MEMORIAL
Em quase toda a minha trajetória como aluna, erroneamente, percebia o homem
como ser natural: para compreendê-lo bastaria olhar para o seu “interior”. Acreditava na
dicotomia entre indivíduo e sociedade. Não percebia que nós desenvolvíamos um “eu”
referente a nossa sociedade. Estava sendo alvo – através do ensino – de uma psicologia
ideológica. Ana M. Bahia Bock, no livro Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica
em psicologia (2007), explica muito bem como essa “descolagem” do individua de sua
realidade social e cultural constitui o processo ideológico da psicologia.
A escolha do tema Indivíduo, Cultura e Sociedade Contemporânea está
relacionada ao fato da minha tomada de consciência crítica, a partir do oitavo período, da
existência dessa psicologia individualista. Já o nosso material empírico – o filme The
Simpsons Movie (2007) – foi escolhido pelo fato dele ser tão crítico quanto a abordagem
Sócio-Histórica.
RELATO DO TRABALHO
INDIVÍDUO,
CULTURA
E
SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA:
identificando
o
personagem Homer Simpson do filme The Simpsons Movie (2007)
RESUMO
O filme dos Simpsons (2007) que é baseado na série homônima, é uma comédia em desenho
animado muito inteligente que aborda, criticamente, questões importantes da sociedade
contemporânea. Homer, um dos personagens, se destaca pelo modo como se comporta. É um
sujeito que apresenta atitudes bastante sintomáticas e questionáveis. Ele é, de acordo com a
Psicologia Social Crítica, um produto-produtor da sociedade estadunidense atual. Essa
abordagem crítica diz que para compreender um indivíduo não podemos desconectá-lo de seu
contexto sócio-histórico particular, pois a compreensão do mundo interno exige a
compreensão do mundo externo. Quando se conhece o mundo psicológico estamos
conhecendo o mundo social e vice-versa. Tendo em vista esse embasamento teóricoepistemológico, esta pesquisa buscou analisar no filme The Simpsons Movie (2007) as facetas
identitárias de Homer Simpson para responder quem é ele . Por isso, houve a necessidade de
entender o mundo social em que o personagem está inserido, ou seja, conhecer a história e
cultura da sociedade estadunidense atual. Com base nos resultados desta pesquisa, algumas
características da cultura estadunidense foram representadas pelo personagem no filme,
proporcionando-lhe uma identidade cultural estadunidense, como: pensar só em si; valorizar
mais os motivos pessoais que as obrigações sociais; sobressair-se, ser notado, ser o melhor,
mesmo que cause dificuldade em relação aos outros; valorizar mais a realização individual
que salvar e proteger outras pessoas; preconceito contra homossexuais; valorizar a célula
familiar apenas no nível pais e filho; descrever pessoas de forma abstrata e fora de contexto;
poluidor do meio ambiente; otimismo; flexibilidade social; passar horas assistindo televisão.
Palavras-chave: Homer. Cultura. EUA.
INDIVÍDUO,
CULTURA
E
SOCIEDADE
personagem Homer do filme Os Simpsons (2007)
Autora:
Marciele Araújo dos Santos
Orientador:
Prof. Ms. Ricardo Ferreira de Souza Maia
Banca Examinadora:
Prof. Esp. José Batista da Rocha
Prof. Esp. Kátia Regina dos Santos Silva
CONTEMPORÂNEA:
identificando
o
“A compreensão do ‘mundo interno’ exige a compreensão do ‘mundo
externo’, pois são dois aspectos de um mesmo movimento, de um processo
no qual o homem atua e constrói/modifica o mundo e este, por sua vez,
propicia os elementos para a constituição psicológica do homem.”
(Ana Mercês Bahia Bock, 2001)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................5
1.1 Os Simpsons: breve histórico de um desenho animado
1.2 Indivíduo, cultura e sociedade na perspectiva da Psicologia Social Crítica
conectada aos Estudos Culturais.
1.3 A sociedade estadunidense contemporânea
1.4 Homer Simpson como ator social: as representações de “eu” no cotidiano
estadunidense atual
2 PROBLEMAS E OBJETIVOS .......................................................................................13
2.1 Problema
2.2 Objetivos
2.2.1 Geral:
2.2.2 Específicos:
3 PROCEDIMENTOS ........................................................................................................14
3.1 Material
3.2 Análise do filme
3.2.1 Análise da estrutura da narrativa
3.2.2 Análise da narrativa do filme
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................................16
4.1 Análise da estrutura da narrativa
4.1.1 The Simpsons Movie (2007): à guisa de sinopse
4.1.2 Resultado e discussão da análise da estrutura da narrativa do filme The Simpsons
Movie (2007)
4.2 Análise da narrativa legendada
4.2.1 O “eu” independente de Homer Simpson
4.2.2 Homer e os Estados Unidos
4.2.3 A transformação de Homer Simpson
5
CONCLUSÃO...................................................................................................................26
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................29
5
1 INTRODUÇÃO
A identidade cultural do personagem Homer Simpson, no filme The Simpsons
Movie (2007), afigura-se como temática particular deste trabalho acadêmico. Escolhemos,
para embasamento teórico-epistemológico desta pesquisa, o olhar crítico da Psicologia SócioHistórica conectada aos Estudos Culturais. A escolha se deve ao fato dos Estudos Culturais
abrirem caminhos para as pesquisas em Psicologia Social contemporânea, pois a recente
abertura desta psicologia a esta perspectiva, representa uma nova forma para quem se
interessa em compreender questões relativas à subjetividade e às identidades no mundo
contemporâneo.
O nosso material empírico, o filme The Simpsons Movie (2007), é um caso a parte
quando se trata de filme em desenho animado, pois é uma das comédias mais inteligentes e
controvertidas produzidas hoje em dia. Homer Jay Simpson, um dos personagens, se destaca
pelo modo como se comporta. É um sujeito que apresenta atitudes bastante sintomáticas e
questionáveis que, a nosso ver, merecem ser estudadas de forma crítica. Isto é, aquela crítica
produzida pela Psicologia Social Contemporânea vinculada aos Estudos Culturais. O
personagem é, também, muito engraçado e bastante popularizado pela mídia televisiva e,
ultimamente, pelo cinema, o que vem despertando o interesse por ele na nossa sociedade
globalizada.
Portanto, a nosso ver, a análise psicossocial do personagem Homer nos ajudará a
refletir sobre certas características da sociedade contemporânea, principalmente tendo-se em
vista que Homer Simpson é, na perspectiva teórico-epistemológica da Psicologia Social
Crítica, um produto-produtor da atual sociedade estadunidense.
Através dessa perspectiva, nós analisamos, de uma forma geral, as facetas
identitárias do personagem Homer Simpson ao longo do filme The Simpsons Movie (2007).
Mais especificamente, nós observamos, criticamente: o contexto sócio-histórico em que se
encontra inserido o personagem; identificamos e descrevemos analiticamente as
características psicossociais de Homer; e por fim, identificamos, também, o processo da
construção social do personagem. Então, sabendo que Homer Simpson é um produto-produtor
da sociedade estadunidense contemporânea e que isso o torna, para a perspectiva da
Psicologia Social Crítica, um autêntico representante dela, buscamos saber aqui, diante desse
pressuposto teórico-epistemológico quem é o personagem Homer do filme The Simpsons
Movie (2007).
6
Para analisá-lo tivemos que percorrer alguns caminhos. Primeiramente
conhecemos a história e as características do desenho dos Simpsons, pois nosso material
empírico, o filme The Simpsons Movie (2007), provem dele; depois passamos a entender a
teoria a qual nos fundamentou, sem ela nosso trabalho perderia a cientificidade e, por fim,
tivemos que entender um pouco do universo sócio-cultural estadunidense, o qual o
personagem Homer Simpson faz parte. Só assim, obtivemos subsídio suficiente para fazer a
análise psicossocial de Homer.
1.1 Os Simpsons: breve histórico de um desenho animado
“Essa é uma das grandes coisas em Os Simpsons - se você lê alguns livros, entende
melhor as piadas.”
Matt Groening
“Escrevemos para adultos inteligentes.”
David Mirkin
Os Simpsons está no ar há mais de 18 anos, tudo começou em 1985 quando Matt
Groening desenhou a Família Simpson a pedido do produtor de TV James L. Brooks que
queria a criação de uma família maluca e engraçada para a televisão. Os rascunhos dos
personagens Homer, Marge, Bart, Lisa e Maggie foram construídos em aproximadamente 15
minutos enquanto Groening aguardava a conversa com Brooks.
Dois anos depois (1987), o criador dos Simpsons emplacou sua criação no
programa de humor de Tracey Ullman como uma série de curtas de 30 segundos. A reação
dos telespectadores foi tão positiva que o desenho evoluiu para um programa, estreando como
um especial de Natal de meia hora em 17 de dezembro de 1989 – O Prêmio de Natal, 1989.
No ano de 1990, Os Simpsons se regulariza como série. Esse desenho finalmente chegou ao
cinema em julho e agosto de 2007 depois de 20 anos e 400 episódios.
Os Simpsons é, na verdade, um seriado de desenho animado norte-americano dos
mais inteligentes hoje em dia. Keslowitz (2007, p. 5) diz que “nenhum desenho animado
aborda questões importantes da sociedade contemporânea com o enfoque crítico singular que
Os Simpsons utiliza numa base semanal”.
De acordo com Santos (2004, Internet), assuntos polêmicos que envolvem a
cultura e o estilo de vida dos nortes-americanos são tratados e posicionados nessa série,
7
refletindo, assim, a realidade estadunidense e uma grande parte da cultura ocidental,
principalmente dos países cuja influência cultural dos EUA é mais perceptível, como, por
exemplo, o Brasil. Muitas questões sérias foram abordadas no programa como, por exemplo, a
segurança envolvendo a energia nuclear, o ambientalismo, a imigração, os direitos dos
homossexuais, as mulheres nas forças armadas e assim por diante (CANTOR, 2005, p. 153154).
Os Simpsons pode ser considerado, para alguns que desprezam a série, apenas um
desenho sobre um bobão e sua família ou, até mesmo, uma diversão inconseqüente. Mas, na
verdade, se ele for assistido com atenção revelará uma sofisticada crítica social.
Keslowitz (2007) diz que muitas universidades dos Estados Unidos estão, hoje em
dia, oferecendo cursos baseados nessa série com a finalidade de destacar as questões
discutidas nela. Por exemplo, a Tufts University que ministrou um curso chamado “Os
Simpsons e a Sociedade” explorando a forma como Os Simpsons reflete e influencia vários
aspectos da vida na sociedade contemporânea.
Homer, o pai da família Simpson, leva o nome do pai do criador do desenho,
como também os outros Simpsons têm o nome de alguém da família Groening (Matt
Groening é o criador do desenho Os Simpsons) (IRWIN; LOMBARDO, 2005, p. 85,
Internet).
A participação de personalidades, atores ou cantores dublando sua própria voz é
comum nesse desenho animado. Keslowitz (2007, p. 8) diz que “Os Simpsons teve convidados
especiais mais do que qualquer outra série” e que o motivo dele atrair tantos convidados está
na sua natureza satírica. Segundo ele, um convidado supõe que será ridicularizado, mas,
mesmo assim, aparecem várias vezes ao programa por compreender que a atração é
extremamente bem escrita.
Os episódios da série Os Simpsons levam em média seis meses para serem
animados. Segundo Keslowitz (2007), cada episódio merece ser consumido repetidamente
porque os roteiristas montam o programa com uma quantidade espantosa de detalhes
intrincados. Além disso, essa série é rica em diversos aspectos tais como alusões, sátiras,
referências, ironia e paródia.
8
1.2 Indivíduo, cultura e sociedade na perspectiva da Psicologia Social Crítica conectada
aos Estudos Culturais.
“Nada pode ser compreendido fora da ação social.”
D. Harvey
“Toda a ação social é cultural.”
S. Hall
A Psicologia Social Crítica recebe outras qualificações como: Psicologia Social
Histórico-Crítica e Psicologia Sócio-Histórica. Ela surgiu através de críticas à psicologia
social “tradicional”. Denunciou o individualismo da Psicologia como sendo um desses
mecanismos perpetuadores da ideologia dominante e acusou a centralidade do conceito de
indivíduo na Psicologia Social tradicional, onde se toma o indivíduo como a realidade
primária, a partir da qual se desenvolve a interação social e a sociedade. Para a Psicologia
Social Crítica não se pode desconectar o indivíduo de seu contexto sócio-histórico particular
(LANE, 2001).
Os estudos culturais é um campo de estudos de aspectos culturais da sociedade
contemporânea, onde diversas disciplinas se interseccionam, sendo assim, um campo
interdisciplinar (ESCOSTEGUY, 1998). Segundo Guareschi; Medeiros; Bruschi (2003), os
Estudos Culturais devem ser vistos sob dois pontos de vista: o político (tentativa de
constituição de um projeto político) e o teórico (com a intenção de construir um novo campo
de estudos).
A junção da Psicologia Social Crítica aos estudos culturais é uma transição para a
pluralidade, pois passa de uma única disciplina para uma visão interdisciplinar.
Diante dessa pluralidade, Bonin (2003) faz a relação entre indivíduo, cultura e
sociedade. O autor diz que estudar a filogênese dos processos psicológicos não é suficiente
para compreender o ser humano. Para isso, também é necessário - e de suma importância pesquisar como o indivíduo se constitui em um contexto sociocultural. Os comportamentos
inatos do homem, aqueles que estão ligados à estrutura biológica, são moldados pela atividade
cultural das outras pessoas com quem ele se relaciona, pois quando o ser humano nasce ele
vai assimilar um sistema social criado pelas gerações já existentes através das inter-relações
sociais, permitindo a ele desenvolver um “eu” ou pessoa (self). O indivíduo se controla pela
auto-instrução falada, de acordo com sua auto-imagem ou imagem de si próprio. O controle
9
da fala sobre o comportamento se desenvolve a partir dos comandos da mãe sobre a criança
(relação interpessoal) depois ela passa a se auto-instruir como deve se comportar (controle
intrapessoal). O homem sai de uma relação interpessoal para um controle e planejamento
intrapessoal da sua própria atividade. Assim, o homem é um produto-produtor da sociedade. É
uma ilusão acreditarmos que o indivíduo é um estranho à sociedade, o seu verdadeiro eu não
se isola, nem se enclausura dela.
O indivíduo é concebido como produto da história, sociedade e cultura de seu
meio e é também um ser intencional e criativo que está sempre mudando, capaz de mudar,
coletivamente, o próprio processo cultural que o constituiu.
1.3 A sociedade estadunidense contemporânea
“Se nós temos que usar a força, é porque somos a América. Somos a nação
indispensável. Nós temos estrutura. Nós enxergamos mais longe em direção ao futuro.”
Abright, 1997
“O que importa é o que nós queremos.”
Bush, 2002
Fichou (1990), em sua obra “A Civilização Americana” fala de alguns traços
característicos do povo estadunidense:
a) Individualismo: tem o desejo de agir por si próprios, sem a tutela daqueles cujo
ofício é ser responsável pelos outros. Esse traço supõe uma grande confiança em si, uma
necessidade constante de agir correndo risco. O autor diz que esse é um dos traços mais
constantes da civilização estadunidense.
b) Abundância e esbanjamento: são traços tradicionais dos estadunidenses.
c) Encantamento pelo futuro: esse povo é sempre nascente. A prospectiva, a
antecipação, a fixação científica, que são histórias do futuro, são gostos deles.
d) Otimismo: os adultos encorajam, hoje em dia, um otimismo razoável. Eles têm
uma grande vontade de realização para resistir às crises conjunturais, por mais duras que
sejam.
e) Flexibilidade social: para melhorar de condição, eles não hesitam em mudar de
profissão de residência ou de religião e isto em todas as classes, em graus mais ou menos
diversos, de acordo com os períodos.
10
O autor atribui como virtudes dos estadunidenses os seguintes traços:
adaptabilidade, flexibilidade, inventividade, otimismo, coragem, abertura para o mundo,
individualismo. E como defeitos: violência, materialismo, superficialidade, agitação,
aventurismo e ingenuidade.
Maximiliano (2006), comenta como os estadunidenses de classe média vivem, se
alimentam, fazem compras e sexo:
Televisão - eles têm pelo menos três aparelhos em casa. Por dia, sua TV fica
ligada durante 7 horas e 13 minutos. Cerca de 70% das creches têm salas de TV; carro - todos
os estadunidenses de classe média têm um carro grande e mais de 85% deles têm mais de um
carro na garagem; sexo – o lugar preferido deles para fazer sexo é no banco de trás do
automóvel; esporte - Futebol é esporte de mulher, os homens preferem futebol americano,
hóquei, beisebol e basquete. Para eles quanto mais violento for o jogo e comida na
arquibancada, maior é a diversão; drogas - um em cada dois americanos já fumou pelo menos
um cigarro de maconha. Eles são os maiores consumidores de cocaína e heroína além de
serem os maiores produtores de metanfetaminas; shopping – existe cerca de 50 mil shoppings
nos Estados Unidos. O estadunidense médio passa 6 horas por semana vendo lojas, atende
cerca de 300 ligações de telemarketing por ano. Ele compra tanto que faz um garage sale (um
feirão particular) para vender tudo o que comprou no mês passado e abrir espaço para novas
aquisições; comida - 60 milhões deles são obesos. O McDonald's, depois do Papai Noel, é o
personagem mais famoso do mundo infantil. Eles consomem três hambúrgueres e quatro
pacotes de batata frita por semana; religião – eles são bastante religiosos. A população se
divide em protestantes (52%), católicos (24%), mórmons (2%), judeus (1%), muçulmanos
(1%), outros (10%) e ateus (10%); crime – eles têm a maior população carcerária do mundo,
com 2 milhões de presos, e são o quarto país que mais condenou prisioneiros à pena de morte;
lixo - Os americanos são apenas 5% da população mundial, mas geram 30% de todo o lixo do
planeta.
Em se tratando de lixo, os cidadãos dos países desenvolvidos produzem mais da
metade da produção mundial do lixo urbano. A quantidade de lixo produzida em um país está
diretamente associada ao grau de desenvolvimento econômico dele. Por isso os Estados
Unidos, país mais rico do mundo, lidera o ranking dos maiores geradores de lixo per capita do
mundo, ostentando a média de quase meia tonelada de rejeitos por habitante a cada ano
(REYNOL, 2008, Internet).
Fichou (1990) trata de outras características do estilo de vida estadunidense: nos
Estados Unidos tudo se baseia na aquisição de bens, no sucesso individual e no lado material
11
da vida. Para eles a família e a herança no plano ideal contam menos que o sucesso pessoal,
quando viajam para o exterior ficam surpresos pelos interesses que se dá ao passado: “os laços
que ainda unem os três níveis de nossas famílias (avós, pais e filhos) lhes são estranhos, e a
célula familiar só funciona em dois níveis: os avós [...], vivem alhures, frequentemente muito
longe”. (p. 42); a casa não é feita para durar, o material é perecível que logo será ultrapassado
e o teto é apenas um abrigo momentâneo; a cidade não é o resultado de superposições
sucessivas; a língua estadunidense é agitada, apressada, modifica-se a ortografia para ganhar
tempo.
1.4 Homer Simpson como ator social: as representações de “eu” no cotidiano
estadunidense atual
“O pai barrigudo e egocêntrico do desenho Os Simpsons é o retrato mais fiel do americano médio
que o mundo já viu.”
Adriana Maximiliano, 2006
“Homer representa tudo que há de certo e errado na América.”
Steven Keslowitz, 2007
O cinema é um campo altamente rico para a pesquisa em ciências humanas,
especialmente na área da Psicologia Social, pois através dele podemos compreender as
complexidades do mundo contemporâneo. É uma ferramenta importante para conhecermos a
sociedade, inclusive para analisamos a cultura (SILVA, 2008, Internet).
Infelizmente, a utilização da obra cinematográfica como objeto de estudo para as
ciências humanas é muito pouco investigado, apesar de não ser uma novidade
(PASSARELLI, 2000). É uma pena, pois encontramos trabalhos excelentes que utilizaram
esse material empírico para tratar de assuntos especialmente do campo da Psicologia Social,
como, por exemplo, o trabalho de Michel Bruschi e Patrícia Medeiros encontrado no livro
Psicologia Social nos Estudos Culturais (2003). Os autores utilizaram o longa-metragem
escrito e dirigido por Kevin Smith – Procura-se Amy – para questionar as identidades de
gêneros e sexuais dentro do campo dos Estudos Culturais e Estudos Feministas, na
perspectiva pós-estruturalista, problematizando, assim, o discurso hegemônico acerca de uma
identidade masculina e feminina.
12
Aqui, o filme The Simpsons Movie (2007) foi utilizado como material empírico
para estudarmos as representações de “eu” manifestadas pelo personagem Homer Simpson e
isso favoreceu uma reflexão sobre certas características da nossa sociedade contemporânea,
mais especificamente a sociedade estadunidense atual.
Embasado teórico-epistemologicamente na Psicologia Sócio Histórica, Homer, no
filme The Simpsons Movie (2007), representa a sociedade estadunidense atual. Ele, como
produto dessa sociedade, apresenta um “eu” referente a ela – o “eu” independente – e por isso
tem suas atividades afetadas por este tipo de “eu” e que se compatibilizam com a cultura
estadunidense. E como produtor de sua sociedade, o personagem muda a si e/ou o mundo ao
seu redor.
13
2 PROBLEMAS E OBJETIVOS
2.1 Problema
Homer
Simpson
é
um
produto-produtor
da
sociedade
estadunidense
contemporânea. O que o torna, na perspectiva da Psicologia Social Crítica, um autêntico
representante dele. Diante desse pressuposto teórico-epistemológico, nos perguntamos aqui:
quem é o personagem Homer do filme The Simpsons Movie (2007)?
2.2 Objetivos
2.2.1 Geral:
Analisar, na perspectiva da Psicologia Social Crítica conectada aos Estudos
Culturais, as facetas identitárias do personagem de desenho animado Homer Simpson no filme
The Simpson Movie (2007).
2.2.2 Específicos:
a) Observar as características psicossociais de personagem Homer Simpson, com vistas a
identificá-las e descrevê-las analiticamente ao longo do filme The Simpsons Movie
(2007);
b) Analisar, criticamente, o contexto sócio-histórico em que se encontra inserido o
personagem de desenho animado Homer Simpson no filme The Simpsons Movie
(2007).
c) Identificar, na perspectiva da Psicologia Social Crítica conectada aos Estudos
Culturais, o processo da construção social do personagem de desenho animado Homer
Simpson no filme The Simpsons Movie (2007).
14
3 PROCEDIMENTOS
3.1 Material
Para esta pesquisa, foi utilizado o DVD original do filme The Simpsons Movie
(2007) como material empírico. Isso possibilitou a elaboração da história do filme para a
análise da estrutura da narrativa como, também, retirar os diálogos do personagem
(legendado) para a análise do mesmo.
3.2 Análise do filme
Para a análise do filme The Simpsons Movie (2007) seguimos a proposta de
Graeme Turner, dentro do campo dos Estudos Culturais encontrado no livro Cinema Como
Prática Social (1997).
Primeiramente fizemos uma análise da estrutura da narrativa (não é muito
vantajosa para examinar os detalhes de um texto) e posteriormente uma análise da narrativa
legendada em português.
3.2.1 Análise da estrutura da narrativa
Ao analisar a estrutura da narrativa deve-se levar em consideração que ela é um
processo que passa por três etapas – a primeira é o ponto de equilíbrio estável ou estado de
plenitude, essa é a etapa a qual as coisas estão calmas, tranqüilas, satisfatórias ou
reconhecidamente normais; a segunda etapa é o estado de desequilíbrio que acontece quando
o estado inicial, ou seja, o estado de equilíbrio ou plenitude é rompido por alguma força ou
poder. O desequilíbrio só pode ser resolvido pela ação de uma força contrária à força que
causou o desequilíbrio; a terceira e última etapa é justamente quando ocorre a restauração do
equilíbrio ou plenitude. (TUNER;1997 apud BRUSCHI; MEDEIROS; 2003).
3.2.2 Análise da narrativa do filme
Ao analisar a narrativa de um filme deve-se levar em consideração que o cinema é
um sistema de significação. Os significados da narrativa de um filme não é uma propriedade
essencial do texto cinematográfico em si, mas produto da leitura de um público. É ele quem
15
vai dar sentido aos filmes. “O filme não é nem mesmo o alvo final da pesquisa, mas parte de
um argumento mais amplo sobre a representação (o processo social de fazer com que sons,
imagens e signos signifiquem algo) no cinema e na televisão”. (TUNER;1997 apud
BRUSCHI; MEDEIROS; 2003, p.223).
16
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Análise da estrutura da narrativa
4.1.1 The Simpsons Movie (2007): à guisa de sinopse
O filme The Simpsons Movie (2007) inicia-se com a banda Green Day tentando
falar para as pessoas de Springfield sobre a importância do meio-ambiente, mas falha, e seus
intérpretes são mortos quando um lago poluído afunda o lugar onde eles se apresentavam. No
funeral, Abe (o vovô, pai de Homer) tem uma visão de que algo terrível vai acontecer, mas só
Marge o escuta. Lisa e um garoto irlandês chamado Colin decidem organizar um seminário
para convencer as pessoas a limparem o lago, e conseguem.
Enquanto isso, Homer desafia Bart a ir de skate nu até o Krusty Burger, mas Bart
é pego pelo Chefe Wiggum. Depois disso, Ned Flanders conforta Bart depois da humilhação,
enquanto Homer resolve adotar um porco do comercial do Krusty Burger.
Homer deixa as fezes do porco num silo, e Marge o obriga a jogar fora.
Atendendo o pedido de Marge, Homer vai até o Centro de Tratamento para Lixo Tóxico
enfrenta uma longa fila, nessa hora ele recebe um telefonema de seu amigo que ligou para ele
ir, o mais rápido possível, até a Loja de Rosquinhas, pois a vigilância sanitária fechou a loja e
estavam distribuindo rosquinhas de graça, Homer fica impaciente e joga o silo no lago,
deixando-o poluído. No lago, Flanders e Bart descobrem um esquilo mutante, que ficou
assim graças ao lago poluído, e o esquilo é levado pela Agência de Proteção Ambiental dos
EUA (APA), cujo chefe, Russ Cargill diz ao presidente que Springfield é a cidade mais
poluída dos EUA, então, o presidente, persuadido pelo chefe da APA, autoriza sem pensar a
colocação de um domo de vidro em volta de Springfield.
A população de Springfield descobre que Homer poluiu o lago que causou a
confusão. Enfurecida, ela resolve matá-lo. A família Simpsons escapa por um buraco formado
na casa deles e então, resolvem se mudar para o Alasca, onde vivem felizes. Russ Cargill vê
que a população de Springfield está enlouquecendo e manipula o presidente, fazendo ele
querer destruir a cidade. No Alasca, Homer e sua família vivem felizes, mas descobrem na
TV que querem transformar Springfield no novo Grand Canyon e resolvem voltar para lá.
Homer não aceita, pois estava muito feliz no Alasca, além das pessoas de lá quererem matá-lo
na hora do ‘Access Hollywood’. Homer vai para um bar e quando volta para casa descobre
que a família foi embora para Springfield com o propósito de salvar a cidade. Homer se
17
desespera e adormece no gelo. Em seguida ele recebe a ajuda uma Xamã e descobre numa
visão que não pode viver sem amigos e família, e decide salvar Springfield.
Em Springfield, Russ Cargill diz à população que a cidade será destruída, e abre
um buraco no domo para jogar uma bomba lá dentro. Homer entra na cidade, pega Bart e uma
motocicleta. Homer e Bart jogam a bomba no buraco do domo e salva a cidade. No final do
filme, todos reconstroem Springfield. (THE SIMPSONS MOVIE, 2007).
4.1.2 Resultado e discussão da análise da estrutura da narrativa do filme The Simpsons
Movie (2007)
Primeira etapa (ponto de equilíbrio ou plenitude) – a população de Springfield
tem uma vida reconhecidamente normal. Aqui aparecem duas forças contrárias, uma em
direção ao desequilíbrio e outra em direção oposta.
A força em direção ao desequilíbrio está no comportamento do personagem
Homer Simpson e a força contrária está no comportamento de sua esposa Marge Simpson. Ela
se preocupa com as visões do vovô, procura alertar Homer sobre o porco e pede para ele jogar
o silo contendo os excrementos do porco dele em um lugar apropriado, já Homer, não liga
para a alerta do vovô, adota um porco e joga o silo em um lugar desapropriado, no lago de
Springfield.
Segunda etapa (estado de desequilíbrio) – um domo é colocado em volta da
cidade de Springfield para isolá-la do resto do mundo. Este fato causou uma grande mudança
na vida dos moradores da cidade.
O causador da ruptura do equilíbrio estável do início do filme foi o personagem
Homer Simpson. A sua atitude de jogar um silo contendo excrementos de seu porco no lago
de Springfield poluindo-o completamente fez com que o presidente dos Estados Unidos,
Arnold Schwarzenegger, persuadido pelo chefe da Agência de Proteção Ambiental (APA),
Russ Cargill, autorizasse, sem pensar, a colocação de um domo em volta de Springfield que
ocasionaram alguns fatos significativos - fez com que a família Simpson fugisse para o Alasca
devido Homer e sua família serem perseguidos pela população revoltada de Springfield;
causou a destruição da cidade devido o isolamento e “enloqueceu” a população de
Springfield, fato este, que posteriormente fez com que o presidente dos Estados Unidos,
novamente persuadido por Russ Cargill, autorizasse novas medidas sem pensar. Desta vez foi
a colocação de uma bomba dentro do domo para destruir completamente a cidade de
Springfield e seus habitantes. A força unificadora é quando Marge decide ir embora do Alasca
18
para salvar Springfield e a força para manter a ruptura é quando Homer diz que não vai voltar
para Springfield para salvar a cidade porque estava muito feliz no Alasca e que se danasse
Springfield, além do que, as pessoas de lá queriam matá-los na hora do ‘Access Hollywood’.
Terceira etapa (restauração do equilíbrio ou plenitude) – o novo equilíbrio
ocorre quando Homer salva Springfield. Isso só aconteceu pelo fato dele ter tido uma epifania
(percepção repentina de uma grande verdade) e descoberto que os outros são tão importantes
quanto ele, decidindo, assim, voltar para Springfield com o propósito de salvá-la. Homer (com
a ajuda de seu filho Bart) salvou a cidade jogando a bomba fora do domo e conseqüentemente
quebrando-o em pedaços. Com esta atitude a cidade passa ser livre novamente, ele passa a ser
novamente aceito pela população e a cidade é reconstruída.
O processo da narrativa é circular, pois o segundo ponto de estabilização é igual
ao primeiro. Note que a cidade deixou de ser isolada, a população de Springfield passou a ser
livre, a família Simpson voltou a morar em Springfield e a cidade é reconstruída, ou seja, tudo
volta a ser como era antes.
Essa análise da estrutura da narrativa nos ajudou a encontrar, de uma forma geral,
a construção de “eu” do personagem Homer Simpson. Mas Bruschi; Medeiros (2003 apud
TUNER, 2003) adverte que essa abordagem estruturalista não é vantajosa para examinar os
detalhes de um texto, pois o seu principal interesse é nas características que as narrativas têm
em comum. Assim, posteriormente analisaremos os detalhes do texto do filme, pois são eles
que nos possibilitaram a identificar e discutir analiticamente as representações de “eu” no
personagem Homer Simpson.
4.2 Análise da narrativa legendada
4.2.1 O “eu” independente de Homer Simpson
Bonin (2003) diz que o indivíduo constrói um “eu” referente à sua sociedade. Os
Estadunidenses e os Japoneses, por exemplo, apresentam, atualmente, um “eu” diferente.
Segundo o autor, as pessoas que se vêem autônomas e independentes, agem segundo atributos
internos e tem habilidades e valores únicos, tem o “eu” mais enfatizado do que o “nós”. Ele
denominou essa concepção de “eu” independente. Já as pessoas que agem de acordo com o
que é esperado pelos outros, não se colocando em primeiro lugar e procurando harmonizar
seus desejos e atributos pessoais com o de outrem, tem um “eu” que faz parte do grupo ou
família. E a essa concepção Bonin denominou de “eu” interdependente.
19
Segundo o autor citado acima, atualmente, a cultura dos Estados Unidos tem
característica de “eu” independente e a cultura japonesa apresenta características de um “eu”
interdependente. É bom ressaltar que apesar da maioria dos países apresentarem uma
pluralidade cultural, isto não quer dizer que eles não possuam características gerais, em que
predominem certos valores devido a correlação de forças internas.
Observando as oposições binárias do filme que significa, segundo Tuner (1997
apud BRUSCHI; MEDEIROS, 2003, p. 225) “um par de forças mutuamente excludente que
geralmente estão presentes no conflito principal da estrutura da narrativa do filme”, podemos
dizer que Homer Simpson está mais para um “eu” independente do que para um “eu”
interdependente.
Observe que as oposições binárias do filme estão construídas em relação às
diferenças entre o “eu” de Marge e o “eu” de Homer. Marge se preocupa com o bem estar da
população de Springfield, não se colocando em primeiro lugar, diferentemente de Homer que
não está nem aí, na maior parte do tempo do filme, para os outros, só pensa em si, fato este
que causou o estado de desequilíbrio do filme, tanto que a restauração do novo equilíbrio
aconteceu quando ele teve uma epifania (percepção repentina de uma grande verdade) e
percebeu que os outros são tão importantes quanto ele. Homer, assim como os estadunidenses,
tem o “eu” mais enfatizado do que o “nós”, diferentemente de Marge.
Segundo Bonin (2003), o tipo de “eu” afeta nas atividades dos indivíduos. Vejam
a seguir três diálogos do filme The Simpson Movie (2007) em que as atividades do
personagem Homer Simpson foram afetadas pelo seu tipo de “eu” (“eu” independente).
(A família Simpson chega atrasada na igreja.)
Marge: Detesto Chegar atrasada.
Homer: E eu detesto vir. Por que não posso louvar ao Senhor do meu jeito
rezando em desespero no meu leito de morte?
Marge: Homer, eles podem ouví-lo lá de dentro. (THE SIMPSONS
MOVIE, 2007).
As pessoas de “eu” independente (característica da cultura estadunidense)
valorizam mais seus motivos privados de coerência do que os papéis e obrigações sociais,
diferentemente das pessoas de “eu” interdependente. (BONIN, 2003).
No diálogo acima, nota-se que Homer valoriza mais os seus motivos pessoais que
as obrigações sociais. Para ele é muito mais coerente ficar em casa e só rezar no leito de morte
(motivo privado de coerência) do que ter que ir para a igreja fazer isso (obrigação social).
Bart: Estamos no telhado. Poderíamos nos divertir.
Homer: Divertir como?
Bart: Que tal brincar de desafio?
20
Homer: Boa idéia. Eu o desafio... a subir na antena da TV.
Bart sobe, e diz: Moleza.
[...]
Homer (carregando tijolos nas costa e levando tiros de Bart): Por que
sugeriu isso? Muito bem. Passemos à prova de jogo. Eu desafio que você vá
até o Krusty Burger e volte, de skate pelado.
Bart: Quão pelado?
Homer: Total.(THE SIMPSONS MOVIE, 2007).
Ser notado, se destacar, se firmar são outras características daqueles que tem o
“eu” independente, se isso não acontece é um pesadelo. Para quem apresenta esse tipo de
“eu”, sobressair-se, ser único elevando sua auto-estima é muito importante, mesmo que isto
cause dificuldades em relação aos outros. Essas pessoas têm o desejo de ser o melhor do
grupo, de ser tratado de maneira especial (BONIN, 2003).
Percebe-se claramente no diálogo acima, uma competição entre Bart e Homer.
Cada um, para sobressair-se topa o desafio do outro. Homer carrega tijolos nas costas,
levando tiros de espingarda de seu filho e Bart, além de subir na antena da casa, vai até o
Krusty Burger de skate pelado.
Marge: É, eles vão destruir Springfield, mas nós vamos impedi-los. Homie,
ponha a roupa. Homie?
Homer: Estou feliz aqui (Alasca). Que se dane Springfield!
Marge: Não acredito que possa ser tão egoísta. (THE SIMPSONS MOVIE,
2007).
Outro ponto tocado por Bonin (2003) é que as motivações das pessoas que
apresentam o “eu” independente estão ligadas à necessidade de expressar realização
individual. Eles procuram ser bem sucedido, realçar sua auto-estima e aumentar sua autorealização. Para eles não é muito importante demonstrar e desenvolver motivações sociais
como por exemplo, “socorrer, proteger os outros, afiliar-se, procurar ser modesto e agir
segundo expectativa de seus pares” (p. 69).
Para Homer, assim como para as pessoas de “eu” independente a realização
individual é muito importante. Note-se no diálogo acima que a felicidade de Homer no Alasca
(realização individual) é muito mais importante que salvar a população de Springfield.
Vimos através dos diálogos acima como a construção de “eu” do personagem
Homer Simpson afetou em suas atividades e que esse “eu” (independente) é uma característica
da cultura estadunidense. A seguir identificaremos outros pontos de identificação do
personagem com a cultura dos Estados Unidos.
4.2.2 Homer e os Estados Unidos
21
O filme The Simpsons Movie (2007) se baseia na cultura dos Estados Unidos,
visto que foi nesse país onde o filme foi criado, e é lá em que vivem Matt Groening - o
criador do personagem Homer Simpson como também de todos os outros Simpsons - e os
roteiristas do filme.
Springfiled , onde se passa a maior parte da história do filme e onde mora a
família Simpsons, representa uma cidade dos Estados Unidos. Veja abaixo alguns exemplos
da cultura dos Estados Unidos que caracterizam a sociedade de Springfield:
Música - o rock'n'roll faz parte da cultura dos Estados Unidos. Foi aí onde esse
movimento musical surgiu, cresceu nos anos 1950 e avançou vertiginosamente até a
atualidade. No filme dos Simpsons o rock'n'roll está presente. A banda de rock'n'roll, Green
Day, dos Estados Unidos faz uma participação especial no filme e dublam sua própria voz
(isso é comum no desenho dos Simpsons).
Igreja – uma das primeiras cenas do filme se passa na igreja. Segundo
Maximiliano (2006), nos Estados Unidos ir a igreja é uma obrigação. As pessoas de lá são
bastante religiosas. A população se divide em protestantes (52%), católicos (24%), mórmons
(2%), judeus (1%), muçulmanos (1%), outros (10%) e ateus (10%). A maioria é protestante,
visto que muitos colonizadores da colônia da América do Norte (onde hoje se encontra os
Estados Unidos) vieram da Inglaterra devido às perseguições da igreja Anglicana. Eram os
puritanos, adeptos de uma seita religiosa radical para a época e descontentes com o
Anglicanismo (religião oficial dos ingleses e do Rei Carlos I) (FUSER, 2006).
Fast food – os estadunidenses consomem três hambúrgueres e quatro pacotes de
batata frita por semana (MAXIMILIANO, 2006) a comida Fast Food também está presente
no filme. Note como o Krusty Burger do filme se assemelha com o McDonald’s (restaurante
de comida fast-food, construído na década de 1930 na Califórnia). Em algumas cenas
encontramos a família Flander comendo batata frita ou Homer comendo sanduíches no
Krusty Burger
Homer é um cidadão de Springfield e como todo indivíduo ele é um produtoprodutor dela. Sendo Springfield uma cidade que representa os Estados Unidos, Homer é um
autêntico representante da sociedade estadunidense.
Vejam a seguir as representações de “eu” tipicamente dos Estados Unidos
encontrada no personagem Homer Simpson (No decorrer do filme The Simpsons Movie
(2007), analisando os detalhes do texto, encontramos muitas representações de “eu”
tipicamente da cultura estadunidense. Falaremos aqui somente as mais significativas).
22
Reverendo Lovejoy: Hoje, gostaria de tentar algo diferente. Vou chamar um
de vocês!
(Todos que estavam no culto se abaixam assustados, tentando se esconder).
Reverendo Lovejoy: A palavra de Deus mora em cada um de vocês. E
quero que essa palavra saia. Deixem seu espírito...
(Ned Flanders levanta a mão).
Reverendo Lovejoy: o que foi Ned?.
Ned Flanders: O Senhor está me dizendo para confessar algo.
Homer: Gay, gay, gay. (cruzando os dedos e falando em voz baixa). (THE
SIMPSONS MOVIE, 2007).
O preconceito homossexual existe nos Estados Unidos como também na maior
parte do mundo, pois, culturalmente, a heterossexualidade é considerada a única identidade
sexual natural, assim, para estas sociedades, todo mundo é ou deveria ser heterossexual
(BRUSCHI; MEDEIROS, 2003).
Quando Ned Flanders fala que o senhor diz para ele confessar algo, Homer cruza
os dedos e deseja que seu inimigo vizinho diga que é gay, afinal se ele fosse gay seria
diferente do normal (para sua cultura) e conseqüentemente ridicularizado.
Vovô: Quero bananas nos meus Waffles.
Homer: Não precisa dizer mais nada.
Marge: Não vou deixar isso barato.
(Todos saêm do carro, exceto Vovô, que ainda está enrolado no tapete).
Vovô: Espere aí! Ainda estou no carro!
Homer: Ah, é! (Abre a porta do carro e abaixa um pouco o vidro.). (THE
SIMPSONS MOVIE, 2007).
Nos Estados Unidos a célula familiar só funciona em dois níveis pais e filhos, os
avós vivem alhures. Eles acham estranho o interesse que se dá ao passado dos outros países, é
estranho, para eles, os laços de união entre avós, pais e filhos de outros países (FICHOU,
1990).
Quando Homer desce do carro com sua esposa e filhos para comer Waffles
esquecendo seu pai dentro do carro, faz o vovô reivindicar “Espere aí! Ainda estou no carro!”
Essa atitude do vovô era para Homer voltar e desenrolá-lo do tapete para ir com eles comer
Waffes, no entanto, Homer volta e abaixa um pouco o vidro e vai comer waffles com sua
esposa e filhos. Isso representa claramente uma ruptura no laço avós, pais e filhos, sendo a
cédula familiar apenas a nível de pais e filhos.
Bart: As meninas podem ver meu bilau.
Homer: Entendi. Então posso declará-lo frangote. No seu casamento eu vou
cantar “Pó, Pó, Pó”. (THE SIMPSONS MOVIE, 2007).
23
Nos Estados Unidos é freqüente descrever outros indivíduos de maneira abstrata e
fora de contexto como, por exemplo, chamar uma pessoa de mão de vaca em vez de pessoa
que não gosta de contribuir (BONIN, 2003).
Quando Bart se queixa do desafio proposto por Homer de ir pelado até o Krusty
Burger. Homer o chama de frangote e imita uma galinha, essa é outra característica
estadunidense encontrada em Homer, de descrever o outro de forma abstrata e fora do
contexto.
Uma outra cena em que Homer representa a cultura estadunidense é quando ele
chega com o porco no Centro de Tratamento para Lixo Tóxico para dá um fim no silo. Nessa
cena, Homer fica esperando em uma fila longa. Seu celular toca, ele procura e acha quando
aperta a barriga do porco fazendo-o cuspir o aparelho celular:
Homer: Alô.
Lenny: Homer, você tem que vir para cá. A vigilância sanitária fechou a loja
de rosquinha. Estão distribuindo rosquinha de graça!
Homer: Meu Deus, meu Deus! Preciso fazer uma coisa primeiro.
Lenny: É melhor se apressar. Está acabando. (THE SIMPSONS MOVIE,
2007).
Essa coisa que Homer precisa fazer é se livrar do silo. Então, depois dessa
ligação, ele, em vez de esperar na longa fila, dirige até o Lago de Springfield, onde há
diversos cartazes informando para não jogar lixo lá e joga o silo lá dentro poluindo-o
completamente e vai embora. Logo em seguida um esquilo ameaçado por uma raposa entra no
lago e sai um monstro com vários olhos.
Os cidadãos dos países desenvolvidos produzem mais da metade da produção
mundial do lixo urbano. A quantidade de lixo produzida em um país está diretamente
associada ao grau de desenvolvimento econômico dele. Por isso os Estados Unidos, país mais
rico do mundo, lidera o ranking dos maiores geradores de lixo per capita do mundo,
ostentando a média de quase meia tonelada de rejeitos por habitante a cada ano (REYNOL,
2008, Internet). Segundo Maximiliano (2006), os estadunidenses são apenas 5% da população
mundial, mas gera 30% de todo o lixo do planeta.
Homer representa um desses cidadãos estadunidense, produziu uma grande
quantidade lixo. E pensando só em si (“eu” independente), ele não pensa duas vezes e joga o
lixo (silo) no Lago onde aos redores apresentavam cartazes informando que é proibido jogar
lixo, essa era a solução mais fácil que ele encontrou para poder chegar mais rápido na loja de
rosquinhas para se beneficiar comendo de graça.
Homer: Eu sei que errei. Errei feio.
24
Marge: Muito feio! Estamos sem teto! Nossos amigos querem nos matar!
Antes que possamos dividir o mesmo espaço com você preciso saber o que
passou na sua cabeça quando não quis me ouvir e jogou o silo no lago.
(Homer faz uma exprssão de não saber).
Marge: Homer!
Homer: Não sei o que dizer, Marge. Eu não penso nas coisas. Respeito
quem faz isso, mas tento evitar o sofrimento diurno até poder entrar na cama
ao seu lado.
(Marge se emociona, mas tenta disfarçar).
Homer: Sinto muito. Mas além de sentir muito eu tenho uma solução. Meu
medo de entregar nossas vidas era tão grande que sempre tive um plano B. E
este plano está bem aqui!
(Homer mostra um cartaz com a imagem do Alasca e a seguinte frase
“Alasca. Um novo começo.”). (THE SIMPSONS MOVIE, 2007).
Fichou (1990) fala que o otimismo e a flexibilidade social são uma das
características das pessoas dos Estados Unidos. Eles têm uma grande vontade de realização
para resistir às crises conjunturais, por mais duras que sejam e para mudar de condição, eles
não hesitam em mudar de profissão, de residência ou religião, são sempre nascente.
Homer apresenta essas duas características. Em vez de ficar se lamentando por
estar sem teto, não podendo voltar para Springfield porque seus amigos querem matar ele e a
sua família, tem um plano, que é ir para o Alasca para começar de novo a vida. Isso revela
uma grande vontade de realizar para superar os seus problemas, além de uma flexibilidade
social, pois para mudar de vida ele não hesitou em mudar de residência.
Homer: Marge, aquelas pessoas nos perseguiram com forcados e tocha.
Tochas! Às 16h!
Marge: Eram 19h.
Homer: Foi durante ’Access Hollywood’
Marge: Que passa às 16h e às 19h. (THE SIMPSONS MOVIE, 2007).
A televisão é muito importante para os estadunidenses. Nos Estados Unidos os
habitantes tem no mínimo três televisões em casa e ela fica ligada mais de 7 horas por dia
(MAXIMILIANO, 2006).
Aqui nos percebemos a importância da TV para Homer, assim como para os
estadunidenses. Homer se queixa porque a população de Springfield perseguiu ele e sua
família na hora do Access Hollywood, mesmo, passando na TV duas vezes ao dia. Além
disso, no filme, Homer aparecer assistindo TV é um fato costumeiro.
4.2.3 A transformação de Homer Simpson
O indivíduo é um produto de sua sociedade, mas é também um ser intencional e
criativo que estar sempre mudando a si e/ou o mundo ao seu redor. O sujeito, em um diálogo
25
contínuo com os mundos culturais exteriores e com as identidades que os mundos oferecem, é
formado e modificado. A identidade do indivíduo é na verdade uma identificação com as
identidades oferecidas pelo seu meio, a qual o indivíduo entra e sai constantemente. Assim é
Homer Simpson, o personagem aparece em quase todo o filme com características de um “eu”
independente, mas no final do filme ele se transforma depois de ter tido um epifania
(percepção repentina de uma grande verdade) e passa a ter características de um “eu”
interdependente:
Homer: Façam o que quiser comigo. Não estou mais nem aí para mim.
Voz: Por que...
Homer: Porque os outros são tão importantes quanto eu. Sem eles, não sou
nada. Para me salvar tenho que salvar Springfield! É isso! Não é? (THE
SIMPSONS MOVIE, 2007).
Nesse diálogo, Homer passa a pensar mais nos outros. O seu “eu” deixa de ser
mais enfatizado e passa a fazer parte do grupo ou família, além disso, a sua realização
individual (felicidade no Alasca) passa a ser menos importante que socorrer os outros. Estas
são características do “eu” interdependente. (BONIN, 2003).
Somente essa mudança no “eu” do personagem possibilitou o novo equilíbrio do
filme, fazendo tudo voltar a ser como era antes. Isso revela que no filme The Simpsons Movie
(2007) o que é representado como bom (“eu” interdependente) é o oposto das características
da própria cultura dos Estados Unidos (“eu” independente), assim, como no desenho dos
Simpsons, o filme faz uma crítica à sociedade estadunidense. (O desenho Os Simpsons, se for
assistido com atenção, revelará uma sofisticada crítica social aos Estados Unidos). E essa
crítica, no filme, se faz através do “eu” do personagem Homer Simpsons.
26
5 CONCLUSÃO
No filme The Simpsons Movie (2007), Homer Simpson, de uma forma geral,
manifesta características sócio-culturais típicas da sociedade estadunidense atual.
Springfield, cidade onde se passa a maior parte da história do filme e local onde
reside o personagem Homer, representa uma típica cidade estadunidense. Nos Estados Unidos
atual, o rock and roll faz parte da cultura de seus habitantes e a música ouvida e adorada em
Springfield é justamente desse estilo. Além da música, outras características da sociedade
estadunidense são encontradas em Springfield como, por exemplo, o hábito de ir à igreja e
comer Fast Food.
Ir para a igreja é uma obrigação nos Estados Unidos, as pessoas desse país são
bastante religiosas, a maioria delas são protestantes. Os habitantes de Springfield também vão
à igreja e alguns personagens são cristãos devotos, principalmente Ned Flanders.
O Krusty Burger de Springfield é uma cópia do McDonald’s (lanchonete de
comida fast-food que surgiu nos Estados Unidos). Batata frita, hambúrgueres, que são
comidas encontradas nessa lanchonete estadunidense, fazem parte do cardápio do Krusty
Burger. Além disso, ambos apresentam um sujeito vestido de palhaço como símbolo da
lanchonete (referência aos palhaços Krusty do Krusty Burge e Ronald da McDonald’s).
Homer como morador da cidade de Springfield (lugar que representa uma cidade
dos Estados Unidos), é um produto-produtor da sociedade estadunidense, pois, para a
Psicologia Social Crítica, o indivíduo é formado através de um sistema cultural dado
previamente pela sua sociedade e, ao mesmo tempo é um sujeito ativo, podendo mudar a si
e/ou o mundo ao seu redor.
Homer Simpson como produto da sociedade dos Estados Unidos atual, representa
algumas características psicossociais dos estadunidenses:
a) Pensar só em si;
b) Valorizar mais os motivos pessoais que as obrigações sociais;
c) Sobressair-se, ser notado, ser o melhor, mesmo que cause dificuldade em relação aos
outros;
d) Valorizar mais a realização individual que salvar e proteger outras pessoas.
e) Preconceito contra homossexuais;
f) Valorizar a célula familiar apenas no nível pais e filho;
g) Descrever pessoas de forma abstrata e fora de contexto;
h) Poluidor do meio ambiente;
27
i) Otimismo;
j) Flexibilidade social;
k) Passar horas assistindo televisão.
Na maior parte do filme, Homer se apresenta como produto da sociedade
estadunidense, mas no final do filme ele se transforma, deixa de ser sujeito passivo de seu
meio e torna-se ativo. Essa mudança no personagem faz dele um produtor, capaz de mudar a
si e/ou o mundo ao seu redor. As novas características psicossociais apresentadas no
personagem são:
a) Pensar mais nos outros que em si.
b) Salvar, proteger outras pessoas passa a ser mais importante que a realização
individual.
O “eu” de um indivíduo é construído na vida social e esta constitui as habilidades
e atividades dos sujeitos. O processo da construção de “eu” do personagem é o seguinte:
Primeiramente Homer apresenta comportamentos típicos daqueles que apresentam
um “eu” independente, o qual as pessoas que se vêem autônomas, independentes, agem
segundo atributos internos, tem habilidades e valores únicos e apresentam o “eu” mais
enfatizado do que o “nós”. Esse “eu” independente também é uma característica da cultura
dos Estados Unidos.
Posteriormente,
o
personagem
apresenta
características
de
um
“eu”
interdependente que são de pessoas que agem de acordo com o que é esperado pelos outros,
não se colocam em primeiro lugar, procuram harmonizar seus desejos e atributos pessoais
com o de outrem e apresentam um “eu” que faz parte do grupo ou família.
Essa mudança no “eu” do personagem foi o que possibilitou o novo equilíbrio do
filme. O “eu” independente do personagem causou todo o conflito do filme, somente com a
mudança em algumas características do seu “eu” para outras do “eu” interdependente tornou
possível resolver o conflito gerado no filme. Isso mostra que no filme The Simpsons Movie
(2007) o que é representado como bom, são as características do “eu” interdependente, a qual
é o oposto do “eu” independente que é, inclusive, característica da própria cultura dos Estados
Unidos.
Através dessa análise, além de conhecermos as facetas identitárias do personagem
Homer Simpson, no filme The Simpson Movie (2007), percebemos, também, a
impossibilidade de estudar o indivíduo, numa perspectiva complexa, isolando-o de seu meio
sócio-cultural e isso vem creditar ainda mais os pressupostos teórico-epistemológico da
Psicologia Social Crítica (que, aliás, surgiu com a “crise” da psicologia social norte-
28
americana) que procura dar conta da nossa realidade psicossocial que vem se tornado cada
vez mais dinâmica e complexa.
29
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VICENTINO, Cláudio. História Geral. 10. ed. São Paulo, editora Scipione, 2007
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