Celso Perota
IMPACTO DO ARTESANATO NO TURISMO
Vitória
2005
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .............................................................................................3
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................4
2 POLÍTICAS PARA O ARTESANTO .................................................................................................6
3 A EVOLUÇÃO DO ARTESANATO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO ...................8
3.1 ARTESANATO NO ESPÍRITO SANTO ......................................................................................11
4 IMPACTOS DO ARTESANTO NO TURISMO ............................................................................16
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................19
6 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................20
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CFCP – Coordenação de Folclore e Cultura Popular do Museu do Folclore Edison Carneiro
Embratur – Empresa Brasileira de Turismo
Emcatur – Empresa Capixaba de Turismo
Funarte – Fundação Nacional de Arte
NPDA – Núcleo de Produção Mundial de Turismo
OMT – Organização Mundial de Turismo
ONG – Organização Não-Governamental
PNDA – Plano Nacional de Desenvolvimento do Artesanato
Sebrae – Serviço de Apoio às Micros e Pequenas Empresas
Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
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1 INTRODUÇÃO
A constatação da relação entre o artesanato e o turismo é obvia: o turista é um grande consumidor da produção
artesanal, por isso temos de considerar uma multiplicidade de olhares sobre essa relação. Um desses olhares dirige-se ao
turista cultural que consome artesanato. Pela característica de seu alto nível de exigência, principalmente no que diz
respeito à autenticidade e à identidade do artefato, esse tipo de turista dá valor cultural aos objetos adquiridos.
Em primeiro lugar, é importante definir o que é artesanato e, de alguma forma, o turismo.
A questão etimológica da palavra artesanato ainda é estudada, mas sabemos que na antiguidade a palavra arte significava
―fazer‖ e não criar. O fazer significava os modos técnicos que as comunidades encontravam para sobreviver. No final da
Idade Média, alguns artistas passaram a assinar as obras e então foram chamados de ―artesãos‖.
Atualmente, um dos conceitos de artesanatos mais usados foi proposto pelo Conselho Mundial de Artesanato que diz
que:
[...] artesanato é toda a atividade produtiva que resulte em objetos e artefatos acabados,
feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares, com
habilidade, destreza, qualidade e criatividade (CONSELHO MUNDIAL DE
ARTESANATO, apud SEBRAE-MG, [1991], p. 3).
Para entender essa definição, é necessário qualificar os mais diversos universos dos artesãos, sobretudo sua relação com
o seu meio ambiente, disponibilidade de matéria prima e objetivos de sua produção. Fazendo essa qualificação,
poderemos entender os processos culturais de sua elaboração e, com isso, defini-los como, arte popular, artesanato ou
trabalho manual e, principalmente, reconhecer a sua autenticidade, conseqüentemente, a sua identidade étnica, local ou
regional.
O conceito antropológico do artesanato ainda permanece associado à idéia do objeto único, de representação étnica e
contextualização histórica. Isso ocorre sobretudo nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde se constatam,
numa mesma área geográfica, significativos contrastes sociais e tecnológicos, pois, para algumas pessoas ou
comunidades, a produção de artesanato passa a ser um meio de vida; para outras, uma complementação de renda,
principalmente nas áreas em que a geração de emprego é menor que a força de trabalho.
O significado fixa-se no fato de que o artesanato identificado etnicamente é um ―[...] testemunho, lembrança, nostalgia,
entre outros. Está no objeto uma tentativa permanente de recuperar sobrevivências tradicionais e simbólicas [...]‖
(LODY, 1989, p. 2). A característica e o valor do artesanato devem ser de plena identidade com a comunidade que o
gerou, mesmo que algum artesão se destaque. Um dos exemplos mais significativos dentro do estudo do artesanato
brasileiro é o da cerâmica produzida individualmente pelo Mestre Vitalino, em Pernanbuco: após a morte desse
ceramista, suas representações em argila foram passadas para o domínio público e hoje tem uma significativa
representatividade junto a grupos e pessoas que reproduzem as formas do Mestre, por meio dos quais expressam uma
forma regional muito bem identificada e solicitada pelos turistas.
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Mais recentemente, as correntes de pensamento ecológico, destacando-se as Organizações Não-Governamentais
(ONGs) têm-se preocupado com a produção artesanal em relação ao desenvolvimento sustentável, o que chamam de
―produção limpa‖. Para a ONG Greenpeace, o artesanato socialmente correto é aquele ―[...] produzido por pequenas
comunidades extremamente pobres, que detêm o conhecimento de produção por meio de ensinamentos de gerações
anteriores, utilizando matéria prima renováveis e corantes naturais (vegetais) [...]‖ e que ―[...] devem utilizar matérias
primas renováveis, não utilizar produtos tóxicos e poluentes, inclusive tintas naturais à base de águas [...]‖
(GREENPEACE, apud TODABA PARTICIPAÇÕES, 2005). Uma das questões fundamentais dessas organizações é
manter essas comunidades que se denominam de tradicionais. Elas produzem objetos utilitários para uso pessoal ou
comunitário, pouco se preocupam com o valor comercial de seus produtos, mas utilizam os recursos que estão presentes
no seu meio, portanto, toda a sua matéria prima compõe-se de elementos renováveis.
O conceito de turismo para a Organização Mundial do Turismo (O.M.T.) consiste no deslocamento voluntário e
temporário do homem fora de sua residência habitual, por uma razão diferente que a de exercer uma atividade
econômica. Já a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), dentro de uma visão econômica, o turismo pode ser
definido como uma atividade econômica representada pelo conjunto de transações turísticas (compra e venda de bens e
serviços).
Mas a dimensão desse conceito é bem maior: a movimentação de pessoas que não estão em trabalho, em contextos
diferentes do seu quotidiano, pode exercer e caracterizar uma variedade de atividades turísticas. O termo é amplo. Pode
definir algo que se estende desde uma visita de uma pessoa a um monumento de sua cidade até uma viagem a lugares
totalmente desconhecidos, em outros países.
Assim o turismo é um fenômeno muito complexo, não só por se apresentar
quantitativamente como uma das maiores (se não a maior) indústria do mundo, mas
principalmente por uma enorme diversidade de objetivos programáticos, além de aspectos
subjetivos que perpassam todos os relacionamentos envolvidos nas suas múltiplas facetas
[...]‖ (GRÜNEWALD, 2005, p. 3).
Dentro dessas múltiplas facetas está o imaginário do turista, em relação ao local visitado, de deter recordações de uma
viagem por meio da aquisição de objetos simbólicos, artesanais ou de souvenir. Assim, uma peça artesanal pode
representar a identidade do local para o turista e garantir sua satisfação em reter uma parte dessa cultura no seu acervo
particular, mesmo que a autenticidade e a identidade daquilo que adquiriu possam ser questionadas.
No comércio turístico do mundo globalizado é necessário verificar a procedência da produção do artesanato. Um
exemplo disso é a do turista que compra um berimbau no Mercado Modelo de Salvador. Inconscientemente está seguro
de que adquiriu um objeto autêntico do estado da Bahia, ou da capital – Salvador, mas muitos dos berimbaus
comercializados naquele Estado são produzidos no norte do estado do Espírito Santo. O mesmo acontece com a
maioria dos souvenirs que têm seus locais de produção diferente dos de comercialização.
Por isso, a relação entre artesanato e turismo tem de visto criticamente, principalmente quanto às formas de
comercialização, pois essa dinâmica foi desenvolvida pelo próprio fenômeno do turismo
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2 POLÍTICAS PARA O ARTESANTO
Algumas ações dos governos federal, estadual e de alguns municipais estão colocando o artesanato
como uma oportunidade de aumento de trabalho e, conseqüentemente, de melhoria da renda das
comunidades e dos artesãos.
O Programa do Artesanato Brasileiro, criado no final da década de 60, desenvolveu ações que visavam à valorização do
artesanato e do artesão brasileiro, conseqüentemente, de sua realidade cultural, pela promoção desse produto no país e
no exterior.
Esse Programa deu ensejo à criação do Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato, instituído por meio do
Decreto nº 80. 098, de agosto de 1977. Em 1979, o Decreto 83. 290 regulou a classificação de produtos artesanais e a
identificação profissional do artesão. É importante citar que esse programa foi veiculado, em 1995, pelo então Ministério
da Industria e Comércio e do Turismo que depois foi sucedido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, fato que deu maior incremento à venda de artesanato, principalmente no exterior.
Nessa fase, estruturam-se, para o segmento artesanal, algumas políticas voltadas para a organização e o fortalecimento de
núcleos de produção (associações e cooperativas de artesãos), bem como o marketing e o incentivo à comercialização dos
produtos artesanais; definem-se, também, algumas diretrizes para o aumento da produção, tais como: a) a geração de
emprego, ocupação e renda; b) o estímulo à exportação; c) o desenvolvimento e o aproveitamento das vocações
regionais e locais; d) o fortalecimento dos arranjos produtivos locais; e) a integração regional, nacional e internacional
desses arranjos; f) a implementação de diretrizes que estabeleceriam parcerias entre todos os órgãos dos governos e as
entidades privadas, envolvidas com o artesanato.
Com isso, alguns Estados definiram seus arranjos produtivos e criaram programas de incentivo ao artesanato, gerando
espaços para produção, armazenamento e comercialização.
Apesar disso, muitos projetos ou subprojetos não tiveram os resultados esperados, sendo um dos fatores desse insucesso
o desconhecimento da realidade cultural das comunidades envolvidas, que tornou alguns de seus objetivos bastante
abstratos, principalmente quanto aos procedimentos e ações.
Alguns núcleos artesanais, sobretudo os das sociedades tradicionais, não se enquadraram no modelo e diretrizes do
Programa de Artesanato Brasileiro, principalmente no que diz respeito aos processos de produção e comercialização. No
governo do Prof. Fernando Henrique Cardoso, com a criação da Comunidade Solidária, juntamente com algumas
instituições, como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae), a Fundação Nacional de Arte (Funarte), por meio da Coordenação de Folclore e Cultura
Popular (C.F.C.P.) do Museu do Folclore Edison Carneiro e de algumas Organizações não Governamentais,
desenvolveu-se o Projeto de Apoio às Comunidades Artesanais para Geração de Renda, cuja preocupação primordial foi
o resgate do profundo conhecimento das técnicas artesanais. Isso pressupunha a recuperação das mais variadas
identidades culturais, para conhecer as diferentes vertentes do patrimônio cultural brasileiro das comunidades
tradicionais que produziam um artesanato. Esse Projeto revigorava as atividades que expressassem a maneira de viver de
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uma comunidade, associando-as à geração de renda. Com isso, revitalizaram-se as tradições e seus fazeres, colocando o
artesanato à disposição da sociedade, para poder oferecer produtos ―diferentes‖, ―exóticos‖ e diferi-los do consumo de
produtos que repetem padrões (souvenir) que os deixam iguais, sem a criatividade e, conseqüentemente, sem uma
identidade.
O projeto abrangeu uma dezena de comunidades, de diferentes partes do Brasil, principalmente as das cerâmicas do
Candial, no norte de Minas Gerais; cerâmicas baianas, de Mangueira, de Lajas e Rio Real; cerâmica de Trucunhaém, de
Pernambuco; cerâmica do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais; os santos e santeiros do município de Ibimirim, em
Pernambuco; os brinquedos populares de Itabaiana; todas as manifestações culturais do município de Serrita, que
expressam a cultura do vaqueiro nordestino, desde a música, vestimentas, culinária etc.; as bonecas do sertão da Paraíba,
a diversidade de formas de artesanato encontrado na Ilha dos Ferros, no vale do Rio São Francisco; a renda minha de
Natal, no Rio Grande do Norte e as rendeiras de Divina Pastora, do estado de Sergipe; as fibras do sertão da Bahia; as
tranças do mar de Sauipe, na Bahia; as tradições vivas das localidades de D. Pedro II e Ilha Grande; de Santa Izabel, no
Piauí; os doces de Urucaia, no interior de Minas Gerais; as tramas de tecer dos índios Tremembé, no litoral cearense; a
arte popular de Juazeiro do Norte e as tradições populares de São Mateus e Conceição da Barra, representadas pela
cerâmica, pelos trançados e pela escultura em madeira, entre outras.
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3 A EVOLUÇÃO DO ARTESANATO NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO
Uma das questões fundamentais para entender a sociedade brasileira é a sua diversidade biológica e cultural. As mais
variadas matrizes biológicas fizeram do Brasil um grande laboratório de miscigenação que, ao longo da histórica,
produziu novos biotipos e ao mesmo tempo mesclou experiências das mais variadas tradições culturais.
Quanto à questão do artesanato, alguns recortes históricos podem explicar uma série de situações que envolvem os
saberes tradicionais no Brasil.
Num primeiro recorte, a experiência das nações indígenas brasileiras que, ao longo de sua fixação no território,
conseguiram produzir um número considerável de artefatos necessários à sua vida quotidiana e, obviamente, utilizando
matéria prima in natura – pedra, argila, osso, concha, penas etc. –, que estava disponível e era obtida sem qualquer
problema, além de estar aliada a uma tecnologia patrimonial que proporcionava a produção de um sem número de
instrumento de diversas formas e funções. Esses artefatos sempre tiveram um significado simbólico, principalmente
dentro do tipo de economia dessas sociedades igualitárias. Um estudo pormenorizado desses objetos indígenas,
coletados por arqueólogos ou por colecionadores indica que as questões temporais são significativas para se entender o
significado de alguns objetos artesanais nos dias de hoje, principalmente pela continuidade do uso de técnicas e formas.
Os africanos, apesar de mais recentes na histórica do Brasil e no Espírito Santo, também contribuíram para aumentar o
acervo artesanal, com seus instrumentos tradicionais, adaptando os outros, principalmente pelo contato com as
populações indígenas e européias. Da mesma forma que os índios, os africanos, em sua maioria, faziam objetos
trabalhando diretamente as matérias primas in natura. Uma parte desses povos, sobretudo a que veio do norte daquele
continente, chegaram ao Brasil com algum conhecimento de metalurgia e com isso produziram objetos, usando o metal.
As ―pencas‖ (arranjos com formas frutas em metal) ainda encontradas no Mercado Modelo de Salvador e os objetos
feitos em prata (filigranadas), em algumas áreas de Minas Gerais e Goiás, são exemplos dessa manifestação. Mas a
contribuição das inúmeras culturas africanas que chegaram ao Brasil é de grande importância, pois, pela sua condição de
escravos, foram essas populações que mais tiveram contacto com os portugueses e ibéricos, nas primeiras fases da
colônia.
Nesse mesmo recorte histórico, a simbiose entre indígenas e africanos foi significativa para fixação
de novos padrões étnicos, principalmente na região litorânea. Do ponto de vista biológico, é
importante citar a fixação sexual das mulheres indígenas em relação aos homens africanos, fato que
contribuiu sensivelmente para uma rápida miscigenação e, do ponto de vista cultural, para a
mudança de inúmeras formas sociais, técnicas, psicológicas que, aos poucos, foram se disseminando
entre os neo-brasileiros e, cada vez mais, criando ou adaptando novos produtos culturais. Um dos
exemplos marcantes é a quase total musicalidade melódica em nossas tribos indígenas em contraste
com a grande profusão de sons rítmicos produzidos por instrumentos de percussão dos africanos.
Nesse contexto, no estado do Espírito Santo, a sobrevivência de alguns elementos folclóricos
contribuíram para a preservação de objetos de origem africanas que foram adotadas totalmente
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pelos remanescentes indígenas do Estado. O complexo cultural do ―congo‖ é um exemplo da
influência dos mouros do norte da África, pois todo acervo material composto de tambores, ganzá
(casaca) e de estruturas musicais são mesclas de recortes ibéricos, os quais foram rapidamente
aculturados pelos índios. Um dado importante é do ―congo de Caieiras Velhas‖, que depois de
estruturado e devidamente aculturado, passou a ser um símbolo daquela comunidade.
Os africanos assim como as populações indígenas possuíam uma organização social e sexual que influenciava na
produção artesanal, principalmente em relação à divisão de trabalho entre os sexos. Nessas comunidades e,
posteriormente, nas populações tradicionais, a confecção da cerâmica sempre foi do domínio feminino. Isso ainda se
observa na produção das panelas de barro de Goiabeiras e em algumas comunidades de descendentes africanos do norte
do Estado.
Num segundo recorte é importante a constituição das denominadas populações tradicionais, constituídas principalmente
pelas comunidades indígenas que foram aculturadas nos primeiros anos da colônia. Essas comunidades que vêm sendo
estudadas, principalmente por antropólogos ligados à ecologia cultural, são populações que mantiveram seu modo de
vida e seus saberes, tecnologia e organização social das etnias de origem, principalmente quanto a seu modelo de
economia de subsistência. Tais comunidades estão presentes desde o século XVI até os dias de hoje. A maioria das áreas
de atuação do Projeto Artesanato para Geração de Renda – elaborado pela Comunidade Solidária – abrange populações
tradicionais.
As populações tradicionais no Brasil são constituídas e caracterizadas por terem os
[...] padrões de comportamento transmitidos socialmente, modelos mentais usados para
perceber, relatar e interpretar o mundo, símbolos e significados socialmente
compartilhados, além de seus produtos materiais [...] (DIEGUES, 2002, p. 84),
sempre mantidos numa relação sem conflito com o meio ambiente; não usando força de trabalho assalariada e
acumulando minimamente o capital. Diegues (2002, p. 89), quando define as sociedades tradicionais no Brasil leva em
consideração dez características fundamentais, dentre as quais,
[...] a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio
ambiente. A reduzida divisão técnica e social de trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo
produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final [...].
Levando em conta essa característica e a de que as sociedades tradicionais não são estáticas, estão, sim, em mudanças
constantes, mas em ritmo mais lento que as sociedades urbanas, em função de fatores internos e externos, o artesanato
adquire um papel fundamental dentro da economia do grupo, pois a característica é de pequena produção e sem um
compromisso mercantil, principalmente quanto ao tempo de elaboração, tendo, com isso, uma relação muito efetiva
com a sustentabilidade, porque esse tipo de produção é harmônico com o meio ambiente e interiorizado numa estrutura
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sociocultural de valor étnico. Nesse período, o conceito de artesanato ainda não estava formado e os fazeres tradicionais
estavam ligados diretamente às necessidades de cada comunidade e ao modelo colonial implantado pelos portugueses.
Num terceiro recorte, temos a produção artesanal trazida pelos imigrantes no século XIX. Nesse tempo, temos duas
características fundamentais. A primeira diz respeito às necessidades diretamente ligadas à produção agrícola. Esta
consiste em objetos artesanais que têm características utilitárias e são feitos, ou com matéria prima in natura, ou com
produtos pré-fabricados, como os tecidos. Como exemplo, a produção de vassouras, cestas, peneiras, esteiras, suportes
para armazenar a produção (principalmente de café). A segunda característica é a produção de objetos artesanais para
atender às necessidades domésticas, cuja confecção sempre se dá por mulheres que utilizam matéria prima pré-fabricada,
também como os tecidos.
Nos dias de hoje, quase toda a representatividade do artesanato comercializado pelo turismo rural é fruto desse período,
cujos modelos e técnicas foram preservados pelo contínuo uso pela população rural.
Um quarto recorte é da produção artesanal criada pelo turismo ou a chamada indústria do trabalho manual
(industrianato) e a indústria dos souvenirs, o
[...] produto artesanal tem sido substituído, nos últimos anos, por uma imensa invasão de
estereótipos externos e desnaturalizados que assolam e invadem as imagens, os objetos e
os diversos produtos, provocando absoluta e descaracterização de identidade [...], [dos
produtos artesanais]. Uma das preocupações nesse recorte é a descaracterização do
artesanato e a souvernização do produto artesanal, que pode [...] causar uma nova
massificação dos produtos artesanais ao promover à produção de souvenirs
descaracterizados [...] (PINHO, 2002, p. 172, grifo do autor).
Essas considerações mostram que nos dias de hoje, em que a população urbana é maior que a população rural, os
produtos artesanais produzidos na zona rural têm de ser visto e entendido dentro da dinâmica do desenvolvimento
dessas sociedades. Em função disso, nesses tempos atuais constatam-se os seguintes fatos:
[...] a coexistência contemporânea dos contornos do industrial e do pré-industrial, da
cidade e do campo, do religioso e do lúdico, do trabalho e do lazer, do ―popular‖ e do
―culto‖, em uma civilização formada por culturas as mais diversas, que se imbricam
fortemente ao longo dos séculos e continuam a fazê-lo sob as mais variadas modalidades
[...] (FROTA, 2000, p. 23).
Nesse contexto, principalmente nos ambiente urbanos, o conceito de artesanato teve de ser ampliado para contemplar as
mais diversas formas de trabalho com a utilização de uma variada gama de técnicas e matérias primas e também para
entender, de uma maneira holística, a relação do urbano com o tradicional, o típico, o rural etc.
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3.1 ARTESANATO NO ESPÍRITO SANTO
Os recortes apresentados para a formação étnica brasileira encontram-se representados no estado do
Espírito Santo. Esse Estado recebe hordas de imigrantes desde a pré-história até hoje. É interessante
observar o registro de uma imigração indígena no final do século XX, exatamente em 1967. Por isso,
merecem destaque as mais diversas manifestações das etnias no Estado e como cada uma delas está
contribuindo para o desenvolvimento da produção e comercialização do artesanato.
De nossas raízes indígenas, importa salientar a sobrevivência das técnicas de confecção das panelas de barro. O núcleo
de produção, localizado no bairro de Goiabeiras, configura-se como um local que caracteriza o ser ―capixaba‖. O
chamado complexo da ―Panela de Barro‖, que é constituído pela técnica de confecção desse artefato e de sua utilização
complementa-se dentro do trade turístico em função do uso desses recipientes de barro nos restaurantes de culinária
típica do Espírito Santo e, também, pelo seu uso na elaboração e apresentação da culinária em restaurantes de
gastronomia de outras etnias. Esse é um artesanato de valor étnico, com uma identidade marcante e diretamente
relacionada com o turismo, porque, em sua técnica, apesar de ser centenária, são raros os impactos do turismo na sua
produção.
Ao contrário, o artesanato produzido pelos índios Guaranis das aldeias localizadas no município de Aracruz está
descaracterizado e poucas são as peças em que há funcionalidade e alguma ligação étnica com aqueles índios. Somente
nas peças de cestaria há qualidade e, por isso, funcionalidade e representação étnica.
Os africanos, em sua maioria, estiveram bem mais próximos da população portuguesa (em relação aos índios). Nesse
avizinhamento houve a adaptação das tecnologias portuguesas às necessidades de suas vidas de escravo. Assim, foi
possível recriar ou reajustar as tecnologias indígenas. Na cerâmica de Goiabeiras, a influência africana está na presença
dos apêndices (4), localizados na parte exterior das peças. Outra conformação encontra-se na produção de farinha de
mandioca, quando substituíram os tipitis indígenas por prensas mecânicas (bolandeiras) para retirada de ácido cianídrico
da massa ralada da mandioca e depois a introdução de coco ralado na confecção do beiju, (beiju de fati).
Na região de São Mateus, encontramos artesãos que trabalham fibras vegetais e argila. Na localidade de Areinha, nas
proximidades do entroncamento da Rodovia BR 101 com a Rodovia ES 421 (BR 101 de Conceição da Barra), numa
pequena comunidade rural, há um núcleo de produção de artesanatos feitos com cipós (chamados popularmente jacaré,
traíra ou timbó). Lá se produz uma série de formas de cestas. No inicio da Rodovia ES 154, alguns artesãos estão
utilizando o sisal, que é encontrado dentro das plantações de eucalipto, para, a partir de sua fibra, produzirem inúmeros
objetos, destacando-se os espanadores. No Mercado Municipal de São Mateus são encontradas algumas peças de
artesanato feitas no interior desse município e nas regiões de Conceição da Barra e de Pinheiros – notadamente,
miniaturas de barcos, peneiras e cestas.
Na Rodovia ES 423 (São Mateus a Guriri), no Km 4, na localidade de Pedra D’água, encontramos a olaria da dona
Antonia, uma das mais antigas cerâmicas de tradição africana daquela região. Existe um pequeno posto de venda de
cerâmica nessa localidade. Apesar de dona Antonia ter vindo do sul do estado da Bahia, ela deu continuidade ao trabalho
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de algumas ceramistas que já existiam na região, como dona Jacinta (proprietária da última olaria e ponto de venda
registrado até 1985, na Favela do Pé Sujo, em São Mateus).
Os exemplos supracitados foram alvos do ―Projeto de Apoio ao Artesanato para Geração de Renda‖ do Conselho da
Comunidade Solidária ([1999]) e alguns resultados estão sendo observados. Durante a realização do projeto, foram feitos
algumas oficinas. Na ocasião, algumas técnicas foram disseminadas. Hoje já podemos contar com um incremento da
produção da cerâmica feita por uma neta de dona Antonia e outros que estão usando os cipós na produção de cestaria.
Na localidade de Barreiras, em Conceição da Barra, uma população tradicional miscigenada, cuja cultura é representativa
das comunidades indígenas, produz uma série de peças artesanais, utilizando-se dos recursos naturais, como: cestas e
esteiras de taboa, vassouras de mão de palma de guriri, brinquedos de madeira, agulhas de rede, além de instrumentos
musicais, como casacas e tambores, que são utilizados no ticumbi desse município. Nessa região, a tradição do
artesanato está intimamente ligada às outras tradições populares, principalmente a do folclore. Desse local sai o cortejo
do ticumbi de Conceição da Barra, porque o santo de devoção (São Beneditinho) está sob a guarda de um morador da
localidade.
No século XIX, com a presença da imigração européia, a vida nas comunidades luso-brasileiras modificou-se, porque,
logo após a chegada dos imigrantes, aconteceu a abolição da escravatura e a mão de obra imigrante transformou a
paisagem rural com as novas técnicas agrícolas e, posteriormente, a urbana, com a introdução das técnicas mais
modernas de construção e de trabalho em madeira e, principalmente, pelo uso do vapor nas serrarias.
Esses imigrantes, sobretudo os procedentes no norte da Itália e alemães, trouxeram para o Espírito Santo uma série de
instrumentos para trabalhar a terra, na preparação da agricultura, instrumentos para trabalhar a madeira, principalmente
na produção de mobiliário. Significativa foi a introdução das técnicas de entalhes e da marchetaria na produção de
móveis e na decoração dos prédios, principalmente os públicos. O trabalho com tecido também foi significativo para a
produção de bens de consumo doméstico.
Assim como os africanos, os imigrantes europeus do século XIX tiveram de fazer adaptações às suas tecnologias em
função de uso de novas matérias primas. No caso da madeira, o jacarandá foi uma espécie que, apesar de muito dura,
imediatamente aproveitou-se para fazer móveis entalhados. No setor da culinária, constatamos o uso da mandioca em
substituição ao queijo parmesão e o da jabuticaba em lugar da uva. Tais substituições foram necessárias, nessas
comunidades, para a continuidade de algumas tradições, principalmente das católicas, vindas do norte da Itália. A
produção de vinho de jabuticaba era destinada aos atos religiosos e ao uso quotidiano. Hoje, esse vinho tornou-se um
dos principais produtos do agroturismo das regiões de Santa Teresa, Domingos Martins e Venda Nova do Imigrante.
No século XX, principalmente depois da década de 50, com a movimentação dos primeiros turistas, algumas tradições
populares começaram a ser adquiridas pela população e, atualmente, por turistas, mas de forma ainda não mercantil.
Posteriormente, o artesanato começou a tomar outra forma com a intervenção do Estado. Num primeiro momento,
com a criação da Empresa Capixaba de Turismo (Emcatur) no final da década de 60, realizaram-se algumas feiras e
intercâmbios que proporcionaram uma valorização do artesanato local. Um pouco mais tarde, a Prefeitura Municipal de
Vitória construiu o Galpão das Paneleiras, lugar de produção e comercialização das panelas de barro.
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No final da década de 60 e na de 70, quando surgem os hippies, um dos elementos fundamentais de sustentação desses
grupos foi de produzir peças artesanais, comercializadas sobretudo nas praias, criando espaço para a venda dessa
produção em locais mais sofisticados dentro do comércio formal. Entre esses produtos, destacou-se uma linha de
entalhes de madeira, principalmente de placas para casas, pousadas e hotéis. Esse artesanato – fruto do movimento hippie
– até hoje é encontrado no Estado.
Atualmente, no município de Venda Nova do Imigrante, alguns artesãos estão aproveitando a
madeira de troncos de pés de café que estão sendo erradicados e produzindo um artesanato criativo,
com uma série de peças para jardim, casinhas para ninhos de passarinho, suportes para vasos de
plantas (cachepot), recipientes para revistas e uma série de brinquedos. Essa atividade mostra
criatividade na maneira de aproveitamento de matéria prima sem causar danos ao meio ambiente.
Com o incremento do turismo, começaram a aparecer as movas formas de artesanato, que não tinham identidade étnica,
mas atendiam as expectativas do turista e do mercado. Em alguns municípios limítrofes com o estado da Bahia, há uma
produção de ―berimbaus‖, artesanato que tem pouca função cultural nas comunidades produtoras, mas tem importância
econômica, pois a sua produção se destina ao mercado das cidades do recôncavo baiano, principalmente de Salvador.
Outro elemento significativo é a produção de arcos para violinos, feitos com madeira de pau brasil. São peças artesanais
que têm sua comercialização direcionada aos centros de vendas de violinos, posto que um reduzido número de peças é
consumido internamente.
Mais recentemente, o setor de artesanato vem sendo monitorado por uma série de entidades governamentais e nãogovernamentais e também pelos artesãos que se organizaram em cooperativas de produção e comercialização de
artesanato regional ou mesmo de artesanato temático, como é o caso das paneleiras e, com isso, a comercialização desses
artefatos foi incrementada e tomou novas dimensões.
Nos dias atuais, deve-se destacar a atuação do Sebrae-ES – que coloca o artesanato como um importante meio para a
geração de renda e projeção cultural –, com algumas iniciativas para tornar esse artesanato conhecimento, facilitando a
sua produção e comercialização, dentro de uma sistemática que engloba também as políticas públicas para o turismo,
com a sua regionalização. O Sebrae-ES define as regiões por arranjos produtivos; com isso, incrementa o artesanato,
tornando-o parte de várias ações propostas para algumas regiões do Estado, principalmente as do Interior-sul, Região do
Caparaó, Interior-norte do Estado e litoral.
Ainda dentro dessa dinâmica, a concretização dos Núcleos de Produção e Comercialização de
Artesanato (NPDA) está sendo de extrema importância para o dinamismo do setor.
Foram concretizados os seguintes núcleos de produção e comercialização de artesanato (SEBRAE-ES, 2004):
a)
barro – paneleiras – Vitória;
b) cerâmica (ACES) – Vitória;
c)
escamas de peixe – Vitória;
d)
fibras de bananeira – Iconha;
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e)
fibras de palha de milho – Alegre;
f)
produção indígena – Aracruz;
g)
madeira em marchetaria – Linhares;
h) madeira – Iriri, Anchieta;
i)
mármore e granito – Venda Nova do Imigrante;
j)
metal – Cariacica;
k)
papier marché – Jacaraípe – Serra;
l)
produtos do mar (conchas) – Piúma.
Estão em fase de instalação:
a)
cerâmica – São Mateus;
b) fibras de bambú – Dores do Rio Preto;
c)
fibra de bananeira – Rio Novo do Sul;
d)
fibras de bagaço de cana – Conceição da Barra;
e)
madeira, instrumentos – Serra;
Os núcleos para serem instalados:
a)
couro de peroá – Guarapari;
b) fibra de bananeira – Alfredo Chaves;
c)
fibra de bagaço de cana – Ibiraçu;
d)
madeira em marchetaria – Colatina;
e)
mármore e granito – Vargem alta;
f)
mármore e granito – Nova Venécia;
g)
tecelagem – Ilha das Caieiras – Vitória;
O Sebrae ainda tem em estudo a instalação dos seguintes núcleos:
a)
couro de pé de galinha – Santa Maria do Jetibá.
A característica desses centros de produção e comercialização é ter na sua base de produção matérias primas regionais.
Em diversos centros, algumas dessas matérias primas nunca haviam sido utilizadas e foi necessário encontrar e
introduzir novas técnicas de confecção. Outro fator de grande repercussão foi a utilização ou a reciclagem de matéria
prima, pois essa produção se encaixa dentro dos parâmetros da sustentabilidade e é de fundamental importância para a
melhoria das condições ambientais e culturais.
Como a produção do artesanato é dinâmica, novos produtos podem ser criados, aproveitando matéria prima regional
disponível. Esses (novos produtos) podem redefinir perfis de comercialização, agregando-os às condições de demanda
turísticas. O centro que está em estudo para utilização de pele de pé de galinha pode ser uma grande vantagem ao
agronegócio em Santa Maria do Jetibá, acrescentando-os aos outros elementos comercializados na Feira do Ovo. Vale
ressaltar que esse município é um dos maiores produtores de ovo no Brasil.
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As localizações desses centros algumas vezes não atendem diretamente à demanda turística, como é
o caso do Núcleo de Iconha, que produz peças com fibras de bananeira, porque nesse município
não há atrativos turísticos significativos para uma presença constante de turistas. Com isso, a
produção desse artesanato é vendida, na sua maior parte, fora do seu local de produção,
principalmente em feiras regionais. No inicio de 2005, a maioria dos artesãos não estava produzindo
por que estava vendendo sua produção na feira de verão em Guarapari e em outros balneários do
Estado.
Da mesma forma, a criação de produtos artesanais de mármore e granito é de extrema importância, em função da
variedade de tipos e cores das rochas que são encontradas no Espírito Santo. A região do vale do rio Itapemirim é
destacadamente o centro dessa produção e vale lembrar que a comercialização dos produtos industrializados na Feira do
Mármore e Granito está ajudando a divulgação dos produtos artesanais que começaram a ganhar dimensão em função
da criatividade dos artesãos. As bolas feitas com mármore ou granito são bem aceitas pelos turistas, assim como suportes
de mesa, encaixes e puxadores para cortinas, jogos de mesa como o xadrez, a dama etc.
Outros destaques são os centros de comercialização do artesanato tradicional como o das paneleiras
e dos objetos feitos de conchas em Piúma. Essas duas categorias de artesanato têm sua venda quase
que direta nos centros de produção e são as que recebem um volume significativo de encomendas,
principalmente as paneleiras de Goiabeiras. Apesar disso, essas duas categorias trabalham com
matérias primas cada vez mais escassas. As mudanças na linha de praia em Piúma, em função da
erosão, fazem com que as conchas não cheguem normalmente à praia e, também, a coleta desses
búzios pelos turistas no verão está diminuindo essa matéria prima para os artesãos. No caso das
panelas de barro, a reserva de argila do Vale do Mulembá está com a sua capacidade quase esgotada,
sendo isso um sério risco para a continuidade da tradição.
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4 IMPACTOS DO ARTESANTO NO TURISMO
O artesanato tanto o tradicional quanto o contemporâneo têm uma série de impactos negativos e positivos no turismo.
Em primeiro lugar, a união estratégica do artesanato com o trade turístico, principalmente com as formas de
comercialização é extremamente positiva, porque o artesão precisa produzir para se manter e o turista quer comprar,
levar alguma recordação do local que visitou. As recordações de uma viagem, ―[...] como lembranças autênticas de um
determinado local, têm um significado poderoso em nível das ideologias [...]‖ (LODY, 1989, p. 7). O artesanato deve ser
diversificado, contemplando todas as tendências culturais de uma comunidade, mas com uma autenticidade que é
conferida pela comunidade e pelos turistas.
Um segundo impacto positivo é a relação da identidade do local que o turista leva com a compra de um artesanato que o
integra à comunidade receptora, ao artesão e à cultura do local. O turista ao comprar um artesanato está ajudando a
preservação do seu próprio patrimônio cultural porque quanto mais se produz e se comercializa um artesanato, a sua
preservação está assegurada. Com isso, um terceiro impacto positivo dessa integração é remetido para a questão da
preservação da memória e do meio ambiente, ―[...] acredito, assim, que os membros de comunidades étnicas podem se
inserir em atividades turísticas, formando, junto com outros membros da comunidade étnica e outros que não o são,
comunidades turísticas [...]‖ (GRUNEWALD, 2005, p. 13, grifo do autor). Um exemplo significativo no Espírito Santo é a
integração turística que existe na Vila de Itaúnas, apesar da comercialização do artesanato local ser ainda em pequena
escala. Outro exemplo significativo é o artesanato feito em Venda Nova do Imigrante com o aproveitamento da madeira
da erradicação de troncos de café, pois além de mostrar criatividade, aproveita matéria prima renovável e tem uma
ligação direta com o sistema econômico da comunidade étnica (italiana).
Um outro impacto importante é com relação à promoção que um artesanato faz de um local ou evento. É necessário
que a comunidade receptora sempre esteja atenta ao desenvolvimento das atividades para suprir os turistas de acordo
com as realidades locais de produção e com a sua construção "identitária". É importante assinalar que, depois da década
de 90, quando o ―congo‖ deixou de ser só folclore e chegou a ser reproduzido para toda a sociedade, alguns artesãos
inventaram chaveiros que contém uma miniatura da casaca, instrumento que identifica o congo do Espírito Santo.
Portanto, os turistas que entram em contato com essa tradição cultural, podem comprar esse tipo de souvenir. ―[...] cada
objeto responde a um sentido de testemunho, lembrança, nostalgia, entre outros. Está no objeto uma tentativa
permanente de recuperar as sobrevivências tradicional e simbólica [...]‖ (LODY, 2004, p. 12).
Outro impacto refere-se ao conhecimento do turista na compra de artesanatos em função de suas características, a
matéria prima ou as técnicas de confecção ou, de outra forma, associada a um evento, porque são peças fora do sistema
industrial. Segundo Lody (2004, p. 3), ―[...] o valor artesanal, o feito com as mãos, o feito um a um, o único, o
especialmente criado por um autor conhecido ou não, marca o momento irresistível da criação [...]‖.
Um aspecto positivo do artesanato no turismo e do turismo no artesanato é o aumento da renda dos artesãos e,
conseqüentemente, a melhoria de sua condição de vida das comunidades, aumentando a ―[...] sua auto-estima e de todos
os membros da comunidade envolvidos no processo, criando a consciência de que parte das soluções de seus problemas
pode ser encontrada na própria comunidade [...]‖ (CONSELHO DA COMUNIDADE SOLIDÁRIA, [1999]).
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Embora o artesanato tenha sua importância, nos dias de hoje, uma série de objetos tem sido produzida sem as técnicas e
a matéria prima tradicional; mas, mesmo sem, a autenticidade é motivadora para manter os valores dados pelos turistas.
Em função disso, o artesanato também pode causar uma série de impactos negativos ao turismo.
Em primeiro lugar, o artesanato que não tem identidade com o local. Hoje, com o processo da globalização, o artesanato
é parte inseparável da vida moderna e, com isso, temos os impactos causados pelos efeitos de comercialização. A difusão
e a dispersão de artesanatos alóctones são comuns nos dias atuais, quando são encontrados produtos feitos em outras
cidades, estados e até países em quase todas as áreas de fruição turística.
Outro efeito negativo e a questão das ―etnicidades‖ construídas, pois algumas etnias alteraram as formas tradicionais de
confecção, ou seja, transformaram alguns elementos culturais tradicionais em elementos "turistificados".
Em outros casos, esses valores alterados podem ter a sua etnicidade valorizada, dependendo de quem compra o
artesanato. É o caso do artesanato indígena do município de Aracruz, tendo em vista, que índios guaranis (Mbá), não são
autóctones, não têm uma identidade local e fazem produtos "turistificados". Mas esse fato pode tomar uma outra
dimensão, se o turista que comprar esse artesanato for estrangeiro, pois, em seu país de origem, ele vai valorizá-lo como
artesanato de índios brasileiros. Aí o artesanato terá uma contextualização dentro de um aspecto macro de definição
etnográfica.
O uso de matéria prima reciclada é outro fator de preocupação, pois, ideologicamente, as comunidades usam o
argumento de estar contribuindo para a melhoria das condições ambientais e colocando rótulo de artesanato nos
produtos feitos com material reciclado. Hoje, alguns programas de inclusão social vêm realizando algumas oficinas e, no
final, a produção é exposta e comercializada como sendo artesanato e muitas vezes esses produtos não contêm nenhuma
matéria prima ou técnica que se identifiquem com a cultura local, a despeito de sua importância social ser positiva.
O artesanato vendido sem o seu significado cultural também tem um efeito negativo. Falta ao artesanato do Espírito
Santo uma divulgação mais efetiva para mostrar o seu valor cultural e a sua identidade. A falta de guias, folder ou de outro
tipo de divulgação pode levar o turista a equivocar-se quanto ao uso de algumas peças artesanais funcionais e alterar o
seu uso. É comum a transformação de panelas de barro em recipiente para plantas, como alternativa para uma família de
turistas, não litorânea ou ribeirinha, que não tem hábitos freqüentes de comer peixes, assim como os turistas que
compram as mais variadas peças de cestarias e as utilizam para guardar roupa suja.
Um outro fator de preocupação inerente ao artesanato é a influência do turista ou do comércio relacionado ao turismo
na produção do artesanato, ou seja, o turista encomenda uma determinada peça e, por necessidade econômica, o artesão
submete-se às exigências externas. As paneleiras de Goiabeiras mudam algumas de suas características regionais nas
formas de seu vasilhame em função das encomendas feitas pela demanda.
O uso de matéria prima poluente é outro fator de preocupação. As denominadas ―fábricas de panelas de barro‖,
localizadas, em sua maioria, no município de Guarapari, em vez de usar produtos naturais para a impermeabilização e
pinturas das peças, utilizam variadas técnicas como o uso de fumaça de borracha ou tintas sintéticas, de conteúdo
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altamente tóxico. Essas panelas muitas vezes são comercializadas como as panelas de barro do Espírito Santo e podem
causar uma série de transtornos para a identidade cultural das panelas tradicionais, porque a denominação é a mesma.
Nesse aspecto um dado preocupante é o uso dessas vasilhas, em alguns hotéis e restaurantes do sul do Estado, que têm
privilegiado essas ―panelas‖ em detrimento das tradicionais, fato que pode fazer com que os turistas se equivoquem na
hora de adquirir esse tipo de artesanato, mesmo porque, não meios de informação para o esse cliente a respeito de sua
autenticidade.
Outro impacto negativo é a forma de realização das feiras, principalmente as que se fazem na temporada de verão,
sempre denominadas de ―Feira de Artesanato‖. Algumas têm boa estrutura, mas a maioria delas mostra um total
desrespeito aos produtos locais e, muitas vezes, essas feiras são utilizadas para fugir aos compromissos de pagamento de
impostos com os Municípios e o Estado, porque não há fiscalização nesses locais para certificar os objetivos da
realização do evento. No verão de 2005, em visita a algumas feiras, tais como: Guarapari, Piúma, Conceição da Barra e
Guriri foram raros os stands em que havia artesanato. Por outro lado, alguns stands em comercializavam CD-Room e
DVDs copiados fraudulentamente (piratas), inclusive expondo esses produtos, apesar da proibição de sua
comercialização. Por isso, essas feiras em vez de mostrar e valorizar a cultura local, gerar renda para os artesãos do
Município e do Estado são, na realidade eventos descaracterizados turisticamente, sem compromisso com a cultura do
local, constituindo, assim, uma fonte de evasão de renda.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os impactos do artesanato no turismo não são tão visíveis quanto os efeitos do turismo no artesanato. Por isso, é
preciso conhecer profundamente as formas de produção e de comercialização do artesanato, para ver a sua extensão e
importância para o comércio turístico.
Diante da constatação de que mundo está cada vez mais globalizado, de que as distâncias geográficas estão ficando cada
vez mais curtas pela rapidez dos meios de transporte e o conseqüente deslocamento de turistas, as populações
tradicionais e as produtoras de artesanato estão buscando afirmar as suas identidades, projetando seus traços particulares,
numa clara reação ao processo de homogeneização. Por isso, o artesanato, como um objeto de expressão étnica, torna-se
uma mercadoria valiosa para o consumo, principalmente para o turista que busca destinos onde possa ter novas
experiências ou mesmo, pela fruição das expressões artísticas, principalmente as de cunho tradicional.
Dada a importância do artesanato, é necessário que sejam feitos projetos de fomento, partindo das entidades
governamentais e não-governamentais, sempre levando em consideração os dois fatores fundamentais: o cultural e o
econômico, a fim de adequá-los às condicionais regionais e locais e à tipologia dos turistas.
Do ponto de vista cultural, é preciso que se considere o artesanato dentro de uma realidade histórica, tradicional e social;
valorizar as atividades para revigorar os fazeres tradicionais dentro de sua experiência histórica e formar novos artesãos,
pois a continuidade das tradições desse fazer é que permitirá a sua sustentabilidade e garantirá os elementos para a sua
preservação como patrimônio autêntico da comunidade.
Para que essa preservação seja garantida, faz-se necessária uma série de ações e que estas sejam postas em prática
conjuntamente, para que o artesanato seja valorizado e seja permitido seu acesso comercial aos turistas. Ações como a de
valorizar o artesanato, enquanto elemento patrimonial, pela preservação de sua autenticidade por meio de programas de
preservação e recuperação da memória e do saber de cada tradição artesanal e das ações orientadas para um acesso direto
às fontes de matéria prima têm o sentido fazer projetos com base na sustentabildade, principalmente dos recursos
naturais, adequando-os às realidades ecológicas locais.
Do ponto de vista econômico e da comercialização, é necessário adequar a produção aos padrões de consumo atuais,
para que se garantam suas vendas em novos nichos de mercado e os produtos alcancem preços justos em função de sua
importância cultural, artística, ou funcional. As entidades públicas devem projetar ações orientadas para a promoção e
valorização cultural e comercial do artesanato, cujo valor pecuniário se fixe em função de sua qualidade e autenticidade,
eliminando, com isso, o senso comum de que artesanato é produto barato e feito com mão-de-obra barata ou mesmo
pela comparação com outros produtos, principalmente os industrializados.
A importância da colocação do artesanato no mercado, a facilitação de sua comercialização e a possibilidade de o artesão
ver sua obra sendo comercializada, por um lado melhora a sua condição de vida e, por outro, faz com que a atividade
artesanal criativa seja dignificada.
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Celso Perota