UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE (CCBS)
Ronaldo de Flores Bernardino
HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE BIOLOGIA DO ENSINO MÉDIO:
ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DE FIGURAS HISTÓRICAS
São Paulo
2014
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE (CCBS)
HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE BIOLOGIA DO ENSINO MÉDIO:
ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DE FIGURAS HISTÓRICAS
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mônica Ponz Louro
Trabalho de conclusão de curso de
graduação em Ciências Biológicas da
Universidade Presbiteriana Mackenzie para a
obtenção do título de Licenciado
São Paulo
2014
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora. Sem sua ajuda e paciência, este trabalho certamente não
teria sido realizado. Sem sua calma e disposição, nem saberia o que fazer.
Aos professores da Licenciatura, que me mostraram mais que outra forma de
ver o ensino, outra forma de ver o mundo. Seus ensinamentos foram infinitamente além
da docência, e me seguirão pelo resto de minha vida.
Aos meus pais, por me apoiarem em minhas escolhas, me respeitarem em
minhas decisões, me prestigiarem nas vitórias, e me consolarem nas derrotas. Em
especial, ao meu pai, por sua infinita disposição em me ajudar na coleta de dados, e
minha mãe, por me acalmar nas horas de crise.
Às bibliotecárias, secretárias e recepcionistas, pela ajuda em obter os
exemplares para este trabalho, e às editoras, por sua disponibilidade. Aon autores das
obras didáticas, pela dedicação e esforço para elaborar um material de qualidade para
os alunos deste país.
A todas as pessoas dedicadas ao estudo da evolução, por elaborar e propagar
uma das teorias mais belas e elegantes da ciência.
Obrigado.
"Quando alguém entra totalmente no reino do amor, o mundo - não importa o quão
imperfeito - torna-se rico e belo, e consiste somente de oportunidades para amar."
Søren Kierkegaard
RESUMO
Uma abordagem histórica pode apresentar vantagens para o ensino de
evolução. No entanto, a representação didática da história da ciência pode permeada
de interpretações errôneas. Dentre os instrumentos didáticos que podem reforçar ou
prejudicar o professor, está o livro didático. O objetivo deste estudo foi estudar a
representação de figuras históricas relacionadas à teoria da evolução em livros
didáticos de Biologia para o Ensino Médio. Foram analisados seis exemplares de
coleções didáticas aprovadas no PNLD de 2012. A análise procurou estabelecer uma
visão geral da representatividade de figuras históricas - em especial as de Lamarck e
Wallace. Os resultados mostram que o conteúdo histórico é maior e melhor do que foi
observado em estudos anteriores. Não obstante, algumas concepções errôneas estão
presentes nos livros.
Palavras-chave: história da evolução, livro didático, biologia, Lamarck, whig
ABSTRACT
A historical approach may present advantages to the teaching of evolution.
However, the didatic representation of science history may be permeated of
misconceptions. Among the didactic tools that can either aid or hinder the teacher in
presenting a vision of science compatible to the current paradigm, is the schoolbook.
The objective of this study was to study the representation of historical figures related to
the theory of evolution in middle-school biology books. Exemplars of six didactic
collections approved by the 2012 PNLD were analyzed. The analysis sought to
establish a general view of the representativity of historical figures - namely the ones of
Lamarck and Wallace. Results show that the representation of these figures is better
and of greater size then what was observed in earlier studies. Nevertheless, some
misconceptions are still present in some of the books.
Keywords: history of evolution, schoolbook, biology, Lamarck, whig
5
SUMÁRIO
1 Introdução ............................................................................................................................. 6
2 Referencial Teórico
2.1 A teoria da evolução por seleção natural ..................................................................... 10
2.2 Concepção histórica e o "whig" da Ciência ..................................................................11
2.3 Aspectos a se considerar
2.3.1 Em relação a Lamarck......................................................................................... 13
2.3.2 Em Relação a Wallace ........................................................................................ 15
2.3.3 Em relação a outras figuras históricas ................................................................ 16
2.3.4 Outros aspectos a se considerar ......................................................................... 18
3 Método ................................................................................................................................ 19
4 Resultados .......................................................................................................................... 21
4.1 Aspectos observados
4.1.1 Em Martho, G. R.; Amabis, J. M. (2011) - Livro 1 ................................................ 22
4.1.2 Em Santiago dos Santos, F. et al. (2013) - Livro 2 .............................................. 23
4.1.3 Em Lopes, S.; Rosso, S. (2010) - Livro 3 ............................................................ 26
4.1.4 Em Pezzi, Gowdak e Mattos (2013) - Livro 4 ...................................................... 28
4.1.5 Em Mendonça, V.; Laurence, J. (2011) - Livro 5.................................................. 29
4.2 Representatividade das figuras históricas ................................................................... 33
5 Análise e Discussão ............................................................................................................ 35
6 Considerações Finais .......................................................................................................... 38
7 Referências Bibliográficas ................................................................................................... 39
6
1 Introdução
A teoria da evolução é, indubitavelmente, um dos grandes pilares das Ciências
Biológicas. Dobzhansky (1973) afirma que, visto à sua luz, a biologia é talvez a mais
satisfatória e inspiradora ciência, e certamente não é menor seu papel no ensino de
biologia. Seu papel como eixo unificador das áreas, sua importância para a
compreensão de conceitos como diversidade e história geológica, e seu potencial para
o ensino de atitudes e valores são enfatizadas por diversos autores (ARAÚJO, 2012;
CICILLINI, 1993, CORRÊA et. al., 2010, ENGELKE, 2009, DO CARMO; BIZZO;
MARTINS, 2009, TIDON; VIEIRA, 2009).
Mesmo assim, diversos estudos apontam para um baixo índice de aceitação da
teoria da evolução entre alunos. Em especial, há falta de entendimento e concepções
errôneas de variados aspectos da teoria, em uma porcentagem grande da população
geral, dos estudantes e de professores (BIZZO, 1991; PAZZA; PENTEADO; CAVALCO,
2010; ALMEIDA; FALCÃO, 2005). Torreblanca, Merino e Longhi (2011), por exemplo,
constatam a existência de um conjunto de ideias e de concepções prévias, comum
entre os alunos - ideias teleológicas e de surgimento de características herdáveis por
uso e desuso que não condizem com a estrutura atual da teoria. Tidon e Lewotin (2004)
apontam ainda a presença destas concepções também em professores (estas ideias
são muitas vezes desnecessariamente classificadas como "lamarckistas", mas em
realidade diferem em muito das ideias de Lamarck (KAMPOURAKIS 2007; STOVER;
MABRIS, 2007)).
Entender a teoria da evolução é entender não apenas suas bases teóricas, mas
também o contexto no qual ela se insere. Bizzo (1991) se baseia na teoria
epistemológica de Ludwik Fleck para afirmar que a teoria da evolução, como concebida
por Darwin, surgiu por que seu1 contexto sociocultural permitiu essa sistematização do
conhecimento científico - conhecimento que não foi resultado de um indivíduo, mas de
1
Ludwig Fleck (1896 - 1961), pesquisador polonês. Apesar de ter como campo de estudo a bacteriologia,
Fleck fez importantes contribuições ao estudo da natureza da Ciência, ao descrever a inovação científica
como resultado da "tradução" de conceitos entre os "coletivos de pensamento" - grupos de
pesquisadores com estilos de pensamento distintos.
7
um coletivo de pensamento. Araújo (2012) enfatiza que, por sua natureza
interdisciplinar, a teoria da evolução é de extrema importância para a formação deste
contexto nos alunos em relação a ciência como um todo. No entanto, Prestes e De
Andrade Caldeira (2009) notam que no ensino de biologia o que ocorre é o oposto, a
abordagem tradicional da ciência, com foco no conteúdo e "restrita à história de fatos,
anedotas e heróis" (PRESTES; DE ANDRADE CALDERIA, 2009, p. 6).
Este não é um fenômeno exclusivo à evolução; Matthews (1992) aborda a crise
na educação contemporânea americana, marcada pela "analfabetização científica", e
propõe que a melhor solução para esta crise é a inclusão da história e filosofia da
ciência no currículo de ciências da escola básica (MATTHEWS, 1992).
Por que o referencial histórico é importante no processo de ensino e
aprendizagem de ciências, e por que uma apresentação do conhecimento científico
historicamente contextualizado é tão imperativo no ensino de evolução? Matthews
(1992) aponta diversas razões, entre elas: a demonstração de que a ciência e o
conhecimento científico são mutáveis, um melhor entendimento do método científico, e
um maior interesse dos alunos - decorrente da atribuição de significado ao conteúdo.
Longe de prejudicar apenas o aprendizado da evolução, a falta de contexto
histórico também distorce a visão que os alunos têm do cientista (CICILLINI, 1991).
Pérez et al. (2001)
descreve extensivamente diferentes "visões deformadas" que
afetam alunos, professores e cientistas. Entre elas, pode-se citar neste momento:

a visão "empirico-indutivista", que ressalta a rigidez do método científico e a
certeza de se atingir a verdade através dele, ignorando as influências
externas e os fatos a priori;

a visão "ahistórica"', que ignora a forma como o conhecimento científico foi
desenvolvido e as perguntas que ele tenta responder, limitando-se à
apresentação dos "fatos"';

e a visão "analítica", que ignora os processos de síntese e unificação da
ciência, em favor de ressaltar a separação entre as áreas.
8
Por conta desta dificuldade em fazer a transposição didática da evolução para a
sala de aula, há a necessidade de se fazer um planejamento estratégico do ensino
(TIDON; LEWOTIN, 2004). Dos instrumentos disponíveis para realizar essa
transposição, um dos mais prevalentes na sala de aula é, sem dúvida, o livro didático.
Engelke (2009) defende que, devido a sua prevalência nas salas de aula brasileiras, o
livro didático pode ser visto como uma forma fundamental de realizar a mudança
conceitual necessária para a compreensão dos conceitos de evolução.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2012 oferece diretrizes para a
utilização do livro didático em sala de aula e avalia coleções didáticas para o ensino
médio.
O Guia do PNLD de Biologia de 2012 apresenta resenhas das obras
aprovadas, feitas por especialistas de diversas áreas das ciências biológica, segundo
parâmetros pré-estabelecidos, como: representação gráfica adequada, coerência
metodológica, e respeito à legislação, entre outros. Das 16 obras avaliadas no PNLD
de 2012, foram aprovadas oito (BRASIL, 2012). Vale ressaltar que Tidon e Vieira
(2009), previram um aprimoramento dos livros de biologia do Ensino Médio após a
publicação do PNLD de 2008, baseado no que ocorreu ainda antes com os livros para
o ensino fundamental.
Pode-se identificar no PNLD do 2012 diversos quesitos que contemplam a
importância da contextualização do ensino, sendo cada obra didática avaliada pela
forma como "auxilia na construção de uma visão de que o conhecimento biológico e as
teorias em Biologia se constituem em modelos explicativos, elaborados em
determinados contextos sociais e culturais, superando a visão a-histórica de que a vida
se estabelece como uma articulação mecânica de partes" e se ela "possibilita o
reconhecimento das formas pelas quais a Biologia está engendrada nas culturas"
(BRASIL, 2012, p. 10).
Vale ressaltar, porém, que a apresentação de contexto histórico na ciência pode
também reforçar a imagem errônea da natureza da ciência. Bizzo (1992) atenta para a
ênfase dada ao ato da descoberta e de "momentos eureca" para a construção do
conhecimento científico, enquanto as construções teóricas e o contexto coletivo
passam para o segundo plano. No ensino de Química, por exemplo, demonstra-se a
9
prevalência do modelo científico que vê os trabalhos antigos da alquimia como
obstruções ao saber racional e empírico - de forma análoga à qual as teorias prédarwinianas são vistas como obstáculos para a "verdade" da teoria da evolução de
Darwin.
Estas afirmações têm um mesmo ponto focal: uma concepção distorcida da
atividade científica que separa seus praticantes em "heróis" e "vilões", como descrito
por Prestes e De Andrade Caldeira (2009) - e que se completa à "visão
individualista/elitista" descrita por Pérez et al. (2001), na qual o conhecimento científico
é visto como produto do trabalho isolado de gênios e pequenas equipes de cientistas,
ignorando o trabalho coletivo e a troca de informações envolvida.
Martins (2006) sugere que, para que sejam evitados estes problemas, se evitem
as biografias longas e sem contexto sociais, e representar não apenas "o que deu
certo", mas as dificuldades encontradas pelo cientista - já que a historicidade da ciência
está profundamente ligada ao debate e ao "conflito" (CICILLINI, 1993).
De fato, uma das características de uma obra aprovada no PNLD de 2012,
segundo suas diretrizes, deve ser a de "explorar a dimensão histórica do conhecimento
biológico" (Brasil, 2012), o que contrasta com a posição apresentada pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN+) de 2000 - que, segundo Prestes e De Andrade Caldeira
(2009), não dá ênfase suficiente à história, filosofia e sociologia da biologia, indicando
uma defasagem entre as pesquisas em filosofia e história da ciência e sua aplicação no
ensino.
Independente do modelo de ensino adotado pelo professor, deve-se considerar
essencial que haja um distanciamento da abordagem ahistória. O PNLD de 2012
coloca como um de seus quesitos no manual do professor a "considera o papel
mediador do(a) professor(a) como auxiliar na condução das atividades didáticas, numa
perspectiva de rompimento com uma visão finalista e antropocêntrica do fenômeno
biológico e uma visão de ciência meramente empirista e indutivista" (BRASIL, 2012, p.
11). Para Lajolo (1996), antes do convencimento, o livro didático deve estimular o
diálogo com o aluno - desta forma, é possível que o conhecimento que os alunos já
possuem seja trazido à aula, e em cima deste ser feita a construção do conhecimento.
10
Tendo em vista estes aspectos, os objetivos deste estudo foram:

analisar os capítulo dedicados ao tema "Evolução" nos livro didáticos de
biologia do ensino médio aprovados pelo PNLD de 2012, focando na
representação do contexto e das figuras históricas;

identificar aspectos positivos e negativos desta representação, com base no
referencial teórico, comparando-os com os resultados de estudos anteriores;

propor sugestões para aumentar a qualidade das representações históricas,
visando a formação de um material didático contextualizado.
Vale ressaltar, porém, que o livro didático não é capaz de oferecer,
inexoravelmente, as condições para esta construção de conhecimento, nem pode ele
ser visto como o único responsável pelo aprendizado do aluno. Pelo contrário, o livro é
um instrumento a ser utilizado pelo professor, de forma a dar suporte à ação ativa da
construção do conhecimento. Esta é uma das razões pelas quais a edição do professor
pode ser vista como uma forma de o autor dialogar com o docente, expondo os
pressupostos teóricos que levaram a sua elaboração, e permitindo sua apropriação
para o planejamento das aulas (LAJOLO, 1996). Esta visão também é apresentada
pelo PNLD, que enfatiza o papel do livro didático em se adaptar ao currículo escolar e
ao plano de ensino do professor (BRASIL, 2012).
2 Referencial Teórico
2.1 A teoria da evolução por seleção natural
Segundo Gould (2002), em sua teoria original, Charles Darwin baseou-se em
três premissas - a superfecundidade dos organismos, que leva a um aumento da
população além da capacidade de suporte do ambiente; a ocorrência de variações
entre indivíduos de uma população - variações que podem conferir ao indivíduo
maiores chances de sobreviver e se reproduzir com sucesso; e a herdabilidade dessas
variações para seus descendentes. Três postulados que, individualmente, eram aceitos
11
e difundidos na época, mas que em conjunto formaram o "tripé" da teoria darwinista, e
dos quais deriva sua conclusão - a transformação das espécies ao longo do tempo
através da seleção natural -, formam o núcleo da teoria de Darwin (GOULD, 2002).
A teoria vai muito além destes postulados. A Evolução é uma teoria
profundamente histórica, e além disso filosófica, que criou para Darwin aliados e
inimigos, e até hoje gera debates acalorados (CICILLINI, 1993). Ressalta-se,
novamente, a importância do contexto histórico para seu entendimento.
2.2 A abordagem histórica e o "Whig" da Ciência
Como citado anteriormente, muitos problemas permeiam o ensino da teoria da
evolução. Motivado pelos problemas encontrados nesta e em outras áreas da biologia,
surgiu, entre os pesquisadores, historiadores e filósofos da ciência, o interesse em um
ensino contextualizado da ciência (PRESTES, DE ANDRADE CALDEIRA, 2009). Uma
forma de diminuir estas concepções erradas seria trabalhar a teoria da evolução nas
escolas com um enfoque histórico-filosófico; Matthews (1992) sugere esta forma de
abordagem como a melhor das soluções para a crise no ensino de ciências, citando
como vantagens o estímulo da reflexão e do pensamento crítico. Martins (2006)
também afirma que a função da História da Ciência é esclarecer concepções errôneas
em relação à natureza e filosofia da ciência.
Para Bizzo (1991), um professor-pesquisador, dedicado a estudar a própria
prática do ensino, pode utilizar a história da ciência para encontrar paralelos entre as
ideias dos cientistas do passado com as dos alunos do presente. Um risco que se pode
correr, no entanto, é o de fazer reconstruções simples demais, que representem as
teorias anteriores como parte de um simples processo cumulativo de erros, que
culminam na versão atual, "verdadeira", da ciência. Outros estudos, citados por Pérez
et al. (2001), mostram que mesmo no ensino universitário é transmitida esta visão da
Ciência.
Em seu estudo sobre a historiografia da Ciência, Mayr (1990) atenta para o que
é definido como interpretação "whig", ou "whigismo" da história. O termo, cunhado pelo
historiador Herbert Butterfield, foi definido como interpretações que "estudam o
12
passado com os olhos do presente" - aplicável em casos nos quais é feito um
julgamento injusto de autores do passado por causa do conhecimento que temos no
presente. Por exemplo, ao se criticar Lamarck por aceitar a teoria da herança dos
caracteres adquiridos, ou Darwin por aceitar a pangênese - em ambos os casos, ideias
universalmente aceitas na época, está se fazendo uma interpretação "whiggista", ou
"presentista" dos fatos históricos (MAYR, 1990).
A concepção original de "whig" também se aplica à interpretação teleológica da
história, na qual há uma progressão inexorável de ideias passadas e errôneas para
ideias atuais e corretas. Para Pérez et al. (2001), esta visão de Ciência como resultado
do acúmulo linear de informação é classificada como "visão acumulativa de
crescimento linear", e peca por ignorar os processos de reformulação e remodelação
da Ciência. Bizzo (1992) e Mayr (1990), porém, defendem que, justamente devido a
esta natureza das teorias científicas - caracterizadas pela complementação, síntese e
elaboração mais do que pela destruição propriamente dita das ideias anteriores - é
possível admitir uma noção de "progresso" na Ciência mais do que em outras áreas do
conhecimento.
O perigo de se adotar a ideia de progresso, no entanto, é chegar à conclusão de
que as ideias passadas foram nada mais do que um empecilho para que os
pensadores chegassem a suas ideias. Bizzo (1992) coloca este tipo de visão como
resultado do processo de observação pelo cientista-historiador que, inadvertidamente,
faz uma seleção do conhecimento do passado baseado no que ele considera mais útil
para explicar o presente.
A ocorrência de "whig", a "visão acumulativa de crescimento linear" e a visão
ahistórica descritas por Pérez et al. (2001) estão, portanto, profundamente ligadas, ao
ponto de se poder considerar o whig um aspecto destas visões.
Em relação ao livro didático, a ocorrência de "whigismos" pode ser observada no
relato dos estudos feitos por Almeida e Falcão (2010), que notam a frequência com a
qual nos livros didáticos brasileiros "a abordagem do tema como concluído, desprovido
de contextualização histórica para a compreensão, por parte dos alunos, de como os
conceitos foram desenvolvidos ao longo do tempo" (ALMEIDA; FALCÃO, 2010).
13
2.3 Aspectos a se considerar
Mais especificadamente, pode-se considerar alguns aspectos prevalentes
observados por estudos anteriores, em relação a figuras específicas da história. Estes
aspectos serão apresentados a seguir.
2.3.1 Em relação a Lamarck:
Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet de Lamarck, Chevalier de Lamarck
(1744-1829), foi um pesquisador francês. Considerado o "pai" da paleontologia de
invertebrados, e conhecido por seus trabalhos na sistemática botânica, sua obra se
estende às áreas da paleontologia, geologia, e sistemática (GILLISPIE, 1981).
Quando se discutem os precedentes históricos da teoria de Darwin, poucas
figuras são tão prevalentes quanto a de Lamarck. Gould (2002) ressalta as
semelhanças entre suas ideias e as de outros pensadores evolutivos. Pode-se destacar
que, assim como Darwin, Lamarck propôs uma teoria que explicava a modificação da
forma dos seres vivos como resultado das pressões que o meio exerce (ENGELKE,
2009), e que, de forma análoga a Lyell, supôs que as mudanças de perfil geológico da
Terra ocorriam de forma gradual (GILLIPIE, 1981).
Apesar de ser um contribuidor importante para diversas áreas da ciência e ser
um dos primeiros pesquisadores a ir contra o fixismo, Lamarck foi, de certa forma,
"vitimizado" pela história. Talvez por sua metodologia - que desdenhava fatos pequenos
e abundava de princípios gerais (GILLIPIE, 1981), os trabalhos de Lamarck são
interpretados erroneamente. Muitas vezes, é colocado como um teórico, pouco
preocupado em obter evidências concretas e propenso a elaborar ideias mirabolantes
de forma anticientífica (MARTINS, 1993).
Autores também notam nos livros didáticos a predominância de uma dicotomia
entre Lamarck e Darwin, colocando as teorias dos dois pesquisadores como "inimigas"
(ALMEIDA; FALCÃO, (2010); BARBERA; MOCHOLI; BORRAS, 2011; BIZZO, 1992;
CORRÊA et. al., 2010). Na época do estudo realizado por Martins (1993), os livros
14
didáticos de todos os níveis apresentam Lamarck pouco além dos termos "uso e
desuso" e "herança do adquirido", e em um tom que vai pouco além da jocosidade.
Suas contribuições para áreas como a Sistemática e a Botânica são pouco conhecidas,
e mesmo sua teoria sobre a progressão dos seres pouco estudada (MARTINS, 1993).
Gould (2002) afirma que, ao mesmo tempo que as duas teorias enfatizam a
adaptação ao meio como força motriz da mudança evolutiva, a principal diferença entre
as duas é a importância dada à seleção direta feita pelo meio: uma "força" primária
derivada da utilização de estruturas do indivíduo, da qual diverge uma adaptação local,
de papel secundário (Lamarck), versus uma força secundária à adaptação local
(Darwin). Em outras palavras, ao invés de ser resultado da pressão direta do meio
sobre o indivíduo, para Darwin a adaptação é resultado primariamente da seleção feita
pelo meio de mudanças já presentes nas populações (GOULD, 2002).
A "herança de caracteres adquiridos" - a proposição de que as características
físicas adquiridas ao longo da vida do organismo são, em certo grau, passadas a seus
descendentes - muitas vezes é colocada como parte da ideia central de Lamarck, ou
muitas vezes como uma proposição original. Na realidade, a aceitação desta
proposição era comum na época, e têm função no máximo acessória na teoria de
Lamarck (Martins, 1993). A ideia de que as características adquiridas ao longo da vida
de um indivíduo podem ser passadas aos descendentes foi também defendida por
Darwin em sua hipótese (admitida por ele como provisória) da pangênese (MARTINS,
2010). Também é equivocado considerar a herança de caracteres adquiridos como
ideia original de Lamarck (Bizzo, 1991).
As críticas a Lamarck podem ser traçadas até logo depois de sua morte, com as
duras críticas feitas por Cuvier e Lyell, que foram dirigidas ao conceito da "força vital", e
indicariam uma interpretação vitalista da vida (GOULD, 2002). No entanto, como Gould
(2002) e Martins (1993) apontam, Lamarck era na realidade fortemente materialista.
Muitas vezes ele é interpretado erroneamente como vitalista, seu princípio de herança
resumido à ação de uma "força vital". Ao afirmar que mudanças no meio provocam
mudanças de comportamento, que por sua vez provocam alterações na forma corporal,
Lamarck utilizou o termo "sentiment interiéur", ou literalmente "sentimento interior" -
15
termo de conotação ainda mais infeliz, pois pode ser interpretada como exclusiva a
seres dotados de emoção e sentimentos. Segundo Martins (1993), qualquer seja a
tradução feita deste termo, se Lamarck era vitalista em algum ponto de suas obras, ele
certamente não o era durante sua fase evolucionista, várias vezes indicando que via a
vida como fenômeno natural, sendo os princípios que a regem inteiramente contidas e
explicáveis no domínio da física e da química. De fato, esta tentativa de explicar a vida
como fenômeno físico pode ser visto como um de seus méritos (MARTINS, 2006).
O nome de Lamarck está também fortemente ligado à imagem de girafas - uma
alegoria muito usada em livros didáticos as utiliza como forma de exemplificar as
teorias de Lamarck e Darwin. Nela, são apresentadas girafas se alimentando de folhas
de árvore; representando a teoria lamarckista, são apresentadas as girafas estendendo
os pescoços para alcançar os galhos mais altos, e deste "esforço" surgindo a
adaptação de alongamento de seus pescoços. Esta alegoria, por vezes colocada junto
a outra que represente a teoria darwinista (no qual girafas de pescoço ligeiramente
mais curtos não conseguem alcançar os galhos e consequentemente morrem por
inanição), tem tamanha prevalência nas fontes de divulgação científica, que Gould
(2002) se refere a ela como "o maior clichê e exemplar de todos" - e nota que, a ela,
Lamarck dedica não mais que um parágrafo especulativo.
2.3.2 Em relação a Wallace
Alfred Russell Wallace (1823-1913) foi um naturalista britânico, que, após
realizar expedições na Amazônia e no arquipélago malaio com seu colega Henry Bates,
propôs uma teoria de adaptação das espécies. Wallace propôs que, em condições
imutáveis, as espécies tendem a um equilíbrio; no entanto as modificações no
ambiente acarretam efeitos que podem ser maléficos para uma espécie ou benéficos
para outras, ocasionando flutuações no número de indivíduos. Mudanças de magnitude
suficiente poderiam impor pressão para alterações de modo de vida e adaptações
fisiológicas. Esta ideia, apesar de não receber o termo "seleção natural" na obra de
Wallace, tem uma conotação muito semelhante à teoria de Darwin, de forma que
Charles Lyell, colega de ambos, apresentou Darwin ao trabalho de Wallace, e os dois
16
decidiram apresentar, simultaneamente, seus trabalhos à Linnean Society of London
(GILLIPIE, 1981).
Alguns aspectos podem ser considerados na apresentação dos trabalhos de
Alfred Russell Wallace e sua relação com a teoria de Darwin. No estudo feito por
Cicillini (1991), entre os quatro livros didáticos estudados, dois falham completamente
em mencionar Wallace. Da mesma forma, Carmo, Bizzo e Martins (2009) observam
que muitos autores de livros didáticos omitem o nome de Wallace, ou se limitam a
representá-lo como um naturalista que enviou seu trabalho a Darwin e o motivou a
publicar seu livro.
Apesar das diversas semelhanças, pode-se apontar diferenças entre as teorias
de Darwin e Wallace. Wallace não atribuía a mesma abrangência ao processo de
seleção sexual do que Darwin - para ele, tais características muitas vezes apresentam
uma vantagem evolutiva, como camuflagem ou reconhecimento específico. Wallace
limitava à seleção natural as características diferenciadas dos machos utilizadas em
lutas pelas fêmeas (Gould, 2002).
2.3.3 Em relação a outras figuras históricas
George-Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788), contemporâneo de
Lamarck. Talvez em parte à sua extensa obra, ou em parte a suas próprias dúvidas em
relação à modificação das espécies, é difícil chegar a uma conclusão quanto ao
posicionamento definitivo de Buffon, mas em algumas de suas obras a defesa do
transformismo é clara (MARTINS, 1993). Bizzo (1992) nota a ausência de
reconhecimento do modelos buffonianos nos alunos, o que pode estar relacionado à
prevalência da dicotomia Lamarck / Darwin citada anteriormente e à visão simplificada
da história da Ciência, assim como à complexidade das ideias de Buffon.
Sir Charles Lyell (1797-1875) foi um geólogo britânico. Trabalhando do início
como advogado, seu interesse pela área da geologia o levou a estudar as formações
geológicas de diversas áreas do continente europeu, e sua estadia na França o levou a
17
conhecer cientistas como Cuvier, Alexander von Humboldt2 e Louis-Constant Prévost3.
Em seus estudos dos fósseis de conchas em estratos geológicos de formações de
água-doce e vulcânicas, constatou uma continuidade das espécies preservadas nos
estratos, o que o levou a supor que as condições geológicas do passado eram
semelhantes às atuais - uma visão denominada "uniformitalista" da história geológica,
em contraste com a visão catastrofista. Este uniformitarismo foi defendido o explanado
em sua principal obra, Principles of Geology (publicada em três volumes de 1830 a
1833), e contribuiu diretamente para sua visão inicialmente cética em relação à
variação das espécies, o que o levou a criticar os trabalhos de Lamarck (GILLISPIE,
1981). A leitura da Principles por Charles Darwin durante a viagem do Beagle foi de
suma importância para o surgimento da teoria de Darwin; Gould (2002) enfatiza que o
gradualismo, mais que fundamental, foi necessário para o pensamento evolutivo. A
partir disso, surgiu uma forte relação entre Darwin e Lyell, que resultou em um
interesse pelos trabalhos de Darwin e Wallace e pela transformação das espécies,
culminando com seu pronunciamento à Royal Society of London, no qual passa a
aceitar a alteração das espécies ao longo do tempo (GILLISPIE, 1981). Apesar de ser
tão importante, a área da geologia
August Friedrich Leopold Weismann (1834-1914), biólogo alemão que
conceituou a "barreira de Weismann", separando mudanças ocorridas om células
somáticas e células germinativas. Em um de seus experimentos mais conhecidos,
Weismann cortou as caudas de camundongos por gerações, para inferir se estas
surgiam menores nos descendentes. Este experimento é geralmente associado à
"derrubada" do princípio da herança dos caracteres adquiridos. Martins (2010), porém,
contesta a validade desta associação, afirmando que o experimento de Weismann
sofre de carência de informações, proposições que não condizem com o princípio
original da herança (como que as mutilações podem ser herdadas), entre outras. As
Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769 – 1859), naturalista prussiano; seus
trabalhos em geografia botânica foram as fundações da biogeografia. Além de ter contato com Lyell, os
trabalhos de Humboldt inspiraram e motivaram Darwin em suas pesquisas.
3 Louis-Constant Prévost (1787 - 1856), geólogo francês. seus estudos dos extratos geológicos da região
da Normandia puderam ser comparados com os do sul da Inglaterra, em um trabalho conjunto com Lyell.
Assim como Lyell, Prévost defendia o uniformitarismo.
2
18
contribuições de Weismann para a refutação da herança por caracteres adquiridos não
teve relação com seu experimento com camundongos (MARTINS, 2010).
Entre os biólogos modernos, dois dos principais proponentes da síntese
moderna evolutiva podem ser destacados: Ernst Mayr (1904 - 2005), e Theodosius
Dobzhansky (1900-1975). Sua representação nos livros também será anotada.
Outra figura de importância, especialmente no contexto brasileiro, é a do
naturalista alemão Johann Friederich Theodor Müller (1822 - 1897), ou Fritz Müller.
Müller morou na colônia de Blumenau (SC) desde 1856. Autor de 237 estudos
científicos sobre a fauna e flora do Brasil, Müller foi um interlocutor das ideias de
Darwin no Brasil. Os dois se corresponderam por cartas por um período de
aproximadamente vinte anos (TOMIO, 2013). Apesar disso, Tomio (2013) aponta que
Müller é pouco conhecido no Brasil.
Vale ressaltar que há ainda muitos outros pensadores, de não menor
importância, ligados à teoria da evolução: Thomas Henry Huxley (1825 - 1895), seu
neto Sir Julian Huxley (1887 - 1975), Joseph Dalton Hooker (1817 - 1911), Ernst Haekel
(1834 - 1919) - sem mencionar opositores da teoria da evolução como Richard Owen
(1804 - 1892), ou o bispo Samuel Wilberforce (1805 - 1873). Este trabalho não teve,
porém, a pretensão de considerar todas estas figuras, em favor de manter um certo
grau de concisão para a análise.
2.3.4 Outros aspectos a se considerar
É comum que em livros didáticos o conteúdo sobre genética mendeliana ser
tratado precedendo o conteúdo sobre evolução. Uma justificativa para este fato se
baseia na suposição de que Darwin, após ter conhecido os trabalhos de Gregor
Mendel, teria formulado uma teoria mais completa, com um modelo de hereditariedade
que se assemelhasse mais à síntese moderna (BIZZO, 2009). Para Bizzo (2009),
assim como Gould (2002), a teoria de Darwin não depende da origem da variação, e o
fato dele possuir uma ideia errônea sobre a hereditariedade não ameaça a
credibilidade do princípio de seleção natural.
19
Bizzo (2006) também nota que é dada pouca atenção ao tempo geológico no
ensino de evolução - em especial uma falta de menção da expedição feita por Darwin
aos Andes. Sendo a geografia uma importante base para a teoria de Darwin, e havendo
uma grande dificuldade para os alunos conceberem a evolução biológica sem um
entendimento claro de tempo geológico, pode ajudar no entendimento da teoria da
evolução (BIZZO, 2006).
Em seu estudo dos livros didáticos, Cicillini (1993) aponta que, em relação aos
exercícios e atividades de revisão, há uma predominância por questões do tipo teste.
Não obstante, tanto nestes quanto nas questões dissertativas, havia apenas a
confirmação do conteúdo - isto é, "suas resoluções são explícitas no próprio corpo do
livro didático, não exigindo nenhum esforço por parte do aluno" (CICILLINI, 1993).
Coutinho et al. (2011), ao estudar o valor didático de imagens presentes em
livros de biologia para o ensino médio, baseia-se em Mayer (2001) para classificá-las
em "decorativas", "representacionais", "organizacionais" e "explicativas". Considerando
que uma análise profunda das imagens foge do escopo deste trabalho, vale ressaltar
apenas a diferença entre as duas primeiras classes e as duas últimas: a presença de
valor didático significativo apenas nas duas últimas categorias (Mayer, 2001; apud
Coutinho et. al., 2011).
3 Metodologia
Os livros que foram escolhidos como materiais didáticos a serem estudados,
foram selecionados com base nas recomendações do PNLD - Biologia 2012. Para cada
livro analisado, foi contactada sua respectiva editora para verificar sua disponibilidade e
obter a permissão de consultá-los. Os livros então foram consultados in loco. Foram
também realizadas imagens fotográficas de páginas relevantes como forma de registro
para subsequentes análises - estas imagens não serão publicadas em respeito aos
direitos autorais das editoras.
A leitura dos materiais foi focada nos capítulos que possuíam mais chance de
conterem informações pertinentes à história do pensamento evolutivo. Em todos os
20
casos, um capítulo era dedicado à evolução, localizado no último volume das coleções
(de nomes como "Teorias da Evolução" ou "Evolução"). Além do capítulo em si, foram
observados os exercícios do capítulo, e comentários presentes no livro do professor.
Em cada um dos casos estudados, foram analisados os seguintes aspectos:
• Apresentação do conteúdo sobre Lamarck: Apresentação das ideias de
Lamarck: como é explicada sua teoria, possíveis equívocos na explicação da "força
vital" e da herança de caracteres adquiridos, e se elas são colocadas como
antagonistas às de Darwin; também foi calculada a quantidade de texto dedicado a
Lamarck, por número aproximado de palavras.
• Apresentação de Wallace: Qual sua relação com Darwin, e se as diferenças e
semelhanças entre as suas ideias são satisfatoriamente abordadas; também nesse
caso, foi feito cálculo da quantidade de texto dedicado.
• Apresentação das ideias de Darwin, em especial sua base teórica: qual sua
relação com Mendel e Malthus, e que viagens são descritas;
• Figuras históricas associadas a Darwin: Lyell e Müller, e a síntese moderna;
Para cada livro, Os aspectos acima descritos foram avaliados pela leitura do
texto (se presente), buscando extrair destes, frases e termos-chave que pudessem
evidenciar estes aspectos. Vale ressaltar que os nomes de muitas outras figuras
históricas não menos importantes à formação do pensamento evolutivo poderiam ser
observados.
O cálculo da quantidade de texto dedicada a Lamarck e Wallace foi realizada
pelo número de palavras: para cada "bloco" de texto (conjunto de linhas de mesmo
comprimento e mesma formatação), foi estimado o número de palavras por linha,
tomando como valor a média aritmética de cinco das linhas do bloco. O número de
palavras por bloco pôde, então, ser estimado pela equação:
n° de palavras = n° de linhas ÷ palavras por linha
21
Como colocado anteriormente, a análise de imagens foge do escopo deste
estudo, porém a presença de certas imagens - em especial retratos, mapas e
representações de anedotas - foi anotada. Durante a leitura, atentou-se também para
o gênero discursivo utilizado, tomando como base Braga e Mortimer (2011). Apesar da
análise de utilização de imagens dos capítulos não ser o foco deste estudo, estas
foram anotadas e consideradas para a discussão de alguns pontos. Também foi
verificada a presença de questionários e atividades de perguntas e respostas e suas
preposições,
Após leitura das obras, os dados foram organizados em quadros com os
principais resultados a serem tratados na discussão e ressaltados alguns aspectos a
serem abordados na análise na forma de estrutura de tópicos.
4 Resultados
O quadro 1 fornece informações sobre as obras didáticas estudadas. Dos oito
livros e coleções aprovados pelo PNLD, cinco foram analisadas, por conta da
indisponibilidade das outras três obras nas editoras.
A análise dos livros foi registrada na forma de estrutura de tópicos, ressaltando
pontos de interesse para a discussão.
Livro
Título
Autores
Ano
Editora
1
Biologia
MARTHO, G.R.; AMABIS, J. M.
2011
Moderna
2
Ser Protagonista
SANTIAGO DOS SANTOS, F.
et al.
2013
Editora SM
3
Conecte - bio
LOPES, S.; ROSSO, S.
2010
Saraiva
4
Biologia
PEZZI, A. C.; GOWDAK, D.;
MATTOS, N. S. D.
2013
FDT
5
Biologia para a
nova geração,v.3
MENDONÇA, V.; LAURENCE, J.
2010
Nova
Geração
Quadro 1: Relação de informações gerais dos livros didáticos estudados: Título,
autores, ano de publicação e editora.
22
4.1 Aspectos observados
4.1.1 Em Martho, G. R.; Amabis, J. M. (2011) - Livro 1:
• Os autores fazem uma introdução do criacionismo e do evolucionismo no início do
capítulo. Em seguida, o texto fala sobre Lamarck, cujo texto ocupa uma página do livro;
são colocadas como bases de suas ideias a herança dos caracteres adquiridos e a lei
do uso e desuso. Ao se colocar o erro de Lamarck, não é atribuído a nenhum detalhe
em particular, e é citada a dedicatória que Darwin fez a ele como forma de mostrar sua
contribuição à teoria evolutiva (aprox. 590 palavras).
• Mayr é citado em alguns pontos no capítulo: na introdução à teoria de Darwin, ao se
explicar anagênese e cladogênese, e na síntese evolutiva.
• São citados, além de Lyell e Malthus, Herschel e Humboldt como influências a Darwin.
Está presente no livro um mapa com o trajeto do Beagle.
• O texto do livro apresenta Wallace após Darwin, mencionando sua expedição à
Amazônia e às Índias Ocidentais e sua relação com Darwin. Suas ideias são colocadas
como "fundamentalmente idênticas" às de Darwin (aprox. 190 palavras).
• O mimetismo é apresentado no subcapítulo "Evidências da Evolução Biológica", mas
sua definição aprofundada e a diferenciação entre mimetismo batesiano e mülleriano
não é feita até depois do capítulo de genética, em "Seleção e Adaptação". Nesta seção,
é mencionado Fritz Müller, mas sua contribuição à teoria da evolução e sua relação
com Darwin não são apresentadas.
• Estão presentes as fotos de Mayr e Dobzhansky na seção "Teoria Moderna da
Evolução". Estes são apresentados como "artífices" da teoria moderna, juntamente
com John Haldane e George Gaylord Simpson.
• Buffon aparece em uma das questões de vestibular, na qual é apresentado o fixismo.
• Outras duas questões de vestibular pedem para o aluno interpretar diversas
afirmações como "lamarckistas" ou darwinistas.
• Estão presentes os retratos de Lamarck e Darwin no livro.
23
4.1.2 Em Santiago dos Santos, F. et al. (2013) - Livro 2:
• O livro apresenta uma página dedicada a explicar gradualismo e equilíbrio pontuado
(aprox. 460 palavras). A segunda sessão, intitulada "Equilíbrio pontuado: prós e
contras" apresenta as diferentes interpretações das evidências fósseis. Ao descrever
estas interpretações, no entanto, o texto se limita a colocar seus representantes como
"alguns autores" e "aqueles que". São citados Gould e Eldredge.
• Em um box intitulado "Biologia tem história", subtítulo "Um Darwinista Moderno", os
autores falam sobre Ernst Mayr e seu papel no desenvolvimento da teoria sintética da
evolução e seus trabalhos sobre especiação (aprox. 170 palavras).
• "Ex. 33: Que contribuição foi dada por Thomas Malthus para a teoria da seleção
natural desenvolvida por Darwin e Wallace? De que maneira essa ideia foi transposta à
teoria de Darwin e Wallace?".
• "Ex. 32: Das opções apresentadas a seguir, qual parece a mais correta para obter
uma raça de cães de pelo mais curto? Justifique sua resposta.
a) Criar cães normais e cortar o pelo com frequência para que seus
descendentes tenham mais probabilidade de nascer com pelo curto.
b) Criar os cães e permitir o cruzamento apenas dos que têm pelos mais curtos."
• "Ex. 35: De acordo com a teoria apresentada por Lamarck no seu livro Philosophie
zoologique, a evolução se daria segundo uma escala ascendente, isto é, os
organismos menos "perfeitos" gradualmente se transformariam, rumo a uma suposta
"perfeição". Essa visão de Lamarck era fixista ou teleológica? Justifique."
• Uma sessão (de aprox. 230 palavras) dedicada a explicar o pensamento fixista e a
teleologia, e como estas influenciaram os naturalistas. é mencionado que Lineu
(abordado em outro volume da série) era fixista.
• Buffon é mencionado na sessão "A caminho do evolucionismo", no qual o texto coloca
a importância de seu tratado de história natural para a compreensão da existência de
ancestrais comuns de diversas espécies. (aprox. 60 palavras) Lamarck é introduzido na
mesma sessão.
24
• Duas sessões, intituladas "As ideias de Lamarck" e "O mecanismo evolutivo segundo
Lamarck" (aprox. 340 palavras), são dedicadas às ideias de Lamarck.
• "Jean Baptiste Lamarck é sempre lembrado por suas ideias equivocadas sobre a
evolução das espécies. Entretanto, ele foi o primeiro cientista a desenvolver uma teoria
coerente sobre a evolução do mundo orgânico. Suas teoria não foi aceita à época
porque contrariava as ideias fixistas, há muito estabelecidas".
• A teoria de Lamarck é explicada através das leis de uso e desuso e da transmissão
dos caracteres adquiridos (esta última tem "lei" colocada entre aspas). As ideias de
Lamarck não são colocadas como antagonistas às de Darwin, mas também não foram
observadas comparações explícitas entre as duas.
• Um boxe com questões de revisão pede que o aluno descreva a teoria de Lamarck e
a teoria de Darwin (Figura 1).
Figura 1: Quadro "Questões de revisão" do livro 2, com questões sobre Lamarck.
• Na sessão intitulada "O fim do Fixismo e do Finalismo", o livro descreve como a
leitura da obra Princípios de geologia de Charles Lyell e a ideia de uniformidade e do
gradualismo dos fenômenos geológicos nela exposta foi incorporada na teoria da
evolução (aprox. 72 palavras).
• Na sessão "Biologia tem história", subtítulo "Wallace e a origem das espécies", os
autores introduzem Wallace (aprox. 250 palavras), relatando sua biografia, sua
expedição com Henry Walter Bates na Amazônia e no arquipélago malaio, e a
elaboração de sua teoria de seleção natural. O texto nota que, semelhante a Darwin,
Wallace se baseou na obra de Malthus para desenvolver sua teoria.
• O livro descreve a viagem do Beagle, com um mapa da viagem.
25
• Wallace é retomado quando o livro descreve a publicação da teoria de Darwin. O livro
descreve a publicação conjunta e as duas obras que se sucederam.
• Em outro box "biologia tem história", os autores fazem uma apresentação de August
Weismann, sua oposição ao saltacionismo e às ideias de Lamarck, e a sua contribuição
para a filosofia da Ciência (aprox. 150 palavras) (figura 2).
Figura 2: Um dos quadros "Biologia tem história" do livro 2, com o retrato de August
Weismann.
• A introdução à teoria sintética ocupa pouco menos de uma página do livro,
descrevendo as contribuições da paleontologia, da sistemática e da genética
mendeliana para sua criação. - notando para a prevalência da ideia lamarckista de uso
e desuso para explicar o surgimento de variações nas populações. Também são
explicadas as influências da ecologia e das populações, e são citados como maiores
contribuidores para a síntese Ernst Mayr, George G. Simpson, e Theodosius
Dobzhansky (retrato: figura 3).
Figura 3: Retrato de Dobzhansky, presente no capítulo de evolução do livro 2.
26
• Percebe-se uma ausência de Müller nos textos. Na sessão dedicada a explicar o
mimetismo, não se menciona mimetismo Batesiano ou Mülleriano.
• Estão presentes os retratos de Lamarck, Darwin (indicado na legenda como sendo da
época de sua viagem a bordo do Beagle), Wallace, Weismann, Dobzhansky, e Mayr.
• A alegoria da girafa está presente apenas como uma alternativa em uma das
questões de múltipla escolha.
4.1.3 Em Lopes, S.; Rosso, S. (2010) - Livro 3:
• Há uma introdução aos conceitos de tempo geológico de evolução. Após apresentar
as evidências da evolução, o texto passa a explicar as teorias evolutivas.
• O texto do livro nota que Lamarck foi um dos primeiros a propor uma teoria sobre a
evolução, apontando para a dedicatória que Darwin faz a ele na "Origem". Em seguida,
é apresentada a transcrição desse prefácio. O texto ainda indica o trecho da obra de
Lamarck em que este fala sobre as girafas, ressaltando os erros que esta alegoria
possui, mas enfatizando que Lamarck utilizou mais exemplos para corroborar sua
teoria (aprox. 80 palavras).
• O texto do livro coloca que Lamarck se baseou na lei do uso e desuso e na lei da
herança dos caracteres adquiridos; ressalta que a teoria de Lamarck não foi aceita,
mas a lei da herança não foi a razão disso. O texto conclui que a não-aceitação de
suas teorias não significa que ele deve ser lembrado como um cientista que errou,
ressaltando as contribuições que Lamarck fez aa Ciência (aprox. 300 palavras).
• Há, no livro, um quadro com o retrato e a biografia de Lamarck (aprox. 500 palavras).
• Estão presentes três retratos de Darwin: um dele jovem, outro dele idoso (no quadro
que tem sua biografia), e outro dele trabalhando em seu escritório. Também está
presente o mapa da viagem do Beagle.
• Um dos quadros do livro é dedicado a um retrato e à biografia de Alfred Russel
Wallace (aprox. 500 palavras). No texto, é colocado que, apesar de a teoria da
27
evolução ser conhecida como elaborada por Darwin, Wallace também merece crédito
por sua elaboração.
• O texto do livro coloca o papel que Malthus teve na elaboração da teoria.
• O texto do livro afirma que, assim como Lamarck e Wallace, Darwin não pôde explicar
como surgiam as variações nos indivíduos e como elas eram passadas aos
descendentes.
• No quadro "Temas para discussão", os autores citam o livro The Tallest Tale, de
Stephen Jay Gould, no qual ele discute a alegoria das girafas em relação a Lamarck e
Darwin, e colocando suas falhas.
• O texto do livro explica, na sessão dedicada à teoria sintética, a importância de áreas
da Ciência (como genética, paleontologia e sistemática) para sua formação. Não são
mencionados seus contribuidores.
• Num dos quadros, os autores falam sobre coloração de advertência e mimetismo,
mas não diferenciam mimetismo Mülleriano de mimetismo Batesiano. Eles também não
citam Fritz Müller.
• Um dos exercícios do "Roteiro de estudo" é "Explique a teoria evolutiva proposta por
Lamarck e compare-a com a teoria da seleção natural proposta por Darwin e Wallace."
• Outro exercício é "comente a importância dos seguintes itens na formulação da TSN:
a) a viagem do Beagle b) a leitura das obras de Malthus c) a seleção artificial"
• Lyell, e sua base, Hutton, são mencionados na seção "ampliando e integrando
conhecimentos"; o texto explica que Darwin leu Princípios da Geologia, e apresenta a
teoria fixista de Lyell. Em seguida, ele pede ao aluno: "De que forma o livro de Lyell
deve ter inspirado o trabalho de Darwin?"
• O capítulo seguinte do livro aborda o tema "Genética".
28
4.1.4 Em Pezzi, Gowdak e Mattos (2013) - Livro 4:
• O texto do livro menciona Lineu no início do capítulo, ao descrever o fixismo e o
criacionismo. Além de Lineu, Cuvier é colocado como fixista, também se explicando a
teoria catastrofista.
• Em um dos boxes intitulados "E por falar em...", o livro contém um mapa da viagem
feita pelo Beagle, e uma descrição da expedição (figura 4).
Figura 4: Mapa da viagem do Beagle no boxe "E por falar em..." do livro 4.
• Como influências para Darwin, são mencionados Lyell e Malthus em um parágrafo
descrevendo a elaboração da teoria da evolução (aprox. 50 palavras cada).
• No texto é colocado que faltava a Darwin uma explicação para a causa da
variabilidade e a forma de herança. No mesmo parágrafo, traça-se uma semelhança
entre Darwin e Lamarck na forma como ambos atribuíam grande importância ao meio
ambiente para a evolução (aprox. 70 palavras).
• No box intitulado "E por falar em...", subtítulo "...Darwin, conheça um pouco sobre
Wallace, o outro autor da teoria da Evolução", os autores apresentam um excerto de
MOREIRA, MANSUR e MASSARIAN (2008), contando a história de Wallace, sua
expedição na Amazônia com Bates, e sua relação com Darwin. Em seguida, o texto
29
descreve como os trabalhos dos dois foram apresentados na Linnean Society of
London (aprox. 200 palavras).
• O livro possui o retrato de Lamarck na sessão dedicada a ele (figura 5).
Figura 5: Retrato de Lamarck no livro 4.
• Na sessão dedicada à explicação da teoria de Lamarck (aprox. 230 palavras), é
colocado como Lamarck refutou as ideias fixistas da época, e é apresentado como
parte de sua teoria a lei do uso e desuso o "a necessidade faz o órgão". A principal
crítica ao lamarckismo é que as características não são herdadas; o texto então
descreve como Weismann "pôs por terra" o lamarckismo, num experimento no qual, por
20 gerações, ele cortara as caudas de camundongos. Os autores concluem: "Se o
lamarckismo estivesse correto, a redução ou perda da cauda deveria ser observada
nos descendentes".
4.1.5 Em Mendonça, V.; Laurence, J. (2011) - Livro 5:
• Na sessão de introdução, o texto traz um resumo da teoria da evolução de Darwin,
colocando que os conhecimentos da época não permitiam explicar como surgiam as
variações em populações, e que este foi o principal ponto de crítica em relação à
evolução por décadas, até o desenvolvimento da genética.
• Na mesma sessão, o texto do livro aponta que a genética mostrou que "as
características adquiridas ao longo da vida de um indivíduo, pelo uso e desuso, não
30
podiam ser transmitidas aos descendentes, confirmando a invalidade das ideias de
Lamarck".
• O livro possui uma sessão dedicada a explicar a teoria sintética da evolução. No
entanto, não são mencionados seus contribuidores nesta sessão.
• O texto do livro apresenta o conceito de adaptação, enfatizando a necessidade de
haver a transmissão das características para os descendentes para uma característica
ser considerada uma adaptação. Como exemplo, o livro coloca como, se um homem
faz exercícios, seus filhos não nascerão com músculos naturalmente desenvolvidos.
• Os autores então apresentam a teoria de Lamarck. Ao descrevê-la, é colocado como
seu principal erro a transmissão dos caracteres adquiridos, sendo ressaltado que,
mesmo que as alterações nas estruturas do organismo fossem resultado de um
esforço, estas não poderiam ser passadas aos descendentes. Ao final, no entanto, é
dado mérito a Lamarck por ser um dos primeiros a relacionar adaptações estruturais à
pressão do meio, e formular uma teoria de adaptação evolutiva em uma época em que
ela não era aceita na comunidade científica (aprox. 450 palavras).
• Na sessão sobre Darwin, o texto do livro aponta que assim como Lamarck, Darwin
não conhecia sobre DNA, cromossomos, divisão celular e hereditariedade, e por isso
não conseguiu explicar a origem da variação e o mecanismo de herança.
• O livro possui um boxe, intitulado "Vamos criticar o que estudamos?", subtítulo "A
evolução do pescoço das girafas: exemplo clássico de seleção natural". Neste, que
ocupa pouco mais de uma página, o livro descreve a alegoria da girafa, mas aponta
que esta é controversa, citando as críticas feitas por Stephen Jay Gould, e ressaltando
que, além desta alegoria não ter espaço predominante nas obras de Lamarck e Darwin,
o pressuposto de que o pescoço cresceu como forma de alcanças galhos altos de
árvores possui diversos problemas (figuras 6 e 7).
31
Figura 6: Primeira parte do boxe "Vamos criticar o que estudamos?" do livro 5.
• O texto do livro descreve o percurso da viagem realizada pelo Beagle, com um mapa
da viagem e imagens das ilhas Galápagos.
• Wallace aparece em um parágrafo do texto do capítulo. O texto descreve como suas
expedições o levaram a elaborar uma teoria muito parecida com a de Darwin, de forma
independente. Os autores colocam que, como Darwin possuía um número maior de
observações, ele passou a ser conhecido como o "pai" da evolução (aprox. 110
palavras).
• O livro também possui um boxe, intitulado "Um pouco da biografia de Wallace", no
qual é descrita a expedição de Wallace e Bates à Amazônia e ao arquipélago malaio,
sua relação com Charles Lyell e Darwin, e a publicação conjunta à Linnean Society of
London. No final do box, questões sobre a leitura pedem ao aluno para explicar a
importância dos trabalhos de Wallace para a teoria da evolução, e por que Darwin é
mais conhecido do que Wallace (aprox. 500 palavras).
• Um dos exercícios de revisão tem em seu enunciado um excerto do artigo de Vieira e
Tidon (2009), falando sobre como este foi "injustiçado", e pede que o aluno explique a
importância das ideias de Lamarck para a história do pensamento evolutivo, e busque
em enciclopédias ou livros informações a respeito de outros trabalhos de Lamarck. O
exercício ressalta que o aluno sempre cite as fontes de consulta.
32
Figura 7: Segunda parte do boxe "Vamos criticar o que estudamos", do livro 5.
33
• O livro possui retratos de Darwin (idoso), Wallace e Lamarck (Figuras 8, 9 e 10).
Figuras 8, 9 e 10: Retratos de Darwin, Wallace e Lamarck, respectivamente, no livro 5.
4.2 Representatividade das figuras históricas
Livro
Lamarck
Wallace
Texto
Imagem
Texto
Imagem
1
~590
■
~190
-
2
~340
■
~250
■
3
~800
■
~500
■
4
~300
■
~200
■
5
~450
■
~610
■
Média
~496
-
~350
-
Quadro 2: Representatividade de Lamarck e Wallace nos capítulo de evolução dos
livros didáticos estudados, por área de texto e presença ou ausência de imagens.
Texto: texto dedicado ao autor, por número aproximado de palavras (). Imagem:
Presença ou ausência de imagem (■ : presente).
34
Livro
Malthus
Buffon
Lyell
Müller
Weismann
Síntese
Moderna
1
■
?
■
■
-
■
2
-
■
■
-
■
■
3
■
-
■
■
-
-
4
■
-
■
-
-
-
5
-
-
■
-
-
-
Quadro 3: Representatividade de figuras históricas nos livros didáticos, por presença
ou ausência no texto do capítulo de evolução ( ■ : presente ). No livro 1, Buffon está
presente no enunciado de um exercício de vestibular, mas não no texto do capítulo.
Os quadros 2 e 3 fornecem informações quanto à quantidade de texto dedicado
a cada autor. Em relação às figuras de Wallace e Lamarck, pode-se observar que o
livro 5 possui uma quantidade de texto maior em relação aos outros livros no caso de
Wallace, em grande parte devido à subseção de duas páginas dedicadas a ele. O livro
3 possui quase 60% mais texto dedicado a Lamarck do que a média dos cinco livros,
devido à soma de um quadro com a biografia do pesquisador com a área de texto
regular dedicada a ele. Em relação às imagens, todos os livros apresentaram retratos
dos dois pesquisadores, com exceção do livro 1, no qual está ausente a imagem de
Wallace.
Quanto a outras figuras históricas, percebe-se uma ausência de diversos
pesquisadores: Buffon, e Weismann são mencionados no texto do capítulo de evolução
apenas no livro 2. Dobzhansky e Mayr são mencionados no livro 2 - em um quadro com
aproximadamente 50 palavras - e também no livro 1, em ambos os casos junto com
seu retrato.
35
5 Análise e Discussão
Foram considerados alguns aspectos para interpretar os dados mostrados nos
quadros 2 e 3. A ausência de alguns pesquisadores em particular poderia ser explicada
pela distribuição do conteúdo. Buffon está ausente no capítulo de evolução em todos
exceto um dos livros. Da mesma forma, Lyell é mencionado por sua relação com
Darwin e Wallace e, no caso do livro 6, como sua obra influenciou Darwin, mas em
comparação à importância do gradualismo geológico para a teoria da evolução, há
relativamente pouco texto dedicado a Lyell. Como a concepção de Buffon e de Lyell, o
fixismo e o gradualismo também podem ser estudados na área de geologia, é possível
que estes pesquisadores sejam apresentados em outros capítulos dos livros que não o
de Evolução. Vale ressaltar, porém, que mesmo uma leitura aprofundada destes
capítulos não confirme esta suposição, a presença da geologia em algumas partes dos
livros (por exemplo no início do capítulo do livro 3) pode significar um aspecto positivo.
Quanto a Dobzhansky e Mayr, nota-se que ambos são contemporâneos, figuras
centrais para a formação da síntese moderna da evolução. Nas seções dedicadas á
síntese moderna, são ressaltadas as contribuições da genética mendeliana, da
epigenética, entre outras; porém o aspecto histórico não é abordado. Os livros 2 e 1
contém pequenos textos de menos de 200 palavras e fotos dos pesquisadores.
A representação de Wallace nos livros didáticos estudados difere dos achados
anteriores de Carmo, Martins e Bizzo (2009), havendo uma presença universal do
pesquisador nos capítulos de evolução, em texto e imagem. Os livros também
mencionam como Wallace chegou de forma independente a uma ideia similar à teoria
da evolução e como ele e Darwin publicaram trabalhos independentes à Linnean
Society.
Mesmo assim, as diferenças entre as ideias de Darwin e Wallace sobre a
evolução não são abordadas; das principais descritas por Gould (2002) e apresentadas
no referencial deste trabalho, nenhuma é abordada nos capítulos de evolução em
quaisquer dos livros. Isto pode representar um grande problema para a compreensão
das duas linhas de pensamento como separadas, mesmo com as descrições feitas.
36
Em comparação com os estudos feitos por Cicillini (1991) e os relatos de Martins
(2005), a representação de Lamarck nos livros didáticos apresenta é mais positiva do
ponto de vista histórico. Em todos os livros, as contribuições de Lamarck à teoria da
evolução são ressaltadas. No livro 5, um dos exercícios de revisão pede que o aluno
busque em enciclopédias ou livros sobre os outros trabalhos de Lamarck. O livro 3, em
particular, utiliza a teoria de Lamarck como exemplo para afirmar que a não-aceitação
de uma teoria não pode desmerecer o trabalho de um pesquisador.
O texto do livro 4, porém, comete um equívoco na seção sobre Lamarckismo. Ao
descrever que o experimento com ratos de Weismann "pôs por terra" o lamarckismo,
discorda do que foi apresentado por Martins (2010), mostrando tais experimentos como
prova conclusiva contra a herança dos caracteres adquiridos. Além disso, o livro 5
coloca, como demonstração contra a teoria de Lamarck, que um homem que faz
exercício não terá um filho com músculos naturalmente desenvolvidos; ao não explicitar
a idade deste filho, o texto do livro parece cometer o mesmo equívoco que Weismann
cometeu em seu experimento: desconsiderou que, na concepção original da herança
dos caracteres adquiridos, as características herdadas se desenvolvem na prole na
idade correspondente à idade na qual o progenitor as adquiriu. Assim como o livro 4, o
livro 5 também coloca que a herança dos caracteres adquiridos é a principal fonte de
críticas a Lamarck.
Estes dois resultados montam um panorama diferente do anterior sobre a
representação de Lamarck. Suas contribuições à evolução e à Ciência são ressaltadas
nos capítulos dos livros estudados, e os textos contribuem para a formação de uma
visão positiva do cientista. A alegoria da girafa continua nos livros, porém vista sob uma
luz profundamente diferente: os textos dos livros explicam porque ela não é um
exemplo apropriado das as teorias de Lamarck e Darwin; o livro 3 possui um quadro,
no qual cita a obra The Tallest Tale para demonstrar as falhas na analogia das girafas.
Porém, a representação de sua teoria - em especial sua estrutura e os pontos
nos quais ela falha - ainda apresenta alguns equívocos. Estes equívocos poderiam em
teoria também serem reforçados pelos exercícios, especialmente os de vestibular, que
pedem para os alunos identificarem qual das alternativas possui uma afirmação
37
"lamarckista" e qual apresenta uma afirmação "darwinista" - o que pode contribuir para
reforçar a visão dicotômica entre os dois pensadores que os textos em diversas
instâncias tenta desmistificar.
Nota-se também a ausência de Müller nos livros estudados. Apenas no livro 1 e
no livro 3 haviam sessões do texto dedicadas ao pesquisador, associando seu nome ao
mimetismo mülleriano. Nos outros livros, a diferenciação entre mimetismo Mülleriano e
Batesiano não é apresentada no capítulo de evolução.
A presença do capítulo dedicado à Genética imediatamente antes do capítulo
dedicado à evolução condiz com o que foi observado por Bizzo (2009). De fato, foram
observados diversos trechos que afirmam que Darwin não havia conseguido explicar a
origem das variações e o mecanismo de herança (livros 3 e 4) - o que, baseado no
referencial deste trabalho, constitui um equívoco.
O gênero discursivo percebido nos livros pode ser associado ao descrito por
Braga e Mortimer (2011): apesar de não ter sido feita uma análise quantitativa que
possa distinguir cada gênero pontualmente, percebe-se que a voz discursiva e
narrativa predomina nos textos. Em geral, a apresentação histórica concorda com a
proposição de Allchin (2007, apud Prestes e De Andrade Caldeira (2009)), de que a
abordagem inclusiva seria a forma majoritária pela qual seria feita a contextualização
histórica.
Quanto à visão de Ciência passada pelos textos, há alguns termos que
merecem atenção. Os títulos de algumas sessões, como "o fim do fixismo e do
finalismo" (livro 6), e "a caminho do evolucionismo" (livro 5) podem passar uma ideia
finalista de progressão da Ciência que se aproxima do "whig" e da "visão acumulativa
de crescimento linear" de Pérez et al. (2001). Estas são, porém, ocorrências pontuais, e
é difícil traçar uma imagem geral do texto com base nelas.
Se classificadas tendo como base Coutinho (2011), as figuras presentes em
relação à história da teoria da evolução consistem, em geral, do retrato dos
pesquisadores, em especial Darwin, Lamarck e Wallace , podendo ser classificadas
como predominantemente decorativas ou representacionais - ambas categorias de
38
figuras sem valor didático. O mapa da viagem do Beagle, presente em todos os livros
estudados, poderia ser interpretado como uma figura explicativa. Conclusões em
relação a estes fatos são difíceis de serem feitas, já que a aplicação desta classificação
no contexto especificadamente histórico não foi estudado. Um detalhe que poderia ser
considerado, porém, seria a apresentação de esquemas que mostrassem também as
viagens de Wallace à Amazônia e ao arquipélago malaio, mencionadas nos livros.
6 Considerações finais
O objetivo deste estudo Os dados obtidos por este trabalho representam apenas
uma fração do conteúdo trabalhado pelas coleções didáticas do ensino médio. Mesmo
assim, eles oferecem um panorama interessante das mudanças ocorridas nos livros
didáticos após a introdução do Programa Nacional do Livro Didático.
Pode-se perceber um aumento de representatividade claro nos livros de biologia
do ensino médio aprovados pelo PNLD de 2012, sendo observados diversos aspectos
positivos nos livros. No entanto, também foram observados equívocos em algumas
partes da apresentação - em especial nas razões pelas quais a teoria de Lamarck não
foi aceita e na suposta falta de mecanismo de herança na teoria de Darwin.
Diversos caminhos podem ser seguidos a partir deste trabalho. A iminência de
uma nova lista de obras aprovadas pelo PNLD em 2014 representa uma nova
oportunidade para estudar a forma como as coleções didáticas estão sendo avaliadas e
que medidas estão sendo tomadas pelos organizadores para atender a suas
exigências.
A importância do ensino de evolução para a biologia não dispensa também a
necessidade de se realizarem pesquisas deste tipo em relação a outras áreas. Com a
tendência dos livros em ligarem cada vez mais as áreas do conhecimento em resposta
à atenção dada à interdisciplinaridade, torna-se importante uma observação minuciosa
de todo o conteúdo das coleções.
39
Vale ressaltar também que, como citado no referencial, muitos personagens
históricos não foram estudados, e há validez em se considerá-los em pesquisas
posteriores. Em especial, a representatividade dos opositores da evolução poderia ser
o enfoque de uma nova pesquisa.
Além disso, apesar de ser prevalente seu uso em sala de aula, o livro didático
certamente não é o único instrumento de ensino. Idealmente, o professor, na sua
atividade docente, se utiliza de diversas formas de divulgação científica, seja trazendo
um artigo de revista ou mostrando um filme documentário. Considerando o crédito que
foi atribuído por Tidon e Vieira (2009) ao PNLD pelo aumento da qualidade dos livros
didáticos, pode-se também questionar se estas formas de divulgação abordam a
história da Ciência com a mesma profundidade.
Kampourakis (2007) sugere que as interpretações teleológicas de alunos podem
ser atribuídas a concepções equivocadas sobre o papel da aleatoriedade das variações
no processo de seleção natural, e propõe que atividades que ajudem a explorar estas
concepções possa ajudar no entendimento da teoria. Outros estudos poderiam analisar
as ideias teleológicas nos livros didáticos aprovados e compará-los com os parâmetros
estabelecidos no PNLD.
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