Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v.1, n.1, p.27-32, 1999
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INFLUÊNCIA DOS SÓLIDOS INSOLÚVEIS NO
COMPORTAMENTO REOLÓGICO DO SUCO DE MANGA
Alexandre José de Melo Queiroz1, José Raniere Mazile Vidal Bezerra2,
Carlos Alberto Gasparetto3
RESUMO
Neste trabalho, estuda-se a influência das diferentes frações de sólidos insolúveis suspensos
presentes no suco de manga (Mangifera indica) sobre o comportamento reológico destes sucos.
As propriedades reológicas foram determinadas em triplicata com um reômetro Haake rotovisco equipado com sistema de medição ZA-30 de cilindros concêntricos à temperatura de 30 0C.
O ajuste das curvas de tensão () versus taxa de deformação (  ) foi feito utilizando o modelo
de Mizrahi-Berk. O fracionamento dos materiais foi obtido pela passagem do material integral
por peneiras com malhas entre 1,18 mm e 0,149 mm. Todas as amostras apresentaram comportamento pseudoplástico. Observou-se que a eliminação das partículas com dimensões superiores a 0,149 mm influenciou aleatoriamente a posição das curvas de tensão versus taxa de deformação, enquanto que a eliminação total dos sólidos insolúveis suspensos provocou redução
nos valores de viscosidade aparente na faixa de taxa de deformação estudada.
Palavras-chave: sólidos solúveis, reologia, suco de manga
INFLUENCE OF INSOLUBLE SOLIDS IN RHEOLOGICAL
BEHAVIOUR OF MANGO JUICE
ABSTRACT
In this work was studied the influence of insoluble solids contents in rheological characteristics
of mango juice. Each type of juice was examined by six fractions divided into four sieved
(mesh sizes between 1,18 mm and 0,149 mm), one centrifuged and another integral, representing six contents of insoluble suspended solids. The rheometric data were collected by means of
Haake rotovisco rheometer equipped with measuring system ZA-30 and experimental data were
adjusted by Mizrahi-Berk model. All materials showed pseudoplastic behaviour. The partial
extraction of insoluble solids influenced randomly its rheological behaviour where’s total elimination reduced the apparent viscosity.
Keywords: insoluble solids, rheological, mango juice
Trabalho Revisado pela Professora Sandra Maria Couto da Universidade Federal de Viçosa, Ph.D. pela Universidade de Purdue
1
Professor Doutor do Departamento de Engenharia Agrícolas da UFPB, Av. Aprígio Veloso No. 882,
CEP 58.109-970, Campina Grande–PB Fone (083) 310-1287, e-mail [email protected]
2
Doutorando em Engenharia de Alimentos da UNICAMP, C.P. 6121, Campinas – SP
3
Professor Doutor do Departamento de Engenharia de Alimentos da UNIACMP, C.P. 6121, Campinas – SP
28
Influência dos sólidos insolúveis no comportamento reológico do suco de manga
INTRODUÇÃO
Para o processamento de frutas in natura
na forma de sucos, néctares, etc., exige-se uma
série de conhecimentos a respeito das características destes produtos, com vistas à adaptação
dos processos e das instalações industriais às
suas exigências específicas. Dentre estas características, incluem-se as propriedades reológicas, importantes na otimização, no controle e
nos cálculos de processos de bombeamento,
transporte em tubulações, etc.
As propriedades reológicas dos sucos de
frutas apresenta, em maior ou menor grau, relação direta com o teor de sólidos suspensos,
conforme relatado por diversos autores trabalhando com sucos de diferentes frutos (tomate:
Hand et al., 1955 e Whittemberger & Nutting,
1957; pêra, pêssego e maçã: Saravacos, 1970;
damasco: Costell et al. 1982 e Trifirò et al.,
1987; maçã: Qiu & Rao, 1988 e Missaire et al.
1991; abacaxi: Queiroz et al., 1997; manga:
Bezerra, 1997).
Neste trabalho, estuda-se o comportamento reológico de sucos de manga à temperatura de 30oC, sob a influência de seis teores de
sólidos insolúveis suspensos cujas dimensões
de partículas se situam entre zero e 1,6 mm. Os
dados de tensão de cisalhamento versus taxa de
deformação foram ajustados pelos modelos de
Mizrahi-Berk.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizadas mangas da variedade
keith, colhidas em janeiro de 1996, provenientes da região sul de Minas Gerais e adquiridas
na CEASA de Campinas, SP.
Após a aquisição, as mangas inteiras
foram lavadas, descascadas e tiveram separadas
a polpa do caroço. As polpas foram processadas
em despolpadeira com tela de 1.6mm de abertura de malha até a passagem completa de todo
o material, dando origem ao produto básico que
foi denominado de suco integral com 16,7oBrix.
Três tipos de amostra foram usados nos
ensaios experimentais. O primeiro tipo correspondeu a amostras do suco integral básico. As
amostras de suco do segundo tipo continham
sólidos insolúveis suspensos de diferentes dimensões e quantidades. Para a obtenção destas
amostras, o suco integral básico foi submetido a
peneiramentos em peneiras de aço inoxidável
com malhas de quatro tamanhos (1,18mm,
0,84mm, 0,59mm e 0,149mm). O processo de
peneiramento, foi realizado por um tempo de 60
Queiroz et al.
minutos para cada amostra com o auxílio de um
agitador mecânico, marca Produtest, ajustado
para seu nível máximo de agitação. O material
resultante da passagem do suco integral em
cada malha foi dado como produto de cada uma
delas. O terceiro tipo de amostra foi obtido da
amostra de suco integral básico, pela sua centrifugação a 15.000 rpm por 40 minutos com o
objetivo de reduzir, teoricamente, os sólidos
insolúveis a zero. O total de amostras de material para as medidas reológicas foi obtido tomando o material integral, quatro peneirados e
um centrifugado, em três repetições, perfazendo
18 amostras.
As propriedades reológicas foram determinadas em triplicata com as amostras à temperatura de 30oC, utilizando-se um reômetro
Haake rotovisco equipado com sistema de medição ZA-30 de cilindros concêntricos. Após os
ensaios reológicos, eram determinados os teores
de sólidos insolúveis. Esta determinação foi
realizada pelo método Adolfo Lutz, n 13.6.4
(Lara et al., 1976).
O ajuste das curvas de tensão () versus
taxa de deformação (  ) foi feito na faixa de
taxa de deformação compreendida entre 110 e
300 s-1 , utilizando o modelo de Mizrahi-Berk,
obtido pela modificação da equação de Casson
e proposto (MIZRAHI & BERK, 1972) para ser
utilizado no estudo do escoamento de suco de
laranja concentrado e suspensões de partículas
interagindo entre si em um meio pseudoplástico:
1/ 2  K 0 M  K M  n M
(01)
em que
K0 M = raíz quadrada da tensão inicial
KM
= fator de consistência
nM
= índice de comportamento de fluxo
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Comportamento reológico
No Quadro 1 apresentam-se os valores
dos coeficientes das equações de ajuste segundo
o modelo de Mizrahi-Berk que descreve o
comportamento reológico dos sucos de manga.
São também apresentados os índices de ajuste
qui-quadrado (2), soma dos quadrados dos
desvios (SSR) e coeficiente de regressão (R2).
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Pela aplicação dos coeficientes obtém-se que
todas as frações de suco de manga, inclusive a
fração centrifugada, apresentaram comportamento pseudoplástico. Este comportamento
condiz com os resultados obtidos por autores
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diversos para sucos contendo sólidos suspensos
(Vitali & Rao, 1984, Trifirò et al., 1987) e sucos contendo pectina (Holdsworth, 1971, Manohar et al., 1990).
Quadro 1 - Parâmetros do modelo de Mizrahi-Berk para as frações de manga
Integral
1,18mm
0,84mm
0,59mm
0,149mm
Centrifugado
KoM
3,99795
3,76714
4,14844
3,29392
6,80785
-1,60562
KM
0,66591
0,43062
0,77619
0,53068
0,17683
1,6288
nM
0,37083
0,41055
0,35468
0,38236
0,56012
0,2353
2
0,0004
0,0003
0,0002
0,0002
0,0001
1,6x10-6
SSR
0,0004
0,00032
0,00015
0,0003
0,001
0,00002
R2
0,99989
0,99989
0,99996
0,99993
0,99976
0,99999
Na Figura 1 tem-se as relações entre tensão de cisalhamento e taxa de deformação para
sucos de manga ajustadas pelo modelo de Mizrahi-Berk.
Analisando as curvas da Figura 1 e considerando, por hipótese, que à redução global
da quantidade de sólidos insolúveis corresponderia uma diminuição nas viscosidades aparentes para as taxas de deformação estudadas, esta
hipótese só seria confirmada pela curva que
representa a fração centrifugada. O comportamento das curvas representando os peneirados
e a fração integral não apresenta qualquer tendência que faça supor que a maior ou menor
quantidade de sólidos insolúveis, extraída por
cada uma das malhas, tenha sido causa de reduções das tensões de cisalhamento para taxas
de deformação idênticas. Exemplo disto é a
curva referente a fração 0,149 mm que, apesar
de representar à fração passada na menor das
aberturas de malha, está posicionada na região
de maiores tensões de cisalhamento. Não se
encontrou referências na literatura reportando
tal comportamento reológico de sucos de frutas
quando da eliminação parcial (partículas de
tamanho intermediário) de seus sólidos insolúveis.
A curva representando o comportamento
do material integral encontra-se mais abaixo,
sendo superada também pela curva das frações
da peneira 1,18 mm e superando, além do centrifugado, apenas as frações das peneiras 1,18
mm e 0,84 mm. Nota-se ainda que nos materiais das peneiras 0,84 mm e 0,59 mm foram
medidos praticamente os mesmos teores de
sólidos insolúveis (Quadro 2) mas as suas curvas não coincidem, o que reforça o indício de
que o teor destes sólidos, dentro da faixa obtida
com as malhas de 1,6 mm até 0,149 mm, teve
um efeito aleatório na faixa de tensões de cisalhamento e taxas de deformação estudadas.
Viscosidade aparente
As viscosidades aparentes a 300s-1 obtidas para as seis frações estão apresentadas no
Quadro 2. Pode-se observar a não diminuição
pontual destas viscosidades com a redução
gradual nos teores de sólidos. Ao contrário, as
reduções foram acompanhadas por variações
aparentemente aleatórias nos valores de viscosidade. Os números referentes a esta propriedade nos peneirados variaram em valores superiores e inferiores ao medido na fração integral.
No mesmo quadro foi feita uma análise
da viscosidade aparente de cada fração relacionando-a à viscosidade aparente da fração
obtida na malha da despolpadeira.
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Influência dos sólidos insolúveis no comportamento reológico do suco de manga
Queiroz et al.
Tensão de cisalhamento (Pa)
12
0,5
10
8
6
centrifugado
0,59mm
1,18mm
0,149mm
0,84mm
integral
250
300
4
150
200
Taxa de deformacão (1/s)
Figura 1 - Pontos experimentais representando as relações entre tensão de cisalhamento e taxa de deformação para manga, com as respectivas curvas de ajuste pelo modelo de Mizrahi-Berk.
Quadro 2 - Variação da viscosidade aparente de cada fração de suco de manga em relação à viscosidade
aparente da fração integral. Relações entre esta variação de viscosidade e a variação do teor de
SIS(**) de cada fração em relação à fração integral. Relação entre viscosidade aparente e teor
de SIS de cada fração.
PENEIRADOS
INTEGRAL
(#1,60m)
(#1,18 mm)
(#0,84 mm)
(#0,59 mm)
(#0,149 mm)
CENTRIFUGADO
SÓLIDOS INSOLÚVEIS
(g/100g)
1,02
0,94
0,77
0,79
0,59
0,00(*)
VISCOSIDADE APARENTE A 300 S-1
(mPa.s)
302,4
226,0
335,1
212,6
412,5
70,4
REDUÇÃO (%) DE
SÓLIDOS INSOLÚVEIS
VARIAÇÃO (%) DE
VISCOSIDADE EM
RELAÇÃO A FRAÇÃO
INTEGRAL
RELAÇÃO ENTRE
VISCOSIDADE E TEOR
DE SIS
(mPa.s.100g/g)
-
8
25
23
42
-
-
-25
+11
-30
+36
-77
296,5
240,4
435,2
269,1
699,1
-
#: malha
(*) : valor teórico
(-): redução
(+): acréscimo
(**): Sólidos insolúveis suspensos
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Viscosidade aparente (mPa.s)
Para uma redução de sólidos de 8% a
42% corresponderam variações de viscosidade
aparente entre -30% a +36% (212 a 412 mPa.s),
sem que a valores decrescentes de sólidos correspondessem valores decrescentes de viscosidade. Em torno do valor da viscosidade aparente da fração integral (302,4 mPa.s) alternaram-se para mais e para menos os valores de
viscosidade dos peneirados. Assim observa-se
que à retirada de 8% nos sólidos insolúveis da
fração integral pela peneira 1,18 mm corresponde uma redução de 25%, mas a viscosidade
aparente aumenta em 11%. A peneira subsequente (0,59 mm) manteve os sólidos insolúveis
em praticamente os mesmos níveis da anterior,
porém, na viscosidade é medida uma redução
de 30%. À maior redução de sólidos insolúveis
(42%, peneira 0,149 mm) correspondeu a maior
viscosidade entre todas as frações, superando a
viscosidade da fração integral em 36%. Observa-se, entretanto, que quando o teor destes sólidos se aproxima de zero (fração centrifugada)
a viscosidade cai quase 67% em relação a
menor viscosidade medida nos peneirados (70,4
contra 212,6 mPa.s da peneira 0,59 mm).
Estes dados levam à conclusão de que a
retenção dos sólidos insolúveis desde a peneira
1,18 mm até a peneira 0,149 mm não apresentaram qualquer efeito de redução sobre viscosidade. Por outro lado observa-se o contrário dos
cerca de 58% eliminados em centrífuga com
tamanho de partícula passadas em malha de
0,149 mm. Esta conclusão coincide com o resultado relatado por QIU & RAO (1988) que,
trabalhando com compota de maçã, verificaram
que o aumento na viscosidade estava relacionado com o decréscimo no tamanho das partículas. A discrepância em relação a outros tra-
31
balhos (Jinescu, 1974, Missaire, 1991) estaria
relacionada ao caráter estruturado da compota.
A fim de averiguar a proporção em que
os sólidos insolúveis influenciaram as viscosidades aparentes das frações a 300 s-1, dividiu-se
a viscosidade calculada para cada fração pelo
teor de sólidos insolúveis (Quadro 2). Os valores das relações viscosidade / sólidos insolúveis
variaram entre o mínimo de 240,4 mPa.s.100g/g
na malha 1,18 mm e o máximo de 699,1
mPa.s.100g/g na malha 0,149 mm correspondendo a 191%, oscilando entre estes extremos
em cada um dos peneiramentos inclusive a fração integral. Pela ordem, após a malha 1,18 mm
com 240,4 mPa.s.100g/g vem a malha 0,59
mm, com 269,1 mPa.s.100g/g, fração integral
com 296,5 mPa.s.100g/g, a malha 0,84 mm
com 435,2 mPa.s.100g/g e finalmente a 0,149
mm com 699,1 mPa.s.100g/g. Apesar da variabilidade destes números, percebe-se pela Figura
2 que as viscosidades não apresentam tendência
à redução com a retenção dos sólidos obtida nos
peneiramentos.
Pela Figura 2 é possível observar o
comportamento aleatório da viscosidade aparente em toda a faixa de sólidos insolúveis de
1,02 a 0,59 g/100g. Na faixa de sólidos insolúveis entre 0,79 e 1,02 g/100g os valores de viscosidade aparente, para a taxa de deformação de
300 s-1, oscilaram em torno de 250 mPa.s. No
teor de sólidos insolúveis igual a 0,59 g/100g,
passado na peneira 0,149 mm, o valor da viscosidade aparente à mesma taxa de deformação
superam os 400 mPa.s. Com o teor de sólidos
insolúveis levado a zero pela centrifugação,
verifica-se então, redução de viscosidade aparente.
400
300
200
100
0
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
Teor de sólidos insolúveis (g/100g)
Figura 2 - Viscosidade aparente a 300 s-1 das frações de suco de manga para seus respectivos teores
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Influência dos sólidos insolúveis no comportamento reológico do suco de manga
Queiroz et al.
de sólidos.
CONCLUSÕES
1. A diminuição gradual no teor de sólidos
insolúveis suspensos pelos peneiramentos
não implicou, como consequência, em redução de viscosidades aparentes;
2. Os sólidos insolúveis suspensos com dimensões superiores a 0,149 mm influenciaram aleatoriamente a posição das curvas de
tensão versus taxa de deformação;
3. A eliminação total dos sólidos insolúveis
suspensos, na centrifugação, resultou em
decréscimo de viscosidade aparente o que,
em conjunto com a conclusão anterior, indica que as dimensões dos sólidos insolúveis
suspensos que mais afetaram a reologia dos
sucos de manga situaram-se entre zero e
0,149 mm.
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