SIMULAÇÃO NUMÉRICA DOS CASOS “ITÚ” E “RIBEIRÃO PRETO”: COMPARAÇÃO ENTRE CASOS DE TEMPESTADES IMERSAS EM AMBIENTES COM DIFERENTES PADRÕES DE CISALHAMENTO VERTICAL DO VENTO Wallace Figueiredo Menezes * Maria Assunção Faus da Silva Dias Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG/Universidade de São Paulo Abstract This work shows comparisions between 2 cases of severe storms in São Paulo state, developed in differents environmental wind shear profiles. The study of internal dynamic of the storms and analisys of the vorticity in convective scale are also discussed here. 1. Introdução Os casos de tempestades severas ocorridos no Estado de São Paulo, em especial em Itú em setembro de 1991 e Ribeirão Preto em maio de 1994, já foram estudados tanto no ponto de vista observacional (Massambani et al., 1992 e Silva Dias et al., 1996) como no de tratamento via simulações numéricas (Menezes e Silva Dias, 1996; Menezes, 1998 e Menezes e Silva Dias, 1998). Ambos tiveram efeitos devastadores sobre as regiões que atingiram, causando diversas perdas humanas, um número bastante grande de feridos e prejuízos materiais quase incalculáveis. Ambas as tempestades se caracterizaram por ventanias fortíssimas em superfície, inclusive com a presença de tornados e “downbursts” associados a elas. Entretanto uma diferença marcante entre os 2 casos foi no padrão das tempestades formadas, onde no caso Itú estas possuíram padrão de multicélulas em forma de uma linha de instabilidade com células mais vigorosas embebidas, enquanto que no caso Ribeirão Preto o padrão básico foi de tempestades isoladas e sem organização com o caráter de supercélulas. Trabalhos anteriores de modelagem numérica com casos de ambientes idealizados, como os de Weisman e Klemp (1986) e Rotunno e Klemp (1982) sugerem que a estrutura vertical do cisalhamento do vento nos primeiros 5 Km de altura tem forte influência no tipo de organização que uma tempestade ou um sistema de mesoescala toma. Os autores mostram que ambientes em que o cisalhamento vertical do vento tende a ser unidirecional (vetor cisalhamento não gira ou gira pouco com a altura) são favoráveis a formação e evolução de tempestades com padrão multicelular, que podem inclusive tomar uma organização em forma de linhas de instabilidade. Por outro lado, eles também mostram que ambientes onde o vetor cisalhamento possui um grande giro com a altura, favorecem o desenvolvimento de tempestades com o padrão de supercélula, muitas vezes com rotação. O modelo conceitual básico proposto por Weisman e Klemp pode ser observado na Fig. 1. Como os dois casos de tempestades estudados neste trabalho tiveram configurações diferenciadas, com o caso de Itú apresentando estrutura de convecção alinhada, mais relacionada com o padrão “multicelular”, e o caso Ribeirão Preto de convecção mais localizada e mais vigorosa, tendendo mais ao padrão de supercélulas, é interessante realizar uma investigação da configuração sinótica, principalmente no que diz respeito ao cisalhamento do vento, a fim de diagnosticar se o tipo de tempestade formada e sua respectiva configuração do ambiente em larga escala era coerente com os resultados alcançados nos experimentos desenvolvidos por Weisman e Klemp (1986) e Rotunno e Klemp (1982) para situações idealizadas. Em análises da vorticidade em escala convectiva, os mesmos autores puderam constatar que, na presença das tempestades simuladas, formavam-se um núcleo de vorticidade positiva à direita e outro de vorticidade negativa à esquerda das mesmas em relação ao sentido do vetor cisalhamento do vento. Analisando balanços de vorticidade em escala convectiva, eles puderam constatar que o termo de * Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] inclinação da equação da vorticidade era o dominante e o principal responsável pela formação dos referidos núcleos. 2. Metodologia e dados A modelagem numérica foi utilizada para o estudo dos casos de forma que fosse possível acompanhar a formação e evolução das tempestades e do ambiente em larga escala em horários onde dados observacionais não estavam disponíveis. Para a simulação numérica dos casos de tempestades foi utilizado o Regional Atmospheric Modeling System (RAMS) desenvolvido na Universidade Estadual do Colorado. Os experimentos foram realizado com diversas grades sendo que várias delas com maior resolução aninhadas nas grades principais, visando estudar a evolução desde a larga escala até a escala convectiva das tempestades. Os experimentos numéricos, assim como as parametrizações e configurações de grades utilizadas, estão mais detalhadamente descritos em Menezes e Silva Dias (1996), Menezes (1998) e Menezes e Silva Dias (1998). Para termos de comparação dos campos simulados com observações, foram utilizados as análises do National Center for Environmental Prediction (NCEP), assim como cartas de superfície, imagens de satélite e dados do radar de São Paulo e do radar doppler banda-S instalado no IPMet/UNESP na cidade de Bauru. 3. Análise e resultados Após a realização das simulações numéricas e a validação dos resultados, foi possível constatar que o modelo conseguiu reproduzir os padrões de tempestades observados nas datas dos eventos, simulando uma bem caracterizada linha de instabilidade para o caso Itú e tempestades isoladas vigorosas para o caso Ribeirão Preto. Desta forma os experimentos foram capazes de diferenciar os “sinais” básicos de mesoescala associados a cada uma das tempestades. Desta maneira, o passo a seguir foi a avaliação dos ambientes observado e simulado em grande escala, principalmente no que se diz respeito aos padrões de cisalhamento de vento, com o objetivo de verificar se os resultados aqui encontrados para casos reais de tempestades, eram coerentes com os resultados dos experimentos em ambientes idealizados encontrados por Weisman e Klemp e Rotunno e Klemp. a. Padrão de tempestade condicionado à estrutura vertical do cisalhamento O caso Itú mostrou a evolução de uma linha de instabilidade com orientação WNW-ESE tanto na observação do caso, como na simulação numérica que pode ser vista no campo de razão de mistura da água de nuvem em 700 hPa da Fig. 2.a para o horário das 22 GMT. Algumas horas antes da ocorrência do evento o cisalhamento do vento nas proximidades da cidade de Itú mostrava a configuração presente na hodógrafa da Fig. 2.b até os 500 hPa (pouco mais de 5 Km de altura). Vale lembrar que o vetor cisalhamento do vento é tangente à curva da hodografa, desta maneira é fácil verificar que o vetor cisalhamento apresentou um giro bem pequeno nos primeiros Km de altura. Por outro lado, o caso Ribeirão Preto, onde foram tanto observadas, como simuladas tempestades com caráter isolado, o que pode ser visto no campo de taxa de precipitação convectiva simulada da Fig. 3.a. Neste caso, a hodógrafa nos arredores da cidade de Ribeirão Preto (Fig. 3.b) mostrava uma configuração onde o vetor cisalhamento do vento possuía um grande giro, de aproximadamente 90 graus, com a altura nos primeiros 5 Km. Estes resultados em simulações de casos reais, mostram coerência com os resultados obtidos em simulações numéricas de casos idealizados de trabalhos anteriores, onde as tempestades multicelulares organizadas ficaram associadas a ambientes com pequeno giro do vetor cisalhamento e as tempestades isoladas sem organização ficaram associadas com a situação de grande giro do vetor cisalhamento com a altura. b. Estrutura vertical Ficou evidenciada a diferença entre as estruturas verticais de um sistema convectivo em forma de linha de instabilidade e um sistema de tempestade isolada. A estrutura vertical da linha de instabilidade simulada para o caso Itú pode ser observada no corte vertical sentido norte-sul nos campos de velocidade vertical (isolinhas), razão de mistura do vapor (sombreado) e escoamento (vetores) para as 22 GMT, horário em que a linha já estava estruturada (Fig. 4.a). É fácil perceber a região de convecção profunda da linha pela estrutura de correntes ascendentes atingindo a níveis altos na região próxima à latitude de 22,5 S. Este movimento ascendente principal são as chamadas correntes ascendentes em escala convectiva. Na dianteira do sistema da linha, percebe-se as chamadas correntes ascendentes e descendentes em mesoescala, associadas com a região da bigorna característica de linhas de instabilidade de regiões subtropicais. Nesta mesma figura também é possível perceber, através dos campos de razão de mistura e escoamento, que o ar mais úmido em baixos níveis (lado direito da figura) penetra pelo sistema, fornecendo suprimento de umidade ao mesmo. Da mesma forma, na retaguarda da linha de instabilidade nota-se o secamento do ambiente em baixos níveis devido ao transporte de ar mais seco de níveis médios para os baixos pelas correntes descendentes. Na avaliação da estrutura vertical da tempestade simulada que atingiu Ribeirão Preto, a Fig. 4.b mostra um corte vertical leste-oeste na posição 21.1 de latitude sul, para o horário das 23 UTC, para as mesmas variáveis da Fig. 4.a. No campo do escoamento é fácil notar as correntes descendentes promovendo convergência em baixos níveis numa clara região de frente de rajada localizada na parte inferior da célula convectiva. Da mesma forma que foi observada no caso anterior, é possível verificar um fluxo de ar úmido de baixos níveis penetrando na tempestade pela sua porção leste, alimentando o sistema convectivo de umidade, e um secamento em baixos níveis na porção oeste, devido as correntes descendentes em escala convectiva. Vale a pena evidenciar que neste caso de tempestade isolada, os cortes verticais não mostraram estruturas de bigorna pronunciadas como foram encontradas no caso Itú. Estas estruturas de bigorna bem definidas são mais características de sistemas de linhas de instabilidade. Nesta análise também ficou constatado que o modelo conseguiu reproduzir os padrões básicos da dinâmica interna das tempestades estudadas coerentemente com modelos teóricos propostos para tais. c. Análise da vorticidade em escala convectiva Como já foi mencionado anteriormente os trabalhos de Rotunno e Klemp (1982) e Weisman e Klemp (1986) mostraram a formação de núcleos de vorticidade em regiões preferenciais nas laterais das tempestades em relação ao sentido do vetor cisalhamento, e que a vorticidade tem no termo de inclinação dos vórtices o seu componente mais relevante. Neste trabalho, que aborda a simulação de casos reais de tempestade, foi possível confirmar que tal configuração também ocorre em ambientes não idealizados. Na grade de maior resolução do modelo (resolução de 1 Km) foi avaliada, para ambos os casos deste estudo, o padrão de vorticidade gerado em consequência do surgimento das tempestades. Para o caso Itú, em 1500 m de altura, onde o vetor cisalhamento apontava de ENE para WSW (Fig. 2.b) pode-se verificar a tempestade como estando no centro de máxima velocidade vertical (Fig. 5.a). O campo de vorticidade relativa mostra que se desenvolveram um núcleo positivo no lado direito e um negativo do lado esquerdo da tempestade (sempre em relação ao sentido do vetor cisalhamento) (Fig. 5.b). O termo de inclinação dos vórtices se mostrou como o mais relevante, sendo este pelo menos 2 ordens de grandeza maior que todos os outros termos da equação da vorticidade, e seus núcleos positivo e negativo apresentaram-se com posicionamento bastante semelhante aos do campo de vorticidade relativa (Fig. 5.c). Para o caso Ribeirão Preto, a análise foi análoga, e os resultados encontrados mostraram que para a altura de 1500 m, onde o vetor cisalhamento apontava de NNE para SSW (Fig. 3.b), os núcleos de vorticidade também se posicionavam de forma que o positivo se encontrava a direita e o negativo a esquerda (Fig. 6.b) da tempestade representada no campo de velocidade vertical (Fig. 6.a). Mais uma vez o termo da inclinação foi o dominante (Fig. 6.c). Nesta tempestade simulada de ribeirão Preto a vorticidade negativa associada às tempestades chegou a alcançar valores de ordem de 10-1 s-1, o que são considerados valores bastante altos. Também vale lembrar que no caso Ribeirão Preto, o fato do giro do vetor cisalhamento com a altura, torna o ambiente propício à formação de supercélulas com Rotação (Weisman e Klemp, 1986), o que foi observado pelo radar na data do evento. 4. Sumário e conclusões Este trabalho teve o objetivo de comparar a simulação numérica de 2 casos de tempestades formadas em ambientes diferentes em relação ao perfil do cisalhamento do vento. O modelo RAMS conseguiu diferenciar de forma eficiente os padrões básicos em mesoescala das tempestades observadas nos eventos, ou seja, para o caso Itú simulou uma estrutura convectiva em forma de linha de instabilidade e para o Caso Ribeirão Preto estruturas de tempestades isoladas. As hodógrafas mostraram que as estruturas de tempestades observadas e simuladas foram coerentes com o padrão do cisalhamento vertical do vento, segundo o proposto por Weisman e Klemp, 1986. O RAMS também conseguiu diferenciar bem as estruturas verticais dos 2 tipos deferentes de tempestades. A análise da vorticidade em escala convectiva mostrou núcleos de vorticidade em regiões preferenciais do ambiente próximo às tempestades, e que o termo de inclinação dos vórtices é o mais relevante para a escala de tempestades severas. 5. Agradecimentos Os autores agradecem a FAPESP, CAPES e CNPq pela ajuda no suporte financeiro. 6. Referências bibliográficas Massambani, O., L. M. V. Carvalho e M. A. Vazquez, 1992: Tornado ou Microexplosão ? Um Diagnóstico via Radar do Evento de Itú São Paulo. Anais, VII Congresso Brasileiro de Meteorologia, vol. 2, pp. 763-768. Rotunno, R. e J. B. Klemp, 1982: The Influence of Shear-induced Pressure Gradient on Thunderstorm Motion. Mon. Wea. Rev., 110, 136-151. Silva Dias, M. A. F., L. M. V. Carvalho e A. M. Gomes, 1996: Um Caso de Tempestade Severa em Ambiente Ciclônico em Grande Escala. Anais do IX Congresso Brasileiro de Meteorologia, 6-13 nov. Campos do JordãoSP. Weisman M. L. E J. B. Klemp, 1986: Caracteristics of Isolated Convective Storms. In: Ray, P. S., ed. Mesoscale Meteorology and Forecasting. Boston, American Meteorological Society, 1986. 331-358. Figura 1 - Modelo conceitual da evolução de uma célula convectiva dependendo da estrutura do cisalhamento vertical do vento ambiente. (a) cisalhamento unidirecional e (b) vetor cisalhamento girando com a altura. 10 .00 V (m /s ) 0 .00 950 hPa 900 hP a 850 hP a 500 hP a 750 hP a -10 .00 a) b) 700 hpa -10 .0 0 0 .00 10 .0 0 U (m /s) 20 .0 0 600 Hpa 30 .0 0 Figura 2 - Para o caso Itú: (a) O campo de razão de mistura da água de nuvem em 700 hPa mostra o sistema simulado em forma de convecção alinhada, (b) hodógrafa das 12 GMT para as coordenadas de Itú. a) 10 .00 950 hP a V (m /s ) 0 .00 850 hPa -10 .00 750 hpa 700 hPa 600 hP a 500 hPa b) -8 .00 -4 .00 0.0 0 4.0 0 8.00 U (m /s) Figura 3 - Para o caso Ribeirão Preto: (a) O campo de taxa de precipitação convectiva mostra tempestades isoladas simuladas. (b) hodógrafa das 15 GMT para as coordenadas de Ribeirão Preto. a) b) Fig. 4 - Campos de razão de mistura do vapor (sombreado) velocidade vertical (isolinhas) e escoamento (vetores) para: (a) Caso Itú e (b) caso Ribeirão Preto. a) b) c) Fig. 5 - Caso Itú: Cortes horizontais em 1500 m de altura dos campos de (a) Velocidade Vertical, (b) Vorticidade relativa (s-1 , valores das isolinhas estão multiplicados por 105) e (c) Termo de inclinação (s-2, Isolinhas multipl. por 107) Fig. 6 - Como na Fig. 5, para o Caso Ribeirão Preto. Isolinha multiplicadas por: (a) 103 e (b) 105.