Artigo de Pesquisa
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Artículo de Investigación
Nery AA, Carvalho CGR, Santos FPA, Nascimento MS, Rodrigues VP
SAÚDE DA FAMÍLIA: VISÃO DOS USUÁRIOS
FAMILY HEALTH: THE USERS’ POINT OF VIEW
SALUD DE LA FAMILIA: VISIÓN DE LOS USUARIOS
Adriana Alves NeryI
Carlos Gustavo Ramos CarvalhoII
Flavia Pedro dos Anjos SantosIII
Maristella Santos NascimentoIV
Vanda Palmarella RodriguesV
RESUMO: Objetivou-se conhecer a visão dos usuários sobre a estratégia saúde da família (ESF) e descrever suas
expectativas sobre o cuidado produzido pelos profissionais da ESF. Estudo descritivo, qualitativo, realizado em uma
unidade de saúde da família do município de Jequié/BA, em 2007, totalizando 21 sujeitos. Os dados foram coletados
através de entrevista semiestruturada e analisados pela técnica de análise de conteúdo. Os usuários apontaram a
acessibilidade geográfica, o cuidado produzido pela equipe, o vínculo, o acolhimento e a resolutividade como benefícios proporcionados pela ESF. Como aspectos desfavoráveis foram evidenciados o caráter reducionista, centrado no
médico, coexistência de várias portas de entrada, desconhecimento de alguns usuários sobre as atribuições dos profissionais da equipe, ênfase em ações curativas e falta de acolhimento e vínculo por parte de alguns profissionais. É preciso
que a produção do cuidado na saúde da família busque valorizar a interação entre usuários e profissionais de saúde.
Palavras-chave: Saúde da família; atenção básica à saúde; entendimento; vínculo.
ABSTRACT
ABSTRACT:: This descriptive, qualitative study, designed to discover users’ views of the family health strategy (FHS)
and to describe their expectations for the care produced by FHS personnel, was conducted with 21 subjects at a family
health unit in Jequié, Bahia State, in 2007. Data were collected by semi-structured interview and analyzed using
content analysis technique. Users mentioned geographic accessibility, the care produced by the team, bonding,
reception and resolution rate as benefits of the FHS. Unfavorable aspects mentioned were the reductionist, physiciancentered nature of the care, the coexistence of several gateways, some users lack of knowledge of the attributions of
team personnel, the emphasis on curative actions, and a lack of receptiveness and bonding by some personnel.
Production of family health care should attribute more value to interaction between users and health personnel.
Keywords: Family health; primary health care; understanding; bonding.
RESUMEN: Se objetivó conocer la visión de los usuarios sobre la estrategia salud de la familia (ESF) y describir sus
expectativas sobre el cuidado producido por los profesionales de la ESF. Estudio descriptivo, cualitativo, realizado en
unidad de salud de la familia de la ciudad de Jequié/Bahia-Brasil, en 2007, con 21 sujetos. Los datos fueron recolectados a
través de entrevista semiestructurada y analizados mediante la técnica de análisis de contenido. Los usuarios señalaron
accesibilidad geográfica, cuidado producido por el equipo, vínculo, recepción y resolutividad como beneficios proporcionados por la ESF. Como aspectos desfavorables, se evidenció el carácter reduccionista, centrado en el médico, coexistencia
de varias puertas de entrada, desconocimiento de algunos usuarios acerca de las atribuciones de los profesionales, énfasis
en acciones curativas y falta de recepción y de vínculo por parte de algunos profesionales. Es necesario que la producción
del cuidado en salud de la familia busque valorizar la interacción entre usuarios y profesionales de salud.
Palabras clave: Salud de la familia; atención primaria a la salud; entendimiento; vínculo.
INTRODUÇÃO
A estratégia saúde da família (ESF) tem impulsionado a produção do cuidado mediante estabelecimento de vínculo entre família e equipe de saúde, por
meio da escuta e participação do usuário no planejamento e intervenções das ações realizadas, apropriando-se do uso de tecnologias em saúde que contri-
Doutora em Enfermagem em Saúde Pública. Professora Titular do Departamento de Saúde do Curso de Graduação em Enfermagem e do Programa de PósGraduação Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].
II
Enfermeiro da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Bom Jesus da Lapa. Bom Jesus da Lapa, Bahia, Brasil. E-mail:
[email protected].
III
Mestre em Enfermagem e Saúde Coletiva. Professora Auxiliar do Departamento de Saúde do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia. Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].
IV
Mestre em Saúde Coletiva. Professora Adjunta do Departamento de Saúde do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia. Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].
V
Mestre em Saúde Coletiva. Professora Assistente do Departamento de Saúde do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia. Jequié, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected].
I
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buam pare a autonomia do usuário e substitua o ato
mecânico e frio do cuidado.
Essas tecnologias que operam no processo de
trabalho em saúde são classificadas em leves, leveduras e duras, sendo as leves voltadas para as relações,
a escuta sensível, o vínculo, o acolhimento e a autonomia; as tecnologias leve-duras correspondem aos
saberes estruturados, como a clínica médica e a
epidemiologia; e as tecnologias duras como equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, aparelhos,
estruturas organizacionais e outros1.
Nesse sentido, o diálogo entre a equipe de saúde e
usuários é essencial para a busca de novos e promissores
modos de cuidar da saúde, sendo os serviços de saúde espaços importantes de interação e corresponsabilidade pelo
planejamento e acompanhamento das ações de saúde.
Este estudo teve como objetivo conhecer a visão dos usuários sobre a ESF e descrever as expectativas dos usuários sobre o cuidado produzido pelos profissionais da ESF.
A relevância desta pesquisa consiste em
aprofundar as discussões e reflexões a respeito da saúde da família sob a ótica dos usuários e poderá contribuir para o (re)direcionamento da prática e da organização do processo de trabalho da equipe de saúde.
REFERENCIAL TEÓRICO
A ESF propõe o estabelecimento de uma atenção
integral, conforme as diretrizes do Sistema Único de
Saúde (SUS) e define, como elementos necessários para
sua implementação, a adscrição do território, a eleição
da família como núcleo central das ações de saúde, o
trabalho em equipe, a intersetorialidade, entre outros2.
A produção do cuidado na ESF pressupõe que
no momento do encontro entre usuário e profissional este consiga captar as necessidades singulares de
saúde do usuário, tornando-se imprescindível uma
abertura à escuta qualificada; implica acolher o outro, propiciar espaço para o diálogo, o estabelecimento de vínculo e de laços de confiança3.
O ato de acolher requer uma escuta sensível, o
compartilhamento de saberes entre usuários e profissionais, o que poderá subsidiar as ações de saúde,
com ênfase nas tecnologias leves.
Desse modo, o estabelecimento do vínculo e a abordagem dos usuários como sujeitos que interagem no processo de trabalho das equipes de saúde devem ser
experienciadas pelos membros da equipe com o intuito de
promover a melhoria da qualidade dos serviços ofertados à
comunidade e maior efetivação dos direitos dos usuários4.
A experiência de acessibilidade dos indivíduos
ao contato direto ou indireto com os serviços de saúde em geral está relacionada com a capacidade do sistema para corresponder às suas expectativas e necesp.398 •
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sidades, assegurar o direito à saúde no âmbito das
políticas públicas, e deve refletir ainda o respeito às
múltiplas singularidades que compõem a complexa
demanda da população usuária5.
Por conseguinte, é imprescindível que o cidadão tenha a garantia do direito de acessibilidade ordenada e organizada ao sistema de saúde; tratamento
adequado e efetivo para seu problema de saúde; atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer
discriminação, respeitando a sua pessoa, seus valores
e seus direitos6.
METODOLOGIA
Estudo descritivo com abordagem qualitativa,
realizado em uma unidade de saúde da família (USF)
do município de Jequié/BA, no período de maio a junho de 2007, com 21 usuários cadastrados nessa unidade, selecionados a partir dos seguintes critérios: usuários cadastrados e acompanhados pela USF pelo tempo mínimo de um ano e de ambos os sexos.
Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada e analisados com base na técnica
de análise de conteúdo, modalidade temática.
A análise temática é uma técnica que busca descobrir os núcleos de sentido com o propósito de estabelecer uma comunicação que tenha um significado
para o objetivo analítico a ser pesquisado7.
Para a análise temática, foram contempladas três
etapas7: a primeira etapa consistiu na pré-análise,
onde foram escolhidos os objetivos iniciais da pesquisa e os documentos a serem analisados, que se constituíram no conjunto do material transcrito das entrevistas dos 21 sujeitos. Prosseguindo, realizou-se
uma leitura flutuante do material coletado, na tentativa de se constituir o corpus, ou seja, a busca da organização do material.
A segunda etapa consistiu na exploração do
material empírico com a realização da codificação dos
dados, sendo que inicialmente procedeu-se ao recorte do texto, destacando as unidades de registro. Seguiram-se a classificação e agregação dos dados, escolhendo as categorias teóricas ou empíricas que especificaram o tema.
A terceira etapa contemplou o tratamento dos
resultados obtidos e sua interpretação na perspectiva
de identificar as convergências, divergências e o inusitado dos dados.
Finalmente, no processo de aproximação e
reaproximação com o material empírico foram identificados os núcleos de sentido e agregados em dois temas: entendimento do usuário sobre saúde da família
e produção do cuidado: expectativas dos usuários.
Os sujeitos da pesquisa foram identificados no
texto por um número, de acordo a ordem crescente
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das entrevistas realizadas, ou seja, entrevista no 1 leiase, E1, e assim sucessivamente.
A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia e foi aprovada sob o protocolo n° 026/2007.
Os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os temas emergentes do estudo são analisados
a seguir.
Entendimento do usuário sobre saúde da família
O programa saúde da família (PSF) se consolidou como a estratégia prioritária de abrangência nacional para reorganização da atenção básica no Brasil. Ao considerar o PSF como uma proposta de
reorientação do cuidado com a saúde, surge o desafio
de construir novas bases para o desenvolvimento de
novas práticas, a partir da incorporação do vínculo,
acolhimento e cuidado no contexto de uma atenção
humanizada e humanística8,9.
Os sujeitos da pesquisa evidenciaram dificuldade de entendimento sobre o funcionamento da USF:
Isso aqui é um posto de saúde [...]. (E1)
Aqui é um posto médico [...]. (E8)
Eu não sei muito como é aqui não [...]. (E16)
Até hoje eu não entendi nada. (E18)
Não conheço bem não [...]. (E19)
Nessas falas alguns usuários afirmaram que a USF
consiste em um posto de saúde ou posto médico, o
que parece demonstrar um caráter reducionista,
centrado no profissional médico, além do desconhecimento da proposta da ESF.
A atenção básica deve ser o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde8. Dessa maneira, a ESF é vista como a porta de entrada para o
SUS, tendo o propósito de imprimir uma nova dinâmica, definindo responsabilidades entre os profissionais dos serviços de saúde e a população. Suas ações
devem ser planejadas coletivamente entre estes atores sociais, contribuindo com o estabelecimento de
vínculo e corresponsabilização, de modo que construam formas adequadas e efetivas das ações de saúde.
Entretanto, identificou-se que a existência de
obstáculos dificulta a capacidade resolutiva da ESF e
parece impulsionar a procura pelo hospital como uma
das principais portas de entrada do sistema de saúde.
A gente percebe quando vai a um pronto socorro de
hospital, as pessoas são atendidas com coisas que poderiam ser atendidas no posto de saúde [...]. (E3)
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Poderia ter aqui algum médico que atenderia um caso
de urgência, um atendimento que não necessitasse se
deslocar para um PS [Pronto-Socorro] [...]. (E10)
Essas necessidades poderiam ser atendidas aqui [...].
(E11)
Os entrevistados relataram que buscam o pronto-socorro como forma de minimizar suas necessidades de saúde, bem como referiram a importância de
realizar o pronto-atendimento nessas unidades, considerando que o processo de trabalho da equipe de
saúde da família não conseguiu proporcionar
resolutividade diante das situações de urgência.
Nesses relatos foi observada a importância da
socialização das atividades desenvolvidas por esta
equipe e os recursos existentes, contribuindo para o
entendimento sobre a ESF, o que poderá proporcionar melhor organização das ações de maneira a atender suas expectativas e necessidades de saúde, gerando uma maior satisfação dos mesmos.
A coexistência de várias portas de entrada no
SUS delineia um cenário em que as pessoas acessam o
sistema por onde é mais fácil ou possível. Nesse contexto, a representação do modelo assistencial no tocante à sua conformação sobre os fluxos dos usuários
por meio de uma pirâmide reafirma a proposta de
regionalização e hierarquização dos serviços de saúde. Tem em sua base a atenção primária, na parte intermediária os serviços de atenção secundária e no
topo da pirâmide os serviços hospitalares de maior
complexidade; com esta configuração, a rede básica
de serviços de saúde não tem conseguido se tornar a
porta de entrada mais importante para o sistema de
saúde, sendo que a porta de entrada principal continua sendo os hospitais, públicos ou privados, mediante seus serviços de urgência/emergência e dos seus
ambulatórios10.
Alguns usuários parecem ter uma visão diferenciada da atuação do profissional médico na ESF, relatando a necessidade de um pediatra na equipe:
O pediatra a gente não tem não, é que estamos precisando do pediatra [...]. (E2)
O último depoimento enfatiza a necessidade do
pediatra, o que parece estar relacionado com o desconhecimento do usuário sobre a composição da equipe de saúde da família, que não exige uma especialidade para atuação do profissional médico. Entretanto, quando suas necessidades de saúde não conseguirem resolutividade no contexto da ESF e exigirem a
referência para os serviços de saúde especializados, a
equipe deverá acompanhar a trajetória percorrida pelo
usuário na rede de serviços ofertados pelo SUS, configurando a longitudinalidade do cuidado11.
Percebeu-se ainda que os usuários estabeleceram uma relação entre o entendimento sobre a ESF e
a atuação dos trabalhadores na equipe:
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Auxiliar de enfermagem, recepcionista que marca os
exames [...]. (E6)
Sou atendida pelo enfermeiro e pelo médico [...]. (E15)
Dentista, agente comunitário [...]. (E17)
Nas falas, foi evidenciado que os usuários perceberam a intervenção de uma equipe multiprofissional na
ESF. A composição da equipe de saúde da família deve ser
constituída por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar
ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde
(ACS), e, posteriormente, houve a incorporação do cirurgião dentista e auxiliar de consultório dentário8.
O estudo também apontou que a ESF tem contemplado a resolução dos problemas de saúde dos usuários.
Nunca cheguei vir aqui [...] doente, com problema e
não ser resolvido [...]. (E13)
Consigo resolver meus problemas [...]. (E14)
Todas as vezes que vim aqui eu precisei da questão de
marcar consulta para dentista ou outro tipo de necessidade eu fui atendido, não tenho o que reclamar [...]. (E20)
As políticas públicas devem ser estruturadas
com base nas necessidades de saúde da população, a
fim de assegurar que o acesso aos serviços de saúde
seja permeado pelo direito de cidadania e a singularidade de cada usuário12.
Os usuários relataram a importância da continuidade do cuidado, por meio de encaminhamentos
para outros serviços de saúde:
O que podem fazer aqui eles fazem, o que não, eles
passam para outro médico e falam onde vai ser atendido [...]. (E4)
O problema de saúde que a gente tem passa por aqui
[...] quando não tem recurso, a médica passa a gente
para outro lugar [...]. (E13)
Quando o problema é fácil eles resolvem, quando não,
transferem para o CERAJE (Central de Regulação
de Assistência de Jequié ) [...]. (E16)
Consigo marcar meus exames sim [...]. (E17)
A ampliação da acessibilidade à assistência à
saúde perpassa pela garantia do cuidado integral à
população, logo, as ações de saúde, em diferentes níveis de complexidade tecnológica, precisam ser colocadas a serviço dos cidadãos13.
Os entrevistados referiram a facilidade do acesso geográfico proporcionado pela USF.
Minha casa é aqui perto [...]. (E1)
Não tenho dificuldade de chegar até aqui, é pertinho
[...]. (E9)
O acesso é fácil, minha casa é pertinho daqui [...].
(E10)
Não gasto dez minutos [...]. (E12)
É no território que acontece o encontro entre usuário e equipe de saúde, adquirindo formas concretas do
interagir e intervir. Ao delimitar sua base territorial e
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atuar com adscrição de clientela a ESF contribui para o
enfrentamento dos obstáculos originados pela distância geográfica e amplia as possibilidades de acessibilidade dos usuários aos serviços de saúde8.
Contudo, o modo de produção do cuidado exige
a mudança do processo de trabalho e um processo de
desterritorialização, tomando por referência o fato
de os trabalhadores desenvolverem seu trabalho a
partir de territórios existenciais e que o território
não é físico, mas se encontra dentro dele, organizado
pela sua subjetividade, com sua centralidade no campo relacional. Nesse contexto, a desterritorialização
configura a cartografia do trabalho em saúde e propicia o encontro com os usuários para espaços de fala,
escuta e olhares, com sentido para ambos14.
Assim, urge um novo olhar, um novo pensar e
um novo fazer saúde numa perspectiva ampliada do
território a partir da produção subjetiva da realidade
social, antes restrita aos aspectos geográficos, estruturais, organizacionais e econômicos.
Neste estudo, também foi evidenciado que os
usuários perceberam como ocorre o acesso aos serviços desenvolvidos pela USF:
Aqui é atendido o pessoal do bairro [...] cadastrado
[...]. (E8)
É só dos bairros que podem ser atendidos aqui, mas
tem que ter o cartão da família [...]. (E20)
Os entrevistados enfatizaram a adscrição da clientela como uma variável de acessibilidade à USF.
Estas falas evidenciaram a delimitação do território na ESF que ocorre por meio do mapeamento
das áreas e microáreas de atuação das equipes e
cadastramento das famílias8.
Os usuários relataram as atividades desenvolvidas pela equipe de saúde da família, salientando as
ações preventivas, curativas e de diagnóstico:
Eu trago minha filha para pesar, fazer pré-natal, para
vacinar, faz exames, [...] injeção [...]. (E1)
Exame de laboratório, atendimento ao diabético, aos
idosos, hipertensão [...]. (E2)
Marca consulta [...]. (E7)
Vou medir a pressão e pegar a medicação [...]. (E13)
Faço exame de hipertenso todo mês, pego remédio todo
mês [...]. (E15)
Tira requisição para outros tipos de exame também,
uma endoscopia, para exame de vista [...]. (E16)
Tratamento dentário, exame preventivo [...]. (E21)
Nessas falas, os usuários denotaram uma visão
reducionista da ESF ao ressaltarem a supervalorização
de exames complementares.
A acessibilidade é o primeiro dispositivo da produção do cuidado, considerando que se constitui no pressuposto para operar a dinâmica dos fluxos assistenciais,
no entanto, essa não se concretiza apenas com a
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implementação dos dispositivos organizacionais, mas,
principalmente, com a sua vinculação ao processo de
trabalho e à atitude do trabalhador de saúde em relação
ao usuário, estabelecida pelo olhar sensível, o vínculo,
articulados à ação interessada, na micropolítica e no
cenário da produção do cuidado15.
O conhecimento por parte dos usuários sobre o
cuidado produzido pela equipe de saúde é fundamental para se (re)pensar as práticas de saúde dos profissionais da equipe por meio de intervenções organizadas no processo de trabalho, visando melhorar as condições de saúde da população.
Nessa perspectiva, a dimensão política do acesso, aliada à consciência cidadã e organização popular,
remete à intenção de acontecer uma revolução pacífica na relação oferta/demanda, além de induzir à constituição de redes assistenciais capazes de dar conta do
passivo social em saúde instalado no país, tendo a
integralidade como eixo condutor das práticas de saúde e como paradigma assistencial predominante no
momento do planejamento dos serviços16.
No estudo, a visita domiciliar foi reconhecida
pelos usuários como uma das atividades realizadas
pelos profissionais que atuam na ESF.
A agente comunitária de saúde passa nos lares para
verificar as pessoas como estão [...]. (E3)
Os doentes em casa, que não podem ir até o posto, eles
vão visitar [...]. (E5)
Tem agente comunitária que passa na rua da gente,
elas orientam muito bem, vão na casa da gente [...].
(E11)
Nas falas dos usuários, a visita domiciliar é entendida como meio de assistência a acamados, espaço
de promoção da saúde e criação de vínculo.
Na ESF, a visita domiciliar surge como ferramenta de trabalho para estabelecer maior vínculo entre a
família, comunidade e profissionais de saúde, facilitando o desenvolvimento e a implementação das ações,
com resultados significativos na saúde dos usuários,
vinculação entre a educação e a saúde, orientação dos
membros familiares e da rede de suporte social17.
Convém evidenciar, ainda, a necessidade de a
equipe de saúde desenvolver ações criativas e
motivadoras na perspectiva de assegurar a participação contínua dos usuários em atividades de grupo, de
maneira a promover um espaço de reflexão, informação, incentivo e construção de conhecimentos sobre
a produção do cuidado18.
Produção do cuidado: expectativas dos usuários
O processo de trabalho dos profissionais que
atuam na ESF deve impulsionar mudanças na produção do cuidado em saúde, visando consolidar ações
que efetivem os princípios do SUS e assegurem o cuidado integral e humanizado aos usuários.
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Nesse sentido, os entrevistados revelaram como
ocorre o cuidado realizado pelos profissionais da ESF:
A gente é bem atendida aqui, a gente é ouvida [...]. (E1)
Acho ótimo, se fosse ruim eu também falava [...]. (E3)
Sempre me atenderam no que precisei [...]. (E4)
Nunca me trataram mal [...]. (E8)
É uma relação boa, ela tem educação, fala direito comigo, sempre que procuro sou bem atendida [...]. (E9)
Nessas falas, os entrevistados sinalizaram sua
satisfação com o cuidado produzido pelos profissionais da equipe.
Os usuários também expressaram que na equipe
de saúde a produção do cuidado é permeada pelo respeito e vínculo, possibilitando uma maior aproximação entre esta e os núcleos familiares, sobretudo com
os ACS e o enfermeiro:
A gente tem mais contato com a agente comunitária
[...]. (E4)
Não tenho o que dizer da enfermeira [...]. (E6)
Meu relacionamento é ótimo, eu trato elas com respeito
[...]. (E16)
A relação é boa, para mim é ótimo, eu sou bem atendida [...]. (E19)
Meu esposo é hipertenso, ele vem, é atendido e bem
recebido [...]. (E21)
O enfermeiro possui o compromisso de resolver
as necessidades de saúde da comunidade, e, assim,
evitar que os usuários retornem à unidade de saúde
várias vezes pelo mesmo motivo; para isto, conta com
os ACS que viabilizam informações fidedignas da realidade vivenciada pelos usuários. Por sua vez, o ACS
encontra sua função precípua em potencializar a
integração e o vínculo entre a equipe de saúde e a
comunidade, ultrapassando o caráter de servir de elo
entre estes19.
Por outro lado, alguns usuários ressaltaram que
os profissionais, ao produzirem o cuidado, atuam de
maneira indesejável sem acolhimento.
Tem aquelas pessoas mesmo que às vezes tratam com
grosseria [...]. (E10)
Eu fui tirar os pontos aqui e a mulher me atendeu mal
[...]. (E21)
A produção do cuidado sem acolhimento gera
insatisfação dos usuários e não propicia a resolução de
suas necessidades de saúde, em virtude do acolhimento constituir-se em dispositivo necessário à organização do processo de trabalho das equipes de saúde.
Destaca-se também que a falta de acolhimento
aliado à dificuldade de acesso aos serviços de saúde está
relacionada com a baixa resolutividade no atendimento
das necessidades de saúde da população, contrariando
os propósitos de SUS e as expectativas dos usuários4.
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Saúde da família: visão dos usuários
Nessa perspectiva, o estabelecimento de uma
relação permeada pelo acolhimento, vínculo e respeito tem o potencial de transformação das práticas
de saúde e pode impulsionar uma nova dinâmica nos
serviços de saúde20.
Certos usuários, em suas falas, sinalizaram a falta de vínculo com a equipe.
Alguns eu sei o nome [...]. (E7)
Não sei os nomes das enfermeiras [...]. (E8)
Não sei o nome de ninguém, não tenho vínculo com
essas pessoas [...]. (E18)
As contradições identificadas nesses relatos demonstraram que parece existir certo distanciamento
entre a equipe e alguns usuários, o que pode ser um obstáculo para a satisfação de suas necessidades de saúde.
Nesse sentido, a acessibilidade dos usuários às unidades de saúde, o acolhimento, o vínculo com a equipe e
a humanização na produção do cuidado são essenciais
para o fortalecimento da ESF.
CONCLUSÃO
Este estudo possibilitou conhecer a visão dos usu-
ários em relação à atuação da equipe de saúde na ESF,
demonstrando que os usuários perceberam nuanças
inerentes à dinâmica de trabalho dessa estratégia, o
que se constitui em um aspecto relevante para repensar o cuidado produzido pelos profissionais no contexto da saúde da família, a partir da valorização das
interfaces existentes na relação entre profissionais
de saúde e usuários.
Os resultados evidenciaram os benefícios que a
ESF traz para a comunidade, como a acessibilidade geográfica favorável, o cuidado produzido pela equipe, o
estabelecimento de vínculo e de acolhimento, bem
como a resolutividade de suas necessidades de saúde.
Como aspectos desfavoráveis para a ESF, foram
destacados o caráter reducionista, centrado no profissional médico, a coexistência de várias portas de
entrada para o sistema de saúde, principalmente o
hospital, o desconhecimento de alguns usuários sobre as atribuições dos profissionais que atuam na saúde da família, a ênfase em ações curativas e diagnóstico e a falta de acolhimento e vínculo por parte de
alguns profissionais da equipe de saúde.
Para o alcance de resultados mais efetivos, é necessária a priorização de ações que valorizem a interação
entre usuários e profissionais de saúde na perspectiva de
construírem modos mais eficazes de cuidar da saúde.
REFERÊNCIAS
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p.402 •
Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):397-402.
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Recebido em: 16/07/2010 – Aprovado em: 14/01/2011
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