UM ENSAIO SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS
TRABALHADORES TERCEIRIZADOS DA INDÚSTRIA A PARTIR
DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO BRASIL.
Rosa Maria Ricoi
CEFET–MG Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar questões relativas à formação profissional
dos trabalhadores que atuam nas prestadoras de serviços da indústria, considerando as mudanças
ocorridas no mundo do trabalho, em especial, com a reestruturação produtiva dos anos 90, que
culmina na exigência de um novo perfil de trabalhador. O referencial teórico utilizado permitirá
a discussão em torno dessas questões, apontando para as justificativas de mudanças necessárias
no sistema educacional e de formação profissional, com vistas a adequação à nova realidade do
trabalho. Apresenta também críticas, cujo conteúdo possibilita instigar uma reflexão mais
profunda em relação aos interesses subjacentes às alterações que se configuram no processo de
reestruturação produtiva e, conseqüentemente, na formação profissional. As reflexões
apresentadas originam tanto do discurso empresarial, como da academia e das políticas de
educação, orientadas para atender às novas demandas do mercado de trabalho. Este estudo faz
parte do projeto de pesquisa da autora que pretende analisar a formação profissional dos
trabalhadores prestadores de serviços de manutenção industrial, considerando a realidade desses
profissionais na cadeia produtiva.
PALAVRAS-CHAVE: Reestruturação Produtiva - Formação Profissional - Mercado de
Trabalho
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo faz parte do estudo da autora, que tem como objetivo
verificar até que ponto que a formação dos profissionais, que prestam serviços para a
indústria, está adequada às demandas dos novos modelos de gestão e organização do
trabalho.
Em consonância com as transformações no mundo do trabalho, especialmente
a partir dos anos 80 e 90, com a flexibilização produtiva, também no Brasil, juntamente
1
com as inovações tecnológicas e novos modelos de gestão, um novo perfil de
trabalhador é requerido pelas empresas.
Neste contexto de mudanças, duas grandes questões passam a fazer parte de
debates e discussões no meio acadêmico e empresarial: competências, como uma
tentativa de ampliação do conceito de qualificação, e o processo de terceirização, que
ocorre por meio da subcontratação de serviços.
Essas discussões apontam para algumas tendências: (i) a precarização do
trabalho, a partir de uma progressiva degradação, que traz como conseqüência a
desqualificação; (ii) a tendência ao aumento das exigências de qualificação, seja através
da requalificação ou de um movimento de ampliação de competências, que possibilitam
ao trabalhador ser polivalente e/ou multifuncional. Ambas coadunam com as novas
formas de organização e gestão do trabalho e da produção.
Este artigo está sendo referendado por uma pequena parcela da extensa
bibliográfica sobre o assunto. Contudo, encontra-se nos autores aqui citados, pelos
conteúdos e críticas apresentados, um vasto caminho a percorrer. Este trabalho contribui
para o objetivo da autora de iniciar uma análise sobre a formação profissional dos
trabalhadores a partir das mudanças ocorridas com a reestruturação dos anos 90 no
Brasil. Tal estudo será ampliado através de pesquisa a ser realizada pela autora, por
ocasião de sua dissertação de mestrado no curso de educação tecnológica do CEFETMG, cujo enfoque se dará na formação profissional dos trabalhadores das prestadoras de
serviços da área de manutenção industrial, e verificar sua adequação às exigências dos
novos processos e organização do trabalho.
Compõem ainda interesse dessa pesquisa a ser realizada, o levantamento de
dados e análises quanto ao grau de escolaridade dos trabalhadores que estão nas
empresas Contratadas; verificar quais as vantagens e desvantagens que a terceiriza;ao
proporcionou à formação profissional desses trabalhadores; conhecer a concepção de
formação profissional das Contratantes e das Contratadas e como elas percebem o
impacto da formação profissional nos resultados almejados e, ainda, identificar os
principais programas de capacitação dessas empresas.
Restringe-se a este artigo, no entanto, uma discussão em torno das mutações do
trabalho a partir do processo de reestruturação produtiva e suas implicações na
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formação profissional do trabalhador, considerando a terceirização e as demandas do
mercado de trabalho, uma vertente desse estudo.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 - Novas formas de organização do trabalho e o processo de reestruturação
produtiva dos anos 90.
Com a introdução do modelo japonês nas fábricas, muda-se também o
cenário para a classe trabalhadora.
O advento da produção flexível substitui o
cronômetro, a produção em série, a divisão social do trabalho, a especialização das
funções e o trabalho individual por uma nova lógica de organização do trabalho
preconizando a gestão participativa, o trabalho em equipe, a multifuncionalidade.
E é no bojo dessas mudanças que um novo perfil de trabalhador é requerido
para atender às necessidades que a nova realidade de mercado exige.
Segundo Laudares (1998) os novos modelos de trabalho trazem a
necessidade de um profissional polivalente, com domínio dos diversos processos de
trabalho e com capacidade para se envolver nos times, com trânsito fácil em toda
fábrica.
Para Hirata (1994) o novo modelo concebido no processo de reestruturação
produtiva, que é denominado de flexível, surge como alternativa ao paradigma fordista,
baseado na fabricação em massa de bens padronizados através do uso de máquinas
especializadas não flexíveis e com recursos para uma massa de trabalhadores
semiqualificados. Para ela o modelo japonês marca uma diferença significativa em
relação ao modelo fordista clássico, no que se refere ao envolvimento do trabalhador no
processo produtivo e assim descreve:
Há uma participação maciça dos trabalhadores nas inovações tecnológicas. O tipo de
prática e de relações sociais na grande empresa japonesa (grande número de reuniões, de
trabalho em grupo, CCQs etc.) faz com que seus trabalhadores regulares participem nos
processos de inovação e desenvolvimento tecnológico, recebendo informações de todo tipo,
e tendo alto nível de escolaridade formal e formação profissional sistemática dentro e fora
da empresa, o que permite rentabilizar tais informações. (Hirata, 1994).
Bicudo (2003), apresenta ainda uma outra questão em torno dessas
alterações no que tange a novas modalidades de relacionamento entre as empresas. Para
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ele as novas tecnologias e novos métodos de produção e gestão, caracterizam-se por
novos modos de relação entre empresas que ora se contrapõem, ora se mesclam ao
formato verticalizado, corporativo, hierarquizado.
(...) o que alguns autores chamam especialização flexível, outros pós-fordismo ou novo
paradigma tecnoeconômico, vem possibilitando as "redes" de empresas, onde o trabalho é
realizado nos mais variados nichos, em organizações que se unem e desunem de forma
veloz e imprevisível. Estas "redes" pressupõem cooperação/confiança, horizontalidade,
interdependência, inovação tecnológica, aprendizagem organizacional, parceria, etc. No
entanto, o que pode se observar, com freqüência, é um tipo de rede subcontratação, onde as
empresas-mãe ficam apenas com o núcleo central de seu negócio e subcontratam o
periférico (Bicudo, 2003).
2.2 - A reestruturação produtiva e o processo de terceirização nas empresas
A reestruturação produtiva dos anos 90, pautada pela flexibilidade da
produção, ocasionou o surgimento de um novo perfil de trabalhador. Nesse contexto,
marcado pela globalização, uma nova relação entre empresas se estabelece: a
subcontratação ou descentralização produtiva, que permite delegar a outros
fornecedores, atividades de menor valor agregado ao negócio principal da empresa.
A terceirização, principalmente de mão-de-obra, traz vantagens substanciais
para as empresas, em especial, na redução de custo, fator de vital importância para o
capital. Aumenta assim, cada vez mais, o número de empresas prestando serviços nas
indústrias e na maioria das vezes, funcionando no mesmo espaço físico com galpões e
escritórios construídos para este fim.
Também conhecida como outsourcing a terceirização é usada em larga
escala por grandes corporações brasileiras. Vista como estratégia, vem sendo praticada
ao longo das últimas décadas com o objetivo de reduzir custo e aumentar a qualidade.
O processo de terceirização ocorreu, inicialmente, através do repasse para
outros prestadores de serviços, daquelas atividades consideradas meio, ou não essenciais
ao negócio principal das empresas, tais como alimentação, limpeza, segurança.
No entanto, ao longo das últimas décadas, percebe-se um movimento
crescente de fornecedores voltados para atividades ligadas diretamente ao setor
produtivo, como é o caso da prestação de serviços na área de manutenção. Nesse
sentido, é comum observar, numa planta de indústria, trabalhadores contratados pela
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indústria e trabalhadores terceirizados trabalhando lado a lado, na maioria das vezes
com condições diferenciadas de remuneração, benefícios e também de capacitação.
Muitos estudos sobre terceirização têm elucidado as vantagens e as
desvantagens desse processo. Um dos princípios básicos mais comentados é o de que
não se deve terceirizar a atividade-fim.
Segundo Giosa (1993), terceirização é “Um processo de gestão pelo qual se
repassam algumas atividades a terceiros, com os quais se estabelece uma relação de
parceria, ficando a empresa concentrada apenas em tarefas essencialmente ligadas ao
negócio em que atua.”
Para Silva (1997), terceirização é “A transferência de atividades para
fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham
esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para
concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo
em qualidade e produtividade, reduzindo custos e ganhando competitividade.”
Resende (1997) chama atenção para o fato de que a terceirização é uma
possibilidade infinitamente mais adequada para um série de situações enfrentadas pelas
empresas, mas não pode ser tratada como um novo dogma.
A terceirização não é um modismo, mas algo que veio para ficar e
constituir-se numa das principais estratégias requeridas pelo atual processo produtivo e
competitivo. Entretanto, não pode ser entendida como uma panacéia, como
anteriormente a integração foi vista. É uma decisão estratégica de suma importância e
tem de ser tomada após análise cuidadosa das vantagens e dificuldades em curto, médio
e longo prazos. (Resende, 1997).
Para Pinto & Nascif (2001), a terceirização é um processo de parceria entre
a Contratante e a Contratada, uma relação de resultados empresariais que traz vantagens
competitivas para ambas as empresas: para a contratante, uma economia de escala e
para a contratada maior especialização, comprometimento com resultados e autonomia
gerencial.
Dentre a revisão literária sobre o assunto, não foram encontrados estudos
que apontam vantagens para o trabalhador. Nesse sentido, a terceirização tem um
enfoque totalmente empresarial e obviamente a serviço do capital, que por vezes pode
inclusive ser prejudicial ao trabalhador, ao deixar vulnerável a estabilidade do emprego.
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Para Antunes (1998), a produção flexibilizada nada mais é do que uma
forma de manipular o operário, levando-o a aceitar integralmente, o projeto do capital,
envolvendo-o no consentimento e adesão. Cita como conseqüências negativas para o
trabalhador a crescente redução do proletariado fabril estável; um novo proletariado ou
subproletariado fabril e de serviços, como exemplo os terceirizados.
Se por um lado a terceirização faz parte das estratégias de competitividade e
racionalização da empresa, por outro pode reduzir o investimento na capacitação
necessária ao trabalhador para que o mesmo possa adaptar-se às novas exigências de
qualificação.
Para Antunes (1998) e Alves (2000), as novas formas de organização do
trabalho, bem como a gestão da produção tendem a fortalecer a precarização do
trabalho. Nesse sentido, o investimento em qualificação pode ficar reduzido às
condições desses subcontratados que não teriam as mesmas condições econômicas e
financeiras que as contratantes para investir em capacitação profissional.
Este autor acredita que a reestruturação produtiva da era da acumulação
flexível, dotada de forte caráter destrutivo, tem acarretado, entre tantos aspectos
nefastos, um monumental desemprego, uma enorme precarização do trabalho e uma
degradação crescente, na relação metabólica entre homem e natureza, conduzida pela
lógica societal voltada prioritariamente para a produção de mercadorias, que destrói o
meio ambiente em escala globalizada. Conclui que com o modelo toyotista, a classe
trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais,
tornando-se mais qualificada em vários setores, mas desqualificou-se em outros,
precarizando-se em diversos ramos, como por exemplo, a indústria automobilística,
onde o ferramenteiro não tem mais a mesma importância.
2.3- Formação Profissional no contexto das mudanças
A questão da formação profissional tem sido tema de debates desde os
primórdios do processo de industrialização. As abordagens acerca desse tema vêm
sendo acompanhadas pelas modificações ocorridas no mercado de trabalho, tais como a
tecnologia, e as novas formas de organização laboral e da produção.
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A dinâmica dessas transformações tem promovido nas últimas décadas
diversos estudos voltados às relações entre trabalho, qualificação e educação.
Foi a partir da década de 70, que alterações significativas aconteceram no
mundo do trabalho. O mundo capitalista deparou-se com uma superacumulação, com a
redução das áreas produtivas para novos investimentos, forte inflação, além da crise do
petróleo. A busca por novos processos de racionalização e reestruturação para garantir a
sobrevivência passou a ser a tônica das organizações. Foram incorporadas novas
tecnologias no processo produtivo, sobretudo as baseadas na robótica e nas tecnologias
da informação e da comunicação. Novas formas de organização e de gestão do trabalho
buscaram romper com a prática taylorista apontando para novos modelos de gestão mais
participativos, como por exemplo, o sueco e o japonês.
Dessa forma, como estratégia de sobrevivência no mercado competitivo, as
empresas seguiram investindo em novos processos de gestão e organização do trabalho.
Qualidade, Tecnologia e Competência passaram a configurar-se como inspiração para
mudanças nas organizações.
A literatura sinaliza concepções e entendimentos diversificados sobre
formação profissional e algumas alterações de conceitos ao longo da história, em função
das mudanças na organização do trabalho e da gestão da produção.
Encontram-se, desde 1939, até os dias de hoje, recomendações elaboradas
pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre formação profissional, tendo
em vista as transformações ocorridas ao longo do tempo.
Para Cattani (2002), a Formação Profissional “designa todos os processos
educativos que permitam, ao indivíduo, adquirir e desenvolver conhecimentos teóricos,
técnicos e operacionais relacionados à produção de bens e serviços quer esses processos
sejam desenvolvidos nas escolas ou nas empresas”.
Outras denominações mais recentes também fazem referência à formação
profissional. De acordo com APRILE & BARONE, (2006), a expressão educação
profissional, em substituição ao ensino profissionalizante, ensino profissional e
formação profissional, vem nomear o conjunto das ações educativas formais dedicadas à
formação, qualificação e habilitação para o mundo do trabalho.
Conforme estabelecem a Lei Nº. 9394/96 (LDB)34 e o Decreto 2.208/9735, corresponde a
uma modalidade de ensino paralela e diferenciada em relação ao ensino regular cujo
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objetivo primordial é o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Independente
do uso da expressão educação profissional ou ensino profissional para nomear as ações
direcionadas ao mundo produtivo, tais denominações não surgem do acaso. Trata-se, na
verdade, de expressões historicamente construídas, cujo conteúdo não se traduz em termos
absolutos e definitivos, mas, sobretudo, na incorporação de dinâmicas socioeconômicas,
políticas e culturais que se apresentam diversificadas e mutáveis, ao longo de cada
momento histórico. (APRILE & BARONE, 2006).
De acordo com Leite (1996) os resultados de uma pesquisa realizada na
indústria metalmecância apontam que formação profissional é valorizada pelas
empresas em sentido análogo e complementar à educação geral. As empresas
privilegiam tanto a formação profissional básica nas respectivas áreas de trabalho, como
a formação contínua, através de cursos de suprimentos que visam capacitar ou reciclar
os trabalhadores na operação de novas tecnologias de produtos, processo e ou de
gestão, bem como a atualizar ou adquirir conhecimento técnico-operacionais que
passam ser aplicados no trabalho.
Franco (1998) mostra sua preocupação com o universo de incertezas e ausência
de clareza quanto ao tipo de formação profissional as pessoas deveriam receber, para se
adequar ou adaptar às transformações. Para essa autora a ressignificação dos processos
de formação dos trabalhadores ainda está acontecendo. Surgem nesse contexto novos
termos como educação profissional e reconversão, sem contudo um consenso sobre os
termos mais adequados.
Para
Franco(1998)
os
termos
formação
profissional,
qualificação,
requalificação, capacitação dentre outros ganham complexidade e novos significados
em conseqüência da nova realidade produtiva e organizacional do trabalho e dos
diversos discursos das ideologias geradas sobre a questão da formação no contexto das
grandes transformações.
No contexto brasileiro, onde a educação básica tem se deteriorado nas últimas décadas e,
por tradição, a formação técnico-profissional tem sido ambígua no campo técnicoempresarial, o mercado. Esta concepção é ambígua e tende a reduzir a educação
ao
atendimento às necessidades do mercado de trabalho e à lógica empresarial.
(Franco, 1998, pág. 106).
Nessa perspectiva, a autora acima acrescenta o risco da “ideologização” no
sentido de assumir uma idéia comum, empresa-trabalhador, sem passar por efetivas
transformações nas relações de trabalho, bem como mudanças reais nas condições
laborais e das condições de vida.
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2.3.1 - Qualificação x Competências: uma discussão vigente nos tempos atuais.
No bojo dessas transformações a questão da qualificação não poderia deixar de
aparecer como uma tônica central. Nesse contexto, a concepção de qualificação
tecnicista, ancorada nas normas previamente estabelecidas pelas empresas, está
convivendo ou sendo substituída por uma outra concepção, que vem sendo designada
modelo de competência.
O termo “competência” ganhou uma significativa relevância em função das
mudanças econômicas, socioculturais e políticas ocorridas nas últimas décadas. Trata-se
de uma temática de interesse de muitos pesquisadores e profissionais ligados aos
sistemas formativo e produtivo, tendo como referência diversas áreas, sobretudo, da
Psicologia, da Sociologia do Trabalho e da Educação.
Zarifian (2001) acredita que para compreender a emergência da competência, é
necessário fazer um desvio pelas mutações do trabalho, focando em três conceitos
principais que justificam a emergência do modelo de competências para a gestão das
organizações: evento, comunicação e serviço.
Partindo desses três eixos centrais acerca das transformações ocorridas no
trabalho o autor define competências como sendo “uma inteligência prática de situações
que se apóiam nos conhecimentos adquiridos e os transformam com quanto mais força,
quanto mais aumenta a complexidade das situações”(Zarifian, 2001).
De acordo com Soares et al (1999), os resultados da pesquisa realizada
sobre Políticas de Formação Profissional em Minas Gerais, revelam que há demanda
por novos conhecimentos, que vão muito além das antigas tarefas básicas do trabalhador
e visam o seu maior envolvimento com os objetivos da empresa. A pesquisa apontou o
surgimento de novas atividades que demandam do trabalhador capacidades mentais
dinâmicas e habilidades de raciocínio abstrato, como o domínio de operações e
processos distintos de manuseio de equipamentos e operações diferentes, requerendo
grande plasticidade mental e conhecimento global do processo produtivo.
Para Zarifian (2001) trata-se de uma nova construção da qualificação, já que
a noção de qualificação estava subjacente ao posto de trabalho enquanto a lógica da
competência é centrada no individuo.
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A qualificação é usualmente definida pelos requisitos associados à posição, ou ao cargo, ou
pelos saberes ou estoque de conhecimentos da pessoa, os quais podem ser classificados e
certificados pelo sistema educacional. Já o conceito de competência procura ir além do
conceito de qualificação: refere-se à capacidade de a pessoa assumir iniciativas, ir além das
atividades prescritas, ser capaz de compreender e dominar novas situações no trabalho,
ser responsável e ser reconhecido por isso (Zarifian, 1994:111).
Observa-se, contudo, muitos estudiosos e sindicalistas preocupados com os
rumos da flexibilização e da inserção da lógica de competências, uma vez que
consideram essa “lógica” com conseqüências negativas para o trabalhador.
Segundo Alves (2000), ao constituir uma rede de subcontratação complexa,
o capital tende a criar uma polarização na classe operária, constituindo, por um lado,
uma “elite” de novos operários polivalentes (e mais qualificados), inseridos no novo
estranhamento capitalista, convivendo no interior de uma cadeia produtiva, com uma
classe operária com estatutos salariais precários e segmentados.
Este autor evidencia uma preocupação com a captura da subjetividade
operária nesse contexto de reestruturação, uma vez que o treinamento dos operários
assume além do caráter técnico-operacional, o aspecto comportamental (ou
motivacional). Assim, a idéia de “qualificação” amplia de conhecimentos/habilidades,
para o conceito de competência ou capacidade de agir, intervir, decidir em situações
nem sempre previstas ou previsíveis (o que exige uma postura operária pró-ativa ou
propositiva).
Fleury (1997) por outro lado,
concebe um modelo que procura novas
alternativas de aprendizagem organizacional, e que contempla tanto as dimensões da
inteligência, como o domínio das situações de imprevistos. Este autor designa esse
modelo de organização qualificante, cuja proposta considera a explicitação da
estratégica
empresarial
em
nível
dos
próprios
empregados,
permitindo
o
desenvolvimento da co-responsabilidade em torno de objetivos comuns, trazendo um
conteúdo dinâmico à competência profissional, que mobiliza os trabalhadores
investirem em projetos de melhoria permanente.
Hirata (1994) chama a atenção para a multidimensionalidade do conceito de
qualificação, pois esta compreende, de um lado, a qualificação do emprego (conjunto de
exigências definidas a partir do posto de trabalho), qualificação do trabalhador
(conjunto de atributos dos trabalhadores, mais amplo que o primeiro por incluir as
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qualificações sociais ou tácitas) e qualificação como relação social, historicamente
redefinida entre capital e trabalho.
Para Kuenzer (2003) as novas demandas de competência trazidas pela
mediação da base microeletrônica implicam no desenvolvimento de novas formas de
disciplinamento da força de trabalho para atender às exigências de produção. Sob o
ponto de vista dos processos educativos propostos para o desenvolvimento de
competências, a autora considera aspectos positivos que devem ser destacados, tais
como a mudança de eixo na relação entre trabalho e educação, que deixa de priorizar os
modos de fazer para contemplar a articulação entre as diferentes formas e intensidades
de conhecimento, tácito e científico com foco no trabalhador.
A mesma autora afirma por outro lado, que do ponto de vista das formas de
organização e gestão da força de trabalho, baseados no toyotismo, resulta em
intensificação e precarização, com um uso cada vez mais predatório e desumano da
força de trabalho.
Deluiz (2001) chama atenção para o fato de que a empresa apropria das
competências dos trabalhadores, de seus saberes em ação, dos seus talentos, de sua
capacidade de inovar, de sua criatividade e de sua autonomia, mas necessariamente não
se compromete com os processos de formação/construção das competências. Sendo
assim, atribui-se aos trabalhadores a responsabilidade individual de atualizar
continuamente.
Fidalgo e Fidalgo (2005), estabelecem uma dialética em relação à certificação
profissional baseada em competência. Por um lado ela representa a possibilidade de os
trabalhadores verem reconhecidos conhecimentos e habilidades e de superarem
barreiras de ingresso nos mercados de trabalho e nos processo formativos formais. Por
outro lado, a certificação também representa a possibilidade de construção de percursos
profissionais mais flexíveis, tornando-os “reféns” das estratégias de qualidade e
produtividade das empresas e das oscilações do mercado de trabalho.
Com relação às políticas educacionais, essa temática ganha mais força na
década de noventa, quando as mudanças implementadas no Brasil, através da reforma
educacional com a Lei 9394/96 (LDB), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Profissional, e Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional, assumem como concepção orientadora o modelo das competências.
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Um aspecto que muito preocupa os críticos acadêmicos é a idéia de
substituição do termo qualificação por competência. Para Manfredi (1998), há, no nível
das concepções e representações, um movimento no sentido de substituir a noção de
qualificação pelo chamado modelo da competência.
Essa autora revela que as pesquisas realizadas acerca das diversas
concepções sobre as expressões qualificação e competência, demonstraram que ambas
parecem ter matrizes distintas. A noção de qualificação está associada ao repertório
teórico das ciências sociais, ao passo que o de competência está historicamente
ancorado nos conceitos de capacidades e habilidades, constructos herdados das ciências
humanas - da psicologia, educação e lingüística.
Para Fidaldo e Fidalgo (2005), competência ainda é tratada como noção, uma
vez que ainda não constitui uma definição instituída de forma a referenciá-la como um
conceito formal. Contudo assinala o autor:
... Mesmo que ainda se trate de uma imprecisão conceitual, podem ser vislumbrados
um
corpo teórico e uma lógica definida, que embora não se configurem de forma consensual
ou legítima, já permitem identificar o
ideário que fundamenta essa nova forma de
regulação das relações de trabalho. (Fidalgo e Fidalgo, pág. 140).
Deluiz (2004) reconhece as novas tendências em relação ao trabalho, que o
torna mais abstrato, mais intelectualizado, mais autônomo, coletivo e complexo. “O
próprio objeto do trabalho tornar-se imaterial: informações, ‘signos’, linguagens
simbólicas’”. Nesse sentido essa autora comenta que as características do trabalho nos
setores onde vigoram os novos conceitos de produção, com uso da tecnologia
informacional e mudanças organizacionais, tornam questionáveis noções como
qualificação para o posto de trabalho ou qualificação do emprego. O contexto requer um
conjunto de competências e habilidades, saberes e conhecimentos, que provêm de várias
instâncias:
formação
geral
(conhecimento
científico),
formação
profissional
(conhecimento técnico) e da experiência do trabalho e social (qualificações tácitas).
Contudo, Deluiz (2004) vai além, uma vez que não só reconhece a importância
desse conjunto de competências e habilidades, mas ressalta que, para além desses
atributos, a qualificação real do trabalhador não se constitui como estoque de
conhecimentos e habilidades, fixo no tempo, mas como fluxo, afirma:
... Os saberes tácitos, incorporados ao longo da trajetória profissional, têm uma
historicidade, e vêm, de certa forma, sendo utilizados e apropriados pelas empresas desde o
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modelo taylorista/fordista. O problema que se coloca, hoje, é a necessidade das empresas e
do próprio sistema formador de formalizar essa qualificação real, esse conjunto de
competências que está muito mais ao nível da subjetividade/intersubjetividae do
trabalhador do que as qualificações anteriormente prescritas. (Deluiz, 2004,)
Há que se ressaltar na visão de Deluiz (2004), no entanto, alguns riscos da
“abordagem das competências”, tais como a visão adequacionista da formação, voltada
para o atendimento exclusivo às necessidades da reestruturação econômica e às
exigências empresariais, tornando-a instrumentalizante e tecnicista. Outro risco ao
apropriar-se desse conceito de forma acrítica seria não considerar que as competências e
seu conteúdo subjetivo e individual, são construídas ao longo da trajetória da vida
profissional do trabalhador, o qual partilha de experiências e práticas coletivas. Um
outro risco apontado pela autora seria a preocupação com o produto ou resultados e não
com o processo de construção dessas competências. Como se estruturam, como se
adquirem e como se transmitem, quem determina quais as competências necessárias ao
trabalho e quais os seus conteúdos.
Nesse sentido percebe-se que não há um consenso entre os estudiosos sobre
o assunto. Para aqueles centrados na nova realidade das organizações,a lógica da
competência parece ser mais adequada ao momento atual. Para os críticos da academia,
no entanto, a lógica da competência não é nada mais do que uma manutenção dos
interesses do capital, corroborando para a estratégia neoliberal.
3. CONSIDERACÕES FINAIS
Observa-se neste estudo inicial, a dificuldade de encontrar homogeneidade
no que se refere aos processos de trabalho, organização e gestão do trabalho,
concepções acerca da formação profissional, qualificação/desqualificação, competência,
etc.
Com a aproximação da escola com o sistema produtivo, a partir das políticas
educacionais orientada pela lógica das competências, aumentam os estudos e debates
sob diversas perspectivas. Uma preocupação evidente surge na academia no sentido de
que o sistema educativo esteja atuando como provedor de intelectuais e trabalhadores à
serviço do mercado ou do capital.
As críticas oriundas da academia em relação à reestruturação produtiva e o
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modelo de competências estão orientadas para as conseqüências tais como:
fragmentação da classe operária e da luta de classes, desemprego, precarização do
trabalho e degradação da relação do homem com a natureza.
Para a organização, diversos seriam os ganhos para o capital, uma vez que a
reestruturação produtiva possibilita redução de custos, aumento da produtividade e
qualidade e como conseqüência maior competitividade no mercado. Contudo, vê-se
também ganhos vantajosos para o trabalhador: autonomia, maior qualificação e
amplitude de saberes (saber fazer, saber ser) e sobretudo, atuar de forma polivalente.
Além disso, conforme Zarifian (2001), o modelo de competências possibilita o resgate
do trabalho ao trabalhador, dando-lhe o poder de pensamento e de ação e apreensão
subjetiva das atividades profissionais.
Trata-se de temáticas bastante complexas, que revelam tanto aspectos
positivos como negativos para o trabalhador, apresentando resultados do ponto de vista
econômico, mais significativo para as empresas. A importância da temática sugere
maior aprofundamento nos estudos realizados acerca do assunto.
Os conceitos e autores trazidos nesse artigo, mostram-se de grande utilidade
para a compreensão das transformações ocorridas no mundo do trabalho e os paradoxos
em relação às linhas de análises, seja no âmbito da gestão, como também na formação
do trabalhador. É preciso, tal como propôs Kuenzer (2003) construir uma proposta que
supere as limitações no tocante ao processo de trabalho e das relações sociais.
No que se refere ao trabalhador da empresa prestadora de serviços, em
especial da Contratada, o terceiro, será dado um tratamento peculiar na pesquisa de
campo, visando verificar como de fato tem sido o caminho da formação profissional
diante da nova realidade do mundo do trabalho. O referencial teórico trazido nesse
artigo será de fundamental importância para a composição da pesquisa de campo.
4 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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um ensaio sobre a formação profissional dos trabalhadores