No tocante à doutrina espírita,
a teoria nasceu da observação
Astolfo Olegário Oliveira Filho
Auditor-Fiscal da Receita Federal aposentado
Escritor e Editor de periódicos espíritas impresso e virtual
É sempre oportuno lembrar como a doutrina espírita foi elaborada, para que
todos os que escrevem sobre Espiritismo e, sobretudo os que mantêm
intercâmbio com o plano espiritual tenham um pouco mais de cuidado com
pensamentos e ideias que surgem, vez por outra, em nosso meio, em
discordância com a obra que Allan Kardec nos legou.
No capítulo de abertura de seu livro A Gênese, Kardec reportou-se ao assunto.
O que adiante o leitor verá é uma espécie de síntese do que ele próprio
escreveu a propósito do trabalho que realizou em sua tarefa de codificação dos
ensinamentos espíritas.
Como meio de elaboração, a ciência espírita procedeu e deve proceder de
forma idêntica à adotada pelas ciências positivas, aplicando o método
experimental. Fatos novos que não podem ser explicados pelas leis conhecidas
se apresentam; o Espiritismo os observa, compara, analisa e, remontando dos
efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as
consequências e busca as aplicações úteis. Allan Kardec não estabeleceu,
portanto, nenhuma teoria preconcebida e, desse modo, não apresentou como
hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a
reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina. Concluiu pela
existência dos Espíritos quando essa existência ressaltou evidente da
observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros
princípios. Não foram, pois, os fatos que vieram a posteriori confirmar a teoria:
a teoria é que veio subsequentemente explicar e resumir os fatos. É, portanto,
rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação e
não produto da imaginação.
Como sabemos, as ciências só fizeram progressos importantes depois que
seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, pensou-se
que esse método só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às
coisas metafísicas. Essa foi uma descoberta importante que, com certeza,
evitou que a doutrina espírita se encharcasse de ideias sem nenhum apoio na
experimentação.
Kardec menciona, a propósito do assunto, o exemplo abaixo.
Ocorre no mundo dos Espíritos um fato singular, de que seguramente ninguém
houvera suspeitado: o de haver Espíritos que não se consideram mortos. Ora,
os Espíritos superiores, que sabem perfeitamente disso, não vieram dizer
antecipadamente: «Há Espíritos que julgam viver ainda a vida terrestre, que
conservam seus gostos, costumes e instintos». Em vez disso, provocaram a
manifestação de Espíritos dessa categoria para que Kardec e seus
companheiros espalhados pelos diversos pontos do globo os observassem.
Tendo-se visto Espíritos incertos quanto ao seu estado, ou afirmando ainda
serem deste mundo, julgando-se aplicados às suas ocupações ordinárias,
deduziu-se a regra. A multiplicidade de fatos análogos demonstrou que o caso
não era singular ou excepcional, que constituía uma das fases da vida espírita.
Pôde-se então estudar todas as variedades e as causas de tão singular ilusão,
reconhecendo-se que esse fato é, sobretudo, próprio de Espíritos pouco
adiantados moralmente e peculiar a certos gêneros de morte. Percebeu-se
ainda que essa situação é sempre temporária, conquanto possa durar
semanas, meses e até anos. Foi desse modo que a teoria nasceu da
observação. E o mesmo se deu com relação a todos os outros princípios da
doutrina.
Esse foi, seguramente, um dos motivos pelos quais José Herculano Pires
escreveu estas palavras: “O toque é a forma mais comum de verificação da
verdade. Usa-se o toque na Medicina, na Agricultura, na Joalheria — onde é
tão conhecida a função da pedra de toque — e praticamente em todas as
atividades humanas. Foi pelo toque dos dedos nas chagas que Tomé
reconheceu a legitimidade da aparição de Jesus ressuscitado. No Espiritismo a
pedra de toque é a obra de Kardec” (Na Hora do Toque, em A Pedra e o Joio).
Os outros motivos pelos quais a obra de Kardec é considerada por Herculano
Pires a pedra de toque em matéria de Espiritismo, o leitor verá lendo o livro a
que nos reportamos.
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