RELATÓRIO E CONCLUSÕES Numa organização do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), e com o apoio financeiro do Programa Operacional Regional do Norte (ON.2), realizou-se nos dias 6, 7 e 8 de Outubro de 2011, no auditório da Biblioteca Almeida Garrett, na cidade do Porto, a IBERIONA 2011 – VI Encontros de Artesanato Ibérico, naquela que foi a primeira edição da fase de itinerância de um evento bienal que se tem vindo a realizar desde 2001 em Barcelona. O Conselho Científico deste congresso é composto por entidades espanholas e portuguesas ligadas ao setor do artesanato. Do lado português têm integrado esta parceria o IEFP, através do PPART – Promoção dos Ofícios e das Microempresas Artesanais, o Centro de Formação Profissional do Artesanato (CEARTE), a Federação Portuguesa de Artes e Ofícios (FPAO) e o Centro Regional de Apoio ao Artesanato dos Açores (CRAA). De Espanha, a Fundação Espanhola para a Inovação do Artesanato (FUNDESARTE), a Federação das Associações de Artesãos da Catalunha (FAAOC) e a Organização dos Artesãos de Espanha (OFÍCIO Y ARTE). Resultado de parecerias entre as Administrações e as organizações profissionais do setor, de um e de outro lado da fronteira e entre as próprias regiões autonómicas espanholas, estes encontros já conquistaram um lugar incontornável no panorama das artes e ofícios na Península Ibérica, registando também a participação pontual de elementos de outros países europeus como é o caso da França, Itália, Reino Unido, Irlanda ou Finlândia. Na edição portuguesa, cuja temática central foi “Artesanato no Século XXI: paradigma reencontrado”, marcaram presença 200 participantes, entre artesãos, dirigentes associativos, designers, formadores e docentes, investigadores, técnicos que trabalham nesta área em associações de desenvolvimento, autarquias, etc. OBJETIVOS DO CONGRESSO A IBERIONA 2011 tinha à partida os seguintes objetivos principais: Proporcionar o debate, a reflexão e a partilha de experiências entre os principais agentes do setor do Artesanato de Portugal, Espanha e França, na busca de soluções ou caminhos que promovam o desenvolvimento destas atividades e a consolidação do respetivo tecido empresarial; Propor um conjunto de “recomendações” úteis ao setor, que questionem e façam refletir os próprios artesãos, que incitem a boas práticas por parte das Administrações e que sensibilizem a sociedade para a importância e responsabilidade do setor e o seu compromisso social e cultural; Vincar a importância das produções artesanais tradicionais enquanto recursos endógenos vinculados aos territórios, designadamente a partir da apresentação de casos de boas práticas na Região Norte, estabelecendo estratégias para a qualificação, certificação e proteção das mesmas; Reforçar a necessidade de inovação dos produtos artesanais em geral, encorajando a criatividade dos artesãos contemporâneos e fomentando a interdisciplinaridade e a cumplicidade com as áreas do design, da arquitetura e da comunicação; Promover as potencialidades culturais, patrimoniais e paisagísticas da Região Norte de Portugal. DESENVOLVIMENTO DOS TRABALHOS Os trabalhos iniciaram-se com uma conferência inaugural protagonizada por Heloísa Crocco e Frederico Duarte. A primeira é um dos principais nomes da junção entre design e artesanato no Brasil, não só pela longevidade do seu trabalho na área - foi um dos primeiros designers a fazer incursões no artesanato, em 1993 - mas especialmente pela consistência e coerência da sua trajetória. No Brasil, na Colômbia e no Uruguai tem coordenado programas de aproximação entre o design e o artesanato, visando a permanência da tradição e um salto para a contemporaneidade. Frederico Duarte é crítico de design e professor na Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Depois dessa conferência, que deu o mote a todo o evento evidenciando como a tradição e os saberes artesanais podem ser reinventados e estão a ser reinventados, também em Portugal, o congresso organizou-se em três mesas redondas com vários especialistas (artesãos, designers, publicitários, gestores, investigadores) que se organizaram em torno dos seguintes temas: “Criando valor hoje”, “Artesanato Virtual – As novas ferramentas da criatividade” e “Futuros Escritos – comunicar (n)o artesanato”, tendo suscitado debates vivos e participados. Na ponta final do congresso, na linha da metodologia que é própria da IBERIONA, os participantes dividiram-se em quatro grupos de trabalho nos quais se abordaram temáticas sempre atuais para o setor, na perspetiva do tema central das jornadas. Falamos especificamente dos temas Território/Identidade, Qualidade/Produto, Comunicação/Comercialização e Inovação/Formação, de onde saíram as recomendações IBERIONA 2011 mais tarde debatidas e aprovadas em plenário. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES IBERIONA 2011 O mercado, incluindo o mercado do artesanato, é cada vez mais global. Por isso é necessário oferecer produtos com mensagem global, mas baseados num território e na sua identidade, não esquecendo que existem vários níveis de identidade: local, regional, nacional, europeia, etc. A identidade, que de certo modo é um antídoto à globalização, incorpora no artesanato um importante capital simbólico, de afetos e de sentimentos de pertença. Por isso há que contar as histórias que estão por detrás dos produtos, há que saber comunicar. Devem ser apoiados e encorajados os processos de certificação que ajudam a proteger a identidade mediante a caracterização e a qualificação de produtos artesanais com referente geográfico, ao nível da “denominação de origem” ou da “indicação geográfica”. É necessário atuar sobre os fatores intangíveis que determinam a qualidade no artesanato (atitude do artesão, responsabilidade, qualidade técnica e competências do artesão) e também sobre os fatores tangíveis (estratégias de mercado, sistemas de certificação, estratégias e meios de comunicação). A qualidade depende também da sagacidade para aproveitar as oportunidades (a valorização do que é artesanal, as novas tendências de consumo de bens ambientalmente responsáveis, a preferência por produtos com alma) e para debelar as ameaças (alguma rigidez jurídica, a desinformação do consumidor, as más estratégias seguidas em muitos eventos de artesanato, sobretudo as feiras). No campo específico da comunicação e da comercialização, é urgente e vital rever o modelo da maioria das feiras de artesanato para evitar a sua degradação e corrigir a má imagem do setor que transmitem ao público. Recomenda-se às entidades e organismos organizadores que envidem esforços para conseguir esse objetivo, aplicando critérios rigorosos de seleção que sejam coerentes com a autenticidade e qualidade associadas às produções artesanais. Seria importante a realização de estudos de mercado que ajudem a perceber qual a perceção que o público tem acerca do artesanato, de forma a serem delineadas estratégias adequadas de promoção e de comunicação. Recomenda-se a elaboração de planos estratégicos para o artesanato que tenham como objetivo melhorar a comunicação do setor, quer com ações transversais, quer prestando assistência técnica às microempresas artesanais, aproveitando as potencialidades das novas tecnologias da informação. Neste particular, foi sublinhada a importância da iniciativa “Jornadas Europeias do Artesanato” que, partindo da experiência que tem vindo a ser desenvolvida em França, permitirá alargar ao conjunto dos países da Europa a realização de uma multiplicidade de eventos concentrados no primeiro fim de semana de Abril de cada ano (exposições, ateliers abertos, workshops, demonstrações, etc), significando um impacto considerável em termos de opinião pública. Quanto à formação no artesanato, entendeu-se que esta deve ser contínua, ao longo da vida, e apostar sobretudo nas áreas técnicas, de gestão empresarial, da criatividade e inovação, das tendências de mercado, do empreendedorismo, marketing, comercialização e internacionalização. Recomenda-se a introdução de ações de sensibilização às artes e ofícios nos curriculuns do Ensino Básico, de forma a cativar os mais jovens para estas profissões. No outro extremo, a formação em artesanato deve evoluir para graus superiores, com licenciaturas em Design e Artesanato e com mestrados que permitam a especialização em atividades artesanais específicas, como acontece em muitos países do norte da Europa, na Escola Massana (Barcelona) que iniciou já formação superior a este nível e com o curso superior de joalharia da Escola Superior de Artes e Design (ESAD) em Matosinhos. É importante, também, aumentar o número de cursos monográficos (não regulados e não tipificados no Catálogo Nacional de Qualificações) desenvolvidos por entidades públicas e privadas, que não estando sujeitos ao espartilho das regras do FSE sejam mais ajustados às reais necessidades de formação dos artesãos, o que contribuirá para aumentar a qualidade e a eficácia da formação. Importa igualmente sensibilizar os poderes públicos para a necessidade de flexibilizar algumas regras de organização e funcionamento da formação, designadamente reduzindo o número mínimo de participantes nas ações de formação, aumentando a duração das mesmas, dando possibilidade aos reformados e aos licenciados de acederem a essa formação e, sobretudo, que as entidades formadoras possam contratar os mestres artesãos, ainda que aposentados ou reformados, para ministrarem formação e transmitirem os seu inestimável saber-fazer, o que hoje em dia não é possível. ATIVIDADES PARALELAS Exposições Como atividades paralelas da IBERIONA 2011, foram realizadas no Convento Corpus Christy, espaço disponibilizado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, duas exposições intituladas "Artes da Casa na Região Norte" e "CEARTE 25 anos", as quais permaneceram patentes ao público entre os dias 6 e 31 de Outubro, sendo que a inauguração das mesmas integrou um concerto de música e poesia portuguesa do séc. XX. “Artes da Casa na Região Norte” foi uma exposição que convidou a olhar para dentro da casa e para o conjunto de produções artesanais que concorrem para o apetrechamento da habitação, quer ao nível funcional ou utilitário quer decorativo, e que evidenciou a diferenciação e qualificação que os objetos artesanais emprestam aos espaços. Objetos que transportam afetos e memórias e que são, simultaneamente, símbolo de modernidade. Objetos que podem ser surpreendentes pelas potencialidades estéticas que integram, pelas histórias que contam, por serem objetos singulares. Aliar design e saberes tradicionais foi o desafio. O resultado foi uma pequena mas significativa mostra de contemporaneidade ancorada nos valores identitários e nos saberes artesanais desta região: os tradicionais bordados de Viana e Guimarães com novas abordagens, a azulejaria contemporânea, as novas propostas de mobiliário e iluminação que fazem uso das técnicas tradicionais ligadas ao ferro forjado e à serralharia, as novas linguagens da tecelagem transmontana, o mobiliário de autor cujo conceito cruza o requinte e exclusividade com o trabalho qualificadíssimo dos mestres entalhadores, douradores e embutidores. No espírito da IBERIONA 2011, esta exposição mostrou aos mais desatentos que o artesanato pode ter reencontrado o seu paradigma no arranque deste novo século. A exposição “CEARTE 25 anos” reuniu um conjunto muito interessante de peças elaboradas propositadamente por artesãos e designers que têm vindo a participar em projetos promovidos por aquele centro de formação ao longo dos anos. Ao mesmo tempo que permitiu assinalar e celebrar uma longa e frutífera atividade formativa indutora de inovação e modernidade nas artes e ofícios em Portugal, a exposição constituiu mais um marco naquela que é talvez a vocação mais importante da IBERIONA – contribuir para a qualificação, a inovação e a vanguarda do setor do artesanato na Ibéria e na própria Europa. Exibição do documentário “Mulheres da Serra de Montemuro” No final do segundo dia do evento, no espaço do auditório, foi feita a exibição do documentário televisivo “Mulheres da Serra de Montemuro”, seguindo-se um interessante debate com a presença de Francisco Manso (realizador) e Isabel Peres Gomes (autora do guião e do texto), aos quais se juntou Helena Cardoso (estilista). Na Serra de Montemuro, ainda há pouco tempo conhecida como a “Serra mais desconhecida de Portugal”, as cooperativas de mulheres artesãs mostram como é possível aliar o design e a moda às artes tradicionais portuguesas da tecelagem da lã e do linho. Numa aventura que teve início na primeira metade dos anos oitenta do século XX, foram formadas pequenas unidades empresariais de mulheres que, com o apoio de várias entidades e de uma estilista (Helena Cardoso) reinventaram os usos dos tecidos fabricados artesanalmente, aplicando-os na confeção de vestuário contemporâneo. Foram assim criados postos de trabalho em localidades onde o emprego era escasso, que permitiram a estas artesãs continuar a viver nas aldeias, contribuindo para travar a sua desertificação. Posteriormente, outros estilistas e designers trabalharam com estes grupos. A tenacidade destas mulheres contribuiu para dar confiança a outros jovens para criarem por si próprios projetos culturais e profissionais, como é o caso do grupo de Teatro Regional da Serra de Montemuro, criado na aldeia de Campo Benfeito, que desde 1990 aí leva à cena peças de qualidade, atuando também nos principais palcos nacionais. Visita à região do Douro Património da Humanidade Após os dois dias de sessões plenárias e de grupos de trabalho, o programa incluiu no último dia uma visita à região do Douro Património da Humanidade. Esta visita enquadrou-se no objetivo definido pelo Programa Operacional Regional do Norte (ON.2) para os projetos apoiados no âmbito dos “Congressos Internacionais”, os quais devem incluir uma ação de promoção regional consubstanciada no desenvolvimento de iniciativas complementares de promoção e divulgação dos recursos da Região Norte (paisagísticos, históricos, culturais, patrimoniais, ambientais, produtivos, gastronómicos, etc.). Considerando a temática do evento IBERIONA 2011, foi assim realizada, como ação de promoção regional, a visita à Região do Douro, atividade muito interessante e participada, que teve por objetivo divulgar e promover as potencialidades paisagísticas e culturais do Douro Património da Humanidade, com enfoque especial para a questão do Douro vinhateiro (a mais antiga região demarcada do mundo), para as atividades artesanais ligadas ao vinho e à vinha e para as manifestações da cultura popular da região, tendo contado com a colaboração do Museu do Douro, na cidade da Régua. Concluído este congresso, fica uma palavra de agradecimento aos oradores pela qualidade das suas intervenções, que como é timbre da IBERIONA trouxeram reflexões e desafios muito estimulantes, um reconhecimento a todos os participantes pelo seu entusiasmo e envolvimento em todos os momentos das jornadas, e uma grata referência a todas as entidades que tornaram possível a realização da IBERIONA 2011. Obrigado! Gracias! Merci!