A HUMANIDADE DE DEUS-PAI Lc. 15,11-32 Na parábola: * A figura do pai é central e tem precedência. É aquele que acolhe o limite, a fragilidade...; é aquele que revela-se humano em um nível pleno e elevado. * A figura do filho menor revela os três momentos fundamentais no desenvolvimento da pessoa: saída ou distanciamento da “casa” (o próprio ser); decisão, no momento em que se chega ao fundo de si mesmo, de uma possibilidade de reorientação; e, finalmente, em caso de aceitação do próprio limite, o “retorno” à casa. * A figura do filho mais velho, excessivamente rígido porque ainda não tocou o fundo de sua existência; censura o gesto amoroso do pai e o pedido de perdão do irmão, julga e condena do pedestal do seu perfeccionismo. A parábola nos revela a imagem de um pai que não “programa” os seus filhos; permite que cada um amadureça, se torne adulto, corra os próprios riscos, invente a própria vida; filhos capazes de escolher sozinhos. A pedagogia do pai não se baseia no poder, na obediência, nos costumes, em prêmio e castigo. A figura do pai, que no início da parábola ficara completamente na penumbra, agora aparece movida por uma atividade marcada pela compaixão. A escandalosa humanidade do pai deixa-se transparecer nas cinco ações que revelam atitudes, disposições, estados de alma: “Estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos”. Da sua fragilidade o pai pressente a chegada do filho. É um ancião, mas se põe a correr; encontra-se longe, mas o vê. É a humanidade do pai que “vê”, não a razão. Em vez de manifestar ressentimento, sente-se comovido, tem compaixão. Não permanece frio, mas lança-se ao pescoço do filho, abraça-o e beija-o. Quando finalmente, teve diante de si o culpado, não o julgou. A humanidade do pai não condena, mas é a condição para o perdão. Seu gesto foi o de colocar-se no nível do limite e do fracasso do filho menor. O filho menor realiza uma ação de autêntica aceitação: torna-se consciente de seu fracasso e o aceita. A tomada de consciência ou a aceitação abrem o caminho para o desejo de reorientação: “Vou-me embora, procurar meu pai” constitui não só um encontro com a figura paterna, mas também consigo mesmo. É um movimento para aquilo que realmente é. Havia tomado um caminho errado. Tinha-se distanciado de sua própria realidade. Ao contrário, a insistência pela perfeição transtorna e cega o filho mais velho, que protesta e se recusa a participar da festa do irmão que “estava perdido e foi reencontrado”. Nesta parábola, a perfeição se revela desumana. O filho mais velho é obediente aos mandamentos do pai e os cumpre. Podemos deduzir que sua vida está voltada ao sacrifício, ao trabalho duro e às privações. Não é um homem qualquer; viveu a virtude da obediência ao máximo grau. Cresceu sem alegrias: ele mesmo lamenta de não ter jamais recebido um cabrito para fazer festa com os amigos (tinha amigos?). O acontecimento da volta do irmão o surpreende enquanto está no campo, cumprindo seus deveres. Não faz a experiência do limite e por isso não se sente frágil, mas forte, seguro de seu caminho. O justo cristalizado por saber-se perfeito está impedido de experimentar a compaixão. Dada a sua perfeição, era incapaz de considerar a existência além da lógica do prêmio e do castigo. O comportamento comovente do pai não o toca nem por um instante; pelo contrário, a conduta do pai provocou um golpe profundo na sua vida: quê sentido tem a vida, a dedicação em cumprir a lei? O clima de festa que encontra em casa no seu retorno do trabalho o fere e o surpreende. Como se pode deduzir da parábola, o filho mais velho não chega a encontrar o irmão. Recebe a notícia de seu retorno por um empregado. Ele não age com humanidade porque está longe de sentir-se “fraco”. Numa escala de valores a lei está em primeiro lugar. Para ter compaixão é necessário, ao invés, colocar-se do lado do limite, ter tocado a própria pobreza e fragilidade. Não pode “ver, comover-se, correr ao encontro, lançar-se ao pescoço e beijar”, isto é, comunicar misericórdia, porque é um homem esculpido na rocha. Na parábola do filho pródigo, a perfeição apresenta um caráter de clausura, aparece como um obstáculo ao amor, à alegria, ao perdão, à festa... Quem tende à perfeição no fundo é incapaz de “dar-se” à vida. É essa a pedagogia do pai: ensinar a ver as coisas não a partir do moralismo da perfeição, mas da compaixão. À luz da parábola de Jesus, pode-se chamar humano somente quem é compassivo, indulgente, misericordioso. Quem tem a coragem de aceitar a própria fragilidade e fracasso. O perfeccionista não pode prescindir da comparação. Não há perfeccionista que não seja inquisidor, nem inquisidor que não seja perfeccionista. A tendência à perfeição é uma doença do espírito, um eu em conflito consigo mesmo. Quem se deixa guiar pela idéia de perfeição, cedo se dará conta de que não poderá abraçar a vida. Permanecerá confinado a um eu inflado e vazio, que caminha sobre pernas de pau. FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050 [email protected] / www.ceijesuitas.org.br