Origem e Composição dos Gases da Atmosfera Mário A. Gonçalves Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [email protected] Os gases constituintes da atmosfera terrestre têm um papel fundamental no sistema climático, em particular na manutenção de temperaturas amenas no Planeta através do efeito de estufa, assim como um papel na absorção parcial da radiação solar, em particular da perigosa radiação ultra-violeta através da camada de ozono. Estas características foram sendo adquiridas ao longo da evolução da Terra à medida que esta foi sendo colonizada pelas primeiras bactérias e outros organismos unicelulares. A atmosfera terrestre tem, como principal característica, o facto de ser um sistema claramente fora do equilíbrio termodinâmico. Se bem que o azoto, que constitui 79% da atmosfera seja basicamente não reactivo, o mesmo não se passa com o oxigénio. O sistema atmosfera efectua ainda trocas com as restantes esferas terrestres, em particular com os oceanos e a biosfera, mas também com a litosfera e o manto, fontes importantes de gases através dos sistemas vulcânicos e hidrotermais. A atmosfera terrestre evoluiu através da desgaseificação do manto durante os primeiros milhões de anos de evolução da Terra e da incorporação de componentes gasosos a partir de corpos celestes que colidiam frequentemente com o planeta. A atmosfera primitiva, embora com muitas incertezas, seria muito rica em CO2 e CH4, gases com elevado potencial de efeito de estufa, o que a acrescer ao vapor de água, terão mantido a superfície terrestre com temperaturas elevadas na ordem dos 90ºC. A situação foi-se modificando à medida que se estabelece o ciclo hidrológico e se forma a crosta continental, dando lugar à meteorização das rochas e consumo do CO2 atmosférico. Com o aparecimento das primeiras bactérias e desenvolvimento do metabolismo aeróbico, o oxigénio foi sendo progressivamente formado por processos biológicos e não somente através de fotólise. Inicialmente, o oxigénio produzido é consumido na oxidação de elementos e compostos reduzidos não havendo lugar à sua acumulação de forma significativa na atmosfera. A situação muda por volta dos 2.2 a 2.0 Ga, pois subitamente as formações bandadas de ferro desaparecem do registo geológico e a fraccionação dos isótopos estáveis de enxofre denotam a existência de mecanismos de oxidação do elemento que não exclusivamente por fotólise. Nesta altura, a atmosfera adquire gradualmente as características que conhecemos actualmente, mas o planeta ainda vai testemunhar muitas oscilações na composição atmosférica, em particular do oxigénio e dióxido de carbono. No Proterozóico superior dá-se um evento climático catastrófico, que leva ao desenvolvimento de uma glaciação global desde os polos ao equador, conhecida como a hipótese da “Snowball Earth”. Nesta altura, a própria vida na Terra sofre uma provação sem igual e o planeta mergulha num gélido manto branco cujos modelos físicos prevêm não ser possível de recuperar, mas que a acumulação de CO2 na atmosfera vai demonstrar precisamente o contrário. Após a explosão do Câmbrico, que alguns autores argumentam poder estar relaccionada com a acumulação do oxigénio na atmosfera, os níveis dos gases atmosféricos mantémse relativamente constantes. No entanto em diversas ocasiões assiste-se a variações dos níveis atmosféricos em O2 e CO2. Um desses eventos decorre durante o desenvolvimento das grandes plantas terrestres tendo-se estabelecido um desequilíbrio no balanço entre a produção e consumo do oxigénio, permitindo que este tenha atingido níveis bem mais elevados que os actuais. Já o CO2 encontra-se em concentrações mais elevadas que as actuais durante todo o Fanerozóico, tendo igualmente ocorrido transferências substanciais deste gás para a atmosfera durante eventos de superplumas e formação das grandes províncias ígneas como os Traps do Decan (Índia) na transição Cretácico/Terciário ou da Sibéria na transição Pérmico/Triássico. Estes eventos, coincidentes com importantes extinções em massa da vida terrestre, não são exclusivos na tranferência de CO2 para a atmosfera pois existe forte evidência da libertação de quantidades substanciais de metano para a atmosfera na transição do Paleocénico/ Eocénico (provavelmente dos hidratos de metano existentes nos fundos marinhos), metano esse que por via do oxigénio atmosférico é rapidamente oxidado para CO2. Todos estes processos são fulcrais para a compreensão do comportamento do sistema climático terrestre a escalas de tempo dificilmente equacionáveis por modelos numéricos e que se tornam fundamentais na compreensão da evolução climática no futuro. Numa escala de tempo de milhares de anos, o registo dos gases atmosféricos aprisionados nos gelos da Groenelândia e Antárctica mostram variações na composição atmosférica com uma resolução que dificilmente imaginaríamos possível há poucos anos atrás. Desta história podemos apreciar a importância do CO2 como composto regulador do clima na Terra, embora não seja de forma alguma o único, e quão preocupantes se tornam as emissões crescentes deste gás por via das actividades antropogénicas.