I SEMINÁRIO SOBRE ALIMENTOS E MANIFESTAÇÕES CULTURAIS TRADICIONAIS
Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, SE – 21 a 23 de maio de 2012
A ALIMENTAÇÃO GLORIENSE SOB A PERCEPÇÇÃO DOS MORADORES E
TURISTAS 1
Maria Ledivania de Santana
(Especialista em Educação Ambiental/SENAC-SE - Turismóloga/Estácio/FaSe - Licencianda
em Geografia/UFS, email: [email protected])
Ivan Rêgo Aragão
(Mestre em Cultura e Turismo UESC/BA, e-mail: [email protected])
GT02- Os Alimentos e Festas Tradicionais como Atrativos Turístico.
Resumo
Nossa Senhora da Glória é uma das principais cidades do interior de Sergipe. Localizada no
Alto Sertão, é reconhecida como a “Capital Leiteira” do estado. Dessa forma, existe no local
uma produção alimentar tradicional ligada à feira de produtos animais e laticínios. O presente
artigo tem os objetivos de mostrar se a culinária da cidade é fator de atração turística, analisar
a percepção dos moradores e turistas a respeito da gastronomia local e verificar a buchada de
bode como alimento presente no lugar. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e
de campo. A partir do deslocamento de pessoas que vão à cidade, e, saboreiam a gastronomia
gloriense, constatou-se que a culinária oferecida, não é o principal fator de atração ao
município. Porém através de projetos de divulgação, melhor infraestrutura e serviços
oferecidos, os pratos típicos podem ampliar o produto turístico na visita à cidade.
Palavras-chave: Buchada de Bode. Ovinocaprinocultura. Boteco. Nossa Senhora da GlóriaSergipe.
Introdução
O município de Nossa Senhora da Glória se localiza no Oeste do Estado de Sergipe. Segundo
o censo de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sua população é de
aproximadamente 29.546 habitantes. Sua distancia da Capital do Estado, Aracaju, é de 126
km, através de rodovias pavimentadas. A cidade possui oitenta e uma localidades, sendo seis
povoados (Angico, Tanque de Pedra, Mucambo, Lagoa Bonita, Aningas e São Clemente),
com vegetação predominante de caatinga e regime hidrográfico que abrange o rio Sergipe e
riachos sazonais. A cidade faz parte da rota turística Aracaju-Xingó.
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O presente artigo é parte integrante da minha monografia denominada Turismo cultural e gastronomia: um
estudo de caso no município de Nossa Senhora da Glória-SE. Aracaju: Faculdade de Sergipe- FaSe, 2009.
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Na região, hoje se encontra a maior bacia leiteira do Estado, sendo considerada a “Capital
Leiteira do Sertão Sergipano”. Parte dessa significativa produção é absorvida por pequenas
queijarias ou por unidades familiares (fabriquetas), que se dedicam à produção de queijos e
alguns derivados, os quais são comercializados na feira local e nas dos Municípios vizinhos,
se caracterizando em grande parte como meio de subsistência e produção informal. A outro
parte da produção é absorvida por duas importantes unidades fábricas de médio porte, as quais
processam cerca de 145.000 l de leite diariamente.2
O fluxo turístico da região não é dependente das condições climáticas, como turismo de sol e
praia, mas registra uma vasta lista de atrativos, por exemplo, uma das maiores e mais
completas feiras livres do estado, destacando os botecos, que oferecem as mais variadas
comidas típicas e pratos da culinária regional destacando-se, a Buchada de Bode (ilustração
1), o Sarapatel, o Cuscuz, servido com Carnes fritas ou assadas, ou ainda com Caldo e Frango
Capão, a Macaxeira (aipim, mandioca) com carne do sol, inhame, dentre outras.
Ilustação 1 – Buchada de Bode
Autora: Maria Ledivania de Santana, 2009
O Município ainda se destaca pela produção de derivados do leite de cabra, como os queijos,
iogurtes e doces de leite. A região é rica em diversidade gastronômica e cultural onde os
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Fonte: EMDAGRO - Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe – Regional Glória.
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doces caseiros de Dona Nena3 também têm seu destaque, fazendo parte da rota do Alto
Sertão, além disso, podem-se saborear as variedades oferecidas no “Ponto do Bode” onde são
expostos diversos produtos derivados da ovinocaprinocultura e produtos originados do leite
de cabra (ilustração 2). Além disso a ovinocaprinocultura é uma atividade enraizada na
cultura nordestina, onde o aproveitando das vísceras (coração, pulmões, intestinos, rins,
rúmen, fígado e sangue) dos caprinos e ovinos, se transformam na famosa buchada de bode
alimento tradicional de fabricação caseira.
Ilustração 2 – Queijos e doces produzidos com leite de cabra
Autora – Maria Ledivania de Santana, 2009
A feira livre do Município é considerada a mais importante da região, que como no passado
promove o encontro de comerciantes e consumidores, estes vindos de diversas regiões. As
barracas que como antigamente, comercializam alimentos, (botecos armados em plenas vias
públicas), já na noite da sexta feira, se observa o vai e vem de consumidores, que buscam na
feira desfrutar de comidas típicas que compõem a mesa do “homem do sertão”. Nas diversas
barracas instaladas a céu aberto, se identifica a gastronomia como um atrativo turístico
potencial em face da diversidade cultural dos produtos ali expostos.
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Conhecida doceira da região que com olhar empreendedor transformou sua residência em um ponto turístico,
dispondo de várias opções de doces. O seu estabelecimento se encontra em um local estratégico: na rodovia que
leva a Rota Aracaju-Xingó.
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Nesse contexto, o presente artigo tem os objetivos de verificar a buchada de bode como
alimento presente no lugar, analisar a percepção dos moradores e turistas a respeito da
gastronomia local e mostrar se a culinária da cidade é atrativo turístico. A primeira etapa para
a construção da comunicação foi através de pesquisa bibliográfica, onde se procedeu a leitura
em livros e artigos. Na segunda etapa, aconteceu o trabalho de campo com observação in
loco, colhimento de depoimentos e aplicação de questionários entre moradores e visitantes
com perguntas abertas e fechadas.
A partir do deslocamento de pessoas que vão à cidade, e, saboreiam a gastronomia gloriense,
seja por lazer ou por negócio, constatou-se que a culinária oferecida não é o principal fator de
atração ao município. Mas através de projetos de divulgação e uma melhor infraestrutura e de
serviços, os pratos típicos podem agregar valor e ampliar o produto turístico na visita à
cidade.
1. Gastronomia e Turismo em Nossa Senhora da Glória-Sergipe
A satisfação das necessidades alimentares é indispensável para manter a sobrevivência, o
homem resolve esse problema de maneiras diferentes dos animais isso ocorre devido sua
capacidade de recriar os ambientes a se tornar agradáveis, adaptando-se à sua cultura, pois, o
consumo dos alimentos advém daqueles que mais forem atraídos aos olhos do consumidor, o
nível de satisfação dessas necessidades varia de uma sociedade para outra. Ainda de acordo
com Álvarez (2002),
[...] pensar sobre a comida nos ajuda a revelar como entendemos nossas
identidades pessoais e coletivas. Segundo parece, o simples ato de comer
está temperado com complexos, e muitas vezes, contraditórios significados.
Pensar sobre a comida pode nos ajudar a revelar as ricas e complicadas
texturas de nossas tentativas de auto-entendimmento e ao mesmo tempo a
compreensão da interessante e problemática relação com os outros (p. 11).
Assim sendo, que razões levariam o homem a optar por certos tipos de alimentos em
detrimento de outros? Muitos fatores devem ser levados em conta: aspectos climáticos,
existência de um ecossistema propício em regiões diferentes. É indispensável ainda levar em
conta os aspectos práticos, símbolos, rituais, ou seja, sua importância cultural. Segundo a
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UNESCO4 a gastronomia é um patrimônio imaterial e está inserida na visão geral do que o
organismo entende por essa herança intangível produzida no interior de cada sociedade.
Corroborada pelo Brasil (2006), a UNESCO entende como patrimônio imaterial, o conjunto
das,
[...] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são
associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os
indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um
sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover
o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana (p. 4).
Nesse contexto, o hábito de se alimentar se insere no [...] “conjunto de todos os utensílios,
hábitos, usos e costumes, crenças e formas da vida cotidiana que fazem referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que forma a sociedade brasileira”
(BOMFIM, 2009, p. 129).
Pode-se afirmar que a gastronomia tem ligação direta com o prazer pela satisfação alimentar.
No município de Nossa Senhora da Glória as comidas são servidas nas barracas da feira livre,
em autênticos botecos a céu aberto (ilustração 3). Elas são preparadas com todos os
ingredientes necessários para dar um sabor regional, são preparados e consumidos ali mesmo,
os pratos mais procurados são a buchada de bode, galinha caipira ou frango capão, esses por
sua vez são mais trabalhosos como se percebe na fala da Dona Arlete.5 [...] “Esses só faço
uma vez, no dia que começa a feira por que dá muito trabalho, mas assim que começam as
vendas, esses sai logo, e dá pra ganhar um dinheirinho” [...]. 6 De acordo com Franco (2006),
A evolução humana de dividir o alimento baseia-se na hospitalidade, tendo
seu início se dado quando eles começaram a buscar seu próprio alimento, ou
seja, o turismo e a gastronomia possuem relação nítida, pois, a maneira como
são trocadas as experiências alimentícias são na verdade uma forma de
manter o visitante em contato direto com os modos de vida da comunidade
receptora (p.29).
4
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Vendedora de comidas em botecos a mais de quinze anos. Negocia na feira de Glória desde o início de sua
profissão.
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Depoimento colhido em 27/05/2009 na cidade de Nossa Senhora da Gloria.
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Diversos pratos típicos da culinária sertaneja são servidos e muitos procurados pela clientela
sendo refeitos conforme a demanda, Dona Arlete ainda comentou que recebeu de sua mãe
uma barraca e que agora está passando para sua filha, podendo assim, não ter só o boteco
como gerador de renda da família, mas quem sabe, tornar-se o início de um empreendimento.
Ilustração 3 - Boteco na feira livre em Nossa Senhora da Glória/SE
Autora – Maria Ledivania de Santana, 2009
Conforme visto em in loco, observou-se que os pratos mais procurados são bastante
consumidos pela comunidade local e pelos visitantes que por ali passam, destacando-se dentre
eles o cuscuz, a macaxeira, o inhame, o arroz e o famoso feijão acompanhados de carne
bovina, caprina ou suína assada e frita, além da galinha caipira ou frango capão e a buchada
de bode.
Garine (1996) menciona que a busca pela saciedade vem com a participação em banquetes
coletivos, o alimento quando assim consumido estabelece um grande estímulo de apreciação,
pois, é um aliado à comunicação e a vivência de outras culturas; uma refeição solitária
perderia seu sabor, mesmo que se tratasse de um prato requintado.
Observa-se que muitas são as razões que explicam o apego aos alimentos tradicionais ou
típicos da região, uma delas faz parte do patrimônio imaterial como: as tradições, os saberes e
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as singularidades que o mesmo traz tanto para o consumidor como para quem prepara e vende
essa iguaria, diante disso tem-se a gastronomia como a representação materializada da
identidade cultural do município.
As motivações para desenvolver o turismo nesse setor gastronômico são muitas, entre elas o
prazer de comer e a busca de raízes culturais, bem como compreender a culinária local típica
da região, não é apenas entender a história. Um turista que procura um lugar para se
alimentar, procura um lugar diferente do seu cotidiano, ele quer comer um prato diferente,
quer experimentar uma novidade e a gastronomia típica é bastante valorizada por ele, que
procura sempre os locais indicados como representativos da culinária tradicional local. De
acordo com Feitosa e Silva (2011),
A culinária regional tem a capacidade de comunicar aspectos
identitários, geográficos, históricos e culturais de um povo. Os hábitos
alimentares trazem distinção entre culturas, dessa forma, faz-se
necessária a valorização da culinária regional, pois esta é fator de
reconhecimento da comunidade local (p. 4).
Assim é preciso oferecer uma boa infra-estrutura e diversidade de pratos típicos para atender
adequadamente os moradores e visitantes. Relacionadas às boas práticas na cozinha, é
fundamental uma boa apresentação do espaço onde são servidas as comidas, bem como dos
pratos típicos.
Entretanto, o ritual de comer nos botecos da feira livre está cada vez mais confinado à vida
cotidiana da comunidade, sendo necessária dotar a feira de melhor estrutura, melhoria nos
aspectos de higiene, principalmente na elaboração dos pratos, uma vez que esse ato se soma a
possibilidade de incrementar o atrativo turístico do município, ainda que a ambientação do
local não fuja do tradicional - comidas típicas, diversidade de pratos e como são preparadas e
servidas - o lugar deve oferecer melhor qualidade nos serviços.
Também faz parte do complexo gastronômico local, o Ponto do Bode (ilustração 4), onde,
além da venda dos produtos derivados da carne caprina, há produtos cosméticos a base de
leite de cabra, estes podem ser considerados souvenir para os visitantes. Outro espaço que se
destaca são os famosos Doces Caseiros de Dona Nena, no qual a sua casa se tornou parada
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obrigatória dos ônibus e vans que fazem esse percurso, como ela diz: [...] “já passou muitas
celebridades por aqui, pela minha casa, tenho fotos com Priscila Fantin, Murilo Rosa e Regina
Casé é o povo todo da Globo” [...], 7 aproveita para soltar risadas com esse depoimento.
Ilstração 4 - Ponto do Bode
Autora: Maria Ledivânia de Santana, 2009
2. A Buchada de Bode: Um Alimento no Cotidiano Gloriense
Há quem diga que não aprecia os pratos da culinária nordestina é quem de fato já
experimentou e não gostou. Certas pessoas até podem dizer que esses pratos são estranhos,
mas nunca devem deixar de experimentar. Essas comidas, heranças das fortes diferenças
culturais da região criaram o que hoje se chama de culinária sertaneja, ou gastronomia
nordestina, reconhecida e apreciada pela diversidade de pratos. Comer uma buchada, por
quem conhece o assunto, é um fato marcante que fica na lembrança do homem do interior.
Servida normalmente em casamentos, batizados, almoço em família, aniversário entre outros.
Na discussão turística, Martins (2003) menciona que,
O que interessa ao fenômeno do turismo são os aspectos mais peculiares de
cada lugar, é o caráter mais autêntico de sua gente, e o seu cotidiano mais
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Depoimento colhido em 08/04/2009 na cidade de Nossa Senhora da Glória.
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original, representado por toda uma carga simbólica, ainda que possa parecer
estranho à estética da globalização (p. 74).
A Buchada de Bode é um prato típico da região nordeste, feito com as vísceras do bode que
são lavadas, aferventadas, cortadas, temperadas e cozidas no próprio estômago do animal.
Deve-se ver que o termo "buchada de bode" é uma invenção das regiões sul e sudeste. No
nordeste, esse prato, se diz simplesmente "buchada", pois não é de costume fazer buchada de
qualquer outro animal. Sabe-se que a carne de bode sempre se utiliza para fazer um bom
refogado ou uma boa buchada.
O hábito de comer buchada de bode ganhou o meio urbano e muitos outros acompanhamentos
foram se incorporando ao dia-a-dia, como a galinha caipira, o frango capão e demais pratos,
inclusive os famosos doces caseiros. Prato típico nascido na região Nordeste, que agrada ou
desperta cara feia a quem não apreciam muitos nem pensam em comer as vísceras de bode ou
de carneiro, ainda que bem temperadas. Os que se arriscam a dar a primeira mordida, afirmam
que não há nada mais gostoso que um bucho recheado. Como anteriormente citado a barraca
da Dona Arlete, um autentico boteco a céu aberto, é uma da mais movimentadas da feira de
Glória. Já nas noites de sexta feira e durante a feira aos sábados, o cheiro da buchada, entre e
outros pratos, convida os freqüentadores a se deliciarem com essas comidas.
A buchada da Dona Arlete é preparada com capricho. Ela domina os segredos de uma boa
buchada. [...] ‘‘o bucho deve ser fresco. Assim, depois de cozido, ele ficará bem macio’’ [...],
recomenda.8 O primeiro passo é limpar as vísceras retirando o sebo e a cartilagem que
acompanham fígado, rins, coração e tripas do bode ou carneiro. De acordo com a depoente
deve-se lavar bem lavado em água usando vinagre e limão para o bucho ficar bem branquinho
e saboroso; depois de limpos é hora da fervura. Dona Arlete sugere acrescentar sal e limão.
Os picadinhos devem cozinhar até ficar bem macio. O tempero não exige mais que sal,
cebola, pimentão, coentro e bastante cheiro verde. A depoente, ainda diz que, o maior erro de
quem esteja começando agora a preparar a buchada é cortar os picadinhos em pedaços
desiguais. O ideal é picar em tirinhas todas as partes que serão usadas. Tudo pronto, só falta
costurar (ilustração 5).
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Depoimento colhido em 27/05/2009 na cidade de Nossa Senhora da Gloria.
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Parte da historia do município de Nossa Senhora da Glória se confunde com a feira, afinal o
comércio da rua é anterior à formação da cidade. Aliás, conta à história que foi a feira que deu
origem ao município. Pois abastecia os comerciantes e tropeiros que viajavam pela região.
Eles pernoitavam em um local determinado, para se alimentarem e matar a sede de cavalos e
jumentos. Com o tempo, foram surgindo no local às famosas barracas, que acabaram se
multiplicando, dando origem a uma feira que se transformaria depois na mais importante da
região.
Ilustração 5 – Os miúdos do bode sendo costurados
Fonte: http://www.alimentares.com/gemm/nordeste.asp#PAP
A feira de Nossa Senhora da Glória vem aos poucos perdendo espaço para o comercio local,
em que pese sua tradição, a falta de infraestrutura por parte do poder público, tem sido fator
preponderante. À primeira vista, a paisagem não agrada o turista, que entre outras coisas
buscam bem estar, higiene e acomodações, não estão dispostos a conviver com sujeira e
atendimento precário. A feira a exemplo de outras que ocorrem no nordeste, poderia se tornar
um patrimônio imaterial, como a Feira de Caruaru em Pernambuco que tem o título de
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan). Esse reconhecimento poderia trazer ao município recursos
importantes, além da geração de empregos e do fortalecimento do turismo.
O tradicional encontro de viajantes e comerciantes ao longo do tempo ainda está enraizado na
cultura da cidade onde é realizada a feira livre, a mais importante da região. Nesse ambiente
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econômico e sociocultural, além da comercialização de produtos e gêneros de primeira
necessidade está presente a culinária regional. Gastronomia essa que é cultuada, em autênticos
botecos armados em via pública, onde inúmeros de pessoas tanto moradores como visitantes
buscam na feira saborear essas comidas típicas. Alimentos elaborados e servidos de forma
tradicional, contrapondo o presente e o passado e revivendo parte dos fatos da história de da
cidade de Nossa Senhora da Glória.
3. Resultados da Análise de Campo
Foram elaborados dois tipos de questionários: um voltado especificamente à comunidade
local, buscando na amostra detectar as opiniões a respeito dos atrativos turísticos,
notadamente a culinária regional e a gastronomia local. E outro tipo de questionário destinado
aos turistas ou visitantes, no sentido de identificar os motivos de sua visita, os fatores que
determinam a cidade como atrativo turístico e a influência da culinária regional e a
gastronomia local na sua opção pelo roteiro. Foram aplicados sessenta questionários
semiestruturados durante o primeiro semestre de 2009. Trinta questionários para os moradores
com o total de sete perguntas e trinta questionários para os visitantes num total de nove
perguntas. A faixa etária escolhida dos questionados, foi a partir dos 18 anos de qualquer
classe socioeconômica e nível de escolaridade.
Entre as categorias trabalhadas no questionário com o residente, fizeram parte aspectos da
promoção da culinária gloriense como atrativo turístico; os botecos da feira como locais
turísticos; eleição de produto alimentar para atrair o turismo e estrutura dos locais onde são
servidas as comidas. Nas perguntas dos questionários dirigidas ao visitante, foram revistos
temas da comida em Nossa Senhora da Glória desempenhar papel de motivador da visita; qual
alimento tem o maior apelo para atrair pessoas ao município, e se, a gastronomia gloriense
promove o turismo. Se questionou à amostra, se a cidade possui estrutura para atrair visitantes
a partir da sua gastronomia; a qualidade dos alimentos preparados e do ambiente onde são
servidos os pratos.
Nos quesitos formulados à comunidade, se buscou identificar por meio de questionamentos se
o município possui estrutura suficiente para atrair turistas através de sua gastronomia. Como
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resultado, cerca de 53% da amostra respondente afirmaram que a cidade não reúne condições
para atrair turistas através da sua gastronomia, contra 47% que tiveram opinião inversa. Dos
questionados, 62% salientaram a falta de estrutura como fator principal referindo-se ao local
em que as comidas são produzidas e consumidas. O residente justificou que o espaço onde as
comidas são preparadas, é desprovido de higienização, enquanto que o restante da amostra
(38%), identificou a pouca diversidade dos pratos ofertados como fator principal, ou seja, a
variedade ainda não agrada ao paladar dos apreciadores.
Os membros da comunidade que responderam sim ao quesito sobre a atividade turística
totalizaram 44% do total da amostra, contra 56% que não percebem a cidade como pólo para
o turismo. Os questionados que afirmaram que a cidade reúne condições para atração do
turista, opina sobre a boa diversidade dos pratos como fator de atrativo (64%), outra parte dos
respondentes, vê a feira como pólo de atração (22%), enquanto que somente 14% acham que
o atrativo é a boa estrutura do município, relacionando-o a cidade de um modo geral, não só
com enfoque na feira.
A análise dos dados identificou que apesar de 44% dos pesquisados avaliar positivamente a
estrutura do município, esta afirmativa sobe quando se avalia negativamente infraestrutura,
condições de higiene e divulgação (56%). Ou seja, o turismo necessita de boas condições para
que ele seja desenvolvido e consumido, sendo que a comunidade deve ser inserida nessa
cadeia produtiva. Como visto nessa análise, os moradores dividem opiniões e olhares sobre
seu produto, algumas vêem como atrativos, mas afirmam que o local não está adequado para
receber turistas devido à falta de estrutura e maus tratos como o ambiente.
A análise da classificação dos produtos gastronômicos que poderiam ser vistos como atrativos
turísticos no município, em relação à visão do morador pesquisado, revelam em seu ponto
mais expressivo, que os doces de Dona Nena apresentam elevados índices de satisfação.
Devido à localização, o conhecimento adquirido ao longo dos anos e da variedade de seus
doces, os questionados vêem como melhor atrativo específico o ponto estratégico em que se
situa a doceira.
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Numa visão mais ampla que se pode ver o funcionamento da atividade turística relacionada à
alimentação, existem outras iguarias como a galinha de capoeira e a buchada de bode. Ambos
os pratos, atendem de forma integral como parcial as expectativas dos membros da
comunidade, o que vem demonstrar que estes alimentos estão presentes no seu cotidiano. O
enfoque deste estudo centralizou a feira livre como atrativo turístico verificando suas iguarias
como ponto principal.
Sobre a motivação no deslocamento constatou-se que 63% dos visitantes questionados se
encontraram na localidade em razão de trabalho ou turismo de negócios. Aproveitando a
cidade nas horas vagas para apreciar sua atratividade 37% informaram que estavam a turismo.
Porém, uma grande parte se encontrava em visita ao município não a passeio/turismo e sim a
trabalho/negócios, podendo fazer turismo nas horas vagas.
Verificou-se em campo que as iguarias de forma geral atraem o turista, que elegem a buchada
de bode ou a carne de bode, como um dos atrativos gastronômicos mais desejados. Por ser
uma comida diferente do seu dia a dia, constatou-se que ao contrário da comunidade local, os
doces não atraem o turista. Estes agentes sociais procuram algo que seja diferente do seu
cotidiano.
Neste quesito, pôde-se observar que 80% da amostra dos turistas que preencheram os
questionários não vêem no município, quer em sua feira ou suas barracas/botecos como
atrativo turístico. Devido ao ambiente onde os mesmo estão inseridos, não dispor de higiene e
ambiente propício. Sendo que da amostra cerca de 20% consideram que a cidade possui meios
para atrair satisfatoriamente o turista, ou seja, os atrativos turísticos estão diretamente
relacionados à cultura local por meio da feira livre e da tipicidade do homem do sertão.
Segundo 50% dos visitantes entrevistados a diversidade dos pratos é um fator de relevância
neste aspecto, os produtos gastronômicos possuem diversidade, mas não possuem divulgação.
Esse fator se apresentou de forma bastante acentuada na tabulação dos dados, pois se
verificou que 20% desconhecem os produtos gastronômicos e 30% apresentaram outras
respostas ao quesito formulado, pois em nenhum momento foi constatado que a gastronomia
local é fator de atração principal de visita ao município.
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4. Considerações Finais
Este artigo foi elaborado a partir do recorte do trabalho final do Bacharelado em Turismo e
visou demonstrar os olhares da população residente e flutuante, a importância que sua
culinária regional e sua gastronomia têm como atrativo turístico. O enfoque maior foi dado a
buchada de bode, pela importância que esse alimento tem na cultura do homem sertanejo.
Tanto o morador como o turista, percebe a gastronomia e a feira de Nossa Senhora da Glória
como fatores de atração turística. Porém quando verificada a infraestrutura e condições dos
botecos, se constatou uma redução nos índices positivos. Constatou-se que o maior empecilho
sobre a oferta gastronômica ser motivador para o deslocamento de pessoas, não são os pratos
em si, mas a falta de divulgação e de infraestrutura de espaços para servir os alimentos
preparados. Com esse resultado, cabe se pensar em medidas de valorização da gastronomia
local, como atualizações das pessoas envolvidas diretamente no preparo dos alimentos.
Através de projetos que visem boas práticas de higiene, hospitalidade e melhor atendimento.
Outro fato a salientar verificado nos resultados da pesquisa de campo, diz respeito à visão do
que o morador indica como produto turístico, e o que na prática este consome: embora o
ponto de doces de D. Nena faça parte da rota turística Aracaju-Xingó, este alimento não foi o
principal produto marcado pela amostra de visitantes pesquisados. A doçaria de D. Nena foi
lembrada pelo morador com produto de indicação para o turístico. O que o residente indica
como opção gastronômica não é o que o visitante come quando se encontra em estadia.
Conclui-se que em Nossa Senhora da Glória existem dois tipos de comunidade flutuante: a
que entra na cidade e usufrui o que ela tem no seu cotidiano alimentar, a exemplo dos pratos
derivados do bode que são produzidos nos botecos da feira e o visitante que para na rota
turística para comprar os doces de D. Nena, local que fica fora da cidade e desvinculado da
sede do município. O primeiro, em sua maioria, se desloca de pequenas distâncias, o segundo
vem de lugares distantes.
A buchada de bode é um prato de sabor forte e difícil digestão, mas ele alimenta o homem de
Nossa Senhora da Glória. Os residentes por estarem dentro da região do sertão sergipano
(local de baixos índices pluviométricos) encontraram na criação dos ovinos uma das suas
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principais fontes de alimento e renda. Nesse sentido, a buchada de bode está presente na dieta
do morador, somada ao leite de cabra que produz seus derivados (queijos e manteigas) e como
ingrediente auxiliar na fabricação de doces caseiros que são consumidos e comercializados.
A partir do afluxo de pessoas que vão à cidade, seja por lazer ou por negócio e saboreiam a
gastronomia gloriense, constatou-se que a culinária oferecida não é o principal fator de
atração ao município. Mas através de projetos de divulgação e uma melhor infraestrutura e de
serviços, os pratos típicos podem agregar valor e ampliar o produto turístico na visita à
cidade.
Referências Bibliográficas
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A ALIMENTAÇÃO GLORIENSE SOB A PERCEPÇÇÃO