ASSOCIAÇÃO SUL RIOGRANDENSE DE PROFESSORES
um intento de qualificação do professorado
Sergio Ricardo Pereira Cardoso (PPGE / UFPel, RS)
Elomar Antonio Callegaro Tambara (PPGE / UFPel, RS)
Este artigo, parte de uma pesquisa doutoramento, tem por objetivo analisar as relações
existentes dentro e fora da instituição Associação Sul Riograndense de Professores (ASRP),
desde o processo de sua fundação, em 1929, até os anos 70. Para isso, privilegiou-se fontes
como jornais locais e livros-ata da ASRP e 24º núcleo do CPERS. Partindo-se da premissa de
que as associações mutualistas promoveram também a consciência de classe, conclui-se que,
ao longo de sua existência, pode-se verificar que a ASRP não era apenas uma “ação entre
amigos”, como posteriormente será acusada pelo chamado sindicalismo vermelho, mas sim
uma entidade que reuniu a classe docente de Pelotas e região, e lutou por esta, sempre
procurando resguardar seu status material e moral, reformando sem revolucionar. Atrelado à
elevação da classe dos professores se encontram os esforços da ASRP em corroborar com o
processo de profissionalização docente ao longo do século XX, com cursos e palestras de
interesse da classe; nos anos 70, a ASRP entre em crise identitária e não se recupera mais.
Palavras-chave: Associações Docentes – Formação/Qualificação Docente – Associação Sul
Riograndense de Professores.
PROLEGÔMENOS
A valorização da memória de uma instituição como a ASRP já é motivo significativo
à realização do pretendido estudo, pois “o processo de profissionalização docente [...] tem-se
caracterizado por uma clara indefinição da compreensão dos efetivos mecanismos sob os
quais o mesmo ocorreu” (TAMBARA, 2005, p. 17). Nesse sentido, Arroyo (2002, p. 17)
ratifica tal posicionamento ao dizer que “guardamos em nós o mestre que tantos foram.
Podemos modernizá-lo, mas nunca deixamos de sê-lo. Para reencontrá-lo, lembrar é preciso”.
Em princípio, demarcou-se uma periodização de estudo no período de 1929 a 1982;
a escolha do período a ser estudado se dá, no caso do marco inicial, pela conjuntura
contextual em que é formada a ASRP, e o segundo marco da periodização se justifica por ser o
último ano em que se dá uma maior relação entre a ASRP e o 24 o Núcleo do
CPERS/Sindicato, criado dentro da própria sede da ASRP, configurando desde já uma
delicada situação em relação a ASRP, que se agravaria na década de 1980:
Aos vinte e três dias do mês de maio de mil novecentos e oitenta, às 20
horas e 30 minutos, na sala cento e quarenta e cinco da Faculdade de Educação, da
Universidade Federal de Pelotas, reuniram-se os professores sócios do CPERS
residentes em Pelotas, a Comissão Provisória Pró-Criação do Núcleo Regional e os
professores Danton Donatelli e Eugenio Fulkmann, para tratarem dos seguintes
assuntos:
[...] 3 – Discussão por parte de professores presentes a respeito da
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situação que poderá ser criada entre a Associação Sul Riograndense de
professores e o Núcleo Regional do CPERS a ser instalado em nossa cidade (ATA
No 01 DO 24º NÚCLEO DO CPERS) [grifo intencional].
Para a apropriação das fontes, foi de fundamental importância para esta pesquisa o
acervo da Biblioteca Pública de Pelotas, bem como o arquivo documental da ASRP e o
arquivo documental do 24º núcleo do CPERS. Com a cooperação dessas instituições, pude
coletar vários dados referentes ao processo histórico da ASRP, desde sua criação até os fins
dos anos 1980, como por exemplo: notícias em jornais e periódicos, livros-ata da ASRP e do
24º núcleo do CPERS, além de fotografias de diversos momentos da ASRP. Privilegiou-se,
entretanto os livros-ata e os jornais locais.
UM POUCO SOBRE O ESTUDO DAS ASSOCIAÇÕES
Estudar as associações profissionais de caráter mutualista já é um grande desafio
devido à diversidade de ideologias, doutrinas e complexidades das condições em que estas se
propõem a desenvolver estratégias públicas enquanto sociedades civis. Mais complicado
ainda é perceber estas estratégias nas associações mutuais da classe docente, classificação na
qual se enquadra a Associação Sul Riograndense de Professores, instituição-objeto desta
pesquisa.
A respectiva dificuldade é conseqüência dos diversos posicionamentos políticoideológicos de uma grande porção da historiografia operária, que até a década de 1980 negava
qualquer união de classe que não fosse revolucionária aos moldes marxista da palavra, que se
agrava ainda mais no tocante à profissão docente devido às distorções dialéticas entre o
trabalho “manual e intelectual”.
Marx (2004, p.114) denuncia uma dupla função que o trabalho possui para o capital.
Por um lado, reproduz a própria capacidade de trabalho no mesmo tempo em que realiza a
atividade para o qual foi solicitado e, por outro, valoriza o capital enquanto atividade criadora
de valor, e isto sempre sob o mando do capital. Dessa forma, observamos o trabalho como
trabalho vivo no primeiro caso e como trabalho objetivado no segundo caso.
Ambas as formas de trabalho estão determinadas pelo resultado do próprio trabalho;
mesmo este resultado significando para o trabalhador a reprodução de sua própria força de
trabalho graças à relação contratual que o liga ao capitalista, isto é, graças ao salário, significa
para o capitalista totalmente o contrário: a valorização de seu capital ou, o que dá no mesmo,
a criação de mais-valia que se extrai do trabalho, ou seja, trabalho na forma de trabalho não
pago.
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Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora improdutiva.
Na medida em que vende o seu canto é uma assalariada ou uma comerciante. Porém,
a mesma cantora contratada por um empresário [...] que a põe a cantar para ganhar
dinheiro, é uma trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital. Um mestreescola que ensina outras pessoas não é um trabalhador produtivo. Porém, um mestreescola que é contratado com outros para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro
do empresário da instituição que trafica com o conhecimento [...] é um trabalhador
produtivo. Mesmo assim, a maior parte destes trabalhadores, do ponto de vista da
forma, apenas se submetem fortemente ao capital: pertencem às formas de transição
(MARX, 2004, p. 115).
Estes trabalhos se encontram apenas submetidos ao capital porque este não os coloca
diretamente a trabalhar; funcionam de forma independente ao capital. Marx já havia
assinalado no seu Capítulo 12 do Livro I de O Capital ___ Divisão do Trabalho e Manufatura, a
diferença precisa entre o trabalho manufatureiro e o terceirizado, um modo de produção, este
último, em que o trabalho é organizado em casa por trabalhadores e trabalhadoras
independentes. O vendedor intermediário adianta as matérias primas organiza a venda
posterior das mercadorias já preparadas.
Sob este aspecto, Marx observa uma diferença fundamental com a divisão do
trabalho manufatureiro: “O comerciante podia comprar todas as mercadorias, mas não o
trabalho como mercadoria. Só era tolerado como distribuidor dos produtos dos artesãos [...]
Em geral, o trabalhador e seus meios de produção permaneciam indissoluvelmente unidos
como o caracol e sua concha, e, assim, faltava a base principal da manufatura: a separação do
trabalhador de seus meios de produção e a conservação desses meios em Capital (MARX,
1998, p. 414).
É óbvio que nem a cantora nem o mestre-escola mencionados por Marx haviam sido
separados de seus meios de produção; se poderia pensar, não obstante, que um sistema
educativo que forme indivíduos para o mundo do trabalho ___ como é o discurso atual de uma
das funções da Escola, se encontra submetido a relações comerciais capitalistas uma vez que
uma demanda de trabalhadores formados é cada vez mais necessária.
Tendo em vista que, o professor, em sua grande maioria, vende sua força de trabalho
(que não está desvinculada de meio de produção); no entanto, não se pode negar as
especificidades do profissional docente, que segundo Apple (1997, p. 66) conjuga em seu
escopo duas classes sociais contraditórias: “Partilham assim tanto dos interesses da pequena
burguesia côo da classe trabalhadora”.
Todavia, é de fundamental importância esclarecer que a classe não é apenas uma
concepção aberta de determinantes objetivos, ou um resultado de identidades culturais; pois
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ela se constrói em relação à esfera produtiva da sociedade. É preciso vivenciar o processo de
produção para se adquirir a consciência de classe; sob este aspecto, Thompson argumenta o
seguinte:
As formações de classe [...] surgem no cruzamento da determinação e da
auto-atividade [...] Não podemos colocar ‘classe’ aqui e ‘consciência de classe’ lá
[...] Nem podemos deduzir a classe de uma ‘seção’ estática (já que é um vir a ser no
tempo) nem como uma função de um modo de produção, já que a formação de
classe e a consciência de classe (embora sujeitas a determinadas pressões) se
desenvolveram num processo inacabado de relação – de lutas com outras classes –
no tempo (THOMPSON, 1981, p. 121).
O autor também adverte sobre a distinção entre consciência de experiência e
consciência de classe; enquanto aquela é determinada pelas relações de produção em que os
sujeitos estão inseridos, esta não é.
A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências
comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses
entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem)
dos seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações
de produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A
consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos
culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas
institucionais (THOMPSON, 1987:10).
Thompson aponta a experiência de classe, ou seja, as condições materiais e as
vivências desembocadas por estas, bem como a percepção dessa situação como elementos
fundamentais para compreender as transformações sociais, suas circunstâncias e a formação
dos sujeitos.
Dessa forma, uma classe social não pode ser compreendida como uma categoria
decorrente diretamente do posicionamento econômico dentro das relações de produção. Esta
concepção teórica é um problema quando se trata de professores, que apresentam-se divididos
entre o trabalho material e imaterial, o que nos remete a uma possível questão sobre o
professor ser ou não um produtor de bens:
No caso da produção não material, mesmo quando é efetuada com vista
exclusivamente à troca, e mesmo que crie mercadorias, existem duas possibilidades:
O seu resultado são mercadorias que existem separadamente do produtor,
ou seja, podem circular como mercadoria no intervalo entre a produção e o
consumo; por exemplo, livros, quadros [...] 2) O produto não é separável do ato da
produção. Também aqui o modo capitalista de produção só tem lugar de maneira
limitada e só pode tê-lo devido à natureza das coisas, em algumas esferas. [...] Nas
instituições de ensino, por exemplo, para o empresário da fábrica de conhecimentos,
os docentes podem ser meros assalariados. [...] “O trabalhador produtivo é aquele
que aumenta a riqueza de seu patrão” (MARX, 2004, p. 119-120).
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A categoria “experiência”, no campo da filosofia, possui basicamente duas
perspectivas teóricas: as sensações “nuas e cruas” ou, segundo os kantianos, aquilo que é
imediatamente percebido. Uma segunda dimensão, de matriz hegeliana, diz respeito à
correção de uma visão prévia da realidade, ratificando o caráter histórico da experiência e sua
relação dialética com as visões errôneas do passado.
Esta segunda matriz filosófica sobre a categoria “experiência” é a que mais se
aproxima do que Thompson prega como cultura, consciência, cotidiano, etc. Mas estudar
apenas isso para fundamentar a história da profissão docente é pouco; é necessário que se
apreenda o contexto maior em que estas experiências são construídas.
Atenta-se para o fato de que tal perspectiva foi apropriada, num primeiro momento,
pela Sociologia; este fato fez com que estes estudos tendessem à uma visão sociológica, isto é,
analisar fenômenos grupais, sociais, com a pretensão de generalizar, universalizar.
E, nesse propósito de generalizar, surgiram na clássica historiografia da classe
operária duas vertentes referentes ao tratamento das associações mútuas e suas relações com a
construção da consciência de uma determinada classe: a primeira encara o mutualismo como
sendo a primeira fase do movimento operário (RODRIGUES, 1988; GIANNOTTI, Vito,
1988). Sob esta perspectiva teórica, as mutuais fazem parte de uma espécie de pré-história das
primeiras organizações operárias, sendo por isso taxadas de sociedades sem caráter de
resistência, de defesa dos interesses de classe.
Impregnada de uma história linear e factual, essa perspectiva historiográfica
simplifica a existência das mutuais como instituições que, “num processo evolutivo”, vai
paulatinamente perdendo suas características “fraternais” (GIANNOTTI, 1988) ao passo que
vão adquirindo manifestações mais reivindicatórias, geralmente de origens ideológicas
anarquistas.
Em contrapartida, a segunda vertente historiográfica ignora totalmente as formas de
organização de trabalhadores que não estejam vinculadas às ideologias comunistas e
anarquistas (LOWI, 1980). Ou seja, as entidades que não correspondessem às ideologias
anarquistas e comunistas são excluídas justamente pelo fato de serem mais reformistas, e não
reivindicatórias e “revolucionárias”.
Não é difícil perceber o forte teor político por de trás desta corrente historiográfica,
pois a “consciência de classe” só seria adquirida pelos trabalhadores brasileiros com o
advento do anarco-sindicalismo, que foi assimilada pelos historiadores como movimentos
revolucionários de reação ao sistema de exploração capitalista.
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No Brasil, a primeira aparição do proletariado enquanto classe “para si”,
quer dizer, sua primeira forma de consciência, ganhou as características do anarcosindicalismo.
No início do século, os sindicatos começam a despontar como modo de
organização operária, ao lado das caixas mutuais, das sociedades beneficentes, das
ligas de resistência. Seus membros. Seus membros ___ onde se destacam os
estrangeiros, os trabalhadores qualificados, os semi-artesãos ___ são muito deles
trabalhadores que visam apenas defender-se coletivamente contra a exploração sem
qualquer projeto de subversão da ordem social. Mas a parcela mais combativa, mais
capaz d unir a classe e de enfrentar os patrões e o governo é constituída por anarcosindicalistas (LOWI, 1980, p. 12).
É na década de 1990 que a historiografia aponta uma tendência mais abrangente em
relação às associações mutuais, destacando-se Cláudio Henrique de Moraes Batalha (1990) e
Emília Viotti da Costa (1990). O primeiro autor aponta uma tendência politicamente viciada
da historiografia em relação aos sindicatos “amarelos”, sempre tratando-os pejorativamente
por serem reformistas, atrelados ao Estado, peleguos, entre outras fatores tais como “a origem
brasileira de base operária reformista em contraposição à origem imigrante dos anarquistas”
BATALHA, 1990, p. 119).
O sindicalismo “amarelo”, segundo Batalha (1990) deve ser considerado como uma
forma alternativa de consciência de classe, porém, reformista, constituindo “outra forma
assumida pela consciência de classe do operariado” (p. 125), e não revolucionária, como a
consciência de classe dos chamados sindicatos “vermelhos”.
No caso das Mutuais, facilmente enquadradas no chamado sindicalismo “amarelo”,
Batalha salienta o fato preconceituoso de muitos estudos dos anos 80 menosprezarem estas
entidades classistas como sendo parte da “pré-história” do movimento operário propriamente
dito. Segundo o autor, o fato de as associações mutualistas ainda existirem até hoje ___ como é
o caso da ASRP ___ é determinante em sua tese que desacredita a corrente historiográfica que
aponta a substituição destas por movimentos operários de resistência.
De uma maneira geral, as associações de ajuda mútua são percebidas como
estratégias públicas de sobrevivências implementadas pelos diversos setores da sociedade sob
um contexto histórico em que predominava a ausência de políticas sociais e dispositivos de
previdência públicos. Em virtude disso, “os anos de 1880 marcaram o momento inicial da
organização classista no Rio grande do Sul, no qual várias categorias tornaram-se entidades
mutualistas, onde a questão da representação de interesses já disputava espaço com a questão
previdenciária” (LONER, 2007, p. 499).
Para Mike Savage (2004, p. 33-34), as mutuais, entre outros tipos de associações,
foram respostas à “insegurança estrutural” em relação às políticas públicas, vivenciada
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principalmente pelos trabalhadores, inclusive os trabalhadores da área educacional. Diante
disso, possuíam estruturas administrativas, onde as assembléias elegiam presidentes, vicepresidentes, secretários. A ASRP, por exemplo, elegia estes representantes anualmente,
predominando os seguintes cargos eletivos: presidência, vice-presidência, 1ª secretaria, 2ª
secretaria, 3ª secretaria, 1ª tesouraria, 2ª tesouraria, além da comissão de contas.
Tânia Regina de Luca, em sua obra “O sonho do futuro assegurado” (1990),
argumenta que estas classificações podem ser divididas em seis tipos; dentre estas podemos
destacar as “associações por categorias profissionais”, às quais se enquadraria a Associação
Sul Riograndense de Professores (ASRP), instituição a ser analisada pelo presente estudo.
Estas “associações por categorias profissionais” eram comuns; sabe-se, por exemplo,
da Associação dos Professores Teuto Brasileiros Católicos, que objetivava “formar um
professor fiel e condigno à Igreja Católica e promover os interesses do professorado e da
escola através de procedimentos comunitários, assegurando sempre melhor emprego do
professor e consideração da comunidade com o mesmo” (SCHUPP apud KREUTZ, 1991, p.
109).
Averigua-se, dessa forma, que as associações mútuas são respostas a um hiato
deixado pelo Estado no sentido de proteger as classes que se viram em determinado momento
exploradas ou incapazes de sobreviver ao sistema de produção individualmente. É, de certa
maneira, sob este espírito que nasce a ASRP.
O NASCIMENTO DA ASSOCIAÇÃO SUL RIGRANDENSE DE PROFESSORES
O empenho de entender a criação da ASRP nos obriga a remontar à década de 1920,
caracterizada por profícuas transformações diretamente ligadas ao modernismo e ao processo
de urbanização e industrialização brasileira. Toda essa dinâmica reflete-se também na
sociedade, que começa a compor uma demanda cada vez maior referente à educação pública,
gratuita e de qualidade; a culminância desse processo é o surgimento do “otimismo
pedagógico” ou “entusiasmo pela educação” (NAGLE, 2001, p. 135).
Conforme o autor, no momento em que transformações significativas, nos diversos
níveis, ocorriam no mundo, o Brasil em particular presenciava consideráveis alterações na
vida social, das quais o processo de industrialização, o imigratório e o de urbanização são
alocados como impulsionadores e intensificadores dos dispositivos de escolarização
(NAGLE, 2001, p. 26-38).
O processo de urbanização trazia consigo demandas educacionais e boa parte destas
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foi ocasionada pela classe de trabalhadores e profissionais liberais que, após a proclamação da
República, começaram a se desenvolver, pois a República veio em seguida ao estabelecimento
do trabalho assalariado no Brasil, fomentando uma organização mínima destes segmentos.
Nesse processo de organização e formação, os diversos grupos sociais sentiram a necessidade
“do amparo de uma rede associativa” (LONER, 2001, p. 94). A autora, ao se referir às redes
associativas deixa claro o seguinte:
A construção da identidade da classe trabalhadora vai passar,
inevitavelmente, por estas entidades, pois são elas responsáveis pela congregação
daqueles conjuntos diferenciados e múltiplos de indivíduos e sua organização,
segundo modelos e formas que vão variar ao longo do tempo, mas que têm em
comum, o caráter de resposta e afirmação daquele setor, grupo ou categoria, frente à
sociedade (LONER, 2001, p. 94).
Ou seja, a década de 1920 e a deflagração da ABE são consequências diretas deste
contexto de urbanização que o Brasil vivenciava. Pelotas não era diferente, pois o
“entusiasmo pela educação” é fruto de um projeto modernizante, no qual urge estratégias de
controle e regulação das populações nos centros urbanos. Temas como “analfabetismo”,
“civilização”, “higienização”, “moral”, “civismo” e “patriotismo” foram discursos ideais para
movimentar um paradigma educacional não só em nível de Brasil, mas também em nível
estadual e municipal.
A segunda metade da década de 1920 é marcada por uma expansão do sistema
educacional no município de Pelotas, no entanto este processo já vinha ocorrendo
paralelamente à urbanização da cidade.
[...] o governo Simões Lopes não se caracterizou pela originalidade das
suas propostas no que tange à educação, mas por ter escolhido a instrução pública
como objeto de “marketing” governista, difundido através da imprensa republicana.
Escolha essa, decorrente da grande repercussão que tal tema ganhava na mídia,
inclusive em âmbito nacional. As circunstâncias estaduais impunham aos municípios
a ampliação de suas redes de ensino municipais, o que já vinha ocorrendo desde as
administrações anteriores. As caixas escolares [...] não eram uma novidade, visto
que já estavam sendo aplicados em outras regiões. Logo, as obras do governo
Simões Lopes não foram um diferencial, mas a forma como a imprensa republica
utilizou-se da instrução pública para evidenciar a atuação do Partido Republicano
Rio-Grandense em Pelotas (OLIVEIRA, 2005, p. 235).
Dessa forma, institui-se um imaginário sobre a importância da atividade docente e
com este a o crescimento de um corpus docente trazendo consigo a necessária construção da
identidade profissional docente.
Seguindo o estatuto da Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924,
cuja pretensão foi dar um caráter nacional à mesma através de seções da ABE em todos os
estados, Levi Carneiro (presidente da ABE de julho a outubro de 1925), viajou pelo Brasil,
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procurando o apoio das Diretorias de Instrução Pública de cada Estado. Infelizmente, tal
esforço foi malogrado, o que piorou com a morte de Heitor Lyra da Silva, em 1926
(CARVALHO, 1986, p. 36-40).
No entanto, em Pelotas, a iniciativa de Levi Carneiro surtiu o efeito desejado,
culminando na criação da SPABE, como confere-se a seguir (A OPINIÃO PÚBLICA,
25/10/1926, p. 02):
[...] O Dr. Joaquim Luis Osório leu uma exposição de motivos da reunião,
ficando, por entre gerais aplausos, resolvida, unanimemente, a fundação da
Associação Pelotense de Educação [...] ficou assentado também telegrafar-se ao Dr.
Levi Carneiro [...] congratulando-se a assembléia com s. ex. pela fundação da
Associação Pelotense de Educação, iniciativa que o iminente patrício animou...
As pessoas que faziam parte da SPABE, em sua grande maioria, representavam a
elite de Pelotas, destacando-se o nome de Joaquim Luís Osório; deve-se mencionar também
que vários destes membros constituíam o Partido Republicano Rio-Grandense e/ou diretorias
de instituições de ensino de Pelotas.
Um dos objetivos principais da SPABE focalizava a garantia de que “o ensino
oferecido na cidade de Pelotas tivesse a qualidade e a abrangência necessária para
proporcionar à sua população uma sociedade livre de tantos problemas que a assolavam”
(PERES; CARDOSO, 2003, p. 25). O Comprometimento consequente desse objetivo fez com
que a SPABE se confundisse a própria Diretoria da Instrução Municipal, o qual está visível no
planejamento da SPABE para 1927 (A OPINIÃO PÚBLICA, 05/01/1927, p. 01):
O que projeta fazer em 1927 [...] II- Criar a sua biblioteca pedagógica e
museu escolar. [...] IV- Realizar cursos e palestras sobre temas educativos. [...]
VIII- Instituir prêmio para os livros didáticos publicados por pessoas residentes
no município. [...] XVII- Desenvolver e propagar as caixas escolares. [...]XXIIIGeneralizar a educação física nos colégios. XXIV- Promover a instituição do “copo
do leite” às crianças fracas nas escolas... (grifo intencional)
Na noite festiva “alusiva ao dia do professor” e do resultado do concurso de melhor
“livro didático”, que fazia parte do planejamento da SPABE para o ano de 1927, o vencedor
do concurso, em seu discurso deixa transparecer claramente que, naquele momento já estava
nascendo entre os que ali estavam presentes a idéia de “criação de uma Associação de
professores em Pelotas”.
Disse que era acertada a idéia que naquele momento pairava naquele
recinto da criação de uma Associação de professores em Pelotas [...]
Lembrou a necessidade de congregar as classes que representam as forças
espirituais, intelectuais e morais do povo brasileiro (DIÁRIO POPULAR,
7/10/1928, p. 7).
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Um ano depois, aquela “idéia que naquele momento pairava naquele recinto” se
concretizava: nascia uma associação de professores em Pelotas: a Associação Sul RioGrandense de Professores (ASRP). E no decorrer do anos 30, a ASRP abre várias frentes de
trabalho. Mas, a primeira grande luta da instituição foi a construção de uma identidade aos
docentes associados, promovendo inúmeras palestras para divulgar o que de mais moderno
estava ocorrendo em nível nacional.
PALESTRAS, SEMINÁRIOS E CURSOS: métodos, técnicas e práticas.
O saber docente, predominantemente um trabalho intelectual, compõe-se de “saberes
de disciplinas”, produzidos pelas denominadas ciências da educação e pedagógicas; “saberes
curriculares”, expresso sob a configuração de parâmetros curriculares, e “saberes da
experiência”, desenvolvidos no cotidiano da profissão docente, que são incorporados tanto à
dimensão individual quanto coletiva. O problema ocorre pelo fato de o professor, “na
impossibilidade de controlar os saberes das disciplinas, do currículo e da formação
profissional, produz ou tenta produzir saberes através dos quais compreende e domina sua
prática” (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991, p. 227).
Afinal, a identidade social de uma determinada profissão é o reflexo do que a
sociedade pressupõe de um determinado profissional. No caso da docência, são justamente as
significações e ressignificações sociais dos/ sobre os professores que comporão parte da
identidade social do professor. Os saberes da profissão docente são fundamentais para a
construção dessa identidade profissional, que segundo Pimenta (1996) não é fixa:
...se constrói a partir da revisão das tradições, mas também da reafirmação de
práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Ela constrói-se
pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade
docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no
mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas
angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como a
partir de sua rede de relações, nas escolas, nos sindicatos e outros agrupamentos
(PIMENTA, 1996, p. 76).
É sob esta perspectiva que a ASRP, desde sua fundação, vai ter como premissa a
qualificação dos professores, promovendo cursos, palestras e conferências. Pois, entre suas
pretensões, sempre esteve presente:
Pugnar pelo aperfeiçoamento da instrução e da educação no Rio Grande do Sul.
Introduzindo métodos e processos novos, adaptando ou não outros já usados em
alguns países, criando bibliotecas e laboratórios pedagógicos, realizando palestras,
promovendo congressos, caravanas de professores, etc. (DIÁRIO POPULAR,
28/12/1929, p. 04).
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De fato, ao se fazer uma análise quantitativa das palestras, seminários e conferências
promovidas pela ASRP, pode-se agrupar estas atividades em tendências pedagógicas, como
por exemplo: “Escola Ativa” (1930-1934); foco nas “Metodologias de Ensino [Didática]”
(1933-1972); predomínio da “Psicologia” (1934-1935); o retorno da “Psicologia tendendo à
Orientação Educacional” (1953-1958); cursos de Português e Alfabetização (1959-1962),
cursos de Sociologia/ Estudos Sociais (1965-1966); cursos de “Economia Doméstica” (19681972).
A partir de 1970, além dos cursos de atualização pedagógica e preparação para
concursos do magistério (o que mais tarde vai se transformar em cursos preparatórios para
vestibular e concursos em geral), verifica-se o despontar de temáticas mais atuais: Educação
Especial (1971), Planejamento Educacional (1971), Educação Ecológica (1978).
De um modo geral, a Escola Ativa esteve intimamente ligada à valorização das
experiências da vida cotidiana. O discernimento de educação enquanto vida, e não apenas
como preparação para a vida, tornou-se o ponto comum entre os diversos movimentos que
compuseram tal Escola.
Peres & Cardoso (2004, p. 101), ao analisar a inserção da “modernidade pedagógica”
em Pelotas, salientam a preocupação com a qualificação dos professores pelotenses no final
dos anos de 1920:
O professorado pelotense foi, também, alvo de preocupações no contexto
de renovação pedagógica neste período. Um exemplo disso está expresso no
Relatório da intendência de 1928, que refere-se aos “estabelecimentos dos ‘Cursos
de Férias’ destinados a ministrar aos professores uma orientação moderna de
ensino”. As aulas ministradas aos professores, de 15 de janeiro a 30 de abril de 1928,
segundo o relato do intendente, incluíram um curso de pedagogia, dividido em duas
partes: “[...] uma theorica e outra pratica. A parte theorica comprehendeu as
seguintes théses: ethica pedagógica; o ensino moderno; a escola como aprendizado
activo; a hygiene escolar; a cultura physica e seu papel na educação;funcção social
da escola como formadora do idealismo nacional; testes. A parte pratica versou
sobre: a comprehensão da pedagogia: a organização da aula: a disciplina;
methodos de analphabetização; estudo e observação pedagogica dos sentidos; a
memoria; a imaginação; a educação da vontade; os instinctos e as pendencias; os
temperamentos e aptidões individuaes”.
De fato, uma tendência reformadora, agrupados no que se denominou Escola Nova,
em suas várias dimensões, espelhavam uma tentativa de se adequar a Escola nas sociedades
urbanas e democráticas, ou seja, industriais e de massa.
As idéias reformadoras iam de encontro à tendência pedagógica centrada no
autoritarismo, na tradição, no conteúdo, na obediência e na meritocracia. Saviani (1989)
aponta o fato de a Escola Ativa, ao criticar a cultura no interior da escola, desloca o foco de
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âmbito político-pedagógico do movimento para o campo técnico-pedagógico.
Não é por acaso que, atrelada a esta tendência, a ASRP difunde “métodos e técnica
de ensino” de “Português, Literatura, Física, Química, Biologia e Psicologia” (1933). De fato, o
ensino era tedioso e dificultava a aprendizagem, o que propiciou o desenvolvimento de um conjunto
de métodos de ensino que preparava para a vida; tal aparto metodológico frequentemente foi reunido
na denominação de “Escola Ativa”. Entretanto, essa Nova Escola
[...] deveria assumir um ‘caráter biológico’ capaz de desprender-se dos interesses de
classe, aos quais estava submetida a ‘educação tradicional’, centrando-se no direito
de todo indivíduo ser educado ‘até onde lhe permitam suas aptidões naturais,
independentemente das razões de ordem econômica e social’. ‘A feição mais
humana’ e verdadeira função social da ‘educação nova’ seria empreender uma
‘hierarquia democrática’ pela ‘hierarquia das capacidades’ (PAGNI, 2000, p. 111)
[grifos do autor].
Vai ser, então, a Psicologia a responsável pela assunção desse “caráter biológico”
pela Escola Nova; seus conhecimentos seriam necessários para se apreender como se dá a
aprendizagem do indivíduo, pois era preciso racionalizar tanto o processo de ensino quanto de
aprendizagem. A respeito disso, Cunha (1994, p. 65) enfatiza que “coube à Psicologia, devido
aos conhecimentos que traz a respeito da criança, a responsabilidade pela ênfase na
organização de programas de ensino que levassem em conta os aspectos psicológicos, os
interesses e as necessidades dos educandos”. Talvez, por isso se justifique o predomínio da
Psicologia na maioria das palestras realizadas pela ASRP.
É perceptível também que, ao mesmo tempo em que inovações técnicas vão sendo
difundidas sob os auspícios da psicologia, da sociologia e da modernidade, novos campos de
conhecimentos vão sendo introduzidos como, por exemplo, “Orientação Educacional”,
“Educação Especial” e “Educação Ecológica”.
De certa forma, esta racionalização emergente reposiciona o docente numa
perspectiva de busca incessante de profissionalização, tornando cada vez mais necessário o
melhoramento do ofício de professor por meio de uma rede não tão conforme: formação,
recrutamento, qualificação e remuneração.
Este aspecto proporcionou aos associados da ASRP um determinado status, pois era a
ASRP quem trazia os principais catedráticos para palestrar e ministrar cursos em Pelotas. Não
é difícil perceber que, à medida em que se cria a Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Pelotas.
13
PALAVRAS FINAIS, mas não definitivas.
De certa forma, a Associação Sul Riograndense de Professores foi fruto do
“Entusiasmo da Educação” e do “Otimismo Pedagógico”, termos foram cunhados por Jorge
Nagle quando se referiu aos anos 20 em seu clássico “Educação e Sociedade na Primeira
República”. Segundo o autor este espírito entusiástico e otimista dos anos 20 foi o catalisador
de um panorama econômico, político e cultural que fez aflorar a criação da Associação
Brasileira de Educação (ABE), em 1924 (NAGLE, 2001).
Os esforços de Levi Carneiro em dar um caráter nacional ao movimento criado no
Rio de Janeiro vão desembocar na criação da Seção Pelotense da Associação Brasileira de
Educação (SPABE). Dessa iniciativa, será criada, em 1929, a Associação Sul Riograndense de
Professores (ASRP).
Desde a sua criação até a década de 1970, a ASRP constituiu-se como a principal
instituição promotora de uma consciência de classe dos docentes em Pelotas e região, bem
como a busca incessante da qualificação do professorado por meio de cursos, palestras e
conferências. Pois, de acordo com Nóvoa (1995, p. 26), “a formação de professores é,
provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no setor educativo: aqui não se
formam apenas profissionais; aqui produz-se uma profissão”. Uma profissão que ao longo da
história, segundo o autor está numa linha tênue entre os “modelos acadêmicos, centrados nas
instituições e em conhecimentos ‘fundamentais’, e modelos práticos, centrados nas escolas e
em métodos ‘aplicados’”. [grifos do autor]
Por outro lado, o professorado, em suas aspirações e necessidades, passam a se
identificar
___
principalmente devido à pauperização progressiva
___
com o proletariado
clássico; no entanto, a ASRP continuou a encarar o professorado como um tipo diferenciado
de trabalhador, não visualizando que, no desenvolvimento educacional da região, surgiram
várias experiências de classe docente.
Consequentemente, no momento em que as configurações das atividades docentes e
de seus sujeitos sofrem transformações, surgem novas instituições que comportam e dão
respostas aos desejos e necessidades deste novo trabalhador da educação; em Pelotas, isso
ocorre no final dos anos de 1970 e início da década de 1980. Entre estas instituições se
encontra o 24º núcleo do Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul
(CPERS/Sindicato), que foi a expressão mais profícua desse fenômeno; entretanto, é possível
mapear outras entidades como o ADUFPel, ADUCPEL, SINASEFE, ANDES.
No contexto dos anos 80, então, diante das mudanças configurativas das identidades
14
do professorado pelotense, os docentes, seguindo uma tendência nacional, passam a se
identificar mais com o proletariado clássico. O profissional liberal, como era a aspiração da
classe docente no início de sua construção enquanto profissão (NÓVOA, 1995), se afasta da
realidade do professorado, momento em que o declínio da ASRP passa a ser um caminho sem
volta.
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