A COMPREENSÃO E A SABEDORIA EM ARISTÓTELES Ramiro Marques A compreensão é uma virtude do pensamento preocupada com os primeiros princípios. O conhecimento científico diz respeito ao que é universal e necessário. Tudo o que é demonstrável tem origens e a compreensão é a virtude do pensamento encarregada de perceber as primeiras origens. Ao contrário da compreensão, que procura perceber as origens, a inteligência, a sabedoria e o conhecimento científico procuram estudar apenas aquilo que não é contingente e que, portanto, não muda. Os gregos usavam a palavra nous para designar a compreensão. Uma pessoa que tem o nous é a que compreende o que está a acontecer e a que faz uso do pensamento racional. Aristóteles distingue o nous teorético, aplicado aos primeiros princípios da ciência demonstrativa, a qual trata das verdades necessárias, e o nous prático que percebe as características relevantes de casos particulares, o qual trata de verdades contingentes. A sabedoria, ou sophia, em grego, aplica-se a quem é especialista num determinado campo do saber, teórico ou prático, ou a quem possui o conhecimento mais excelente. Nesta última concepção, a sabedoria diz respeito ao conhecimento científico e à compreensão, não à acção. Contudo, a sabedoria é, ainda, mais exigente do que a compreensão, pois refere-se apenas à forma mais exacta de conhecimento científico e, nessa medida, é conhecimento científico mais compreensão. Os romanos utilizavam o vocábulo sapientia para designar o discernimento e o conhecimento das coisas e dos homens. O contrário da sabedoria é a ignorância e a loucura cega. Aristóteles distingue a sabedoria da inteligência. Desde logo, a sabedoria não se interessa pela acção, mas apenas pelo conhecimento científico. A inteligência interessa-se pela acção e pelo saber prático. Quer isto dizer que a sabedoria só diz respeito ao que não muda e ao que não pode deixar de ser tal como é, i.e., ao necessário e não ao contingente. A inteligência, ao invés, diz respeito ao que muda e ao que pode ser de várias maneiras. Pode-se ser sabedor sem ser inteligente? Aristóteles parece responder afirmativamente quando se refere a determinados casos particulares. Oiçamos Aristóteles (1): "o que dissemos torna claro que a sabedoria é, simultaneamente, conhecimento científico e compreensão sobre o que é mais honorável por natureza. É, por isso, que as pessoas dizem que Anaxágoras ou Thales são sabedores, mas não inteligentes, quando as pessoas verificam que eles ignoram aquilo que os beneficia. E, assim, as pessoas dizem que o que eles sabem é extraordinário, surpreendente, difícil e divinal, mas sem uso, porque eles não procuram bens humanos". Uma das referências mais antigas à importância da virtude da sabedoria pode encontrar-se no Antigo Testamento, no Livro da Sabedoria, no qual o rei Salomão apresenta a sabedoria como a fonte da felicidade sobre a terra e o garante da imortalidade. Jean Guitton afirma que "a sabedoria é a procura de um método de vida e de acção, a construção de si próprio pela concretização das virtudes: a justiça, a prudência, a força e a temperança; a fé, a esperança e a caridade, dando acesso às três virtudes segundo Platão: o belo, o bem e o verdadeiro. Mas o sábio é também o acordado: aquele que se espanta com tudo, que desfruta tudo, aqui e agora. Para isso, é necessário dominar o tempo: encontrá-lo, pará-lo, saboreá-lo" (2). Notas Aristóteles (1985). Nichomachean Ethics. (Introdução, tradução e notas de Terence Irwin). Indianapolis: Hackett, 1141 b 5, p. 158 2). Guitton, J. e Antier, J-J. (1999). O Livro da Sabedoria e das Virtudes Reencontradas. Lisboa: Editorial Notícias, p. 207