,92 6,25 4,55 3,92 3,05 2,28 2,15 1,95 1,64 1,45 1,36 Quadro 4.4 – Propriedades eléctricas dos tumores. f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 27 100 200 300 433 750 915 1500 2000 2450 3000 2307,69 1111,11 300,00 150,00 100,00 69,28 40,00 32,79 20,00 15,00 12,24 10,00 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 78,3 77,9 77,9 76,6 75,8 0,32 0,34 0,40 0,90 1,19 1,55 2,84 3,80 5,70 7,20 8,80 11,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,02 0,04 0,12 0,19 0,47 0,80 1,20 1,83 260,79 125,57 33,90 16,95 11,30 7,83 4,52 3,71 2,26 1,70 1,40 1,15 20596,53 9333,50 2142,04 476,02 240,01 127,67 40,23 24,62 10,00 5,94 3,94 2,56 Quadro 4.5 – Propriedades eléctricas da água. 143 f (MHz) λ0 (cm) ε, ε ,, σ (S/m) λ (cm) Dp (cm) 13 100 300 433 915 2450 2307,69 300,00 100,00 69,28 32,79 12,24 200,0 73,0 63,0 62,0 60,0 58,0 1523,08 216,00 72,00 52,13 27,54 15,65 1,10 1,20 1,20 1,25 1,40 2,13 78,32 24,45 11,23 8,19 4,13 1,59 14,41 5,50 3,99 3,63 3,05 1,94 Quadro 4.6 – Propriedades eléctricas do sangue. a) Reflexão Como é sabido, as ondas viajam linearmente, isto é, em linha recta, através do espaço, todavia quando uma onda de RF encontra uma fronteira entre dois meios materiais, parte da sua energia é reflectida pela superfície de fronteira, enquanto que a restante energia será transmitida ao outro meio, como se mostra na figura 4.15. O tipo de superfície, no que respeita à sua regularidade e à sua dureza, exerce uma influência significativa na direcção da reflexão e da quantidade de radiação que é reflectida. b) Refracção este fenómeno representa a deflexão, ou mudança de direcção, que sofrem as ondas electromagnéticas quando passam de um meio transparente para outro meio, também transparente, como se mostra na figura 4.16. O índice de refracção do meio, que se define como sendo a razão entre a velocidade da onda no vácuo e a velocidade da onda no material de que é feito o meio, determina a velocidade das ondas através dos vários materiais. Saliente-se que este fenómeno também se encontra presente na atmosfera terrestre, alterando assim a trajectória das ondas de rádio. c) Dispersão Este fenómeno representa o redireccionamento da radiação electromagnética devido à sua interacção com a matéria, sendo dependente da dimensão das partículas que compõem as ondas e o meio material. Como se esquematiza na figura 4.17, têm-se dois tipos de dispersão – a de Rayleigh, quando a dimensão das partículas é similar ao comprimento de onda da radiação, e a Mie, que não é tão dependente do comprimento de onda da radiação quanto a anterior. 144 d) Difracção Este fenómeno, que se mostra na figura 4.18, consiste no facto da radiação electromagnética dobrar-se, encurvar-se, passar através de pequenas aberturas, e mover-se à volta de pequenas partículas de matéria, sendo de destacar que quanto menor for a abertura e quanto mais pequenas forem as partículas, maior será a dobra ou a curvatura da radiação. Como exemplo visível, quando se olha para as estrelas, o que se observa é exactamente a difracção da sua luz, devido à passagem através das partículas de poeira galáctica. Figura 4.15 – Reflexão numa linha de fronteira. Figura 4.16 – Refracção de uma onda. Figura 4.17 – Dispersão de Rayleigh (a) e de Mie (b). 145 Figura 4.18 – Difracção de um raio incidente. e) Transmissão e Absorção O comprimento de onda de uma radiação electromagnética influencia significativamente a transmissão e a absorção, na medida em que um determinado material pode ser transmissivo para um dado comprimento de onda e absorvente para outro. Por exemplo, o vidro vermelho transmite luz com comprimentos de onda da ordem de 650 nm, e absorve a cor verde, com comprimentos de onda próximos de 550 nm. O processo de absorção pode ser dividido em certas categorias, às quais correspondem os modos como as moléculas armazenam energia: • Modo térmico. Consiste no movimento de translacção, no qual os átomos se movem vertical e horizontalmente no interior dos materiais, gerando calor devido ao atrito e ás respectivas colisões. • Modo vibracional. Consiste nas vibrações intramoleculares, causadas pela agitação vibracional dos seus átomos. • Modo rotacional. É devido à energia cinética armazenada nas moléculas polarizadas por campos eléctricos internos, inerentes aos materiais, campos esses que podem ser estimulados por radiações RFR. • Modo electrónico. Consiste nos diferentes níveis orbitais de energia, para os quais os electrões podem ser excitados, produzindo essa excitação nova energia de radiação quando os electrões regressam às suas órbitas originais. Este modo pode ser igualmente estimulado pelas radiações RFR. A quantidade de energia que um material poderá absorver a partir da radiação a que se encontra sujeito, depende da frequência da radiação, da intensidade 146 do feixe, assim como da duração da exposição, sendo a frequência o mais importante destes parâmetros. Por outro lado, a intensidade do feixe é também um factor determinante na quantidade de energia absorvida, ou seja, quanto mais intenso for o feixe maior será essa quantidade de energia. No que respeita à exposição, sucede o mesmo, isto é, quanto maior for a duração da exposição, mais elevada será a quantidade de energia absorvida. 4.2.4. Mecanismos de Interacção É sabido que as ondas electromagnéticas que cobrem todo o espectro de frequências interagem com a matéria viva, contudo os mecanismos de interacção são diferentes – para comprimentos de onda inferiores a 250 μm, as moléculas biológicas são ionizadas pela radiação ionizante, enquanto que, para comprimentos de onda elevados, a energia dos fotões das ondas é insuficiente para ionizar as moléculas. Como se constata dos quadros anteriores, as ondas propagam-se através dos tecidos com velocidades reduzidas, sofrendo fenómenos de reflexão, refracção, e difracção quando encontram heterogeneidades, sendo essas heterogeneidades e as propriedades dos diversos tecidos as responsáveis pela redução de velocidade, assim como pela refracção e pela difracção das ondas de radiação. Os campos eléctricos e magnéticos E e H interagem com os materiais através de dois modos – no primeiro, exercem forças sobre as partículas carregadas, alterando a estrutura eléctrica que existia anteriormente; no segundo, a estrutura eléctrica ao alterar-se produz campos eléctricos e magnéticos adicionais. Aquela interacção, a nível macroscópico, processa-se através das três seguintes maneiras: a) Polarização de Cargas Eléctricas Num material inerte, isto é, não sujeito a campos eléctricos ou magnéticos exteriores, os átomos são electricamente neutros, uma vez que o número de protões é numericamente igual ao número de electrões, possuindo todas estas partículas a mesma carga eléctrica, de sinais contrários entre protões (+) e electrões (–). Porém, quando se aplica um campo eléctrico exterior E, as forças a que essas partículas ficarão sujeitas possuem sentidos contrários, sendo 147 separadas do seu equilíbrio atómico, dando origem a um dipolo eléctrico induzido. b) Orientação de Dipolos Eléctricos Permanentes Os dipolos permanentes, que se encontram orientados de forma aleatória no interior dos materiais, apresentam a propriedade de se alinharem com campos eléctricos aplicados exteriormente, como se mostra na figura 4.19, dando esses alinhamentos origem a novos campos eléctricos. Este movimento de cargas condutoras é designado por deriva, e, quanto maior for essa deriva, mais elevada é a condutividade do material. Figura 4.19 – Orientação de dipolos eléctricos permantes. c) Deriva de Cargas Condutoras Na figura 4.20 ilustra-se o terceiro efeito resultante da aplicação de um campo eléctrico exterior ao material. Algumas cargas eléctricas existentes no seio dos materiais biológicos podem mover-se, em distâncias curtas, sob a acção de campos eléctricos exteriores, devido à sua carga ser bastante reduzida, colidindo com outras partículas e passando a movimentar-se noutras trajectórias diferentes daquelas que descrevem normalmente sem a acção dos campos exteriores. Como resultado, as cargas livres passarão a deslocar-se numa direcção colinear com a direcção do campo eléctrico exterior, e com sentidos contrários, consoante o sinal eléctrico dessas cargas. Figura 4.20 – Deriva de cargas eléctricas condutoras. 148 4.2.5. Comprimento de Onda e Dimensão dos Objectos Como se referiu já anteriormente, os campos electromagnéticos são diferentes consoante as gamas dos respectivos comprimentos de onda. Mais concretamente, as características dos campos dependem da dimensão dos objectos quando comparada com a frequência. Deste modo, sendo d a maior dimensão do objecto, e λ o comprimento de onda no vácuo da radiação electromagnética a que o objecto se encontra submetido, as características da radiação podem ser categorizadas em três escalões: λ >> d (figura 4.21), λ ≅ d (figura 4.22), e λ << d (figura 4.23), Figura 4.21 – Comprimento de onda superior à dimensão do objecto. Figura 4.22 – Comprimento de onda equivalente à dimensão do objecto. Figura 4.23 – Comprimento de onda inferior à dimensão do objecto. 149 Relativamente ao corpo humano, a energia de RF é absorvida de uma forma mais eficiente a frequências próximas da frequência natural de ressonância do corpo, ou seja, como a essas frequências a absorção é praticamente máxima, será também máximo a quantidade de calor gerado. Para frequências muito baixas, inferiores a 1 MHz, os materiais biológicos absorvem muito pouca energia, podendo essa absorção ser significativa a frequências de ressonância próximas de 70 MHz a 80 MHz, no caso do homem, se o corpo se encontrar isolado da terra. Caso se encontre ao potencial da terra, essa frequência é de 35 MHz a 40 MHz. Para a situação de uma mulher, isolada da terra, este valor sobe para 80 MHz. Para crianças com cerca de 5 anos de idade, a sua frequência de ressonância é normalmente mais elevada que as dos adultos, sendo a taxa de absorção específica SAR de cerca de 0,3 W/kg para uma taxa de absorção de radiação da ordem de 1 mW/cm2. Por conseguinte, a dimensão do corpo determina qual a frequência que origina a maior taxa de absorção de radiação electromagnética. 4.2.6. Propagação Através de Meios Biológicos A propagação de ondas electromagnéticas em materiais biológicos pode ser estudada física e matematicamente através das Equações de Maxwell, definindo correctamente quais as fronteiras apropriadas. Assim sendo, e atendendo a que estas equações são bastante difíceis de resolver, para se simplificar um pouco assume-se que um meio biológico é infinitamente extenso, livre de cargas, isotrópico, e homogéneo. Note-se que um meio é isotrópico se ε é r uma constante escalar, ou seja, se os vectores deslocamento eléctrico D e r campo eléctrico E são colineares. Por outro lado, é homogéneo quando ε, μ, e σ são constantes (ver figura 4.22). Figura 4.22 – Corpo biológico sujeito a radiação electromagnética. 150 Para este meio, têm-se assim as equações de Maxwell: r r ∂B ∇×E = − ∂t r r r ∂D ∇×H = J + ∂t r ∇ •B = 0 r ∇ •D =0 Com a finalidade de se resolverem estas equações em ordem aos vectores campo eléctrico e campo magnético, pode-se escrever: r r ∂ ∇ ×( ∇ ×E ) = − μ ( ∇×H ) = ∂t ∂ =−μ ∂t r ⎛ r ⎞ ∂ E ⎜ σ E +ε ⎟= ⎜ ⎟ ∂ t ⎝ ⎠ r r ∂E ∂2 E =−μσ −ε μ ∂t ∂t2 Continuando a utilizar o cálculo vectorial, como se tem: r r r ∇ ×( ∇ ×E ) = ∇ ( ∇ • E ) − ∇2 E ao utilizar-se a equação anterior, virá: 2 ⎛ 2 ⎜ ∇ −μσ ∂ −με ∂ ⎜ ∂t ∂t2 ⎝ ⎞ r ⎟E = 0 ⎟ ⎠ Do mesmo modo, eliminando o vector intensidade do campo eléctrico entre as Equações de Maxwell, e seguindo uma metodologia idêntica, obtêm-se: 2 ⎛ 2 ⎜ ∇ −μσ ∂ −με ∂ ⎜ ∂t ∂t2 ⎝ ⎞ r ⎟H = 0 ⎟ ⎠ 151 Por conseguinte, ambos os vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético obedecem à seguinte equação, denominada equação da onda: 2 ⎛ 2 ⎜ ∇ −μσ ∂ −με ∂ ⎜ ∂t ∂t2 ⎝ r ⎞⎛ E ⎞ ⎛ 0 ⎞ ⎟⎜ r ⎟ = ⎜ ⎟ ⎟ ⎜ H ⎟ ⎜⎝ 0 ⎟⎠ ⎠⎝ ⎠ Assumindo que a intensidade do campo eléctrico e a intensidade do campo magnético são grandezas alternadas sinusoidais, tem-se, respectivamente: ∂ = jω ∂t ∂2 ∂t 2 =− ω2 Quanto à equação da onda, pode-se escrever ainda: r r ∇2 E + γ 2 E = 0 sendo: γ 2 =ω 2μ ε − j ω μ σ = ⎛ σ = ω 2 μ ε 0 ⎜⎜ ε , − j ωε ⎝ = ω2 c 2 ⎞ ⎟⎟ = ⎠ ( ε , − j ε ,, ) em que c representa a velocidade da luz no vácuo, e γ a constante de propagação da onda, dada por: γ =α + j β sendo α a constante de atenuação, e β a constante de fase, expressa em radianos por metro. Estas constantes características das ondas são determinadas através das seguintes expressões: 152 2c α= ω ⎛ ε 1+ ⎜ , ⎜ ε ⎝ ,, ⎞ ⎟ ⎟ ⎠ 2 ⎞ ⎟ ⎟ ⎠ 2 ⎞ ⎟ + 1⎟ ⎟ ⎠ 1/ 2 2c β= ω No caso particular de se ter ⎛ ,⎜ ε ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ,⎜ ε ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ε 1+ ⎜ , ⎜ ε ⎝ ,, ⎞ ⎟ − 1⎟ ⎟ ⎠ 1/ 2 ε ,, ≤ 1, virá, respectivamente: ε, α= ω μ ε ⎛⎜ ε ,, ⎞⎟ 2 ⎜⎝ ε , ⎟⎠ ⎡ β = ω μ ε ⎢ 1+ 0,125 ⎢ ⎣ 2 ⎛ ε ,, ⎞ ⎤ ⎟ ⎥ ⎜ ⎜ ε, ⎟ ⎥ ⎠ ⎦ ⎝ Por sua vez, o comprimento de onda no interior do meio é determinado através da seguinte expressão: λ= 2π β No caso da onda de radiação ser uma onda plana e uniforme, polarizada linearmente, e incidindo no meio segundo a direcção do eixo coordenado z, os vectores intensidade do campo eléctrico e intensidade do campo magnético, que têm as suas direcções respectivamente segundo o eixo x e segundo o eixo y, e cujos valores instantâneos Ei e Hi são alternados sinusoidais, apresentam, respectivamente, as seguintes expressões: r r E = E i e −α z e j (ω t − β z ) a x r r H = H i e −α z e j (ω t − β z ) a y 153 tendo-se Ei = η Hi, em que η representa a impedância do material biológico, dada pela seguinte expressão: η= ⎡ 2 ⎤ ⎛ ε ,, ⎞ ⎛ ε ,, ⎞ μ ⎢ 1 − 0,378 ⎜ , ⎟ + j 0,5 ⎜ , ⎟⎥ ⎜ ε ⎟⎥ ⎜ ε ⎟ ε ⎢ ⎠ ⎠ ⎝ ⎝ ⎣ ⎦ Quanto ao valor instantâneo do vector de Poynting, virá: Pi = E i × H i 4.2.7. Absorção em Materiais Biológicos Os tecidos biológicos, sob a acção de radiação RFR, comportam-se como soluções de electrólitos que contêm moléculas polares, interagindo essa radiação com esses tecidos através de condução iónica – oscilação das cargas livres –, e da rotação das moléculas polares de água e da relaxação das proteínas. A energia de RF absorvida é transformada em energia cinética adquirida pelas moléculas, que se traduz na prática, por um aquecimento dos tecidos sujeitos a radiação, podendo a transferência do calor gerado no corpo humano para o meio envolvente processar-se através dos seguintes mecanismos: • Condução térmica. É um processo no qual a transferência de calor se faz por difusão molecular, apresentando os tecidos uma baixa condutividade térmica. • Radiação térmica. Corresponde ao calor perdido pela superfície do corpo humano, devido à radiação. • Convexão. É um processo no qual o calor é transferido pela acção conjunta do movimento das moléculas e da sua difusão. • Transpiração. Representa o calor perdido através do suor gerado na superfície do corpo, sendo a taxa de dissipação dependente da tensão arterial, da velocidade do vento, da temperatura exterior, e da humidade do ar. Este mecanismo é controlado através do sistema nervoso central, que recebe sinais dos diversos locais termosensíveis existentes no interior do organismo. 154 Como se pode observar na figura 4.23, para uma determinada profundidade de penetração da radiação RFR, quanto menor for a frequência maior se torna a potência absorvida. Por outro lado, nota-se ainda que, para uma mesma potência absorvida, a profundidade de penetração é tanto maior quanto mais reduzida for a frequência. Interessa ainda realçar que, para frequências iguais ou superiores a 30 GHz, não mostradas no ábaco, a profundidade de penetração fica confinada apenas às camadas exteriores da pele. Figura 4.23 – Potência de absorção nos músculos em função da profundidade de penetração para diversas frequências. Nos estudos relativos aos riscos para a saúde humana inerentes à exposição a campos electromagnéticos, e conforme se salientou já anteriormente, o nível de radiação deverá ser essencialmente avaliado através da SAR – specific absorption rate (taxa de absorção específica), expressa em W/kg. Por outro lado, para campos alternados sinusoidais, o valor médio da potência absorvida por unidade de volume é calculado pela expressão: Pa = σ E 2 sendo σ a condutividade eléctrica, e E o valor eficaz do campo eléctrico em cada ponto do material biológico. 155 4.3. EFEITOS BIOFÍSICOS DA RADIAÇÃO DE RÁDIO-FREQUÊNCIA 4.3.1. Efeitos Biológicos Como se expôs anteriormente, existe um leque muito significativo de aplicações industriais e domésticas das tecnologias de rádio-frequência, todavia, como reverso da medalha, poderão existir potenciais riscos para a saúde humana devido à exposição a radiações de rádio-frequência (RFR), emitidas pelos equipamentos eléctricos e electrónicos utilizados no dia-a-dia. A radiação de RFR possui a propriedade de interagir com os sistemas biológicos, interacção essa que depende do nível de radiação e do tempo de exposição – níveis de radiação e de exposição elevados poderão causar danos biológicos visíveis, enquanto que níveis reduzidos poderão também ser perigosos, ou inclusivamente ser benéficos e não causar quaisquer danos visíveis e ocultos. A interacção dos campos electromagnéticos RF com os sistemas vivos e, consequentemente, os respectivos bioefeitos, podem ser considerados em vários níveis, incluindo o molecular, subcelular, orgânico, ou mesmo todo o corpo. De acordo com alguns investigadores da área da biomedicina, os efeitos biológicos devidos à radiação RFR poderão ser classificados da seguinte maneira: • Efeitos de nível elevado (efeitos térmicos). • Efeitos de nível médio (efeitos atérmicos). • Efeitos de nível reduzido (efeitos não térmicos). a) Efeitos Térmicos O aquecimento dos tecidos é um fenómeno evidente devido à absorção de radiação RFR, aumentando a temperatura do corpo humano mesmo a despeito da existência do processo natural de termoregulação. Saliente-se que os efeitos térmicos são conhecidos há já bastante tempo, desde as investigações relativamente às aplicações terapêuticas da electricidade em corrente contínua, levadas a cabo por Faraday, Ampére, Gauss e Maxwell, e, mais tarde, por d’Arsonval e Tesla em corrente alternada. Muitos dos efeitos biofísicos da radiação RFR que apresentam implicações significativas na saúde humana, encontram-se directamente associados ao calor induzido assim como às correntes induzidas, sendo o aquecimento a 156 interacção primária dos campos de RF de altas frequências, essencialmente acima de 1 MHz, enquanto que, para frequências inferiores a este valor, a acção dominante traduz-se pela indução de correntes eléctricas. Este fenómeno poderá ser perigoso, na medida em que os sistemas biológicos alteram as suas funções normais como consequência directa das mudanças de temperatura, sendo interessante realçar que muitos dos efeitos adversos resultantes da exposição à radiação RF para frequências compreendidas entre 1 MHz e 10 GHz, se encontram associados à indução de calor que resulta num aumento da temperatura corporal em mais de 1 oC. Adicionalmente, interessa ainda salientar que os efeitos adversos destes aumentos de temperatura se reflectem no desenvolvimento de cataratas, no aumento da tensão arterial, em vertigens e tonturas, em fraqueza, desorientação e náuseas. Durante a década de 1940, foram reportadas cataratas em animais expostos a radiação de RF, assim como algumas situações de degeneração testicular. Ainda durante esse mesmo período de observação, foram também reportados casos de hemorragias entre os operadores de equipamentos de radar, o que levou a concluir dos possíveis riscos não só para esses trabalhadores mas também para o público em geral, quando sujeitos à exposição de energia de RF. Os efeitos térmicos podem ser definidos como sendo o excesso de energia que é gerada no corpo humano, e que não consegue ser dissipada para o exterior através do processo natural de termoregulação. Usualmente, o corpo humano gera calor quando do consumo de alimentos, fenómeno que é conhecido como a taxa metabólica basal (basal metabolic rate BMR), cujo valor standard, para um indivíduo do sexo masculino com um peso de 70 kg, é aproximadamente de 1,2 W/kg. Por conseguinte, níveis de exposição comparáveis à BMR produzirão efeitos térmicos comparáveis à termoregulação, ou seja, aparentemente inofensivos. Além disso, os efeitos térmicos são bastante influenciados pela temperatura ambiente, pela humidade relativa, e pela velocidade de deslocação do ar, podendo eventualmente a presença de próteses internas ou externas ter também alguma influência. Para que ocorram efeitos adversos como cataratas e queimaduras de pele, quando da exposição a radiação RFR de altas frequências, serão necessárias densidades de potência superiores a 1000 W/m2, densidades essas que não se 157 encontram próximo de fontes convencionais de RF, mas que podem existir nas imediações muito próximas de transmissores de grande potência, como é o caso dos radares. b) Efeitos Atérmicos e Não-Térmicos Existe alguma controvérsia acerca de dois aspectos relacionados com os efeitos biológicos causados por radiação RFR de baixo e de nível intermédio: • Será que a exposição à radiação RFR para esses níveis poderá originar alterações biológicas perigosas, mesmo na ausência de efeitos térmicos palpáveis? Em resposta a esta questão, têm vindo a ser desenvolvidas várias investigações sobre a radiação com níveis extremamente reduzidos, tendo sido obtidos alguns resultados que tendem a confirmar aquele facto, todavia, os conhecimentos adquiridos são ainda inconclusivos. • Poderão ocorrer efeitos biológicos nocivos mesmo quando o mecanismo de termoregulação do corpo se mantém estável, isto é, no seu nível normal, apesar de haver absorção de energia térmica devida à radiação, ou ainda quando esse mecanismo de termoregulação não entra em acção por não se verificar uma alteração significativa na temperatura? Relativamente a estas questões que se colocam com pertinência, existem dois significados para o vocábulo técnico “efeito”. Quando, devido à exposição a radiações, ocorre um fenómeno caracterizado por não se verificarem alterações evidentes na temperatura do corpo, ou seja, sem haver o despoletar do mecanismo de termoregulação, sugerindo que os sistemas biológicos do corpo conseguem mantê-lo a uma temperatura constante, tem-se um efeito não-térmico. Quanto ao segundo significado, refere-se ao denominado efeito atérmico, situação esta que corresponde à existência de efeitos biológicos mas sem o envolvimento de energia calorífica, sendo a temperatura do corpo mantida nos seus níveis normais através do mecanismo de termoregulação. Alguma literatura sobre os efeitos da exposição a radiação RFR de nível baixo e intermédio mostra que, para uma taxa específica de absorção relativamente 158 reduzida – inferior a 2 W/kg – poderá afectar o sistema nervoso, incluindo a irrigação de sangue ao cérebro, a morfologia, a electrofisiologia, a actividade neurotransmissora, e o metabolismo. Essa exposição poderá afectar igualmente o sistema imunitário, a morfologia genética e cromosómica, a actividade enzimática, as funções neurológicas, a morfologia celular, a permeabilidade iónica das membranas, a concentração iónica intracelular, as taxas de secreção endócrinas, e induzir o aparecimento de tumores. Todavia, existem outros estudos científicos que contradizem todos estes efeitos, causando uma certa confusão na medida em que não explicam de uma forma convincente quais os mecanismos de interacção responsáveis por todos esses efeitos. No entanto, apesar dos estudos realizados até hoje não serem ainda totalmente justificados cientificamente, é de toda a conveniência assumir que existem riscos, que poderão ser perigosos, derivados da utilização intensiva de telefones celulares, sobretudo por crianças, se se tiver em atenção que o seu corpo se encontra em mutação, sendo assim todos os seus tecidos bastante mais sensíveis à exposição a radiações, que num adulto já formado. Inclusivamente, existe uma tendência médica que aconselha a não utilização de telefones móveis antes dos 7 anos de idade. Muitos investigadores consideram que os efeitos biofísicos das radiações RFR de nível baixo e intermédio se encontram cientificamente estabelecidos. Por exemplo, o Dr. Ross Adey, do Departamento de Bioquímica da Universidade da Califórnia, Riverside, defende a possibilidade de tais efeitos nocivos, ao afirmar, num artigo científico publicado em 1999, que “os efeitos biológicos das microondas, ao nível celular, suportam os conceitos de respostas atérmicas não controladas pelo aquecimento dos tecidos, mostrando o espectro destas respostas biológicas haver uma dependência da amplitude e da modulação dos impulsos dos campos RFR. As membranas das células têm sido identificadas como o local da transdução de muitas dessas respostas, com a iniciação de cascatas enzimáticas que ligam quimicamente os sinais de RF entre a superfície das células e os sistemas intracelulares, podendo atingir o núcleo e regular o processo de crescimento e divisão das células.” Todavia, o Dr. Keneth Foster, do Departamento de Bioengenharia da Universidade da Pensilvânia, não confirma as teses do Dr. Adey, afirmando o seguinte: “sob a perspectiva da saúde e da segurança, a questão deverá ser: Existe 159 alguma evidência de riscos elevados causados por campos electromagnéticos de níveis reduzidos? Muitos grupos de investigação têm examinado a literatura científica e a resposta que obtiveram é um acentuado não.” O Dr. Foster considera ainda que existe especulação na identificação dos riscos de fenomenos não-térmicos e ainda que a investigação realizada na área não é fiável. Relativamente a estas posições extremadas, parece que a posição mais correcta a adoptar deverá ser a seguinte: “Por um lado, existe já muita investigação séria e credível sobre o assunto, que tem permitido chegar a algumas conclusões interessantes relacionadas com os mecanismos de interacção; por outro, parece que há outra corrente de investigadores que desacreditam muitos dos resultados obtidos que relacionam a exposição a radiações com o aparecimento de efeitos nocivos em sistemas biológicos. Por conseguinte, atendendo a que esses sistemas biológicos assim como os mecanismos reguladores das funções do corpo possuem os seus próprios campos eléctricos, é pertinente concluir-se que, sob a acção de campos exteriores, esses campos interiores sofrerão alterações que, consoante a sua intensidade, poderão provocar ou não riscos graves para a saúde.” 4.3.2. Investigações Laboratoriais Conforme se analisou na secção prévia, a radiação RFR pode induzir efeitos térmicos e não-térmicos, não tendo estes últimos sido ainda considerados para o estabelecimento de normas de protecção e segurança, devido a não haver por enquanto um volume significativo de resultados científicos que demonstrem a sua importância, apesar de se pensar que poderão induzir doenças cancerígenas, normalmente associadas à acção dos efeitos térmicos. Um dos aspectos importantes a ter em consideração, consiste em como é que a energia da radiação de RF se propaga através dos tecidos biológicos – como é que a reflexão, a refracção e a absorção têm lugar no interior do corpo? Como é que a energia absorvida se distribui pelo interior do corpo, e durante quanto tempo durará a sua permanência, especialmente no caso de situações de níveis baixos de exposição, em que a temperatura não é mensurável? Quais são as consequências daí resultantes? – Além disso, por vezes existe uma exposição simultânea a campos de reduzidíssima frequência e a radiação RFR, não sendo fácil analisar separadamente a influência de cada uma delas. 160 a) Efeitos Genéticos O ADN das células pode ser danificado através de agentes com um potencial carcinogénico, designados por genotoxinas, que, por vezes, são também referidos na literatura médica especializada como agentes genotóxicos. Como é sabido, a danificação do ADN encontra-se na base da formação do cancro (carcinogénese genotóxica), contudo o cancro pode também resultar de factores que não actuam directamente no ADN nuclear (carcinogénese epigenética). Se os campos electromagnéticos de RF não originarem, directamente, mutações genéticas, coloca-se sempre a questão de esses campos contribuírem para o desenvolvimento de células malignas, ou para alterarem os processos de reparação, processos estes relacionados com as mudanças no material genético resultantes de outras alterações espontâneas. Acredita-se que as mudanças genéticas observadas em estudos relacionados com a exposição a radiação RFR ocorrem apenas na presença de aumentos de temperatura significativos. Por conseguinte, em termos gerais, constata-se que, devido ao baixo nível de energia dos fotões, aquela radiação não provoca danos directos no ADN. • Estudos Celulares. Apesar da radiação não ionizante, que se saiba, não alterar o ADN, contudo a exposição a campos de RF poderá alterar determinados processos celulares. Atendendo a que existem diversos componentes celulares que poderão ser afectados pelas ondas electromagnéticas, é essencial que se realizem estudos intensivos sobre as células, como aliás tem vindo a suceder, apresentando-se de seguida, alguns dos resultados obtidos: Estudos realizados na Austrália, sobre 38 ex-trabalhadores de telecomunicações, que exerceram funções directamente nas respectivas linhas de transmissão, mostraram não haver diferenças em termos de saúde e riscos, relativamente a outros trabalhadores. Estudos realizados no Iraque, no Canadá e nos Estados Unidos sobre diferentes sistemas celulares, concluíram não existir efeitos genotóxicos directos assim como mutações genéticas, sob a acção de radiação RFR contínua ou em impulsos. 161 Outro estudo australiano, realizado em células de laboratório, revelou que a exposição a frequências da ordem de 835 MHz origina mudanças na estrutura genética. Um estudo publicado já em 1995, e realizado na Universidade de Washington, constatou da existência de alguns problemas em células do cérebro em ratos expostos a 2,45 GHz, não tendo sido encontrados efeitos significativos após 2 horas de exposição a microondas com uma largura de impulso de 2 µs e 500 impulsos por segundo. Todavia, foram encontradas alterações no ADN para taxas específicas de absorção SAR de 0,6 W/kg e 1,2 W/kg, 4 horas após ter cessado a exposição às radiações. Em ratos expostos durante 2 horas a microondas contínuas de 2,45 GHz (SAR = 1,2 W/kg), foram encontradas alterações no ADN cerebral quer imediatamente quer 4 horas após ter cessado a exposição. As conclusões encontradas neste estudo são bastante importantes, na medida em que levantaram suspeitas, não confirmadas ainda totalmente do ponto de vista científico, sobre a ligação entre a exposição a radiações RFR e o desenvolvimento de cancros. A publicação deste estudo originou uma certa dose de controvérsia na indústria de comunicações celulares, na medida em que indiciava, tal como outros, poucos, investigadores, de que a radiação emitida por telefones celulares poderia promover a formação de tumores, especialmente em utilizadores que usam esse equipamento durante longos períodos. Um outro estudo, sobre este tema, realizado com o apoio da empresa americana Motorola, explorou a possibilidade da existência de danos no ADN, em células expostas a radiação por impulsos, com frequências de 813,5625 MHz e 836,35 MHz (sistema TDMA), emitidas por telefones celulares, numa gama de SAR compreendida entre 0,0024 W/kg e 0,024 MHz, tendo-se reportado um aumento assim como uma diminuição de danos no ADN, dependendo da duração da exposição e do tipo de sinal. Em termos gerais, os agentes que podem eventualmente causar danos no material genético possuem capacidades carcinogénicos, todavia, os estudos experimentais realizados ao nível celular, não concluem da existência de evidências entre a exposição a radiação de RF e a 162 genotoxicidade, a não ser que a densidade de potência absorvida seja suficientemente elevada para causar injúrias do ponto de vista térmico. • Estudos em Animais. Na prática, enquanto os parâmetros associados à exposição a radiações podem ser perfeitamente controlados através de estudos celulares, a experimentação realizada em animais pode conduzir a informações mais convincentes relativamente à existência de consequências para a saúde. Quanto a estudos experimentais, podem-se citar dois deles, realizados em 1979 e em 1985, em ratos de laboratório. No primeiro, os animais foram sujeitos a microondas pulsantes de 9,4 GHz, uma hora por dia durante 5 dias por semana, enquanto que no segundo, foram sujeitos a microondas de 2,45 GHz, tendo sido observados um aumento nas mudanças cromossómicas e anormalidades citogenéticas em espermatócitos. Em contrapartida, num outro estudo publicado em 1998 e apoiado pela empresa Motorola, não foram encontradas interacções entre a exposição a radiações de RF e possíveis danos no ADN. b) Proliferação Celular É possível haver perturbações no ciclo normal das células, como um sinal evidente da existência de um crescimento incontrolado de células cancerígenas. Num estudo publicado em 1992, foi reportado um aumento na proliferação de células expostas a radiação RFR de 2,45 GHz, com uma SAR de 1 W/kg, quando essa radiação é pulsante, todavia, a radiação contínua apenas aumentará essa proliferação nas situações em que a energia absorvida é suficientemente elevada para induzir calor. Um outro estudo recente, concluiu que a exposição a radiação RFR de baixo nível – 0,021 mW/kg a 2,1 mW/kg –, oriunda de telefones GSM, causou a diminuição na proliferação de células in vitro. Foi igualmente detectada uma significativa alteração na proliferação de células, quando comparadas com células não expostas, num outro estudo laboratorial em que as células foram estimuladas por sinais GSM de 960 MHz. Em contrapartida, um outro estudo realizado com células C6 glioma, expostas a sinais TDMA com uma potência incidente de 0,1 mW/cm2, 1,0 mW/cm2 e 10 mW/cm2, não encontrou efeitos relativamente à proliferação de células. 163 c) Transformação Celular O estudo da carcinogénese foi grandemente facilitado pela descoberta da transformação morfológica das células mamárias em cultura, envolvendo esta transformação morfológica mudanças no controlo do desenvolvimento de células de cultura. Quanto a estudos realizados e publicados, num deles a transformação celular foi induzida através do aumento da taxa de absorção específica, em células expostas a microondas com uma modulação de 120 Hz, e com SARs entre 0,1 W/kg e 4,4 W/kg, enquanto que num outro, em que se explorou o possível efeito entre a exposição a telefones celulares analógicos (835,62 MHz) ou digitais (847,74 MHz CDMA), e a promoção de transformações neoplásticas, não se encontrou diferença estatística dessas transformações entre células expostas e não expostas. d) Enzimas Acredita-se que a radiação RFR modulada de baixo nível poderá afectar as actividades intracelulares das enzimas. Um estudo laboratorial canadiano, explorou a situação interrogativa se os campos de RF modulados a frequências reduzidíssimas (TDMA) influenciam a actividade da enzima ODC em células, tendo primeiramente constatado a inibição de actividade três a quatro horas após uma radiação de 8,4 mW/cm2 (SAR de 7,8 mW/kg), não tndo contudo sido detectado qualquer efeito para outras durações de exposição. Noutro estudo, foi também reportado um aumento na actividade da enzima ODC em células L929 após uma radiação RFR de 835 MHz, com uma SAR entre 1 W/kg e 3 W/kg, tendo ainda sido observado um aumento na actividade enzimática ODC quando a onda era modulada sinusoidalmente a 16 Hz ou a 50 Hz. e) Hormonas Conforme se discutiu em capítulos anteriores, a exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência de hormonas, como a melatonina, exerce alguma actividade, o mesmo sucedendo com algumas hormonas, incluindo a melatonina, quando sujeitas a radiação RFR, que influencia a sua concentração no sangue. 164 Alguns investigadores sugeriram que a utilização de telefones celulares com uma certa frequência, provoca a redução diária de melatonina. Um outro estudo piloto, realizado em gado bovino de produção leiteira, serviu para investigar a influência da exposição a radiações RFR de 3 MHz a 30 MHz, sobre a concentração salivar de melatonina, tendo sido seleccionados duas manadas em duas quintas comerciais, no sentido de se poderem comparar os resultados obtidos. Uma delas foi colocada a uma distância de 500 m (manada exposta), e a outra, a 4000 m (manada não exposta), de um transmissor de RF, tendo, em cada manada, sido monitorizadas 5 vacas, por um período de 10 dias consecutivos, tendo o transmissor sido desligado durante três dias. Quanto aos resultados obtidos, os valores médios das duas noites iniciais não mostraram diferença palpável entre as vacas expostas e as vacas não expostas, todavia, na primeira noite de reexposição após a religação do transmissor depois de ter estado desligado durante três dias, a diferença de concentração de melatonina na saliva entre as duas manadas foi estatisticamente significativa, indicando uma concentração de melatonina na saliva duas a sete vezes superior nas vacas expostas. f) Sistema Imunitário Devido à importância vital que este sistema desempenha para a sobrevivência, têm sido bastantes os trabalhos de investigação desenvolvidos com o objectivo de determinar a influência das radiações RFR sobre este sistema, tendo sido mostrado que a exposição a radiações deste tipo, moduladas sinusoidalmente em amplitude, em níveis não-térmicos pode reduzir as funções imunológicas das células. Estudos em populações de ratos têm permitido concluir da existência de alterações, como por exemplo o aumento da produção de anticorpos e mudanças nas funções imunológicas. g) Funções das Membranas Celulares As células apresentam diferenças de potencial eléctrico assim como canais ionizados através das suas membranas, daí que as alterações do campo eléctrico da superfície das células originem mudanças nesses canais ionizados, sendo o movimento de iões Ca++ causado por radiação RFR uma resposta 165 significativa das actividades celulares. Um dos efeitos detectados da radiação RFR de baixa potência, a 10,750 GHz, diz respeito às funções dos receptores acetilcolina (acetylcholine receptors) – canais ionizados –, cuja frequência de abertura diminui com a irradiação. No entanto, as implicações para a saúde que os efeitos que se verificam nas membranas poderão causar, não são de forma alguma claras. 4.3.3. Conclusões O balanço das conclusões obtidas nos diversos trabalhos de investigação, não propõem que os ambientes onde existem radiações RFR possam causar cancro ou outras doenças. Contudo, existem algumas evidências de que os efeitos exercidos sobre as funções biológicas, incluindo as do cérebro, poderão ser induzidos por campos RFR em níveis comparáveis aos que se encontram associados à utilização de telefones celulares, se bem que não se tenha ainda uma certeza absoluta relativamente aos riscos que daí advêm para a saúde. Por outro lado, não se sabe ainda se a exposição prolongada a radiações RFR induz efeitos cumulativos ou não. Por outro lado, a utilização da taxa de absorção específica SAR, baseada na existência de fenómenos térmicos, poderá não ser o melhor indicador para a análise dos eventuais efeitos induzidos por ondas com modulação de frequência. Presentemente, a opinião pública tem vindo a manifestar as suas preocupações relativamente aos efeitos da radiação, sobretudo no que respeita aos sistemas celulares – telefones móveis e antenas de transmissão –, daí que seja fundamental o desenvolvimento e o aprofundamento de estudos científicos que possam de facto comprovar ou não a existência inequívoca de efeitos nocivos, estudos esses que deverão ser independentes e, mesmo, financiados por entidades públicas governamentais. Como conclusão, pode-se escrever que os efeitos da RFR poderão efectivamente representar um risco elevado, apenas nas situações em que a dosagem de radiação seja muito elevada. No caso concreto dos telefones celulares, a dose não é muito elevada, contudo carece de controlo e de detecção. 166 4.4. ESTUDOS HUMANOS E EPIDEMIOLÓGICOS 4.4.1. Generalidades Assiste-se presentemente, na opinião pública e nos meios de comunicação social, a uma abordagem crescente no que respeita à discussão sobre os potenciais riscos inerentes aos efeitos da radiação RFR, emanada de equipamentos sem fios em geral, e de telefones celulares em particular, devido aos riscos da absorção de energia pelo cérebro e outras partes do corpo humano. No subcapítulo anterior, citaram-se os resultados de diversos estudos científicos, obtidos através de experimentação laboratorial. Todavia, essas investigações deverão sempre ser complementadas recorrendo-se a estudos epidemiológicos, como aliás se tem vindo a fazer, salientando-se neste subcapítulo alguns dos resultados mais significativos e importantes obtidos recentemente. Interessa ainda referir que tem havido alguns casos de justiça, essencialmente nos Estados Unidos, onde se alega que o desenvolvimento de tumores cerebrais é o resultado da utilização de telefones celulares, não se tendo provado contudo qualquer associação do foro científico entre a exposição às radiações e o aparecimento desses tumores, não passando esses casos de histórias anedóticas e doentias. 4.4.2. Estudos Humanos a) Percepção Auditiva Acredita-se que, quando as pessoas se encontram expostas a radiação RF de muito baixo nível de energia, com determinadas características de frequência e de modulação, poderão ocorrer fenómenos de audição, como por exemplo ouvirem-se zumbidos, estalidos, e sinos, variando em função da modulação da radiação. Este fenómeno data já da altura da segunda guerra mundial, quando os operadores de radar reportaram a audição de sons de microondas. Têm sido vários os estudos desenvolvidos sobre esta interacção, que se pensa ser um dos efeitos de campos de reduzida energia. Por outro lado, se bem que se tenha aventado a hipótese da estimulação directa do sistema nervoso, a alternativa consiste no facto da audição de radiação RF não ocorrer de uma interacção da RFR com os nervos auditivos ou com os neurónios. Em lugar disso, os impulsos de RF, após a sua absorção por parte dos tecidos macios 167 do cérebro, geram uma onda termoelástica de pressão acústica que se desloca por condução através dos ossos da cabeça até ao ouvido interno, activando os receptores do caracol do ouvido pelo mesmo processo fisiológico da audição normal. b) Actividade Cerebral O facto de se colocarem fontes emissoras de RF muito próximas do corpo humano, como sucede com a utilização de telefones celulares, encostados à cabeça, potencia as possibilidades de interferência com as actividades cerebrais, como foi explicitado num trabalho publicado em 1998, que concluiu que a exposição a campos de RF emitidos por telefones celulares alteram aspectos distintos da resposta eléctrica do cérebro a estímulos acústicos. Outro estudo, efectuado com um grupo de 36 voluntários humanos, reportou que a exposição à radiação emitida por telefones celulares, a 915 MHz, pode afectar as funções cognitivas, particularmente a redução dos tempos de reacção, em 15 ms. Um estudo realizado na Finlândia, numa população de 48 voluntários sem problemas de saúde, expostos a uma radiação RFR de 902 MHz, emitida por telefones celulares, permitiu constatar a existência de um efeito facilitante no funcionamento do cérebro, especialmente em tarefas que requerem atenção e manipulação de informação. Um outro estudo, igualmente realizado na Finlândia, consistiu na análise quantitativa da actividade electroencefalográfica de 19 voluntários, 10 do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 28 e os 48 anos, e 9 do sexo feminino, entre os 32 e os 57 anos, tendo as fontes de emissão sido cinco telefones celulares diferentes, operando a frequências entre 900 MHz e 1800 MHz. Como conclusão, não foram encontrados efeitos anormais na actividade eléctrica cerebral. Como curiosidade, em literatura técnica oriunda da ex-União Soviética e de outros países do bloco socialista, dos anos 60 e 70 do século passado, são descritos alguns sintomas associados à exposição a radiação RFR, tais como dores de cabeça, fraqueza, distúrbios do sono, impotência sexual, alterações cardiovasculares, e stress nervoso, sintomas esses designados por doenças das microondas, e catalogados através de queixas apresentadas. 168 c) Sistema Cardiovascular Muitos dos estudos realizados mostram não existirem efeitos agudos, resultantes da exposição a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência, estacionários ou variáveis no tempo, em relação à tensão arterial, às pulsações cardíacas, e à actividade eléctrica do coração, enquanto que outros detectaram algumas anomalias no ritmo cardíaco. Um estudo publicado em 1997 na prestigiada revista de medicina Lancet, que utilizou uma amostra voluntária de sete homens e três mulheres, com idades compreendidas entre 26 e 36 anos, investigou a influência da radiação RFR emitida por telefones celulares GSM 900 MHz, sobre a pressão arterial e o ritmo cardíaco. Com a finalidade de se ter evitado quaisquer alterações fisiológicas extemporâneas, induzidas por stress psicológico quando do atendimento de chamadas telefónicas, os telefones foram colocados no lado direito da cabeça e activados por controlo remoto, de modo a que as pessoas desconheciam se os telefones estariam ou não a emitir radiações. Como resultado, foi noticiado ter havido um ligeiro aumento da tensão arterial entre 5 mm e 10 mm de Hg. Contudo, um outro estudo publicado em 1998 não encontrou quaisquer efeitos no controlo autónomo da pulsação cardíaca, por exposição a radiação RFR emitida por telefones celulares durante o sono, em indivíduos saudáveis. d) Sistema Imunitário Análises e exames realizados numa população de dezoito fisioterapeutas, ordenados por sexo e idade, como sejam as contagens de leucócitos e linfócitos, não conduziu a diferenças estatísticas significativas em relação a pessoas não expostas, no que respeita a todos os parâmetros do sistema imunitário, que se encontravam dentro dos valores considerados clinicamente normais. e) Melatonina De acordo com um estudo publicado em 1997, alguns utilizadores ocasionais e frequentes de telefones celulares apresentavam níveis médios de melatonina na urina inferiores aos níveis verificados em utilizadores esporádicos, que utilizavam o telefone uma vez por semana ou ainda menos. 169 Um outro estudo, com o objectivo de analisar os efeitos da radiação RFR gerada por telefones celulares, sobre a secreção rítmica de melatonina, utilizou dois grupos de 38 voluntários do sexo masculino, sem problemas de saúde e com idades compreendidas entre 20 e 32 anos. Os períodos de exposição foram de 2 horas por dia, 5 dias por semana, durante 4 semanas, e com o nível máximo de potência. As análises ao sangue realizadas antes, durante e após a exposição não revelaram qualquer evidência entre a radiação de RF e alterações na secreção de melatonina. f) Cataratas A indução de cataratas tem sido um dos cavalos de batalha daqueles que acreditam nos efeitos perigosos da radiação RFR sobre a saúde humana, devido ao facto da córnea e do cristalino serem as partes do olho mais expostas às radiações, com níveis elevados por causa não só da sua localização superficial mas também pelo facto do calor produzido pela energia das ondas ser mais facilmente removido das outras partes do olho através da circulação sanguínea. A primeira vez que se reportou a indução de cataratas provavelmente devidas à exposição a microondas, foi num trabalho científico publicado em 1952. Todavia, num outro trabalho publicado em 1966, os seus autores não encontraram diferenças na formação de cataratas entre veteranos do exército e da força aérea americana. 4.4.3. Estudos Epidemiológicos a) Exposição Ocupacional Entende-se como ambientes ocupacionais todas as áreas e recintos nos quais as pessoas se poderão encontrar expostas a radiações, por motivos profissionais ou então por motivos ocasionais, encontrando-se apenas de passagem. Seguidamente, apresentam-se alguns resultados considerados significativos, agrupados por locais e profissões, obtidos a partir de estudos epidemiológicos. • Pessoal das Forças Armadas. Anteriormente, já foi citado que os operadores de radar acusaram a existência de anomalias oculares assim como de elevação da temperatura em tecidos, com fraca irrigação 170 sanguínea. Um estudo conduzido em 226 trabalhadores, divididos em grupos, do sector de radares numa indústria aeronáutica, sujeitos a frequências de 2,88 GHz e 9,375 GHz, e a densidades de potência compreendidas no intervalo de 39 mW/m2 a 131 mW/m2, detectou algumas anomalias oculares contudo com ausência de riscos graves para a saúde. No ano 2000, foram observados pelo Aerospace Medicine Directorate, da United States Air Force Research Laboratory, 34 pacientes sujeitos a radiação RFR superior aos níveis de exposição permitidos, tendo-se concluído pela existência de uma associação positiva entre a sensação de aquecimento e o aumento da densidade de potência, e de uma associação negativa entre a destruição anormal, superficial, de tecidos e a densidade de potência. • Radares de Controlo de Tráfego. Num estudo publicado em 1993, foram reportados seis casos de cancros testiculares em agentes de segurança da polícia, que utilizaram radares de controlo do tráfego entre 1979 e 1991, numa população de 340 agentes afectos a dois departamentos de polícia situados em condados vizinhos na região norte-central dos Estados Unidos. O seu tempo médio de serviço antes do diagnóstico de cancro foi de 14,7 anos, a sua idade média era de 39 anos, e todos eles tinham utilizado radares pelo menos durante 4,5 anos antes do diagnóstico. Um outro estudo, canadiano, apresentou os resultados obtidos no rastreio de cancro num grupo de 22197 agentes policiais de 83 departamentos de polícia da província de Ontário. A razão de incidência normalizada (standardized incidence ratio SIR) relativa a todos os tipos de tumores foi de 0,90, havendo um aumento na incidência de cancro testicular (SIR = 1,3) e de cancro na pele (SIR = 1,45). Por outro lado, neste estudo não foi disponibilizada informação relativamente a exposições individuais a radares • Pessoal de Radiodifusão e Telecomunicações. Num trabalho publicado em 1985 foi sugerida a possibilidade de um aumento signifi-cativo do risco de desenvolvimento de leucemia em rádio-amadores. Esta conclusão foi publicada num estudo de mortalidade em indivíduos do 171 sexo masculino, membros da American Radio Relay League, que é um grupo de rádio-amadores, consequentemente expostos a radiação RFR. No período 1971-1983, foram registados 296 falecimentos de homens no estado de Washington, e 1642 na Califórnia. A taxa de mortalidade relativa a leucemia aguda e crónica foi de 281 (16 mortes confirmadas versus 5,7 mortes esperadas), sendo de 191 a taxa de mortalidade para todas as leucemias (24 mortes confirmadas versus 12,6 mortes esperadas). Constatou-se que muitos dos membros daquela associação tinham as suas actividades profissionais em sectores onde estavam expostos a campos de RF, todavia essas profissões não conseguiram, por si só, justificar aquele excesso de falecimentos. Um estudo conduzido em 1997, com a finalidade de avaliar as funções do sistema circulatório em trabalhadores expostos a radiação de média frequência, detectou alterações nos electroencefalogramas, mais frequentes em indivíduos expostos a radiação RFR, que nos outros, não expostos (75 % versus 25 %). A amostra consistiu em 71 trabalhadores de quatro estações de radiodifusão em AM (0,738 MHz a 1,503 MHz), com idades entre 20 e 68 anos e com exposições a RFR entre 2 e 40 anos, e 22 trabalhadores de estações de rádio, com idades entre 23 e 67 anos e sem historial de exposição a radiações. Na Noruega, procedeu-se a um outro estudo de investigação sobre a incidência do cancro da mama em 2619 mulheres operadoras de rádio e telegrafia, com um potencial elevado de exposição à luz durante a noite, a radiação RFR (405 kHz a 25 MHz), e a campos electromagnéticos de reduzidíssima frequência (50 Hz). Constatou-se, por um lado, que a incidência de todos os tipos de cancro não era significativa, e, por outro, que o risco de desenvolvimento de cancro da mama era excessivo. • Exposição em Locais Industriais. Num estudo publicado em 1988, foram investigados os problemas de saúde em trabalhadores fabris na Suécia, derivados da sua exposição a radiação RFR emitida por máquinas de moldes de plástico de diversos tipos, tendo sido concluído que a fertilidade encontrada nas trabalhadoras não diferia significativamente dos valores médios de partos e malformações registados no país. 172 Num estudo publicado em 1997, e realizado em Itália em trabalhadores da indústria de plásticos, no período 1962-1992, expostos a radiação RFR emitida por máquinas de selagem, constatou haver uma taxa de mortalidade ligeiramente mais elevada devido a neoplasmas malignos, tendo igualmente detectado um aumento dos riscos de desenvolvimento de leucemias. Num outro estudo publicado em 1998, foram seleccionados 61 trabalhadores saudáveis, entre 30 e 50 anos de idade, que tinham estado expostos a radiação RFR de frequências entre 0,738 MHz e 1,503 MHz, e 42 trabalhadores de estações de rádio, igualmente saudáveis e com idades entre 28 e 49 anos, não expostos profissionalmente àquele tipo de radiação. Concluiu-se que, sobretudo entre trabalhadores expostos a níveis elevados de radiação, foi observada uma redução significativa nos ritmos da tensão arterial e dos batimentos cardíacos. b) Exposição em Locais Públicos No que respeita ao comportamento da opinião pública, é notória a ideia de que a exposição a radiações de RF aumenta a incidência de alguns tipos de cancro – particularmente a leucemia e os tumores cerebrais –, assim como de outros problemas de saúde. Veja-se seguidamente os resultados obtidos a partir de estudos epidemiológicos relativamente a esta questão: • Transmissores de Rádio e Televisão. Num estudo realizado na Austrália, foi encontrada uma associação entre a proximidade de antenas de TV de residências e um aumento de leucemia infantil, não tendo contudo sido encontrada qualquer associação similar, mas em adultos. Os autores especificaram um determinado conjunto de agentes ambientais que poderiam explicar a associação positiva encontrada nesse estudo, sendo um desses agentes a radiação RFR emitida pelas torres de transmissão de TV. Porém, atendendo a que os níveis de radiação não foram medidos directamente no terreno, mas sim calculados, não foi explicitada qualquer conclusão que justificasse aquela associação. Em 1997 foram realizados dois estudos no Reino Unido, pelos mesmos autores, sobre o mesmo tema. O primeiro foi conduzido numa zona 173 centrada numa torre de televisão, tendo utilizado como referência as taxas de incidência de cancro, sendo a conclusão obtida que o risco de leucemia adulta aumentava dentro de um raio de 2 km a partir da torre. Quanto ao segundo, foi conduzido em 20 torres diferentes de TV e de transmissão FM, com a finalidade de confirmar os resultados obtidos no primeiro estudo, não tendo sido encontrado um excesso significativo de leucemia adulta dentro de um raio também de 2 km a partir das torres. Como resultado final, foi concluído que os resultados obtidos mostraram não haver uma co-relação entre as taxas de leucemia infantil ou de cancro cerebral com as distâncias aos transmissores. Num estudo realizado em Itália, numa zona periférica de Roma situada próximo de um transmissor de rádio de potência elevada, foi constatado que as mortes por leucemia eram mais elevadas que o esperado, e ainda que o risco diminui significativamente com a distância ao transmissor. Um outro estudo desenvolvido na Letónia, em crianças em idade escolar que residiam próximo de uma estação de rádio, confirmou a existência de memória menos desenvolvida, deficiências na atenção, diminuição do tempo de reacção, e diminuição do desempenho neuromuscular, sobretudo em crianças vivendo em frente da estação. • Telefones Celulares. Num estudo conjunto sueco e norueguês, foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre a duração e o número de chamadas diárias e a prevalência de aquecimentos atrás e à volta dos ouvidos, tonturas, e fadiga. Curiosamente, concluiu-se que os telefones digitais são menos “perigosos” que os antigos telefones analógicos. Um estudo epidemiológico “caso-controlo”, relacionado com o desenvolvimento de cancros no cérebro, conduzido na Suécia, em indivíduos de ambos os sexos, conduziu a valores de odds ratio OR de 0,97 para telefones digitais e de 0,94 para telefones analógicos, não havendo uma associação positiva entre esse tipo de cancro e a exposição a radiações RFR. Atendendo a que os níveis de radiação RFR na cabeça dos utilizadores de telefones celulares é bastante mais elevada que em situações de não 174 exposição, podendo eventualmente potenciar os riscos de desenvolvimento de tumores cerebrais, tem-se vindo a assistir a um aumento significativo da realização de estudos científicos e epidemiológicos, com a finalidade de provar a existência ou não desses riscos. 4.4.4. Casos Pessoais Seguidamente, expõem-se alguns casos pessoais relacionados com doenças eventualmente associadas aos efeitos de radiações RFR: • Em 1991, uma mulher de Oklahoma faleceu no hospital após uma simples transfusão de sangue, porque a enfermeira aqueceu o sangue num forno microondas, o que originou uma alteração na sua estrutura celular. • Um técnico de uma empresa industrial colocou a sua mão sob a acção directa de um feixe de microondas, com a finalidade de sentir o calor desenvolvido e, assim, confirmar que o gerador de microondas se encontrava operacional. Sem o saber, esteve sujeito a uma densidade de potência da ordem de 100 W/m2, e, após um ano, queixou-se de uma perda súbita de visão, devido ao desenvolvimento de cataratas. • Um caso de tribunal envolveu a morte de uma mulher no estado da Florida, devido a um tumor cerebral, localizado numa área do cérebro acima da sua orelha, tendo a causa sido atribuída ao uso excessivo de telemóveis. Apesar do seu esposo ter intentado uma acção judicial em 1992 alegando essa causa, um tribunal federal considerou, em 1995, que não existia uma evidência directa entre os dois acontecimentos. • Recentemente, um médico neurologista, com 41 anos de idade, do estado de Maryland, intentou uma acção judicial de 800 milhões de dólares contra a empresa Motorola e mais oito companhias de telecomunicações, alegando que a utilização de telefones celulares lhe causou um tumor cerebral. Na sequência deste processo, o tribunal acusou as empresas de falharem, ao não informarem os consumidores que os telefones celulares produzem níveis elevados de radiação RFR, os quais poderão causar cancros ou outras doenças. 175 4.5. REGULAMENTAÇÃO E NORMAS DE SEGURANÇA 4.5.1. Generalidades Como se explicitou no capítulo 3, o conceito de segurança assim como de norma de segurança, no que respeita aos riscos à exposição de radiações electromagnéticas, requer uma análise bastante aprofundada, devido ao facto, por um lado, de não se conhecerem ainda em pormenor quais os mecanismos de interacção entre essas radiações e os tecidos humanos e, por outro, por serem contraditórios, em muitas situações, os resultados obtidos a partir de estudos humanos e epidemiológicos. Presentemente, existem já bastantes normas de segurança e linhas de conduta quanto aos limites máximos de exposição a radiações de RF, em ambientes industriais, todavia, a elaboração de regulamentação de segurança para todos os tipos de exposição, e para todo o espectro de frequências de RFR, não seria prático nem será provável que alguma vez seja estabelecida. Além disso, existem ainda muitas questões relacionadas com os parâmetros principais das radiações de RF, tais como a intensidade do campo, a duração de exposição, os efeitos da pulsação das ondas, a geometria das zonas expostas, e as técnicas de modulação, que requerem respostas concretas para que se possam definir quais os níveis de radiação acima dos quais poderão ocorrer riscos graves para a saúde. Por conseguinte, não é possível afirmar conclusivamente que a segurança à exposição a radiações esteja assegurada através da regulamentação e das normas existentes. Devido a esta situação, todos os organismos de normalização têm em conta uma margem relativamente larga de segurança, no sentido de, ao definirem os limites máximos de exposição, seja considerada aquela incerteza quantitativa. Os Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Rússia, e a Ásia-Pacífico, assim como algumas organizações internacionais, já elaboraram regulamentação e normas de segurança em relação aos efeitos das radiações RF, em número relativamente elevado, por contemplarem vários factores, como se verá seguidamente, tais como a frequência, a duração da exposição, a massa do corpo, e a periodicidade da exposição. Saliente-se, por outro lado, que estas normas são constantemente revistas e actualizadas, em função do aparecimento de novos dados, tornados públicos, que resultam de estudos científicos e epidemiológicos. 176 4.5.2. Regulamentação nos Estados Unidos Neste país, são vários os organismos governamentais e não governamentais, que têm vindo a elaborar ou a participar na elaboração de regulamentação, tais como a American National Standard Institute (ANSI), o Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), o National Council on Radiation Protection and Measurement (NCRP), a Occupational Safety and Health Administration (OSHA), o National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH), a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), a Food and Drug Administration (FDA), a Environmental Protection Agency (EPA), a Federal Communications Commission (FCC), o Department of Defense (DOD), e a National Telecommunications and Information Administration (NTIA). Veja-se de seguida as recomendações inerentes a cada regulamento estabelecido por esses organismos. a) ANSI/IEEE C95.1 Estas normas de segurança têm sido as mais utilizadas nos Estados Unidos, tendo o seu historial remontado a 1940, quando das preocupações sentidas relativamente aos militares norte-americanos que operavam frequentemente com equipamentos de radar, durante a segunda guerra mundial. Na década de 1950, e de acordo com dados empíricos, os cientistas atribuíram um factor de segurança com o valor 10, baseado numa exposição de 0,1 W/cm2, e tendo em conta um peso médio masculino de 70 kg e uma área de exposição de 3000 cm2, tendo este último valor sido corrigido, mais tarde, para 20000 cm2, assim como o valor da taxa de exposição, para 10mW/cm2, valor esse que representou a base para a recomendação C95.1, de 1966. Saliente-se que, em 1954, a General Electric recomendava para a densidade de potência de exposição o valor de 1 mW/cm2, enquanto que, em 1958, essa mesma empresa subiu esse nível para 10 mW/cm2. C95.1 – 1966 Esta norma fixou para a densidade de potência o limite de 10 mW/cm2, para a protecção e segurança da saúde pública, sendo a gama de frequência de 10 MHz a 100 GHz. Quanto ao tempo médio de exposição contemplado, é de 6 minutos. 177 C95.1 – 1974 Esta recomendação resultou da actualização da C95.1 – 1966, com alterações mínimas, tendo o tempo médio de exposição para radiação contínua sido removido, e considerado apenas um tempo médio de exposição para campos modulados, fixado nos mesmos 6 minutos. Os limites para o campo eléctrico e para o campo magnético, na gama de frequência entre 10 MHz e 300 MHz, são, respectivamente, de 200 V/m e 0,5 A/m, sendo a densidade de potência correspondente igual a 250 W/m2. Para frequências inferiores a 10 MHz, o limite de exposição recomendado é de 10 mW/cm2. C95.1 – 1982 Esta norma baseou-se integralmente nos efeitos térmicos das radiações, para uma gama de frequências entre 10 MHz e 100 GHz, sendo os níveis de exposição recomendados de 10 mW/cm2, para uma duração superior a 6 minutos, e de 100 mW/cm2, para uma duração de 6 minutos. O limite de 10 mW/cm2 foi reduzido, em 1981, para 1 mW/cm2, na gama de frequências entre 30 MHz e 300 MHz, sendo ainda recomendado que a taxa de absorção específica não ultrapasse 8 W/kg, e a taxa de potência média depositada, para todo o corpo, não seja superior a 0,42 W/kg. Estes valores baseiam-se nas densidades de potência expostas no quadro 4.7, na gama entre 3 MHz e 100 GHz. Por outro lado, no que respeita à densidade de potência incidente, os níveis permissíveis são 1 mW/cm2 a 150 MHz, 1,5 mW/cm2 a 450 MHz, e 2,75-2,83 mW/cm2 para frequências entre 824 MHz e 850 MHz (banda utilizada em sistemas de telecomunicações celulares). Frequência (MHz) Campo eléctrico (V2/m2) Campo magnético (A2/m2) Densidade de potência (mW/cm2) 0,3 – 3,0 400000 2,5 100 2 2 3,0 – 30 4000 x (900/f ) 0,025 x (900/f ) 900/f2 30 – 300 4000 0,025 1,0 300 – 1500 4000 x (f/300) 0,025 x (f/300) f/300 1500 - 100000 20000 0,125 5,0 f – frequência, em MHz Quadro 4.7 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI C95.1 – 1982. 178 C95.1 – 1992 De acordo com esta norma, os limites máximos permissíveis de exposição são dependentes da frequência e do tipo de local, como se mostra no quadro 4.8. Como se pode constatar, os níveis mais baixos de exposição a campos eléctricos ocorrem a frequências entre 30 MHz e 300 MHz, e de exposição a campos magnéticos, entre 100 MHz e 300 MHz. Por outro lado, em locais ocupacionais, o campo eléctrico máximo ocorre entre 30 MHz e 300 MHz, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, enquanto que, para locais públicos, e para essa mesma gama de frequências, o seu valor é bastante mais reduzido (27,5 V/m contra 61,4 V/m), sendo a densidade de potência igualmente mais baixa (0,2 mW/cm2 contra 1,0 mW/cm2). Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais ocupacionais 0,003 – 0,1 614 163 100 6 0,1 – 3,0 614 16,3/f 100 6 3,0 – 30 1824/f 16,3/f 900/f2 6 30 – 100 61,4 16,3/f 1,0 6 100 – 300 61,4 0,163 1,0 6 300 – 3000 ----- ----- f/300 6 3000 – 15000 ----- ----- 10 6 15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f1,2 6 Locais públicos 0,003 – 0,1 614 163 100 0,1 – 1,34 614 16,3/f 100 1,34 – 3,0 823,8/f 16,3/f 6 180/f 2 2 f /3 2 30 3,0 – 30 823,8/f 16,3/f 180/f 30 – 100 27,5 158,3/f1,668 0,2 30 100 – 300 27,5 0,0729 0,2 30 300 – 3000 ----- ----- f/1500 30 3000 – 15000 ----- ----- f/1500 90000/f2 15000 - 300000 ----- ----- 10 616000/f1,2 f – frequência, em MHz Quadro 4.8 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI C95.1 – 1992. 179 Adicionalmente, no quadro 4.9 mostram-se os níveis máximos recomendados para correntes induzidas por radiação de RF, nos pés de pessoas imersas em campos RF, ou em pessoas directamente em contacto com objectos carregados electricamente, como por exemplo veículos ou grades metálicas, para uma gama de frequências entre 3 kHz e 100 MHz, e para locais ocupacionais e locais públicos, sendo de salientar que a corrente máxima de contacto é igual à corrente máxima induzida em cada pé, para ambos os locais, o que, aliás, é pertinente. Frequência (MHz) Corrente máxima em ambos os pés (mA) Corrente máxima em cada pé (mA) Corrente máxima de contacto (mA) Locais ocupacionais 0,003 – 0,1 2000f 1000f 1000f 0,1 - 100 200 100 100 Locais públicos 0,003 – 0,1 900f 450f 450f 0,1 - 100 90 45 45 f – frequência, em MHz Quadro 4.9 – Níveis de segurança recomendados pela norma ANSI C95.1 – 1992, para correntes RF induzidas e de contacto, no corpo humano. Esta regulamentação de segurança também especifica uma intensidade do campo eléctrico com o valor de 100 kV/m como sendo o limite máximo de exposição permitido (LME), em locais ocupacionais, para radiação RFR por impulsos, na gama de frequências entre 0,1 GHz e 300 GHz. Para um impulso de duração inferior a 100 ms, nessa gama de frequências, o valor de pico da LME é definido através da seguinte expressão: (LME )pico = LME × tempo médio de exposição (s) 5 × duração do impulso (s) Para séries de mais de 5 impulsos, ou para uma duração dos impulsos superior a 100 ms, a expressão anterior tomará a forma: ∑ (LME )pico × duração do impulso (s) = LME × tempo médio de exposição (s) 5 180 b) National Council on Radiation Protection and Measurements Este organismo é um grupo suportado pelo Congresso dos Estados Unidos, criado com a finalidade de desenvolver documentação e recomendações de segurança, relativamente aos efeitos das radiações ionizantes e não-ionizantes. Relatório nº 86 (1986) Este relatório, designado por Biological Effects and Exposure Criteria for Radio Frequency Electromagnetic Fields, apresenta os resultados de uma avaliação extensiva da literatura disponível sobre os efeitos biológicos dos campos RF, apresentando-se no quadro 4.10 os respectivos limites recomendados, baseados num valor máximo de SAR de 8 W/kg para exposição ocupacional, e um quinto desse valor, ou seja, 1,6 W/kg, para o público em geral. Este factor 1/5 é obtido considerando 168 horas por semana de exposição para o público em geral, e 40 horas por semana de exposição em locais de trabalho. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Corrente de contacto (min) Locais ocupacionais 0,3 – 1,34 614 163 100 1,34 – 3,0 614 1,63 100 200 200 2 3,0 – 30 1824/f 4,89/f 900/f 100 – 300 61,4 0,163 1,0 ----- f/300 ----- 5,0 ----- 300 – 1500 1500 - 100000 3,54 f 194 f / 106 0,515 200 Locais públicos 0,3 – 1,34 1,34 – 3,0 614 1,63 823,8/f 2,19/f 100 200 180/f 2 200 2 200 3,0 – 30 823,8/f 2,19/f 180/f 100 – 300 27,5 0,0729 0,2 ----- f/1500 ----- 1,0 ----- 300 – 1500 1500 - 100000 2,59 106 f f / 238 0,23 f – frequência, em MHz Quadro 4.10 – Níveis de segurança recomendados pelo relatório NCRP nº 86. 181 Relatório nº 119 (1993) Este relatório, designado por A Practical Guide to the Determination of Human Exposure to Radiofrequency Fields, foi desenvolvido como um guia para as pessoas que são responsáveis pela determinação das exposições a radiação RF, com menos conhecimentos sobre os seus princípios e práticas. Comparando os limites de densidade de potência impostos pelas recomendações ANSI e NCRP, uma das poucas diferenças reside no facto dos limites NCRP serem mais restritivos a altas frequências – por exemplo, acima de 1,5 GHz. Por conseguinte, nas unidades industriais são seguidos os limites ANSI, enquanto que o público favorece mais as recomendações NCRP. c) American Conference of Governmental Industrial Hygienists Esta associação recomenda, para locais ocupacionais, que a SAR não seja superior a 0,4 W/kg, para um período de exposição de 6 minutos, e para uma gama de frequências entre 10 kHz e 300 GHz, mostrando-se no quadro 4.11 os níveis de exposição aconse-lhados por esta associação. Atendendo a que estes limites são destinados a locais de trabalho, baseiam-se assim na assumpção de que não existem crianças ou jovens nesses locais, permitindo uma densidade de potência incidente de 10 mW/cm2 para frequências superiores a 1 GHz, mantendo a mesma SAR de 0,4 W/kg para todo o corpo. Por outro lado, os 100 mW/cm2 recomendados na gama de 10 kHz a 3 MHz, é um nível que se poderá considerar seguro na base de que se refere igualmente à totalidade do corpo humano, apesar de poder resultar de choques eléctricos ou de queimaduras eléctricas de RF. Frequência Campo eléctrico (V2/m2) Campo magnético (A2/m2) Densidade de potência (mW/cm2) 10 kHz – 3 MHz 377000 2,65 100 2 2 3 – 30 MHz 3770 x (900/f ) 900 / (37,7f ) 900/f2 30 – 100 MHz 3770 0,027 1,0 100 MHz – 1 GHz 3770 x (f/300) (f/37,7) x 100 f/100 1 – 300 GHz 37700 0,265 10 f – frequência, em MHz Quadro 4.11 – Níveis de segurança recomendados pela associação ACGIH. 182 d) Federal Communications Commission Este organismo foi criado em 1934 como uma agência reguladora, com a finalidade de controlar e regular as comunicações rádio e por fios, tendo vindo a ser a responsável pelo licenciamento dos sistemas de comunicações nos Estados Unidos, daí estar igualmente envolvida de uma forma directa na segurança associada à utilização das tecnologias de comunicações. No quadro 4.12 mostram-se os limites gerais recomendados, e no quadro 4.13 os limites recomendados para a taxa específica de absorção SAR na totalidade do corpo humano ou em parte, para uma gama de frequências entre 100 kHz e 6 GHz. A alteração mais significativa desta norma em relação às anteriores, consiste no facto da SAR admissível para telefones celulares ser de 1,6 W/kg. Previamente, os telefones celulares poderiam exceder o limite máximo de exposição permitido (LME), se a sua potência radiante fosse inferior a 1,4 x 450/f, sendo f a frequência de operação em MHz. Para a maioria dos telefones celulares comercializados, essa potência radiante corresponde aproximadamente a um valor de 0,6 W. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais ocupacionais 0,3 – 30 614 1,63/f 100 6 3 – 30 1824/f 4,89/f 900/f2 6 30 – 300 61,4 0,163 1,0 6 300 – 1500 ----- ----- f/300 6 1500 - 100000 ----- ----- 5,0 6 Locais públicos 0,3 – 1,34 614 1,63 100 30 1,34 – 30 1824/f 2,19/f 180/f2 30 30 – 300 27,5 0,073 0,2 30 300 – 1500 ----- ----- f/1500 30 1500 - 100000 ----- ----- 1,0 30 f – frequência, em MHz Quadro 4.12 – Níveis de segurança recomendados pelo organismo FCC. 183 Locais ocupacionais Locais públicos < 0,4 W/kg para todo o corpo < 0,08 W/kg para todo o corpo ≤ 8 W/kg para partes do corpo ≤ 1,6 W/kg para partes do corpo Quadro 4.13 – Níveis de segurança recomendados pelo organismo FCC, para exposição localizada do corpo humano, na gama de 100 kHz a 6 GHz. Relativamente aos limites recomendados expostos no quadro 4.13 e, tal como em relação ao Relatório nº 86 (1986) do National Council on Radiation Protection and Measurements, ao compararem-se os valores aconselháveis para locais públicos com os valores homólogos aconselháveis em locais ocupacionais, constata-se que a razão entre eles é igual a 1/5, devido ao facto de se considerar que a exposição para o público em geral é de 7 dias por semana x 24 horas por dia = 168 horas por semana, e para os locais de trabalho, de 5 dias por semana x 8 horas de trabalho por dia = 40 horas por semana, tendo-se assim a seguinte relação: SAR (locais públicos) = (40 / 168) x SAR (locais ocupacionais) 4.5.3. Regulamentação no Canadá O Ministério da Saúde Canadiano tem vindo a desenvolver diversas recomendações e normas de segurança com o objectivo de proteger os seus cidadãos contra os efeitos das radiações RFR, na gama de frequências entre 3 kHz e 300 GHz, tendo, em 1979, publicado o primeiro Safety Code 6, alterado sucessivamente em 1991, 1994 e 1999, mostrando-se no quadro 4.14 os respectivos limites recomendados, limites esses definidos com base numa análise exaustiva realizada a todos os trabalhos de investigação realizados nos últimos 30 anos, relativos aos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos. Adicionalmente, apresenta-se no quadro 4.15 os limites da SAR relativos a locais ocupacionais e a locais públicos, verificando-se a existência do factor 1/5 entre valores homólogos, devido aos factos apontados anteriormente, e no quadro 4.16 apresentam-se os limites recomendados para as correntes induzidas e para as correntes de contacto, assim como os tempos médios de exposição, também para locais ocupacionais e para locais públicos. Saliente-se que os valores expostos nestes quadros referem-se ao Safety Code 6. 184 Os níveis de exposição relativos aos locais públicos, definidos neste código normativo, são baseados em estudos inerentes aos efeitos térmicos, estudos esses que demonstram uma tolerância às densidades de potência de exposição, para diversas rádio-frequências, antes da temperatura do corpo aumentar de 1 oC dentro de uma exposição de 30 minutos. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Densidade de potência (mW/cm2) Tempo médio de exposição (min) Locais ocupacionais 0,003 – 1 600 4,9 ----- 6 1 – 10 600/f 4,9/f ----- 6 10 – 30 60 4,9/f ----- 6 30 – 300 60 10 6 f/30 6 300 – 1500 3,54 f 0,163 0,5 0,0094 f 0,5 1500 – 15000 137 0,364 50 6 15000 - 150000 137 0,364 50 616000/f1,2 150000 - 300000 0,354 f0,5 9,4 x 10-4 f0,5 3,33 x 10-4 f0,5 616000/f1,2 Locais públicos 0,003 – 1 280 2,19 ----- 6 1 – 10 280/f 2,19/f ----- 6 10 – 30 28 2,19/f ----- 6 30 – 300 28 0,037 2 6 300 – 1500 1,585 f0,5 0,0042 f0,5 f/150 6 1500 – 15000 61,4 0,163 10 6 15000 - 150000 61,4 0,163 10 616000/f1,2 150000 - 300000 0,1584 f0,5 4,21 x 10-4 f0,5 6,67 x 10-5 f 616000/f1,2 f – frequência, em MHz Quadro 4.14 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6. Locais ocupacionais Locais públicos 0,4 W/kg para todo o corpo 0,08 W/kg para todo o corpo 8 W/kg para a cabeça, pescoço, tronco 1,6 W/kg para a cabeça, pescoço, tronco 20 W/kg para os membros 4 W/kg para os membros Quadro 4.15 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6, para exposição localizada do corpo humano. 185 Frequência (MHz) Correntes induzidas (mA) ambos os pés cada pé Correntes de contacto (mA) Tempo médio de exposição Locais ocupacionais 0,003 – 0,1 2000 f 1000 f 1000 f 1 seg 0,1 - 110 200 100 210 6 min Locais públicos 0,003 – 0,1 900 f 450 f 450 f 1 seg 0,1 - 110 90 45 45 6 min f – frequência, em MHz Quadro 4.16 – Níveis de segurança recomendados pela norma Safety Code 6, para correntes RF induzidas e de contacto, no corpo humano. 4.5.4. Regulamentação na Europa a) União Europeia Em 8 de Junho de 1999, o European Union Health Council, com o suporte do governo do Reino Unido, estabeleceu recomendações com o objectivo de limitar as exposições a campos electromagnéticos, especialmente à radiação emitida por telefones celulares, propondo essas recomendações, para locais públicos, uma SAR de 0,2 W por 10 g de tecido da cabeça e 0,08 W/kg para todo o corpo. Veja-se seguidamente as recomendações estabelecidas por alguns dos países da União Europeia: • Bélgica. As suas normas aconselham, para a intensidade do campo eléctrico, limites de 21 V/m para 900 MHz e de 29 V/m para 1800 MHz. • Itália. Neste país, as normas impõem, para as frequências dos telefones celulares, uma densidade de potência de 0,10 mW/cm2 e, para as situações onde a exposição exceda 4 horas por dia, esse limite deve ser reduzido para 0,010 mW/cm2. Por outro lado, as administrações regionais dispõem de poder para reduzir ainda mais aqueles limites, havendo regiões onde os limites são 4 vezes inferiores (0,0025 mW/m2). Por exemplo, o limite para as torres de transmissões celulares e de radiodifusão, é de 6 V/m ou 10 μW/cm2; para outras exposições de RF e 186 de microondas é 100 μW/cm2 para frequências entre 3 MHz e 3 GHz e, para a gama entre 3 GHz e 300 GHz, é 400 μW/cm2. • Suécia. O nível permitido para a densidade de potência, a 900 MHz, e para locais públicos, é de 4,5 W/m2 ou de 41 V/m para o campo electrico, sendo os limites admissíveis para os locais ocupacionais cinco vezes superiores, como sucede nas normas americanas e canadianas. • Suíça. Para os transmissores de comunicações sem fios, o limite admissível é de 4 V/m (0,0042 mW/cm2) a 900 MHz, e de 6 V/m (0,0095 mW/cm2) a 1800 MHz. Para transmissores de radiodifusão e de TV, o limite de exposição está entre 3 V/m e 8,5 V/m (0,0024 mW/cm2 e 0,019 mW/cm2). • Reino Unido. Os limites referentes à exposição a radiação RFR são de 112 V/m e 0,57 mW/cm2 para 900 MHz, e de 194 V/m e 1 mW/cm2 para 1800 MHz, sendo os tempos médios de exposição de 15 minutos para todo o corpo, e de 6 minutos para uma exposição parcial. b) Europa do Leste e Rússia No quadro 4.17 mostram-se os limites para o campo eléctrico e para o campo magnético, relativos a locais ocupacionais e a locais públicos, que se encontravam em vigor na União Soviética, antes da sua transformação política numa confederação de repúblicas independentes, notando-se a não existência de limites para o campo magnético em locais públicos. Para locais ocupacionais, e para a gama de frequências entre 300 MHz e 300 GHz, o limite máximo para a densidade de potência era de 1 mW/cm2, enquanto que, para locais públicos, era 100 vezes inferior, ou seja, 0,01 mW/cm2. Por sua vez, no quadro 4.18 mostram-se os limites recomendados para locais ocupacionais e para locais públicos, estabelecidos a partir de 1996 na Rússia, continuando a não existir limites para o campo magnético em locais públicos. Quanto aos limites admissíveis para o campo eléctrico relativo a frequências de TV, tem-se: 48,4 MHz 5 V/m 88,4 MHz 4 V/m 192 MHz 3 V/m 300 MHz 2,5 V/m 187 Para equipamentos de radar, na gama entre 150 MHz e 300 MHz, os limites são de 10 µW/cm2 nas zonas muito próximas, e de 100 µW/cm2 em zonas mais afastadas. Frequência (MHz) Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) Locais ocupacionais 0,06 – 1,5 50 5 1,5 – 3 50 ----- 3 – 30 20 ----- 30 – 50 5 ----- 300 - 300000 0,125 ----- Locais públicos 0,03 – 0,3 25 ----- 0,3 – 3 15 ----- 3 – 30 10 ----- 30 - 300 3 ----- Quadro 4.17 – Níveis de segurança recomendados pelas normas da URSS. Locais ocupacionais Frequência (MHz) Campo eléctrico (V2/m2) Campo magnético (A2/m2) 0,03 – 3 20000 200 3 – 30 7000 ----- 30 – 50 800 0,72 50 - 300 800 ----- 300 MHz – 300 GHz 200 μW/cm2 Locais públicos Frequência Campo eléctrico (V/m) Campo magnético (A/m) 30 kHz – 300 kHz 25 ----- 300 kHz – 3 MHz 15 ----- 3 MHz – 30 MHz 10 ----- 30 MHz – 300 MHz 3 ----- 300 MHz – 300 GHz 10 μW/cm2 Quadro 4.18 – Níveis de segurança recomendados pelas normas da Rússia. 188 4.5.5. Regulamentação na Ásia e no Pacífico a) Japão As suas normas baseiam-se em parâmetros biológicos tais como a SAR e as correntes induzidas no corpo humano, sendo os limites para a SAR de 0,4 W/kg para 6 minutos de exposição relativa a todo o corpo, e de 8 W/kg relativamente ao valor máximo local da SAR dentro de 1 g de tecido, excepto extremidades e pele, onde a SAR limite é de 25 W/kg para 1 g de tecido. b) China Não existe muita informação relativa a trabalhos científicos publicados em conferências ou em revistas internacionais, acerca das radiações de RF e seus efeitos biofísicos, neste país. Contudo, pelo pouco que é divulgado, os limites máximos aconselháveis para locais públicos são extremamente mais restritivos que os recomendados nos Estados Unidos, tendo-se 5,0 V/m ou 6,6 µW/cm2, a 900 MHz. c) Austrália e Nova Zelândia Na Austrália, a sua regulamentação recomendava, para as frequências na gama das comunicações celulares, e em locais públicos, um limite de 0,2 mW/cm2, valor este 2 a 6 vezes mais reduzido que os valores aconselháveis pelas normas americanas ANSI, ICNIRP e NCRP. Essa legislação foi revista, sendo os actuais limites de 0,45 mW/cm2 para 900 MHz e 0,90 mW/cm2 para 1800 MHz. Quanto à Nova Zelândia, em 1990 adoptou o limite máximo de exposição de 0,2 mW/cm2, sendo no entanto esse limite de 0,05 mW/cm2 nas cidades de Auckland e de Christchurch. 4.5.6. Regulamentação Internacional a) International Radiation Protection Association Este organismo iniciou as suas actividades em 1964, sendo o seu propósito principal providenciar um meio de comunicação entre todos os países que se encontram a elaborar regulamentação e normas de segurança, para que possam trabalhar mais facilmente a partir de uma base científica já estabelecida. 189 Em 1981 sugeriu que as densidades de potências não fossem superiores a 10 mW/cm2 em locais ocupacionais, ao longo de um dia completo de trabalho, recomendando valores mais reduzidos para os níveis de exposição em locais públicos. Em 1984, as suas recomendações foram revistas, sendo aconselhável, para esses locais e para frequências superiores a 10 MHz, não ultrapassar 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro durante 6 minutos. Quanto aos locais públicos, recomenda um limite 5 vezes inferior, isto é, de 0,08 W/kg, igualmente para uma exposição de corpo inteiro com uma duração máxima de 6 minutos. b) International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection Este organismo internacional, criado em 1992, tem como missão coordenar os conhecimentos sobre a protecção à exposição aos vários tipos de radiações não-ionizantes, com a finalidade de desenvolver recomendações e normas de segurança que sejam reconhecidas e aceites internacionalmente. Em Abril de 1998 publicou as suas recomendações acerca dos limites a respeitar no que toca à exposição a radiações de RF numa gama de frequências até 300 GHz, limites esses baseados num conjunto relativamente alargado de estudos e relatórios científicos. As suas recomendações incluem um factor de redução de 5, no máximo valor da taxa de absorção específica SAR em locais públicos, comparativamente aos valores máximos a observar em locais ocupacionais, como sucede com outros regulamentos explicitados anteriormente. A razão desse factor de redução prende-se com o facto da forte possibilidade de existirem pessoas bastante sensíveis aos efeitos da radiação RFR, apesar de não haver provas científicas conclusivas. Para frequências até 1 kHz, em locais ocupacionais, a restrição relativa a campos eléctricos e magnéticos corresponde a uma densidade de corrente de 10 mA/m2, densidade esta que depende da frequência para valores superiores a 1 kHz. Para locais ocupacionais, e para frequências entre 100 kHz e 10 GHz, o limite recomendado é de 0,4 W/kg para uma exposição de corpo inteiro, sendo, para locais públicos, 5 vezes inferior, ou seja, de 0,08 W/kg. 190 4.6. DOSIMETRIA DOS CAMPOS INCIDENTES 4.6.1. Generalidades A dosimetria consiste em duas partes – a primeira envolve a avaliação dos campos incidentes, os quais são gerados por determinadas fontes, podendo ser medidos, sem a presença do objecto, ou calculados através da informação da fonte, enquanto que a segunda representa a avaliação dos campos internos, isto é, dos campos no interior dos objectos, os quais podem igualmente ser medidos ou calculados. As contribuições da engenharia na área dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, tem vindo a tornar possível a avaliação da força desses campos assim como a densidade de potência devida à exposição a uma fonte de campos electromagnéticos, e comparar os valores experimentais obtidos com os limites recomendados pelas normas de segurança. Contudo, importa salientar que nem sempre é possível avaliar os níveis de radiação RFR nos locais abrangidos pela radiação, devido ao facto de que os campos de RF são absorvidos, reflectidos, ou refractados pelos objectos, de um modo aleatório. Os cálculos teóricos são adequados para algumas situações, enquanto que as medições por vezes provam ser menos expensivas e, ao mesmo tempo, mais conclusivas, essencialmente em locais sujeitos a radiações provenientes de diversas fontes. Por estas razões, as medições no terreno das radiações de RF são realizadas para se assegurar a conformidade com as recomendações normalizadas, com o objectivo de se prevenirem situações de sobre-exposições que possam a curto, a médio e a longo prazo causar problemas de saúde. As medições tornam-se igualmente necessárias não só quando os valores calculados teoricamente se encontram muito próximos do limiar da sobre-exposição, mas também quando os campos são distorcidos devido à reflexão em vários objectos. 4.6.2. Cálculos Teóricos Estes cálculos são usualmente realizados em vários pontos sujeitos a radiação RF, podendo assim a força do campo ser estimada antes das respectivas medições. Saliente-se que, para que se possam efectuar os cálculos teóricos, torna-se necessário conhecer as características da antena radiante. 191 Na prática, é possível determinar a densidade de potência provável na proximidade da antena, recorrendo-se a simples equações já conhecidas. Muitas das situações onde essa densidade de potência deverá ser elevada localizam-se nas zonas próximas da antena, variando a densidade de potência inversamente com a distância a que se encontram da antena. Por outro lado, nas regiões já afastadas da antena, onde o feixe se propaga de uma forma normalizada, a densidade de potência diminui inversamente com o quadrado da distância à antena. Comparando a zona próxima da antena (near-field region) com as zonas mais afastadas (far-field region), sucede que a densidade de potência nas zonas afastadas diminui muito mais rapidamente que nas zonas próximas. Na figura 4.24 mostram-se, esquematicamente, as zonas próxima e afastada da fonte emissora de radiação, sendo de salientar que a linha de fronteira entre estas duas regiões se designa por crossover point. Figura 4.24 – Regiões próximas e afastadas de uma fonte de radiação. a) Densidade de Potência O cálculo da densidade de potência poderá representar o melhor exercício para a predição da radiação de RF, cálculo esse que é efectuado através da seguinte expressão: Densidade de potência = Potência radiada Área de impacto Região próxima da fonte A densidade de potência numa zona próxima de uma antena vertical (figura 4.25), é determinada utilizando um contorno cilíndrico – radiação circular. 192 Figura 4.25 – Região próxima de uma antena vertical. A área do cilindro colocado em torno da antena é assumida como estando uniformemente carregada pela potência radiada a partir da antena, não havendo igualmente radiação de potência de RF através da base e do topo desse cilindro. Note-se que a densidade de potência concentrada no cilindro corresponde, teoricamente, à densidade média de potência num corpo humano situado muito próximo da antena e com uma altura igual à do cilindro. A expressão seguinte, designada como modelo cilíndrico, permite determinar a densidade de potência Pd sobre a superfície do cilindro, em W/m2: Pd = Pt 2π d l sendo Pt a potência da antena, em W, d a distância, em metros, da superfície do cilindro ao centro da antena, e l, em metros, a altura do cilindro, que é igual à altura da antena. Como facilmente se constata, a densidade de potência corresponde à potência da antena por unidade de superfície da área periférica do cilindro. Região afastada da fonte Nas regiões afastadas da antena, a distribuição da radiação não se altera com a distância, sendo a densidade máxima de potência radiada uma função do ganho da antena. Para uma fonte de radiação, suposta concentrada num ponto, e considerada como sendo um meio isotrópico, a densidade de potência representa a distribuição da potência emitida por esse ponto, Pt (W), sobre uma superfície esférica com um raio d (m) igual à distância à antena, sendo assim aquela densidade de potência calculada pela seguinte expressão: 193 Pd = Pt 4π d 2 Para uma antena direccional, esta potência é definida como sendo: Pd = Pt Gt 4π d 2 em que Gt representa o ganho da antena. Para melhor compreensão, mostra-se na figura 4.26 a relação entre a potência transmitida e a potência recebida num sistema de comunicações sem fios. Figura 4.26 – Potência transmitida e recebida num sistema de comunicações sem fios. Na prática, utiliza-se o termo EIRP – equivalent isotropic radiated power (potência isotrópica equivalente radiada), para designar o produto: EIRP = Pt Gt sendo esse termo um parâmetro que permite definir as capacidades da antena para transmitir radiação de RF. Por outro lado, por vezes a potência é expressa em termos da ERP – effective radiated power (potência efectiva radiada), em lugar da EIRP, sendo a ERP referida a uma antena dipolar de meia onda em lugar de um radiador isotrópico. Por conseguinte, pode-se escrever, sendo o factor 1,64 o ganho da antena dipolar relativamente ao radiador isotrópico: Pd = Pt Gt 4π d 2 = EIRP 4π d 2 = 1,64 ERP 4π d 2 194 Quando se pretende avaliar o campo próximo de uma superfície, tal como o solo ou o telhado de uma habitação, deverá assumir-se que existe reflexão das ondas, resultando numa quadruplicação da densidade de potência equivalente, tendo-se então: Pd = 4 Pt Gt 4π d 2 = Pt Gt πd 2 = EIRP π d2 No caso de antenas de radiodifusão e de televisão, em FM, tendo em atenção a reflexão no solo, assume-se que a densidade de potência é majorada por um factor igual a 2,56, vindo assim, para este tipo de antenas: Pd = 2,56 EIRP 4π d 2 = 1,05 ERP π d2 Considerando agora uma antena receptora com um ganho Gr, a potência recebida Pr é determinada através da seguinte expressão: ⎛ λ Pr = Pt Gt Gr ⎜⎜ ⎝ 4π r ⎞ ⎟⎟ ⎠ 2 sendo λ (m) o comprimento de onda, e r (m) a distância à antena. b) Intensidade do Campo A intensidade do campo eléctrico numa antena receptora encontra-se relacionada com a potência recebida Pr, considerando-se o facto de que a potência recebida corresponde ao produto da área efectiva de abertura da antena pela densidade de potência. Em termos de quantificação, a intensidade do campo eléctrico E (V/m), é calculado pela seguinte expressão: E= Pr η 0 Ae sendo Ae (m2) a área efectiva de abertura da antena, e η0 a impedância intrínseca do vácuo, com o valor de 377 Ω. Na prática, nas zonas afastadas da fonte tem-se: η0= E H 195 sendo H a intensidade do campo magnético, em A/m. Adicionalmente, o valor eficaz da intensidade do campo eléctrico a uma distância d de uma fonte com uma potência isotrópica equivalente radiada EIRP segundo o eixo principal do feixe, é calculado através da seguinte expressão: E= ( 30 EIRP )0,5 d 4.6.3. Técnicas de Medição Antes de se proceder às medições dos parâmetros e grandezas associados às radiações de RF em determinados locais ocupacionais, públicos, ou residenciais, é essencial classificar esses locais para que se tome conhecimento prévio dos limites de exposição recomendados pelas normas respectivas. Na figura 4.27 ilustra-se, em termos de diagrama de blocos, quais os componentes básicos de um sistema de medição de radiações de RF. Figura 4.27 – Sistema de medição de radiações de RF. Veja-se seguidamente alguns procedimentos relativos à análise e tratamento de dados obtidos através das respectivas medições: a) Tempo Médio de Exposição Os valores eficazes médios de um conjunto de medições, relativamente à intensidade do campo eléctrico e à intensidade do campo magnético, são determinados respectivamente pelas seguintes expressões: 1/2 n ⎡ ⎤ 1 2 E=⎢ ∑ Ei Δt i ⎥ ⎣ tempo médio de exposição i = 1 ⎦ 196 n ⎡ ⎤ 1 2 H =⎢ ∑ H i Δt i ⎥ ⎣ tempo médio de exposição i = 1 ⎦ 1/2 Nestas expressões, n representa o número de intervalos de tempo Δti em relação aos quais se mediram os respectivos valores eficazes da intensidade do campo eléctrico Ei e da intensidade do campo magnético Hi. Adicionalmente, os valores médios da densidade de potência e da taxa específica de absorção SAR são determinados respectivamente através das seguintes expressões: P= SAR = n 1 ∑ Pi Δt i tempo médio de exposição i = 1 n 1 ∑ SAR i Δt i tempo médio de exposição i = 1 sendo Pi e SARi os valores respectivamente da densidade de potência e da taxa de absorção específica associados a cada um dos n intervalos de tempo de medição Δti. Note-se ainda que se tem nas quatro expressões anteriores: n tempo médio de exposição = ∑ Δt i i =1 Para melhor compreensão, considerem-se os seguintes dois exemplos numéricos: Exemplo 1 Para uma frequência de radiação de 3 GHz, os trabalhadores de uma determinada empresa de telecomunicações são autorizados a sofrer uma exposição média equivalente a 10 mW/cm2, durante um período máximo de 6 minutos. Na prática, para que tal seja respeitado, devem-se verificar, por exemplo, as seguintes 3 situações possíveis: • sofrerem uma radiação de 20 mW/cm2 durante 3 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 3 minutos restantes, ou seja: 197 P = (20 mW/cm2 x 3 min) + (0 mW/cm2 x 3 min) = 60 mW/cm2 / 6 min = = 10 mW/cm2 • sofrerem uma radiação de 15 mW/cm2 durante 4 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 2 minutos restantes, ou seja: P = (15 mW/cm2 x 4 min) + (0 mW/cm2 x 2 min) = 60 mW/cm2 / 6 min = = 10 mW/cm2 • sofrerem uma radiação de 15 mW/cm2 durante 3 minutos consecutivos ou alternados, e 5 mW/cm2 durante os outros 3 minutos restantes, ou seja: P = (15 mW/cm2 x 3 min) + (5 mW/cm2 x 3 min) = (45+15 mW/cm2) / 6 min = = 10 mW/cm2 Exemplo 2 Para uma frequência de radiação de 100 MHz, o público em geral não deverá sofrer uma exposição média equivalente a 2 mW/cm2, durante um período máximo de 30 minutos. Na prática, para que tal seja respeitado, devem-se verificar, por exemplo, as seguintes 3 situações possíveis: • sofrer uma radiação de 4 mW/cm2 durante 15 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 3 minutos restantes, ou seja: P = (4 mW/cm2 x 15 min) + (0 mW/cm2 x 15 min) = 60 mW/cm2 / 30 min = = 2 mW/cm2 • sofrer uma radiação de 3 mW/cm2 durante 20 minutos consecutivos ou alternados, e nenhuma radiação durante os outros 10 minutos restantes, ou seja: P = (3 mW/cm2 x 20 min) + (0 mW/cm2 x 10 min) = 60 mW/cm2 / 30 min = = 2 mW/cm2 198 • sofrer uma radiação de 3 mW/cm2 durante 15 minutos consecutivos ou alternados, e 1 mW/cm2 durante os outros 15 minutos restantes, ou seja: P = (3 mW/cm2 x 15 min) + (1 mW/cm2 x 15 min) = = (45+15 mW/cm2) / 30 min = = 2 mW/cm2 b) Valores Médios Espaciais Esta técnica é normalmente utilizada para a determinação dos valores das intensidades do campo eléctrico E e do campo magnético H, assim como da densidade de potência P, para a globalidade do corpo humano, a partir das medições efectuadas em diversos pontos do corpo, recorrendo-se respectivamente às seguintes expressões: ⎡1 n ⎤ E = ⎢ ∑ E i2 ⎥ ⎣ n i =1 ⎦ 1/2 ⎡1 n ⎤ H = ⎢ ∑ H i2 ⎥ ⎣ n i =1 ⎦ P= 1/2 1 n ∑ P n i =1 i sendo n o número de locais onde as medições Ei, Hi e Pi foram efectuadas. c) Locais com Frequências Múltiplas Nas situações em que a radiação é originada por fontes de diversas frequências, em primeiro lugar deverá ser verificada a seguinte inequação: fn ∑ Rf ≤ 1 f1 sendo f1 a menor banda de frequência, fn a maior banda de frequência, e Rf o valor relativo respeitante ao limite de exposição, valor este que é determinado respectivamente através das seguintes expressões, a primeira para a 199 intensidade dos campos eléctrico e magnético, e a segunda para a densidade de potência: ⎛ valor medido da intensidade do campo à frequência f Rf = ⎜⎜ ⎝ intensidade do campo correspondente ao limite de exposição, para f Rf = ⎞ ⎟⎟ ⎠ 2 valor medido da densidade de potência à frequência f densidade de potência correspondente ao limite de exposição, para f Como facilmente se pode constatar, através da primeira expressão, se o valor deste parâmetro for superior à unidade, os valores medidos estarão acima dos limites máximos de exposição recomendados pelas normas de segurança. Por conseguinte, o valor relativo global, que se obtém pela soma dos valores relativos para cada frequência, representa um indicador do limite de exposição. Exemplo Num determinado local de trabalho, mediram-se os seguintes valores associados à radiação RFR para diferentes frequências: • Intensidade do campo magnético de 0,2 A/m a 13 MHz. • Intensidade do campo eléctrico de 20 V/m a 250 MHz. • Densidade de potência de 1 mW/cm2 a 2,45 GHz. Por outro lado, os regulamentos de segurança aconselham os seguintes limites de exposição, para aqueles parâmetros, dentro das gamas de frequência apontadas: • Intensidade do campo magnético: 1,25 A/m, na banda 3 – 30 MHz. • Intensidade do campo eléctrico: 27,5 V/m, na banda 100 – 300 MHz. • Densidade de potência: 1,63 mW/cm2, na banda 300 – 3000 MHz. Por conseguinte, recorrendo-se às expressões anteriores obtêm-se os seguintes valores relativos, respectivamente para a intensidade do campo magnético, intensidade do campo eléctrico, e densidade de potência: ⎛ 0,2 R1 = ⎜⎜ ⎝ 1,25 2 ⎞ ⎟⎟ = 0,02656 ⎠ 200 2 ⎛ 20 ⎞ ⎟⎟ = 0,528 R 2 = ⎜⎜ ⎝ 27,5 ⎠ R3 = 1 = 0,613 1,63 Quanto ao valor global, tem-se: R = R1 + R2 + R3 = 1,168 (> 1) ou seja, o local encontra-se sujeito a um nível de radiação global que é superior aos limites de exposição recomendados. Note-se um facto extremamente importante que sucede com este exemplo – os níveis de exposição medidos são todos eles inferiores, separadamente, aos limites recomendados pelas normas de segurança, todavia, em termos globais, o local apresenta riscos acrescidos por se ter R > 1. 4.6.4. Procedimentos de Segurança Para que se possa garantir a máxima segurança possível no que respeita à exposição a radiações RFR, isto é, para que os limites máximos recomendados pelas normas de segurança não sejam ultrapassados no local, em zonas de trabalho, públicas e residenciais, e ainda para que os técnicos de telecomunicações, em particular, não sofram riscos desnecessários, devem-se cumprir as seguintes directivas: • As antenas devem ser colocadas a uma altura pelo menos de 2 metros acima da cabeça, para se reduzir as densidades de potência nas zonas próximas dos telhados. Em telhados onde existam diversas antenas, instalá-las a alturas inferiores a 2 metros contribui para a redução das densidades de potência nas zonas muito próximas das antenas. • As antenas deverão ser montadas em braços com 1 a 2 metros de comprimento, em vez de serem instaladas directamente nas respectivas torres, para se evitar um elevado nível de exposição nos técnicos que se encontrem a trabalhar nas torres, por qualquer motivo. • Reduzir a potência da antena, para limitar a exposição cumulativa de radiações de RF. 201 • Deve-se elaborar um regulamento de segurança e normas de conduta para os trabalhadores que tenham que se deslocar às antenas para trabalhos de manutenção. A potência deverá ser reduzida, e dever-se-á dar uma atenção especial aos casos em que o trabalhador tenha de atravessar zonas de campos electromagnéticos de elevada radiação. • A combinação da radiação emitida por diversas antenas pode gerar níveis de exposição que excedam os limites recomendados, daí que seja aconselhável recolocando as antenas noutros locais. • Aumentar a distância entre as antenas, para se reduzir a densidade de potência global do local. • Deverão ser tomadas precauções de segurança em relação aos técnicos de manutenção, devendo ser mantida uma distância mínima de 1 metro, no sentido de se evitarem exposições perigosas. • Os técnicos de telecomunicações que exerçam a sua actividade primordialmente junto de antenas, deverão fazer-se acompanhar de monitores pessoais que, nos casos em que a radiação ultrapassa os limites recomendados, emitam imediatamente um sinal sonoro de alarme bem audível. • Nos casos em que, após a verificação de todos os requisitos de segurança, continuarem a existir riscos acrescidos devidos a exposições acima dos limites, os técnicos de telecomunicações deverão utilizar um equipamento pessoal de protecção, como é o caso de fatos especiais, para reduzir o nível de radiação RF, redução essa que poderá ir até 10 dB. • Todos os trabalhadores deverão ser sujeitos a acções de formação periódicas, no sentido de estarem permanentemente actualizados no que respeita à regulamentação e às normas de segurança relativas à exposição a radiações de RF. Este aspecto é bastante importante, competindo igualmente não só aos fabricantes de equipamentos de telecomunicações, especialmente de telefones celulares, mas também aos operadores e às entidades reguladoras, informar convenientemente o grande público sobre todos estes aspectos da radiação electromagnética, contribuindo para a desmistificação de ideias pré-concebidas. 202 4.7. DOSIMETRIA DOS CAMPOS INTERNOS 4.7.1. Generalidades Este tipo de dosimetria foi originalmente desenvolvido para as radiações ionizantes, sendo baseado na relação entre a dose (energia absorvida por unidade de massa) e o efeito biológico. Atendendo a que a energia absorvida se encontra directamente relacionada com os campos electromagnéticos internos, isto é, no interior do objecto – não confundir com os campos electromagnéticos incidentes na superfície do objecto, e que foram analisados no subcapítulo anterior –, a dosimetria é interpretada como uma maneira de determinar os campos electromagnéticos no interior do corpo biológico. Saliente-se que os campos internos, muito mais que os campos incidentes e as correntes induzidas, são os responsáveis pelas interacções com os sistemas vivos, independentemente dessas interacções desenvolverem fenómenos térmicos ou não-térmicos. Os campos incidentes e os campos internos diferem, em função da dimensão e da forma do objecto, das propriedades eléctricas, da orientação dos campos internos em relação aos campos incidentes, e da frequência. Por outro lado, se um efeito biológico está relacionado directamente com os campos internos, poder-se-á estabelecer uma relação de causa-efeito em termos apenas desses campos, e não dos campos incidentes. A dosimetria considera as medições ou a determinação por cálculo dos campos internos, da densidade das correntes induzidas, da absorção específica SA, da taxa de absorção específica SAR, em objectos como por exemplo modelos, animais, humanos, ou mesmo partes do corpo humano, expostos a radiações RFR, não esquecendo que é bastante difícil caracterizar inteiramente a propagação dos campos electromagnéticos no corpo humano, devido à complexidade e ao carácter não homogéneo dos tecidos biológicos. A dosimetria interna pode ser dividida em duas categorias: • Dosimetria macroscópica, em que os campos electromagnéticos são determinados como uma média em relação a algum volume do espaço, como em células matemáticas, que são de dimensões reduzidas. Por exemplo, é assumido que o campo eléctrico numa determinada célula de 1 mm tem o mesmo valor em qualquer ponto dentro de um volume de 1 mm3 da célula, o mesmo sucedendo com o campo magnético. 203 • Dosimetria microscópica, em que os campos são determinados a um nível celular microscópico, ou seja, as células matemáticas em relação às quais se determinam os campos, têm uma dimensão microscópica. 4.7.2. Taxa de Absorção Específica SAR Como se definiu já anteriormente, a SAR é quantificada em mW/cm2, e representa a absorção da energia dos campos e da radiação electromagnética quando incidem sobre um corpo biológico, por parte desse mesmo corpo. a) Tipos de SAR e Parâmetros Associados Genericamente, existem dois tipos de SAR. O primeiro, designado por SAR média no corpo inteiro, é definida como sendo a energia total transferida para o corpo, por unidade de tempo, dividida pela sua massa total. Quanto ao segundo tipo, tem-se a SAR para partes específicas do corpo humano, que requerem, em determinadas circunstâncias, uma atenção especial, como sucede com a cabeça, com o tronco, e com os membros superiores e inferiores – esta SAR localizada é usualmente aplicada para se avaliar a exposição emitida por pequenos equipamentos electrónicos e de telecomunicações, como é o caso dos telemóveis em contacto com a cabeça. Os valores da taxa de absorção específica referentes a materiais biológicos, dependem de diversos parâmetros associados à exposição – propriedades dos campos incidentes, tais como a frequência, a modulação, a amplitude, e a direcção dos seus componentes; distribuição espacial das propriedades dieléctricas e térmicas do sistema, incluindo as do local e a sua localização dentro do objecto; configuração do material e sua orientação relativamente aos campos incidentes. Polarização A polarização de uma onda electromagnética representa a direcção das linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico. Saliente-se que no corpo humano completo, a SAR média varia em função da orientação do campo eléctrico incidente em relação ao corpo. Por outro lado, no que respeita a objectos com uma simetria circular, podem-se considerar três tipos de polarização: E, H e K, como se ilustra na figura 4.28: 204 • A polarização E corresponde a ter-se o vector intensidade do campo eléctrico paralelo ao eixo principal do corpo. • A polarização H corresponde a ter-se o vector intensidade do campo magnético paralelo ao eixo principal do corpo. • A polarização K corresponde a ter-se o vector representativo do sentido de propagação da onda (vector perpendicular aos vectores E e H), paralelo ao eixo principal do corpo. Figura 4.28 – Polarização E (a), polarização H (b), e polarização K (c). Frequência Para todos os três tipos de polarização, a SAR varia aproximadamente com o quadrado da frequência, para baixas frequências, salientando-se que, para a polarização E, o seu valor máximo ocorre na banda de 70 MHz a 80 MHz. Na figura 4.29 mostra-se a variação da taxa de absorção específica em função da frequência, relativa a um homem médio exposto no vácuo a uma onda plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para os três tipos de pola-rização. Para um corpo humano masculino em contacto com radiação RF dirigida ao solo, a frequência de ressonância é de 30 MHz a 40 MHz, frequência essa para a qual a potência absorvida é poucas vezes superior àquela que corresponde ao produto da área da secção recta do corpo pela densidade de potência incidente. Com uma polarização E, para frequências superiores à de ressonância, a SAR associada à totalidade do corpo humano varia aproximadamente com 1/f e, para valores inferiores, é proporcional a f2. 205 Figura 4.29 – Taxa de absorção específica SAR em função da frequência, relativa ao modelo de um homem médio exposto no vácuo a uma onda plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para os três tipos de polarização. Dimensão e Forma dos Objectos Como se pode constatar através da figura 4.30, a SAR depende não só da dimensão mas também da forma dos objectos, no caso concreto da figura, o corpo humano, o macaco, e o rato, todos sujeitos a uma exposição a radiação RF com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, e com uma polarização do tipo E. Como se pode observar, para uma mesma taxa de absorção específica, isto é, para o mesmo efeito biológico, a frequência necessária para que ele se verifique nos macacos e nos ratos, é significativamente superior à do corpo humano. Constata-se igualmente que o valor máximo da SAR é o mais baixo no homem e o mais elevado no rato, acontecendo no homem a uma frequência mais baixa que nos outros dois seres vivos. Como curiosidade, nota-se que as curvas relativas ao homem e ao macaco são muito próximas uma da outra, o que se justifica pelo elevado número de características fisiológicas semelhantes, enquanto que a curva do rato é bastante diferente. Esta figura mostra assim que, provavelmente, os mecanismos de interacção nestes três seres vivos são substancialmente diferentes. 206 Saliente-se que a SAR no corpo humano pode também ser afectada pela existência de outros corpos e objectos. A presença de uma superfície plana reflectora, utilizada como chão, provoca a redução da frequência de ressonância do corpo podendo conduzir a valores elevados da SAR na totalidade do corpo, para frequências de ressonância reduzidas. Por exemplo, se o corpo humano for colocado sobre um plano perfeitamente condutor, a sua frequência de ressonância nessas condições será sensivelmente igual a metade da sua frequência de ressonância no vazio. Como sucede na prática com o solo que se pisa, que não é um condutor eléctrico perfeito, a frequência de ressonância do corpo é mais baixa que aquela que se verifica no vazio, contudo não igual a metade. Note-se ainda que a frequência de ressonância é alterada pela introdução de materiais isolantes entre o corpo e o solo, como por exemplo a utilização de calçado de borracha ou de tapetes de protecção, utilizados por trabalhadores de empresas de electricidade e de telecomunicações. Figura 4.30 – Taxa de absorção específica SAR em função da frequência, relativa ao modelo esferoidal de um homem, de um macaco, e de um rato expostos a uma onda plana, com uma densidade de potência de 1 mW/cm2, para a polarização E. 207 Propriedades Eléctricas dos Tecidos Como já se referiu anteriormente, os cálculos teóricos assim como as medições no terreno da taxa de absorção específica SAR, dependem largamente das propriedades eléctricas do corpo, no que respeita ao seu comportamento quanto à radiação electromagnética, sendo essas propriedades para os tecidos humanos especificadas em termos de permitividade e de condutividade eléctrica. Por sua vez, estes parâmetros dependem da frequência, temperatura e distribuição dos tecidos no interior do corpo humano, assim como do instante que se considere. Além disso, as propriedades eléctricas dependem igualmente dos níveis da actividade física e metabólica, da anatomia, da saúde, e da idade. b) Estimativa da SAR Como se salientou já por diversas vezes, a SAR relativa ao corpo humano não é mensurável de uma forma fácil, na prática, contudo pode ser determinada empiricamente ou teoricamente, a despeito das limitações das metodologias utilizadas. Basicamente, a SAR representa a medida da taxa à qual a energia é absorvida pelo corpo, podendo assim ser definida como a derivada em ordem ao tempo da absorção específica (SA), que corresponde ao incremento da energia dW absorvida por uma massa incremental dm inserida no interior de um volume elementar dV, cujo material tem uma densidade ρ, ou seja: SA = dW dW = dm ρ dV sendo esta grandeza expressa em joules por kilograma (J/kg). Por conseguinte, a taxa de absorção específica SAR, em W/kg ou em mW/g, é dada pela seguinte derivada: SAR = d SA d dW = dt dt ρ dV Esta taxa de absorção pode ainda ser definida como a potência absorvida por unidade de massa de um sistema biológico, e ser representada em termos da intensidade do campo eléctrico E em V/m, da condutividade eléctrica σ em S/m, e da densidade do tecido em kg/m3, através da seguinte expressão: 208 σ E2 SAR = ρ A integração de SAR sobre um volume de tecido que contenha uma determinada massa, corresponde à potência absorvida por esse mesmo volume de tecido, sendo esta grandeza, para um dado tecido biológico, expressa em mW/g médios para 1 g ou 10 g, dependendo do estabelecido na norma de segurança adoptada. A taxa inicial de aumento de temperatura no corpo, desprezando as perdas de calor, é directamente proporcional à SAR, ou seja: dT SAR = dt C em que T (oC) representa a temperatura, t (s) o tempo, e C (J/Kg/oC) a capacidade calorífica do corpo. Note-se que esta capacidade calorífica é definida como sendo a energia em joules que é necessária para elevar de 1 oC a tempeatura de 1 kilograma de massa do corpo. Como é sabido, alguns efeitos biológicos, sobretudo os que têm implicações significativas na saúde humana, podem ser relacionados com a indução de calor, daí que o conhecimento do aquecimento originado pelas radiações RFR seja mais importante como indicador analítico que a SAR, podendo o aquecimento ΔT (oC) de tecidos biológicos sujeitos a radiação ser determinado através da seguinte expressão: ΔT = SA h x 4180 sendo h = 0,85 a capacidade calorífica relativa. 4.7.3. Dosimetria Teórica Os campos eléctricos e magnéticos internos induzidos no corpo humano como consequência da exposição a radiação RFR podem ser, em determinadas circunstâncias simplificativas, determinados por meio das equações de Maxwell. Todavia, devido às grandes dificuldades matemáticas inerentes à resolução dessas equações, devido ao facto dos tecidos biológicos serem 209 materiais anisotrópicos e não homogéneos, torna-se necessário recorrer-se a várias técnicas analíticas e numéricas. Quanto às técnicas analíticas, usualmente recorre-se a um dos seguintes modelos: • Modelo planar multicamadas, em que o corpo humano é entendido como um meio estratificado constituído por lâminas dieléctricas isotrópicas e homogéneas, com uma geometria plana. • Modelos esférico, cilíndrico, e elipsoidal, em que o corpo humano ou partes dele, são entendidos como uma esfera, um cilindro, ou um elipsóide de um meio dieléctrico isotrópico e homogéneo. • Modelo de blocos, em que o corpo humano ou parte dele é modelizado como sendo a agregação de um conjunto de células independentes em material dieléctrico. A escolha do modelo mais aconselhável depende da frequência de operação, dos objectivos do estudo, da parte do corpo a ser investigado, e da simplicidade pretendida na formulação analítica. Por exemplo, no que respeita à dosimetria associada aos telefones celulares, a frequência de operação é muito reduzida face às dimensões do corpo humano, especialmente se se considerar a coluna vertebral, os ombros, as costas, o peito ou as coxas, daí que se deva escolher o modelo planar. Quanto aos métodos numéricos, utilizados com bastante assiduidade devido às dificuldades inerentes aos métodos analíticos, permitem efectuar a modelização precisa de todo o corpo humano ou de partes dele, com a finalidade não só de determinar os parâmetros e grandezas associados às radiações, mas também de simular diferentes situações de exposição em ordem a analisar-se as variações desses parâmetros e grandezas. Os mais utilizados baseiam-se no método dos elementos finitos bi e tridimensionais. 4.7.4. Dosimetria Experimental Apesar das técnicas de análise teórica actualmente aplicadas, conferirem um grau de confiança bastante elevado aos valores dosimétricos obtidos, é aconselhável sempre que possível a realização de medições no terreno, não só 210 para corroborar os resultados teóricos, mas também e sobretudo nas situações em que não se dispõe desses resultados teóricos. Se, por um lado, a determinação analítica dos valores da SAR é bastante complexa, a sua medição é igualmente problemática. Basta pensar-se que, para se traçar um mapa de valores de SAR no corpo inteiro ou em partes dele, seria necessário submeter o corpo a radiações RFR de diversas frequências e de diferentes níveis de exposição, assim como instalar sensores no interior do corpo, isto é, nos tecidos, ossos, órgãos, e sangue, o que seria impraticável. Na prática, utilizam-se modelos, denominados phantom models, que são materiais sintéticos equivalentes aos tecidos humanos e que permitem assim simular os materiais biológicos, sendo as medições das intensidades dos campos eléctricos e magnéticos internos realizadas através de sensores, mostrando-se na figura 4.31 um ensaio dos efeitos da radiação emitida por telefones celulares sobre os tecidos da cabeça, utilizando um phantom. Figura 4.31 – Esquematização de um sistema de medição da SAR. 4.7.5. Dosimetria em Telefones Celulares a) Potência Transmitida A exposição a radiação de RF emitida por telefones celulares é significativa, devido à presença da antena de emissão/recepção do próprio telefone muito próxima da cabeça do utilizador, sendo comum a questão que se tem vindo a levantar com grande insistência, e que consiste na dúvida se essa exposição origina ou não riscos mais ou menos graves para a saúde humana. A resposta a esta dúvida encontra-se directamente relacionada com a potência transmitida 211 pelos telefones celulares, que depende do próprio sistema celular assim como do construtor. Como resultado das medições efectuadas em 16 telefones europeus diferentes, concluiu-se que a mais baixa SAR média para 10 g de tecido foi de 0,28 W/kg, enquanto que a mais elevada foi 1,33 W/kg, tendo estes valores sido normalizados para uma antena com uma potência de entrada de 0,25 W. Um outro estudo experimental realizado com um phantom, permitiu concluir que a SAR na cabeça dos utilizadores de telefones celulares com kit de mãos livres, é 60 % a 96 % inferior aos valores medidos nas cabeças dos utilizadores convencionais, o que se explica pelo afastamento dos telefones em relação à cabeça. b) Investigações sobre a SAR Seguidamente divulgam-se os resultados de alguns estudos teóricos e experimentais, que utilizaram respectivamente modelos computacionais e phantoms, para a determinação de valores indicativos para a taxa de absorção específica: • 0,09 W/kg a 0,29 W/kg de SAR em 1 g de tecido; 0,04 W/kg a 0,17 W/kg em 1 g de tecido cerebral; 0,5 mW/kg a 1,1 mW/kg em todo o corpo. Ensaio realizado com dez telefones celulares de diferentes construtores. • 1,9 W/kg em 10 g de material sintético líquido equivalente ao tecido cerebral humano, num modelo phantom cilíndrico da cabeça, exposto a um telefone celular de 0,6 W operando a 900 MHz; SARs de 3,5 W/kg e 2,5 W/kg no interior da cabeça, respectivamente a 5 mm e a 10 mm de profundidade. • SAR de 1,4 W/kg (valor bastante elevado) em telefones antigos com antenas amovíveis e com a antena recolhida; com a antena estendida, aquele nível reduziu-se significativamente. c) Sensação de calor Quando se utiliza um telefone celular poderá ocorrer uma sensação de calor localizada na orelha e nos tecidos adjacentes da cabeça, devido à radiação emitida pelo telefone, ao aquecimento da bateria, e à concentração de radiação nos tecidos. 212 Num estudo realizado com um modelo de cabeça humana, e utilizando a máxima potência de transmissão de 600 mW, foram determinadas SARs no olho do lado do telefone numa gama entre 0,007 W/kg e 0,21 W/kg, e no cérebro, em pontos muito próximos da zona de contacto do telefone, encontraram-se valores entre 0,12 W/kg e 0,83 W/kg. Quanto ao aquecimento, a temperatura do olho sofreu um aumento máximo de 0,022 oC para uma SAR de 0,21 W/kg, enquanto que a temperatura do cérebro aumentou de 0,034 oC para uma SAR de 0,83 W/kg. Num ensaio realizado com voluntários, obtiveram-se temperaturas nas suas orelhas em contacto com telefones celulares activos, entre 37 oC e 41 oC para telefones analógicos, e entre 36 oC e 39 oC para telefones digitais. d) Procedimentos de Precaução O organismo norte-americano Food and Drug Administration (FDA) recomenda aos construtores de telefones celulares os seguintes procedimentos, em vigor desde Outubro de 1999: • Desenvolver investigação sobre os possíveis efeitos biológicos da exposição a radiações RFR emitidas por telefones celulares. • Os telefones celulares devem ser projectados de forma a que a única radiação que emitam seja apenas a estritamente necessária para o seu funcionamento. • Estabelecer um clima de cooperação entre construtores com o objectivo de informar o mais possível o público, sobre o que se conhece relativamente aos efeitos da radiação emitida por telefones celulares. O organismo britânico The Independent Expert Group on Mobile Phones (IEGMP), elaborou as seguintes recomendações, dirigidas essencialmente aos operadores de telecomunicações e às empresas de comercialização de produtos celulares: • Deverão notificar as autoridades locais acerca das futuras instalações de antenas e de estações de comunicações móveis. • Deverão evitar a instalação desses equipamentos na proximidade de escolas. 213 • Deverão disponibilizar toda a informação possível aos consumidores, para que estes possam saber, por exemplo, quais os níveis de radiação a que se encontram sujeitos ao utilizarem celulares. • Deverão desencorajar a utilização de celulares por parte de crianças. Como conclusão, deverão observar-se os seguintes procedimentos, em relação à utilização de telefones celulares: • Evitar longos períodos de conversação. A redução do uso de celulares representa mesmo a melhor opção. • Eliminar o seu uso por parte de crianças, para se evitarem possíveis efeitos adversos no desenvolvimento do sistema nervoso, ainda em crescimento. • Evitar o seu uso em locais onde o sinal é fraco. Por exemplo, a utilização em espaços fechados, ao envolver sinais fracos a partir da estação de base, potenciará a exposição de forma significativa na medida em que a intensidade do sinal que será necessária originará uma forte ligação à antena mais próxima. • Manter a sua antena o mais afastada possível da cabeça. • Manter o telefone afastado do corpo quando se encontra inactivo. Transportá-lo num bolso da camisa ou das calças, ou numa carteira suspensa do cinto, não é uma atitude correcta, a não ser que se encontre totalmente desligado. Quando transportado no bolso da camisa, a sua radiação poderá eventualmente causar alterações no ritmo cardíaco normal, e, ao ser transportado no bolso das calças ou no cinto, a medula óssea dos ossos da bacia assim como os testículos e o aparelho reprodutor feminino estarão sujeitos desnecessariamente a radiação RFR. Apesar de não existir ainda um suporte científico que permita afirmar peremptoriamente que a radiação emitida por telefones celulares origina efeitos adversos na saúde humana, a melhor atitude a adoptar consiste exactamente em, por um lado, as autoridades sanitárias obrigarem os construtores e operadores a cumprirem determinadas recomendações e informar a opinião pública e, por outro, respeitar essas recomendações à letra. 214 4.8. VIGILÂNCIA E CONTROLO DE LOCAIS RF 4.8.1. Generalidades Actualmente é possível, e já existem, proceder à elaboração de programas, recomendações, e normas de conduta com o objectivo de proteger não só trabalhadores mas também o grande público em geral, da exposição a radiações de RF com níveis de energia superiores aos limites máximos recomendados, evitando assim sujeitar as empresas públicas e privadas de telecomunicações, de serviços, e os próprios construtores de equipamentos a litígios judiciais e a penalizações indemnizatórias. Além dos estudos teóricos, experimentais, e epidemiológicos já existentes, é de grande importância exercer um controlo e uma vigilância bastante apertados, no que respeita aos níveis de radiação de RF emitida, em todos os locais, públicos, residenciais, e ocupacionais. Somente através dessa vigilância, que envolve a medição dos níveis de radiação contabilizando as intensidades dos campos eléctricos e magnéticos e as taxas específicas de absorção, é que se poderá concluir se um determinado local obedece às recomendações de segurança. Todavia, uma vez que não se conhecem com uma certeza científica absoluta quais são verdadeiramente os efeitos nocivos das radiações de RF, convém ter em atenção que, pelo facto dos níveis de exposição de um determinado local obedecerem rigorosamente às normas de segurança em vigor, não significa isto que esse lugar seja suficientemente seguro. No caso de se constatar que existem locais onde as recomendações de segurança não são cumpridas, isto é, onde os níveis de radiação são superiores aos limites máximos aconselháveis, devem ser tomadas as devidas precauções no sentido de se repor a normalidade, por exemplo alterando a potência das antenas ou reposicionando a sua instalação. 4.8.2. Vigilância de Estações Celulares de Base O rápido desenvolvimento da indústria de comunicações móveis celulares, tem vindo a resultar na instalação de um número cada vez mais elevado de antenas de emissão e recepção (base transceiver stations BTSs), as quais são instaladas em torres, telhados, ou mesmo nas paredes de edifícios. Estas antenas representam o núcleo de células de um sistema celular, daí a sua 215 designação. Usualmente, a sua potência de transmissão situa-se entre 20 W e 50 W, sendo dependente do tipo de BTS. Na prática, as células de maior dimensão podem ser “partidas” em células de menor dimensão, as quais poderão também ser “partidas” em células ainda de menor dimensão, conseguindo-se assim diminuir a potência de célula para célula. Esta divisão permite classificar as células em três tipos: macrocélulas, microcélulas, e picocélulas. As macrocélulas representam a estrutura principal da rede de estações, tendo as suas BTSs potências de saída de algumas dezenas de watt, comunicando com telefones até cerca de 30 km. As microcélulas são utilizadas para melhorar a rede principal, especialmente quando a rede se encontra congestionada, sendo instaladas em diferentes locais, como por exemplo aeroportos, estações de caminhos de ferro, e grandes superfícies comerciais. Quanto às BTSs para as picocélulas, têm uma potência de saída reduzida (alguns watts), ainda mais baixa que a das microcélulas, e são quase sempre instaladas no interior de edifícios. Como se sabe, a densidade de potência emitida a partir das antenas diminui com o inverso do quadrado da distância à antena e, por conseguinte, a exposição ao nível do solo na vizinhança das torres das antenas é relativamente baixa quando comparada com a exposição muito próximo da antena. A instalação de antenas BTS causa frequentemente uma apreensão significativa por parte do público, sobretudo por residentes em áreas muito próximas, devido aos receios inerentes aos potenciais riscos que a radiação poderá causar na sua saúde. Além disso, conforme se esquematiza na figura 4.32, o público poderá ficar submetido a radiações emitidas por diversas fontes, em determinadas circunstâncias, podendo a exposição resultante ultrapassar largamente os limites máximos de segurança recomendados. Por outro lado, devido à atenuação inerente aos edifícios, os níveis da densidade de potência no seu interior são, normalmente, 10 a 20 vezes inferiores aos níveis verificados no exterior, para distâncias similares às antenas. Todavia, em locais específicos como por exemplo os telhados dos edifícios, e dependendo da distância às antenas, os níveis de exposição são usualmente superiores aos níveis máximos de segurança recomendados. 216 Por conseguinte, o acesso a esses locais deverá ser restringido, assim como também deverão ser medidos e controlados, os níveis da densidade de potência nas divisões dos prédios localizadas imediatamente no piso abaixo dos telhados, sendo ainda de salientar que o nível de radiação nessas divisões depende fortemente dos materiais utilizados na construção. Figura 4.32 – Exposição a radiações de RF emitidas por diversas antenas emissoras/receptoras BTS. Adicionalmente, e como se esquematiza na figura 4.33, o nível da densidade de potência na parte traseira das antenas é centenas de vezes inferior ao que se verifica nos locais situados à sua frente. Quer este facto significar que as divisões do prédio que se encontram localizadas na parte de trás das antenas têm níveis de exposição extremamente reduzidos, muitíssimo inferiores aos limites aconselháveis. Figura 4.33 – Condições de radiação RFR nas imediações de uma antena emissora/receptora BTS. 217 Com o objectivo de se cumprir com a regulamentação em vigor acerca dos limites máximos de segurança recomendados no que respeita à exposição a radiações de RF, os operadores de telecomunicações deverão avaliar se os seus equipamentos, de facto, estão ou não dentro desses limites. Figura 4.34 – Componentes de uma antena emissora/receptora BTS. Considere-se então a figura 4.34, onde se esquematizam os vários componentes de uma BTS. No subcapítulo 4.6, relativo ao estudo da dosimetria dos campos incidentes, apresentou-se a seguinte expressão: Pd = Pt Gt 4π d 2 em que Pd representa a densidade de potência sobre uma determinada superfície, em W/m2, Pt a potência da antena, em W, d a distância da superfície ao centro de radiação da antena, em metros, e Gt o rácio de ganho da antena. Como se tem: Gt = 10 G / 10 sendo G o ganho da antena em dB, virá ainda, por substituição: Pd = Pt 10 G / 10 4π d 2 Por conseguinte, como se têm N transmissores virá para a densidade total: 218 Pd = N Pt 10 G / 10 4π d 2 Por outro lado, considerando as perdas óhmicas totais do sistema, em dB: P = perdas no feeder + perdas no combiner + perdas nos cables a expressão anterior poderá ser reescrita na seguinte forma: Pd = N Pt 10 ( G − P ) / 10 4π d 2 Por conseguinte, se Pd representar o nível máximo da densidade de potência no ar, recomendado pelas normas de segurança, a distância mínima de segurança à antena será assim: d min = N Pt 10 ( G − P ) / 10 4π Pd Exercício Determinar a distância mínima de segurança de uma antena BTS, de acordo com a regulamentação em vigor, para um técnico de uma empresa de telecomunicações, de acordo com as seguintes especificações: • frequência de operação: 900 MHz • densidade de potência máxima de exposição, para locais ocupacionais, e para a frequência de 900 MHz, de acordo com a regulamentação em vigor: Pd = 30 W/m2 • potência máxima transmitida pela antena: Pt = 50 W • ganho da antena: G = 16 dB • perdas totais do sistema: P = 4 dB • número de transmissores: N = 4 Por substituição de valores, obtém-se: d min = 4 × 50 ×10 ( 16 − 4 ) / 10 = 2,9 metros ( ≈ 3 metros) 4π × 30 219 De um modo geral, atendendo aos estudos realizados, as medições efectuadas em locais próximos de BTSs têm mostrado que os níveis de exposição em locais públicos se encontram muito abaixo dos limites máximos de segurança recomendados pelas normas em vigor. Todavia, pode suceder que os técnicos de empresas de telecomunicações fiquem temporariamente sujeitos a níveis de radiação superiores a esses limites máximos, sobretudo quando se encontram a trabalhar em telhados ou muito próximo de antenas. Como exemplo ilustrativo, alguns trabalhos de campo, no que respeita à medição dos níveis de radiação emitida por antenas de sistemas celulares, obtiveram os seguintes resultados: • Em relação a uma antena com uma altura de 45 metros, a densidade de potência encontrada ao nível do solo, junto à base da antena, foi de 0,00002 mW/cm2 para cada canal de rádio, correspondendo a 0,002 mW/cm2 para os 96 canais, tendo os valores máximos sido medidos entre 18 m a 25 m da base da antena. A 90 m de distância, os níveis encontrados foram inferiores a 0,0001 mW/cm2. • O estudo anterior, de origem americana, foi corroborado por estudos realizados na Finlândia, onde, a 50 metros de antenas BTS, mediram-se níveis inferiores a 0,010 mW/cm2, incluindo em pontos situados directamente no feixe hertziano. Todavia, medições realizadas directamente em feixes emitidos por antenas direccionais GSM com 12 canais, conduziram a valores inferiores a 1 mW/cm2 a uma distância de 10 m, e inferiores a 0,010 mW/cm2, para 30 m. Por conseguinte, os níveis de exposição em telhados poderão ser superiores aos limites máximos recomendados pelas normas de segurança. • Num estudo realizado em Vancouver, no Canadá, relativamente a antenas BTS de sistemas de comunicação rádio pessoais, obtiveram-se, para a densidade de potência, os valores de 0,00016 mW/cm2 (antenas situadas ao longo das ruas), 0,0026 mW/cm2 (antena situada no telhado), e menos que 0,00001 mW/cm2 (longe das antenas), valores esses bastante abaixo dos limites de segurança recomendados, o que permitiu concluir da ausência de riscos dos utentes das cinco escolas envolvidas neste estudo. 220 • No Reino Unido, as medições realizadas em 118 locais situados nas imediações de 17 BTSs, obtiveram valores de 0,00083 mW/cm2 a 60 m de uma antena localizada no telhado de uma escola, tendo os valores medidos nas salas interiores sido mais reduzidos que os encontrados no exterior. 4.8.3. Vigilância de Estações de Radiodifusão A intensidade e a localização dos campos radiantes emitidos por antenas de radiodifusão e TV dependem de diversos factores, como por exemplo o tipo de estação, as características das antenas, a potência transmitida pelas antenas, e a distância às antenas. Em termos gerais, as estações de radiodifusão em AM podem gerar densidades de potência que excedem 0,0004 mW/cm2, em todos os pontos dentro de um raio de um quilómetro a partir da antena, e densidades superiores a 0,04 mW/cm2, em pontos situados num raio de 250 metros. Em medições realizadas em Sidney, na Austrália, em zonas de exposição a antenas de TV, foram obtidos valores significativamente diferentes no espaço das habitações, como por exemplo 3,0 mW/cm2 (no telhado), 0,066 mW/cm2 (na rua), e 0,017 mW/cm2 (nas divisões interiores). Apesar do acesso às estações de rádio e, consequentemente, às antenas por parte do grande público ser estritamente proibido, devem-se instalar sinais de aviso no que respeita aos perigos da exposição às respectivas radiações, devendo esses avisos ser extensivos aos telhados dos edifícios citadinos de grande altura, onde normalmente se instalam as antenas. 4.8.4. Vigilância de Radares de Controlo do Tráfego Uma outra situação em que os níveis de exposição poderão atingir limites superiores aos recomendados pelas normas de segurança, diz respeito aos agentes de segurança rodoviária que exercem a sua actividade de forma quase permanente no controlo do volume de tráfego e, essencialmente, no controlo de velocidade. Esse controlo é realizado utilizando radares fixos, onde os níveis de exposição dos agentes são extremamente reduzidos devido ao seu afastamento, ou então radares instalados no interior de viaturas de patrulha, onde os níveis de exposição são significativamente mais elevados. 221 Em medições efectuadas nos Estados Unidos, em radares oriundos de diferentes construtores, e instalados nos carros patrulha em diversas posições, obteve-se um valor máximo nos passageiros de 0,36 mW/cm2, tendo sido o valor médio de 0,01 mW/cm2. Um outro trabalho experimental, também americano, que envolveu 310 unidades de radar escolhidas aleatoriamente, constatou que, a cerca de 5 cm da face da antena, o nível máximo era de 0,55 mW/cm2, sendo o nível médio de 0,17 mW/cm2. Um outro estudo, realizado nos Estados Unidos, relativo à exposição directa a que os agentes de tráfego que manipulam radares instalados em viaturas, e que envolveu 54 radares de 17 modelos diferentes, operando em 4 bandas de frequência e com 3 configurações diferentes de antenas, concluiu que, das 812 medições realizadas em relação aos olhos e aos testículos dos agentes sentados nas viaturas, nenhuma excedeu 0,04 mW/cm2, valor este que representa um pouco menos de 1 % do nível máximo de segurança recomendado pelas normas mais conservadoras. 4.8.5. Vigilância dos Níveis de RF em Espaços Abertos Em 1996, a Environmental Protection Agency (EPA), dos Estados Unidos, publicou os resultados de um levantamento relativo aos campos electromagnéticos levado a cabo, desde 1970, em 486 locais previamente seleccionados em 15 cidades. As medições foram realizadas a 6,4 metros acima do solo, e nas seguintes gamas de frequências: 0,5 MHz a 1,6 MHz (banda normalizada de radiodifusão em AM), 54 MHz a 88 MHz (banda VHF de televisão), 88 MHz a 108 MHz (banda normalizada de radiodifusão em FM), 150 MHz a 450 MHz (banda das comunicações móveis terrestres), e 470 MHz a 890 MHz (banda UHF de televisão). Os níveis médios de exposição situaram-se entre 0,002 µW/cm2 em S. Francisco e Chicago, e 0,020 µW/cm2 em Portland, sendo o valor médio ponderado para as 15 cidades de 0,0048 µW/cm2. Por outro lado, as percentagens da população exposta a níveis inferiores a 1 µW/cm2 em cada cidade variou de 97,2 % em Washington a 99,99 % em Houston, com uma média para as 15 cidades igual a 99,44 %., sendo ainda de destacar o facto da maior contribuição para a exposição provir das estações de rádio em FM e de televisão. 222 Um outro estudo experimental, relativamente antigo – publicado em 1977 –, mas de referência, também realizado nos Estados Unidos, registou um nível de exposição entre 1 mW/cm2 e 7 mW/cm2 na base da antena de FM situada no Monte Wilson, na Califórnia. Ainda relativamente a este mesmo estudo, as medições efectuadas nos telhados em arranha-céus localizados na vizinhança de antenas transmissoras de rádio FM e de televisão, conduziram a valores abaixo de 0,01 mW/cm2, tendo-se no entanto registado níveis de 0,23 mW/cm2 em alguns casos, como sucedeu, por exemplo, no telhado da Torre Sears em Chicago. 4.8.6. Vigilância de Interferência Electromagnética A interferência electromagnética (electromagnetic interference EMI) representa uma área recente da engenharia electrotécnica, em todos os domínios, e que se encontra em rápido crescimento, sendo uma das partes integrantes do grande tema que é a compatibilidade electromagnética (electromagnetic compatibility EMC). Este tema da EMC, que explora a capacidade dos equipamentos electrónicos funcionarem sem alterações num ambiente electromagnético, surgiu do facto de existir um elevado número de equipamentos electrónicos sensíveis, utilizados no dia a dia e, sobretudo, em electromedicina, que poderão ser susceptíveis de sofrer perturbações no seu desempenho normal quando rodeados de outras fontes de campos electromagnéticos. A interferência electromagnética pode afectar rádios, televisores, telefones, computadores pessoais, aparelhagem de estereofonia, órgãos electrónicos, sistemas de alarme, campainhas de acesso, e equipamento médico electrónico. a) Interferência Electromagnética em Equipamento Médico O equipamento médico sujeito a interferência inclui cadeiras de rodas, pacemakers cardíacos, desfibriladores, aquecedores de sangue, bombas circulatórias, pulmões artificiais, monitores de apneia infantil, e incubadoras, podendo essa interferência originar sérias consequências ao ponto de colocar em risco a própria vida. Os antigos equipamentos médicos, todos eles praticamente com características electromecânicas clássicas não eram sensíveis a interferências porque, por um 223 lado, continham muito poucos circuitos electrónicos, e por outro, não existiam ainda tantos dispositivos e sistemas de alta frequência como por exemplo as comunicações sem fios e os telefones celulares. Presentemente, os equipamentos de electromedicina atingiram um elevado grau de complexidade, conjugando em si diversas frequências de funcionamento associadas a sistemas electromecânicos, conversores electrónicos, e comunicações sem fios. O preço a pagar por esse desenvolvimento está directamente associado à sensibilidade que todos esses equipamentos apresentam quando na presença de campos electromagnéticos. É de salientar que esses equipamentos encontram-se instalados não só em clínicas e hospitais, mas também em residências particulares e por vezes implantados nos próprios pacientes. Na prática, são os seguintes os factores de rádio-interferência que afectam os equipamentos médicos: • Ligação electromagnética induzida por fontes de interferência. Esta situação ocorre normalmente quando o equipamento médico se encontra dentro da zona de acção das fontes emissoras de radiação. Por exemplo, as ligações capacitivas acontecem nos locais onde o campo eléctrico é dominante, como é o caso dos topos das antenas, enquanto que as ligações de carácter magnético (ou ligações indutivas) sucedem-se nos locais muito próximos das bases onde se encontram implantadas as antenas de sistemas celulares. No caso crítico dos pacemakers cardíacos, a interferência é essencialmente de carácter indutivo, havendo contudo alguma influência capacitiva, daí que seja completamente desaconselhável aos portadores de pacemakers a utilização de telefones celulares, assim como de outros equipamentos de comunicações sem fios. Enquanto que as ligações capacitivas e indutivas representam o factor crítico de interferência electromagnética nos locais muito próximos das fontes de interferência, nas zonas bastante mais afastadas esse papel é desempenhado pela frequência dos feixes electromagnéticos, sendo a interferência máxima quando o comprimento de onda da radiação é comparável à maior das dimensões do equipamento médico. 224 • Modulação imposta pelas fontes aos campos emitidos. A técnica de modulação, sobretudo a modulação de amplitude, AM, é normalmente a mais significativa na medida em que origina a indução de forças electromotrizes de RF nos circuitos electrónicos dos equipamentos, sendo detectadas nas junções dos dispositivos semicondutores. Saliente-se que este tipo de interferência ocorre com grande intensidade quando as frequências de modulação se encontram na passa-banda fisiológica, isto é, na gama de frequências associadas às funções dos processos fisiológicos desempenhadas pelos equipamentos médicos. Por outro lado, a presença de objectos situados muito próximo dos equipamentos poderá originar fenómenos de reflexão das ondas incidentes de rádio-interferência, reflexão essa que, por sua vez, poderá combinar-se com as ondas originais produzindo nelas uma modulação de amplitude junto aos equipamentos. Nestas circunstâncias, se a frequência da modulação se encontrar dentro da gama de frequências dos processos fisiológicos assegurados pelos aparelhos, então desencadear-se-á uma situação de interferência. • Susceptibilidade à Rádio-interferência. Esta situação corresponde aos equipamentos apresentarem uma função adicional não desejada, devido à sua exposição a radiação de RF. Durante a década de 1980, o organismo norte-americano Food and Drug Administration FDA constatou a morte de aproximadamente 60 crianças que se encontravam a ser monitorizadas acerca de paragens respiratórias, através de um monitor de apneia, tendo os testes que se realizaram posteriormente a esse tipo de monitor detectado a sua extrema susceptibilidade a campos de RF de nível reduzido, tendo sido voluntariamente retiradas de serviço, pelos construtores, mais de 16000 unidades. Outro equipamento que demonstrou apresentar susceptibilidades a rádio-frequências foi a cadeira de rodas com accionamento e controlo eléctricos, tendo-se detectado o aparecimento de movimentos aleatórios, não controlado, em cadeiras instaladas em ambulâncias de emergência médica quando situadas muito próximas de antenas BTS, movimentos esses que provocaram a ejecção dos utentes assim como o lançamento das cadeiras para o exterior das ambulâncias. Posteriormente, todos 225 estes problemas foram completamente resolvidos pelos respectivos construtores. Estes problemas de susceptibilidade envolvem igualmente os pacemakers cardíacos bem como os desfibriladores, tendo-se constatado, em diversos países, que a presença muito próxima de telefones celulares por vezes origina efeitos indesejáveis, sendo o mais referenciado a perda do controlo adaptativo. Todavia, não se notou a existência de interferência quando o telefone se encontra situado junto ao ouvido, tendo um grupo de investigadores concluído que a interferência pacemaker – telefone celular não deveá ser considerada como um caso de saúde pública, tendo, no entanto, estabelecido um conjunto de recomendações a seguir por parte dos utilizadores de pacemakers. Foi ainda concluído que os telefones celulares podem causar interferência em desfibriladores cardíacos implantados em pacientes, traduzindo-se essa interferência no aparecimento de disparos aleatórios. Outro equipamento bastante susceptível a interferências, sobretudo por parte de telefones celulares, é o aparelho auditivo (ou aparelho de correcção da audição) a ser instalado por detrás do lóbulo da orelha, daí que os seus utentes não devam ser utilizadores daqueles telefones. b) Recomendações Relativamente à interferência electromagnética em equipamentos médicos, deverão ser seguidas as seguintes recomendações, no sentido de se evitar a sua acção directa, por vezes fatal, nesses equipamentos: • Realizar medições exaustivas dos níveis de radiação de RF nos hospitais, clínicas e centros de saúde, com o objectivo de identificar eventuais problemas de interferência. • Estimar a susceptibilidade dos equipamentos médicos à exposição a ondas emitidas por antenas BTS, no sentido dos projectistas desses equipamentos adequarem os seus projectos futuros à nova realidade, com o objectivo de tornar os novos aparelhos insensíveis às interferências de RF. 226 • Optimizar os sistemas de comunicações sem fios, de modo a torná-los compatíveis com os equipamentos médicos – as frequências de modulação das antenas transmissoras deverão ter bandas de funcionamento diferentes das bandas de frequência dos equipamentos. • Quando uma BTS exterior se encontrar muito próxima de uma zona hospitalar, ou mesmo quando houver microcélulas BTS instaladas no interior do edifício hospitalar, os telefones celulares deverão normalmente operar com baixos níveis de potência. • As BTSs, assim como as microcélulas e as picocélulas, deverão ser instaladas em zonas previamente estudadas, no sentido de não induzirem interferências indesejáveis. • Por questões de segurança pessoal máxima, todas as fontes de RF deverão ser expressamente interditas em áreas hospitalares de grande sensibilidade, como por exemplo blocos operatórios e salas de cuidados intensivos. • Os construtores e os utilizadores tanto de equipamento médico como de sistemas de transmissão em RF, deverão cooperar estreitamente no sentido de conseguirem optimizar os seus projectos, de modo a que os aparelhos médicos possam funcionar sem interferências na presença de ondas exteriores de RF. • Mesmo com a garantia de compatibilidade electromagnética, os construtores de equipamento médico hospitalar deverão, por questões de precaução, informar não só os profissionais de saúde mas também os pacientes, de que poderão eventualmente ocorrer situações de interferência electromagnética. Essa informação deverá permitir detectar essas interferências, descrevendo todos os sintomas associados; explicitar quais os procedimentos a adoptar de forma a lidar com as interferências; elaborar relatórios discriminando todas as ocorrências. 227 CAPÍTULO 5. APLICAÇÕES MÉDICAS E EFEITOS TERAPÊUTICOS DOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS 5.1. APLICAÇÕES MÉDICAS 5.1.1. Generalidades Conforme se discriminou, de uma forma detalhada, em capítulos anteriores, o espectro de frequências tem início na frequência zero, isto é, na corrente contínua, e termina na banda da radiação electromagnética dos raios gama, da ordem de 1021 Hz (1012 GHz). Na sociedade actual, existem bastantes fontes emissoras de campos electromagnéticos, encontrando-se a espécie humana, em geral, exposta não só à influência dos campos naturais, como é o caso do campo magnético terrestre, mas também à influência dos campos electromagnéticos e da radiação criados pelo próprio homem, como resultado da sua evolução tecnológica e científica, na procura do seu bem estar social. Todavia, a proliferação de campos electromagnéticos com as mais variadas frequências – dos 50 Hz associados aos sistemas electroprodutores e de utilização de energia eléctrica, até às centenas de GHz dos sistemas de comunicações sem fios –, originou, na opinião pública, sobretudo na última década, uma tomada de consciência acerca da existência ou não de potenciais riscos para a saúde derivados da exposição a esses campos electromagnéticos, essencialmente emitidos por linhas aéreas de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão, e por antenas e telefones celulares. Por outro lado, apesar do grande volume de trabalhos de investigação teóricos e experimentais que têm vindo a ser realizados, no que respeita à explicação dos mecanismos de interacção entre os campos electromagnéticos e os sistemas biológicos, não existe ainda uma justificação científica universalmente aceite para esses mecanismos de interacção, devido às causas já expostas em capítulos anteriores. Adicionalmente, os desenvolvimentos mais recentes no domínio da engenharia médica tais como a imagiologia de ressonância magnética e a estimulação magnética transcraniana, têm igualmente levantado 228 questões da mesma índole, ou seja, se os campos magnéticos de elevada densidade, da ordem de 1 tesla, exercem ou não alguma influência na saúde. Em contrapartida, os campos magnéticos de fraca densidade – entre 1 mT e 200 mT –, têm vindo a ser utilizados com fins terapêuticos, num número crescente de aplicações, como por exemplo na redução da dor, na reparação de tecidos, no tratamento do cancro e da artrite reumatóide, como se verá mais adiante. 5.1.2. Fenómenos Biomagnéticos No referencial logarítmico da figura 5.1, com a densidade de fluxo magnético em ordenadas e as frequências em abcissas, mostram-se os diversos fenómenos biomagnéticos e a sua caracterização em termos da densidade de fluxo e da frequência. Como resultado dos estudos efectuados sobre os efeitos biológicos dos campos electromagnéticos, tem vindo a acontecer um desenvolvimento notável nas aplicações médicas desses campos, incentivada pelo aperfeiçoamento da tecnologia dos magnetos supercondutores de elevada intensidade de campo. Figura 5. 1 – Fenómenos biomagnéticos utilizados em aplicações médicas e terapêuticas. 229 Essas aplicações médicas incluem Tomografia Axial Computorizada TAC, a estimulação magnética transcraniana (Transcranial Magnetic Stimulation TMS), que estimula o córtex cerebral humano com uma resolução espacial da ordem do milímetro, através de uma bobina de excitação colocada sobre o crânio, e o sistema de interferência supercondutora quântica (Superconducting Quantum Interference Device SQUID), que permite obter imagens tridimensionais das funções cerebrais através da imagiologia de ressonância magnética (Magnetic Ressonance Imaging MRI), da imagiologia de ressonância magnética funcional (functional Magnetic Ressonance Imaging fMRI), e da magneto-encefalografia (Magneto-EncephaloGraphy MEG). As técnicas de TMS associadas às técnicas de imagiologia representam um elevado potencial de aplicações nas ciências do cérebro e da neuropsiquiatria clínica. Saliente-se, para melhor compreensão relativamente à TMS, que, quando se faz circular uma corrente de elevada intensidade na bobina de excitação durante 0,1 ms a 0,2 ms, é induzido um campo magnético de 1 T. Os recentes desenvolvimentos das tecnologias não invasivas de medição das funções cerebrais, tais como a MEG e a fMRI, têm vindo a contribuir para o rápido progresso da investigação em ciências cerebrais, tornando possível as discussões e análises dessas funções, em termos das actividades psicomotoras e associadas ao raciocínio – alegria, prazer, felicidade, êxtase, raiva, fúria, ódio, cólera, tristeza, melancolia, ansiedade. Outras investigações recentes demonstraram que a acção de campos magnéticos originam alterações magnéticas na coagulação sanguínea, assim como na orientação dos biopolímetros, o que introduz novos aspectos nas aplicações biomagnéticas na regulação dos sistemas vivos e dos materiais biológicos. Relativamente a outros órgãos fundamentais do corpo humano, como é o caso dos pulmões e do coração, são também utilizadas, respectivamente, técnicas de magneto-pneumografia (MagnetoPneumoGraphy MPG), e de magnetocardiografia (MagnetoCardioGraphy MCG). 5.1.3. Estimulação Magnética Transcraniana TMS Esta técnica, não invasiva, consiste em aplicar, localmente no crânio, uma estimulação magnética dirigida ao cérebro, através de um campo magnético pulsante com uma densidade muito elevada, da ordem de 1 T, induzido durante 230 150 µs por uma corrente de grande intensidade ao circular na bobina de excitação colocada na cabeça do paciente. Esse campo induz assim correntes de Foucault no cérebro, correntes essas que excitam o sistema nervoso, tendo contribuído, nas primeiras aplicações datadas de finais da década de 1980, para a criação de mapas funcionais da área do córtex associada à actividade motora relacionada com as mãos e com os pés. Os desenvolvimentos recentes dos aparelhos TMS estereotácteis de estimulação cerebral navegada (Navigated Brain Stimulation NBS), permitem obter, de uma forma não invasiva, o mapeamento da representação espacial e temporal de qualquer actividade cerebral que reaja a estímulos magnéticos, como as actividades sensoriais, motoras, cognitivas, e a linguagem. Apesar da TMS poder causar alguns problemas, como por exemplo os distúrbios funcionais do cérebro, com as consequentes lesões, existem grandes expectativas no sentido dessa técnica contribuir para uma nova era nas ciências do cérebro, sendo os efeitos terapêuticos das curas e correcções de doenças e distúrbios neurológicos possivelmente a sua grande área de aplicação médica. Existe uma evidência muito acentuada de que a expressão de determinados genes assim como algumas funções cerebrais, sofrem uma alteração como resposta à TMS repetitiva, podendo contribuir de uma forma benéfica para o tratamento de desordens afectivas e da doença de Parkinson. Além disso, poderá contribuir igualmente para restaurar danos cerebrais, ao interagir com a expressão genética. Saliente-se que a TMS não causa qualquer tipo de dor, e não requer uma invasão física do corpo, podendo vir a ser adoptada como meio de diagnóstico e terapêutico. Na investigação das funções cerebrais, a aplicação da estimulação magnética para o bloqueio temporário ou para a modificação do processo de informação facultativa, assim como do processo cognitivo de diversos sistemas sensoriais, poderá ser utilizada para identificar a localização e a ligação das cadeias das funções cerebrais. Ou seja, se a estimulação magnética pode efectivamente bloquear e modificar vários sistemas sensoriais, será com toda a certeza vantajosa para o tratamento da dor. A investigação sobre a compensação e a reconstrução magnética das funções neuronais em redor de neurónios com danos, poderá conduzir ao desenvolvimento de várias 231 aplicações de estimulação baseada em campos magnéticos, incluindo o tratamento da depressão, a prevenção da demência, e o tratamento magnético por impulsos, mais seguro e mais efectivo, que substituirá a terapia electroconvulsiva de corrente (Current Electroconvulsive Therapy ECT). 5.1.4. Magneto-encefalografia MEG Esta técnica consiste na medição dos campos magnéticos de muito baixa densidade, da ordem de 10-13 T, gerados pelas correntes neuronais, campos esses detectados através da SQUID. A MEG consegue detectar as funções cerebrais com uma resolução temporal da ordem do milissegundo, e com uma resolução espacial não invasiva da ordem do milímetro, sendo assim fundamental para a investigação das funções cerebrais como a memória e a cognição. Através dos resultados obtidos associados com a memória de curta duração, a cognição, e a rotação mental, conseguiu-se já, em 1991, construir dois modelos no sentido de explicar cientificamente o funcionamento do cérebro – o modelo dipolar de corrente, e o modelo de distribuição das fontes eléctricas intracerebrais –, assim como estimar a localização de várias funções do cérebro durante o processo de informação. A fonte eléctrica de uma reacção visual evocada, com aproximadamente 150 ms de latência, localizada no córtex visual primário, foi descrita relativamente bem através do modelo dipolar de corrente, enquanto que o modelo de distribuição das fontes eléctricas intracerebrais é mais usual na estimação da fonte eléctrica incidente para uma rotação mental com uma latência de aproximadamente 180 ms ou um pouco superior. A imagiologia baseada na MEG permitiu ainda a realização de estudos interessantes relacionados com a linguagem e com o entendimento de melodias musicais, realizados no final da década de 1990 e em 2005. Os estudos relacionados com a linguagem tiveram como objectivo a examinação das características temporais e topográficas das actividades neuronais associadas à compreensão da língua japonesa e da língua coreana, enquanto que as experiências com música tiveram como finalidade analisar não só o modo como a actividade cerebral se reflectia na audição de notas musicais sucessivas, mas também como essa actividade variava em função do treino e experiência musical dos ouvintes. 232 A MEG, dentro de muito pouco tempo, será possivelmente uma técnica essencial na investigação das funções cerebrais, como complemento de uma outra técnica igualmente não invasiva, e que já é utilizada há dezenas de anos – a electroencefalografia EEG –, que apresenta uma resolução temporal da ordem do milissegundo e permite a localização das funções cerebrais e de eventuais anomalias, através da captação dos sinais eléctricos emitidos pelo cérebro. As aplicações médicas futuras incluem a detecção de ataques epilépticos, a medição de ondas electromagnéticas muito fracas associadas à existência de tumores e de doenças vasculares cerebrais, assim como a medição da actividade eléctrica cerebral induzida por campos electromagnéticos de extremamente reduzida frequência emitidos por fontes exteriores. 5.1.5. Imagiologia de Ressonância Magnética MRI A MRI combina em si as técnicas dos campos magnéticos espaciais uniformes e estacionários, dos campos magnéticos espaciais gradientes, e dos campos electromagnéticos de RF. As normas de segurança elaboradas pela International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP), aconselham 2 T como limite máximo da exposição do corpo humano a campos magnéticos, excepto para os membros superiores e inferiores, sendo utilizados nas aplicações clínicas da MRI, controladas por médicos e técnicos de saúde especializados, níveis de exposição até 2 T ou menos, usualmente 1,5 T. A MRI de fenómenos eléctricos em seres vivos representa uma potencial aplicação médica não só para a evolução quantitativa dos efeitos biológicos dos campos electromagnéticos, mas também para a detecção directa das actividades neuronais eléctricas no cérebro. Atendendo a que os campos magnéticos ao incidirem num objecto originam uma alteração na sua frequência de ressonância, e uma mudança na fase dos sinais da ressonância magnética, as distribuições espaciais de um campo magnético aplicado exteriormente e de uma corrente eléctrica podem ser estimados através dessas alterações nos sinais da ressonância magnética. Por conseguinte, estes métodos poderão ser utilizados em determinadas aplicações médicas, como por exemplo a imagiologia das distribuições de corrente na desfibrilação eléctrica do coração, assim como a observação dinâmica da localização das funções cerebrais. 233 5.2. EFEITOS TERAPÊUTICOS 5.2.1. Generalidades Como se escreveu no prefácio, o pai do bio-electromagnetismo é Hipócrates, que tentou, pela primeira vez, curar cancros mamários através da exposição à radiação electromagnética do sol. 2000 anos mais tarde, já no século XVIII, Luigi Galvani tentou tratar tumores, aneurismas e hemorragias através da aplicação de energia eléctrica aos tecidos humanos, e, em 1840, Recamier e Pravaz mostraram um método de destruição de células cancerígenas no útero, por meio da utilização de electricidade, prática essa que rapidamente se tornou uma aplicação usual, tendo Fabre-Paloprat e Petrequin efectuado estudos importantes sobre esta matéria. Pichard, em 1946, alertou para o seu uso exagerado. Devido aos estudos de Helmholtz, Kelvin e Hertz, passou a utilizar-se a corrente alternada sinusoidal e, em 1869, Joubert mediu o grau relativo das contracções musculares em ligação a correntes de alta frequência em batráquios, enquanto que, em 1891, o francês d’Arsonval (1851-1940) ultrapassou o estádio da utilização das correntes eléctricas contínuas nos tecidos, ao proceder a experiências de auto-indução utilizando bobinas de excitação cilíndricas que envolviam o corpo dos seus pacientes. Em mais de 2500 experiências, constituídas por sessões de 20 minutos em que a corrente de excitação tinha uma intensidade de 450 mA, d’Arsonval demonstrou ser possível conseguir melhorias em doentes com reumatismo e artrites. Outros cientistas contemporâneos de d’Arsonval, como foi o caso de Nikola Tesla (1856-1943) e de Thomson (1853-1937) contribuíram para o desenvolvimento dos efeitos terapêuticos das ondas electromagnéticas de rádio-frequência. A partir de 1926, as técnicas cirúrgicas passaram a incluir esses efeitos terapêuticos em operações sensíveis ao cérebro, ao fígado, e à próstata, para tratar hemorragias e para controlar a multiplicação precária de células. 5.2.2. Tratamento de Fracturas Ósseas Entre 1900 e 1960, enquanto que o interesse na electroterapia se encontrava em recessão, em contrapartida desenvolveram-se gradualmente os modernos princípios da fisiologia neuromuscular, incluindo claramente uma função essencial para a estimulação eléctrica. Como resultado, os maiores avanços deram-se nas últimas três décadas desse período, tendo-se expandido a 234 electro-terapêutica à potencial correcção de tecidos e órgãos com membranas excitadas electricamente, como por exemplo os nervos e os músculos, tendose hoje em dia o coração, o diafragma, a espinal medula, e os músculos paralizados, a serem estimulados electro-terapeuticamente. Por outro lado, a descoberta das propriedades electromecânicas dos tecidos ósseos permitiu concluir que a adaptação mecânica dos ossos poderá ser interpretada em termos dos seus potenciais electromecânicos, teoria esta proposta por um cientista japonês, já no longínquo ano de 1957, e à qual propôs a designação de propriedade piezoeléctrica dos ossos. Como consequência, foi estabelecido que esse efeito piezoeléctrico surge apenas quando se aplica uma força tangencial (ou de cisalhamento) às fibras ósseas de colagénio, tornando-as escorregadias entre elas. Em termos gerais, as propriedades eléctricas das substâncias biológicas podem ser divididas em dois grupos: • Propriedades activas, que descrevem a capacidade das substâncias biológicas para gerar campos e potenciais eléctricos – cérebro, sistema nervoso, coração, nervos, e músculos. • Propriedades passivas, que caracterizam as reacções das substâncias biológicas quando são estimuladas exteriormente através da aplicação de campos eléctricos e magnéticos – ossos, pele, e tendões. Na realidade, os ossos são materiais compósitos e heterogéneos, com estruturas diferentes entre si e mesmo dentro de cada osso próprio, tendo como consequência que o seu módulo de elasticidade (ou módulo de Young), é variável de ponto para ponto, variando este parâmetro com a orientação devido ainda à anisotropia do osso. Do ponto de vista eléctrico, provou-se que num osso que se encontre num estado cantiléver, isto é, com uma fractura perpendicular ao seu eixo, gera-se um potencial negativo no lado do osso que se encontra em compressão, e um potencial positivo no lado oposto, que se encontra em tracção. Na sequência desta constatação, existem resultados experimentais que provam que, ao induzirem-se correntes eléctricas da ordem do microampére, poder-se-á acelerar a formação de novo material ósseo, próximo do eléctrodo negativo, tendo ainda sido observado que a acumulação de cargas eléctricas negativas no lado côncavo de um osso defeituoso, por 235 exemplo curvado ou torto, origina a sua regeneração, devido à remoção de material ósseo proveniente do lado convexo, onde se verifica a acumulação de cargas eléctricas positivas. Ou seja, este processo regenerativo corresponde, em termos similares, ao fenómeno electrolítico, sobejamente conhecido. É exactamente este fenómeno que permite, através da estimulação eléctrica, contribuir potencialmente para o tratamento de problemas ósseos – fracturas, defeitos, e atrasos no desenvolvimento –, osteonecrose, pseudoartrose, e osteoporose. Outros trabalhos de investigação mostram que o material biológico que compõe os ossos é um material ferroeléctrico, isto é, magnetoeléctrico, com uma estrutura constituída por dipolos que são susceptíveis de se reorientarem como resultado de um estímulo eléctrico aplicado exteriormente. Como consequência, a força mecânica gerada no osso origina uma rotação dos dipolos, provocando por sua vez um deslocamento de cargas eléctricas, deslocamento esse que é tanto maior quanto mais elevado for o estímulo exterior. Deste modo, existirá uma concentração de cargas eléctricas de sinais contrários em ambos os lados do osso. De uma forma geral, existem três tipos de terapêuticas clínicas associadas à estimulação eléctrica, com o objectivo de assistir e acelerar o tratamento de fracturas ósseas: • Através de eléctrodos. A implantação destes eléctrodos, sendo uma técnica invasiva, requer uma intervenção cirúrgica que abre a porta para potenciais infecções. Adicionalmente, ocorre todo um conjunto de fenómenos eléctricos na superfície dos eléctrodos, como a electrólise e a indução de forças electromotrizes parasitas, cuja intensidade depende da tensão utilizada, do material do eléctrodo, e das suas características superficiais. No ânodo, geram-se situações de corrosão electroquímica, mesmo com intensidades de corrente muito reduzidas, existindo outros inconvenientes como sejam a impossibilidade de não se conhecerem previamente todos os trajectos por onde circulará a corrente de estimulação, e a utilização de cátodos com uma superfície significativa, ou de vários cátodos, quando as dimensões anatómicas são grandes. 236 • Através de campos eléctricos com ligação capacitiva, Capacitively Coupled Coupled Electric Fields (CCEF). Esta técnica não invasiva consiste em aplicar externamente sobre a pele, no local da fractura, dois eléctrodos planos, aos quais se aplica uma diferença de potencial reduzida, de alta frequência, que dará origem a um campo eléctrico entre as placas, semelhante ao de um condensador, e que irá estimular electricamente os tecidos ósseos na zona da fractura, acelerando a sua regeneração. • Através de campos electromagnéticos pulsantes, Pulsed ElectroMagnetic Fields (PEMF). Esta técnica, de indução ou ligação magnética, igualmente não invasiva, por conseguinte não indutora de potenciais infecções pós-cirúrgicas, consiste em aplicar bobinas de excitação sobre a pele do paciente, de forma a envolver a zona da fractura. Quando essas bobinas são excitadas através de uma corrente eléctrica, aplicada sob a forma de impulsos, gera-se um campo electromagnético de indução, o qual, por sua vez, dará origem a uma corrente eléctrica de reduzida intensidade que irá estimular os tecidos ósseos na zona da fractura. Saliente-se que, para ambas as técnicas não invasivas (CCEF e PEMF), o objectivo é gerar uma corrente eléctrica de baixa intensidade que estimule electricamente as células ósseas com o objectivo de promover a regeneração de fracturas. Todavia, a diferença reside no modo de obtenção – na CCEF tem-se uma corrente de carácter capacitivo, gerada por duas placas (armaduras) situadas na pele entre a fractura, enquanto que na PEMF se tem uma corrente de carácter indutivo, gerada por duas bobinas de excitação situadas fisiologicamente como as armaduras do sistema capacitivo. Nos Estados Unidos, a taxa de sucesso da CCEF situa-se entre 70 % e 77 %, enquanto que a da PEMF se encontra num intervalo de 72 % a 87 %. A utilização de técnicas não invasivas na cura de fracturas ósseas, representa um procedimento bastante mais limpo, no sentido de não carecer de cirurgias e das suas potenciais infecções pós-operatórias, mas também mais económico em termos de saúde pública, na medida em que é uma terapêutica muito simples, para um tipo de ocorrência cada vez mais frequente. Evidentemente 237 que, no que respeita a fracturas expostas, é inevitável a cirurgia correctiva, sendo a estimulação eléctrica extremamente útil na cura de fracturas não expostas, e na recuperação de pós-operatórios que sofreram aquele tipo de fracturas ou que, em resultado das operações, o processo de união óssea não esteja a decorrer como seria esperado. Para se avaliar a dimensão social deste problema, no que respeita à saúde pública, ocorrem cerca de 5,6 milhões de fracturas só nos Estados Unidos, das quais entre 5 % a 10 % não são curadas convenientemente. Figura 5.2 – Equipamento de Tomografia Axial Computorizada (Siemens). Figura 5.3 – Equipamento de Ressonância Magnética de 1,5 T (Siemens). 238 Figura 5.4 – Equipamento de Ressonância Magnética de 3 T (Siemens). Figura 5.5 – Imagem de um tumor cerebral, obtida através de ressonância magnética (Siemens). 5.2.3. Osteoporose Os ossos são constituídos por dois componentes, isto é, os componentes corticais e trabeculares, os quais, no seu conjunto, conferem aos ossos a sua dureza e robustez. Em termos de caracterização, o osso cortical é um tecido denso e compacto, enquanto que o osso trabecular é poroso e esponjoso, e tem uma estrutura rendilhada similar a uma colmeia, sendo metabolicamente 239 mais activo que o osso cortical, daí ser mais sensível aos factores associados ao aumento ou à diminuição da massa óssea. Por definição, a osteoporose é uma doença metabólica da estrutura óssea, irreversível, sendo caracterizada pela redução da massa dos ossos e pela sua alteração estrutural, aumentando de forma significativa a sua fragilidade. Em termos microscópicos, o tecido trabecular fragiliza-se, aumentando o seu rendilhado devido à fragilização do tecido e à sua perfuração. No que respeita ao tecido cortical, aumenta igualmente a sua fragilidade sobretudo em idosos. Na prática, a robustez mecânica dos ossos afectados pela osteoporose reduz-se drasticamente, tornando-se muito mais frágeis e susceptíveis de sofrerem fracturas, quando comparados com os ossos considerados normais. Figura 5.6 – Dispositivo de campos electromagnéticos pulsantes (PEMF). A etiologia da osteoporose é heterogénea e multifactorial, devendo ser dividida em duas áreas – desmineralização óssea e fracturas: • O esqueleto humano existe num estado dinâmico de balanço entre a formação óssea e a reabsorção óssea. Por conseguinte, a osteoporose pode ser devida a uma diminuição da formação óssea ou a um aumento da reabsorção, ou seja, por outras palavras, a osteoporose é devida à perda daquele balanço, com a consequente desmineralização e a perda de massa óssea, conduzindo frequentemente a fracturas. 240 • O valor máximo da massa óssea, usualmente definido, em termos clínicos, como sendo a mais elevada densidade óssea que um indivíduo atinge como resultado do normal desenvolvimento do seu esqueleto, desempenha um papel fundamental, crítico, na determinação das fracturas dos ossos. Adicionalmente, existem outros factores como sejam as características das quedas sofridas pelos pacientes, as micro-fracturas recorrentes, a geometria dos ossos, o seu teor de medula, e a relação entre as quantidades de tecidos corticais e trabeculares, que são igualmente muito determinantes para a ocorrência de fracturas. A osteoporose representa actualmente talvez a enfermidade de maior dimensão, em termos de saúde pública, sobretudo nos países mais desenvolvidos, devido essencialmente ao aumento da esperança média de vida. Por exemplo, nos Estados Unidos esta doença afecta cerca de 25 milhões de pessoas e é a responsável directa por cerca de 1,5 milhões de fracturas por ano, que incluem 700 mil fracturas da coluna, 250 mil fracturas da bacia, 250 mil fracturas do antebraço, e 300 mil fracturas em outros locais dos membros superiores e inferiores. Em termos económicos, os custos directos e indirectos são elevados, com tendência para aumentar. Ainda relativamente aos Estados Unidos, esses custos são estimados em 10 biliões de dólares por ano. Extrapolando os valores actuais para os próximos dez anos, calcula-se que, no grupo etário de indivíduos do sexo feminino com uma idade igual ou superior a 45 anos, o número de fracturas seja de 5,2 milhões, as perdas de produção sejam iguais a 2 milhões de “pessoas x ano”, e os custos médicos directos ascendam a 45 biliões de dólares. Atendendo a esses valores, é pertinente que a gestão do problema da osteoporose e das fracturas consequentes, compreenda toda uma acção concertada que inclui o diagnóstico, a prevenção e o tratamento, no sentido da sua detecção precoce. Em termos gerais, a prevenção desta doença inicia-se com a educação do público, assim como dos médicos responsáveis pelos cuidados primários de saúde, na medida em que a redução da massa óssea é um fenómeno lento e gradual, daí que a osteoporose seja considerada uma doença silenciosa. O risco de desenvolvimento desta doença pode ser reduzido 241 seja pelo aumento máximo possível da massa óssea até à idade crítica, que se situa entre os 30 e os 40 anos, seja pela diminuição da taxa de redução de tecido ósseo. A adopção destas medidas passa inevitavelmente pela prática de um modo de vida saudável – alimentação rica em cálcio, proteínas, e vitamina D, actividade desportiva regular, não fumar, evitar o consumo de bebidas alcoólicas, e evitar o consumo de cafeína. Em termos clínicos, a grandeza que melhor reflecte os riscos de fractura é a densidade mineral óssea ou densitometria óssea (bone mineral density BMD), sendo medida pelos seguintes métodos: • Absorciometria de raios X de dupla energia (dual-energy x-ray absorptiometry DXA), que é uma das técnicas mais utilizadas, por ser precisa, sensível, e rápida, expondo os pacientes a doses de radiação muito reduzidas. • Tomografia periférica computorizada, densitometria de raios X de simples e de dupla energia, absorciometria radiográfica, e ultrasons. Saliente-se que cada uma destas técnicas apresenta o diagnóstico mais completo e optimizado em função do local e da zona onde se pretende medir a BMD – a DXA é a mais aconselhável para medir a BMD na coluna, no fémur, e na totalidade do corpo; a tomografia periférica computorizada para o rádio; a densitometria de raios X de simples energia para a coluna; a densitometria de raios X de dupla energia para o rádio; e os ultrasons para o calcanhar, a rótula, e a tíbia. Tal como sucede há cerca de 25 anos com a regeneração de fracturas e defeitos ósseos, conseguida através da estimulação magnética (PEMF), a utilização desta técnica representa um potencial modo de tratamento não invasivo e não farmacológico da osteoporose, tendo sido já levadas a cabo diversas experiências com algum sucesso. 5.2.4. Esclerose Múltipla Estima-se que entre 10 % a 20 % dos pacientes de esclerose múltipla apresentam um percurso crónico progressivo, caracterizado por uma degradação progressiva, irreversível, que tem o seu início tendencialmente numa idade avançada, e que apresenta tipicamente em primeiro lugar distúrbios motores 242 envolvendo a capacidade de mobilidade e a fraqueza dos membros inferiores, assim como uma incidência elevada de deficiências cognitivas. Quando a doença se manifesta em idades inferiores a 35 anos, os primeiros sintomas, de natureza sensorial, podem ser precocemente detectados através de um prognóstico correctamente elaborado. Em contrapartida, quando os sinais são já de origem motora, incluindo fraqueza, espasmos, e sintomas cerebelares, não houve prognóstico ou então esses sinais foram mal interpretados. Ou seja, quando os sintomas cerebelares ou piramidais surgem dentro de 5 anos após o início da doença, tudo indicia que existiu deficiência no prognóstico, sendo de salientar que esses sintomas são mais graves no homem que na mulher. Presentemente, não existe nenhuma modalidade de tratamento farmacológico que tenha demonstrado efeitos benéficos a longo prazo relativamente aos sintomas da esclerose múltipla, não existindo igualmente modalidades terapêuticas específicas que retardem e invertam a esclerose múltipla progressiva. Na prática, muitos dos sintomas podem ser geridos e atenuados recorrendo-se a fármacos – os espasmos e convulsões são atenuados com baclofen ou com diazepam, a fadiga crónica consegue responder ao tratamento com amantadina, a dor pode ser tratada com amitriptilina ou com carbamazepina, e a incontinência urinária pode ser controlada através de uma cateterização intermitente e/ou da administração de medicamentos anticolinérgicos. Em contrapartida, tem vindo a demonstrar-se clinicamente que a aplicação transcortical de campos electromagnéticos da ordem do picotesla (10-12 T), representa a modalidade mais segura e altamente eficiente para o tratamento sintomático da esclerose múltipla, e é presentemente a única terapia que tem de facto provado que conduz a melhorias e ao retrocesso do decurso clínico em doentes diagnosticados com esclerose múltipla progressiva. Por outro lado, o controlo da euforia, da depressão e da instabilidade emocional, torna-se mais problemático, na medida em que a maioria dos pacientes não reage eficazmente a uma medicação antidepressiva. A utilização de placebos é ineficaz, na medida em que se provou que a aplicação falsa de campos magnéticos em pacientes, em ocasiões separadas, não produziu quaisquer efeitos clínicos. Somente a aplicação de campos magnéticos é que originou mudanças fisiológicas rápidas, como a redução da tensão arterial e da pulsação, relaxamento, sonolência, e arrefecimento das extremidades. Além 243 disso, é improvável que as melhorias nos sintomas se devam apenas a um retrocesso expontâneo. De um modo subjectivo, em relação a um paciente, foi constatado que o tratamento magnético produziu melhorias relativas entre 50 % a 60 %, resultado esse que foi suportado por pesquisas neurológicas objectivas. Adicionalmente, alguns dos sintomas sentidos pelo paciente, como vertigens intermitentes, fadiga, dores de cabeça, disfunções da vesícula, depressão, e disfunções sexuais, foram melhorados com a aplicação desse tratamento, tendo sido igualmente reportadas melhorias na sintomatologia cerebelar. Todavia, não deixa de ser intrigante do ponto de vista científico, como é que a aplicação a esse paciente de um campo magnético de 7,5 pT, externo, e de curta duração, foi capaz de ter originado uma melhoria tão significativa nos sintomas da sua esclerose múltipla progressiva, tanto mais que não reagiu a um placebo magnético, como se salientou atrás. A resposta a esta estimulação magnética cerebral externa atesta a sensibilidade do cérebro humano a campos magnéticos da ordem do pT e, potencialmente, como conclusão, a campos magnéticos ambientais. Como conclusão, poder-se-á afirmar que este método de tratamento, não invasivo, se se provar a sua eficácia num conjunto significativo de pacientes, poderá constituir uma modalidade clínica eficaz no controlo e recessão da esclerose múltipla progressiva. 5.2.5. Sistema Neurológico Durante mais de 40 anos, era prática corrente utilizar-se a terapia de electrochoques no tratamento de doenças e anomalias do foro psiquiátrico, sendo os seus principais inconvenientes não só a necessidade de se aplicar anestésicos, mas também a deterioração das faculdades cognitivas dos pacientes. A despeito da eficiência deste método clínico, a terapia que se veio a impor consistiu na administração gradual de medicamentos, com efeito nos receptores neuronais, terapia essa que é exclusiva actualmente. Contrariamente aos electrochoques, a estimulação magnética transcraniana (TMS) induz um estímulo eléctrico altamente localizado numa determinada região do cérebro, e com uma diferença de potencial muitíssimo mais reduzida, tendo-se constatado recentemente que esta terapêutica poderá ser utilizada no 244 tratamento da depressão. Nesta técnica de TMS, faz-se circular uma corrente de elevada intensidade, por impulsos, através de uma bobina de excitação instalada tangencialmente ao couro cabeludo e centrada na parte superior da cabeça. Essa corrente eléctrica, variável no tempo, induz, por sua vez, um campo magnético de intensidade relativamente elevada, também variável no tempo, e com uma direcção perpendicular ao plano da bobina, ou seja, perpendicular à cabeça do paciente. Como esse campo magnético é variável no tempo, através da lei de indução de Faraday será gerado um campo eléctrico nos tecidos cerebrais, que se traduzirá pelo aparecimento de uma corrente eléctrica que circulará nesses tecidos. Saliente-se que, como as linhas de força do campo magnético atravessam totalmente o crânio, o dimensionamento da estimulação é facilmente executado, na medida em que essas linhas contribuem praticamente todas elas para a indução das correntes de estimulação cerebrais. Além disso, esta terapêutica não implica qualquer dor ou outra sintomatologia para os pacientes. A terapêutica TMS foi originalmente desenvolvida como um meio de diagnóstico para a investigação de distúrbios neurológicos, particularmente o funcionamento fisiológico das funções motoras. Contudo, esta metodologia também permite a examinação não invasiva das funções superiores do cérebro, isto é, a atenção, a memória, e a fala. Em trabalhos de investigação publicados a partir de 1996, foi reportado que os pacientes com doença de Parkinson e com enxaquecas podem beneficiar da terapêutica TMS, terapêutica esta que, aplicada repetitivamente, pode conduzir a melhorias em doentes com depressão, com psicoses obsessivas e compulsivas, e com stress pós-traumático. A patofisiologia dos distúrbios psiquiátricos deve ser conceptualizada em termos de uma disfunção dos circuitos neuronais e dos neurónios a um nível celular e molecular, sendo a TMS aconselhável para a investigação desses mecanismos biológicos. As correntes induzidas nos tecidos cerebrais têm os seus circuitos perpendiculares à direcção do campo eléctrico induzido, ou seja, paralelos ao plano da bobina de estimulação, e, sendo essa bobina instalada tangencialmente ao escalpe, esses circuitos são paralelos à superfície cortical do 245 cérebro, resultando numa activação dos elementos neuronais orientados horizontalmente, isto é, paralelos àquela superfície cortical. Esta activação suporta a hipótese de que, pelo menos com estimulações de baixa intensidade, são activadas as células pitamidais, contudo estas estimulações dependerão certamente da intensidade das próprias estimulações, da orientação da bobina, da condutividade dos tecidos, e da orientação das fibras nervosas. 5.2.6. Radioterapia Como se salientou em capítulos anteriores, as ondas electromagnéticas, que se podem também designar por radiação electromagnética, são classificadas em dois grandes grupos, consoante a gama de frequências e a energia associada a cada fotão: • Radiação não-ionizante, que compreende as ondas de frequência reduzidíssima, a radiação de rádio-frequência, a radiação infravermelha, a luz visível, e parte da radiação ultravioleta, estando a frequência compreendida entre 0 Hz (corrente contínua) e sensivelmente 3x1017 Hz (3x108 GHz), e a correspondente energia dos fotões entre 0 eV e aproximadamente 1200 eV. Como esta energia é reduzida, os fotões não têm capacidade para extrair electrões das órbitas atómicas dos materiais onde penetram, mantendo-se assim os átomos electricamente neutros. • Radiação ionizante, que compreende parte da radiação ultravioleta, os raios X e os raios gama, estando a frequência compreendida sensivelmente entre 3x1017 Hz (3x108 GHz) e 3x1022 Hz (3x1013 GHz), e a correspondente energia dos fotões entre 1200 eV e 12,4x107 eV. Como estas energias são extremamente elevadas, os fotões têm capacidade para extrair electrões dos átomos dos materiais onde penetram, transformando assim esses átomos em iões. Note-se que a separação entre radiação não-ionizante e radiação ionizante é comummente aceite encontrar-se na linha divisória situada na região ultravioleta, linha essa para a qual se tem um comprimento de onda no vácuo λ = 1 nm = 10-9 m, daí que se tenha, na fronteira, respectivamente os seguintes valores de frequência e da energia dos fotões da radiação: 246 f = c / λ = 3x108 (m/s) / 10-9 (m) = 3x1017 Hz eV = h f = 4,135667x10-15 (eVs) x 3x1017 (Hz) ≅ 1200 eV Como é sabido, os raios X possuem um elevado poder de penetração, sendo utilizados em imagiologia médica, em equipamentos de angiografia diagnóstica e de intervenção vascular e cerebral, de fluoroscopia, de mamografia, de tomografia, de urologia, e de radiografia. Por outro lado, os raios gama são gerados por átomos radioactivos, e podem destruir as células vivas dos tecidos onde penetram. Contudo, esta sua característica é aproveitada em oncologia para o tratamento do cancro, destruindo, através de doses muito reduzidas, as células cancerígenas, sendo esta terapêutica designada por radioterapia, mostrando-se na figura 5.7 um equipamento médico de aplicação dessa terapia. Figura 5.7 – Equipamento oncológico de radioterapia. 5.2.7. Hipertermia A hipertermia do cancro (hyperthermia treatment HT) é um tratamento no qual a temperatura local de um tecido ou da totalidade do corpo, é elevada até um determinado nível tera-pêutico, com o objectivo de erradicar tumores cancerígenos. Esta terapêutica tem vindo a ser aplicada em combinação com a quimioterapia, na medida em que o aquecimento aumenta a permeabilidade das membranas celulares, potenciando assim o efeito de alguns medicamentos. Atendendo a que a gama de temperaturas se deve situar entre 42 oC e 247 45 oC – a temperaturas inferiores o efeito da HT é mínimo, enquanto que, para valores superiores, as células normais podem danificar-se –, o principal problema da HT consiste na geração e no controlo da temperatura nos tumores, sendo a cera quente, o ar aquecido, a água quente, e a radiação infravermelha os métodos usualmente utilizados para o aqueci-mento da totalidade do corpo, enquanto que, para o aquecimento de áreas localizadas, utilizam-se os ultrasons, o sangue aquecido, os campos electromagnéticos de rádio-frequência, e as microondas. Na hipertermia de RF, a temperatura final dos tumores depende essencialmente da energia calorífica depositada, que depende de forma complexa da frequência do campo magnético, ou seja, da frequência das correntes induzidas, da intensidade dessas correntes, da polarização dos campos aplicados, da geometria e das dimensões do equipamento médico utilizado no aquecimento, da dimensão dos tumores, da sua profundidade, da sua geometria, e das suas propriedades dieléctricas. A energia electromagnética utilizada na HT é usualmente classificada como rádio-frequência RF, na gama entre 3 kHz e 300 GHz, ou como energia de microondas, na banda entre 300 MHz e 300 GHz. Em diatermia, a frequência RF mais usual situa-se entre 13,56 MHz e 27,12 MHz, enquanto que, na terapêutica HT, se utilizam microondas de 433 MHz na Europa, e 433, 915, e 2450 MHz nos Estados Unidos. As frequências acima de 2450 MHz não são utilizadas, devido ao seu reduzido poder de penetração nos tecidos. Saliente-se que, para aquecimentos de profundidade reduzida (entre 2 cm e 5 cm), e bem localizados, normalmente utiliza-se a frequência intermédia de 915 MHz, e, para o tratamento de tumores localizados a profundidades superiores a 5 cm, torna-se necessário utilizar campos electromagnéticos com maior capacidade de penetração, daí que a frequência aplicada seja mais reduzida, estando compreendida entre 5 MHz e 30 MHz. Na prática clínica, para se produzir calor bem focalizado em profundidade, nos tumores, utiliza-se uma matriz de antenas RF dispostas ao longo de um cilindro, como se mostra na figura 5.8, para o tratamento de tumores no tronco e nos membros inferiores. A variação da radiação RF em fase e em amplitude controla a incidência do calor assim como a sua intensidade e a sua profundidade de penetração. 248 Como se pode observar na figura, além do cilindro com as antenas, que constitui o equipamento HT propriamente dito, a paciente encontra-se monitorizada permanentemente através de um sistema de imagiologia de ressonância magnética, de modo a que se possam observar as variações de temperatura e as alterações químicas dos tecidos sujeitos a tratamento. Figura 5.8 – Equipamento de hipertermia para tratamento do cancro. A terapêutica HT é uma técnica bastante complexa, e deverá ser manipulada apenas por pessoal médico e auxiliar bastante experiente, na medida em que a escolha do equipamento mais adequado depende da localização e da vascularidade do tumor e dos tecidos adjacentes, assim como condições físicas em que o paciente se encontra. 5.2.8. Ablação de Rádio-Frequência A ablação de rádio-frequência (rádio frequency ablation RFA) é uma técnica de electrocauterização que permite a destruição de tecidos por meio de correntes eléctricas, sendo usual a sua utilização em cirurgia, onde se recorre a correntes de alta frequência para se cauterizar pequenos vasos sanguíneos com o objectivo de se estancarem hemorragias. Desde os anos 80 do século passado que a RFA tem vindo a ser adoptada como um método eficaz para a geração de coagulação necrótica induzida termicamente em tumores, seja através de aproximação sub-cutânea com imagem guiada, ou através da introdução cirúrgica de eléctrodos nos próprios tecidos. Com esta terapêutica, os tumores necróticos perdem volume e desaparecem ao longo do tempo. Contrariamente à hipertermia, onde a temperatura dos tumores é elevada a valores inferiores a 45 oC, na RFA utilizam-se campos eléctricos de RF, entre 249 375 kHz e 500 kHz, com a finalidade de se produzirem correntes iónicas nos tecidos e, consequentemente, perdas por efeito de Joule, que elevem as temperaturas desses tecidos a, pelo menos, 50 oC. Para temperaturas entre 50 oC e 52 oC, a necrose das células é atingida entre 4 a 6 minutos, enquanto que, para temperaturas superiores a 60 oC, é atingida em poucos segundos. Todavia, as temperaturas superiores a 100 oC devem ser evitadas, para se prevenir o sobreaquecimento dos tecidos, a sua vaporização, e a sua carbonização, fenómenos estes que aumentam a impedância dos tecidos, resultando numa ablação reduzida. Na prática, a energia de RF deverá ser introduzida através da colocação dos eléctrodos no centro do tumor e, para a sua destruição adequada, todo o volume da lesão cancerígena deverá ser submetido a temperaturas citotóxicas de 50 o C a 100 o C durante 4 a 6 minutos. Com eléctrodos unipolares, conseguem-se coagular tecidos com diâmetros de apenas 1,6 cm, enquanto que, com eléctrodos multipolares, a eficácia relativa à distribuição do calor é bastante mais elevada, conseguindo-se coagulações até 7 cm de diâmetro, na medida em que se consegue induzir correntes num volume muito maior de tecido. Adicionalmente, as variações de temperatura são monitorizadas através de termopares embebidos nos tecidos, ou então através das variações de potência da fonte, que se encontram directamente relacionadas com as variações de impedância e de corrente nos tecidos. Apesar dos grandes benefícios inerentes a esta terapêutica, é ainda bastante problemático atingir lesões de grande dimensão, devido à baixa condutividade dos tumores e aos efeitos térmicos dos vasos sanguíneos próximos. Por conseguinte, no sentido de se alargar a área de influência dos eléctrodos de ablação, têm-se vindo a utilizar métodos complementares com o objectivo de se modificar as características biológicas dos tecidos, que incluem: • Injecção de compostos salinos ou outros, para se aumentar a condutividade eléctrica dos tecidos e, consequentemente, a sua condutividade térmica. • Injecção de compostos salinos, apenas durante a aplicação do tratamento com os eléctrodos de ablação. 250 • Redução da circulação e do caudal sanguíneos, através de oclusão. • Controlo e modulação da circulação sanguínea através da administração de medicamentos adequados. Demonstrou-se igualmente, em termos práticos, que a aplicação da terapêutica RFA associada à quimioterapia ou à quimioembolização, torna-se mais eficaz do que aplicada individualmente. Quanto às aplicações clínicas da RFA, descrevem-se os resultados obtidos, nos Estados Unidos, mais relevantes: • Cancro do fígado. Em 15 anos de utilização, os resultados obtidos com 3000 pacientes tratados mostram uma eficácia elevada da RFA per-cutânea em tumores de pequena dimensão (< 3 cm), uma ablação completa em 70 a 75 % de tumores entre 3 cm e 5 cm, e 25 % em tumores de maior dimensão. • Cancro do rim. A RFA é uma técnica bastante eficiente na ablação de tumores inferiores a 3 cm, e, os resultados obtidos com pacientes tratados com esta terapêutica, sugerem uma taxa de sucesso entre 70 % a 90 %. • Ossos. A RFA tem sido utilizada, por mais de dez anos, no tratamento do osteoma osteóide, que é uma lesão benigna ligeiramente dolorosa. O eléctrodo é instalado no osso, no local da lesão, sendo activado durante 4 a 6 minutos, para uma temperatura de 90 oC. A taxa de sucesso das ablações simples é de 91 % a 94 %, com um acompanhamento de longo prazo, podendo fazer-se a ablação das recorrências mais tarde, através de um segundo procedimento. Os resultados obtidos com um grupo de 38 pacientes, para um período de 12 a 66 meses, mostraram um sucesso clínico primário e secundário respectivamente de 78,9 % (30/38 pacientes), e de 97 % (35/36 pacientes). • Cancro da mama. A utilização da RFA como terapêutica complementar do tratamento deste tipo de cancro é ainda muito incipiente. Contudo, reportou-se, por histologia, a coagulação necrótica em 96 % de pacientes, a seguir a uma intervenção cirúrgica. 251 CAPÍTULO 6. TÉCNICAS DE IMAGIOLOGIA 6.1. GENERALIDADES Sem dúvida que a imagiologia representa a especialidade médica que mais depende da tecnologia, tendo sofrido uma rápida evolução nos últimos anos, devido essencialmente aos grandes desenvolvimentos verificados não só na engenharia electrotécnica e na informática, mas também na medicina e na biomedicina. O seu papel é fundamental no diagnóstico e no tratamento de diversas doenças e anomalias de saúde, sendo ainda de salientar que todos os equipamentos actualmente existentes são fruto do trabalho de cooperação inter-disciplinar de engenheiros electrotécnicos, engenheiros electrónicos, engenheiros informáticos, engenheiros mecânicos, médicos, biomédicos, bioengenheiros, físicos, designers, e ergonomistas. Por outro lado, a física da imagiologia representa o processo global de criação, geração e visualização de imagens de diagnóstico clínico, e abrange todas as modalidades da imagiologia médica, ou seja, a radiografia, a fluoroscopia, a mamografia, a angiografia, a Tomografia Computorizada (TC), a Ressonância Magnética (RM), a medicina nuclear, e a ecografia. O estudo deste ramo da física é fundamental para se adquirir um conjunto de conhecimentos técnicos e operacionais, que se discriminam seguidamente: • Definição dos parâmetros de qualidade de imagem, que incluem o ruído, a resolução espacial, e o contraste. • Influência das técnicas de imagiologia sobre a qualidade da imagem. • Selecção e avaliação dos equipamentos existentes no mercado, no que respeita à sua capacidade para realizar os exames médicos previamente especificados, à dose de radiação, e aos riscos associados à exposição à radiação por parte dos pacientes e do pessoal médico hospitalar que irá operar esses equipamentos. • Modos de especificação dos problemas e avarias surgidas com as imagens e com o normal desempenho dos equipamentos, e sua comunicação aos físicos, biomédicos, e técnicos de manutenção e instalação, com vista à reposição dos padrões normais. 252 6.2. BASES FÍSICAS 6.2.1. Radiação Na maior parte dos equipamentos de imagiologia, as suas técnicas baseiam-se nos campos electromagnéticos de elevada frequência, isto é, na radiação electromagnética, já suficientemente estudada ao longo dos capítulos anteriores. Como é sabido, esta radiação é constituída por partículas que se deslocam à velocidade da luz no vazio e, aproximadamente, no ar, sendo designadas por fotões, e abrange as ondas de rádio e televisão, as microondas, os infravermelhos, a luz visível, os ultravioletas, os raios X, e os raios gama. Saliente-se que o funcionamento da radiologia convencional, da angiografia, da Tomografia Computorizada, e da Ressonância Magnética, é baseado na radiação electromagnética, como se discriminará ao longo deste capítulo. a) Medição da Radiação Em termos médicos de radiologia e imagiologia, a par das grandezas já definidas e explicitadas em capítulos anteriores, é usual utilizarem-se as seguintes definições e grandezas, mais específicas: • Exposição – é um termo utilizado para exprimir a intensidade da radiação de um feixe de raios X, e mede a capacidade dessa radiação para ionizar o ar, sendo fisicamente definida como a carga eléctrica total libertada por unidade de massa do ar, quando todos os electrões libertados pelas interacções com os fotões são totalmente parados pelo ar. A sua unidade tem sido habitualmente o roentgen (R), todavia, no Sistema Internacional SI passou a ser o coulomb por kilograma (C/kg), tendo-se, em termos de conversão, 1 R = 2,58 x 10-4 C/kg. • KERMA (Kinetic Energy Released in the Medium) – representa, como o seu próprio nome indica, a energia cinética libertada no meio, sendo definido como a energia cinética transferida dos neutrões e fotões (partículas electricamente neutras) para os protões e electrões (partículas electricamente carregadas, respectivamente com carga positiva e com carga negativa), quando a radiação interage com a matéria. A sua unidade SI é o joule por kilograma (J/kg). 253 • Dose absorvida D – quantifica a quantidade de energia de radiação E absorvida por unidade de massa M do meio absorvente, tendo-se assim: E = D x M. A sua unidade no antigo sistema CGS é o rad (radiation absorbed dose), e é igual a 100 ergs de energia depositada por grama, enquanto que no sistema SI, é o gray (Gy), que é igual a 1 joule de energia depositada por kilograma, tendo-se, por conseguinte, 1 Gy = 100 rad ou 1 rad = 10 mGy. • Factor-f – representa o factor de conversão entre a exposição e a dose absorvida, sendo determinado pela relação entre a dose absorvida D e a exposição X, ou seja, representa o factor de conversão de roentgen para rad, sendo assim: D = f X. Saliente-se que, para energias de raios X em diagnóstico, o factor-f é sensivelmente igual à unidade, e para os ossos está situado entre 4 e 1. • Transferência linear de energia (linear energy transfer LET) – é definida como sendo a energia absorvida pelo meio por unidade de distância atravessada, e é expressa em keV/mm. Evidentemente que, quanto mais elevado for o valor da LET, maior será a dose de radiação e, por conseguinte, mais elevados serão os riscos de exposição no que respeita aos possíveis danos biológicos. • Dose equivalente H – é utilizada para quantificar os danos e os efeitos biológicos resultantes da deposição da radiação ionizante nos tecidos, sendo aplicada essencialmente na protecção contra a exposição a radiações. É definida como sendo o produto entre a dose absorvida D e o factor de qualidade (quality factor QF) da radiação, ou seja: H = D x QF No antigo sistema de unidades CGS, bastante utilizado em Física, a unidade de H é o rem (radiation equivalent man), e, no actual sistema SI, a unidade é o sievert (Sv), tendo-se 1 Sv = 100 rem, e 1 rem = 10 mSv. 254 Note-se que o factor de qualidade QF depende dos valores da LET – para fontes de baixa radiação, isto é, com um valor de LET reduzido (electrões, partículas beta, raios X, e raios gama), tem-se QF = 1; contrariamente, para fontes de elevada radiação, ou seja, com um LET elevado (protões, neutrões, partículas alfa), o QF pode atingir o valor 20. Na imagiologia de diagnóstico assim como na medicina nuclear, a radiação que compreende os raios X, os raios gama, e as partículas beta, tem valores baixos de LET e um factor de qualidade igual à unidade, tendo todas essas radiações aproximadamente os mesmos valores de exposição, de dose absorvida, e de dose equivalente, em unidades CGS (1 R ≅ 1 rad ≅ 1 rem). Saliente-se que, apesar de se ter para estes tipos de radiação as igualdades aproximadas R ≅ D ≅ H, as unidades são diferentes, sendo também fisicamente diferentes os significados de cada uma dessas grandezas. Na prática, estas grandezas são conhecidas como sendo os R’s da radiologia, ou seja, a exposição (R) refere-se à capacidade da radiação em ionizar o ar, a dose absorvida (rad) refere-se à energia absorvida, e a dose equivalente (rem) representa a medida dos efeitos biológicos que poderão resultar da energia absorvida. b) Protecção contra as Radiações A protecção contra as radiações é normalmente concebida e implementada com o objectivo de se evitar a ocorrência de efeitos determinísticos, isto é, previamente conhecidos, e de se minimizar os riscos da radiação estocástica, ou seja, da radiação cujos níveis de risco são conhecidos estatisticamente – diminuindo a dose de radiação. Em radiologia, os procedimentos principais a adoptar para se controlar a exposição às radiações incluem as seguintes metodologias: • Redução do tempo de exposição. Para se assegurar que os utilizadores se encontram sujeitos a doses de radiação aquém dos limites considerados como os máximos admissíveis em termos de segurança, assim como para se monitorizar as práticas de segurança, utilizam-se aparelhos de monitorização pessoais, normalmente por períodos de um 255 mês. Por outro lado, os sistemas de dosimetria pessoal mais comuns são os de dosimetria por filme e os de dosimetria por TLD (Thermoluminescent Dosimetry), sendo a primeira a mais utilizada. O aparelho é constituído por uma caixa de dimensões reduzidas que contém um pedaço de filme situado entre dois filtros e, após a exposição a radiações, o filme é processado sendo medida a densidade para se estimar a dose baseada na energia média dos fotões, sendo a dose mínima detectável de sensivelmente 0,2 mSv = 20 mrem. No outro aparelho alternativo, de TLD, é utilizado um cristal especial em que os electrões da rede cristalina, normalmente de fluoreto de lítio, são excitados quando se encontram expostos às radiações, emitindo luz, sendo essa quantidade de luz utilizada para estimar a dose de radiação, cujo nível mínimo detectável se situa, como no aparelho anterior, em 0,2 mSv = 20 mrem. • Aumento da distância da fonte da radiação, isto é, do afastamento da fonte, procedimento este que é normalmente seguido pelo pessoal médico hospitalar especialistas em radiologia, e que operam com os diversos equipamentos. • Utilização de blindagem e de colimadores. A blindagem dos técnicos de radiologia é obtida por meio da utilização de uma barreira protectora em chumbo, na medida em que, devido à sua elevada densidade e ao seu elevado número atómico, apresenta uma grande capacidade de absorção de radiação ionizante. Adicionalmente, a utilização de aventais em chumbo reduz os níveis de exposição às radiações de um factor sensivelmente igual a 10. Quanto às salas de radiologia, a sua blindagem é conseguida através da colocação de barreiras, com uma disposição adequada às características da sala. 6.2.2. Radiologia a) Tubo de Raios X e Radiologia Convencional A imagiologia através de raios X processa-se com base na absorção da radiação ionizante constituída por raios X, por parte dos tecidos do corpo humano, dando origem a imagens formadas por sombras. Essa radiação é gerada quando os electrões de alta energia são travados pela matéria, sendo, 256 na prática, produzida num tubo com a configuração exposta na figura 6.1. O tubo de raios X é constituído por uma ampola de vidro evacuada, isto é, onde se fez o vácuo, e onde se encontra um ânodo (eléctrodo positivo) e um cátodo (eléctrodo negativo). No cátodo geram-se electrões através de um filamento de tungsténio com uma resistência eléctrica elevada, e que é aquecido a uma temperatura superior a 2200 oC, por meio de uma corrente eléctrica com uma intensidade de 4 A. Esses electrões são acelerados em direcção ao ânodo devido à aplicação de uma alta tensão eléctrica, de 30 kV a 150 kV, entre o ânodo e o cátodo, chocando os electrões num alvo em tungsténio situado no ânodo, sendo assim travados e originando então os raios X. Por sua vez, estes raios saem da ampola através de uma janela em vidro transparente a esses raios, sendo finalmente colimados por meio de placas de chumbo, com o objectivo de limitar e dirigir o feixe. Figura 6.1 – Esquematização de um tubo de raios X, com todos os seus componentes físicos. Para se aumentar o número de fotões de raios X gerados, é necessário aumentar o número de electrões libertados do cátodo, o que se consegue, por sua vez, através do aumento da intensidade da corrente eléctrica que circula no filamento de tungsténio do cátodo. Adicionalmente, para se aumentar a energia dos fotões deve-se aumentar a tensão eléctrica entre o ânodo e o cátodo. Saliente-se que, quer a regulação da intensidade do feixe (corrente no cátodo), quer a regulação da energia da radiação (tensão ânodo-cátodo), são 257 procedimentos definidos pela técnica de execução, em função de cada caso concreto de diagnóstico. Para se obter as imagens, os raios X atravessam completamente a zona do corpo a ser observada, sendo a radiação absorvida em quantidades diferenciadas consoante os tipos de tecido corporal. Contudo, a obtenção da imagem não é directa, isto é, em tempo real, na medida em que tem que ser captada através da impressão de uma película fotográfica sensível aos raios X, e que terá que ser revelada posteriormente para poder então ser visualizada. b) Fluoroscopia A fluoroscopia é uma técnica moderna de radiologia, que permite obter imagens pelos mesmos princípios dos raios X, todavia, essas imagens não são captadas em películas mas sim convertidas em luz visível através de um intensificador de imagem, sendo mostradas num ecrã ou num monitor de raios catódicos, em tempo real, isto é, instantaneamente enquanto decorre o exame. Na figura 6.2 mostra-se fotograficamente um equipamento de fluoroscopia, utilizado para exames gastro-intestinais, genito-urinários, e para radiografias de rotina. Figura 6.2 – Equipamento Siemens de fluoroscopia, para exames gastro-intestinais, genito-urinários, e para radiografias de rotina. Um outro campo onde se utiliza a fluoroscopia é a cirurgia, na medida em que se torna imprescindível visualizar em tempo real o decorrer das intervenções, mostrando-se na figura 6.3 um equipamento de imagiologia, que permite não 258 só fazer o acompanhamento cirúrgico, mas também armazenar e visualizar as imagens obtidas nos exames pré-operatórios. Por sua vez, na figura 6.4 mostra-se uma imagem fluoroscópica de uma intervenção cirúrgica ortopédica, em que a reconstituição de uma fractura óssea se processou através da introdução de uma prótese interna constituída por dois parafusos metálicos de reforço. Figura 6.3 – Equipamento Siemens de fluoroscopia, para acompanhamento imagiológico cirúrgico. Figura 6.4 – Imagem fluoroscópica de uma intervenção cirúrgica ortopédica, com a utilização de prótese intra-tecido ósseo. 259 c) Radiografia Digital Este tipo de radiografia funciona com os mesmos princípios da fluoroscopia, contudo as imagens finais, além de poderem ser visualizadas num ecrã são também digitalizadas, podendo assim ser armazenadas na memória de um computador, com a finalidade de poderem ser trabalhas, posteriormente à sua obtenção através do exame radiológico. Este tipo de radiografia digital não apresenta as limitações típicas dos pixels, associadas à Tomografia Computorizada e à Ressonância Magnética, na medida em que as imagens não são determinadas por computador mas sim obtidas directamente, apresentando assim uma melhor resolução. A única potencial limitação, facilmente resolúvel, diz respeito à memória de armazenamento, que tem que ser bastante elevada. Nas figuras 6.5 e 6.6 mostram-se dois equipamentos de radiografia digital, o primeiro para aplicações gerais, e o segundo, para exames urológicos. Figura 6.5 – Equipamento Siemens para radiografia digital. Quanto à angiografia digital de subtracção, o seu princípio de funcionamento é similar ao da radiografia digital, contudo utiliza um contraste de elevada absorção, que é injectado através de um cateter nos vasos sanguíneos que se pretende que sejam analisados e estudados. Saliente-se que a angiografia nasceu em 28 de Junho de 1927, quando o Prof. Egas Moniz realizou a primeira arteriografia cerebral, após ter puncionado a carótida de um indivíduo do sexo masculino, e, no ano seguinte, o Prof. Reynaldo dos Santos realizou a primeira aortografia abdominal, através da punção directa da aorta, tendo 260 igualmente realizado as primeiras arteriografias periféricas. Nas figuras 6.7 e 6.8 mostram-se dois equipamentos de angiografia diagnóstica e de intervenção, respectivamente para aplicações vasculares e cerebrais. Figura 6.6 – Equipamento Siemens para radiografia digital urológica. Figura 6.7 – Equipamento Siemens de angiografia diagnóstica e de intervenção vascular. 6.2.3. Tomografia Computorizada Esta técnica de imagiologia funciona exactamente com base no mesmo princípio dos raios X tradicionais, sendo no entanto as imagens tratadas, 261 processadas e reconstruídas através de um computador, que permite converter a informação obtida da radiação transmitida ao paciente em imagens seccionais. Nesta tecnologia, um feixe fino de raios X é rodado em torno do eixo de simetria da secção do paciente que se encontra a ser examinado, por exemplo a cabeça, sendo a imagem reconstruída matematicamente a partir da intensidade do feixe de radiação emitido, em função do ângulo de captação. Evidentemente que essa reconstrução tem como suporte a utilização de algoritmos muito complexos, integrados nos respectivos equipamentos. Figura 6.8 – Equipamento Siemens de angiografia diagnóstica e de intervenção cerebral. Inicialmente, com o advento desta técnica, conseguiam-se obter apenas imagens axiais, ou então com ligeiros ângulos a partir da posição axial, daí a designação antiga de Tomografia Axial Computorizada TAC. Presentemente, com a utilização da TC Espiral, que varre um volume maior de partes do corpo humano, é já possível obterem-se imagens noutros planos, daí que a designação actual desta técnica seja apenas de Tomografia Computorizada TC, mostrando-se na figura 6.9 um destes equipamentos. 6.2.4. Ressonância Magnética Como é sabido, o corpo humano, sendo matéria, é constituído por átomos, dos quais uma grande proporção é de hidrogénio, átomos estes que são consti- 262 tuídos, por sua vez, apenas por um protão e por um electrão giratório. Ou seja, como se tem uma única carga positiva e uma única carga negativa, se se atender ainda a que os núcleos atómicos rodam sobre si próprios, então esses núcleos comportam-se como pequenos magnetos permanentes. Figura 6.9 – Equipamento Siemens de tomografia computorizada. Quando esses pequenos magnetos permanentes são colocados sob a acção de um campo magnético, alinham-se com esse campo e rodam em torno do seu eixo, isto é, em torno das linhas de força do vector intensidade do campo magnético, movimento este semelhante ao movimento de rotação de um pião, e que é designado por precessão, dependendo a rapidez do movimento directamente da intensidade do campo magnético. Por outro lado, quando o campo magnético a que se submetem os núcleos de hidrogénio apresenta uma frequência exactamente igual à frequência da sua precessão, frequência essa que se encontra na banda das ondas de rádio, os núcleos conseguem absorver a energia do campo, ou seja, dá-se um fenómeno de ressonância, invertendo os núcleos o seu sentido de rotação, passando a ficar alinhados em sentido contrário ao do campo magnético. Quando o campo magnético de RF é desligado, os núcleos deixam de absorver energia do campo magnético, passando então a ser eles próprios a emitir radiação, radiação esta que é captada por uma antena que a transforma num sinal de corrente eléctrica, que irá assim permitir a construção da imagem pretendida. 263 Saliente-se que cada tecido do corpo humano, devido à sua composição química diferente e ao seu estado físico, reemite a radiação absorvida a uma taxa diferente, denominada tempo de relaxação do tecido. A codificação espacial necessária à obtenção das imagens resulta da utilização de gradientes, isto é, de variações, da intensidade do campo magnético o que faz com que cada núcleo tenha uma frequência de precessão única, correspondente a uma determinada localização no tecido sob observação. Como a reemissão da energia absorvida pelos núcleos de hidrogénio se processa de uma forma exponencial e depende da temperatura dos tecidos e da intensidade do campo magnético, e, além disso, como cada tecido apresenta uma estrutura molecular e morfológica próprias, o tempo de reemissão varia de tecido para tecido, o que permite obter imagens com um contraste entre os vários tecidos observados. Os avanços recentes no que respeita à velocidade de aquisição de sinais, com a técnica de Imagem Eco Planar (Eco Planar Imaging EPI), permitem obter imagens cardíacas em tempo real. Além da imagiologia pura, a RM permite a obtenção de espectros químicos localizados, devido à variação da frequência de precessão dos núcleos de hidrogénio inseridos em moléculas diferentes. Atendendo a que, na RM, se têm núcleos submetidos a campos magnéticos, e ainda a que esses núcleos absorvem radiação em ressonância, esta técnica de imagiologia foi inicialmente designada com Ressonância Magnética Nuclear, passando modernamente a ser nomeada apenas como Ressonância Magnética, devido às conotações negativas do vocábulo nuclear. É ainda de salientar que a RM se tem vindo a transformar na tecnologia de eleição em imagiologia, devido não só às complexas técnicas que utiliza, mas também pelo facto de permitir obter informações biológicas tanto anatómicas como funcionais, nos domínios da angiografia, difusão, perfusão, e funcionamento cerebral, sendo de momento a única técnica que permite a caracterização química dos tecidos. Na figura 6.10 apresenta-se um equipamento de ressonância magnética de 1,5 T. Note-se que, na prática, para que se consiga excitar os núcleos dos átomos de hidrogénio, os campos magnéticos a utilizar nos equipamentos de RM apresentam densidades de fluxo bastante elevadas, cujos valores normalizados são 1,5 T e 3 T. Para que se tenha uma ideia desta ordem de grandeza, 264 as densidades de fluxo nos circuitos magnéticos de grandes máquinas eléctricas situam-se entre 0,90 T e 0,95 T. Figura 6.10 – Equipamento Siemens de ressonância magnética de 1,5 T. Saliente-se que, apesar da TC e da RM resultarem da interferência da energia com a matéria, as suas géneses são completamente diferentes, daí que seja natural que as expressões iconográficas não apresentem quaisquer semelhanças e, consequentemente, também as semiologias, que incluem como é óbvio a interpretação, sejam também bastante diferentes. Por um lado, a TC resulta da interferência entre a radiação ionizante X e a nuvem electrónica dos átomos, enquanto que na RM essa interferência processa-se entre uma radiação não-ionizante de rádio-frequência e os protões dos núcleos atómicos do hidrogénio. 6.2.5. Medicina Nuclear Esta medicina é caracterizada pela utilização de metodologias complementares de diagnóstico, minimamente invasivas, e que, para a sua execução, requerem apenas uma simples administração intravenosa de um radiofármaco. Adicionalmente, as doses de radiação absorvidas pelos pacientes são, de um modo geral, similares ou inferiores às das técnicas radiológicas convencionais, com raios X. A medicina nuclear, daí a sua designação, utiliza substâncias radioactivas com fins diagnósticos ou, com menor frequência, com objectivos 265 terapêuticos. No caso da terapêutica, possibilita o tratamento por meio da interacção que se estabelece entre o paciente e as radiações recebidas, enquanto que, no caso das aplicações diagnósticas, as substâncias radioactivas fornecem informações relativas ao comportamento biológico através da detecção externa das radiações emitidas. De um modo geral, as técnicas radiológicas dependem das alterações da estrutura e da morfologia dos tecidos biológicos, para se detectar a existência de anomalias e de doenças, enquanto que as imagens geradas pela técnica de medicina nuclear, imagens essas designadas por cintigrafias, devem ser interpretadas como imagens funcionais, que poderão desempenhar uma acção importante na detecção precoce das doenças, na medida em que as disfunções precedem as alterações morfológicas. Os métodos radioisotópicos são baseados na utilização de traçadores radioactivos cujo comportamento bioquímico e fisiológico é idêntico ao da substância estável, e, sendo administrados em quantidades muito reduzidas, não provocam mudanças nos processos fisiológicos, permitindo assim o estudo das funções sem haver alteração dessas mesmas funções. A câmara gama, que se mostra na figura 6.11, é o equipamento mais utilizado em medicina nuclear, permitindo a obtenção de imagens planares e tomográficas. Esta câmara é essencialmente constituída por um sistema de detecção de raios gama – por exemplo, um cristal de iodeto de sódio activado com tálio –, convenientemente colimado, assim como por outros dispositivos de processamento dos impulsos eléctricos obtidos como consequência da interacção das radiações gama com o cristal detector. Além das funcionalidades tomográficas, as câmaras gama possibilitam igualmente o tratamento informático dos dados obtidos, permitindo a detecção, o registo, a análise, e a quantificação das alterações que se verificam na distribuição e troca de constituintes dos tecidos biológicos, em órgãos ou outras regiões do corpo, em observação no exame nuclear. A exploração da quantificação das alterações tem vindo a contribuir, de modo significativo, para a valorização das aplicações clínicas deste tipo de medicina, como por exemplo a ventriculografia de radionúclidos, a cintigrafia renal, e a quantificação em Tomografia por Emissão Fotónica Simples (Single Photonic Emission Computerized Tomography SPECT), e em Tomografia por Emissão 266 de Positrões (Positrons Emission Tomography PET). Na figura 6.12 mostra-se um outro equipamento de medicina nuclear, com tecnologia PET – TC. Figura 6.11 – Câmara gama de medicina nuclear Siemens, com dois detectores e tecnologia SPECT – TC. Figura 6.12 – Equipamento de medicina nuclear Siemens, com tecnologia PET – TC. As imagens cintigráficas obtidas são não só funcionais, mas também quantificativas, o que se traduz na obtenção de mais-valias no que respeita às informações adicionais relacionadas com os processos fisiológicos. A obtenção de imagens de um modo dinâmico possibilita a visualização dos movimentos do traçador radioactivo, independentemente desses movimentos serem de natureza passiva (circulação sanguínea, difusão), ou de natureza activa 267 (secreções, excreções). A localização e a dinâmica das substâncias radioactivas administradas nos tecidos biológicos encontram-se relacionadas com determinadas actividades e funções biológicas, daí que se consigam obter imagens com informações funcionais e anatómicas, em simultâneo. A medicina nuclear tem-se vindo a desenvolver essencialmente devido aos grandes progressos verificados nos sistemas de aquisição e processamento de dados, englobando sinais e imagens. A tendência actual aponta para a adopção de equipamentos não só como aquele que se mostra na figura 6.11, em que, através de um simples registo se fundem imagens funcionais, obtidas por meio de uma câmara gama, com imagens morfológicas, conseguidas através da Tomografia por Emissão Fotónica Simples SPECT (sistema SPECT – TC), mas também da Tomografia por Emissão de Positrões PET, utilizada em equipamentos como o que se mostra na figura 6.12 (sistema PET – TC). 6.3. ANGIOGRAFIA DIAGNÓSTICA Esta técnica nasceu em 1927, com o Prof. Egas Moniz, mais tarde Prémio Nobel da Medicina, ao realizar a primeira arteriografia cerebral e, no ano seguinte, foi a vez do Prof. Reynaldo dos santos efectuar a primeira aortografia abdominal. Todavia, foi só em 1953 que Seldinger desenvolveu um novo método de angiografia por via percutânea transfemoral, o que representou um passo muito significativo para o progresso e expansão deste meio de diagnóstico. Em termos evolutivos, a angiografia diagnóstica inicial continha unicamente informações analógicas, ou seja, informações das imagens de uma forma contínua, com a apresentação das várias áreas de enegrecimento, ao passo que, na angiografia de subtracção digital as imagens analógicas são digitalizadas, isto é, tornadas descontínuas. Neste processo de conversão, a imagem é, em primeiro lugar, gerada no equipamento de televisão por meio de um intensificador de imagem, sendo esta imagem analógica de vídeo digitalizada de seguida através de um conversor analógico-digital, com a finalidade de ser memorizada e tratada por computador. Uma das primeiras imagens digitais obtidas, por conseguinte ainda antes da injecção do líquido de contraste no paciente, irá servir de máscara, ou seja como base de referência para as imagens seguintes a obter no exame. Essa máscara é então subtraída das 268 imagens subsequentes obtidas no exame, portanto após a injecção do líquido de contraste, daí que se irá visualizar apenas o percurso do vaso sanguíneo por onde circula o contraste. É exactamente devido a esta subtracção que este meio de diagnóstico se designa por angiografia de subtracção digital. Adicionalmente, a administração intra-arterial do contraste iodado permite, através da sua concentração, que se atinja um bom aproveitamento da intensificação electrónica do contraste na geração das imagens, como se mostra na figura 6.13. Figura 6.13 – Angiografia de subtracção digital da carótida. Comparativamente com a angiografia analógica de diagnóstico clássica, a angiografia intra-arterial de subtracção digital apresenta o seguinte conjunto de vantagens: • Utilização de uma menor quantidade de líquido de contraste. • Menor concentração do líquido de contraste. • Possibilidade de se utilizarem cateteres de pequeno calibre. • Custos de utilização mais reduzidos (número de películas, meios de contraste, arquivos). • Tempos de exame mais reduzidos, o que possibilita a realização de um maior número de exames por unidade de tempo, rentabilizando mais rapidamente o investimento com a aquisição do equipamento. 269 Enquanto que a angiografia convencional era utilizada apenas na avaliação e análise das estruturas vasculares e no diagnóstico de tumores no rim, fígado e pâncreas, a moderna angiografia digital é aplicada no diagnóstico de: • Lesões isquémicas. • Lesões traumáticas. • Hemorragias. • Tumores. • Anomalias vasculares congénitas. • Transplantes. • Aneurismas. • Lesões venosas. 6.4. MAMOGRAFIA O cancro da mama representa actualmente a doença maligna que mais afecta a mulher e, apesar da sua incidência ter vindo a aumentar, a taxa de mortalidade, que se manteve estável até 1995, encontra-se em decrescimento, possivelmente devido à maior utilização do rastreio mamográfico, fruto das campanhas de saúde pública que têm vindo a ser realizadas. De acordo com estudos epidemiológicos realizados, as mulheres com idade compreendida entre 40 e 49 anos deverão efectuar o rastreio anualmente, enquanto que, acima dos 50 anos, esse rastreio deverá ser realizado bienalmente. Em termos anatómicos, a base da mama adulta situa-se entre a 2ª e a 6ª costelas, na linha clavicular média, e encontra-se quase totalmente sobre o músculo grande peitoral, estendendo-se o tecido mamário desde o bordo lateral do externo até à linha axilar anterior e à axila. Por outro lado, a espessura da pele situa-se entre 0,5 mm e 2 mm, encontrando-se, imediatamente por baixo dela, a fáscia superficial que divide a mama em duas regiões – região superficial e região profunda. Adicionalmente, a glândula é fixa à fáscia e aos músculos peitorais por meio dos ligamentos de Cooper, que são cordões fibrosos que se estendem da derme profunda ao tecido mamário subjacente. Macroscopicamente, a mama é formada por 15 a 20 segmentos ou lobos, incluindo cada lobo os lóbulos e os ductos excretores que drenam, através do ducto lactífero, no mamilo. 270 Em termos de composição geral, os seios apresentam-se em quatro padrões: • Mama adiposa, que é essencialmente hipertransparente. • Mama com densidades fibroglandulares dispersas, e que apresentam uma densidade intermédia. • Mama com tecido mamário denso e heterogéneo. • Mama com tecido mamário muito denso. Este padrão, assim como o anterior, é caracterizado pela hipotransparência, que faz diminuir a sensibilidade da mamografia no que respeita a detecção de pequenas lesões, o que justifica a realização de estudos clínicos complementares, através da recorrência à ultrassonografia (ecografia). Saliente-se que o padrão mamário varia não só com a idade mas também com o estado hormonal da mulher, apresentando as mulheres em idade jovem uma densidade elevada, enquanto que, na idade pós-menopausa e na ausência de terapêutica hormonal, a mama tem características adiposas. A utilização da radiologia no diagnóstico mamário teve o seu início em 1913, quando o médico cirurgião alemão Albert Salomon realizou a primeira mamografia. A partir dessa data, e devido à complexidade técnica deste tipo de exame clínico, a sua imagiologia específica tem vindo a sofrer uma evolução tecnológica notável, existindo actualmente equipamentos bastante complexos que permitem efectuar todo o tipo de exames, com uma minúcia e um grau de precisão elevadíssimos. A mamografia continua a ser, ainda hoje, o meio de diagnóstico gold standard, como afirma a Doutora Isabel Ramos, Professora Catedrática da Faculdade de Medicina da Faculdade do Porto, no estudo das patologias mamárias. Contudo, apesar da elevadíssima sofisticação dos equipamentos existentes, a qualidade do exame depende ainda bastante da utilização mais adequada desses equipamentos, assim como da experiência de quem realiza o exame. Na figura 6.14 mostra-se um equipamento moderno de mamografia, digital, que permite a visualização de imagens em tempo real, o diagnóstico de eventuais anomalias, a realização de biopsias, e o processamento e tratamento posterior das imagens obtidas. É caracterizado ainda pela sua elevada resolução não só espacial mas também do contraste das imagens, e possui um tubo de raios X construído com o ânodo em tungsténio e molibdénio, que assegura uma dose 271 de radiação cerca de 50 % inferior à dos equipamentos de raios X convencionais. Além disso, como se esquematiza na figura 6.15, a intensidade do feixe de raios X adapta-se automaticamente ao padrão mamário, aumentando assim o rigor dos exames, tornando-os menos dependentes das intervenções dos radiologistas. Figura 6.14 – Equipamento Siemens de mamografia digital. Figura 6.15 – Regulação automática da intensidade do feixe de raios X em função do padrão mamário. Após um exame mamográfico, em primeiro lugar deve-se avaliar a qualidade desse exame e, em seguida, efectuar os seguintes procedimentos clínicos: • Determinar a composição geral da mama. • Analisar a existência ou não de lesões. • Confirmar se a(s) lesão(ões) é(são) reais. • Localizar essas lesões, se de facto existirem. 272 6.5. TOMOGRAFIA COMPUTORIZADA A tomografia computorizada (TC), resulta da evolução tecnológica natural da imagiologia radiológica convencional baseada nos raios X que, devido à sua elevada energia, tem a capacidade de atravessar corpos e objectos. A TC foi inicialmente descrita em 1973 por Godfrey Hounsfield, investigador dos laboratórios Thorn-EMI, num artigo científico publicado na revista inglesa British Journal of Radiology, e consiste na reconstrução, através de métodos computacionais, dos dados obtidos por varrimentos sucessivos de uma mesma região do corpo humano, com radiação X, com uma alteração sucessiva das posições relativas entre o feixe da radiação e o objecto em exame. Por conseguinte, as imagens assim obtidas representam, cada uma delas, um corte localizado, ou seja, uma fatia axial, com uma espessura compreendida entre 1 mm e 10 mm, daí a designação inicial desta técnica – Tomografia Axial Computorizada (TAC). Para melhor compreensão, apresenta-se na figura 6.16 uma imagem no plano axial do tórax. Figura 6.16 – Corte de TC no plano axial do tórax. Em termos de blocos funcionais, os equipamentos de TC são normalmente constituídos pelos seguintes módulos: • Gerador de alta tensão, para a alimentação ânodo-cátodo do tubo gerador de raios X. • Conjunto mesa/gantry, estando o tubo de raios X, os sistemas de detecção da radiação, e os conversores analógico-digitais inseridos no gantry. 273 • Computador, que assegura a gestão de todo o sistema assim como o processamento digital dos dados recolhidos. • Consola de operação e de visualização das imagens. • Sistema de armazenamento das imagens. Os equipamentos actuais encontram-se equipados com 600 a 800 detectores dispostos lado a lado, e emitem feixes de radiação em leque, o que evita a existência de movimento de translação e torna mais rápida a aquisição de dados. Além disso, para cobrirem toda a área do corpo humano sujeita a exame tomográfico, dispõem de um sistema de rotação síncrono “tubo de raios X – detectores”, ou de outro sistema alternativo, em que os detectores estão fixos, girando apenas o tubo. Já nos anos 90 do século passado, foram disponibilizados equipamentos com mais um grau de liberdade, em que, associado ao movimento rotativo síncrono “tubo – detectores”, se tem igualmente o movimento longitudinal incremental da mesa onde se encontra o paciente, o que permite a aquisição de dados de uma forma contínua – aquisição helicoidal –, como se esquematiza na figura 6.17. Figura 6.17 – Aquisição de dados helicoidal. Atendendo a que esta aquisição é realizada em modo contínuo ao longo de uma espiral, os dados obtidos deixam de ter uma distribuição plana, ou seja, bidimensional, mas sim volumétrica, isto é, tridimensional. Esta técnica permite assim que, além da reconstrução clássica em cortes bidimensionais fatia a fatia, sejam ainda possíveis outras reconstruções, como a SSD (Surface 274 Shaded Display), a MIP (Maximum Intensity Projection), e a mIP (minimum Intensity Projection), conseguindo-se assim a representação de superfícies sombreadas em volume e profundidade (SSD), assim como a representação de estruturas com um valor de voxel acima (MIP) ou abaixo (mIP) de um determinado limiar previamente seleccionado pelo radiologista. Para melhor entendimento, veja-se seguidamente quais os conceitos de pixel e de voxel. Para isso, considere-se a figura 6.18, em que se tem uma matriz de imagem (corte), com uma dada espessura e constituída por um determinado número de elementos rectangulares. Esta imagem genérica corresponde, grosso modo, à imagem reconstruída computacionalmente num equipamento de TC, sendo assim formada por um conjunto bidimensional de elementos – os elementos rectangulares –, que são designados por pixels (aglutinação de picture element), tendo cada um deles um valor codificado para a sua representação numa escala a preto e branco. O pixel representa a base rectangular de um elemento de volume paralelepipedal, designado por voxel, correspondendo a altura desse paralelepípedo à espessura da imagem. Figura 6.18 – Matriz de imagem (corte) obtida na TC. A TC posiciona-se, em conjunto com a Ressonância Magnética, na moderna imagiologia, permitindo a disponibilização das imagens obtidas nos exames e o seu armazenamento digital, para que, posteriormente, possam ser processadas e enviadas electronicamente, sem perda de qualidade. Uma área de diagnóstico onde a TC se destaca são os estudos das estruturas vasculares, clinicamente designados por angio-TC, na medida em que representam uma 275 associação da angiografia com a tomografia, sendo de salientar que a angio-TC é actualmente a técnica de diagnóstico do tromboembolismo pulmonar. Apesar de, actualmente, o peso da RM como técnica diagnóstica em termos morfológicos suplante a TC, sem dúvida que a TC resolve bastantes problemas clínicos que exigem uma resposta imediata e pouco onerosa, em relação à imagiologia. Além disso, existem situações clínicas exequíveis apenas por recorrência à TC, como sucede com as lesões ósseas e as calcificações, praticamente não identificáveis na RM. Por conseguinte, pode-se afirmar que a TC e a RM são técnicas de imagiologia complementares. 6.6. RESSONÂNCIA MAGNÉTICA A par da Tomografia Computorizada, a Ressonância Magnética é a técnica de imagiologia que tem experimentado um dos maiores desenvolvimentos nos últimos anos, sendo a não utilização de radiação electromagnética ionizante assim como a sua excelente resolução espacial e de contraste, as suas principais vantagens. Como é do conhecimento geral, o corpo humano contém, na sua composição, uma percentagem muito significativa de água, ou seja, os átomos de hidrogénio são os que existem em maior número no corpo. Estes átomos são, por sua vez, constituídos apenas por um electrão, que tem carga eléctrica negativa, e por um núcleo onde existe também apenas um protão, que possui carga eléctrica positiva. Adicionalmente, o núcleo roda sobre si próprio, isto é, possui um spin, criando assim um pequeno campo magnético o que faz com que o protão seja semelhante a um pequeno magneto. Quando se submete o paciente à acção de um campo magnético, gerado através de uma onda de rádio-frequência, os protões giram em torno do seu eixo, movimento de rotação esse que se designa por precessão e cuja frequência depende da intensidade do campo magnético aplicado. Ao mesmo tempo, os protões irão alinhar-se com o campo, em paralelo ou em antiparalelo, existindo mais protões na primeira situação, na medida em que se trata de um nível menos energético, conduzindo à formação de um campo magnético do próprio paciente, e que apresenta uma direcção longitudinal em relação à direcção do campo exterior. Quando a onda magnética de RF tem a mesma frequência da precessão protónica, dá-se um fenómeno de ressonância, e os protões absorvem energia, 276 saindo assim do nível de menor energia (paralelo), para o nível de energia mais elevada (antiparalelo), diminuindo desse modo a magnetização longitudinal. Ou seja, surge uma nova magnetização, transversal à direcção do campo magnético aplicado externamente. No passo seguinte, quando se desliga a radiação de RF externa, dá-se um aumento da magnetização longitudinal, uma vez que os protões vão perdendo a energia acumulada, regressando ao nível de menor energia. Esta relaxação longitudinal, que traduz o retorno progressivo dos núcleos ao seu estado natural à medida que vão libertando a energia acumulada, é descrita através de uma constante temporal T1 – tempo de relaxação –, que é tanto menor quanto mais eficiente for essa libertação energética e vice-versa, sendo de salientar o facto dos tecidos adiposos, isto é, a gordura, apresentar o menor tempo de relaxação. A variação da magnetização transversal, que depende do grau de mobilidade entre moléculas, é descrita pelo tempo de relaxação T2, que é tanto maior quanto mais elevada for a mobilidade e vice-versa. No caso da água, como a mobilidade das suas moléculas é elevada, o tempo T2 é relativamente longo. No que respeita aos tecidos biológicos, os que são ricos em colagénio, fibras, e proteínas, apresentam um T1 baixo/intermédio, e um T2 baixo, enquanto que os tecidos ricos em água, como por exemplo o edema, as inflamações, as necroses, os quistos, as hemorragias, os tumores, têm um T1 baixo e um T2 elevado. Por conseguinte, patologias diferentes poderão apresentar sinais similares, como por exemplo um edema e um tumor, e, por outro lado, o mesmo processo patológico pode apresentar características de sinal diferentes, se houver alguma alteração nos tecidos. Por exemplo, se houver uma alteração da composição e estrutura de um tecido, como sucede com o aparecimento de tumores num tecido são, o sinal também se altera, permitindo assim a detecção da anomalia tecidular. A combinação da RM com a angiografia, isto é, com a administração de contraste, nomeadamente de quelatos de gadolínio, permite aumentar a capacidade de detecção e de caracterização das lesões, sendo estes contrastes de administração bastante segura e sem contra-indicações, mostrando-se na figura 6.19 uma angio – RM da aorta abdominal. 277 Figura 6.19 – Angio – RM, de uma prótese da aorta abdominal, com aquisição volumétrica ponderada em T1, e com contraste de gadolínio. Apesar das grandes potencialidades e dos progressos notáveis da RM, a sua utilização está contra-indicada na presença de material ferromagnético e em pacientes que tenham pacemakers implantados, mesmo estando inactivos. Note-se que, em pacemakers activos, o campo magnético aplicado pelo equipamento de RM provoca interferências electromagnéticas nos circuitos electrónicos do pacemaker, podendo conduzir não só ao aparecimento de frequências de funcionamento diferentes, mas também à sua imobilização, com consequências muito graves. Por outro lado, devido ainda às linhas de força do campo magnético de RM, tanto a estrutura metálica do pacemaker, activo ou inactivo, assim como as próteses metálicas ferromagnéticas, serão sede de forças electromotrizes geradas com base na lei de indução de Faraday, que, por sua vez, darão origem a correntes de Foucault, que são correntes de curto-circuito de elevada intensidade, provocando aquecimentos muito perigosos nos tecidos biológicos circundantes. A RM utiliza-se na imagiologia do sistema nervoso central, do tórax, do abdómen, da pélvis, do sistema músculo-esquelético, e em angiologia, sendo previsível que, além da realização de exames morfológicos, seja possível a realização de estudos funcionais. 278 6.7. OBSERVAÇÕES FINAIS Para melhor compreensão dos assuntos expostos nos Capítulos 5 e 6, relativamente às aplicações terapêuticas e às aplicações médicas dos campos electromagnéticos, apresenta-se no quadro 6.1 um resumo de todas as técnicas que se apresentaram, assim como as respectivas bases físicas. Técnicas Bases físicas Aplicações terapêuticas Estimulação Magnética Transcraniana Campo magnético Estimulação Eléctrica Óssea, por Eléctrodos (invasiva) Campo eléctrico Estimulação Eléctrica Óssea Capacitiva Campo eléctrico Estimulação Eléctrica Óssea Magnética Campo magnético Tratamento por Hipertermia Rádio-frequência Ablação de Rádio Frequência, por Eléctrodos (invasiva) Rádio-frequência Radioterapia Oncológica Fotões/radiação gama Terapia de Partículas Protões de hidrogénio, iões de carbono Aplicações médicas em imagiologia Radiografia Raios X Fluoroscopia Raios X Imagiologia Cirúrgica Raios X Angiografia Raios X Tomografia Computorizada Raios X Ressonância Magnética Rádio-frerquência Medicina Nuclear SPECT-TC e PET-TC / Câmara Gama Raios X, raios gama Mamografia Raios X Urologia Raios X Quadro 6.1 – Aplicações terapêuticas e aplicações médicas em imagiologia, dos campos electromagnéticos. Nos textos anteriores não se desenvolveu de uma forma pormenorizada os princípios físicos assim como os desenvolvimentos recentes no que respeita a uma das aplicações terapêuticas modernamente utilizadas na cura do cancro, 279 que é a terapia de partículas. Por outro lado, e da mesma forma, também não se expôs o princípio físico de uma outra aplicação médica de imagiologia, que é a ecografia, na medida em que o seu funcionamento se baseia apenas nas ondas sonoras, mais concretamente nos ultrassons. Contudo, para se terminar este capítulo, apresenta-se uma descrição destas duas aplicações, dada a sua elevada importância na medicina actual. 6.7.1. Terapia de Partículas Como é sabido, e apesar de se verificarem algumas excepções, a probabilidade de se contrair cancro aumenta com a idade, sendo uma das preocupações actuais das autoridades sanitárias, sobretudo em países desenvolvidos, devido exactamente não só ao aumento considerável da esperança média de vida mas também pelos hábitos de vida que, numa franja significativa da população, não são os mais adequados para se assegurar uma existência isenta de problemas de saúde. Na prática, o tratamento de tumores cancerígenos tem vindo a ser realizado através de dois processos: • Quimioterapia, que consiste na utilização adequada de radionúclidos, administrados aos pacientes, com a finalidade de destruir as células cancerígenas, destruição essa conseguida pela retenção prolongada dos radiofármacos nos tecidos alvo. Este requisito é normalmente previsto e analisado através de um estudo prévio de diagnóstico, que deve ser realizado antes da administração deste tipo de actividade terapêutica. Além das aplicações terapêuticas em casos benignos – por exemplo, hipertiroidismo e artrite reumatóide –, este tipo de tratamento é também utilizado nas situações malignas, sendo a mais importante o carcinoma da tiróide, onde se tem vindo a aplicar, há mais de 50 anos, o radioisótopo iodo-131. Outras aplicações desta técnica incluem o tratamento de doenças mieloproliferativas, com o fósforo-32, de tumores derivados da crista neural, e o tratamento paliativo de metástases ósseas – carcinomas da próstata e da mama –, utilizando-se o estrôncio-89, o rénio-186 ou o samário-153. • Radioterapia, em que os tecidos cancerígenos são bombardeados através de feixes concentrados de fotões de elevada energia, como 280 sucede com a radiação gama, com uma energia fotónica da ordem de 18 MeV. Nos últimos dez anos, graças aos esforços de investigação que têm vindo a ser desenvolvidos pela multinacional Siemens, em parceria com hospitais, centros de investigação, e universidades alemãs e americanas, a radioterapia sofreu avanços notáveis, tendo sido desenvolvidos equipamentos de radioterapia que utilizam protões de hidrogénio, com uma energia de 135 MeV. Adicionalmente, os radiologistas que desenvolvem investigação neste tipo de terapêutica constataram que a utilização de iões pesados de carbono, com uma energia de 250 MeV, como o provam estudos realizados no Japão, conduziram a resultados significativos no que respeita ao tratamento de tumores oculares, da próstata, do pescoço, e da cabeça, daí que a utilização deste tipo de partículas seja já aceite com bastante confiança. A grande vantagem desta nova terapêutica, designada por terapia de partículas, quando comparada com a radiologia oncológica convencional com bombar-deamento de fotões, reside essencialmente no facto de se dosear com uma elevada precisão a quantidade de radiação necessária a concentrar no tecido tumoral, poupando os tecidos sãos envolventes, como se mostra na figura 6.20. Conforme se pode constatar, na radiologia clássica a dose máxima é atingida nos tecidos sãos, muito próximos da superfície da pele, ou seja, a uma profundidade reduzida, enquanto que, com protões de hidrogénio e iões de carbono, essa dose máxima é sempre atingida no interior do tecido tumoral, sendo bastante mais reduzida nos tecidos sãos adjacentes. Por outro lado, atendendo ainda a que as energias são significativamente mais elevadas na terapia de partículas, o feixe de radiação é bastante mais eficiente. A situação expressa no ábaco exposto na figura 6.20, é conseguida na prática, no equipamento projectado e desenvolvido pela Siemens, equipamento esse que se mostra na figura 6.21, através da utilização de tecnologia extremamente avançada, nos domínios não só da física das partículas mas também da engenharia electrotécnica, electrónica, mecânica e electromecânica. Saliente-se que esse equipamento contém um acelerador linear de partículas, assim como um sistema de posicionamento altamente sofisticado, que permite 281 localizar e circunscrever a área tumoral com uma precisão inferior a um milímetro, e ainda um outro sistema de scanning, designado por pencil beam scanning (caneta de rastreio do feixe), que permite visualizar toda a operação tridimensionalmente (figura 6.22). Figura 6.20 – Dose relativa de radiação em função da profundidade de penetração, e do tipo de partícula. Figura 6.21 – Equipamento Siemens de terapia de partículas. 282 Figura 6.22 – Esquematização do princípio de funcionamento do equipamento Siemens de terapia de partículas. Do ponto de vista clínico, a terapia de partículas apresenta as seguintes vantagens: • Tratamento de tumores resistentes à radiologia convencional. • Tratamento de tumores profundos, sem sujeitar os tecidos sãos envolventes a doses significativas de radiação. • Tratamento de tumores situados muito próximo de órgãos vitais. • Probabilidade reduzidíssima de desenvolvimento de cancros secundários nos tecidos envolventes dos tumores, devido à concentração de radiação quase exclusivamente no tecido tumoral. • Tratamento de tumores pediátricos, pelos mesmos motivos. 6.7.2. Ecografia A ecografia, também designada por imagiologia de ultrassons, é uma técnica de diagnóstico por imagem baseada no fenómeno da interacção entre ultrassons e tecidos biológicos, ou seja, baseada na reflexão de ultrassons que se propagam no corpo. Os ultrassons utilizados em ecografia têm uma frequência superior a 20 kHz, ou seja, superior ao limite de frequência audível pelo ouvido 283 humano, sendo gerados através do fenómeno piezoeléctrico, isto é, de conversão de impulsos eléctricos em impulsos mecânicos e vice-versa. A velocidade do feixe ultrassónico depende do material atravessado (quadro 6.2), e os ecos gerados a partir das diferentes interfaces entre os tecidos, encontradas no trajecto desse feixe, retornam ao equipamento num intervalo de tempo que é proporcional à sua penetração na área em estudo. A imagem ecográfica é assim constituída pelos efeitos acústicos derivados da interacção entre a onda sonora e o tecido biológico. Na ecografia diagnóstica, a frequência de emissão acústica apresenta os seguintes valores típicos: • 2 MHz – estudos cardíacos, transcranianos, e abdominais profundos. • 3,5 MHz – exames abdominais e pélvicos. • 5 MHz – exames abdominais e endocavitários. • 10 MHz – avaliação de estruturas superficiais, que incluem os vasos sanguíneos, e os tecidos moles, e exames endoscópicos. • Até 20 MHz e frequências superiores – estudos da pele, olhos e vasos sanguíneos. Tecidos Velocidades (m/s) Ar 340 Gordura 1450 Água 1540 Rim 1560 Sangue 1570 Músculo 1585 Cristalino 1620 Osso 3200 Metais > 4000 Quadro 6.2 – Velocidade dos ultrassons em diversos tecidos. Os ultrassons, ao propagarem-se no interior do corpo humano, são reflectidos em cada interface entre dois tecidos, sendo uma parte da onda que é transmitida e outra que é reflectida. No quadro 6.3 mostra-se as percentagens da energia reflectida de uma onda acústica ultrassonora, que incide perpendicularmente à interface entre diversos tecidos biológicos. 284 Interface Músculo Fígado Sangue Osso Músculo ----- 0,02 0,1 41 Fígado 0,02 ----- 0,02 42 Sangue 0,1 0,02 ----- 43 Gordura 1,1 0,8 0,6 49 Quadro 6.3 – Percentagem da energia reflectida de uma onda de ultrassons. Para finalizar, apresenta-se na figura 6.23 um equipamento de ecografia, e na figura 6.24 uma ecografia tridimensional do rosto de um bebé no ventre materno. Figura 6.23 – Equipamento Siemens de ecografia. Figura 6.24 – Imagem ecográfica de um bebé em gestação. 285 BIBLIOGRAFIA 1. Livros [1] – John D. Kraus, “Electromagnetics”. McGraw-Hill International Editions, Electrical Engineering Series, fourth edition, New York, USA, 1991. [2] – Riadh W. Y. Habash, “Electromagnetic Fields and Radiation. Human Bioeffects and Safety”. Marcel Dekker, Inc., New York, USA, 2002. [3] – João Martins Pisco (coordenador), “Imagiologia Básica. Texto e Atlas”. Lidel – edições técnicas, Lisboa, Setembro de 2003. [4] – Peter Stavroulakis (editor), “Biological Effects of Electromagnetic Fields”. Springer-Verlag, Berlin, Germany, 2003. [5] – Gunni Nordström, “The Invisible Disease. The Dangers of Environmental Illnesses caused by Electromagnetic Fields and Chemical Emissions”. O Books, Winchester, UK, 2004. [6] – Frank S. Barnes, Ben Greenebaum (editores), “Biological and Medical Aspects of Electromagnetic Fields”. CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, Florida, USA, 2007. [7] – Frank S. Barnes, Ben Greenebaum (editores), “Bioengineering and Biophysical Aspects of Electromagnetic Fields”. CRC Press, Taylor & Francis Group, Boca Raton, Florida, USA, 2007. Como se pode constatar, esta bibliografia encontra-se ordenada por ordem crescente do ano de publicação e, para o mesmo ano, por ordem alfabética do primeiro nome dos autores. A estrutura deste nosso livro de apoio, no que respeita aos conteúdos e às imagens e esquemas inerentes aos capítulos 1 a 4, baseia-se essencialmente na ref. [2], que consideramos ser uma excelente obra de referência neste domínio. A referência [1] é bastante importante no que concerne ao estudo dos campos electromagnéticos, incluindo o campo magnético terrestre e a distribuição electromagnética na atmosfera, cujos esquemas incluímos no capítulo 2. Quanto às referências [4], [6] e [7], contêm diversos trabalhos de investigação extremamente importantes, tendo contribuído para a elaboração do capítulo 5, no que respeita às aplicações médicas e terapêuticas dos campos electromagnéticos. Por sua vez, a ref. [3], que é uma excelente obra de referência no domínio da imagiologia médica, foi essencial para a elaboração do capítulo 6, tendo nós utilizado diversas figuras 286 existentes no seu conteúdo. No que respeita à ref. [5], é uma obra bastante interessante e honesta, escrita por uma jornalista sueca, que descreve alguns casos de efeitos nocivos para a saúde devido à exposição a campos magnéticos, ocorridos nos países nórdicos. Finalmente, importa referir que os livros [2], [4], [6] e [7] apresentam um conjunto notável, e em grande quantidade, de referências bibliográficas que incluem livros, artigos científicos, e relatórios médicos. 2. Internet [1] – Siemens Medical Worldwide, http://www.medical.siemens.com Esta multinacional alemã, do sector eléctrico e electrónico, é actualmente o maior construtor mundial de equipamentos de electromedicina, sendo de grande importância consultar esta sua página na Internet, na medida em que representa uma fonte de conhecimentos extremamente completa e elucidativa sobre as aplicações médicas em imagiologia e terapêutica. A informação recolhida foi essencial para a elaboração de parte do capítulo 5 assim como do capítulo 6, não só em termos de texto escrito mas também das imagens ilustrativas. Com base em Habash [2], apresenta-se seguidamente uma listagem de revistas científicas especializadas na investigação dos efeitos biofísicos dos campos electromagnéticos, assim como uma relação de diversos organismos estrangeiros, relacionados com este tema. 3. Revistas Científicas Advances in Electromagnetic Fields in Living Systems American Journal of Epidemiology American Journal of Public Health Annals of Biomedical Engineering Bioelectromagnetics Biomedical Radioelectronics 287 Biophysical Journal British Medical Journal Cancer Causes and Control Compliance Engineering Computers in Biology and Medicine Electromagnetic Fórum Epidemiology EPRI Journal Health Physics IEEE Proceedings in Medicine and Biology Magazine IEEE Transactions on Antenna and Propagation IEEE Transactions on Biomedical Engineering IEEE Transactions on Electromagnetic Compatibility IEEE Transactions on Microwave Theory and Techniques International Journal of Radiation Biology Journal of Biological Chemistry Journal of Comparative Physiology Journal of Microwave Power Journal of the American Medical Association Journal of Theoretical Biology Nature New England Journal of Medicine Physical Review Physics Today Proceedings of the National Academy of Sciences Public Health Radiation Research 288 Science The Cancer Journal Transmission and Distribution World Wirelesseurope 4. Organismos Estrangeiros Organismos Califórnia EMF Program Coghill Research Laboratories Ltd Electric Words EM Bioprotection EM Facts Consultancy EMF Effects Países USA UK Endereços na internet www.dnai.com/~emf/ www.congresslab.demon. co.uk/ Australia www.electric-words.com/ USA www.emxgroup.com/ Austrália www.tassie.net.au/emfacts/ USA www.thwww.com/mrwizard/ wizardEMF.HTM EMF Guru USA www.emfguru.com/ EMF/RFR Bioeffects and Public Policy USA www.wave-guide.org/ F.A.C.T.S. USA www.flipag.net/nopoles/ FEB Suécia www.feb.se/ Frequently Asked Questions on Cell Phone Antennas and Human Health USA www.mcw.edu/gcrc/cop/cell-phonehealth-FAQ/toc.html Frequently Asked Questions on Power Lines and Cancer USA www.mcw.edu/gcrc/cop/powerlinescancer-FAQ/toc.html Frequently Asked Questions on Static Electromagnetic Fields and Cancer USA www.mcw.edu/gcrc/cop/staticfields-cancer-FAQ/toc.html International EMF Project Suíça www.who.ch/emf/ 289 Less EMF USA www.lessemf.com/emf-news.html Microwave News USA www.microwavenews.com/ NEFTA USA kato.theramp.net/nefta/ NRPB UK OSHA USA www.nrpb.org.uk/ www.osha-slc.gov/SLTC/ radiofrequencyradiation/ Powerwatch UK www.powerwatch.org.uk/ Radiation and Health Physics USA www.umich.edu/~radinfo/ RF Safe USA www.rfsafe.com/ RF Safety Program USA www.fcc.gov/oet/rfsafety/ SARData USA www.sardata.com/ SARTest UK www.sartest.com/ 290 ANEXO 1. PENETRAÇÃO DO CAMPO ELÉCTRICO NOS TECIDOS BIOLÓGICOS 1.1. CAMPO ELÉCTRICO ESTACIONÁRIO Considerem-se 2 meios homogéneos e isotrópicos, 1 e 2, caracterizados respectivamente pelas suas permitividades (ou constantes dieléctricas) ε1 e ε2, e pelas suas condutividades eléctricas σ1 e σ2, separados por uma fronteira plana, como se mostra na figura A1. O meio 1 poderá ser considerado como sendo o ar, o meio 2 como um tecido biológico humano, e a fronteira de separação como a pele que reveste o tecido biológico. Por outro lado, como se mostra ainda na figura A1, as linhas de força do vector intensidade do campo eléctrico E1, do vector deslocamento eléctrico (ou densidade de fluxo eléctrico) D1, assim como do vector densidade de corrente eléctrica J1, no meio 1 (ar), ao incidirem na fronteira de separação (pele) segundo um ângulo de inclinação α1, sofrem um fenómeno de refracção ao penetrarem no tecido biológico, sendo assim desviados no interior do meio 2 segundo um ângulo de inclinação α2. r E1 r D1 meio 1 (ar) ε1 σ 1 ε2 σ 2 r J1 fronteira (pele) r Et 2 r J2 α1 r E n1 r D2 r E2 α2 r Et 1 meio 2 (tecido biológico) r E n2 Figura A1 – Refracção dos vectores intensidade do campo eléctrico E, deslocamento eléctrico (ou densidade de fluxo eléctrico) D, e densidade de corrente eléctrica J, ao penetrarem nos tecidos biológicos, considerando o ar e os tecidos como meios homogéneos e isotrópicos. 291 É sabido, do estudo da electrostática, que se tem uma continuidade das componentes tangenciais do vector intensidade do campo eléctrico, ou seja: Et 1 = Et 2 Por outro lado, se a densidade superficial de cargas eléctricas na fronteira de separação for ρS, tem-se, através do teorema de Gauss: Dn1 − Dn 2 = ρS Atendendo ainda a que os dois meios são isotrópicos, pode-se escrever: Dn1 = ε1 En1 Dn 2 = ε 2 En 2 vindo assim, por substituição: ε1 En1 − ε 2 En 2 = ρS Adicionalmente, para correntes eléctricas estacionárias, isto é, invariantes no tempo (corrente contínua), tem-se: J n1 = J n 2 e, atendendo a que os dois meios são isotrópicos, isto é: J n1 = σ 1 En1 J n 2 = σ 2 En 2 virá ainda: σ 1 En1 = σ 2 En 2 Por conseguinte, tem-se assim, para grandezas estacionárias: Et 1 = Et 2 ε1 En1 − ε 2 En 2 = ρS σ 1 En1 − σ 2 En 2 = 0 292 Atendendo ainda à figura A1, podem-se escrever as seguintes relações trigonométricas: Et 1 tg α1 = tg α 2 = En1 Et 2 En 2 vindo assim: tg α1 Et 1 En 2 E σ = = n2 = 1 tg α 2 Et 2 En1 En1 σ2 ou seja, por simplificação: tg α1 = σ1 tg α 2 σ2 Na prática, como se podem considerar os seguintes valores: • material 1 (ar) : σ1 = 10-13 S/m • material 2 (tecido biológico): σ2 = 10-1 S/m virá, em termos numéricos comparativos: tg α1 = 10 −12 tg α 2 Se o campo eléctrico exterior incidir perpendicularmente à pele, tem-se α1 ≅ 0o (≅ 0,5º), ou seja: tg (0,5o ) = 10 −12 tg α 2 tg α 2 = 1010 α 2 ≅ 90o constatando-se assim que o vector intensidade do campo eléctrico E2 é praticamente paralelo à pele, o que é o mesmo que dizer-se que o campo eléctrico exterior sofre uma refracção sensivelmente igual a 90º ao penetrar nos tecidos biológicos. 293 Fazendo agora: En1 ≈ E1 = Eexterno En 2 ≈ Einterno (campo incidente) (campo absorvido) virá: σ 1 Eexterno ≈ σ 2 Einterno Einterno Eexterno = σ 1 10 −13 ≈ = 10 −12 σ 2 10 −1 concluindo-se deste modo que a intensidade do campo eléctrico interno, no tecido biológico, é insignificante. Na figura A2, extraída de um artigo científico publicado na revista Bioelectromagnetics nº 1, pp. 117-129, em 1980, ilustra-se esquematicamente os valores das densidades de corrente geradas nos tecidos biológicos humanos, do porco e do rato, quando sujeitos a um campo eléctrico vertical, estacionário, respectivamente com as intensidades de 180 kV/m, 67 kV/m e 37 kV/m. Note-se que essas densidades de corrente são devidas às correntes eléctricas que circulam nos tecidos, com origem nos campos eléctricos internos. Como se constata, os seus valores são insignificantes, notando-se que são mais elevados nas zonas de menor secção, como sucede no pescoço, nas pernas, e sobretudo nas articulações. Figura A2 – Densidades de corrente nos tecidos biológicos do homem, do porco, e do rato, quando sujeitos a campos eléctricos verticais estacionários. 294 Por outro lado, se se atender à configuração física humana (vertical, alongada e estreita), e do rato (baixa e comprida), facilmente se conclui que este último se encontra sujeito a uma maior dose de linhas de força do campo eléctrico, isto é, para a mesma intensidade do campo eléctrico externo, o campo eléctrico interno no corpo do homem será bastante inferior, ou, como corolário, para se ter a mesma intensidade do campo eléctrico interior no homem e no rato, a intensidade do campo eléctrico exterior a que o rato deverá estar sujeito é bastante menor que a do corpo humano. No estudo teórico que se desenvolveu anteriormente, considerou-se que os tecidos biológicos são homogéneos e isotrópicos, todavia, na prática, tal não sucede, como se demonstra através da figura A2, apesar dos valores indicados terem sido estimados apenas teoricamente. 1.2. CAMPO ELÉCTRICO QUASE ESTACIONÁRIO Esta designação física e electrotécnica, de quase estacionário, diz respeito a grandezas variáveis no tempo, de uma forma alternada sinusoidal, com uma frequência extremamente reduzida, como sucede por exemplo com a tensão eléctrica e com a intensidade da corrente eléctrica, nas redes de distribuição de energia em baixa tensão a 50 Hz. Para melhor compreensão da notação simbólica utilizada, considere-se então uma tensão eléctrica e uma intensidade de corrente eléctrica, cujos valores instantâneos u e i são alternados sinusoidais. Por conseguinte, pode-se escrever, respectivamente: u= i= 2 U sin ω t 2 I sin ( ω t − ϕ ) sendo U e I os respectivos valores eficazes, ω = 2 π f a frequência angular eléctrica, f a frequência, t o tempo, e ϕ o ângulo de desfasamento entre a sinusóide da corrente e a sinusóide da tensão. Em termos de notação simbólica, estas duas grandezas podem ser representadas através de variáveis complexas, designadas por fasores, tendo-se assim, respectivamente, para o fasor da tensão (ou tensão eficaz complexa), e para o fasor da corrente (ou corrente eficaz complexa): 295 U =U e j0 I = I e− jϕ sendo j = − 1 . Regressando então ao estudo dos campos eléctricos, e tendo ainda em atenção a figura A1, pode-se escrever, em termos de fasores: ε1 En1 − ε 2 En 2 = ρS σ 1 En1 − σ 2 En 2 = − j ω ρS Combinando estas duas equações, obtém-se: σ 2 + j ω ε2 E σ 1 + j ω ε1 n 2 En1 = Como se tem, para os mesmos materiais, isto é, para o meio 1 (ar) e para o meio 2 (tecido biológico), respectivamente: • σ1 = 10-13 S/m • σ2 = 10-1 S/m • ε1 = 10-11 F/m • ε2 = 10-5 F/m virá, para a frequência f = 50 Hz: ω = 2 π × 50 = 314 rad/s En1 = 10 −1 + j × 314 × 10 −5 10 −13 + j × 314 × 10 E ≈ −11 n 2 10 −1 + j × 3 × 10 −3 10 −13 + j × 3 × 10 −9 En 2 Atendendo ainda a que se tem: σ 2 >> ω ε 2 σ 1 << ω ε1 pode-se escrever: En1 ≈ σ2 σ En 2 = − j 2 En 2 ω ε1 j ω ε1 296 Por conseguinte, ao substituírem-se valores ter-se-á: En1 ≈ − j 10 −1 314 × 10 −11 En 2 = − j × 3 × 107 En 2 ou seja: Einterno En 2 = ≈ 3 × 10 −8 En1 Eexterno concluindo-se igualmente que a intensidade do campo eléctrico absorvido é insignificante. No ábaco da figura A3 (U.S. Office of Technology Assessment. Biological Effects of Power Frequency Electric and Magnetic Fields. U.S. Government Printing Office, Washington, DC, Background Paper OTA-BP-E-53, 1989), mostram-se os níveis de exposição ao valor eficaz da intensidade do campo eléctrico, em função da distância, para linhas de transporte de alta tensão a 500 kV, para linhas e instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e para equipamentos eléctricos de uso geral, como por exemplo electrodomésticos. Note-se, como curiosidade, que, para distâncias inferiores a cerca de 0,5 m, o nível de exposição aos electrodomésticos é bastante superior ao que se verifica com as instalações eléctricas de baixa tensão. Figura A3 – Valor eficaz da intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas de alta tensão, instalações de distribuição em baixa tensão, e electrodomésticos. 297 ANEXO 2. PENETRAÇÃO DO CAMPO MAGNÉTICO NOS TECIDOS BIOLÓGICOS 2.1. CAMPO MAGNÉTICO ESTACIONÁRIO Tal como sucedeu relativamente à incidência do campo eléctrico, considerem-se 2 meios homogéneos e isotrópicos, 1 e 2, caracterizados respectivamente pelas suas permeabilidades magnéticas μ1 e μ2, como se mostra na figura A4. O meio 1 poderá ser considerado como sendo o ar, o meio 2 como um tecido biológico humano, e a fronteira de separação como a pele que reveste o tecido biológico. Por outro lado, como se mostra ainda na figura A4, considere-se ainda genericamente que as linhas de força do vector intensidade do campo magnético H1, assim como do vector densidade de fluxo magnético B1, no meio 1 (ar), ao incidirem na fronteira de separação (pele) segundo um ângulo de inclinação α1, sofrem um fenómeno de refracção ao penetrarem no tecido biológico, sendo assim desviados no interior do meio 2 segundo um ângulo de inclinação α2. r H1 r B1 meio 1 (ar) μ1 μ2 α1 r Hn1 r Ht 1 fronteira (pele) r Ht 2 r B2 r α2 H2 meio 2 (tecido biológico) r Hn 2 Figura A4 – Refracção dos vectores intensidade do campo magnético H e densidade de fluxo magnético B, ao penetrarem nos tecidos biológicos, considerando o ar e os tecidos como meios homogéneos e isotrópicos. 298 Considerando a não existência de correntes eléctricas na fronteira entre os dois meios, as componentes tangenciais do vector intensidade do campo magnético são contínuas, podendo-se assim escrever: Ht 1 = Ht 2 Por outro lado, atendendo ao teorema de Gauss, a componente normal do vector densidade de fluxo magnético é contínua através da fronteira entre dois meios, ou seja: Bn1 = Bn 2 mas como se tem ainda: Bn1 = μ1 Hn1 Bn 2 = μ2 Hn 2 então, por substituição, virá: μ1 Hn1 = μ2 Hn 2 Da figura A4, por sua vez, obtêm-se as seguintes relações: tg α1 = tg α 2 = Ht 1 Hn1 Ht 2 Hn 2 donde, por combinação: μ tg α1 Ht 1 Hn 2 H = = n2 = 1 tg α 2 Ht 2 Hn1 Hn1 μ2 tg α1 = μ1 tg α 2 μ2 Na prática, como a maioria dos tecidos biológicos tem uma permeabilidade magnética igual à do vazio, tem-se μ1 ≅ μ2 ≅ μ0, isto é: tg α1 ≈ tg α 2 α1 ≈ α 2 299 Por conseguinte, conclui-se que: • não há refracção das linhas de força do campo magnético ao incidirem nos tecidos biológicos. • considerando Bn1 = Bexterno e Bn2 = Binterno, como se tem Bn1 = Bn2, então Binterno = Bexterno, ou seja, não existe atenuação à penetração das linhas de força do campo magnético nos tecidos biológicos. • não existe indução de correntes eléctricas nos tecidos, na medida em que a intensidade dos campos magnéticos é invariante no tempo. 2.2. CAMPO MAGNÉTICO QUASE ESTACIONÁRIO Contrariamente aos campos magnéticos estacionários, quando a sua intensidade varia no tempo, ao penetrarem nos tecidos biológicos, irão gerar correntes eléctricas, igualmente variáveis no tempo, induzidas com base na lei de Faraday, como se demonstra seguidamente. Considere-se então a figura A5, onde se representa uma linha de força do vector densidade de fluxo magnético B, e um circuito eléctrico fechado, de forma circular com raio r e perímetro L. Adicionalmente, S representa a área da superfície circular limitada pelo circuito eléctrico e que é atravessada pelo campo magnético, E o vector intensidade do campo eléctrico induzido no circuito, e σ a condutividade eléctrica do material condutor de que é feito o circuito. r B σ r dL S r L dS dS r E Figura A5 – Esquematização da lei de indução de Faraday – interacção entre um campo magnético variável no tempo e um circuito eléctrico fechado. 300 De acordo com a lei de indução de Faraday, tem-se: r r ∂B dS ∫ E • dL = − ∫ L S ∂t Considerando que o valor instantâneo da densidade de fluxo (módulo do vector densidade de fluxo) é alternado sinusoidal, isto é: 2 B ef sin ω t B= obtém-se, para a integração da equação de Faraday: 2 B ef ω cos ω t d S ∫ E dL = − ∫ L S E L = − 2 ω B ef cos ω t S E × 2 π r = 2 ω B ef sin (ω t − E= π 2 )×π r 2 2 π ω r B ef sin (ω t − ) 2 2 Por conseguinte, o valor eficaz da intensidade do campo eléctrico induzido é dado através da seguinte expressão: E ef = ω r B ef 2 Por outro lado, como o valor eficaz da densidade de corrente que circulará no circuito fechado é: J ef = σ E ef virá finalmente, por substituição: J ef = σ ω r B ef 2 Considerando um tecido biológico, tem-se σ = 10-1 S/m. Assim sendo, para um circuito com r = 10-1 m, virá, para a frequência de 50 Hz (ω = 314 rad/s): E ef = 15,7 B ef J ef = 1,57 B ef 301 Por exemplo, para se obter uma densidade de corrente de 10-3 A/m2, seria necessário uma densidade de fluxo com o valor: B ef 10 −3 = = = 0,64 × 10 −3 T = 0,64 mT 1,57 1,57 J ef a qual induziria um campo eléctrico com a seguinte intensidade: E ef = 15,7 B ef = 15,7 × 0,64 × 10 −3 = 10 ×10 −3 V/m = 10 mV/m Considerando que se teria Einterno = Eef = 10 mV/m, se se tiver em conta que se está em presença de um campo interno de 50 Hz, para se conseguir ter esta intensidade, seria necessário que o valor eficaz do campo externo tivesse o seguinte valor: E externo = E interno 3 ×10 -8 = 10 ×10 −3 3 ×10 −8 ≈ 300 ×10 3 V/m = 300 kV/m Figura A6 – Valor eficaz da densidade de fluxo magnético em função da distância, para linhas de alta tensão, instalações de distribuição em baixa tensão, e electrodomésticos. No ábaco da figura A6 (U.S. Office of Technology Assessment. Biological Effects of Power Frequency Electric and Magnetic Fields. U.S. Government Printing Office, Washington, DC, Background Paper OTA-BP-E-53, 1989), mostram-se os níveis de exposição ao valor eficaz da densidade de fluxo magnético, em função da distância, para linhas de transporte de alta tensão a 302 500 kV, para linhas e instalações eléctricas de distribuição em baixa tensão, e para equipamentos eléctricos de uso geral, como por exemplo electrodomésticos. Note-se, como curiosidade, que, para distâncias inferiores a cerca de 1 m, o nível de exposição aos electrodomésticos é bastante superior ao que se verifica com as linhas de transporte de energia e com as instalações eléctricas de baixa tensão. Todavia, tal como sucede com a exposição a campos eléctricos (figura A3), o nível dessa exposição diminui muito rapidamente com a distância. Relativamente aos electrodomésticos, é de salientar que os relógios digitais, na maioria das situações devido ao seu deficiente projecto eléctrico e electrónico, podem originar níveis de exposição da ordem de 100 μT, na sua proximidade, e, se se atender a que esses relógios se encontram sobre as mesas de cabeceira dos quartos de dormir, durante a noite a cabeça fica exposta permanentemente a níveis elevados de campo magnético, níveis esses superiores ao nível médio verificado normalmente nas habitações. Outra situação curiosa, ocorre com as incubadoras, onde os níveis de exposição a campos magnéticos se situam entre 0,23 μT e 4,4 μT, com uma média aritmética de 1,0 μT. Ora, muitos destes valores são consideravelmente superiores aos existentes em áreas residenciais situadas nas proximidades de linhas aéreas de transporte de energia. 303 ANEXO 3. CAMPOS ELÉCTRICOS E MAGNÉTICOS EM LINHAS DE TRANSPORTE DE ENERGIA Como se tem vindo a assistir publicamente, a problemática dos potenciais efeitos nocivos causados pela exposição a campos eléctricos e magnéticos emitidos por linhas aéreas de transporte de energia em alta e muito alta tensão, encontra-se na ordem do dia, apesar de, por um lado, se citarem de facto estudos epidemiológicos concretos, que indiciam a existência causa-efeito relativamente a determinadas anomalias na saúde, e por outro, se especular sem quaisquer argumentos técnicos e científicos, à boa maneira do “diz que disse”, muito característico da nossa população. O caso das radiações emitidas por equipamentos informáticos e por telefones celulares é, na maioria das situações, mais gravoso, todavia ninguém quer ou pensa deixar de utilizar esses equipamentos, na medida em que colhem directamente, no dia a dia, os seus benefícios – veja-se a situação paradigmática das antenas celulares, ou seja, ninguém as quer ver instaladas por perto, contudo todos querem comunicar por telemóvel com o melhor sinal possível, berrando raios e coriscos quando tal não acontece. Por outro lado, as figuras A3 e A6 são bastante elucidativas no que respeita aos electrodomésticos, contudo, alguém pensa em deixar de os utilizar? Quanto às linhas aéreas, uma vez que apenas transitam ao longo dos espaços urbanos e rurais, do ponto de vista psicológico representam o bode expiatório na medida em que não conferem in situ um benefício directo às populações que se manifestam contra a sua instalação. Para uma melhor elucidação, mostra-se na figura A7 os valores medidos da densidade de fluxo magnético em função da distância, para uma linha de transporte de energia eléctrica de alta tensão em corrente contínua, constituída por dois cabos submarinos afastados entre si de 20 metros, no norte da Europa. Saliente-se que o interesse da utilização do transporte de energia eléctrica em corrente contínua de alta e muito alta tensão, tem vindo a aumentar de forma significativa, devido não só ao desenvolvimento dos conversores electrónicos de potência, mas também por serem necessários 304 apenas dois condutores em lugar de três, como sucede no transporte trifásico. Este sistema, designado por HVDC (High Voltage Direct Current), com tensões de ± 1100 kV é utilizado já na Europa, Ásia e América do Norte, sendo de realçar que o transporte de energia é realizado através de cabos submarinos entre a Suécia, Finlândia, Dinamarca, Alemanha e Polónia. Como se constata da figura A7, a densidade de fluxo é mais elevada a 2 m acima dos cabos, sendo o máximo atingido, como é natural, junto aos dois cabos. Por outro lado, a 10 m acima, as densidades de fluxo são bastante inferiores às do campo magnético terrestre. Figura A7 – Densidades de fluxo em função da distância, para uma linha HVDC constituída por dois cabos submarinos, e para uma corrente de 1333 A. Por sua vez, na figura A8 mostram-se os valores da intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas de transporte trifásicas de 400 kV, 220 kV, e 130 kV, indicando-se esquematicamente a configuração dos postes assim como os valores das distâncias entre condutores e entre condutores e o solo. Como se pode observar, o valor máximo da intensidade do campo eléctrico situa-se junto aos condutores e, como não poderia deixar de ser, quanto mais alto é o nível da tensão nominal, mais elevadas são as intensidades do campo eléctrico, para a mesma distância dos condutores. Na figura A9 mostram-se os valores da densidade de fluxo em função da distância, para quatro linhas trifásicas de transporte, constatando-se, para a linha de tensão mais elevada, que a 200 m de distância a densidade de fluxo tem o valor de 0,1 μT, bastante inferior ao que se verifica em incubadoras. 305 Figura A8 – Intensidade do campo eléctrico em função da distância, para linhas aéreas trifásicas de transporte de energia a 400 kV, 220 kV, e 130 kV. Figura A9 – Densidade de fluxo magnético em função da distância, para linhas aéreas trifásicas de transporte de energia a 400 kV, 220 kV, 130 kV, e 20 kV, para intensidades de corrente respectivamente de 1200 A, 500 A, 350 A, e 300 A. Finalmente, na figura A10 mostra-se, para uma linha trifásica de 220 kV, como se consegue reduzir drasticamente a densidade de fluxo magnético em função da distância, utilizando-se diferentes configurações de postes, ou seja, de instalação e disposição dos condutores. 306 Figura A10 – Exemplos de redução da densidade de fluxo magnético em função da distância, para uma linha aérea trifásica de transporte de energia, utilizando diferentes configurações de instalação. A configuração (A), que é aquela que conduz a densidades de fluxo mais elevadas, em contrapartida é a mais económica, o mesmo sucedendo um pouco com a configuração (B), que apresenta custos todavia mais elevados devido à maior altura dos postes. Quanto à configuração (C), que é significativamente a melhor em termos da emissão de campos magnéticos representa, contudo, a solução mais cara, na medida em que duas das fases são repartidas por dois condutores, obrigando ainda à utilização de um maior número de isoladores por poste (11 contra 3). 307 Um outro aspecto importante no que respeita à exposição a campos magnéticos, diz respeito ao transporte ferroviário de passageiros, sendo de destacar que, no interior das carruagens, assim como das locomotivas e automotoras, coexistem várias gamas de frequências, associadas aos motores de tracção, aos conversores electrónicos de potência, aos sistemas electrónicos de regulação e comando dos conversores, aos sistemas electrónicos de regulação da iluminação e da climatização, e ainda aos sistemas de comunicações. No ábaco da figura A11 relacionam-se, para cada tipo de material circulante eléctrico em corrente monofásica, os valores da densidade de fluxo com as gamas de frequência respectivas. Nesta figura tem-se NEC – U.S. Amtrak Northeast Corridor, TR-07 – German Transrapid Maglev System, TGV – Train a Grande Vitesse, e NJT – New Jersey Transit. Figura A11 – Densidades de fluxo em função das diversas gamas de frequência, em material ferroviário de corrente monofásica (1 mG = 0,1 μT). 308