Expansão Térmica e Lei dos Gases Michael Fowler 4/8/06 Coeficientes de Expansão Quase todos os materiais expandem durante o aquecimento – sendo a excepção mais conhecida a da água, que contrai quando aquecida dos 0 graus Celsius aos 4 graus Celsius. Isso é um aspecto positivo, porque à medida que o clima arrefece, a água fria, que está prestes a solidificar, torna-se menos densa que a água que se encontra a uma temperatura ligeiramente mais alta, e por isso sobe até à superfície do lago, e o gelo começa a formar-se aí. Para quase todos os restantes líquidos, a solidificação durante o arrefecimento começa no fundo do recipiente. É pelo fato de a água ter este comportamento estranho, que se torna possível esquiar no gelo. Para além disso, a vida nos lagos também se torna possível – a camada de gelo que se forma isola a água líquida que se encontra por baixo do ar frio exterior, possibilitando a sobrevivência dos peixes durante o Inverno. Expansão Linear O coeficiente de expansão linear α de determinado material, por exemplo uma barra de cobre, a determinada temperatura é definido como o aumento fracional de tamanho que ocorre quando o aquecimento sofrido pelo material é de 1 grau Celsius. Claro que α pode variar com a temperatura (varia no caso da água, tal como mencionado), mas de fato para a grande maioria dos materiais, é aproximadamente constante para grandes intervalos de temperatura. Para o cobre, α =17 x 10-6. Expansão de Volume Para líquidos e gases, a medida natural de expansão é o coeficiente de expansão de volume, β. Obviamente que durante o aquecimento de uma barra de cobre, ocorre um claro aumento de volume e de comprimento da barra – a barra expande-se em igual proporção em todas as direções (este fato pode ser verificado experimentalmente, ou pode imaginar-se um cubo de cobre, que se expande o mesmo em todas as direções). O volume de um cubo de cobre de lado L é V=L3. Suponha que sofre um aquecimento de 1 grau. Juntando as definições de α e β descritas acima, . Mas tenha em conta que α é muito, muito pequeno – e apesar de , os últimos dois termos são praticamente desprezáveis (experimente!) e por isso uma excelente aproximação será: Deste modo O coeficiente de expansão de volume corresponde a apenas o triplo do coeficiente de expansão linear. Aumento da Pressão de um Gás com a Temperatura Em 1702, Amontons verificou um aumento linear de P com a T no caso do ar, e descobriu que P aumenta cerca de 33% no intervalo de temperaturas que vai desde o ponto de congelação da água até ao ponto de ebulição da água. É o mesmo que dizer que Amontons descobriu que se um recipiente com ar for selado a 0 ºC, à pressão de 1.02 atmosferas (15 libras por polegada quadrada), e em seguida aquecido até à temperatura de 100 ºC a volume constante, a pressão do ar seria de 1.36 atmosferas (20 libras por polegada quadrada) nas paredes do recipiente. (Obviamente que o contentor também sofre um aumento de tamanho, o que reduz o efeito – o que corresponde a uma pequena correcção de cerca de ½ % para o cobre, e ainda menor para o aço e o vidro). Notavelmente, Amontons descobriu que se o gás se encontrasse a uma pressão inicial de 2.04 atmosferas (30 libras por polegada quadrada) a 0 ºC, após aquecimento a 100 º C a pressão seria de 2.72 atmosferas (40 libras por polegada quadrada)– e por isso o aumento percentual de pressão é o mesmo para qualquer pressão inicial: após o aquecimento de 100 ºC, a pressão aumenta sempre aproximadamente 33%. Para além disso, o resultado foi o mesmo para diferentes gases! Encontrar uma Escala de Temperatura Natural Pode-se representar graficamente a pressão do ar em função da temperatura, mantendo o volume de ar constante, e efetuando várias medições à medida que o ar foi lentamente aquecido. A representação que se obtém é uma linha reta. Nesta representação gráfica, prolonga-se a linha obtida, de modo a estimar qual a pressão do ar a temperaturas mais baixas. De acordo com estimativas efetuadas, prevê-se que a pressão atinge o valor 0 à temperatura de aproximadamente -273 ºC. De fato, se efetuassemos o arrefecimento experimentalmente, verificaríamos que a pressão do ar não segue a linha estimada no gráfico, pois condensa a aproximadamente -200 ºC. Contudo, o gás Hélio mantém-se no estado gasoso até aproximadamente -270 ºC, e a sua pressão mantém-se muito próxima da linha traçada no gráfico. Iremos discutir a física dos gases, e as respetivas interpretações, de modo mais completo mais para a frente. Por agora, importa reter que isto sugere uma escala de temperatura muito mais natural que a escala de Celsius: devemos tomar -273 ºC como correspondente à temperatura 0! Se o fizermos, a relação pressão/temperatura para um gás torna-se incrivelmente simples: Esta escala de temperatura, na qual cada grau tem a mesma dimensão que na escala Celsius, é designada de escala de Kelvin ou escala absoluta. O valor de temperatura passa a ser escrito como 300K, por exemplo. Para converter de Celsius para Kelvin, é só adicionar 273 (273.15, para ser mais correto). Um Gás Ideal Os físicos introduzem então o conceito de “Gás Ideal”. É como uma superfície sem atrito, não existe na natureza, mas é uma aproximação muito útil para alguns sistemas, e torna os problemas muito mais fáceis de resolver, matematicamente. O gás ideal é aquele para o qual para todas as temperaturas, sendo o hélio muito próximo de um gás ideal, num intervalo de temperaturas muito extenso, e o ar próximo de um gás ideal a temperaturas iguais ou superiores à temperatura atmosférica normal. A Lei dos Gases Já foi dito num outro documento que para um gás a temperatura constante Boyle). e (Lei de Agora sabemos que a volume constante, Podemos agora juntar estas duas conclusões numa só expressão, para encontrar uma relação entre a pressão, o volume e a temperatura: onde C representa uma constante. Repare, já agora, que podemos concluir de imediato que a pressão constante, , a designada de Lei de Charles. (Exercício: prove a partir destes dados que o coeficiente de expansão de volume de um gás varia significativamente com a temperatura.) Mas o que significa o C? Obviamente, depende da quantidade de gás a considerar - ao duplicar a quantidade de gás, mantendo a pressão e temperatura constantes, o volume duplica, e por isso C duplica. Mas repare que C não depende do tipo de gás utilizado: se tivermos dois recipientes separados, de 1 litro, um com Hidrogénio e o outro com Oxigénio, ambos à pressão atmosférica e à mesma temperatura, então C será o mesmo para os dois gases. Podemos então concluir que C deve ser definido para 1 litro de gás a uma determinada temperatura e pressão, por exemplo 0 ºC e 1 atmosfera, sendo este um esquema consistente. Parece mais natural, contudo, especificar uma determinada massa de gás, já que assim não é necessário especificar a temperatura ou a pressão na definição de C. Contudo, esta sugestão traz-nos um problema: um grama de Oxigénio ocupa um volume muito menor que um grama de Hidrogénio. Uma vez que já se verificou que se os dois gases ocuparem um mesmo volume, se obtém o mesmo valor de C para os dois gases, é evidente que se tivermos em conta massa iguais para os dois gases, o valor de C obtido será diferente. Hipótese de Avogadro A forma de ultrapassar esta dificuldade é baseada numa descoberta notável feita pelos químicos há 200 anos atrás: descobriu-se que um litro de Azoto reagia com exatamente um litro de Oxigénio, para produzir exatamente dois litros de NO, óxido Nitroso, sendo que todas as medidas de volume foram efetuadas à mesma pressão e temperatura. Descobriram também que um litro de Oxigénio combinado com dois litros de Hidrogénio dá origem a dois litros de vapor de água. Estes rácios simples de interação entre gases podem ser facilmente entendidos se imaginarmos os átomos a combinarem-se para dar origem a moléculas, de acordo com a hipótese seguinte, designada de Hipótese de Avogadro (1811): Gases com o mesmo volume à mesma temperatura e pressão contêm o mesmo número de moléculas. Podemos então compreender os volumes obtidos anteriormente assumindo que os gases são constituídos por moléculas diatómicas, H2, N2, O2 e que as reações químicas ocorridas resultaram apenas de recombinação molecular, dada pelas equações N2 + O2 = 2NO, 2H2 + O2 = 2H2O, etc. É claro que, em 1811, Avogadro não fazia a mais pequena ideia do número de moléculas contido, por exemplo, num litro de gás, e ninguém o soube nos 50 anos seguintes. Não era conhecida a massa de um átomo ou molécula, mas assumindo que a reação química que ocorre resulta da combinação de átomos para formarem moléculas, ou do rearranjo de pares de átomos na molécula para formar outra, conseguiuse perceber qual a massa relativa dos átomos, por exemplo um átomo de Oxigénio tem uma massa 16 vezes superior à de um átomo de Hidrogénio – ainda que não fosse conhecido o valor real dessas massas! Esta observação levou a que se definisse a massa natural de um gás, de modo a que o valor da constante C na lei dos gases se relacionasse com o número de “moles” de gás: o Hidrogénio era conhecido na forma molecular H2, por isso uma mole de Hidrogénio correspondia a 2 gramas, o Oxigénio era conhecido na forma molecular O2, por isso uma mole de Oxigénio correspondia a 32 gramas, etc. Com esta definição, uma mole de Oxigénio contém o mesmo número de moléculas que uma mole de Hidrogénio: por isso, à mesma pressão e temperatura, ocupam o mesmo volume. A 0 ºC, e pressão atmosférica, esse volume é de 22.4 litros. Então, para uma mole de gás (por exemplo, duas gramas de Hidrogénio), define-se a constante C como sendo igual a R, conhecido como a constante universal dos gases, e igual a 8.3 J/mol.K. Para n moles de um gás, tal como 2n gramas de hidrogénio, a lei escreve-se da seguinte forma: sendo esta a forma mais habitual para exprimir a Lei dos Gases. (Nota final: após a descoberta dos isótopos, núcleos do mesmo elemento que possuem massas diferentes, em particular uma forma de Hidrogénio conhecida como Hidrogénio pesado presente em pequenas quantidades na natureza, a definição de mole foi alterada para ser igual a precisamente 12 gramas de um isótopo de Carbono, o C12. Na prática, esta é uma pequena correção que não afeta em nada o que foi dito anteriormente.) © Michael Fowler, Universidade de Virgínia Casa das Ciências 2012 Tradução/adaptação de Nuno Machado e Manuel Silva Pinto