UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS E DAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES LOCAIS PARA O SUCESSO DA SUSTENTABILIDADE FELIPE SEGALA FERREIRA LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL 2007 FELIPE SEGALA FERREIRA A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS E DAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES LOCAIS PARA O SUCESSO DA SUSTENTABILIDADE Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais, para a obtenção do título de Especialização. Prof. Marco Aurélio Leite Fontes UFLA (Orientador) LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL 2007 FELIPE SEGALA FERREIRA A CRIAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS E DAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES LOCAIS PARA O SUCESSO DA SUSTENTABILIDADE Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais, para a obtenção do título de Especialização. APROVADA em ...... de ...... de 2007 Prof. Prof. Prof. Marco Aurélio Leite Fontes UFLA (Orientador) LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL 2007 SUMÁRIO Página 1 – Introdução............................................................................................... 5 2 – Entendendo o conceito de Desenvolvimento Sustentável.................... 6 3 – Unidades de Conservação de Uso Sustentável no Brasil..................... 3.1 – Áreas de Proteção Ambiental (APA)................................................ 3.2 – Áreas de Relevante Interesse Ecológico (Arie)................................. 3.3 – Florestas Nacionais (Flonas)........................................................... 3.4 – Reservas Extrativistas (Resex)......................................................... 3.5 – Reservas de Fauna (REF)................................................................. 3.6 – Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS).............................. 9 10 10 11 11 12 13 4 – A criação das Reservas Extrativistas e das Reservas de 14 Desenvolvimento Sustentável e suas relações com as comunidades locais............................................................................................................... 5 – Considerações finais............................................................................... 32 6- Referências bibliográficas........................................................................ 35 Anexos......................................................................................................... 4 39 1 – Introdução Conservar comunidades biológicas inalteradas é a forma mais eficaz de garantir a preservação da biodiversidade como um todo. Manter espécies em cativeiro é um expediente efetivo, mas a disponibilidade finita de recursos e de conhecimentos permite que apenas uma pequena parcela seja preservada dessa maneira. Propostas de preservação como a implementação de áreas protegidas tem sido uma das alternativas mais utilizadas. Há uma grande controvérsia envolvida, mas ainda é consenso, que as unidades de conservação são uma importante medida de proteção e conservação da biodiversidade em tempos de grande ameaça (Laurance et al., 2004). Considerar como a solução do problema da preservação biológica apenas uma legislação e a aquisição de terras, talvez não seja o meio mais eficaz, porém é um gatilho inicial. As unidades de conservação, especialmente aquelas de uso sustentado, têm assumido naturalmente um papel fundamental na conservação. Para a criação das áreas protegidas dois mecanismos principais são utilizados: a ação governamental (nacional, estadual ou municipal) e a aquisição de terras por pessoas físicas e organizações de conservação. Os governos podem estabelecer tais áreas e criar uma legislação que permita níveis na sua utilização comercial dos recursos, utilização tradicional pela população local e utilização para recreação. Algumas organizações nãogovernamentais (ONG’s) tais como a Fundação Boticário, a Fundação Biodiversitas, a Nature Conservancy e a Audubon Society estabeleceram áreas protegidas (Grove, 1988). Parcerias entre governo e ONG’s internacionais de conservação, bancos multinacionais e os governos de países ricos tem sido uma prática 5 comum. Uma outra vertente é o estabelecimento de áreas protegidas por sociedades tradicionais que desejam manter seu modo de vida. O governo federal tem reconhecido os direitos que as sociedades tradicionais têm sobre a terra, embora às vezes isto aconteça após disputas judiciais, na própria terra e na imprensa. Uma vez que as áreas se tornam definitivamente protegidas elas passam para o julgo da legislação pertinente que delimita suas atividades prioritárias e o grau de interferência humana. Este trabalho objetiva descrever a criação das Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, tendo como ponto de partida seu histórico e a necessidade da participação das comunidades locais enquanto atores principais para a consolidação da sustentabilidade das UC’s. 2 – Entendendo o conceito de Desenvolvimento Sustentável É importante definirmos o conceito de desenvolvimento sustentável. Foi na Conferência de Estocolmo, 1972, Organizada pela ONU e onde se reuniu 113 países e 250 organizações não-governamentais que se iniciaram as discussões oficiais sobre as questões ambientais mundiais. A reunião tinha como objetivos: fazer um balanço dos problemas ambientais em todo o mundo; buscar soluções e novas políticas governamentais no sentido de reduzir o grande número de problemas causados pelo desenvolvimento das sociedades, tais como poluição, deterioração dos ambientes e limitação dos recursos naturais; discutir a urbanização acelerada, mal concebida e caótica; debater o caráter global dessas perturbações de origem humana. Porém o conceito de desenvolvimento sustentável apareceu, efetivamente, 6 em 1987, ditado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente – CMMA das Nações Unidas, conhecida como Comissão Brundtland. “[...] um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro [...] é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (IBGE, 2002). A questão econômica, embutida nos pilares da sustentabilidade, conta com o elemento de quatro dimensões, enunciados no Relatório Brundtland, para processo de construção social do desenvolvimento sustentável (MMA-Agenda 21 brasileira, 2004). • A dimensão ética, onde se destaca o reconhecimento de que no almejado equilíbrio ecológico está em jogo mais que um padrão duradouro de organização da sociedade; está em jogo a vida dos seres e da própria espécie humana (gerações futuras); • dimensão temporal, que determina a necessidade de planejar em longo prazo, rompendo com a lógica imediatista, e estabelece o princípio da precaução (adotado 7 em várias convenções internacionais de que o Brasil é signatário e que tem, internamente, força de lei, com a ratificação pelo Congresso); • a dimensão social, que expressa o consenso de que só uma sociedade sustentável - menos desigual e com pluralismo político - pode produzir o desenvolvimento sustentável; • a dimensão prática, que reconhece necessária a mudança de hábitos de produção de consumo e de comportamentos. Segundo Diegues (1992) existe um aspecto positivo no conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja, uma tentativa de resolver as contradições entre o crescimento econômico, a distribuição da renda e a necessidade de conservar os recursos ambientais, não só em benefício das gerações atuais como das futuras. Este, ainda destacou os vínculos do conceito de desenvolvimento sustentável, quais sejam: a base ecológica, a preservação das diversidades genéticas e biológicas e a utilização sustentada das espécies e dos ecossistemas. Uma crítica suscitada por Diegues (1992) diz respeito ao próprio conceito de desenvolvimento como forma de atingir uma melhor qualidade de vida da população. A base do desenvolvimento visa atingir o grau de “sociedade industrializada”, o que claramente envolve consumo exorbitante de energia, artificialmente barata e intensiva em recursos naturais, sobretudo aqueles, vindos dos países do Terceiro Mundo. Essa forma de desenvolvimento é concebivelmente insustentável a médio e longo prazo. Segundo Acselrad (1993), o conceito de desenvolvimento sustentável propõe a introdução de uma nova restrição ambiental ao modelo de desenvolvimento capitalista, sem criticá-lo de maneira substancial; ignora o conflito pelo controle dos recursos naturais e não considera as condições sócio-políticas que regem o poder de controle e o uso destes recursos. 8 3 - Unidades de Conservação de Uso Sustentável no Brasil As unidades de conservação são espaços territoriais (com sua biodiversidade, seus respectivos recursos ambientais, suas águas jurisdicionais etc.) legalmente instituídos pelo poder público, que possuem características naturais relevantes, com objetivos de conservação e com limites bem definidos, operando sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção e diferentes categorias de manejo (MMA, 1998). Existem hoje várias categorias de unidades de conservação que estão regulamentadas no Sistema nacional de Unidades de Conservação (SNUC – Lei N° 9.985), das quais seis delas são de uso sustentável. As “áreas de uso sustentável” (antigamente chamadas de “áreas de uso direto”) promovem uso de recursos naturais renováveis sob regimes de manejo que sustentam a produção enquanto mantendo as funções ecológicas principais do ecossistema natural. Estes incluem Áreas de Proteção Ambiental (APA), Áreas de Relevante Interesse Ecológico (Arie), Florestas Nacionais (FLONAs) (Rankin, 1985; Reis, 1978), que são planejadas para “uso múltiplo”, mas predominantemente visam manejo para madeira, e Reservas Extrativistas (RESEX) (Allegretti, 1990; Fearnside, 1989), que são planejadas para manejo de produtos não-madeireiros, tais como a seringa e a castanha do Pará, Reservas de Fauna (REF) e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), onde os residentes locais fazem o zoneamento da área, designando porções para manejo comunitário de recursos como peixes e madeira, e uma área núcleo que deve permanecer intacta. 9 3.1 - Áreas de Proteção Ambiental (APA) Constituídas por terras públicas ou privadas. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma APA. As condições para a realização de pesquisa científica e visitação pública nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade. Nas áreas sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação, observadas as exigências e restrições legais. A APA terá de um conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente. 3.2 - Áreas de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Áreas geralmente de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional. Têm como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas. A Arie é constituída por terras públicas ou privadas. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em seu interior. 10 3.3 - Florestas Nacionais (Flonas) São áreas com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e têm como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica. Elas são de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. Nas Flonas é admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade. A visitação pública e a pesquisa científica são permitidas, condicionadas às normas estabelecidas para o manejo da unidade pelo órgão responsável por sua administração. A Flona terá de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e, quando for o caso, das populações tradicionais residentes. A unidade desta categoria, quando criada pelo governo estadual ou pela prefeitura, será denominada, respectivamente, Floresta Estadual e Floresta Municipal. 3.4 - Reservas Extrativistas (Resex) São áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Têm como objetivos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. A Resex é de domínio público, com uso concedido às populações 11 extrativistas tradicionais, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. As Reservas Extrativistas serão geridas por um Conselho Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. A visitação pública e a pesquisa científica são permitidas, condicionadas às normas estabelecidas para o manejo da unidade pelo órgão responsável por sua administração. A exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais, complementares às demais atividades desenvolvidas na unidade. Atualmente existem duas modalidades de Reservas Extrativistas: da Amazônia e Marinhas. 3.5 - Reservas de Fauna (REF) São áreas naturais com fauna de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias. Elas são adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável desses animais. São de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. A visitação pública é permitida, desde que compatível com o manejo da unidade e de acordo com as normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração. 12 3.6 - Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) São áreas naturais que abrigam populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações. Essas técnicas tradicionais de manejo estão adaptadas às condições ecológicas locais e desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. A RDS tem como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida das populações tradicionais. Ela se constitui como área de domínio público, sendo que as propriedades particulares incluídas em seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas. A reserva será gerida por um Conselho Deliberativo, constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. Nela é permitida e incentivada a visitação pública e a pesquisa científica voltada à conservação da natureza, à melhor relação das populações residentes com seu meio e à educação ambiental. A exploração de componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável e a substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis são permitidas, desde que sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano de Manejo da área. 13 4 – A criação das Reservas Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável e suas relações com a comunidade local A política de conservação brasileira impõe alguns entraves à criação das unidades de conservação. Governos ao nível federal, estadual e municipal freqüentemente têm prioridades contraditórias para a criação de unidades de conservação. Essas diferenças podem promover a perda de oportunidades de conservação e desenvolvimento sustentável (Fearnside, 2003). A solução prática pode ser criar unidades federais, como as Reservas Extrativistas (RESEX) e as Florestas Nacionais (FLONAs), quando a terra de interesse pertence à União, e unidades estaduais, tais como Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Florestas Estaduais quando é terra dos governos estaduais. No caso da escolha entre RESEX e RDS, que é uma fonte de tensão no Estado do Amazonas, as unidades de conservação são essencialmente equivalentes em termos de efeito no ambiente. Entretanto a exploração madeireira, permitida em projetos de manejo florestal comunitário em RDS, representa um impacto maior na floresta do que a colheita de produtos florestais não-madeireiros em RESEX. Silva (1996) considera que esses são espaços de manejo sustentável, ou seja, aqueles que são submetidos a uma proteção parcial dos atributos naturais, admitida a exploração de partes dos recursos disponíveis em regime de manejo sustentado, sujeito às limitações legais. Porção representativa destas unidades de conservação abriga em seu interior ou nas zonas de amortecimento populações, comunidades, que, por vezes, dependem dos recursos naturais para sua sobrevivência. Sobre o assunto Leme Machado (1999) pondera que, "o fato de um bem ambiental interessar a população local e ao mesmo tempo a toda humanidade não deve conduzir a uma política de menosprezo ou 14 marginalização do interesse local". Não se pode ignorar a significância do tema, tanto pela amplitude do território quanto pela existência de grupos que estão intrinsecamente envolvidos com estes espaços, em diversos casos dependendo destes para sua sobrevivência, a exemplo das populações tradicionais e dos indígenas. O novo eixo normativo centra-se no fenômeno da participação onde, daí, surge uma nova concepção de relação de poder que busca mecanismos alternativos de forma que as políticas públicas atinjam com mais eficiência e eficácia os interessados. Essa assertiva é compartilhada por Demo (1988), que define participação como sendo “um processo centrado na negociação de conflitos e no relacionamento entre atores numa política e que se apresenta como uma nova forma de poder.” Com base na concepção de participação como sendo, segundo Touraine (1973), “o processo mediante o qual os membros de uma sociedade tomam parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens dessa mesma e, sociedade” também fundamentado nos pressupostos legais já mencionados, buscar-se-á, agora, compreender como se dá o nível de participação das comunidades nas Unidades de Conservação tendo como ponto referencial os conceitos de produção, usufruto e gestão. • Produção: A produção, em nível social, ocorre por meio das ações humanas sobre a natureza através do trabalho, e que acabam por gerar bens que podem ser simbólicos ou materiais. Esse processo se efetiva nas UCs na medida em que a lei determina que as comunidades nas categorias de uso direto poderão produzir culturalmente, economicamente e socialmente os seus bens dentro das categorias de uso. 15 • Usufruto: O usufruto também é possível no âmbito do SNUC. Usufruir significa, em linhas gerais, a possibilidade de utilização por parte de uma comunidade de bens e serviços. Tendo como base os aspectos legais, em algumas tipologias de Unidades de Conservação (Unidades de Uso Direto), as comunidades locais poderão utilizar os recursos naturais através de extrações que visem o manejo sustentável. O usufruto também ocorre na medida em que as unidades de conservação fornecem lazer, recreação e renda para as comunidades locais por meio do turismo ecológico; • Gestão: Entende-se como gestão o processo de tomada de decisões, planejamento e administração. A comunidade poderá participar do processo de gestão através dos conselhos consultivos e deliberativos compostos por órgãos governamentais e sociedade civil - de modo a acompanhar o andamento de uma unidade de conservação. Esses conselhos possuem várias atribuições tais como: emitir pareceres, presidir as fases dos planos de manejo, cobrar para que se cumpram as finalidades previstas para as UCs bem como acompanhar a composição de seu orçamento. Feita esta breve exposição e utilizando como referencial as definições de produção, usufruto e gestão, e as disposições legais da lei 9985/2000 que definem as peculiaridades de cada tipo de unidade de conservação, a tabela 1 dá uma dimensão do nível de participação das 16 comunidades nas duas categorias de UCs: as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável. Tabela 1 – Nível de Participação das Comunidades nas Unidades de Uso Sustentável UCs de Uso Sustentável Produção Usufruto Gestão I – Área de Proteção Ambiental Sim Sim Sim II – Área de Relevante Interesse Ecológico Sim Sim Sim III - Floresta Nacional Sim Sim Sim IV - Reserva Extrativista Sim Sim Sim V - Reserva de Fauna Não Não Sim VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Sim Sim Sim Fonte: Lei n.º 9985/2000, art. 14º ao 21º Na Amazônia, a necessidade da utilização dos ambientes protegidos e de seus recursos naturais pelas populações que habitam-na deixa claro que as unidades de conservação de proteção integral, por mais necessárias que sejam, nem sempre consistem na melhor estratégia para proteger boa parte da biodiversidade que se encontra em áreas de ocupação tradicional ou em áreas de alta densidade humana. Na tentativa de viabilizar este aparente dilema, algumas formas recentes e alternativas de gestão e manejo de unidades de conservação de uso sustentado, principalmente na Amazônia, têm produzido grandes resultados nos últimos quinze anos (Allegretti, 1994; Lima-Ayres, 1994; Ayres et al., 1996). Os melhores resultados para modelos da conservação da biodiversidade foram obtidos a partir da criação e manejo de reservas extrativistas (Allegretti, 1992) e o de criação e manejo de reservas de desenvolvimento sustentável (Queiroz, 1994). 17 O extrativista tradicional da Amazônia mora no coração da floresta, vive da coleta das riquezas naturais, borracha, castanha e complementa sua renda com a caça, a pesca, a coleta de frutos como açaí, abacaba e patoá. Quanto ao trabalho, ele não tem vínculo empregatício com o patrão, nem contrato de arrendamento; não é dono da terra, mas tem direito a praticar o extrativismo, contanto que troque a produção pelas mercadorias que o patrão lhe traz; na verdade, troca sua força de trabalho pelo abastecimento de bens não existentes na floresta. O extrativista complementa sua renda com a venda de produtos agrícolas ou de criações, mas ela é drasticamente reduzida, em valores reais, devido aos preços elevadíssimos que é obrigado a pagar pelos gêneros adquiridos ao comerciante. Foram os seringueiros autônomos de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia os primeiros a saírem em defesa do extrativismo, organizando-se desde 1976, para impedir novos desmatamentos de áreas extrativas; estes movimentos foram chamados de "EMPATES" e se estenderam a outras regiões do Acre e mesmo a outros estados (Amazonas e Pará). O Governo Federal começou a refletir sobre a possibilidade de defender o extrativismo, a partir de 1982, quando, no Acre, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, INCRA, e a Superintendência da Borracha, SUDHEVEA, se encontraram frente ao impasse causado pelos projetos de colonização, chamados de Assentamentos Dirigidos, pois os retângulos criados pelo INCRA para assentar colonos desestruturavam o esforço que a SUDHEVEA fazia para aumentar a produção de borracha dos extrativistas, uma vez que o retângulo cortava e desmembrava a "colocação", unidade de produção do seringueiro, formada pela dispersão natural e sinuosa das espécies vegetais. Esta situação deu origem a sérios conflitos entre os vizinhos. 18 Com a participação dos extrativistas e das lideranças sindicais de Rio Branco, Xapuri e Brasiléia foi possível chegar ao consenso de que o mais importante não era ter um título de propriedade individual de uma parcela, mas conservar a capacidade produtiva da floresta e, portanto, não era necessário cortar a terra em pedaços simétricos e retangulares, mas, talvez, encontrar uma forma de assegurar a permanência das famílias nas suas "colocações" exercendo a atividade extrativista. As duas instituições propuseram como solução a "Concessão Real de Uso" do seringal aos seus moradores. Para iniciar, foram propostos, a título de experiência, os projetos Boa Esperança em Sena Madureira e Santa Quitéria em Brasiléia. Infelizmente, por falta de continuidade administrativa nas duas instituições, a proposta não vingou. Houve isso sim, um ponto positivo: foram paralisados os assentamentos tradicionais nos dois projetos e assim muitos seringueiros continuaram nas suas colocações. O aspecto mais importante a analisar durante esta recente evolução histórica do extrativismo é que a prática dos "EMPATES" impeditivos dos desmatamentos, serviram de substrato para o amadurecimento político e social dos extrativistas, na medida em que o "EMPATE" exigia organização e coesão. Estas duas forças foram encontradas mediante o fortalecimento do sindicalismo em cujo seio, e diante da necessidade de manter a união, foi aceito e amadureceu o princípio da "concessão de uso coletiva". É preciso reconhecer que em 1980, influenciados, talvez, pelo processo de parcelamento da terra promovido pelo Governo, os extrativistas desejavam ter lotes individuais. Até hoje há uma minoria que não assimila bem a idéia de não ter um título de propriedade individual de uma parcela. Em 1985, os seringueiros reunidos em Brasília no seu Primeiro Encontro Nacional, solicitaram que se acabasse com a colonização dos seringais e que estes lhes fossem dados em concessão, para que assim 19 pudesse ser mantido o extrativismo. Este pedido visava também solucionar a questão fundiária e proteger a floresta contra as ameaças do desmatamentos, para implantar a exploração pecuária. Este Encontro de Seringueiros é o marco histórico para a oficialização do pedido da criação de "Reservas Extrativistas". Nesta ocasião, a idéia foi amplamente debatida e assimilada pelos participantes, que provinham de diferentes regiões, especialmente da Amazônia. É importante ainda salientar que em 1985, no Brasil estava sendo lançado o Plano Nacional de Reforma Agrária e todas as atenções da sociedade estavam voltadas para este tema. A proposta de criação das Reservas Extrativistas apareceu, então, como a "Reforma Agrária" para os extrativistas, na medida em que a sua criação deveria ser uma forma de legitimar a posse, e de reconhecer os direitos à terra daqueles que nela trabalhavam e viviam há muitos anos. Conclui-se, portanto, que as Reservas Extrativistas, historicamente foram uma proposta, no espírito da Reforma Agrária, isto é, para que a terra cumpra a sua função social. A reserva extrativista, enquanto proposta deve ser entendida como: “a regularização de áreas ocupadas por grupos sociais que têm como fonte de sobrevivência produtos nativos da floresta e que realizam exploração econômica sustentável: [...] as reservas extrativistas atendem a fins de conservação ambiental, de regularização fundiária e de desenvolvimento econômico. Devem portanto se constituir de ecologicamente 20 um modo sustentável socialmente e justo, economicamente viável de ocupar a Amazônia”. (Carta de Curitiba, IEA, 1998) O segundo grande objetivo das Reservas Extrativistas, a defesa do meio ambiente,, estava implícito no primeiro, uma vez que a conquista da terra objetivava manter o extrativismo, e a manutenção do mesmo exigia o respeito à floresta e aos seus recursos. A partir do primeiro encontro de seringueiros, o INCRA passou de novo a se preocupar com o problema. Propôs então como solução através da Portaria N° 627, de 30 de julho de 1987, a criação do Projeto de Assentamento Extrativista - PAE, "destinado à exploração de áreas dotadas de seringais extrativos através de atividades economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, a serem executadas pelas populações que ocupam ou venham a ocupar as mencionadas áreas". A Portaria estabelecia que a destinação da área fosse "mediante concessão de uso em regime comunal, segundo a forma decidida pela comunidade concessionária associativa, condominial ou cooperativista". Este ato oficial do INCRA significava a incorporação das Reservas Extrativistas (sob o nome de Projetos de Assentamentos Extrativistas PAE), ao Plano Nacional de Reforma Agrária. Até abril de 1994 foram criados 10 projetos de assentamento extrativista, 5 no Acre, 3 no Amapá e dois no Amazonas, totalizando 889.548 ha. Apenas 3 deles, no Acre, receberam apoio para sua implantação. Os movimentos sociais participaram desde o início na luta pela defesa do extrativismo e pela procura de soluções, inicialmente para a questão fundiária. Aos poucos as reivindicações foram canalizadas através do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), criado em 1985. Diante do imobilismo dos Projetos de Assentamento Extrativista e diante da pressão 21 social, a nível nacional e internacional pela preservação das florestas, o CNS além de continuar insistindo na criação de Reservas Extrativistas como forma de fazer Reforma Agrária para os extrativistas, passou a defender as reservas como "espaços territoriais destinados à utilização sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis". Esta foi uma nova conquista, pois os extrativistas passaram a melhor entender e defender o cunho ecológico da proposta. Em 1993 o CNS apresentou a seguinte conceituação para reserva extrativista: “as reservas extrativistas devem ser entendidas como parte da luta pela reforma agrária no Brasil, [...] questiona o modelo tradicional de assentamento em lotes agrícolas padronizados, propondo a utilização coletiva da terra. Junta a questão fundiária com a agroecológica propondo novos critérios no apossamento da terra, centrado no uso sustentável dos recursos naturais. A principal característica da reserva extrativista é o resgate da importância do homem numa nova perspectiva de ocupação do espaço amazônico associada à conservação do meio ambiente, onde são levados em consideração os aspectos sociais, culturais e econômicos das populações locais.” O Governo Federal também avançou, mediante a legitimação da Reserva Extrativista no âmbito da política nacional do meio ambiente, possibilitando sua criação a partir da Lei N° 7.804, de 18 de julho de 1989, e regulamentando-a através do Decreto N° 98.897, de 30 de janeiro de 1990. 22 Segundo esta legislação a instituição responsável pelas reservas é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais IBAMA. Segundo a Portaria N° 22-N, de 10 de fevereiro de 1992 do IBAMA, o órgão gestor das questões relativas às reservas é o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais - CNPT. Para o CNS as reservas extrativistas constituem uma primeira forma institucionalizada, legalizada pelo Estado, de implantação de um novo modelo de desenvolvimento sustentável. (CNS, 1993). Em 1996, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), ainda uma categoria inédita no país, foi criada no Estado do Amazonas, e foi incorporada ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) em 2000. O objetivo fundamental desta nova categoria é promover a conservação da biodiversidade e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução social, a melhoria dos modos e da qualidade de vida por meio da exploração racional e sustentada dos recursos naturais por parte das populações tradicionais, além de valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvido por estas populações (Brasil, 2000). A incorporação desta categoria ao SNUC foi um dos muitos pontos da discussão que se prolongou por dez anos para a elaboração do instrumento legal que viabilizasse o sistema. Um de seus resultados acabou sendo o reconhecimento “pelo ordenamento jurídico, da essencialidade do território para as populações tradicionais e de sua importância para a própria construção da identidade coletiva das mesmas” (Santilli, 2004). Este processo de reconhecimento iniciou-se com o movimento pela criação das Reservas Extrativistas – Resex – categoria de unidade de conservação que, em certa medida, inspirou a RDS. 23 Sua criação é resultado direto de uma solicitação encaminhada em 1985 pelo biólogo José Márcio Ayres e pelo fotógrafo Luis Cláudio Marigo ao governo federal (na época o órgão responsável era a Sema – Secretaria Especial de Meio Ambiente), para a criação de uma área protegida de cerca de 200 mil hectares, especialmente em função da presença do primata Uacari-branco (Cacajao calvus calvus), que na época já constava na lista das espécies ameaçadas de extinção oficial do Brasil, bem como da IUCN (International Union for the Conservation of Nature) (Ayres, 1986). Atendendo à proposta do biólogo, a Sema criou a Estação Ecológica Mamirauá (EEM) em 1986, e a mesma foi transferida para a administração do governo do estado do Amazonas, que a recebeu por meio do decreto nº 12.836 de 9 de março de 1990. Neste mesmo ato, a área foi expandida até seus limites atuais. Aquela nova unidade estadual passou a ser limitada pelos rios Solimões e Japurá e pelo canal Uati-Paraná, numa superfície total de 1,124 mil ha. A estação ecológica é uma categoria de manejo de unidades de conservação de proteção integral, que proíbe a permanência de populações residentes. As restrições desta categoria mostravam-se completamente inviáveis face à realidade da ocupação tradicional da área. Mesmo que fosse possível retirar os ocupantes tradicionais da área, o que não era, consideradas as implicações práticas e financeiras desta remoção (Espírito Santo e Faleiros, 1992), o efetivo funcionamento da unidade como forma eficiente de conservação da biodiversidade local ficaria completamente comprometida, caso um grande número de pessoas (como moradores locais envolvidos) não participasse intensamente da proteção do local (Ayres et al.. 1996). Após a elaboração do seu plano de manejo e a publicação da nova proposta por pesquisadores da Sociedade Civil Mamirauá, e após várias negociações políticas visando a viabilizar as propostas de anteprojeto de lei 24 elaboradas em 1994 e 1995, a Estação Ecológica Mamirauá foi recategorizada no nível estadual, passando à categoria de Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM). O grupo de pesquisadores percebeu que sem a efetiva participação da população, tanto no manejo dos recursos, como na gestão da área, aquela unidade seria inviável ao longo prazo (Lima-Ayres, 1994). Um aspecto importante observado seria a gestão e manejo da nova reserva baseado numa combinação de conhecimento científico e tradicional, ou seja, o manejo participativo aliado à pesquisa científica que o subsidia. Em 2000, observou-se a ampliação do marco legal modelo quando o Congresso Nacional incluiu no seu Sistema Nacional de Unidades de Conservação a nova categoria “Reserva de Desenvolvimento Sustentável”. Este foi um reconhecimento da potencialidade deste modelo de conservação como uma solução viável para alguns contextos no âmbito das relações das populações tradicionais e as necessidades de conservação da biodiversidade. Em 1999 foi criado o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) pela Sociedade Civil de Mamirauá. A instituição foi criada como uma organização social, que é definida como “uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e à preservação do meio ambiente, à cultura e a saúde”. O IDSM tem o objetivo não apenas de promover a conservação da Reserva de Mamirauá por meio do uso participativo e sustentado dos recursos naturais, mas também produzir conhecimento para subsidiar a conservação da biodiversidade pela gestão participativa com base científica de recursos naturais na Amazônia. Como foi mencionado o “modelo RDS” está fundamentado na permanência e participação das populações locais e na formação e 25 manutenção de uma forte base científica para subsídio do manejo e conservação da biodiversidade.Estes dois suportes atuando conjuntamente criam condições necessárias para a consolidação de normas de manejo política e socialmente aceitas, baseadas nas premissas de conservação da biodiversidade. Isso se concretiza na elaboração e aprovação de normas de uso dos recursos naturais e de um sistema de zoneamento, apreciados e votados pela população e seus representantes, e oficializados num plano de manejo. Conseqüentemente, o zoneamento elaborado e submetido à aprovação local tem de contemplar a necessidade tanto de zonas onde se admite o uso sustentado dos recursos naturais, quanto de zonas de completa preservação de todos os componentes da biodiversidade local. Há que se destacar que a RDS prevê a “possibilidade de só fazer a desapropriação das áreas particulares incluídas em seus limites quando necessária” (artigo 20, parágrafo 2º, da Lei do SNUC). Tal disposição também remete ao modelo de Mamirauá, que desde sua criação abriga propriedades particulares e tem sido fator decisivo para criação recente de algumas RDS, em casos que o poder público não tem interesse ou recursos para a desapropriação de áreas privadas. A Lei tal como foi aprovada e hoje vigora permite duas interpretações distintas em relação aos objetivos fundamentais da RDS com repercussões nas decisões sobre os usos possíveis no interior da UC e na interpretação acerca da necessidade ou oportunidade de desapropriação no caso de terras privadas em seu interior. Uma das interpretações possíveis é no sentido de que a RDS teria por função cobrir uma lacuna no SNUC entre a RESEX e a APA. Como sustenta Lima apud Araújo (2006), no interior de uma RDS seriam permitidos usos econômicos expressamente vedados ou limitados na RESEX, mas seria uma categoria mais restritiva e do que uma APA, com a 26 função específica à proteção dos modos de vida de populações tradicionais adaptados aos ecossistemas naturais. Essa tese abre conceitualmente a RDS para usos não tradicionais desde que permitidos pelo zoneamento e plano de manejo que a rigor devem ser aprovados pela população que habita a UC. A outra interpretação possível, mas a priori contraditória com a primeira, é a de que a RDS, pela redação atual da lei operaria como solução para os casos de existência de populações tradicionais sobre espaços territoriais de proteção integral já que a Lei inclui a expressão “preservar a natureza” como um dos objetivos da UC, o que significaria a necessidade de restrições maiores do que as previstas para a RESEX. Isso deriva da interpretação sistêmica e teleológica da Lei. Se a RDS tem por fundamento preservar a natureza e beneficiar especificamente as populações tradicionais, vedando inclusive às populações beneficiárias determinados usos que possam comprometer espécies em extinção, por conseguinte, usos e atividades mais impactantes do que os praticados por populações tradicionais seriam vedados por contrariar os objetivos que justificaram a criação da UC. Dessa forma, o manejo integrado e participativo da RDS é consolidado em um plano de manejo, que contém tanto as normas de uso da área e seus recursos quanto o zoneamento da unidade. Mas a existência de um plano de manejo cientificamente embasado e bem apropriado pela população local não é uma garantia de efetividade na conservação da área protegida. A garantia de um envolvimento duradouro e a formação de um compromisso claro entre as populações locais e as ações de conservação só se atinge por meio do estabelecimento de uma clara relação entre a conservação dos recursos naturais e benefícios concretos para esta população, como a melhoria da sua qualidade de vida. Esta melhoria pode ser percebida na 27 evolução da geração de renda destas populações, mas também em fatores relacionados ou decorrentes de ações de educação e saúde nessas comunidades, e ações de extensão para o melhoramento da produção local e para o seu aperfeiçoamento tecnológico. Estes são fatores que também redundam em melhores níveis de vida para a população local. Uma vez estabelecida esta relação, decorre conseqüentemente a redução da pressão antrópica sobre o meio ambiente e sobre aquelas espécies nas quais estava anteriormente focalizado quase todo o impacto da ação humana. É relevante dizer que o plano de manejo também dispõem sobre espécies que eram , ou ainda são, protegidas pela legislação vigente, e cujo uso era , ou ainda é, estritamente proibido. Este tipo de recomendação foi desenvolvido a partir da constatação de que, na RDS Mamirauá, tais espécies estavam sendo utilizadas pela população local. Uma forma eficiente de avançar na proteção local destas espécies e de organizar a produção das comunidades locais foi a admissão de que o uso é corrente. O plano de manejo não propõe sua “legalização”, mas oferece uma orientação para a adoção de práticas menos danosas à espécie, sendo utilizadas, ainda que ilegalmente. Este foi o caso do uso de jacarés ou de peixes-boi, protegidos legalmente e continuamente utilizados pelas populações locais de Mamirauá no período do plano de manejo, e ainda hoje. Este é um ponto polêmico que vai de encontro às mais de uma interpretações que a lei permite. Embora o Plano de Manejo da RDS Mamirauá, o seu sistema de zoneamento e as várias normas de uso tenham sido baseados no formato de uso tradicional dos recursos pelas comunidades locais, em alguns casos foram implementadas normas de uso e de acesso muito novas e muito diferentes das vigentes até então. A Reserva Extrativista (RESEX) embora tenha por objetivo garantir a melhoria de vida de comunidades extrativistas é uma categoria de uso 28 muito restrito, se comparada às possibilidades de uso em uma RDS. Esta é uma categoria que tem por motivação permitir o desenvolvimento inclusive de novas atividades econômicas para além das consideradas de subsistência ou apenas extrativistas, podendo até mesmo haver uso agrícola ou em alguns casos mineração. Segundo Mercadante (2001) as vedações expressas às atividades madeireira e de mineração em RESEX deveu-se ao fato de que já existiam, ao longo do processo de discussão do SNUC, algumas RESEX com problemas em função dessas atividades e, portanto, as experiências motivaram tais vedações. Como a RDS estava sendo criada então, não havia experiência suficiente com o modelo, a não ser a ESEC Mamirauá, onde tais problemas inexistiam. Questão como a mineração em RDS é extremamente controversa. Não está explicito na Lei do SNUC a proibição de mineração como nas RESEX. Entretanto se a análise for ser feita à luz do ato que criou a UC e seu plano de manejo, em seu artigo 6º do Decreto Federal 4.340 de 2002 que trata dos limites da RDS em relação ao subsolo, verifica-se que o ato de criação da UC excluiu o subsolo dos limites da UC. Portanto haveria possibilidade jurídica de mineração, uma vez que o subsolo não estaria regido pelo regime jurídico da UC. No caso de inclusão do subsolo nos limites da UC caberia ao plano de manejo e ao zoneamento a análise da possibilidade de mineração no interior da RDS, para além do licenciamento ambiental que necessariamente deve ser feito por meio de Estudo Prévio de Impacto Ambiental por se tratar de espaço territorial especialmente protegido. No mesmo Decreto 4.340/2002, em seu artigo 24, o subsolo integra os limites da UC sempre que influir na estabilidade do ecossistema. Portanto, delegou novamente ao plano de manejo, em seu diagnóstico, a definição sobre a possibilidade e as hipóteses em que a mineração seja possível no interior de 29 UC de uso sustentável (excetuada RESEX onde tal atividade é expressamente vedada). Como medidas compensatórias às restrições determinadas no plano de manejo, foram oferecidas propostas de alternativas econômicas com base nos resultados das pesquisas científicas e no monitoramento do uso dos recursos naturais. As “alternativas econômicas” , como são chamadas em Mamirauá, são atividades produtivas tradicionais (ou mesmo não tradicionais), de baixo impacto ambiental, de caráter compensatório, que foram implementadas com vários objetivos. Os principais deles foram a) de valorizar os produtos da biodiversidade local no mercado; b) agregar valor a estes produtos e a produtos similares produzidos localmente; c) impedir a diminuição da geração de renda local, tipicamente baixa, em decorrência do acatamento das normas de manejo; d) promover uma correlação direta entre geração de renda e conservação, com amplas implicações educativas e demonstrativas, e; e) sempre que possível, aumentar a geração de renda por meio de mecanismos não impactantes, ajudando a melhorar a qualidade de vida local. As alternativas econômicas têm como diferencial o uso de novas práticas de produção aliando o uso tradicional às atuais técnicas de manejo, a diversificação do número de espécies exploradas (diluindo a pressão de uso, antes concentrada em poucas espécies), a comercialização dos produtos em novos mercados, o gerenciamento contábil e o acesso dos pequenos produtores a financiamentos e carteiras de crédito. O Modelo RDS produziu em Mamirauá um conjunto de resultados bastante animadores em seus quase quinze anos de existência, tanto do ponto de vista da conservação da biodiversidade local, quanto do desenvolvimento da qualidade de vida da população tradicional que habita a RDSM (Queiroz, 2005). 30 No período de 1998 a 2004 detectou-se uma grande recuperação das populações de recursos naturais que se encontravam em declínio nos dez anos anteriores. Uma grande diminuição das taxas anuais de transformação de hábitat foi também observada no mesmo período. Aparentemente, foi interrompido quase que completamente o desmatamento de florestas clímax na RDSM, e a conversão de ambientes florestados em outros tipos de uso está restrita a capoeiras e a outros ambientes já perturbados. Os avanços alcançados no desenvolvimento da qualidade da vida humana ao longo de mais de uma década de ações e intervenções em Mamirauá também foram significativos. Em meados da década anterior (1994) as taxas anuais de mortalidade infantil, giravam em torno de 86 óbitos por cada grupo de mil crianças nascidas vivas na área focal de Mamirauá, e esta taxa encontrava-se em 2004 em dezoito por mil, demonstrando uma queda dramática em apenas oito anos (IDSM, 2005). A perspectiva humana impregnada nos trabalhos de conservação da biodiversidade desenvolvidos em Mamirauá nos últimos quinze anos exemplifica de forma bastante enfática que o sucesso das intervenções ambientalistas na Amazônia brasileira visando à conservação in situ da biodiversidade está definitivamente dependente da capacidade de se identificar e envolver eficientemente as populações humanas diretamente ligadas ao local a ser conservado. São os moradores da área, os grupos que possuem laços culturais e econômicos com o local, e os agentes econômicos externos que interagem de alguma forma com a área que representam o principal conjunto de atores sociais a serem envolvidos. Se estes fatores humanos não forem considerados intrinsecamente no planejamento de conservação in situ das áreas amazônicas, e do restante de sua biodiversidade, as probabilidades de sucesso na proteção da biodiversidade serão sensivelmente reduzidas (Queiroz, 2005). 31 5 – Considerações finais É imperioso dizer que o uso inadequado dos recursos naturais compromete tanto a nossa existência como das gerações futuras. Em decorrência da imensidão do território brasileiro, muita gente acreditava que os recursos naturais do nosso país eram inesgotáveis. Entretanto o ser humano compreendeu que a água, o ar, o solo, a fauna e a flora consistem em recursos finitos em quantidade e qualidade. A partir desse problema surgiu a idéia da necessidade de um consumo consciente, ou seja, sustentável, visando proporcionar recursos para futuras gerações, mas não deixando de incluir a geração presente. O desenvolvimento sustentável difundiu-se pelo mundo com velocidade correspondente à necessidade humana de preservar o meio ambiente, e logo passou a ser discutido como requisito para a existência da humanidade no planeta. A criação das Unidades de Conservação tais como as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, mesmo com suas divergências e polêmicas de gestão, traz um grande benefício para preservação de ecossistemas importantes e fragilizados. A manutenção e a preservação de bens ambientais requerem a participação efetiva de populações diretamente interessadas em sua preservação A criação das reservas extrativistas, grosso modo, representou, para uma parte dos seringueiros, uma grande conquista: a posse da terra. A partir de então, o essencial da luta passou a ser a garantia de sobrevivência e mesmo a melhoria da qualidade de vida desses trabalhadores dentro da reserva. Não que essa busca não tenha sempre existido, mas a partir de 32 então ela se tornou a principal bandeira de luta e combina-se com o interesse de sustentabilidade econômica das reservas extrativistas. A atividade econômica baseada no extrativismo é que lhes dá o sustento, e por não ser predatória, ao contrário da atividade pecuária e da colonização, imprime um caráter de sustentabilidade à reserva extrativista. Apesar de difícil computar os rendimentos individuais das famílias extrativistas, cálculos médios, mostram que à renda de 60% da população residente urbana da Região Norte, que segundo o último censo ganha até um salário mínimo. Há grandes perspectivas de melhorar a renda das famílias dentro das Reservas Extrativistas através da aplicação das seguintes medidas: • Aumento da produção e da produtividade dos produtos florestais existentes. • Melhoria da qualidade dos produtos florestais e redução de suas perdas. • Aperfeiçoamento da comercialização. • Agregação de valor aos produtos através de processamento local. • Criação ou ampliação de novas atividades econômicas: agricultura, criação doméstica, piscicultura, apicultura.... • Desenvolvimento de novos mercados para os produtos tradicionais e para os novos. • Criação de sistemas de abastecimento que evitem a especulação: cantinas comunitárias geridas pelas Associações. O Modelo de Reserva de Desenvolvimento Sustentável é hoje uma alternativa para a promoção de ações de conservação da biodiversidade em unidades de conservação de uso sustentado e sua efetiva viabilidade só se manterá sustentável se toda sua paisagem cultural for preservada, visto que toda sociedade não pode ser abstraída do seu contexto histórico-ambiental. 33 Sua criação antes de ser uma norma, deve ter como papel principal induzir a um planejamento ambiental para a região que se deseja preservar. Ela deve incitar um planejamento ambiental coerente e tornar esses mesmos espaços aptos ao desenvolvimento humano presente e futuro. É preciso que haja coerência e nenhuma ambigüidade em questões conceituais no que tange ao conceito da RDS e sua relação com os usos e atividades econômicas possíveis, visto que a lei permite duas interpretações opostas: a) RDS como UC mais flexível do que RESEX, permitindo excepcionalmente usos mais impactantes praticados por comunidades não residentes, aprovados no zoneamento e plano de manejo desde que não comprometam a população beneficiária ou as zonas de proteção integral e espécies sob proteção especial; b) RDS como UC mais restritiva, inspirada na idéia de “parque com populações” onde apenas são permitidas atividades praticadas pelas próprias populações tradicionais residentes ou beneficiárias adequadas e compatíveis com os ecossistemas locais. O que se observa em Mamirauá foi uma transformação na estruturação das comunidades afetadas pelas intervenções. A renda familiar aumentou, em média, 107% nos últimos oito anos. Houve uma expressiva melhora na qualidade de vida populacional, indicada pela queda acentuada da mortalidade infantil. Esse sucesso deve ser utilizado como gatilho para replicação do modelo RDS em outras áreas, não repetindo as mesmas intervenções considerando as peculiaridades de cada região e sua população. 34 6 – Referências bibliográficas ACSELRAD, H. Desenvolvimento sustentável: a luta por um conceito. Proposta: experiências em educação popular. Rio de Janeiro, n. 56, p.5-8, mar. 1993. ALLEGRETTI, M. H.. Extractive reserves: Na alternative for reconciling development and environmental conservation in Amazonia. In: ANDERSON, A.B. (Ed.), Alternatives to Deforestation: Steps toward Sustainable Use os Amazonian Rain Forest. Columbia University Press, New York, E.U.A1990. p.252-264. _____. “Reservas extrativistas: parâmetros para uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia”. In: ANDERSON, A.B. et al. 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Diretrizes para um programa de reservas extrativistas na Amazônia. Rio Branco, 1993. 52p. 35 DIEGUES, Antonio C. S. Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis : da crítica dos modelos aos novos paradigmas. São Paulo em Perspectiva. São Paulo. v. 6, n. 1 e 2, p.22-29, jan./jun. 1992. DEMO, P. Desafios de Processos Participativos. Brasília, IPEA/IPLAN, nov. 1988. (mimeo) . ESPIRITO SANTO, C. V. e FALEIROS, A. A. Custo da implantação de unidades de conservação na Amazônia Legal. Brasília, Funatura, 1992, 80p. FEARNSIDE, P. M. 1989. Extractive reserves in Brazilian Amazonia: An opportunity to maintain tropical rain forest under susttainable use. BioScience 39:387-393. FEARNSIDE, P. M. Conservation policy in Brazilian Amazônia: Understanding the dilemmas. World Development, 31(5), 2003. IBGE. Indicadores de desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro:2002. INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA. 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Incluem dados gerais da RDS, seu histórico, as características pré-existentes, seus objetivos, sua situação atual, os impactos decorrentes da criação e seus pontos característicos. 1 - RDS Mamirauá (AM) DADOS GERAIS: • Data de criação: Lei estadual Número 2.411, de 16 de julho de 1996; • Inicio de implantação: 1991: Projeto Mamirauá. A sociedade civil Mamirauá foi criada em 1992; • Responsável: Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá IDSM, criado em 1999 • Atos normativos: lei estadual Número 2.411, de 16 de julho de 1996 (criação da RDS Mamirauá); decreto estadual 12.386 de 09 março de 1990 (criação da Estação Ecológica Mamirauá); • Área: 1.124.000 ha (1990). • População: 6.642 pessoas (4831 no entorno /1811 no interior) • Características da população: ribeirinhos, pequenos agricultores, extrativistas, pescadores, prestadores de serviço, • Localização: Situada a 600 quilômetros a oeste de Manaus, na confluência dos rios Solimões, Japurá e Auati-Paraná, tendo a cidade de Tefé com principal referência urbana. • Fontes principais de orçamento: Gov. Brasileiro; Cooperação . Internacional (Grã-Bretanha); IPAAM; ONG’s Internacionais (WCS, EU); PRÓ-MANEJO. • Numero de funcionários da UC: 137 funcionários (IDSM) HISTÓRICO 39 • Identificação da necessidade de proteção da área por pesquisadores ambientalistas; • Decreto de criação da ESEC estadual Mamirauá- 12.836/90; • Transformação da UC em nova categoria (RDS estadual) – demanda dos pesquisadores; • Justificativa para transformação da área em RDS: viabilização e legalização da permanência da população; participação da comunidade local na gestão e proteção de grandes áreas de floresta; CARACTERISTICAS PRÉ-EXISTENTES: • Área de ocorrência de biodiversidade significativa/ espécies ameaçadas em extinção; • Envolvimento direto de pesquisadores • Disponibilidade de financiamentos; • População organizada; • Acordos sociais de manejo dos recursos naturais OBJETIVOS DA RDS: • Preservação do patrimônio natural, pesquisa sobre biodiversidade, combate à pobreza. SITUAÇÃO ATUAL: • Plano de manejo (1996) em revisão; • Gestão participativa – modelo informal • Comunidades organizadas em setores • Deliberações em assembléia gerais • Adaptação ao SNUC - Conselho gestor em fase de implantação –FNMA; • Envolvimento comunidades do interior (52) e do entorno (93) • Desenvolvimento de processos de Educação Ambiental IMPACTOS DECORRENTES DA RDS: • Maior eficácia na proteção da biodiversidade – zoneamento participativo • Melhoria da qualidade de vida das populações locais • Aumento do número de acordos sociais de manejo dos recursos naturais • Incremento das formas de organização social - regulação dos usos dos RN • Maior conscientização da comunidade sobre cidadania e aspectos ambientais 40 PONTOS CARACTERÍSTICOS: • Conquistas e resultados muito dependentes de financiamentos contínuos e significativos • Conflitos fundiários pontuais entre locais, proprietários de terras e áreas indígenas • Ocorrência de domínio público e privado • Administração efetiva pela sociedade civil (IDSM) 2 - RDS da Ponta do Tubarão (RN) DADOS GERAIS: • Data de criação: 18 de julho de 2003. • Início de implantação: 11 de dezembro de 2003, com a constituição e tomada de posse do Conselho Gestor. • Responsável: IDEMA - Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (vinculado à Secretaria Estadual de Planejamento) • Ato normativo da RDS: Lei Estadual No. 8.349 / 2003 • Área: 12.960 hectares ou 129,6 km2 • População: 10.000 pessoas • Características da população: pescadores artesanais, marisqueiras, pequenos agricultores e prestadores de serviço; • Localização: Norte da Região Costeira do Estado do Rio Grande do Norte, abrangendo os municípios de Macau e Guamaré; • Fontes Principais de Orçamento: não há recursos específicos; • Numero de funcionários: 2 (IDEMA). HISTÓRICO • Ameaça de perda de território nas comunidades de Diogo Lopes e Barreiras em função de projeto de implantação de pólo turístico (1995) • Degradação do mangue e ameaça a ecossistemas utilizados e ocupados pela população em função de projetos de implantação de carcinicultura (2000) • Mobilização da comunidade – proposta de criação de uma unidade de conservação 41 • Definição pela categoria RDS federal – demanda da comunidade, após longo processo de acesso a informações, discussão e consultas públicas • Justificativas para criação da RDS: importância da conservação dos recursos naturais para continuidade das atividades das comunidades; permanência das famílias locais em suas áreas tradicionais • Criação da RDS estadual em função do não atendimento pelo IBAMA (2003); • Área original expandida em função de argumentação técnica e científica (IDEMA). CARACTERISTICAS PRÉ-EXISTENTES: • Alta produtividade haliêutica; • Um dos principais pólos de pesca artesanal do NE • Ocorrência de espécies ameaçadas de extinção • Bom estado de conservação de diversos ecossistemas (caatinga, duna, restinga, mangue, praias, mar) • Ameaça eminente à qualidade de vida das comunidades e à conservação ambiental • Mobilização social significativa (por volta de 20 associações, realização de encontros ecológicos anuais). OBJETIVO DA RDS: • Conservar parcelas de variados ecossistemas da região nordeste, assegurando a permanência e a qualidade de vida das famílias locais, bem como a garantia de reprodução de suas características culturais. SITUAÇÃO ATUAL: • Conselho gestor (2004) – formação de GT para discussão do plano de manejo (em andamento); • Gestão participativa – cerca de 20 associações de moradores; • Não está demarcada; • Comunidades do interior (9); • Envolvimento gradual das comunidades (interior e entorno) ausentes no processo de criação; • Sob ameaça de implementação de fazendas de carcinicultura; • Desenvolvimento de processos de Educação Ambiental. IMPACTOS DECORRENTES DA RDS: 42 • Aumento do número de organizações formais da sociedade • Maior capacidade de mobilização social • Diminuição da pressão por agentes externos - maior eficácia de proteção da biodiversidade • Proposição de novas alternativas econômicas para os moradores • Maior conscientização da comunidade sobre cidadania e aspectos ambientais PONTOS CARACTERÍSTICOS: • Falta de participação de todas as comunidades no processo de criação da UC • Forte participação de organizações, mas baixa capilaridade dos assuntos de gestão entre moradores • Continuidade da insegurança em relação às ameaças dos agentes produtivos externos • Forte influência de empresa estatal, potencialmente impactante na gestão da RDS • Indefinição da situação fundiária da área – falta de comprometimento dos virtuais proprietários com a gestão da RDS e parca participação do órgão gestor para resolução do problema • Única RDS que protege mais do que um bioma • Única RDS que protege o bioma Caatinga • Única RDS não localizada na Amazônia 3 - RDS Iratapuru DADOS GERAIS: • Data de criação: 11 de dezembro de 1997 • Responsável: Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Amapá. • Atos normativos da RDS: Lei estadual nº 0392 de 11 de dezembro de 1997 (criação da RDS); decreto estadual nº 1777 de 09 de julho de 1999 (dispõe sobre a criação do Conselho Consultivo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru). • Área: 806.184 ha • População: não há população residente; 6 comunidade no entorno / 150 famílias (2001); • Característica da população: extrativista (castanha e produtos florestais); • Localização: Municípios de Laranjal do Jarí, Mazagão, Pedra Branca do Amaparí, na região sul do estado do Amapá. 43 • Fontes principais de recursos: Governo do Estado do Amapá (Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Turismo, Secretaria de Educação) Natura, FFEM, WWF Brasil, Conservation International, Fundação Orsa • Número de funcionários da UC: não há funcionários do governo na reserva HISTÓRICO • Iniciativa do Governo Estadual – fortalecimento da organização dos modos de produção – criação de cooperativa (COMARU) em 1995 • Demanda da COMARU para criação de UC de uso sustentável • Processo de consulta às comunidades locais • Realocação de famílias do interior da reserva • Aceitação das comunidades locais do entorno e prefeitura de Laranjal do Jari para criação da RDS • Criação de RDS estadual. • Justificativa: compatibilidade com o objetivo do Programa de Desenvolvimento Sustentável do governo do Amapá (PDSA) CARACTERISTICAS PRÉ-EXISTENTES: • Região prioritária para o governo do estado em função de ameaças, segundo ZEE; • Implantação do PDSA voltado para organização e fortalecimento dos meios de produção; • Interesse específico da comunidade usuária dos castanhais – organização em cooperativa; • Ocorrência de diversas espécies florestais com valor comercial; • Importância da proteção de florestas de terra firme; • Área sem ocupação e devoluta; OBJETIVO DA RDS: • Promover a conservação e o uso sustentável da biodiversidade SITUAÇÃO ATUAL: • Não há plano de manejo • Plano de manejo de uso sustentável de recursos naturais em elaboração • Não há conselho gestor • Parcialmente demarcada 44 • 5 comunidades no entorno que demandam participação nos benefícios da RDS • Comunidade de São Francisco do Iratapuru como guardiã, usuária e beneficiária da RDS • Comunidades assentadas em área de empresa privada • Uso de 5% da área da RDS para extrativismo • Presença de diversos parceiros e investimentos de diferentes fontes nacionais e internacionais • Iniciativas de parceiros desarticuladas • COMARU – única organização formal da população local. IMPACTOS DECORRENTES DA RDS: • Aporte de financiamentos de projetos para comunidade de São Francisco do Iratapuru; • Fortalecimento da COMARU; • Agregação de valor por meio do beneficiamento da castanha; • Alternativas de exploração comercial de novos produtos florestais; • Contrato de acesso a recursos genéticos com empresa de cosméticos; • Diminuição da pressão de agentes externos - maior eficácia de proteção da biodiversidade; • Maior conscientização da comunidade sobre cidadania e aspectos ambientais; • Melhoria da qualidade de vida dos cooperados. PONTOS CARACTERÍSTICOS: Conquistas e resultados muito dependentes de financiamentos contínuos significativos Domínio público Sem população residente – realocamento forçado de famílias do interior e incongruência com decreto de criação, que dispõe que os moradores são principais responsáveis pela gestão Cooperativa é a única interlocutora junto aos órgãos gestores e agentes externos Demanda de 5 comunidades do entorno pelos benefícios da RDS Única UC no Amapá protegendo floresta de terra firme RDS com características da categoria Resex – predominância de extrativismo, domínio publico, sem moradores. 45