1
INTRODUÇÃO
As manifestações de Espíritos ocorreram em todos os tempos, desde a mais
remota antigüidade. Mas o Espiritismo, como uma doutrina, tem uma data específica
para o seu surgimento: 18 de abril de 1857, com o lançamento da primeira edição de
O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec.
O Espiritismo é considerado uma doutrina científico-filosófica religiosa e tem
como princípios básicos: Deus e a criação, Jesus e a moral Cristã, a reencarnação,
a mediunidade e o livre arbítrio.
A Doutrina Espírita, tida como a Terceira Revelação (a primeira é considerada
a revelação de Moisés e a segunda a de Jesus), diferente das outras duas, não foi
pautada em apenas um homem, mas em um conjunto de Espíritos que tiveram a
missão de trazer novos conceitos em relação à vida do Espírito, ao longo de sua
existência.
Allan Kardec foi o homem que, através de um trabalho sério e muito
meticuloso, realizou a codificação dessa Doutrina. Sua pesquisa baseou-se em
perguntas realizadas diretamente aos Espíritos. Depois disso analisava, fazia
comparações e refletia até ter certeza que estava escrevendo uma verdade. Depois
de dois anos de intenso trabalho publicou a primeira obra, em 1857, que é
considerada a principal da Doutrina Espírita: O Livro dos Espíritos. Depois desta,
vieram os outros livros que completam o Pentateuco espírita: O Livro dos Médiuns,
O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e a Gênese. Também
importante, foi a criação da Revista Espírita em 1858, pois nela eram publicadas as
discussões dos temas da nova doutrina com pessoas de várias partes do mundo,
fato que muito contribuiu para a divulgação e propagação do Espiritismo.
A partir do lançamento de O Livro dos Espíritos, o Espiritismo difundiu-se
rapidamente por todo o mundo, principalmente nos países que sofriam a influência
cultural da França. Surgiram muitos grupos de estudos e de experimentação
mediúnica principalmente na Argélia, Bélgica, Suíça, Itália, Turquia, Espanha, Ilhas
Maurício e em praticamente toda a América do Sul.
No Brasil o Espiritismo chegou através do Rio de Janeiro com franceses que
trabalhavam na corte. Mas foi na Bahia que se instalou com maior organização, com
2
surgimento do primeiro Centro Espírita, Grupo Familiar do Espiritismo, e a tradução
do primeiro livro espírita.
Quando começou a se organizar no Rio de Janeiro o Espiritismo cresceu
rapidamente, chegando a todas as camadas da sociedade. Pelas suas obras
assistencialistas chamava a atenção de muitas pessoas, aumentando com a
tradução das Obras Básicas para o português. O vasto campo editorial logo colocou
o País numa posição de destaque no mundo espírita.
Com toda a expansão que o Espiritismo alcançou houve a necessidade de se
criar uma entidade que unisse todos os grupos. Assim, foi fundada, em 02 de janeiro
de 1884, a Federação Espírita Brasileira (FEB).
Os “espiritistas puros” - que
privilegiavam o pilar científico e filosófico da doutrina, os “místicos” - de orientação
evangélica e os “científicos” – que valorizavam a parte experimental da doutrina
iriam disputar o espaço na Federação até uma vitória definitiva, em 1902, dos
místicos, colocando a parte religiosa e assistencialista como o rumo do Espiritismo
no Brasil.
Chico Xavier foi um nome importantíssimo para o movimento espírita
brasileiro. Através de suas diversas obras e de suas aparições em programas de
televisão o Espiritismo ganhou grande status no cenário social. Grandes caravanas
o procuravam em sua cidade natal, São Leopoldo, e depois em Uberaba, também
em Minas Gerais. Com ele, o Espiritismo no Brasil construiu um modelo próprio
definindo-se, sobretudo, como uma doutrina religiosa.
No Paraná, é provável que o Espiritismo tenha chegado através de
Paranaguá, pois a cidade tinha facilidade de comunicação por tratar-se de uma
cidade portuária. No Estado encontrou intelectuais que trabalharam na divulgação
do Espiritismo, fundando Centros Espíritas e publicando artigos em jornais e
revistas.
O crescimento foi evidente após a fundação, em 1902, da Federação Espírita
do Paraná, tendo Curitiba como sede. Ao longo da história foram criados diversos
órgãos e realizadas inúmeras ações sociais que foram de grande importância para a
sociedade paranaense. Porém, essas obras demonstraram a característica mais
religiosa e assistencialista do Espiritismo paranaense, seguindo a característica da
Federação Espírita Brasileira.
3
Em meados do século passado, a Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas
(SBEE) foi fundada com uma proposta de reconceituar o Espiritismo brasileiro. Esta
instituição busca retomar a proposta inicial de Kardec de uma Doutrina de aspecto
tríplice: Ciência Filosofia e Religião. Esta Casa Espírita procura colocar uma
linguagem social espírita contemporânea, sem deixar de se basear nas Obras
Básicas de Kardec, mas utilizando-se outras obras tanto espíritas como não
espíritas.
A pesquisa tem por finalidade compreender o motivo pelo qual a face religiosa
da Doutrina Espírita se tornou preponderante no Brasil e no Paraná após ter
chegado ao povo, contrariando a proposta inicial de uma doutrina de aspecto tríplice:
Ciência, Filosofia e Religião, e como a Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas
vem buscando retomar esta proposta, realizando a contextualização e trazendo
novos conceitos. Para tal, serão trabalhados os seguintes objetivos específicos:
•
Pesquisar
as
primeiras
manifestações
mediúnicas,
tentando
compreender seus objetivos até chegar aos fatos que levaram a codificação da
Doutrina Espírita por Allan Kardec, compreendendo seus fundamentos como
Doutrina científica, filosófica e religiosa.
•
Realizar uma investigação história acerca da chegada da Doutrina
Espírita ao Brasil, assim como os pioneiros, as primeiras publicações, a fundação da
Federação Espírita Brasileira e a consolidação da Doutrina no Brasil; tentando
compreender o motivo pelo qual o movimento espírita seguiu o aspecto religioso da
Doutrina.
•
Pesquisar como se deu a inserção do Espiritismo no Paraná,
principalmente em Curitiba; buscando apontar os pioneiros, as publicações, os
primeiros Centros Espíritas e a fundação da Federação Espírita do Paraná e suas
obras em Curitiba.
•
Analisar a criação da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas e sua
nova proposta para o Espiritismo brasileiro.
Para chegar a esses objetivos específicos, o presente trabalho será dividido
em três capítulos:
O primeiro partirá das primeiras manifestações espíritas acontecidas nos
Estados Unidos, Hidesville em 1848 e a moda das mesas girantes na Europa.
Depois será relatada a vida e obra de Allan Kardec. Como foi feita a codificação da
4
Doutrina Espírita, destacando a importância das Obras Básicas e da Revista Espírita
para a solidificação do Espiritismo no mundo. Também, dar destaque àqueles que
foram considerados os fiéis continuadores da obra de Kardec, pelos trabalhos
realizados em prol da então doutrina crescente; trabalhos estes que abrangem o
campo filosófico-científico-religioso do Espiritismo.
No segundo, será descrito de que forma o Espiritismo chegou ao Brasil; quem
foram os pioneiros, as primeiras publicações e qual foi a característica do corpus
doutrinário adotada pelos seguidores.
No terceiro, será a investigação de como o Espiritismo chegou até o Estado
do Paraná, relatando quem foram os introdutores, as primeiras publicações e a
fundação dos primeiros Centros Espíritas. Dar-se-á destaque ao movimento espírita
na cidade de Curitiba; a fundação da Federação Espírita da Paraná e suas obras
realizadas e os expoentes do Espiritismo na cidade. Por fim, serão apontadas as
novas propostas para o movimento espírita no Brasil, através da Sociedade
Brasileira de Estudos Espíritas, que vem buscando retomar a proposta inicial da
doutrina
de
aspecto
tríplice:
contextualização do Espiritismo.
Ciência,
Filosofia
e
Religião;
realizando
a
5
CAPÍTULO I
A CODIFICAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA
6
1 AS PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES
As manifestações espíritas não se iniciaram com o surgimento do Espiritismo.
Elas existiam desde os primórdios da história humana, pois a comunicação entre os
polissistemas material e o espiritual é um fenômeno natural, intrínseco ao ser
humano. Diferentes sociedades, ao longo do tempo, deram-lhe tratamentos
diversos. As pitonisas da antiga Grécia eram reverenciadas por seus dons, já para
as sociedades européias medievais, todo aquele que expressasse mediunidade, era
considerado feiticeiro, estando por isso, sujeito à ação da Inquisição, acusado de
pactuar o Demônio1.
Porém, foi no século XIX que surgiu certa avalanche desses acontecimentos,
como se os Espíritos quisessem chamar a atenção para alguma coisa que estava
por vir.
As primeiras manifestações mediúnicas, do contexto contemporâneo,
ocorreram nos Estados Unidos, Hidesville em 1848. É o caso famoso das Irmãs Fox
que começaram a escutar ruídos de arranhaduras, que se foram intensificando, cada
vez mais, a ponto de a família Fox não ter mais sossego, dentro de casa. As
meninas, diante de tanto barulho, ficavam tão alarmadas que não queriam mais
dormir sozinhas. Investigações de toda natureza foram realizadas por seus pais,
mas nada conseguiram descobrir. Finalmente, na noite de 31 de março, houve uma
saraivada de sons muitos altos e continuados. Kat Fox, na sua inocência de criança,
desafiou a força invisível para que repetisse os estalos de seus dedos, no que foi
imitada. Depois, a menina dobrou os dedos, sem fazer ruído, e o arranhão
respondia. Ficou, dessa forma, constatado que, aquela força estranha, não só ouvia
como também via. Desta maneira organizaram um código no qual faziam perguntas
e as respostas eram dadas através de pancadas.
Logo depois deste acontecimento outros foram observadas na Inglaterra,
França, Alemanha, Itália e diversos outros países, inclusive no Brasil.
A ocorrência desses fenômenos, inicialmente, era exclusivamente de efeitos
físicos, não tendo nenhuma mensagem substancial: comunicação por pancadas,
mesas girantes e movimentações de objetos. Observa-se que estes fenômenos, de
1
Embora as manifestações mediúnicas ocorressem com homens e mulheres, estas, sem dúvida,
contabilizaram o maior número de acusações de feitiçaria.
7
ordem física, tinham a função de impressionar, fazendo com que os homens
despertassem para uma nova realidade - a existência de alguma coisa além da
matéria.
Se o objetivo era chamar atenção, isto realmente aconteceu. No ano de 1853,
os fenômenos ocorriam com tal intensidade na França que foram considerados o
maior acontecimento daquele momento. Diversos escritores, cientistas, filósofos e
professores participavam de sessões com a finalidade de observar tais fenômenos.
Durante algum tempo, as sessões das chamadas “mesas girantes” foram moda na
Europa, embora tivessem o caráter meramente de diversão (DOYLE, 2002).
Entretanto, um homem não viu nestes acontecimentos apenas divertimento.
Ele era Hippolyte Léon Denizard Rivail, que mais tarde adotaria o pseudônimo de
Allan Kardec.
8
2 RIVAIL O EDUCADOR
Esse texto foi baseado na obra Allan Kardec: o educador e o codificador, de
Zêus Wantuil e Francisco Thiesen. Obra muito completa sobre a vida de Allan
Kardec e os primeiros anos do Espiritismo.
Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em 03 de outubro de 1804, na cidade
de Lion, na França. Foram seus pais Jean-Baptista Antoine Rivail e Jeanne Louise
Duhamel, ambos católicos. Nessa época a França passava por um período muito
conturbado. No ano de 1804, Napoleão se auto-proclamou Imperador da França.
Com total poder nas mãos, ele formulou uma nova forma de governo e também
novas leis, mantendo-se no poder até o ano de 1815.
Podemos dizer que a primeira fase da vida de Rivail foi a da sua formação,
compreendidos da data de seu nascimento até 1822, ou seja, até seus 18 anos de
idade. Rivail realizou seus primeiros estudos em sua cidade natal onde recebeu uma
educação muito sólida dentro de severos princípios de honradez e retidão moral. Foi
enviado para a Yverdon, na Suíça, em 1814, para que pudesse completar seus
estudos e enriquecer sua bagagem escolar no Instituto de Educação, escola
fundada pelo célebre professor João Henrique Pestalozzi.
Sua transferência para Yverdon possivelmente aconteceu por a França estar
passando por um momento tão conturbado. O Instituto de Pestalozzi consistia em
uma escola de internato que era considerada modelo na Europa. Nela, Pestalozzi
conseguiu reunir renomados professores, vindos de várias partes do mundo. A
maioria dos alunos também eram de estrangeiros.
Roger de Guimps, aluno de
Pestalozzi, relata que
“os alunos gozavam de grande liberdade;(...) tinham, em geral, dez
horas de aula por dia, das seis da manhã às oito da noite, mas cada
lição só durava uma hora e era seguida de pequeno intervalo, durante
o qual ordinariamente se trocava de sala. Por outro lado, algumas
dessas lições consistiam em ginástica ou em trabalhos manuais,
como cartonagem e jardinagem. A última hora da jornada escolar,
das sete às oito da noite, era dedicada ao trabalho livre”. (WANTUIL e
THIESEN, 2004a, p. 31)
Segundo Wantuil e Thiesen, Pestalozzi tinha comportamento de pai para com
seus alunos. Ele sempre os levava a seu gabinete para conversar, perguntando se
sentiam bem, o que lhes agradava ou desagradava. Não havia castigos,
9
diferentemente de outras escolas da época, pois Pestalozzi queria apenas a
disciplina do dever. A escola preparava seus alunos para a vida, lhes conduzindo a
descobrirem, por si mesmos, pelo esforço pessoal, as tarefas que estavam ao
alcance de suas inteligências.
Línguas, raças, crenças, culturas e hábitos deferentes ali se misturavam,
aprendendo as crianças e os jovens, na vivência escolar, a lição de fraternidade, da
igualdade e da liberdade e que o amor é o eterno fundamento da educação. Foi
nesse mundo que Rivail obteve sua formação escolar. Esses ideais ficaram
enraizados em sua consciência e os acompanharam por toda vida.
Não se sabe ao certo quando Rivail deixou o Instituto para retornar à França.
Alguns escritores apontam que ele deixou a escola de Pestalozzi em 1819 e que
teria chegado a Paris em 1820, depois que se pôs em dia com a conscrição e
isentar-se do serviço militar. Zêus Wantuil relata como mais provável que Rivail
tenha chegado a Paris em 1822, quando já estava consolidada a restauração de
Luiz XVIII.
Na Rua da Harpa, um dos principais eixos da vida universitária parisiense
daquela época, ficava o Liceu Saint-Louis. Foi nesse local que Rivail encontrou
excelentes oportunidades para continuar suas atividades educacionais. Em 1824,
ele escreveu sua primeira obra “Cours Pratique et Théorique d’Arithmétique d’Après
la Méthode de Pestalozzi, Avec des Modifications”2, uma obra de cunho pedagógico,
recomendado aos educadores e às mães de família que desejassem dar aos seus
filhos, as primeiras lições de aritmética.
Pouco depois, fundou, em Paris, um estabelecimento semelhante ao de
Yverdun, isto é, uma Escola de primeiro grau, onde as crianças recebiam a instrução
primária de qualidade superior. Em seguida, fundou, em 1826, um instituto técnico,
nos moldes do extinto Instituto onde estudou. Nesse estabelecimento ensinava-se
física, matemática, astronomia, anatomia comparada e retórica. Para essa empresa
se associara a um dos seus tios, irmão de sua mãe, que era seu sócio capitalista.
Ao mesmo tempo em que lecionava, prosseguia escrevendo, nas poucas
horas que lhe sobravam. É assim que publicou, em 1828, “Plan proposé pour
l’amélioration de l’education publique”3, obra em que procura solucionar, junto ao
2
3
Curso Prático e Teórico de Aritmética.
Plano proposto para melhorar a educação pública.
10
Parlamento, a então delicada questão do ensino dado às crianças, propondo a
criação de uma escola teórica e prática de pedagogia. Em 1831, publica “Memória
sobre a instrução pública” e, também, a “Gramática Francesa Clássica”.
No mundo das letras e do ensino, que freqüentava em Paris, Denizard Rivail
conheceu Amélia Boudet, professora com diploma de 1ª classe, vindo a casar-se
com ela, em 6 de fevereiro de 1832.
O sócio de Rivail tinha paixão pelo jogo, por este motivo arruinou o sobrinho,
perdendo muito dinheiro. Rivail requereu a liquidação do Instituto, em 1835. O
dinheiro conseguido foi colocado na casa de um dos seus amigos íntimos,
negociante, que fez maus negócios e cuja falência nada deixou aos credores. O
fechamento da sua Escola, em 1835, foi um grande baque para Rivail.
Longe de desanimar com esse duplo revés, Rivail lançou-se corajosamente
ao trabalho. Arrumou o emprego de contabilista em três casas comerciais.
Terminado o seu dia de trabalho, escrevia à noite livros para estudos pedagógicos
superiores, também traduzia obras inglesas e alemãs e preparava todos os cursos
do professor Levy-Alvarès, freqüentados por discípulos de ambos os sexos do
faubourg4 de Saint-Germain. Organizou também, em sua casa, cursos gratuitos de
química, física, astronomia e anatomia comparada, entre 1835 e 1840, e que eram
muito freqüentados.
Algumas de suas obras: em 1846, o Manual dos Exames para Obtenção dos
Diplomas de Capacidade, soluções racionais das questões e problemas de
Aritmética e Geometria; em 1848 foi publicado o Catecismo Gramatical da Língua
Francesa. Em 1849, Rivail torna-se professor no Liceu Polimático, regendo as
cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física. Em uma obra muito apreciada,
resumiu seus cursos: Ditados normais dos exames na Municipalidade e na Sorbone
e Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas.
Em 1851, Rivail abandonou o ensino primário uma vez que a legislação
passou a privilegiar somente as escolas católicas. As instituições laicas ficaram
numa situação caótica, agravada ainda mais com o golpe de Estado de Luís
Napoleão Bonaparte, em dezembro daquele ano, que definiu a instauração, na
4
Bairro, subúrbio.
11
França, de uma política ditatorial e clerical, ficando abolidas a liberdade de imprensa
e outras liberdades públicas.
No ano seguinte, Luís Napoleão proclamou-se Imperador Napoleão III e a
partir de então, os professores tiveram que prestar-lhe juramento de fidelidade.
Dessa maneira Rivail não pôde continuar com o ensino, apesar de respeitado e
prestigiado pela sociedade francesa. Possuía dezenove obras pedagógicas5 e
muitas delas adotadas pela Universidade de França.
Recebeu diversos diplomas durante o exercício de seu trabalho, nas funções
de professor e diretor de estabelecimento de ensino: Fundador da Sociedade de
Previdência dos Diretores de Instituições e Pensões de Paris, Diploma da Sociedade
para a Instrução Elementar, Diploma do Instituto de Línguas, Diploma da Sociedade
de Ciências Naturais da França, Diploma da Sociedade de Educação Nacional,
Diploma da Sociedade Gramatical e da Sociedade Real de Emulação de Agricultura,
Ciências, Letras e Artes do Departamento do Ain, Diploma do Instituto Histórico,
Diploma da Sociedade Francesa de Estatística Universal, Diploma da Sociedade
Promotora da Indústria Nacional, Diploma da Academia da Indústria, Diploma da
Academia Real das Ciências de Arras.
5
Algumas delas com mais de uma dezena de edições.
12
3 A PESQUISA DE KARDEC
Foi apenas em 1854 que Rivail ouviu falar, pela primeira vez, das mesas
girantes. Quem lhe trouxe a notícia foi o magnetizador, Fortier, dizendo que
conseguia não só fazer as mesas se moverem, mas também que falassem. Rivail, a
princípio, manteve-se cético em relação ao assunto, dizendo: “Só acreditarei quando
o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para
sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso
mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé.” (KARDEC6, 2006, p. 296).
Um ano após esse acontecimento ele encontrou outro amigo, Carlotti, que lhe
explicou sobre tais fenômenos, dizendo que tinham as “intervenções dos Espíritos”
(CARNEIRO, 1996, p.12). Essa conversa fez com que Rivail começasse a se
interessar pelo assunto e, assim, iniciou a pesquisa que resultou na codificação da
Doutrina Espírita.
Após essa conversa, Allan Kardec7 começou a freqüentar os lugares onde
aconteciam os fenômenos espíritas. O primeiro contato foi na casa da sonâmbula
Roger. A segunda vez foi na casa da Sra. Painemaison, onde ele observou pela
primeira vez o fenômeno das mesas girantes. Assistiu, também, alguns ensaios
muitos imperfeitos de escrita mediúnica. (KARDEC, 2006).
Apesar de ainda ter muitas dúvidas, Kardec percebeu claramente que estes
acontecimentos não eram simples fraudes, pois decorriam de alguma causa.
Homem de ciência que era, ficou intensamente instigado em pesquisar a fundo
esses fenômenos, já prevendo que alguma coisa nova estava por vir.
Fato importante para a pesquisa foram as reuniões que se realizavam na
casa da família Baudin. As médiuns ajudantes de Kardec “escreviam numa ardósia
com o auxílio de uma cesta, chamada carrapeta, perguntas aos Espíritos e as
respostas eram dadas com exatidão” (CARNEIRO, 1996, p. 16). Com este processo,
Kardec teve a convicção de que não havia a intervenção do médium no fenômeno,
havia de fato uma inteligência exterior agindo. Dessa maneira passou a freqüentar
6
Adota esse pseudônimo após uma comunicação com um Espírito que relata que, em uma vida
anterior, eles haviam vivido entre os druidas, e seu nome era, na ocasião, Allan Kardec.
Posteriormente adotou esse codinome para distinguir as obras do professor Rivail dos livros da
Codificação Espírita.
7
Doravante Rivail será identificado pelo nome com que foi consagrado como codificador do
Espiritismo.
13
assiduamente essas reuniões, utilizando-se do método experimental para estudar tal
fato. Sempre observando, comparando e meditando concluiu que, realmente, eram
os Espíritos os causadores desses fenômenos, pois no seu entendimento para todo
efeito inteligente deveria haver uma causa inteligente.
Pode-se dizer que o estudo sobre o Espiritismo iniciou-se nessas reuniões
com a família Baudin. Contrariando as outras pessoas que só faziam perguntas
banais aos Espíritos, Kardec trouxe perguntas de caráter sério, sobre diversos
problemas. Assim, passou a formular de forma científica a nova teoria, como vemos
em suas palavras:
Nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente,
comparava, deduzia conseqüência; dos efeitos procurava remontar
as causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não
admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as
dificuldades da questão... Compreendi, antes de tudo, a gravidade da
exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a
chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do
futuro da Humanidade, a solução que procurara em toda a minha
vida. (KARDEC, 2006, p. 299).
Percebemos nessas palavras o quão importante deve ser a ciência nas
nossas vidas; sem ela nos entregamos ao místico, ao maravilhoso e, assim, não
percebemos a real verdade dos fatos.
O caráter das reuniões mudou com presença de Kardec. As perguntas fúteis
não tinham mais sentido já que as questões trazidas por ele eram bem elaboradas e
as respostas eram de interesse de todos. Os assistentes passaram a ser pessoas
sérias e seus objetivos não eram mais o divertimento.
Em uma dessas ocasiões, em 25 de março de 1856, Kardec tomou contato,
pela primeira vez, com o Espírito que seria seu guia e ajudante na tarefa árdua que
tinha pela frente, era o Espírito que se institui pelo nome de Verdade. Nessa
comunicação, feita através da médium Baudin, este Espírito lhe disse que, uma vez
por mês, estaria ali à sua disposição durante um quarto de hora (KARDEC, 2006, p.
305). Esses encontros foram muito proveitosos para a pesquisa que Kardec estava
realizando. Sobretudo por que esse Espírito sempre lhe alertava sobre possíveis
equívocos no trabalho.
Neste mesmo ano, Kardec começou a freqüentar as sessões na casa de
Rostan e Japhet, tendo sido nessas sessões que recebeu a primeira revelação da
14
sua missão. Mensagem esta que foi ratificada pouco depois, em maio de 1856, pelo
Espírito Hahnemann, dizendo que ele deveria “trabalhar ativamente para concluir
aquilo que aspirava” (KARDEC, 2006, p. 309).
Nessa época o estudo já tinha tomado uma proporção bastante grande e em
uma das reuniões os Espíritos propuseram a Kardec que o trabalho fosse revisto em
particular com a médium Japhet, evitando assim as intervenções do público. Porém,
apenas isso não o contentou, também queria que outros tivessem a participação.
Dessa maneira, mais de dez médiuns colaboraram na verificação, complementação
e finalização do trabalho (KARDEC, 2006).
15
4 A PRIMEIRA OBRA DA DOUTRINA ESPÍRITA
Após dois anos de pesquisa, o trabalho empreendido por Kardec já estava
bem desenvolvido, possuía cinqüenta cadernos de comunicações diversas. Logo
percebeu que ele ganhava as proporções de uma doutrina. Então, pela sua própria
vontade e pela orientação dos Espíritos resolveu publicar a primeira edição de O
Livro dos Espíritos, o que se concretizou em 18 de abril de 1857 (KARDEC, 2006).
É consenso entre os espíritas que essa é a data do início da Doutrina Espírita.
A dita Terceira Revelação foi transmitida pelos Espíritos Superiores liderados pelo
Espírito Verdade e codificada por Allan Kardec. Portanto, a Doutrina Espírita foi
codificada pela ação humana, porém criada e ditada pelos Espíritos. Assim,
podemos dizer que ela não é dos homens e sim dos Espíritos. Isto se confirma em
um esclarecimento de Kardec na Revista Espírita:
Como indica o título, a obra não é uma doutrina pessoal: é o
resultado do ensino direto dos próprios Espíritos sobre os mistérios
do mundo aonde iremos um dia e sobre todas as questões que
interessam à humanidade; eles nos dão uma espécie de vida,
trançando-nos a rota da felicidade porvindoura. Este livro não é fruto
de nossas idéias, pois sobre muitos pontos importantes tínhamos
uma maneira de ver bem diversa; por isso nossa modéstia não
poderá receber elogios. Preferimos, entretanto, que falem os que
estão realmente interessados no assunto. (KARDEC, 1964, p. 31)
As bases do livro foram exatamente as perguntas formuladas por Kardec aos
Espíritos e as respostas dadas por eles. O trabalho foi muito minucioso, Kardec não
se contentava com uma única resposta, sempre fazia comparações, fundia as várias
respostas e as desenvolvia quando estava sozinho.
A primeira edição de O Livro dos Espíritos possuía 176 páginas com
quinhentas e uma perguntas distribuídas em duas colunas, a da direita para as
perguntas e a da esquerda para as respostas. A obra dividia-se em três partes:
“Doutrina Espírita”, “Leis Morais” e “Esperanças e Consolações” (WANTUIL, 2002, p.
39).
A composição de O Livro dos Espíritos como conhecemos hoje, com 1019
perguntas e respostas e quatro partes (Causas Primárias, O Mundo Espírita ou dos
Espíritos, Leis Morais e Esperanças e Consolações), tomou esse formato na
segunda edição ampliada por Kardec em 1860.
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Na primeira edição observa-se o ensinamento mais direto e espontâneo dos
Espíritos (perguntas / respostas). Já na segunda edição eles estão mais completos e
a intervenção de Kardec é mais notada, pois acrescentou várias observações após
as respostas. Essa segunda edição era necessária conforme as próprias palavras do
Codificador:
Na primeira edição desta obra, anunciamos uma parte suplementar.
Devia compor-se de todas as questões que ali não haviam entrado,
ou que circunstâncias ulteriores e novos estudos deveriam originar.
Mas como sejam todas relativas a uma parte qualquer já tratada, e
das quais são desenvolvimento, sua publicação isolada não teria
continuidade. Preferimos esperar a reimpressão do livro para reunir
tudo e aproveitamos para dar à distribuição da matéria uma ordem
mais metódica, ao mesmo tempo em que eliminamos tudo quanto
tivesse duplo sentido. Esta reimpressão pode, pois, ser considerada
como obra nova, posto não tenham os princípios sofrido qualquer
alteração, salvo muito poucas exceções, que são antes
complementares
e
esclarecimentos,
do
que
verdadeiras
modificações. Esta conformidade nos princípios emitidos, mau grado
a diversidade das fontes onde foram bebidos, é um fato importante
para estabelecimento da ciência espírita. Nossa mesma
correspondência prova que comunicações em tudo idênticas, senão
na forma, mas no fundo, têm sido obtidas em várias localidades,
antes mesmo da publicação do livro, que as veio confirmar e dar um
corpo regular. Por seu lado a história atesta que a maior desses
princípios foram professados pelos homens mais eminentes, antigos
e modernos, e vem assim trazer a sua sanção. (KARDEC, 1965, p.
100-101).
A obra teve uma grande repercussão, principalmente nos países europeus,
chegando até as Américas. Kardec recebeu cartas de várias personalidades da
época descrevendo a importância e o impacto causados por ela (WANTUIL e
THIESEN, 2004a).
Este livro contém todos os princípios da Doutrina Espírita, assuntos como
Deus, a Criação, a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas revelações
com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e a evolução.
Kardec colocou na introdução de O Livro dos Espíritos a importância de criar
palavras novas para a Doutrina que se iniciava, evitando assim confusões e
ambigüidades. Queria ele diferenciar o espiritualismo que é a crença em algo além
do material, de Espiritismo que “tem por princípio as relações do mundo material
com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os
espíritas ou, se o quiserem, os espiritistas” (KARDEC, 2004b, p. 25-26).
17
Outro termo que Kardec quis diferenciar é sobre a alma. Esta palavra possui
vários sentidos, conforme o assunto ao qual está sendo exposto. Kardec colocou,
por convenção, na Doutrina que alma é “o ser imaterial e individual que reside em
nós e que sobrevive ao corpo” (KARDEC, 2004b, p.27).
A nova doutrina que se iniciava se constitui de aspectos científicos, filosóficos
e religiosos. Apesar de que muitas pessoas desconsideram a parte religiosa,
fundamentando-se em supostas palavras ditas por Kardec. Em O que é o
Espiritismo, Kardec escreve que:
O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma
doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações
que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, ele
compreende todas as conseqüências morais que decorrem dessas
relações. (KARDEC, 2004a, p.12).
Essas conseqüências morais, ditas por Kardec, geraram dúvidas e ainda
geram, criando controvérsias entre os estudiosos do Espiritismo, já que, para eles,
moral não é religião. Esta discussão se agravou mais por algumas palavras ditas por
Kardec em seu último discurso, proferido em primeiro de novembro de 1868:
Se assim é, perguntarão então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim,
sem dúvida, senhores. No sentido filosófico, o Espiritismo é uma
religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que
funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não
sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as
mesmas leis da natureza.
Por que, então, declaramos que o Espiritismo não é uma religião?
Porque não há uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e
que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto;
desperta exclusivamente uma idéia de forma, que o Espiritismo não
tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí
senão uma nova edição, uma variante, se quiser, dos princípios
absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de
hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias
de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes se levantou
a opinião pública.
Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na
acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um
título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque
simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral. (KARDEC, 1966, p.
357).
Percebe-se que Kardec não queria negar o aspecto religioso da doutrina, mas
sim distanciar o Espiritismo do grupo das religiões dogmáticas existentes na época;
até mesmo pelos abusos e explorações realizados ao longo da História em nome da
religião. Portanto, Kardec quis diferenciar o Espiritismo deste tipo de religião, para
18
que a doutrina não fosse apenas mais uma repetição, cheia de dogmas, liturgias,
cerimônias. O Espiritismo é uma religião na sua definição mais pura onde se procura
o sentido e o significado da vida e ligação entre criatura e o Criador. É importante
ressaltar o tríplice aspecto da Doutrina Espírita para que se possa ter um
entendimento mais amplo dos conceitos espíritas e suas conseqüências.
O Espiritismo possui cinco fundamentos que norteam todo o estudo da
Doutrina, são eles:
•
Deus como “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”
(KARDEC, 2004b, p. 71), imaterial, único, todo poderoso, eterno, imutável,
soberanamente justo e bom;
•
Jesus (como grande mestre, exemplo a ser seguido) e a moral cristã, o
Espiritismo “nada ensina de contrário ao ensinamento do Cristo, mas o desenvolve,
completa e explica, em termos claros para todos, o que foi dito de forma alegórica”
(KARDEC, 2000, p. 42);
•
Reencarnação como processo, ou seja, a experimentação da vida
material inúmeras vezes com o objetivo de o Espírito progredir e aperfeiçoar-se
(ampliação do conhecimento), ela não tem o sentido punitivo, mas sim um sentido
educativo, possibilitando o aprendizado através das limitações da matéria;
•
Livre-arbítrio que significa a liberdade na tomada de decisões,
princípio este fundamental à evolução do Espírito, assim não há destino, é o próprio
Espírito que traça seu futuro, portanto é responsável pelos resultados das suas
escolhas;
•
Mediunidade
como
a
interação
entre
os
encarnados
e
os
desencarnados, é através dela que nos são trazidas, do polissistema espiritual, as
mensagens espíritas.
19
5 A CONSOLIDAÇÃO DA NOVA DOUTRINA
A partir do lançamento de O Livro dos Espíritos, a Doutrina Espírita começou
a despertar a atenção de muitos intelectuais da época, tomando um rápido
desenvolvimento, como já foi dito, e espalhou-se pela França e o resto da Europa
chegando às Américas.
É importante frisar que nessa época alguns meios de comunicação e de
transporte já estavam desenvolvidos, como o trem, o telégrafo elétrico, o cabo
submarino, a máquinas de impressão. Com isso, a difusão do Espiritismo ficou mais
fácil, alcançando todas as camadas da população. Este fato também ajudou nas
correspondências que Kardec recebia de várias partes do mundo: relatando
fenômenos mediúnicos observados, bem como críticas e sugestões acerca de
pontos da doutrina (WANTUIL e THIESEN, 2004b).
Com toda essa repercussão e as milhares de cartas recebidas, Kardec sentiu
a necessidade de criar uma revista periódica, não só para divulgação, mas também
para sua instrução e para responder os questionamentos recebidos para muitas
pessoas ao mesmo tempo. Desta maneira, no dia 1º de janeiro de 1858 foi impresso
o primeiro número da Revue Spirite8, seguindo as publicações mensalmente até o
ano de 1869. A revista continha
“As diretrizes por que ela se guiaria, mantendo o público a par de
todos os progressos e acontecimentos dentro da nova doutrina e
precatando-o tanto contra exageros da credulidade, quanto contra os
do cepticismo (...) É nos seus primeiros dez anos o complemento e o
desenvolvimento da obra doutrinária(...)” (WANTUIL e THIESEN,
2004b, p. 185 e ss).
Em abril do mesmo ano outro fato importante surgiu para a consolidação do
Espiritismo, foi a fundação da Société Parisienne des Études Spirites9. Já existiam
reuniões freqüentes, mas esta sociedade foi necessária pelo fato que muitas
pessoas procuravam Kardec, franceses e estrangeiros, para conversar e tirar
dúvidas sobre o Espiritismo e sua residência não dava conta de tanta gente, cerca
de 1500 pessoas anualmente. O encargo foi tanto que Kardec teve que renunciar,
no ano de 1859, às funções na sociedade devido aos múltiplos afazeres que
8
9
O título completo é “Revue Spirite – Journal d’Études Psychologiques”.
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
20
possuía. Porém, os membros não aceitaram sua renúncia, o reelegendo anualmente
para presidente até o ano do seu desencarne (WANTUIL e THIESEN, 2004b).
Essa sociedade não tinha por objetivo a propaganda, mas o estudo e a
pesquisa do Espiritismo, tanto na parte filosófica quanto científica: “o estudo de
todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às
ciências morais, físicas, históricas e psicológicas.” (KARDEC, 1995, p. 445)
Foram com esses fundamentos, citados no subtítulo anterior, que Kardec
publicou os outros quatro livros que completam o Pentateuco Espírita: O Livro dos
Médiuns (1861), a parte experimental; O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864),
para as questões morais; O Céu e o Inferno (1865), sobre os castigos e
recompensas dos espíritos encarnados e desencarnados; A Gênese (1868),
complemento e síntese das demais. Ainda foram publicados outros livros que
serviam de explicação e orientação da doutrina: O que é o Espiritismo? (1859), O
Espiritismo em sua Expressão mais Simples (1862) e Viagem Espírita (1862).
Posteriormente ao seu falecimento, foi publicado Obras Póstumas (1890), como
resultado de suas anotações.
21
6 OS CONTINUADORES DA OBRA DE KARDEC10
Podemos citar vários homens que pelas suas dedicações em prol da Doutrina
Espíritas foram os continuadores da obra iniciada por Allan Kardec. Porém, serão
três os citados nesse trabalho por abrangerem o campo filosófico-científico-religioso,
do Espiritismo.
6.1 LÉON DENIS (1846-1927)
León Denis nasceu na França, em 1º de janeiro de 1846, numa localidade
chamada Foug, na região da Alsácia-Lorena. Teve uma infância pobre, e por este
motivo teve que várias vezes interromper os estudos.
Quando Allan Kardec publicou o Livro dos Espíritos, Léon Denis tinha apenas
11 anos. Este livro que ele iria ler sete anos após, época em que as “mesas
girantes” ainda eram moda na Europa. Seu primeiro contato com Kardec ocorreu
somente em 1867, quando este realizou uma palestra na cidade de Tours – França,
para uma grande platéia.
O contato com os Espíritos aconteceu durante a Guerra Franco-prussiana
(1870-1871). Nesse período Denis ficou em um alojamento considerado “mal
assombrado”, lá ocorreram os contatos mediúnicos em que os Espíritos anunciaram
a derrota da França, o fim do III Império e a instalação da III República francesa e,
que mais tarde, o contexto iria mudar e a Prússia seria derrotada.
Com o fim da guerra, Léon Denis continuou com seus contatos mediúnicos,
dando maior ênfase ao trabalho de psicografia. Para isso abandonou as reuniões de
maçonaria que freqüentava há bastante tempo. Foi neste período que seus
mentores espirituais se revelaram: Jerônimo de Braga11 e Joana D’Arc12. Estes dois
lhe aconselharam a dedicar-se aos estudos, pois ele teria que cumprir uma grande
10
Esse item foi baseado em notas de aula da Disciplina História do Espiritismo II, do Curso de
Teologia Espírita, da Faculdade Dr. Leocádio José Correia.
11
Discípulo de João Huss, ambos mortos pela Inquisição, no século XV, por ordem do Concílio de
Constança.
12
É a santa padroeira da França e foi uma heroína da Guerra dos Cem Anos, durante a qual tomou
partido pelos Armagnacs, na longa luta contra os borguinhões e seus aliados ingleses. Liderou o
exército francês em diversas batalhas sob o estímulo de vozes que ela dizia serem divinas.
22
missão, em que utilizaria muito à escrita e a oratória. Hoje sabe-se que esta missão
era continuar a obra de Kardec.
Léon Denis discursou nos funerais de Allan Kardec, 31 de março de 1881,
iniciando no ano seguinte o seu apostolado. Ele fundou a Sociedade de Estudos
Espíritas e o jornal O Espiritismo; publicou, em 1885, a brochura O Porquê da Vida,
trabalhando o princípio do progresso, superação da escravidão da matéria, além da
análise dos problemas da existência humana.
Em 1889, participou do Congresso Espiritualista Internacional, ao lado de
teosóficos, cabalistas, rosacrucianos, entre outros. Um ano após integrou o Grupo
da Rua Du Rempart. Neste local totalizou quinze anos de atividades espíritas. Seu
mentor, Jerônimo de Praga, apadrinhou o grupo revelando a o desejo de ver a fusão
do Espiritismo com o Cristianismo, mas livre de dogmatismos e ritos ostensivos.
Em 1890 foi o ano da publicação de um dos seus principais livros, Depois da
Morte, obra de cunho filosófico espírita, com destaque para as bases científicas e
experimentais e de suas conseqüências morais. O êxito deste livro situou-o como
escritor de primeira ordem. Os grandes jornais e revistas ecléticas solicitavam-no e
as tiragens sucessivas desse livro esgotavam-se rapidamente. Destaque também
são os livros O Problema da Vida e do Destino e Idéia de Deus, ambos publicados
em 1895, por expressarem a continuidade de aprofundamento de reflexão e de
divulgação doutrinária. Nesse período, Léon Denis ministrou palestras para
mineradores carvoeiras realizando o que chamou de Espiritismo Social.
No ano seguinte, publicou O Milagre de Joana D’Arc, em que focalizou a
missão espiritual da Donzela de Lorena. Nesse período, era intensa sua agenda: em
1897, foram 27 conferências por toda a França, apesar da forte oposição de
católicos e protestantes.
No Cinqüentenário do Espiritismo (1898), publicou outra obra importantíssima:
Cristianismo e Espiritismo, em que o autor apontou as vicissitudes do Evangelho, a
doutrina secreta do Cristianismo, sua relação com os espíritos desencarnados e, por
fim a Nova Revelação.
Por sua atuação incessante na divulgação doutrinária, pelo conjunto de seus
estudos e publicações, em 1900, Denis foi indicado como presidente efetivo do
Congresso Internacional Espiritualista, ocasião em que ele teria afirmado que “o
23
Moderno Espiritismo constrangerá as religiões a evoluir, a caminhar passo a passo
com o espírito humano”, contra várias teses de diferentes tendências.
Em 1903, Denis publicou O Mundo Invisível, cuja ênfase recaiu sobre a
questão da mediunidade. Na introdução, o autor esclarece “O Espiritismo será o que
se fizer dele: pesquisas frívolas ou aperfeiçoamento moral”. Esta citação foi
colocada porque o movimento espírita passava por um momento delicado,
necessitando de uma delineação das leis fundantes da comunicação espírita.
Muitos consideram que a maior obra de Léon Denis é O Problema do Ser, do
Destino e da Dor (1908). Neste livro ele procurou trazer os conceitos de antigos
sábios à mentalidade moderna, aproximando-os dos conceitos espíritas. Também,
enfatizou a importância da pesquisa no Espiritismo para a renovação da educação
científica, racional e moral do homem em todos os ambientes.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), Léon Denis já apresentava
saúde frágil, e a vista bastante comprometida, no entanto seus trabalhos
continuavam e, acabou por se confirmar o que os mentores haviam revelado há
mais de 40 anos: a desintegração do Império Prussiano.
Em decorrência da retração econômica, logo após o início dos conflitos, a
Revue Spirite ficou um ano sem ser publicada. Voltou a circular em 1917, e meses
depois ocorreram duas importantes fundações: o Instituto Metapsíquico Internacional
e a União Espírita Francesa. Em 1919, foi publicado O Mundo Invisível e a Guerra,
base para reflexão de vários estudiosos do Espiritismo.
No III Congresso Espírita Universal, em 1925, em Paris, na França, o desejo
da consolidação começa a de delinear, de fato. “Representantes de 24 países e 60
jornais estiveram presentes, portanto homens de todas as raças e cores, diferentes
línguas, atestaram sua fé na sobrevivência e na evolução indefinida do ser” (LUCE,
1989, p. 226).
Em 1927, logo após finalizar os trabalhos em torno de O Gênio Céltico e
Mundo Invisível, ocorreu, aos 81 anos, seu desencarne, em Tours. Léon Denis foi
um verdadeiro sucessor e propagador da Doutrina codificada por Kardec. Sofreu os
ataques de seus opositores, teve que lutar contra o materialismo, a falta de
idealismo, o cientificismo e o positivismo de Augusto Comte, que grassavam nas
universidades. As conferências, os congressos e os livros publicados foram suas
armas para a divulgação e a consolidação do edifício doutrinário, alicerçado pelas
24
pesquisas e análises de Allan Kardec. Por todo seu trabalho em prol da doutrina é
considerado o Apóstolo do Espiritismo.
6.2 GABRIEL DELANE (1857-1926)
François-Marie Gabriel Delanne, nasceu na cidade de Paris, França, no ano
de 1857. Ele conviveu intimamente com faculdades mediúnicas diversificadas de
sua própria mãe e dos médiuns que freqüentavam sua casa. Uma mostra da sua
ligação com o Espiritismo desde a infância foi um episódio onde substituiu o pai em
sua reunião, com apenas oito anos, explicando o que fosse necessário às pessoas
que participaram dela. (WANTUIL e THIESEN, 2004b).
Foi um investigador metapsíquico e também escritor. Seu pai Alexandre
Delanne foi colaborador de Kardec e sua mãe, Alexandrine Delanne, médium,
cooperou nos trabalhos mediúnicos que resultaram na codificação da Doutrina.
Possivelmente foi um dos primeiros espíritas a nascer em família espírita.
Iniciou os estudos de engenharia, mas quando a situação financeira da família
não permitiu que continuasse a estudar, passou a trabalhar e a se dedicar ao estudo
dos fenômenos paranormais e à difusão da doutrina espírita. Alguns estudiosos
apontam que ele, assim como Léon Denis se tornou representante comercial, o que
lhe possibilitava, pelas inúmeras viagens a trabalho, divulgar intensamente os
princípios doutrinários.
Em companhia de Alexandre Delanne, fundou em 1882, em Paris, a União
Espírita Francesa cujo objetivo era reunir num bloco todas as forças esparsas no
país. Foi presidente da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos,
onde, discursou, por muitos anos, no aniversário de desencarnação de Kardec.
Em 1897, fundou a Revista Científica e Moral Espírita (Revue Scientifique et
Morale Spiritisme), da qual foi colaborador constante.
Em 1904, realizou experiências mediúnicas nas quais intervieram Charles
Richet e outras autoridades, preocupado sempre em demonstrar que o espiritismo
se assenta em bases científicas.
Conjuntamente com Camille Flammarion e outros nomes importantes,
Delanne marcou a transição e a continuação da obra de Kardec. Defensor ferrenho
do caráter científico da Doutrina Espírita dedicou a maior parte de seus esforços na
25
luta para consolidar o Espiritismo como uma ciência estabelecida e complementar às
demais.
Suas obras são: O Espiritismo diante da Ciência (1885); O Fenômeno Espírita
(1896) - “(...)A alma existe substancialmente; se ela, de fato, é diferente do corpo,
deve ser possível encontrar-lhe, nas manifestações, provas de sua independência
para com o organismo. Ora, essas provas existem e fácil é convencer-nos,
estudando imparcialmente os fatos hoje classificados sob as denominações de
clarividência,
telepatia,
premonição,
exteriorização
da
sensibilidade
ou
da
motricidade e desdobramento do ser humano....”; A Evolução Anímica (1897) - "Com
a certeza das vidas sucessivas e da responsabilidade dos nossos atos, muitos
problemas revelar-se-ão sob novos prismas. As lutas sociais, que atingem, nesta
nossa época, um caráter de aguda aspereza, poderão ser suavizadas pela
convicção de não ser a existência planetária mais que um momento transitório no
curso de uma eterna evolução”; Investigações acerca da Mediunidade (1898); A
Alma é Imortal (1899); As Aparições materiais dos vivos e dos mortos, 2 vols.
(1924); Documentos para Servir ao Estudo da Reencarnação (1924).
De acordo com Paul Bodier e Henri Regnault (1988), Gabriel Delanne
defendeu que sem a reencarnação, não há como explicar a precocidade musical de
Mozart e de tantas outras crianças relacionadas, além de sábios, pintores, poetas e
literatos. Desde criança, Pascal mostrou o gosto pelos estudos, especialmente pela
geometria. Aos treze anos, descobriu as 32 primeiras proposições de Euclides e
publicou um trabalho sobre as seções cônicas. Miguel Ângelo, na idade de oito
anos, já conhecia suficientemente a técnica da pintura, tanto que seu mestre
Ghirlandajo afirmou que nada mais havia a ensinar-lhe. Por sua vez, Victor Hugo
apresentava, desde os treze anos, sua magnífica faculdade de versificação, como
prova o prêmio que obteve em Tolosa; chamavam-no de “a criança sublime”.
Sobre a origem desse fenômeno existe a tese da hereditariedade genética, de
cunho eminentemente materialista. Nesse caso, os pais seriam responsáveis pela
doação de genes capazes de possibilitarem o nascimento de crianças superdotadas.
Essa teoria é insuficiente e cai por terra, por não responder o fato de pessoas que
nasceram em meios pouco instruídos, como por exemplo: Descartes, Copérnico,
Augusto Comte, Galvani, Spinoza e tantos outros, se distinguirem por suas
brilhantes faculdades intelectuais.
26
Sua maior contribuição ao Espiritismo foi à tese do perispírito, conceito já
trabalhado por Kardec. Delanne aprofundou seus estudos e atribuiu-lhe diversas
funções na relação corpo-Espírito. Desenvolveu explicações acerca de fenômenos
mediúnicos utilizando o Perispírito, peça central para afirmar que o Espiritismo nada
tinha de sobrenatural e se calcava em bases naturais, ou seja, na existência de um
corpo etéreo, ponte entre a alma e o corpo físico, estabelecendo uma ligação entre a
reencarnação e a evolução anímica.
Estudiosos dizem que é preciso admitir que o progresso das ciências
acabaram por demonstrar algumas incorreções de Delanne, porém que é notável o
esforço feito por ele para colocar o Espiritismo par a par com a ciência, pelo método
experimental, pela busca constante de fatos que comprovassem suas proposições.
6.3 CAMILLE FLAMMARION (1842-1925)
Camille Flammmarion nasceu em Montigny- Le-Roy, França, no ano de 1842.
De família muito humilde, não freqüentou escolas tradicionais. A família esperava
vê-lo sacerdote, por isso foi estudar latim com um padre que também lhe ensinava
sobre o Novo Testamento, as belezas da ciência e da astronomia mais
particularmente. Aos 16 anos escreveu Cosmogonia Universal (de 500 páginas),
mas antes já havia escrito O Mundo antes da Aparição dos Homens.
Tornou-se astrônomo de referência e investigador metapsíquico, membro do
Observatório de Paris, onde adquiriu celebridade por seus estudos astronômicos e
por seus trabalhos de divulgação da astronomia. Em 1882, fundou a Revista
L’Astronomie e, cinco anos depois a Sociedade Astronômica da França.
De acordo com relato de estudiosos, desde a juventude sentiu-se atraído pelo
espiritismo, militando no Movimento. Tornou-se amigo de Allan Kardec, e por isso foi
convidado a discursar nos funerais do Codificador, discurso este publicado em
Obras Póstumas, editada pela Federação Espírita Brasileira.
No campo da investigação metapsíquica, ao qual se dedicou durante muito
tempo, foi um experimentador bastante hábil. Em 1897, compartilhou com outras
autoridades de experiências envolvendo a médium Eusápia Palladino.
Seus trabalhos dedicados ao estudo de fenômenos mediúnicos estão
baseados em uma enorme quantidade de documentação relacionada com casos
27
psíquicos, provenientes de correspondentes franceses e estrangeiros. Atribiu-se-lhe
a criação do termo “força psíquica”.
Suas obras revelam sua visão acerca de questões fundamentais para a
humanidade, como se pode constatar pelos títulos de algumas de suas obras, como
por exemplo, Narrações do Infinito, que descreve inclusive sua experiência como
médium.
O Capítulo VI de A Gênese, intitulado de Uranografia Geral – o espaço e o
tempo, é a transcrição de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita
de Paris, entre 1962-1963, sob o título Estudos Uranográficos, assinados por Galileu
(Espírito) e tendo o médium sido registrado como C.F., as iniciais de Camille
Flammarion.
Suas obras são: A Pluralidade dos Mundos Habitados (1862); Os Mundos
Imaginários e os Mundos Reais (1864); O Incomum e os Problemas Psíquicos
(1900); As Forças Naturais Incomuns (1907); A Morte e seus Mistérios (1920-22); As
Casas Mal Assombradas (1923); além de uma imensa produção sobre astronomia,
filosofia e ciência, com destaque para Astronomia Popular.
28
CAPÍTULO II
O ESPIRITISMO NO BRASIL
29
1 A PREPARAÇÃO PARA A CHEGADA DO ESPIRITISMO NO BRASIL
Diversos fatores contribuíram para que a Doutrina Espírita tivesse uma
grande aceitação pelo povo brasileiro. Para Flamarion Laba da Costa (2001, p.28),
Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná, é preciso considerar a
“realidade socioeconômica, além do sincretismo religioso que foi construído ao longo
de quatro séculos, pelos princípios religiosos dos escravos africanos, indígenas e
dos europeus representada pelo catolicismo”.
Antes da chegada dos portugueses, as terras brasileiras já eram habitadas
pela nação indígena. Esse povo era intensamente ligado a natureza e seus
fenômenos. Sua religião, hoje classificada como pajelança, usa sistemas totêmicos e
politeístas. Os nativos acreditavam na imortalidade da alma e na possibilidade da
comunicação com os mortos. O pajé era o responsável pelo ritual e também pela
comunicação com os deuses e os antepassados, ou seja, um intermediador
(LACERDA FILHO, 2005). Hoje se sabe que esses homens, considerados pajés,
eram e ainda são, na verdade, médiuns pontuais, por terem uma grande capacidade
de comunicação com espíritos desencarnados.
Seria este um fator que acarretou na aceitação do Espiritismo, já que as
primeiras reuniões espíritas eram exclusivamente de manifestações mediúnicas.
Desde o desembarque dos portugueses, a religião católica esteve fortemente
ligada à cultura brasileira. A religiosidade era um fator de importância para o
cotidiano dos colonos portugueses que deixaram para trás sua terra natal. Eles
seguiam um vasto programa religioso, com várias atividades de caráter obrigatório13.
Esta característica religiosa é observada no povo brasileiro até os dias atuais, o que
contribuiu para que a Espiritismo, em nosso país, seguisse uma linha mais religiosa,
tendo, de início, muitos aspectos do catolicismo.
Com a chegada dos escravos africanos uma nova cultura mesclou-se com a
brasileira, aumentando a diversificação. Igualmente aos indígenas, a religiosidade
africana continha forte característica mediúnica. Essa crença misturou-se aos
elementos da religião indígena e católica, que acarretou, mais tarde, na criação da
Umbanda, religião com grande sincretismo religioso (LACERDA FILHO, 2005). Pelo
13
Anotação de aula da Disciplina História do Espiritismo no Brasil I, do Curso de Teologia Espírita, da
Faculdade Doutor Leocádio José Correia, 2008.
30
desconhecimento do assunto da maior parte da população, o Espiritismo kardecista
foi, e às vezes ainda é, confundido com as religiões afro-brasileiras por conter
alguns elementos comuns, como a comunicação com os espíritos, apesar de, na
essência, as duas serem, completamente diferentes.
Devemos considerar que, nesta época, o acesso a saúde pública era
praticamente nula, fazendo com que a população buscasse a cura através de
medicamentos fornecidos por pajés e escravos, como chás, benzimentos, orações,
etc. Mais tarde, o Espiritismo adotaria esta responsabilidade o que provocou uma
grande procura das pessoas pelos Centros Espíritas.
A Maçonaria teve um importante papel na formação do pensamento brasileiro
da época anterior à independência, principalmente na aspiração à liberdade e à
igualdade. Os maçons ajudaram na formação de um pensamento tolerante
permitindo que novas idéias adentrassem no território nacional, como a Doutrina
Espírita. Para eles era inegável o conceito da alma imortal e a comunicação com os
espíritos.
As histórias da homeopatia e do Espiritismo no Brasil, no seu início, andaram
praticamente juntas. A homeopatia foi trazida para o país com o médico francês
Benoit Jules Mure. Este se juntou, no Rio de Janeiro, com o médico português João
Vicente Martins, criando o Instituto Homeopático do Brasil, em 1843. Eles utilizavam
a homeopatia, aliando crenças espiritualistas, principalmente as aplicações de
passes, para tratar os pacientes de classes mais baixas (LACERDA FILHO, 2005).
Segundo Canuto de Abreu (1991), o princípio defendido pelo grupo dos
homeopatas preparou o terreno para aceitação do Espiritismo algumas décadas
mais tarde.
Uma personalidade importante que ajudou nessa preparação da chegada do
Espiritismo no Brasil foi o filósofo Mariano José Pereira de Fonseca (1773-1848). Ele
trouxe para o pensamento da época, idéias similares da futura Doutrina dos
Espíritos, como a evolução do Espírito na eternidade, uma vez que Kardec ainda
não havia realizado a Codificação da Doutrina Espírita. Também houve outros como
o poeta francês Cassimir Lieutaud que lançou, em 1860, o livro Les Temps Sont
Arrivés (Os Tempos são Chegado), considerado como a primeira obra espírita
publicada no país, traduzida por Alexandre Canu (LACERDA FILHO, 2005).
31
2 A CHEGADA DO ESPIRITISMO NO BRASIL
As primeiras notícias, no Brasil, sobre o fenômeno das mesas girantes que
aconteciam na Europa e nos Estados Unidos chegaram da metade do século XIX,
antes mesmo de Alan Kardec entrar em contato com grupos que realizavam esta
prática. Mas, segundo Costa (2001), foi em Fortaleza que se realizaram as primeiras
experiências práticas destes fenômenos.
Segundo a historiadora Sylvana Brandão (2002), há indícios que no Brasil, a
prática mediúnica começou muito antes de Kardec tomar conhecimento dos
fenômenos espíritas. Foi encontrado, no arquivo público da Bahia, um ofício datado
de 24 de maio de 1865 que relata algumas reuniões para estabelecer comunicações
com os espíritos.
Sandra Damazzio (1994) focalizou de que forma o pensamento espírita foi
introduzido no Brasil, enfatizando as condições de sua instalação no Rio de Janeiro.
Segundo ela, de início, a nova doutrina teve maior receptividade entre os franceses
que moravam na então capital imperial. Eram imigrantes, em geral de maior poder
aquisitivo, grande parte eram professores, comerciantes e jornalistas. No princípio,
eram apenas reuniões, sem muito vulto e com poucas publicações.
Dos introdutores da Doutrina Espírita no Brasil temos o já citado Cassimir
Lieutaud que escreveu a primeira obra espírita publicada no Brasil, além de Adolphe
Hubert e Madame Collard.
Porém, foi na Bahia que o Espiritismo se instalou com maior organização.
Inclusive é de lá que se tem o registro do primeiro Centro Espírita do país, o Grupo
Familiar do Espiritismo, fundado em 17 de setembro de 1865, sob a direção de Luís
Olímpio Teles de Menezes. Foi ele quem traduziu o primeiro livro espírita para o
português e também quem fundou o primeiro jornal espírita – O Eco d’ Além Túmulo
(STOL, 1999).
Nesse período o movimento espírita sofreu muita repressão da Igreja Católica
o que chamou a atenção do restante do país. Com isso, o Espiritismo se espalhou,
chegando até a Corte. Vários grupos de estudos foram formados a fim de desdobrar
o conteúdo filosófico da doutrina, além de realizar sessões de efeitos físicos para
melhor compreender e comprovar a existência dos Espíritos.
32
O que surgiu em grande número foram os grupos assistencialistas, que, na
prática da caridade, ajudavam os necessitados. Começam a aparecer os famosos
médicos receitistas que, em estado de transe mediúnico, realizavam passes
magnéticos e receitavam medicamentos homeopáticos (DAMAZZIO, 1994).
Nesse contexto, a doutrina já era conhecida por vários intelectuais brasileiros,
muitos admirados da fenomenologia espírita. Entre eles podemos citar: o Marquês
de Olinda, o Visconde de Uberaba e de Monte Alegre, o Barão de Cairu, Cândido
Mendes de Almeida, Dr. Melo de Morais e Monsenhor Pinto de Campos, além da
grande autoridade em magnetismo, Dr. José Nunes Garcia, lente de anatomia na
escola de medicina da Corte (XAVIER, 1983).
Em agosto de 1873, surgiu o segundo Centro Espírita do país e o pioneiro no
Rio de Janeiro, a Sociedade de Estudos Espíritas – Grupo Confucius. Essa entidade
foi importantíssima para a consolidação da Doutrina Espírita no Brasil. No seu
Regulamento constava que a sociedade tinha por fim o estudo dos fenômenos
relativos às manifestações espíritas, bem como o de suas aplicações às ciências
morais, históricas e psicológicas. O grupo somente considerava a parte filosófica e
experimental da doutrina, excluindo a parte moral e religiosa; eram considerados os
“espiritistas puros” como se dizia na época (COSTA, 2001).
Foi o secretário-geral desse grupo, Dr. Joaquim Carlos Travassos, que
traduziu as obras básicas do Espiritismo, possibilitando a leitura da população
menos culta e, também, para a orientação dos novos grupos que se formavam
(DAMAZZIO, 1994).
Foi a Livraria Garnier, principal editora do Rio de Janeiro na época, que
publicou a primeira obra, O Livro dos Espíritos, em 1875. Devido ao grande sucesso
de vendas, no mesmo ano também foram publicados, em português, O Livro dos
Médiuns e O Céu e o Inferno. O vasto campo editorial logo colocou o Brasil numa
posição de destaque no mundo espírita. Por volta de 1900 circulavam no mundo 96
jornais e revistas espíritas; 56 eram publicados na Europa e 19 eram publicados só
no Brasil (STOLL, 1999).
Com o passar do tempo houve discordâncias entre os participantes do Grupo
Confucius e os dissidentes passaram a formar novos núcleos. O principal embate
estava entres os “espiritistas puros”, que privilegiavam o pilar científico e filosófico da
33
doutrina, os “místicos”, de orientação evangélica e os “científicos” que valorizavam a
parte experimental da doutrina (DAMAZZIO, 1994, p. 105).
As dissidências já eram, de certa forma, previstas por Kardec, como podemos
observar nesta citação contida nas Obras Póstumas:
Enquanto ele (o Espiritismo) não passava de uma opinião filosófica,
não podia contar, da parte de seus adeptos, senão com simpatia
natural que a comunhão de idéias produz; nenhum laço sério podia
existir entre eles, por falta de um programa claramente traçado. Esta,
evidentemente, a causa fundamental da débil coesão e da
instabilidade dos grupos e sociedades que logo se formaram.
(KARDEC, 2006, p. 380).
No Brasil, foram os místicos, insatisfeitos com a orientação do Grupo
Confúcio, que formaram outros núcleos, sendo o mais importante a Sociedade de
Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, fundada em 1876. Esta sociedade trouxe
alguns dos mais importantes nomes do movimento espírita brasileiro, como Joaquim
Carlos Travassos e Bittencourt Sampaio. Segundo Damazzio (1994), ela cresceu
muito chegando a ter 800 associados, pessoas das mais diferentes linhas de
pensamento.
Ainda conforme a autora, essa heterogeneidade da Sociedade de Estudos
Espíritas Deus, Cristo e Caridade acarretaram num novo confronto entre os místicos
e os científicos, o que levou à fundação de novos grupos pelos místicos, como a
“Congregação Espírita Anjo Ismael, em 1877, o Grupo Espírita Caridade, em 1878, e
a Sociedade Espírita Fraternidade, em 1880. A Sociedade de Estudos Espíritas
Deus, Cristo e Caridade então dominada pelos científicos, tendo à frente o professor
Angeli Torterolli, depois o nome foi alterado para Sociedade Acadêmica Deus, Cristo
e Caridade” (p. 106).
Na Sociedade Espírita Fraternidade houve uma nova subdivisão entre os
kardecistas e os rustanistas. Os últimos defendiam o Espiritismo cristão trazida por
Roustaing que escreveu a obra Os Quatro Evangelhos, trazendo considerações
diferentes para o espiritismo, defendendo a hipótese que Jesus não tinha um corpo
material, somente “um corpo fluídico e que a gravidez e o parto de Maria seriam
apenas psicológicos” (p. 106). Com isso os rustanistas fundaram o Grupo dos
Humildes, conhecido como Grupo do Sayão.
34
3 A FUNDAÇÃO DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA
Depois de tantas separações, as discordâncias não terminaram e inúmeros
Centros Espíritas surgiram. Com toda a expansão que o Espiritismo alcançou, tendo
um grande número de adeptos, “houve a necessidade de se criar uma entidade que
unisse todos os grupos” (JURKEVICS, 1998, p. 45). Assim, foi fundada, em 02 de
janeiro de 1884, a Federação Espírita Brasileira (FEB), tendo como primeiro
presidente, o militar Francisco Raimundo Ewerton Quadros. A revista O Reformador,
criada por Elias da Silva, foi seu principal meio de propaganda, de defesa contra os
ataques e de orientação para os espíritas (DAMAZZIO, 1994).
A FEB realizou, ao longo da sua história, muitas ações sociais de cunho
assistencialista. As suas publicações periódicas possuíam um discurso doutrinário,
entretanto, também, apontavam assuntos de cunho político, social e econômico.
Segundo Vera I. Jurkevics, “a federação pretendia homogeneizar o
funcionamento dos centros espíritas e dos grupos familiares, priorizando o estudo da
doutrina. Mas, a heterogeneidade encontrada no pensamento dos espíritas
brasileiros mostrava a fragilidade do movimento espírita, apesar da sua expansão”
(1998, p. 45-46).
Aos poucos, os grupos espíritas foram se filiando à FEB, que começou a
realizar uma série de conferências públicas, convidando os principais nomes do
Espiritismo no Brasil para promover palestras.
Foi numa dessas conferências que aconteceu um dos fatos mais importantes
para consolidação do Espiritismo no Brasil: o anúncio público, em 16 de agosto de
1886, do médico e político Bezerra de Menezes de sua adesão à causa espírita.
Bezerra de Menezes já vinha interessando-se pelo Espiritismo desde a leitura de O
Livro dos Espíritos, em 1875, e quando foi curado de uma moléstia pelo médico
receitista João Gonçalves do Nascimento, em 1882 (SOARES, 1966).
Bezerra de Menezes escreveu vários artigos no jornal O Paiz, com
pseudônimo de Max, defendendo o Espiritismo contra os seus opositores e,
também, enfatizando os princípios espíritas como a caridade.
Segundo Sylvio Brito Soares:
(...)seus artigos jornalísticos eram escritos à pressa, sem tempo
suficiente para um melhor burilamento, mas mesmo assim
35
impressionam sobremaneira pela limpidez de sua argumentação
segura, em estilo de encantadora simplicidade, ao alcance de todas
as inteligências, pela cultura que revelava possuir no tocante à
filosofia, à ciência, à literatura e a história dos povos. (1996, p. 88)
Seus artigos foram um marco para a propaganda da doutrina já que era lido
por muitas pessoas, não apenas pelos adeptos ao Espiritismo.
Bezerra mostrou-se como um conciliador entre os diversos grupos que
compunham a federação. Mas isto parecia impossível. A proliferação de centros foi
enorme e não havia a unicidade no culto (JURKEVICS, 1998).
Pelo seu prestígio, Bezerra de Menezes assumiu a presidência da FEB, em
1889. Ele realizou um trabalho enfocando a doutrinação popular. Era estudado
semanalmente O Livro dos Espíritos e as sessões terminavam com trabalhos
experimentais.
Bezerra procurou a unificação dos grupos espíritas, convidando-os para
funcionarem dentro do prédio da FEB. Mas as divergências continuaram,
fracassando, assim, a tentativa de união. Bezerra de Menezes resolveu deixar a
presidência no final de 1889.
Em substituição a Bezerra, assumiu o cargo o Dr. Dias da Cruz, médico
homeopata e considerado um “espiritista puro”. Ele procurou dar continuidade ao
trabalho de união entre as várias vertentes em torno da Federação. A tentativa
obteve algum sucesso com vários grupos transferindo suas reuniões para a sede da
FEB. Apesar disto, a gestão de Dias da Cruz foi muito tensa, o Espiritismo sofria
muitos ataques dos líderes católicos, dos materialistas e dos médicos alopatas,
ocorrendo inclusive muitas invasões policiais nas residências dos médicos receitista,
resultando em prisões.
A posição neutra de Dias da Cruz (nem místico, nem científico) possibilitou ao
grupo dos científicos, liderados por Afonso Angeli Torterolli, assumirem o controle
informal da FEB. O Serviço de Assistência aos Necessitados foi apontado como o
grande problema, pois atraiam a ira dos médicos alopatas e também por que
desequilibravam as finanças da FEB. Em 1885, Dias da Cruz deixou a presidência
acirrando a crise (DAMAZZIO, 1994).
Bezerra de Menezes assumiu pela segunda vez a presidência da FEB,
ficando dessa vez até seu falecimento em 1900. Nesta gestão Bezerra procurou
novamente congraçar os espíritas, mantendo uma campanha sistemática do estudo
36
da Doutrina Espírita, com uma orientação evangélica aos trabalhos. Foi por muitos
censurado, principalmente pelos cientificistas, pois diziam que “ele encarava o
Espiritismo somente pelo seu lado religioso” (SOARES, 1966, p.101).
Bezerra de Menezes foi um ícone na história do Espiritismo do Brasil, sempre
procurou a união e o entendimento entre todos os grupos e, trouxe a orientação
evangélica e caritativa para os trabalhos da federação.
Leopoldo Cirne foi seu substituto. Deu atenção tanto para os científicos
quanto aos místicos e promoveu uma revisão dos estatutos, fazendo com que
aumentasse consideravelmente o quadro de associados. Entretanto, não conseguiu
se reeleger após 13 anos de presidência.
Um fato importantíssimo para entender os rumos do Espiritismo no Brasil foi o
último embate entre os científicos e os espíritas cristãos. Os últimos venceram e,
assim, os científicos abandonaram a Federação, tornando-se uma corrente
alternativa sem muita importância dentro do movimento. Isto mostrou a força que os
médicos receitistas tinham dentro da FEB. “A afirmação do poder dos curadores e
receitistas na instituição orientadora do movimento no país definiu o rumo da
consolidação do Espiritismo, que se popularizou graças à prática da medicina
mediúnica nas décadas que se seguiram” (DAMAZZIO, 1994, p. 137).
Cirne após a derrota afastou-se da Federação e com ele muitos sócios
fizeram o mesmo. A FEB ficou com seu quadro reduzido a um terço. Aristides
Spínola, presidente eleito em 1914, era rustanista, e conseqüentemente a leitura de
Os Quatro Evangelhos foi restabelecida. Com ele ficou definido o rumo do
Espiritismo no Brasil, ou seja, um Espiritismo mais religioso, com uma forte
tendência assistencialista.
37
4 O DESENVOLVIMENTO DO MOVIMENTO ESPÍRITA NO BRASIL
Enquanto ocorriam os eventos no Rio de Janeiro, o Espiritismo também se
desenvolvia nas outras regiões do país.
De acordo com a Dissertação de Mestrado de Flamarion Costa, a partir de
1885 muitos grupos espíritas procuraram se organizar, em vários Estados
brasileiros. Alguns órgãos de divulgação foram criados, ao todo eram trinta e um
jornais, acrescidos de mais doze entre 1900 e 1904 (COSTA, 1995).
É preciso frisar que naquela época, fim do século XIX, o analfabetismo era
muito grande no Brasil. Apenas os nobres tinham acesso ao ensino. Além do mais
eram poucas as obras espíritas em português. Com isso, fica óbvio que a expansão
do Espiritismo se deu por aqueles que já conheciam alguma coisa do assunto. Em
conseqüência disto, as sociedades espíritas se formaram a partir de pessoas que
possuíam certa mediunidade, mas que nem sempre tinham a total compreensão da
Doutrina Espírita, às vezes não sabiam nem mesmo os princípios básicos
(LACERDA FILHO, 2005).
Apesar deste desconhecimento, os grupos espíritas no interior do país eram
formados. Isto explica, também, o porquê do sincretismo que até hoje encontramos
nos Centros Espíritas pelo Brasil, cujos membros, mesmo declarando-se como
espíritas mantêm práticas católicas, umbandistas e outras.
Licurgo S. de Lacerda Filho, orador e escritor espírita, considera que este
sincretismo levou a uma confusão na identificação das autênticas assembléias
espíritas. Por este motivo, com o tempo foram criadas denominações que, segundo
ele, “são inadequadas ao Espiritismo: Kardecismo, Alto Espiritismo, Espiritismo de
Mesa e outros”. (2005, p. 86)
A seguir serão listadas algumas instituições espíritas fundadas entre o fim do
século XIX e começo do século XX, retiradas por Lacerda Filho (2005) do Anuário
Histórico Espírita 2004 e do Anuário Espírita 2000:
•
Santos-SP: em 02 de novembro de 1883, foi fundada a Sociedade
Espírita Anjo da Guarda, com participação do mineiro Benedicto José de Souza
Junior (18854-1934). Esta sociedade criou em 28 de agosto de 1895 a Associação
Auxílio aos Necessitados. Em 1994 essas duas instituições juntaram-se, ainda
estando em funcionamento na atualidade.
38
•
São Paulo-SP: o Grupo Espírita Luz e Verdade, fundado em 20 de abril
de 1885, é considerado o primeiro grupo espírita desta cidade. Teve como primeiro
presidente De Lucca de Strazzani.
•
Rio Grande-RS: nesta cidade encontra-se o primeiro grupo espírita do
Estado do Rio Grande do Sul, a Sociedade Spirita Rio Grandense, fundada em 29
de maio de 1887. O primeiro presidente foi Israel Corrêa da Silva.
•
Manaus-AM: o Grupo Espírita Filhos da Fé, fundado em 25 de
dezembro de 1889, é provavelmente o pioneiro na região, mas diversos grupos
espíritas foram formados por estrangeiros que vieram trabalhar no ciclo da borracha
no norte do país, no começo do século passado.
•
Maceió-AL: foi fundado em 23 de fevereiro de 1890, o Centro Espírita
das Alagoas, tendo o Dr. José Antônio Coelho Ramalho como primeiro presidente.
•
Natal-RN: em 27 de novembro de 1892, foi fundada a Sociedade
Natalense de Estudos Espíritas.
•
São Francisco do Sul-SC: a médium Maria Amélia de Miranda e Silva,
muito conhecida na região, foi uma das fundadoras do Centro Espírita Caridade de
Jesus, em 21 de julho de 1895.
•
Cáceres-MT: em 30 de novembro de 1896, foi fundado o Grupo
Espírita Fé e Caridade, tendo João de Campo Vidal, no primeiro mandato da
presidência.
•
Belo Horizonte - MG: o Dr. Teixeira de Magalhães fundou um grupo
familiar para reuniões espíritas no ano de 1902. Com o desencarne dele, em 1903,
um dos componentes desse grupo, Joaquim Menezes, fundou a União Espírita de
Belo Horizonte. Depois, em 05 de julho de 1908, surgiria através do fluminense
Antônio de Lima, a Federação Espírita Mineira, que encampou a União Espírita de
Belo Horizonte.
É provável que esses grupos seguiram a linha mais religiosa do Espiritismo,
observa-se isso pelos seus nomes de fundação, também porque foi esta a
característica que a maioria dos Centros Espíritas adotou. Ubiratan Machado é da
opinião que “a maioria dos nossos espíritas preferia realçar o aspecto religioso,
dando relevo à parte mágico-mística da doutrina” (1983, p. 114).
39
Para Fábio Luiz da Silva (2002) esta característica religiosa do Espiritismo no
Brasil não é uma deformação do Espiritismo europeu, mas uma construção original,
influenciada pela formação cultural brasileira que já possuía elementos que foram
reinterpretados pelo Espiritismo14, com isso, segundo ele, é impossível manter-se a
“pureza”.
Flamarion Costa é da opinião que prevaleceu no Espiritismo brasileiro “a parte
da moral, ou a religiosa, na qual se encaixam os princípios da caridade e amor ao
próximo, constantes da obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, que lhe deu uma
conotação mais de religião, menos científico e filosófico como era praticado na
Europa” (2001, p. 29).
Para os espíritas as obras de referência são as obras codificadas por Allan
Kardec, nelas encontram-se os princípios a serem seguidos. O Evangelho Segundo
o Espiritismo seria a interpretação da moral ensinada por Cristo. Seguir esses
ensinamentos é o que provoca a transformação e, conseqüentemente, a evolução
do espírito. É nesta obra que se encontra uma frase famosa que serviu de lema para
o Espiritismo, mas especificamente no Brasil: “Fora da Caridade não há Salvação”
(KARDEC, 2000, p. 197). Com essa frase o movimento espírita brasileiro justifica o
porquê da sua principal ação seja a caridade para com o próximo. Inclusive essa
prática da caridade foi a responsável pela expansão do Espiritismo no Brasil e o
aumento de adeptos, já que a grande maioria da população brasileira sempre foi
carente no que diz respeito ao acesso a saúde e alimentação.
14
Estes elementos já foram citados no item 1 deste capítulo.
40
5 CHICO XAVIER E SUA INFLUÊNCIA NOS RUMOS DO MOVIMENTO ESPÍRITA
No dia 02 de abril de 1910, nasceu em Pedro Leopoldo (MG), Francisco
Cândido Xavier, filho de um casal simples, de operário e lavadeira. A família era
extremante católica.
Ficou órfão de mãe com cinco anos e o pai teve que distribuir os nove filhos
entre os parentes. Chico ficou com sua madrinha, Rita de Cássia, que se apresentou
como uma pessoa cruel, que lhe aplicava surras constantemente e obrigava-o a
realizar longos jejuns. Dizia ela que o menino tinha “o diabo no corpo”. Há relatos
que ela cravava garfos de cozinha no ventre do menino e também o fazia lamber
uma ferida incurável do seu outro filho de criação (MACHADO, 1998).
O consolo de Chico Xavier eram as conversas com o espírito da mãe, que o
consolava e pedia paciência, resignação e fé em Jesus. Portanto, percebe-se que a
mediunidade de Chico apresenta-se desde muito cedo, apesar de ele não ter a
compreensão desse fato. Outra observação é que sua imagem santificada,
construída pelo povo, aparece desde a sua infância, quando teve que agüentar,
calado, as inúmeras humilhações impostas pela madrinha.
Seu pai casou-se novamente e pôde reunir todos os filhos. A nova madrasta
de Chico, Cidália Batista, se mostrou, tempos depois, diferente da outra, descrita
como uma pessoa generosa e bondosa (MACHADO, 1998).
Nesta fase a mãe de Chico não se manifestou mais. Ele foi matriculado na
escola e começou a trabalhar vendendo legumes da horta de casa.
No entanto, ele não permaneceu muito tempo na escola. Apesar da mãe não
se manifestar, a mediunidade continuava lhe causar problemas. Chico afirmava que
um homem (supostamente um Espírito) o ajudava nas lições, a professora não se
importava, mas os colegas o acusavam de plágio, acusação esta que ele sofreu a
vida inteira (LEWGOY, 2001).
O pai não compreendia a mediunidade de Chico e pensava em interná-lo. O
padre da cidade impediu esta ação, aconselhando que restringissem a leitura de
livros, pois elas seriam responsáveis por suas fantasias, devendo colocá-lo no
trabalho. Dessa maneira, Chico ingressou como operário em uma fábrica de tecidos.
Este serviço provocou uma doença respiratória, deixando seqüelas pelo resto da sua
vida.
41
Apesar de ser católico e realizar inúmeras penitências prescritas pelo padre,
Chico continua vendo e conversando com os Espíritos.
A madrasta morreu quando ele tinha 17 anos e, no mesmo período, a irmã
desenvolveu uma doença psiquiátrica, diagnosticado por alguns espíritas como um
processo de “obsessão espiritual”. Por este motivo Chico iniciou o estudo do
Espiritismo, por conselho de um amigo. Tempos depois fundou, em 1927, o Centro
Espírita Luís Gonzaga. Logo surgiu em uma das reuniões mediúnicas a sua grande
capacidade de psicografar (MACHADO, 1998).
Neste centro recebeu novamente uma mensagem da mãe dizendo que
deveria estudar obras de Allan Kardec e cumprir com seus deveres. Bernardo
Lewgoy (2001), professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, destaca o papel da mãe de Chico Xavier como formadora da sua moral,
sempre o orientando mesmo depois de desencarnada, portanto muito influenciado
pelo catolicismo familiar. Para o professor, as obras de Chico reelaboram mítica e
teologicamente o papel medidor maternal, como nas frases “benfeitores espirituais”
que, “a pedido de mães devotas”, “intercedem a favor de um irmão”.
É desta maneira que iniciou sua prática de psicografia15. Inúmeros escritores
e poetas já desencarnados começam a se manifestar. Disto resultará em sua
primeira obra publicada pela Federação Espírita Brasileira em 1932, Parnaso de
Além-Túmulo, que consiste em uma coletânea de poesias ditadas por espíritos de
poetas brasileiros e portugueses. Este livro provocou certo frenesi na época, muitos
se perguntavam como uma pessoa tão simples e sem estudo pôde escrever poesias
tão complexas. Os literatos brasileiros dividiram-se entre aqueles que o reconheciam
e os que o acusavam de pastiche. Esta obra também resultou em problemas
judiciais em 1944: a família de Humberto de Campos abriu um processo pleiteando
os direitos autorais, o que deu ganho de causa para Chico, já que o juiz concluiu que
não há condições do tribunal se manifestar da existência ou não da mediunidade.
Para evitar outros constrangimentos, o nome Humberto de Campos começou a ser
substituído por “irmão X” (LEWGOY, 2001).
Segundo informações do site da Federação Espírita Brasileira, no ano de
1931, aconteceu o encontro com seu mentor espiritual, o Espírito Emmanuel, que o
15
Do grego, escrita da mente ou da alma. Tipo de manifestação inteligente, por consistir na
comunicação discursiva escrita de um Espírito, por intermédio de um homem.
42
acompanhou pelo resto da vida. Nessa ocasião, Emmanuel lhe informou à missão
que deveria cumprir: psicografar uma série de livros e que para isso seria necessária
muita disciplina, seguindo sempre os preceitos de Jesus e Kardec.
Foi com Emmanuel que surgirão as principais obras psicografadas por Chico
Xavier entre elas estão à seqüência de livros históricos: Há Dois Mil Anos, Cinqüenta
Anos Depois e Paulo e Estevão. Também de grande importância foi a série de livros
do Espírito André Luiz, sendo o mais famoso, sem dúvida, o romance Nosso Lar, de
1943, que vendeu mais de um milhão de exemplares. Esta obra, para muitos, é
importante na compreensão de algumas interpretações dadas pelos espíritas no
Brasil, já que ela tornou-se referência para explicar como é o chamado “mundo
espiritual”, apesar de outros considerarem-na esta obra um tanto metafórica. A
verdade é que se deve usar sempre a crítica para analisar as obras de cunho
mediúnico.
Enquanto Chico continuava psicografando as obras, muitas pessoas o
procuravam em São Leopoldo em busca de cura ou de alguma mensagem de algum
parente falecido. A pequena cidade tornou-se um centro de peregrinação, o que o
obrigou a mudar-se para Uberaba, uma cidade de maior porte. Lá não foi diferente,
logo, caravanas chegavam de todos os cantos do Brasil.
Chico Xavier foi um grande divulgador da Doutrina Espírita tanto no Brasil
quanto no exterior, visitou a Europa e a América do Norte. Na década de 1970, era
comum sua participação em programas de televisão, ocasiões em que a audiência
era garantida. Um destaque foi sua entrevista no programa Pinga-Fogo da extinta
TV Tupi em 1971. Ela foi considerada um cartão de visita do Espiritismo na época.
Chico estava assessorado nas respostas por Emmanuel (por mediunidade auditiva),
e as perguntas foram todas de alto nível, respondidas com grande louvor.
O médium alcançou fama internacional tendo seus livros traduzidos em
diversas línguas. Inclusive foi proposto, em 1981, ao Prêmio Nobel da Paz, que não
ganhou. Ao todo foram mais de 400 obras com mais de 20 milhões de cópias
vendidas.
Seu desencarne aconteceu em dia 30 de junho de 2002, o mesmo domingo
em que a seleção brasileira de futebol conquistava o pentacampeonato e
enlouquecia o país.
43
Segundo Bernardo Lewgoy (2001), com Chico, o Espiritismo no Brasil se
define com uma doutrina religiosa combinando-se com o catolicismo. Isto se explica
pela sua própria bibliografia, onde teve que passar por sofrimentos para que
pudesse aprender e depois cumprir a missão que lhe estava programada, portando
sua vida tem fortes aspectos de uma santidade.
Com Chico Xavier o culto do Evangelho no Lar se torna popular, conquistando
adeptos que eram habituados às práticas católicas como as rezas (LEWGOY, 2001,
p.9).
A antropóloga Sandra Jacqueline Stoll (1999), da Universidade Federal do
Paraná, afirma que ele construiu um modelo próprio de Espiritismo, um modelo
católico, baseado na abnegação, no voto de pobreza e nas atividades filantrópicas.
A vida de Chico Xavier foi um exemplo de dedicação ao outro. Cumpriu a
missão que se propôs, nunca esperando recompensas pelo que fazia. Foi, sem
dúvida, o grande divulgador da Doutrina Espírita. A sua influência fez com que o
Espiritismo crescesse não só no Brasil como no mundo. Apesar das críticas de que
com ele o Espiritismo se tornou ainda mais católico, sem Chico, o Espiritismo no
Brasil, não teria tanto vulto e influência sobre o pensamento do povo brasileiro.
44
CAPÍTULO III
O ESPIRITISMO NO PARANÁ
45
1 A INSERÇÃO DO ESPIRITISMO NO PARANÁ
Os primeiros anos do Espiritismo no Paraná foram de muito pioneirismo e de
projetos arrojados. Muitos homens, ao que tudo indica se dedicaram muito ao
movimento espírita. Com muito trabalho e uma visão ampla, fizeram o Espiritismo se
consolidar de forma sólida.
José da Costa faz uma investigação história desde a chegada do Espiritismo
no Brasil com os imigrantes franceses, passando pela fundação do Grupo Confúcius
e da Federação Espírita do Brasil até a sua inserção no Paraná. Segundo o autor, a
partir de 1885 muitos grupos espíritas procuraram se organizar, em vários Estados
brasileiros, com a criação de vários órgãos de divulgação, ao todo 31 jornais,
acrescidos de outros 12, entre 1900 e 1904. Em torno de 1900, o Paraná possuía
seis publicações espíritas: “A Luz”, “Revista Espírita”, “O Pharol”, “A Fé Espírita”,
“Voz da Verdade” e “A Doutrina” (1995, p. 43).
Segundo Francisco Raitani (1957), é bem provável que o conhecimento da
Doutrina Espírita tenha chegado ao Paraná através de Paranaguá, pois a cidade
tinha facilidade de comunicação com outras regiões do país por causa do porto
marítimo.
De acordo com informações da Federação Espírita do Paraná (FEP), era por
Paranaguá que chegavam os livros da codificação e também a revista “O
Reformador” publicada pela FEB. Alguns comerciantes ou intelectuais que tinham
contato com a Corte e depois com a Capital da República, adquiriam esses livros e
levavam para todos os cantos do Estado. Uma dessas pessoas foi Manoel José da
Costa e Cunha (1852-1910), português de nascimento, que primeiramente morava
no Rio de Janeiro e, transferindo-se para o Paraná, radicou-se em Curitiba (FEP,
2002).
Lins de Vasconcelos (1951) apontou que esse homem foi um grande militante
da Doutrina Espírita. Do Rio de Janeiro, trouxe vários livros e os distribuiu entre seus
amigos. Sempre determinado a estudar a doutrina, procurava tornar o Espiritismo
conhecido em todas as camadas sociais. Chegou a Curitiba por volta de 1870,
fundou a primeira Assistência aos Necessitados no Brasil, mantendo durante vários
anos a distribuição de alimentos, medicamentos, roupas e dinheiro aos pobres de
Curitiba.
46
Segundo Aglaé Santo (2006), Teóloga Espírita formada na Faculdade Dr.
Leocádio José Correia, ele era muito respeitado no meio social onde vivia. Ficou
conhecido pelo rigor que adotava nas reuniões espíritas, pois só admitia a entrada
daqueles que pelo menos conhecessem as obras básicas. Nas sessões aconteciam
manifestações mediúnicas de tiptologia16. Manoel da Cunha fundou a revista espírita
A Luz, publicada no Paraná. Outra médium conhecida na época foi Maria de Jesus
Gonçalves de Araújo (1833-1936), chamada de Nhá Coluna, do Grupo Serrito.
O primeiro Centro Espírita fundado no Estado foi o Centro Spirita de Corityba,
em 1897. Existiam ainda o Grupo Espírita Amor e Caridade e o Centro Espírita
Consolo dos Aflitos (MONTEIRO, 2004).
A Federação Espírita do Paraná informa que os mais antigos Centros
Espíritas do Paraná são: o Grupo Espírita Paz, Amor e Caridade, fundado por João
Colette, em 1899, em Castro e o Centro Allan Kardec, fundado em 1902, em
Antonina.
No trabalho de Santo (2006) ainda são citados as Casas Espíritas: O Bom
Samaritano, fundado em 1900, em Sertanópolis; Centro Espírita Deus, Cristo e
Caridade, fundado em 1904, em Primeiro de Maio; Centro Espírita Lins de
Vanconcellos, fundado em 1904, em Jandaia do Sul; Centro Espírita Jesus de
Nazaré, fundado em 1907, em Laranjeiras do Sul.
16
Comunicação mediúnica através de pancadas em objetos.
47
2 A FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ
Os diversos grupos espíritas já existentes na época sentiram a necessidade
de um órgão que unissem a todos. Esses grupos citados acima, aliados a tantos
outros, principalmente o Grupo Espírita Allan Kardec e Luz nas Trevas, de Antonina,
encabeçaram a criação de uma instituição federativa. Foi assim que, na sede da
revista “A Doutrina”, de Vicente Nascimento Júnior, foi fundada, em 24 de agosto de
1902, a Federação Espírita do Paraná (FEP), a primeira federação estadual do país,
mantendo sua sede na própria sala de redação da revista. O primeiro presidente foi
João Urbano de Assis Rocha.
Segundo informações da FEP (2002b, p. 1.5), a “Ata de fundação estabelecia,
entre outros objetivos da Sociedade, o estudo e propaganda da Doutrina e unir pelos
laços da Federação todos os Grupos Espíritas existentes no Estado, formando uma
só comunhão como único meio para suster a decadência da propaganda espírita”.
Inicialmente a sede da FEP permaneceu junto com a sala de redação da
revista A Doutrina, Rua América n° 9. Teve sua própria sede a partir de 13 de
outubro de 1906, quando a Prefeitura de Curitiba doou um terreno no Alto São
Francisco. A sede atual, localizada na Alameda Cabral esquina com a Rua Saldanha
Marinho, foi construída em 1915 com a indenização paga pela desapropriação da
antiga sede (FEP, 2002a).
Até seu centenário em 2002, a Federação foi representada por 17
presidentes, os quais realizaram inúmeras ações sociais e doutrinárias.
2.1 AÇÕES DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ AO LONGO DOS SEUS 106
ANOS
Durante os 106 anos da FEP foram realizadas inúmeras ações que
demonstraram a característica mais religiosa e assistencialista da Doutrina Espírita,
adotada pelos espíritas brasileiros e mais especificamente por esta instituição. Essa
característica é observada desde sua fundação, quando foi descrito um dos
objetivos nas Bases Orgânicas aprovadas na Assembléia Geral de 14 de dezembro
de 1903: “(...) praticar a caridade por todos os meios ao se alcance, concorrendo
48
para tornar efetivos os laços da fraternidade e solidariedade humana.” (FEP, 2002a,
p.3).
A FEP é na verdade um órgão regional e, como tal, deve seguir os mesmos
princípios da FEB. Mas deve-se destacar que as ações sociais realizadas foram de
grande relevância paras os paranaenses principalmente os curitibanos.
As ações iniciais foram de divulgação da doutrina como se observa no item 1º
da Ata de Fundação: “Fundar nesta cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná,
uma Sociedade Espírita para o estudo e propaganda da doutrina17. (FEP, 2002a,
p. 6).
Até mesmo porque o principal órgão que se uniu para formar a FEP foi a
redação de uma revista, A Doutrina. Mais tarde, no ano de 1910, entra em circulação
um jornal espírita, Monitor Espírita, que além da divulgação da doutrina trazia
informações sobre o desenvolvimento do programa da Federação (FEP, 2002, p.
1.7). A partir de 1932 começa a circular o Jornal Mundo Espírita que até os dias de
hoje é o órgão de divulgação da FEP.
Diversas instituições assistencialistas e associações foram criadas ao longo
da história da FEP. As principais serão citadas a seguir, retiradas da obra Memória
da Federação Espírita do Paraná no seu Centenário 1902-2002 (2002a, p. 16 e ss):
•
Na ocasião da troca de sede para o lugar que é atualmente, o primeiro
pavimento foi abrigado o Albergue Noturno. Esta casa atendia as pessoas que viam
para a capital procurar emprego ou buscar tratamento de saúde. Essa instituição
ainda está em funcionamento, porém hoje localiza-se no Bairro Jardim Botânico,
tendo capacidade para assistir 200 pessoas.
•
Um grupo de senhoras espíritas fundou, em 1939, a Associação
Protetora do Recém-Nascido, com a finalidade de prestar auxílio às mães com
poucas condições financeiras. A ação principal da associação é a confecção e
doação de enxovais.
•
Talvez a obra de maior vulto da FEP seja a fundação do Hospital
Espírita de Psiquiatria Bom Retiro, em 1945, construído à base de doações. Esse
hospital atende a população paranaense até os dias atuais. Ele funciona não só com
as técnicas da psiquiatria tradicional, mas também com uma visão holística,
17
Grifo meu.
49
prestando atendimento tanto pra os doentes quanto para os familiares. Atualmente o
hospital atente pacientes particulares e também pelo Sistema Único de Saúde
(SUS).
•
Em 1946 foi criada a Associação das Senhoras Espíritas para dar
assistência às famílias com necessidades materiais. São doados roupas, cobertores,
calçados, utensílios domésticos e materiais de limpeza; estando cadastradas
atualmente mais de 500 famílias.
•
A fim de prestar auxílio material e psicológico para os doentes da
classe baixa, foi criado, em 1947, a Caixa de Assistência ao Tuberculoso Pobre e
Família. Estes recebiam cestas básicas na sede da FEP.
•
O Lar Icléa foi fundado em 1949 em um prédio ao lado da sede
histórica, posteriormente passando para uma sede própria em frente ao Hospital
Bom Retiro. Hoje se encontra desativado.
•
O prédio do Lar Icléa passou a abrigar a pré-escola do Colégio Lins de
Vasconcellos a partir de 1970, colégio que já existia desde a década de 1960. A FEP
não conseguiu manter esse estabelecimento de ensino, alugando o prédio para
Grupo Educacional Opet.
•
A partir de 1949 várias creches foram fundadas como: a Creche Dr.
Adolfo Bezerra de Menezes, fundada em 1949, atendendo atualmente mais de 200
crianças entre 3 e 6 anos; Creche Josefina Rocha, fundada em 1959, atendendo
atualmente 100 crianças; o Lar das Meninas, fundado em 1960, em Campo Largo,
passando a se chamar a partir de 1976 de Creche Mariinha, atendendo desde bebês
até crianças de 14 anos.
•
Em 1954 foi criado um núcleo pela professora Maria Ruth Junqueira
com cursos de artesanato para meninas. Este núcleo mais tarde se transformaria na
Escola Profissionalizante Maria Ruth Junqueira, em homenagem a antiga professora
já falecida. Entre 1973 e 1977 atendeu alunos das Escolas Públicas da Rede
Estadual. A partir de 1982 houve uma reestruturação dos cursos, atendendo a nova
demanda do mercado de trabalho. Atualmente a Escola esta situada na Rua
Augusto Stellfeld, contando o apoio da entidade alemã Lateinamerika Zentrum, da
Fundação Hildebrando de Araújo e do Fundo Municipal Menor, atendendo cerca de
seis mil alunos por ano.
50
•
A Fundação Hildebrando de Araújo iniciou seus trabalhos no ano de
1993 com o objetivo de ofertar projetos de qualificação profissional para pessoas
com baixa renda. Desde 2001 esta em co-gestão com a Escola Profissionalizante
Maria Ruth Junqueira.
•
Um programa de rádio foi criado em 1992 com o nome de Momento
Espírita. Nela são proferidas mensagens espíritas que vão ao ar às 06:50 até as
07:00 horas e às 18:50 até às 19:00 horas. Este programa foi muito bem sucedido,
tendo uma grande audiência. Até 2004, 190 emissoras de rádios em 21 Estados
brasileiros transmitiram as mensagens do Momento Espírita. As mensagens
transmitidas são mais tardes vendidas em CDs e livros (SANTO, 2006, p. 17 e 18).
•
Nos últimos anos foram realizados alternadamente seis Simpósios
Paranaenses de Espiritismo (1992, 1995, 1997, 1999, 2001 e 2003); seis
Conferências Estaduais Espíritas (1994, 1996, 1998, 2000, 2002 e 2004), oito
Encontros Confraternativos de Juventudes Espíritas (1990, 1992, 1994, 1996, 1998,
2000 , 2002 e 2004); cinco Encontros de Coordenadores de Juventudes Espíritas
(1995, 1997, 1999, 2001, 2003) e seis Encontros Estaduais Espíritas do Interior
(1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003).
Como se observa a maioria das obras realizadas pela FEP possui um cunho
assistencialista o que demonstra qual o rumo que o movimento espírita seguiu no
Paraná e no resto do Brasil. Não se quer desmerecer todo este trabalho realizado,
muito importante para toda a população de Curitiba, mas por este caminho, foi
esquecido a proposta inicial proposta por Kardec: a de uma Doutrina com cunho
científico, filosófico e religioso; com o objetivo principal de instrucionalizar e
instrumentalizar o homem para uma mudança interior, ou seja, trazer subsídios para
que possamos pensar, realizando uma revisão profunda da nossa vida e com isso
provocar transformações pessoais e, conseqüentemente, da sociedade.
51
3 A SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS ESPIRITAS18
A SBEE (Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas) é uma instituição espírita
não filiada FEP, iniciando seus trabalhos no ano de 195319. Desde a fundação até
os dias de hoje o presidente é Maury Rodrigues da Cruz.
Maury é um médium considerado pontual pelos diversos fenômenos
produzidos como levitação, materialização de objetos, transfiguração, quadros
fluídicos premonitórios, vidência e audiência de espíritos, psicofonia e psicografia.
Nasceu no ano de 1940 na cidade de Castro-PR e já a partir dos 2 anos de
idade já apresentava sua mediunidade. Isto lhe causou muitos problemas da mesma
forma que aconteceu com Chico Xavier.
No ano de 1944 mudou-se, juntamente com a família, para a cidade CuritibaPR. Primeiramente fixaram residência em um bairro mais centralizado, mas logo
foram para a Vila Tinguí20, um local afastado do centro da cidade.
Em Curitiba, Maury pôde dedicar-se aos estudos. Tendo um grande currículo
dedicado à educação: depois de terminar o Ensino Básico no Colégio Estadual do
Paraná entrou na Universidade Federal do Paraná licenciando-se, no ano de 1967,
em Ciências Sociais, depois realizou bacharelado em Direito (1969), pós-graduação
em Orientação Educacional e mestrado em Educação (1980). Foi professor
Municipal (1953 a 1959), professor primário do Estado do Paraná (1960 a 1965),
magistério superior e Diretor do Museu Paranaense.
Apesar dessa carreira dedicada aos estudos e ao magistério, as
manifestações mediúnicas nunca cessaram. A partir dos 9 anos de idade começou a
ter consciência de que via espíritos. Com isso, as manifestações tornaram-se mais
controladas, em certos dias da semana. Neste período, ocorre uma verdadeira
romaria até a casa de Maury. Ele começou a realizar atendimento as pessoas, sob
18
As informações contidas nesse título foram baseadas em notas de aula da disciplina História da
SBEE, do 8º período do Curso de Teologia Espírita, da Faculdade Dr. Leocádio José Correia e relatos
de antigos freqüentadores dessa instituição.
19
Na época da fundação o nome era Agrupamento Espírita Afonso Pena, sendo institucionalizado, no
ano de 1958, com o nome de Centro Experimental de Estudos Espíritas Afonso Pena, passando a se
chamar SBEE somente no ano de 1965.
20
Bairro de Curitiba que até hoje se encontra a SBEE.
52
supervisão do Espírito Leocádio José Correia21 que mais tarde revelaria ser seu
mentor espiritual.
Como a procura pelo médium era de muitas pessoas, foi necessário a criação
de um núcleo espírita para controlar os atendimentos. Foi desta maneira que
fundou-se, no ano de 1953, o Agrupamento Espírita Afonso Pena. Inicialmente as
reuniões ocorriam na casa dos pais de Maury, sendo alugada, mais tarde, uma casa
na Rua Guilherme Ilhenfeldt, mas, por dificuldades financeiras, voltaram para a
antiga casa.
Com 15 anos Maury resolveu sair de casa, pois os inúmeros de atendimentos
estavam acabando com a privacidade da família. Alugou uma casa na própria Vila
Tinguí. Isto proporcionou uma melhor organização dos trabalhos do grupo espírita, o
atendimento ao público constitui-se em três vezes por semana, também era
realizado: prescrições médicas, aconselhamentos, água fluídica, passes, orientação
doutrinária, estudos, pesquisas, experiência mediúnicas, orientação de higiene às
pessoas.
Houve a necessidade de institucionalizar esse grupo espírita. Portanto, em
1958, foi elaborado um estatuto e constituído uma diretoria, o nome passou a ser
Centro Experimental de Estudos Espíritas Afonso Pena (CEEEAP). O Centro já
possuía uma grande responsabilidade social pelo número de pessoas que o
procuravam até mesmo de outras localidades.
Em 1961, foi adquirido um terreno na Rua 29 de Junho, também na Vila
Tinguí, e construído uma casa de madeira que serviu de nova sede para o Centro
Espírita.
As reuniões e o atendimento ao público não paravam de crescer,
necessitando de uma solução. É neste contexto que Espírito Leocádio se manifesta
no ano de 1965, anunciando uma nova organização para CEEEAP, que, inclusive,
deveria se estender para nível nacional, com a criação de núcleos de estudos em
outras localidades. Em 22 de abril de 1965, através de uma Assembléia Geral
21
Médico paranaense nascido em Paranaguá em 1848, desencarnando no ano de 1886. Há mais de
50 anos, vem desempenhando, importante papel na execução do projeto de trabalho da SBEE, no
sentido de reconceituar o Espiritismo no Brasil. No exercício de suas atribuições, o espírito Leocádio
José Correia vem trabalhando através do médium Maury Rodrigues da Cruz, realizando uma intensa
e extensa atividade assistencial voltada para a saúde física, mental e espiritual de quem o procura.
53
Extraordinária é oficializada a nova instituição com o nome de Sociedade Brasileira
de Estudos Espíritas.
Observa-se que os primeiros anos da instituição, ainda com o nome de
CEEEAP, não diferem muito dos outros Centros Espíritas do País, onde o objetivo
principal era o assistencialismo a pessoas necessitadas. Com a criação da SBEE,
apesar de continuar o atendimento ao público, há uma mudança de foco, ou seja, o
objetivo principal passou a ser a contextualização da Doutrina Espírita com
pesquisas e estudos, como vê-se no artigo 3º do seu Estatuto:
a) efetuar estudos de todas as manifestações e suas aplicações
dentro da ciência, religião e filosofia;
b) estudar e ministrar os ensinamentos do evangelho dentro dos
princípios da Doutrina Espírita; (1965)
3.1 A SBEE NA BUSCA DA CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESPIRITISMO
Apesar de parecer que o foco da SBEE seja seu trabalho assistencial, não é
este o objetivo principal. A proposta, segundo o seu próprio fundador, é a
reconceituação do Espiritismo. Esta Casa Espírita procura colocar uma linguagem
social espírita contemporânea, sem deixar de se basear nas Obras Básicas de
Kardec, mas utilizando-se de outras obras tanto espíritas como não espíritas. O
intuito é instrumentalizar e instrucionalizar cada pessoa, para que ela própria
consiga alcançar as verdades através do seu conhecimento. Portanto, o objetivo da
SBEE é uma transformação social que se inicia em cada um, conforme as palavras
de Maury:
Entendo que o Espiritismo detém a força do novo, é agente de
transformação sócio-cultural, devemos, como espíritas, trabalhar para
a evolução espírito-social, promovendo alterações constantes que
renovem e tragam respostas e satisfações em todas as direções da
vida humana. Devemos olhar a sociedade como um sistema de
interdependência, onde as variações estruturais em certo setor,
provocam tensões e processo de adaptação noutros setores. São as
leis gerais do movimento que permitem a evolução social. (CRUZ,
2000, p. 6)
Nos arquivos históricos da instituição observa-se que desde sua fundação, no
ano de 1953, já havia estudos sérios sobre a Doutrina dos Espíritos. Era o início do
que hoje se chama, na casa, de Núcleo de Ensino e Pesquisa (NEP). Ele representa
54
grupos de estudos, chamados de Grupos de Estudo Mediúnicos, que são separados
em módulos conforme o tempo de estada no departamento, com a finalidade de
estudar a Doutrina dos Espíritos, principalmente os novos conceitos trazidos por um
dos Espíritos mentores da casa, Espírito Antônio Grimm22.
Este Espírito ministra, através do médium Maury, aulas semanais aos
médiuns da SBEE. Estas aulas psicofonadas são gravadas e posteriormente
copiladas em livros ao fim de cada ano.
Eles são chamados de Cadernos de
Psicofonias e seu conteúdo de Doutrina Social Espírita:
Em suas aulas, Antônio Grimm observa uma seqüência temática,
lógica e cronologicamente seriada. No entanto, cuida igualmente de
vários outros assuntos, ligados à expectativa emergente do grupo ou
ligados a questão da contemporaneidade.
Dentre os objetivos dessas aulas destacam-se a reconceituação do
Espiritismo, a construção dos critérios para a contextualização da
interpretação do código doutrinário e a atualização das inflexões
feitas pelo polissistema espiritual através das mensagens espíritas.
(CRUZ, 2003, p. 7)
Apesar de, como já foi dito, essas aulas já começarem no ano da fundação da
SBEE, os livros só começaram a ser editados a partir do ano de 1994 sendo o último
editado em 2006. É exatamente neles que encontramos, juntamente com estudos
realizados pelo NEP, a tentativa de reconceituação do Espiritismo. Novos termos e
conceitos aparecem nessas obras, os principais serão vistos a seguir.
•
O Centro Espírita como a “Universidade do Povo”: Antônio Grimm
pretende que os Centros Espíritas sejam uma casa de saber, estando totalmente
vinculadas à sociedade. Nesse lugar devem acontecer comissões de estudos e de
trabalhos, visando uma transformação. Uma “instituição que fala, faz significação e
resignação permanente do mundo, da pessoa e das coisas”. (CRUZ, 1999, p. 46)
•
Eslética: processo de raciocínio utilizado para a obtenção de
conhecimento que considera o envolvimento construtivo das partes na elaboração
de respostas, soluções ou novos entendimentos. Nele não há escolha de um
conceito em detrimento de outro, há uma comunhão de idéias. Segundo a eslética,
22
Numa de suas encarnações, Antonio Grimm foi Jakob Grimm (1785-1863), filólogo, jurista e
folclorista alemão. Ele e seu irmão Wilhem ganharam notoriedade mundial através de seus Contos de
fadas para crianças; os famosos Contos dos Irmãos Grimm. Todavia Jakob sobresaiu-se por seus
estudos de filologia, sendo considerado o fundador da moderna gramática alemã, na qual introduziu o
método histórico. Além disso, tendo sido discípulo de Savigny, deixou importantes trabalhos jurídicos
ligados ao direito alemão antigo.
55
todos têm possibilidade de contribuir, dessa maneira não há guerras por que ela
pretende o entendimento entre as partes.
•
Deus Cósmico: “É a expressão da vida, é a dinâmica da vida. É a
unidade que se revela todos os dias quando nos procuramos.” (CRUZ, 2003, p. 131)
•
Doutrina Social Espírita: conjunto de princípios que permitem
desenvolver uma teoria do conhecimento social, tais como: não deve existir
enriquecimento (em sentido amplo: econômico, afetivo, cognitivo, relacional) em
nenhum setor da atividade humana sem que venha seguido da necessária
construtividade social; nenhum interesse individual deve se sobrepor ao interesse
coletivo; nenhum interesse de Nação e estado deve se sobrepor ao interesse de
outra Nação, país ou Estado.
•
Espírito como ator e portador da cultura: o espírito é um ser individual,
dotado de inteligência, afetividade, criatividade e valores. Ele é responsável pelo
pensamento, sentimentos, pelas palavras e pelas ações. Portanto, ao longo do seu
processo evolutivo produz cultura. A cultura é resultante do Espírito, pois ele é o
agente de todos os comportamentos sociais.
•
Mediunidade: “diálogo com todos os seres, todo o Universo” (CRUZ,
2003, p. 142). A mediunidade precisa ser encarada em um caráter mais amplo, não
acontecendo somente de um espírito desencarnado para um médium, ela também
acontece de um encarnado para um encarnado e de um desencarnado para um
desencarnado. A Doutrina Espírita nos diz que todos somos médiuns, pois é uma
faculdade do espírito, mas nem todos conseguem realizar qualquer tipo de
comunicação com os espíritos ou até outra pessoa encarnada. Qualquer habilidade
que uma pessoa possui foi desenvolvida ao longo da sua existência. Com a
mediunidade não é diferente, ela precisa ser aperfeiçoada num esforço pessoal, não
apenas em uma vida, mas em várias.
•
Processo Mediúnico: consiste na interação entre o polissistema
material e o polissistema espiritual. O processo mediúnico é dinâmico, sendo a soma
de dois seres inteligente que juntos produzem conhecimento que, no seu
desdobramento, terá significações para toda a humanidade. É necessário frisar que
no processo mediúnico não há absenteísmo. Sendo a integração entre os
polissistemas espiritual e material, há um cruzamento de códigos entre o Espírito
manifestante e o médium. Não há perda em nenhum sentido. Não existe a
56
incorporação como muitos pensam. Há sempre o consentimento entre os dois. O
Espírito não utiliza o corpo do médium para se comunicar como um “auto-falante”,
explicando melhor: o processo mediúnico representa toda uma experiência adquirida
pelo médium ao longo da sua existência, ou seja, o Espírito utiliza-se da bagagem
do médium para se comunicar, também da cultura emergente da Terra e da
mentalidade do grupo ao qual pertence. Portanto, o processo mediúnico é resultante
do feedback, há uma composição inteligente, produzindo mensagens com
significação para toda a humanidade, pois elas são intensas e extensas. O processo
mediúnico alcança as várias lides sociais, portanto responde ao expectativismo
humano. Ele comunica e informa, atingindo a unidade do ser complexo que é o
homem e os núcleos fundamentais da sociedade.
•
Produto mediúnico: o produto mediúnico advém do resultado deste
processo, são as mensagens produzidas nesta comunicação (um texto, uma fala,
uma idéia, um conceito, sentimentos, emoções, gestos, comportamento), sendo
sempre aberta a interpretações, portanto torna-se novamente em processo. O
produto mediúnico possui valores com significação universal, especialista,
alternativa e individual. Também, tem significação construtivista a cada indivíduo que
dele toma conhecimento. É instrumento que fortalece a liberdade humana na
dinâmica da liberdade educativa. Como se constitui em algo novo para o contexto no
qual foi gerado, o produto será difundido e sofrerá integração cultural posterior,
alterando a mentalidade do grupo.
•
Redes de mentalidade: a SBEE trabalha o conceito que o
conhecimento humano é disseminado através de redes comunicantes. É como se
fosse a rede de internet, mas essa seria apenas de pensamentos. Cada vez que o
novo surge, este é lançado na rede de mentalidade sendo esta acessada por todos
aqueles que tiverem “antenados”. Com isso explica-se porque uma descoberta, às
vezes, acontece por dois cientistas ao mesmo tempo, mesmo sem eles não terem
entrado em contato.
Com o intuito de continuar a reconceituação, no ano de 2002, o Professor
Maury criou, na Faculdade Dr. Leocádio José Correia, o curso de Teologia Espírita,
tendo como objetivo o estudo, a pesquisa, a sistematização da Doutrina dos
Espíritos, aprofundando o conhecimento em suas dimensões de Filosofia, Ciência e
Religião. Segundo Maury,
57
“o
curso
desenvolve,
no
acadêmico,
o
potencial
de
autodesenvolvimento,
autocrescimento,
autoconhecimento,
permitindo que, através do estudo e da pesquisa, ele se descubra
como agente, sujeito, autor e construtor do seu próprio conhecimento,
permitindo assim que revele a si mesmo quem ele é e o que ele quer
ser”23.
Portanto, a SBEE e agora o curso de Teologia Espírita procuram retomar a
proposta inicial da Doutrina Espírita, ou seja, uma doutrina de aspecto tríplice:
Ciência, Filosofia e Religião, realizando para isso a contextualização apoiando-se na
Obras Básicas de Alan Kardec e trazendo novos conceitos para continuar o que O
Codificador propôs:
“(...)apoiada em fatos, tem de ser, e não pode deixar de ser,
essencialmente progressiva, como todas as ciências de
observação(...)Deixando de ser o que é, mentiria a sua origem e ao
seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o
Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas
lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele
se modificaria nesse ponto. Se a verdade nova se revelar, ele a
aceitará. ” (KARDEC, 2005, p.54).
23
Entrevista do Professor Maury ao
online.com.br/editoria/cidades/news/89689/
Paraná
Online
disponível
em:
http://www.parana-
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de pesquisar os rumos do movimento espírita teve como objetivo
compreender o motivo pelo qual o Espiritismo, ao chegar ao Brasil, caracterizou-se
em uma doutrina mais religiosa baseada no assistencialismo, diferente, portanto, do
pensamento kardecista, que via a doutrina com características mais filosóficas.
Allan Kardec definia o Espiritismo como uma ciência de observação dos
fenômenos mediúnicos e na relação que se podem estabelecer com os Espíritos.
Disto surgiria uma doutrina filosófica, ou seja, o pensar crítico no que é a vida e nos
objetivos dela, refletindo nas conseqüências morais dos atos humanos. Portando,
também, uma doutrina religiosa, pois estimula a pensar nos valores que nos servem
de alicerce nas nossas experiências diárias. Assim, vê-se que no pensamento de
Karcec a Ciência, a Filosofia e a Religião eram autocomplementares.
O Brasil, desde seu nascimento, já se caracterizou por uma cultura religiosa,
onde o sincretismo religioso sempre esteve presente. Isto se explica pela
miscigenação deste povo, em que estavam presentes os índios nativos, os europeus
colonizadores e os negros trazidos como escravos. Esta mistura de culturas ajudou
na aceitação do Espiritismo no país, pois aqui já estavam presentes algumas
características da Doutrina Espírita como a comunicação com os espíritos e a idéia
da
reencarnação,
experenciadas
tanto
pelos
nativos
como
pelos
negros
escravizados.
As primeiras reuniões espíritas no Brasil datam do ano de 1865. Mas há de
se destacar que, no começo, a característica delas não era como atualmente. O
Espiritismo brasileiro era muito mais científico e filosófico, seguindo a característica
européia, até porque a Doutrina Espírita chegou a este país pelos franceses,
portanto por uma camada mais intelectual da sociedade.
O Espiritismo chegou ao povo quando começou a incorporar as obras
assistencialistas, tanto como materiais (doação de alimentos, roupas e medicações)
como espirituais (curas mediúnicas). Há de se destacar que não havia o acesso a
saúde pública naquela época, fazendo com que a população buscasse a cura
mediúnica através dos métodos praticados nos Centros Espíritas. Com isso, a
procura pelas Casas Espíritas foi muito grande fazendo que o Espiritismo crescesse
59
de forma muito rápida, embora estas pessoas não soubessem o que realmente era a
Doutrina Espírita.
Outro ponto a se destacar era o analfabetismo no Brasil, apenas uma
pequena camada da população tinha acesso ao ensino. Com isso, conclui-se que
somente os nobres tinham acesso aos livros. Como as obras espíritas em português
eram poucas, quem possuía acesso a elas? Com certeza, não era a camada pobre
do povo. Assim, fica óbvio que o conhecimento do Espiritismo proposto por Kardec
ficou um pouco deturpado. Em conseqüência disto, as sociedades espíritas se
formaram a partir de pessoas que possuíam certa mediunidade, mas que nem
sempre tinham a total compreensão da Doutrina Espírita, às vezes não sabiam nem
mesmo os princípios básicos.
Por conseqüente do acima exposto, os grupos espíritas foram formados pelo
país com características sincretistas, que até hoje encontramos nos Centros
Espíritas pelo Brasil, cujos membros, mesmo declarando-se como espíritas mantêm
práticas católicas, umbandistas e outras. Por este motivo que foram criadas
denominações inadequadas ao Espiritismo como Kardecismo, Alto Espiritismo,
Espiritismo de Mesa. Inadequada por que Espiritismo é uma denominação criada por
Kardec na ocasião da codificação da Doutrina Espírita, portando não tendo motivo
para denominá-la como “kardecista”.
A Federação Espírita Brasileira (FEB) surgiu para organizar os diversos
Centros Espíritas existentes, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. No seu
início o embate foi grande entre os grupos que tinhas idéias divergentes sobre os
rumos do movimento espírita: os “espiritistas puros”, que privilegiavam o pilar
científico e filosófico da doutrina, os “místicos”, de orientação evangélica e os
“científicos” que valorizavam a parte experimental da doutrina. Este embate
perdurou durante muitos anos, apesar da tentativa de congregação entre eles feita
principalmente por Bezerra de Menezes. Até o ano de 1914 quando o grupo dos
“místicos” venceram a eleição para a presidência da FEB e, com isso, os científicos
abandonaram a Federação, tornando-se, assim, uma corrente alternativa sem muita
importância dentro do movimento. A verdade é que os médiuns receitistas que
representavam o grupo dos “místicos” sempre tiveram mais força dentro do
movimento, pois eram eles que atraiam a grande massa da população para dentro
dos Centros Espíritas. Assim fica claro o porquê do movimento espírita ter adotado
60
as obras assistencialistas como seu carro chefe. Assim, ficou definido o rumo do
Espiritismo no Brasil, ou seja, um Espiritismo mais religioso, com uma forte
tendência assistencialista.
Essa tendência ficou fortalecida com Chico Xavier. Pela sua vida sofrida
criou-se uma imagem santificada desta pessoa. Com ele, o Espiritismo no Brasil se
define com uma doutrina religiosa combinando-se com o catolicismo, isto pela
história da sua vida, ou seja, baseado na abnegação, no voto de pobreza e nas
atividades filantrópicas. O que não se pode negar é que Chico Xavier fez com que o
Espiritismo crescesse em todo o mundo. A sua obra vasta foi de grande contribuição
para o movimento espírita.
No Paraná as carasteristicas do movimento espírita não foram diferentes das
adotadas pela FEB. A Federação Espírita do Paraná (FEP) desde sua fundação
mostrou que sua preocupação era dar assistência aos necessitados. Isto mostra-se
pelos órgãos criados por ela ao longos dos seus 106 anos: creches, albergues,
hospital, além de doações de roupas, alimentos, dinheiro aos necessitados.
A Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas (SBEE), fundada no ano de 1953
na cidade de Curitiba, surge em contrapartida a este movimento. Apesar de
continuar com obras assistenciais com consultas mediúnicas, não é este seu
objetivo principal. A SBBE tem como lema ensinar as pessoas a pensar não no que
pensar. Desta maneira, procura uma transformação social partindo de uma mudança
interior de cada individuo. Esta instituição busca uma reconceituação do Espiritismo
no Brasil, procurando retomar a sua característica de Ciência, Filosofia e Religião.
Para isso, procura trazer novos conceitos, principalmente com Espírito Antônio
Grimm através do médium Maury Rodrigues da Cruz, adaptando o Espiritismo a
nova lógica do século XXI, mas sem fugir da base que é as Obras Básicas de
Kardec.
Somado a isso surge, no ano de 2002, o curso de Teologia Espírita na
Faculdade Dr. Leocádio José Correia criado pelo fundador e presidente da SBEE, o
Professor Maury Rodrigues da Cruz. O curso acadêmico, através do estudo e da
pesquisa, procura fortalecer de vez o objetivo de contextualizar e reconceituar o
Espiritismo.
Espera-se que no futuro os teólogos espíritas, como estudantes e
pesquisadores da Doutrina Espíritas, ajudem o Espiritismo a ser tornar cada vez
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mais forte dentro da sociedade, retirando dela os aspectos místicos e dogmáticos
ainda tão presentes.
Também, que ajudem na transformação da sociedade,
iniciando pela sensibilização dos indivíduos para uma compreensão do que é a
vida, fazendo-as pensar, ajudando-as a encontrar a verdade por sua própria
reflexão.
Esse
processo
levará
as
pessoas
ao
autoconhecimento
e,
conseqüentemente, a transformação. Mas para isso deve estar inserido no meio
social. Deve mostrar os fundamentos da Doutrina Espírita, mas sempre de forma
respeitosa para que não haja destruição, cada um possui suas crenças. O
importante é conscientizar a pessoas para o autoconhecimento, aprendendo a
ser. Quando uma pessoa se modifica as pessoas ao seu redor também podem
se modificar e as que estão em torno destas também, até chegar a toda a
humanidade.
Esta pesquisa mostrou uma linha de pensamento que pode ser questionada
por algumas pessoas, porque a maioria dos espíritas brasileiros acha que o
Espiritismo deve continuar com o objetivo principal de ajudar materialmente os
necessitados. Mas, analisando de forma minuciosa a frase de Kardec “Fora da
caridade não há salvação”, há de se concluir que esta caridade não esta ligada,
necessariamente, às obras assistenciais, mas, sobretudo em uma transformação
humana através do amor entre todos os seres.
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A história do espiritismo: do assistencialismo à reconceituação