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VIOLÊNCIA:
UMA REFLEXÃO
À LUZ
DA
DOUTRINA ESPÍRITA
Análise sistêmica da Violência
(O crime, o criminoso e o Espiritismo)
Qualquer ato praticado contra os bons costumes
e a Lei, caracteriza-se como ato delituoso.
Marcelo Paes Barreto
Crime e Punição
Por trás de todo e qualquer crime encontra-se um personagem - um agente
intelectual e executor - que, conscientemente, dele procura tirar algum proveito, seja de
ordem material, sentimental ou moral.
O crime, logo, torna-se efeito de uma série de etapas, que, se consumadas,
deixam somente o recurso da punição, sob dois aspectos básicos:
a) o pagamento correspondente ao peso da ação;
b) e a reeducação, para o conseqüente retorno ao convívio social.
À sociedade, então, resta o trabalho com o delinqüente, em dois patamares:
1) Objetivamente, na reformulação dos seus costumes, hábitos e maneiras de
convivência social;
2) Subjetivamente, dirigida ao lado interno, na reforma dos valores, pontos de
vista, da personalidade, enfim, na estruturação, de verdade, de um novo ser social;
O ideal é que o ser humano fosse preparado, desde a tenra idade, para a boa
convivência em sociedade, pautada pelo respeito, pela norma legal e pela harmonia para
com o próximo.
Mas tudo isso tem ficado na teoria. O que se tem visto, na realidade, são homens
sem muita consciência de suas obrigações sociais.
O que estaria faltando, então?
“O Homem-Espírito”
Que tal começarmos admitindo que o homem não é constituído apenas de
matéria, ou seja, somente corpo físico, e que existe, além deste, um outro componente o princípio espiritual ?
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Não estaria, pois, faltando às instituições buscarem no ser humano esse
princípio espiritual, fulcro irradiante da verdadeira vida, admitindo-o, finalmente, como
um ‘homem-espírito’, ser integralizado do universo, com tarefas e objetivos traçados
pelo Criador?
E por que não compreendê-lo, da mesma forma, como um espírito milenar, que
vivencia o bem e o mal através de sucessivas encarnações - num caudal de experiências
calcadas na sua estrutura psíquica, realizações próprias integrantes do seu patrimônio
espiritual?
É esse homem-espírito que submete-se à luta reencarnatória, para eliminação de
suas dívidas espirituais com o próximo e com a Justiça Divina - “Karma” . E que
enquanto expia os seus débitos, tem a oportunidade de contribuir, com o seu esforço e
com o seu trabalho, na construção de uma sociedade melhor, mais digna e mais justa,
galgando, por conseqüência, estágios espirituais mais evoluídos e harmoniosos.
A Contribuição do Espiritismo
Nesse aspecto é que podemos considerar a relevante contribuição da Doutrina
dos Espíritos, codificada por Allan Kardec - O Espiritismo.
Ao enfocar o ser humano antes de tudo como um Espírito
inteligente e dotado de livre-arbítrio, a Doutrina Espírita inaugura uma
nova perspectiva de conhecimento, assimilação e explicação racional
para os inúmeros problemas que o envolvem em sua complexa vida
comportamental .
Pensado no contexto da criminalidade, vale ressaltar que, sendo um Espírito e
tendo vindo de anteriores encarnações com essa ou aquela tendência (ódios, amores
mal-resolvidos, desejos de vingança, enfim, problemas morais e espirituais de causas
diversas), traz consigo, ao nascer, impresso em seu subconsciente, toda essa bagagem
espiritual, ou seja, todas essas tendências negativas.
Tal conjunto de fatores, dependendo de circunstâncias diversas, poderá aflorar
como uma predisposição para o erro, pois conforme ensina a Ciência Espírita, cada um
traz, em sua própria intimidade, predisposições nas áreas em que menos progrediram
ou mais se endividaram.
Com todo esse passado latente na alma, por conseqüência lógica é atraído para
aqueles com os quais está em débito. É a Lei de Causa e Efeito, promovendo, por sua
vez, a reaproximação dos culpados, ao mesmo tempo que lhes concede uma nova
oportunidade para os devidos reacertos.
Por isso se diz - nada acontece por acaso - ou sem que haja para tal uma forte
razão, objetivando sempre fins produtivos, sendo essa uma das grandes características
da Justiça Divina.
Mas o mal que o ser humano traz consigo de encarnações anteriores não pode
ser considerado uma determinante para a sua vida na Terra, por tratar-se, como já
referido anteriormente, de um Espírito inteligente dotado de livre-arbítrio ou livreescolha.
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Por isso mesmo, tangidos pela livre-escolha, nada mais justo que aqueles que
fizeram opção pelo mal possam arcar com as conseqüências de seus atos, tendo de
resgatar, por si próprios, os débitos adquiridos.
Nada mais justo, também, que voltem, em novas encarnações, para libertaremse das mazelas edificadas com as próprias mãos - erro reacertado, erro não mais
existente!
Realidade e Conflito
Mas nem sempre é assim.
Ao cair na realidade da vida terrena, no contato efetivo da encarnação, e não
existindo a preocupação do estudo e do aprimoramento da sua própria natureza, o ser
humano - esse tal de homem-espírito de quem já vimos falando - cede às pressões da
matéria, os tais ‘chamamentos da carne’, como se diz comumente.
E não havendo de sua parte esforços para um soerguimento espiritual (nesse
momento é que torna-se fundamental para o indivíduo uma segura base religiosa!),
acaba deixando crescer no coração as torrentes do egoísmo, do orgulho e da
vaidade.Que vão desaguar, indubitavelmente, na inveja e na ambição desenfreadas,
cujas resultantes, invariavelmente, são os conflitos de consciência.
Tais conflitos, se alimentados pela insistência na ignorância ou pela mávontade quanto a uma positiva reforma interior, tomam vulto gradativamente, saindo
do íntimo com mais força negativa, extrapolando os princípios básicos e elementares
da convivência social, para chegarem, inevitavelmente, ao corpo físico do semelhante.
São os estupros, homicídios de todo tipo, infanticídios, abortos, extermínios de
familiares e outras tantas monstruosidades, que não vale a pena registrar.
E quem são as vítimas desses desvarios, senão possíveis desafetos espirituais,
personagens de um drama do passado, identificados subsconcientemente pelo agressor.
Se pudéssemos buscar no passado espiritual de cada um a estória de um desses
ferozes acontecimentos, encontraríamos lá reunidos, não raras vezes, adversários de
encarnações anteriores marcados por ódios seculares.
Espiritismo e Criminalidade
Mas, infelizmente, a sociedade de nossos dias ainda não admite, inteiramente,
tais idéias. E por não admiti-las, deixa de educar o indivíduo nas bases da verdadeira
vida, como já dissemos anteriormente, perdendo, nesse caso, uma preciosa
oportunidade de “desviá-lo” de um “destino” cruel.
Assim deveria ser, pois compreendendo-se o indivíduo, desde a tenra infância,
como um Espírito reencarnado, sujeito a tantas fraquezas, poder-se-ia identificar nele,
logo nas suas primeiras manifestações para a vida, tendências não muito coerentes com
os bons princípios de religiosidade e de convivência social.
Identificadas essas más tendências, cuidar-se-ia logo de corrigi-las,
resguardando-o de um futuro de muitos dissabores.
Essa atitude, podemos classificar como uma medida de prevenção contra o
mal, coisa perfeitamente possível partindo-se do princípío que, segundo nos ensina a
Lei Divina, ninguém nasce predestinado para o mal.Mesmo que seja
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reconhecidamente um espírito inferior, endividado e vingativo, pois a Lei de Amor nos
ensina que todo indivíduo é suscetível de melhoramento e de progresso, pois, só o bem
é eterno!
Cabe, então, aos educadores, à família e às diversas instituições orientadoras da
sociedade perceber nesses indivíduos esses traços de más tendências para educá-los à
luz da perspectiva espiritualista, fornecendo-lhes em tempo hábil, e com a devida
dedicação, os benefícios da regeneração.
É assim que o Espiritismo, frente ao criminoso de todas as épocas, pesa os
reflexos da criminalidade. Enxerga nele, antes de tudo, o homem-espírito, com
antecedentes espirituais capazes de atuarem decisivamente no seu comportamento
junto aos que o rodeiam.
Espiritismo e Educação
“O Espiritismo não se preocupa somente com o crime, que é um efeito, não é
uma causa, mas sobretudo com a etiologia do crime, os fatores predisponentes da
criminalidade, os meios de saneamento moral da sociedade pelo reerguimento
espiritual.” (1)
“É, portanto, o Espiritismo, uma Doutrina que muito está concorrendo para o
comedimento social, principalmente porque os seus ensinos se firmam sobre uma
concepção de vida em que não há fatalismo, não há castigo, não há solução de
continuidade no progresso do Espírito. O criminoso de hoje pode ser o regenerado de
amanhã, porque a vida não se resume nos limites de uma existência terrena.” (2)
O crime e o criminoso, portanto, estudados à luz da ciência da própria natureza,
e da verdade trazida pelo Mestre Nazareno, revividas pelo Espiritismo, teriam medidas
preventivas no seio da sociedade.
Famílias, escolas, entidades responsáveis pela formação dos homens, e
sobretudo os institutos penais de reeducação, perceberiam nos seres encarnados, através
de um profundo mergulho no seu psiquismo, a extrema necessidade de educação, em
seu sentido mais puro e mais amplo.
A educação, nesse caso, aplicada nos dois aspectos primordiais da vida humana o material ou objetivo e o espiritual ou subjetivo - teria o mérito de acordar a criatura
do seu sono secular de imperfeições, readaptando-a e elevando-a a novas e superiores
escalas de compreensão.
“Quanto mais espiritualizado o indivíduo, quanto mais consciente é a sua noção
de responsabilidade, maior é a luta interior para não se deixar dominar pelas
tendências viciosas ou delituosas.” (3)
“A lei humana atinge certas faltas e as pune. Pode, então, o condenado
reconhecer que sofre a conseqüência do que fez.
Mas a lei não atinge, nem pode atingir todas as faltas; incide especialmente
sobre as que trazem prejuízo à sociedade e não sobre as que só prejudicam os que as
cometem. Deus, porém, quer que todas as suas criaturas progridam e, portanto, não
deixa impune qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que
seja, nenhuma infração da sua lei, que não acarrete forçosas e inevitáveis
consequências, mais ou menos deploráveis.Daí se segue que, nas pequenas coisas, como
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nas grandes, o homem é sempre punido por aquilo em que pecou. Os sofrimentos que
decorrem do pecado são-lhe uma advertência de que procedeu mal. Dão-lhe
experiência, fazem-lhe sentir a diferença existente entre o bem e o mal e a necessidade
de se melhorar para, de futuro, evitar o que lhe originou uma fonte de amarguras; sem o
que, motivo não haveria para que se emendasse. Confiante na impunidade, retardaria
seu avanço e, conseqüentemente, a sua felicidade futura.” (4)
Portanto, diante dos problemas sociais que deságuam na criminalidade,
coloquemos o coração a serviço da Paz, lembrando-nos, sobretudo, Daquele que,
mesmo conhecendo profundamente as nossas mazelas, preferiu não julgar,
aconselhando-nos: “Vá, e não erres mais.” (5)
Recordemo-nos sempre disso, e façamos sempre o maior esforço possível para
operarmos, continuamente, como bons cristãos, em favor do Bem e da Vida, aonde e
nas condições em que formos chamados a servir.
“Deixe brilhar a vossa luz”. (6)
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1.”ESPIRITISMO E CRIMINOLOGIA” - Deolindo Amorim Editora ‘Centro Espírita Léon Denis’-RJ -3ª Ed.-1991 - p.168;
2. Ob.cit. - p.169;
3. Ob.cit. - p. 165
4. ESE - Cap.V- 86 ed. FEB – p.104
5. Novo Testamento - João 8:11
6. Novo Testamento - Mateus 5:16
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