I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 A ALIMENTAÇÃO GLORIENSE SOB A PERCEPÇÇÃO DOS MORADORES E TURISTAS 1 Maria Ledivania de Santana (Especialista em Educação Ambiental/SENAC-SE - Turismóloga/Estácio/FaSe - Licencianda em Geografia/UFS, email: [email protected]) Ivan Rêgo Aragão (Mestre em Cultura e Turismo UESC/BA, e-mail: [email protected]) GT02- Os Alimentos e Festas Tradicionais como Atrativos Turístico. Resumo Nossa Senhora da Glória é uma das principais cidades do interior de Sergipe. Localizada no Alto Sertão, é reconhecida como a “Capital Leiteira” do estado. Dessa forma, existe no local uma produção alimentar tradicional ligada à feira de produtos animais e laticínios. O presente artigo tem os objetivos de mostrar se a culinária da cidade é fator de atração turística, analisar a percepção dos moradores e turistas a respeito da gastronomia local e verificar a buchada de bode como alimento presente no lugar. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e de campo. A partir do deslocamento de pessoas que vão à cidade, e, saboreiam a gastronomia gloriense, constatou-se que a culinária oferecida, não é o principal fator de atração ao município. Porém através de projetos de divulgação, melhor infraestrutura e serviços oferecidos, os pratos típicos podem ampliar o produto turístico na visita à cidade. Palavras-chave: Buchada de Bode. Ovinocaprinocultura. Boteco. Nossa Senhora da GlóriaSergipe. Introdução O município de Nossa Senhora da Glória se localiza no Oeste do Estado de Sergipe. Segundo o censo de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população é de aproximadamente 29.546 habitantes. Sua distancia da Capital do Estado, Aracaju, é de 126 km, através de rodovias pavimentadas. A cidade possui oitenta e uma localidades, sendo seis povoados (Angico, Tanque de Pedra, Mucambo, Lagoa Bonita, Aningas e São Clemente), com vegetação predominante de caatinga e regime hidrográfico que abrange o rio Sergipe e riachos sazonais. A cidade faz parte da rota turística Aracaju-Xingó. 1 O presente artigo é parte integrante da minha monografia denominada Turismo cultural e gastronomia: um estudo de caso no município de Nossa Senhora da Glória-SE. Aracaju: Faculdade de Sergipe- FaSe, 2009. . 1 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 Na região, hoje se encontra a maior bacia leiteira do Estado, sendo considerada a “Capital Leiteira do Sertão Sergipano”. Parte dessa significativa produção é absorvida por pequenas queijarias ou por unidades familiares (fabriquetas), que se dedicam à produção de queijos e alguns derivados, os quais são comercializados na feira local e nas dos Municípios vizinhos, se caracterizando em grande parte como meio de subsistência e produção informal. A outro parte da produção é absorvida por duas importantes unidades fábricas de médio porte, as quais processam cerca de 145.000 l de leite diariamente.2 O fluxo turístico da região não é dependente das condições climáticas, como turismo de sol e praia, mas registra uma vasta lista de atrativos, por exemplo, uma das maiores e mais completas feiras livres do estado, destacando os botecos, que oferecem as mais variadas comidas típicas e pratos da culinária regional destacando-se, a Buchada de Bode (ilustração 1), o Sarapatel, o Cuscuz, servido com Carnes fritas ou assadas, ou ainda com Caldo e Frango Capão, a Macaxeira (aipim, mandioca) com carne do sol, inhame, dentre outras. Ilustação 1 – Buchada de Bode Autora: Maria Ledivania de Santana, 2009 O Município ainda se destaca pela produção de derivados do leite de cabra, como os queijos, iogurtes e doces de leite. A região é rica em diversidade gastronômica e cultural onde os 2 Fonte: EMDAGRO - Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe – Regional Glória. 2 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 doces caseiros de Dona Nena3 também têm seu destaque, fazendo parte da rota do Alto Sertão, além disso, podem-se saborear as variedades oferecidas no “Ponto do Bode” onde são expostos diversos produtos derivados da ovinocaprinocultura e produtos originados do leite de cabra (ilustração 2). Além disso a ovinocaprinocultura é uma atividade enraizada na cultura nordestina, onde o aproveitando das vísceras (coração, pulmões, intestinos, rins, rúmen, fígado e sangue) dos caprinos e ovinos, se transformam na famosa buchada de bode alimento tradicional de fabricação caseira. Ilustração 2 – Queijos e doces produzidos com leite de cabra Autora – Maria Ledivania de Santana, 2009 A feira livre do Município é considerada a mais importante da região, que como no passado promove o encontro de comerciantes e consumidores, estes vindos de diversas regiões. As barracas que como antigamente, comercializam alimentos, (botecos armados em plenas vias públicas), já na noite da sexta feira, se observa o vai e vem de consumidores, que buscam na feira desfrutar de comidas típicas que compõem a mesa do “homem do sertão”. Nas diversas barracas instaladas a céu aberto, se identifica a gastronomia como um atrativo turístico potencial em face da diversidade cultural dos produtos ali expostos. 3 Conhecida doceira da região que com olhar empreendedor transformou sua residência em um ponto turístico, dispondo de várias opções de doces. O seu estabelecimento se encontra em um local estratégico: na rodovia que leva a Rota Aracaju-Xingó. 3 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 Nesse contexto, o presente artigo tem os objetivos de verificar a buchada de bode como alimento presente no lugar, analisar a percepção dos moradores e turistas a respeito da gastronomia local e mostrar se a culinária da cidade é atrativo turístico. A primeira etapa para a construção da comunicação foi através de pesquisa bibliográfica, onde se procedeu a leitura em livros e artigos. Na segunda etapa, aconteceu o trabalho de campo com observação in loco, colhimento de depoimentos e aplicação de questionários entre moradores e visitantes com perguntas abertas e fechadas. A partir do deslocamento de pessoas que vão à cidade, e, saboreiam a gastronomia gloriense, seja por lazer ou por negócio, constatou-se que a culinária oferecida não é o principal fator de atração ao município. Mas através de projetos de divulgação e uma melhor infraestrutura e de serviços, os pratos típicos podem agregar valor e ampliar o produto turístico na visita à cidade. 1. Gastronomia e Turismo em Nossa Senhora da Glória-Sergipe A satisfação das necessidades alimentares é indispensável para manter a sobrevivência, o homem resolve esse problema de maneiras diferentes dos animais isso ocorre devido sua capacidade de recriar os ambientes a se tornar agradáveis, adaptando-se à sua cultura, pois, o consumo dos alimentos advém daqueles que mais forem atraídos aos olhos do consumidor, o nível de satisfação dessas necessidades varia de uma sociedade para outra. Ainda de acordo com Álvarez (2002), [...] pensar sobre a comida nos ajuda a revelar como entendemos nossas identidades pessoais e coletivas. Segundo parece, o simples ato de comer está temperado com complexos, e muitas vezes, contraditórios significados. Pensar sobre a comida pode nos ajudar a revelar as ricas e complicadas texturas de nossas tentativas de auto-entendimmento e ao mesmo tempo a compreensão da interessante e problemática relação com os outros (p. 11). Assim sendo, que razões levariam o homem a optar por certos tipos de alimentos em detrimento de outros? Muitos fatores devem ser levados em conta: aspectos climáticos, existência de um ecossistema propício em regiões diferentes. É indispensável ainda levar em conta os aspectos práticos, símbolos, rituais, ou seja, sua importância cultural. Segundo a 4 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 UNESCO4 a gastronomia é um patrimônio imaterial e está inserida na visão geral do que o organismo entende por essa herança intangível produzida no interior de cada sociedade. Corroborada pelo Brasil (2006), a UNESCO entende como patrimônio imaterial, o conjunto das, [...] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (p. 4). Nesse contexto, o hábito de se alimentar se insere no [...] “conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos e costumes, crenças e formas da vida cotidiana que fazem referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que forma a sociedade brasileira” (BOMFIM, 2009, p. 129). Pode-se afirmar que a gastronomia tem ligação direta com o prazer pela satisfação alimentar. No município de Nossa Senhora da Glória as comidas são servidas nas barracas da feira livre, em autênticos botecos a céu aberto (ilustração 3). Elas são preparadas com todos os ingredientes necessários para dar um sabor regional, são preparados e consumidos ali mesmo, os pratos mais procurados são a buchada de bode, galinha caipira ou frango capão, esses por sua vez são mais trabalhosos como se percebe na fala da Dona Arlete.5 [...] “Esses só faço uma vez, no dia que começa a feira por que dá muito trabalho, mas assim que começam as vendas, esses sai logo, e dá pra ganhar um dinheirinho” [...]. 6 De acordo com Franco (2006), A evolução humana de dividir o alimento baseia-se na hospitalidade, tendo seu início se dado quando eles começaram a buscar seu próprio alimento, ou seja, o turismo e a gastronomia possuem relação nítida, pois, a maneira como são trocadas as experiências alimentícias são na verdade uma forma de manter o visitante em contato direto com os modos de vida da comunidade receptora (p.29). 4 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Vendedora de comidas em botecos a mais de quinze anos. Negocia na feira de Glória desde o início de sua profissão. 6 Depoimento colhido em 27/05/2009 na cidade de Nossa Senhora da Gloria. 5 5 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 Diversos pratos típicos da culinária sertaneja são servidos e muitos procurados pela clientela sendo refeitos conforme a demanda, Dona Arlete ainda comentou que recebeu de sua mãe uma barraca e que agora está passando para sua filha, podendo assim, não ter só o boteco como gerador de renda da família, mas quem sabe, tornar-se o início de um empreendimento. Ilustração 3 - Boteco na feira livre em Nossa Senhora da Glória/SE Autora – Maria Ledivania de Santana, 2009 Conforme visto em in loco, observou-se que os pratos mais procurados são bastante consumidos pela comunidade local e pelos visitantes que por ali passam, destacando-se dentre eles o cuscuz, a macaxeira, o inhame, o arroz e o famoso feijão acompanhados de carne bovina, caprina ou suína assada e frita, além da galinha caipira ou frango capão e a buchada de bode. Garine (1996) menciona que a busca pela saciedade vem com a participação em banquetes coletivos, o alimento quando assim consumido estabelece um grande estímulo de apreciação, pois, é um aliado à comunicação e a vivência de outras culturas; uma refeição solitária perderia seu sabor, mesmo que se tratasse de um prato requintado. Observa-se que muitas são as razões que explicam o apego aos alimentos tradicionais ou típicos da região, uma delas faz parte do patrimônio imaterial como: as tradições, os saberes e 6 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 as singularidades que o mesmo traz tanto para o consumidor como para quem prepara e vende essa iguaria, diante disso tem-se a gastronomia como a representação materializada da identidade cultural do município. As motivações para desenvolver o turismo nesse setor gastronômico são muitas, entre elas o prazer de comer e a busca de raízes culturais, bem como compreender a culinária local típica da região, não é apenas entender a história. Um turista que procura um lugar para se alimentar, procura um lugar diferente do seu cotidiano, ele quer comer um prato diferente, quer experimentar uma novidade e a gastronomia típica é bastante valorizada por ele, que procura sempre os locais indicados como representativos da culinária tradicional local. De acordo com Feitosa e Silva (2011), A culinária regional tem a capacidade de comunicar aspectos identitários, geográficos, históricos e culturais de um povo. Os hábitos alimentares trazem distinção entre culturas, dessa forma, faz-se necessária a valorização da culinária regional, pois esta é fator de reconhecimento da comunidade local (p. 4). Assim é preciso oferecer uma boa infra-estrutura e diversidade de pratos típicos para atender adequadamente os moradores e visitantes. Relacionadas às boas práticas na cozinha, é fundamental uma boa apresentação do espaço onde são servidas as comidas, bem como dos pratos típicos. Entretanto, o ritual de comer nos botecos da feira livre está cada vez mais confinado à vida cotidiana da comunidade, sendo necessária dotar a feira de melhor estrutura, melhoria nos aspectos de higiene, principalmente na elaboração dos pratos, uma vez que esse ato se soma a possibilidade de incrementar o atrativo turístico do município, ainda que a ambientação do local não fuja do tradicional - comidas típicas, diversidade de pratos e como são preparadas e servidas - o lugar deve oferecer melhor qualidade nos serviços. Também faz parte do complexo gastronômico local, o Ponto do Bode (ilustração 4), onde, além da venda dos produtos derivados da carne caprina, há produtos cosméticos a base de leite de cabra, estes podem ser considerados souvenir para os visitantes. Outro espaço que se destaca são os famosos Doces Caseiros de Dona Nena, no qual a sua casa se tornou parada 7 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 obrigatória dos ônibus e vans que fazem esse percurso, como ela diz: [...] “já passou muitas celebridades por aqui, pela minha casa, tenho fotos com Priscila Fantin, Murilo Rosa e Regina Casé é o povo todo da Globo” [...], 7 aproveita para soltar risadas com esse depoimento. Ilstração 4 - Ponto do Bode Autora: Maria Ledivânia de Santana, 2009 2. A Buchada de Bode: Um Alimento no Cotidiano Gloriense Há quem diga que não aprecia os pratos da culinária nordestina é quem de fato já experimentou e não gostou. Certas pessoas até podem dizer que esses pratos são estranhos, mas nunca devem deixar de experimentar. Essas comidas, heranças das fortes diferenças culturais da região criaram o que hoje se chama de culinária sertaneja, ou gastronomia nordestina, reconhecida e apreciada pela diversidade de pratos. Comer uma buchada, por quem conhece o assunto, é um fato marcante que fica na lembrança do homem do interior. Servida normalmente em casamentos, batizados, almoço em família, aniversário entre outros. Na discussão turística, Martins (2003) menciona que, O que interessa ao fenômeno do turismo são os aspectos mais peculiares de cada lugar, é o caráter mais autêntico de sua gente, e o seu cotidiano mais 7 Depoimento colhido em 08/04/2009 na cidade de Nossa Senhora da Glória. 8 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 original, representado por toda uma carga simbólica, ainda que possa parecer estranho à estética da globalização (p. 74). A Buchada de Bode é um prato típico da região nordeste, feito com as vísceras do bode que são lavadas, aferventadas, cortadas, temperadas e cozidas no próprio estômago do animal. Deve-se ver que o termo "buchada de bode" é uma invenção das regiões sul e sudeste. No nordeste, esse prato, se diz simplesmente "buchada", pois não é de costume fazer buchada de qualquer outro animal. Sabe-se que a carne de bode sempre se utiliza para fazer um bom refogado ou uma boa buchada. O hábito de comer buchada de bode ganhou o meio urbano e muitos outros acompanhamentos foram se incorporando ao dia-a-dia, como a galinha caipira, o frango capão e demais pratos, inclusive os famosos doces caseiros. Prato típico nascido na região Nordeste, que agrada ou desperta cara feia a quem não apreciam muitos nem pensam em comer as vísceras de bode ou de carneiro, ainda que bem temperadas. Os que se arriscam a dar a primeira mordida, afirmam que não há nada mais gostoso que um bucho recheado. Como anteriormente citado a barraca da Dona Arlete, um autentico boteco a céu aberto, é uma da mais movimentadas da feira de Glória. Já nas noites de sexta feira e durante a feira aos sábados, o cheiro da buchada, entre e outros pratos, convida os freqüentadores a se deliciarem com essas comidas. A buchada da Dona Arlete é preparada com capricho. Ela domina os segredos de uma boa buchada. [...] ‘‘o bucho deve ser fresco. Assim, depois de cozido, ele ficará bem macio’’ [...], recomenda.8 O primeiro passo é limpar as vísceras retirando o sebo e a cartilagem que acompanham fígado, rins, coração e tripas do bode ou carneiro. De acordo com a depoente deve-se lavar bem lavado em água usando vinagre e limão para o bucho ficar bem branquinho e saboroso; depois de limpos é hora da fervura. Dona Arlete sugere acrescentar sal e limão. Os picadinhos devem cozinhar até ficar bem macio. O tempero não exige mais que sal, cebola, pimentão, coentro e bastante cheiro verde. A depoente, ainda diz que, o maior erro de quem esteja começando agora a preparar a buchada é cortar os picadinhos em pedaços desiguais. O ideal é picar em tirinhas todas as partes que serão usadas. Tudo pronto, só falta costurar (ilustração 5). 8 Depoimento colhido em 27/05/2009 na cidade de Nossa Senhora da Gloria. 9 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 Parte da historia do município de Nossa Senhora da Glória se confunde com a feira, afinal o comércio da rua é anterior à formação da cidade. Aliás, conta à história que foi a feira que deu origem ao município. Pois abastecia os comerciantes e tropeiros que viajavam pela região. Eles pernoitavam em um local determinado, para se alimentarem e matar a sede de cavalos e jumentos. Com o tempo, foram surgindo no local às famosas barracas, que acabaram se multiplicando, dando origem a uma feira que se transformaria depois na mais importante da região. Ilustração 5 – Os miúdos do bode sendo costurados Fonte: http://www.alimentares.com/gemm/nordeste.asp#PAP A feira de Nossa Senhora da Glória vem aos poucos perdendo espaço para o comercio local, em que pese sua tradição, a falta de infraestrutura por parte do poder público, tem sido fator preponderante. À primeira vista, a paisagem não agrada o turista, que entre outras coisas buscam bem estar, higiene e acomodações, não estão dispostos a conviver com sujeira e atendimento precário. A feira a exemplo de outras que ocorrem no nordeste, poderia se tornar um patrimônio imaterial, como a Feira de Caruaru em Pernambuco que tem o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esse reconhecimento poderia trazer ao município recursos importantes, além da geração de empregos e do fortalecimento do turismo. O tradicional encontro de viajantes e comerciantes ao longo do tempo ainda está enraizado na cultura da cidade onde é realizada a feira livre, a mais importante da região. Nesse ambiente 10 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 econômico e sociocultural, além da comercialização de produtos e gêneros de primeira necessidade está presente a culinária regional. Gastronomia essa que é cultuada, em autênticos botecos armados em via pública, onde inúmeros de pessoas tanto moradores como visitantes buscam na feira saborear essas comidas típicas. Alimentos elaborados e servidos de forma tradicional, contrapondo o presente e o passado e revivendo parte dos fatos da história de da cidade de Nossa Senhora da Glória. 3. Resultados da Análise de Campo Foram elaborados dois tipos de questionários: um voltado especificamente à comunidade local, buscando na amostra detectar as opiniões a respeito dos atrativos turísticos, notadamente a culinária regional e a gastronomia local. E outro tipo de questionário destinado aos turistas ou visitantes, no sentido de identificar os motivos de sua visita, os fatores que determinam a cidade como atrativo turístico e a influência da culinária regional e a gastronomia local na sua opção pelo roteiro. Foram aplicados sessenta questionários semiestruturados durante o primeiro semestre de 2009. Trinta questionários para os moradores com o total de sete perguntas e trinta questionários para os visitantes num total de nove perguntas. A faixa etária escolhida dos questionados, foi a partir dos 18 anos de qualquer classe socioeconômica e nível de escolaridade. Entre as categorias trabalhadas no questionário com o residente, fizeram parte aspectos da promoção da culinária gloriense como atrativo turístico; os botecos da feira como locais turísticos; eleição de produto alimentar para atrair o turismo e estrutura dos locais onde são servidas as comidas. Nas perguntas dos questionários dirigidas ao visitante, foram revistos temas da comida em Nossa Senhora da Glória desempenhar papel de motivador da visita; qual alimento tem o maior apelo para atrair pessoas ao município, e se, a gastronomia gloriense promove o turismo. Se questionou à amostra, se a cidade possui estrutura para atrair visitantes a partir da sua gastronomia; a qualidade dos alimentos preparados e do ambiente onde são servidos os pratos. Nos quesitos formulados à comunidade, se buscou identificar por meio de questionamentos se o município possui estrutura suficiente para atrair turistas através de sua gastronomia. Como 11 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 resultado, cerca de 53% da amostra respondente afirmaram que a cidade não reúne condições para atrair turistas através da sua gastronomia, contra 47% que tiveram opinião inversa. Dos questionados, 62% salientaram a falta de estrutura como fator principal referindo-se ao local em que as comidas são produzidas e consumidas. O residente justificou que o espaço onde as comidas são preparadas, é desprovido de higienização, enquanto que o restante da amostra (38%), identificou a pouca diversidade dos pratos ofertados como fator principal, ou seja, a variedade ainda não agrada ao paladar dos apreciadores. Os membros da comunidade que responderam sim ao quesito sobre a atividade turística totalizaram 44% do total da amostra, contra 56% que não percebem a cidade como pólo para o turismo. Os questionados que afirmaram que a cidade reúne condições para atração do turista, opina sobre a boa diversidade dos pratos como fator de atrativo (64%), outra parte dos respondentes, vê a feira como pólo de atração (22%), enquanto que somente 14% acham que o atrativo é a boa estrutura do município, relacionando-o a cidade de um modo geral, não só com enfoque na feira. A análise dos dados identificou que apesar de 44% dos pesquisados avaliar positivamente a estrutura do município, esta afirmativa sobe quando se avalia negativamente infraestrutura, condições de higiene e divulgação (56%). Ou seja, o turismo necessita de boas condições para que ele seja desenvolvido e consumido, sendo que a comunidade deve ser inserida nessa cadeia produtiva. Como visto nessa análise, os moradores dividem opiniões e olhares sobre seu produto, algumas vêem como atrativos, mas afirmam que o local não está adequado para receber turistas devido à falta de estrutura e maus tratos como o ambiente. A análise da classificação dos produtos gastronômicos que poderiam ser vistos como atrativos turísticos no município, em relação à visão do morador pesquisado, revelam em seu ponto mais expressivo, que os doces de Dona Nena apresentam elevados índices de satisfação. Devido à localização, o conhecimento adquirido ao longo dos anos e da variedade de seus doces, os questionados vêem como melhor atrativo específico o ponto estratégico em que se situa a doceira. 12 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 Numa visão mais ampla que se pode ver o funcionamento da atividade turística relacionada à alimentação, existem outras iguarias como a galinha de capoeira e a buchada de bode. Ambos os pratos, atendem de forma integral como parcial as expectativas dos membros da comunidade, o que vem demonstrar que estes alimentos estão presentes no seu cotidiano. O enfoque deste estudo centralizou a feira livre como atrativo turístico verificando suas iguarias como ponto principal. Sobre a motivação no deslocamento constatou-se que 63% dos visitantes questionados se encontraram na localidade em razão de trabalho ou turismo de negócios. Aproveitando a cidade nas horas vagas para apreciar sua atratividade 37% informaram que estavam a turismo. Porém, uma grande parte se encontrava em visita ao município não a passeio/turismo e sim a trabalho/negócios, podendo fazer turismo nas horas vagas. Verificou-se em campo que as iguarias de forma geral atraem o turista, que elegem a buchada de bode ou a carne de bode, como um dos atrativos gastronômicos mais desejados. Por ser uma comida diferente do seu dia a dia, constatou-se que ao contrário da comunidade local, os doces não atraem o turista. Estes agentes sociais procuram algo que seja diferente do seu cotidiano. Neste quesito, pôde-se observar que 80% da amostra dos turistas que preencheram os questionários não vêem no município, quer em sua feira ou suas barracas/botecos como atrativo turístico. Devido ao ambiente onde os mesmo estão inseridos, não dispor de higiene e ambiente propício. Sendo que da amostra cerca de 20% consideram que a cidade possui meios para atrair satisfatoriamente o turista, ou seja, os atrativos turísticos estão diretamente relacionados à cultura local por meio da feira livre e da tipicidade do homem do sertão. Segundo 50% dos visitantes entrevistados a diversidade dos pratos é um fator de relevância neste aspecto, os produtos gastronômicos possuem diversidade, mas não possuem divulgação. Esse fator se apresentou de forma bastante acentuada na tabulação dos dados, pois se verificou que 20% desconhecem os produtos gastronômicos e 30% apresentaram outras respostas ao quesito formulado, pois em nenhum momento foi constatado que a gastronomia local é fator de atração principal de visita ao município. 13 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 4. Considerações Finais Este artigo foi elaborado a partir do recorte do trabalho final do Bacharelado em Turismo e visou demonstrar os olhares da população residente e flutuante, a importância que sua culinária regional e sua gastronomia têm como atrativo turístico. O enfoque maior foi dado a buchada de bode, pela importância que esse alimento tem na cultura do homem sertanejo. Tanto o morador como o turista, percebe a gastronomia e a feira de Nossa Senhora da Glória como fatores de atração turística. Porém quando verificada a infraestrutura e condições dos botecos, se constatou uma redução nos índices positivos. Constatou-se que o maior empecilho sobre a oferta gastronômica ser motivador para o deslocamento de pessoas, não são os pratos em si, mas a falta de divulgação e de infraestrutura de espaços para servir os alimentos preparados. Com esse resultado, cabe se pensar em medidas de valorização da gastronomia local, como atualizações das pessoas envolvidas diretamente no preparo dos alimentos. Através de projetos que visem boas práticas de higiene, hospitalidade e melhor atendimento. Outro fato a salientar verificado nos resultados da pesquisa de campo, diz respeito à visão do que o morador indica como produto turístico, e o que na prática este consome: embora o ponto de doces de D. Nena faça parte da rota turística Aracaju-Xingó, este alimento não foi o principal produto marcado pela amostra de visitantes pesquisados. A doçaria de D. Nena foi lembrada pelo morador com produto de indicação para o turístico. O que o residente indica como opção gastronômica não é o que o visitante come quando se encontra em estadia. Conclui-se que em Nossa Senhora da Glória existem dois tipos de comunidade flutuante: a que entra na cidade e usufrui o que ela tem no seu cotidiano alimentar, a exemplo dos pratos derivados do bode que são produzidos nos botecos da feira e o visitante que para na rota turística para comprar os doces de D. Nena, local que fica fora da cidade e desvinculado da sede do município. O primeiro, em sua maioria, se desloca de pequenas distâncias, o segundo vem de lugares distantes. A buchada de bode é um prato de sabor forte e difícil digestão, mas ele alimenta o homem de Nossa Senhora da Glória. Os residentes por estarem dentro da região do sertão sergipano (local de baixos índices pluviométricos) encontraram na criação dos ovinos uma das suas 14 I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012 principais fontes de alimento e renda. Nesse sentido, a buchada de bode está presente na dieta do morador, somada ao leite de cabra que produz seus derivados (queijos e manteigas) e como ingrediente auxiliar na fabricação de doces caseiros que são consumidos e comercializados. A partir do afluxo de pessoas que vão à cidade, seja por lazer ou por negócio e saboreiam a gastronomia gloriense, constatou-se que a culinária oferecida não é o principal fator de atração ao município. Mas através de projetos de divulgação e uma melhor infraestrutura e de serviços, os pratos típicos podem agregar valor e ampliar o produto turístico na visita à cidade. Referências Bibliográficas ÁLVAREZ, M. 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