Tema 1 Rev. Medicina Desportiva informa, 2015, 6 (5), pp. 9–11 Movimento Paradoxal das Cordas Vocais Induzido pelo Exercício Dra. Ana Pereira da Silva1, Dra. Sara Sena Esteves1, Dra. Telma Feliciano3, Dra.Cecília Almeida e Sousa4 1 Interna de Otorrinolaringologia e 2Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial; 3Diretora do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial. Centro Hospitalar do Porto. RESUMO / ABSTRACT O movimento paradoxal das cordas vocais (MPCV) caracteriza-se pela adução intermitente das cordas vocais durante a respiração, que provoca uma obstrução de gravidade variável da via aérea superior. Caracteriza-se por sintomas respiratórios, como dispneia de esforço, estridor, sibilos, tosse ou disfonia, associando-se geralmente a esforços físicos. Em atletas profissionais com sintomas respiratórios agudos durante o exercício físico deve manter-se um nível de suspeição elevado para evitar diagnósticos e tratamentos inadequados. A abordagem destes doentes é multidisciplinar, incluindo sempre o exame laringológico e a terapia da fala, que pode ser complementada com acompanhamento psicológico e/ou farmacológico com o objectivo de abolir as crises. Paradoxical vocal cord motion disorder is characterized by intermittent adduction of the vocal cords while breathing, which produces a variable degree of upper airway obstruction. It is characterized by respiratory symptoms, such as exertional dyspnea, stridor, wheezing, cough or dysphonia, frequently associated with physical efforts. On professional athletes with acute respiratory symptoms during exercise it should be kept a high level of suspicion to avoid inappropriate diagnosis and treatment. The long term treatment is multidisciplinary and it must include a laryngological examination and speech therapy. Psychological and/or pharmacological treatments can also help to control the crises. PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS Movimento paradoxal das cordas vocais, dispneia de esforço Paradoxical vocal cord motion disorder, exertional dyspnea Introdução No indivíduo saudável durante a inspiração observa-se a contração dos músculos cricoaritenoideus posteriores e consequente abdução das cordas vocais, o que permite a passagem de ar para o segmento traqueo-brônquico1,2. Aquando da expiração verifica-se a diminuição da tonicidade dos músculos cricoaritenoideus posteriores e a contração dos músculos cricoaritenoideus laterais (Fig. 1), que resultam na diminuição de 10 a 40% da fenda glótica. Estes movimentos são controlados pelo centro respiratório medular através do nervo vago3,4. O movimento paradoxal das cordas vocais (MPCV) caracteriza-se pela adução paradoxal das cordas vocais durante a respiração, mais frequentemente na inspiração. Durante os períodos assintomáticos a função das cordas vocais decorre dentro da normalidade5. Esta entidade tem sido igualmente designada por disfunção das cordas vocais, estridor de Munchausen, laringoespasmo paroxístico episódico, estridor psicogénico ou asma fictícia, entre outros6,7,8. Incidência e prevalência A incidência e prevalência desta patologia na população geral não são conhecidas. Em 1997, Kenn et al relataram uma prevalência de 2,8% de MPCV em 1025 doentes com dispneia9. Diversos estudos realizados em atletas previamente diagnosticados com asma induzida (Fig. 1) pelo exercício identificaram MPCV em cerca de 3 a 12% destes indivíduos5,10,11. O MPCV afeta maioritariamente crianças e adultos jovens com uma idade média de 14.5 anos na infância/juventude e de 33 anos na idade adulta13,21. Tem sido igualmente descrito em recém-nascidos, possivelmente devido à maior prevalência de refluxo faringolaríngeo. O sexo feminino é o mais afetado com uma proporção de cerca de 2:112. O MPCV associado ao exercício representa cerca de 14% dos casos diagnosticados22. Ocorre predominantemente em jovens atletas do sexo feminino que se apresentam com dispneia e por vezes estridor desencadeados pelo exercício16,23,24. Não parece existir uma predileção por um desporto específico, tendo sido descrito em atletas de diversas modalidades como esqui, boxe, futebol ou patinagem artística25. Considerando a falta de sensibilização para esta patologia e o facto de durante as crises os doentes geralmente não serem avaliados por um otorrinolaringologista e não ser realizada a laringoscopia, a prevalência e incidência de MPCV poderá ser mais elevada do que o estimado5. Fisiopatologia A fisiopatologia exacta do MPCV ainda não se encontra esclarecida, tendo sido sugeridos quatro mecanismos patogénicos que poderão estar na sua origem: a hiper-reatividade laríngea, a alteração do equilíbrio autónomo (mantido por estruturas presentes na medula espinhal, mesencéfalo e córtex pré-frontal), a estimulação direta das terminações nervosas no sistema respiratório e a hiperventilação. A etiologia do MPCV é provavelmente multifatorial e pode ser precipitado, quer por estímulos orgânicos, como o refluxo faringolaríngeo, quer por estímulos inorgânicos, como o stress emocional12. Os estímulos irritantes laríngeos podem originar a adução reflexa das cordas vocais e, desta forma, serem responsáveis pelo MPCV. O refluxo faringolaríngeo é uma das causas mais frequentes de irritação da mucosa laríngea e tem sido identificado em doentes com esta patologia. No trabalho publicado por Powell et al em 2000, 19 em 22 indivíduos menores de idade com MPCV apresentavam sinais característicos de refluxo faringolaríngeo na laringoscopia13. Numa série de 831 doentes com MPCV, em que 46 eram atletas de elite, verificou-se que neste subgrupo eram significativamente menos frequentes os diagnósticos de Revista de Medicina Desportiva informa Setembro 2015 · 9