Revista Brasileira de Engenharia de Pesca ISSN 1980-587X H ISSN – Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Volume 2, Número 1 - Janeiro de 2007 Pesca, Aqüicultura, Tecnologia do Pescado, Ecologia Aquática Aqüicultura: áreas na Bacia do Itapecuru, MA Alemanha e Áustria: Atlas da Ictiofauna Carotenóides: Fontes naturais para a aqüicultura História: Associação dos Engos de Pesca de PE REVIZEE: Subiendo redes (Quadro de Héctor Becerini)* Missão cumprida? VEJA TAMBÉM NESTE NÚMERO Museo del Hombre del Puerto, Mar del Plata, Argentina Ì Macrófitas aquáticas na produção de tijolos Análise de variáveis na carcinicultura Ì Biofertilizantes e sobrevivência de tilápias Beneficiamento de pescado em Itapissuma, PE Ì Anelídeo enquitréia na alimentação do niquim A pesca oceânica no Brasil no século 21 Ì Transporte inadequado de caranguejo-ucá 1 ATENÇÃO: PARA NAVEGAR USE “BOOKMARKS” À ESQUERDA Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] REVISTA BRASILEIRA DE ENGENHARIA DE PESCA VOLUME 2, NÚMERO 1, 2007 Eds.: José Milton Barbosa e Haroldo Gomes Barroso DIRETOR COMISSÃO EDITORIAL Haroldo Gomes Barroso - UEMA Athiê Jorge Guerra dos Santos - UFRPE EDITORES Leonardo Teixeira de Sales - FAEP-BR José Milton Barbosa - UFRPE Haroldo Gomes Barroso - UEMA Maria do Carmo Gominho Rosa - Unioeste DIRETOR DE MARKETING Luiz de Souza Viana – Emater/PR Maria Nasaré Bona de Alencar Araripe - UFPI Paula Maria Gênova de Castro - Instituto de Pesca/SP Rogério Bellini - Netuno Paulo de Paula Mendes - UFRPE ASSISTENTES DE EDIÇÃO Rogério Souza de Jesus - INPA Ivo Thadeu Lira Mendonça Fábia Gabriela Pflugraph Carraro Raimundo Nonato de Lima Conceição - UFC Neiva Maria de Almeida - UFPB Vanildo Souza de Oliveira - UFRPE Pollyanna de Moraes França Ferreira Walter Moreira Maia Junior - UFPB Elton Lima Santos CONSULTORES AD HOC Helder Correia Lima (UFRPE) Alex Augusto Gonçalves - UNISINOS WEBMASTER Antônio Diogo Lustosa Neto – Consultor Autônomo Junior Baldez - UEMA Athiê Jorge Guerra dos Santos - UFRPE Paula de Paula Mendes - UFRPE Fábia Gabriela Pflugraph Carraro - UFRPE Fábio Vieira Hissa Hazin - UFRPE Fernando Porto - UFRPE Ivo Thadeu Lira Mendonça - UFRPE José Milton Barbosa - UFRPE Maria do Carmo Figueredo Soares - UFRPE Neiva Maria de Almeida - UFPB Paula Maria Gênova de Castro – Instituto de Pesca/SP Paulo de Paula Mendes - UFRPE Raimundo Nonato de Lima Conceição - UFC Walter Moreira Maia Junior - UFPB 2 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] © Publicada em janeiro de 2007 Todos os direitos reservados aos Editores Proibida a reprodução, por qualquer meio, Sem autorização dos editores. Impresso no Brasil Printed in Brazil Ficha catalográfica Setor de Processos Técnicos da Biblioteca Central – UFRPE R454 Revista Brasileira de Engenharia de Pesca Nacional / editores José Milton Barbosa, Haroldo Gomes Barroso -- São Luís, Ed. UEMA, 2007. V.2, n.1 : 166p : il. Quadrimestral 1. Pesca 2. Aqüicultura 3. Ecossistemas Aquáticos, 4. Pescados – Tecnologia I 5. Extensão Pesqueira. Barbosa, José Milton II. Barroso, Haroldo Gomes III. Universidade Estadual do Maranhão CDD 639 ______________________________________________________________________________ Apoio Curso de Engenharia de Pesca Universidade Estadual do Maranhão Departamento de Pesca e Aqüicultura Universidade Federal Rural de Pernambuco 3 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ISSN 1980-587X REVISTA BRASILEIRA DE ENGENHARIA DE PESCA Volume 2 Janeiro, 2007 Número 1 Editorial P rezados amigos que estão acompanhando nossa Revista Brasileira de Engenharia de Pesca (REPesca), estamos apresentando o segundo número (V.2, N.1) da Revista, esperando corresponder a expectativa de todos ou pelo menos da maioria. Muitas coisas ocorreram neste período, eleições, debates e como não poderia deixar de ser calorosas discussões entre os honoráveis participantes de nosso “GI de Pesca e Aqüicultura”. Por outro lado, alguns sectários da desinformação lançaram suas redes, com velhos refrões. Ultimamente, tem estado na moda criticar a atividades de aqüicultura imputando-lhes culpa pelos desmazelos ambientais: seculares práticas de poluidores tradicionais. Não se levando em consideração os benefícios desta atividade, geradora de emprego e renda em regiões de tão baixo nível de desenvolvimento humano e de tão escassas possibilidades de implemento de atividades capazes de gerar suporte financeiro e valorização social do homem. Outro fato notório foi a crítica infundada aos colegas que trabalham no controle dos ataques de tubarões na costa do grande Recife que esqueceram os reclamos da sociedade acerca os acidentes com tubarões que, além de ceifar vidas, tem causado prejuízos a atividade turística e cerceado a população do seu direito de lazer, prazeroso e barato. José Milton Barbosa Editor Chefe *CAPA: “SUBIENDO REDES” QUADRO DO PINTOR MARINISTA E DIRETOR DO Museo del Hombre del Puerto (MAR DEL PLATA, ARGENTINA) HÉCTOR BECERINI (FOTO), QUE GENTILMENTE NOS CEDEU AS FOTOS DE SEUS QUADROS PARA EMBELEZAR NOSSA REVISTA, COM INTERVINIÊNCIA DE PASQUALINO Marchese. A AMBOS OS NOSSOS MAIS SINCEROS AGRADECIMENTOS. 4 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Sumário Pag. 6 Normas para Publicação I - ARTIGOS TÉCNICOS/INFORMATIVOS Atlas da biodiversidade de peixes da Alemanha e Áustria – um contributivo para comunicação e informação na ictiologia - Heiko BRUNKEN, Universidade de Ciências Aplicadas Bremen, Alemanha. A Associação dos Engenheiros de Pesca de Pernambuco: histórico e atuação - Maria do Carmo Figueredo SOARES; Leonardo Teixeira de SALES; José Milton BARBOSA; Augusto José NOGUEIRA; Vanildo de Souza OLIVEIRA; Claudia Fernanda da F. OLIVEIRA REVIZEE – Missão cumprida? - Carlos Frederico Simões SERAFIM - SECIRM Beneficiamento e comercialização do pescado na Região de Itapissuma, Pernambuco - José Milton BARBOSA; Helder Correia LIMA; Erivaldo José da SILVA JÚNIOR; Artur Delmiro Sodré da MOTA; Ivo Thadeu Lira MENDONÇA; Edson José da SILVA FILHO Museo del Hombre del Puerto (Mar del Plata, Argentina) - Héctor BECERINI A pesca oceânica no Brasil no século 21 - Fábio Hissa Vieira HAZIN; Paulo Eurico TRAVASSOS Método primitivo de transporte do caranguejo-uçá compromete sustentabilidade do estoque - Raimundo Ivan MOTA I I- ARTIGOS CIENTÍFICOS Áreas potenciais para a aqüicultura sustentável na bacia do rio itapecuru: bases para o planejamento utilizando o Sistema de Informação Geográfica - Haroldo Gomes BARROSO; Antônio de Pádua SOUSA Fontes naturais de carotenóides de interesse para a aqüicultura: eficiência de métodos de extração - Renata PASSOS; Danilo G. MORIEL; Francisco LAGREZE; Luisa GOUVEIA; Marcelo MARASCHIN; Luis H. BEIRÃO Utilização da macrófita aquática Egeria densa Planchon, 1849 (Hydrocharitacea) na produção de tijolos para construção civil - Thales Pacífico BEZERRA; Cristiano Pereira da SILVA; José Patrocínio LOPES Análise estatística das variáveis de cultivo do camarão Litopenaeus vannamei (Boone, 1931) - Bruno Leonardo da Silva SANTOS; Paulo de Paula MENDES Sobrevivência de tilápia-do-nilo Oreochromis niloticus (Linnaeus, 1758), em diferentes concentrações de biofertilizante. - Éder André GUBIANI; Nyamien Yahault SEBASTIEN Utilização do anelideo enquitréia, Enchytraeus albidus Henle, 1837 na alimentação do niquim, Lophiosilurus alexandri Steindachner, 1876 durante a alevinagem inicial - José Patrocínio LOPES; Tâmara A. e SILVA; Darciene S. GOMES; Ana Cristina M. RANGEL 5 9 19 27 44 56 60 76 80 103 114 128 143 156 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] REVISTA BRASILEIRA DE ENGENHARIA DE PESCA (REPesca) NORMAS PARA PUBLICAÇÃO OBJETIVO - A Revista Brasileira de Engenharia de Pesca (REPesca) tem por objetivo publicar artigos científicos e técnicos/informativos, abordando temas de interesse na área de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca. INFORMAÇÕES GERAIS - Os originais – redigidos de forma concisa, com a exatidão e a clareza necessárias à sua fiel compreensão – devem ser enviados à Comissão Editorial pelo e-mail: [email protected] ou entregues em CD, rigorosamente de acordo com estas normas, donde serão enviados aos consultores “ad hoc”, membros da Comissão Editorial ou indicados pelo Editor. Os pareceres serão transmitidos anonimamente aos autores. Em caso de recomendação desfavorável, poderá ser pedida a opinião de um outro assessor. Os trabalhos serão publicados na ordem de aceitação, ou pela sua importância. Nunca use negrito no texto, em parte ou para destacar títulos sub-títulos ou expressões. PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS DIGITAÇÃO - Os artigos com no máximo 15 páginas, incluindo tabelas e figuras, devem ser digitado em letra Times New Roman, tamanho 12, papel A4 e em espaço 1,5 (entre linhas) com margens de 2 cm em todos os lados, justificado e sem divisão de palavras no final da linha. Nomes científicos e palavras estrangeiras devem ser grafados em “itálico”. TÍTULO - O título deve dar uma idéia precisa do conteúdo e ser o mais curto possível escrito em letras maiúsculas tamanho12, centralizado. NOMES DOS AUTORES - Os nomes dos autores devem constar sempre na sua ordem direta, sem inversões, com o sobrenome maiúsculo. Segue-se aos autores os endereços institucionais e após o email do autor correspondente. Ciro Mendes CASTOR1* José Mário BRAGA2; Maria da Penha PIRILO1 1 Departamento de Educação, Universidade Federal de Carolina 2 Instituto de Pesca de Carolina *Email: [email protected] O RESUMO E O ABSTRACT (que é iniciado com o título em inglês) - devem conter as mesmas informações e sempre sumariar resultados e conclusões. Não devem ultrapassar 300 palavras e serem seguidos de, no máximo, cinco palavras-chaves e key-words. Os artigos devem ter os seguintes itens: 6 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ARTIGOS CIENTÍFICOS - Resumo (+ Palavras-chave), Abstract (+ Keywords), Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão (estes dois juntos ou separados), Conclusões (opcional), Agradecimentos (opcional) e Referências. ARTIGOS TÉCNICOS/INFORMATIVOS - Resumo (+ Palavras-chave), Abstract (+ Key words), Introdução, Corpo (desenvolvimento do assunto) Conclusões (denominados de Comentários Conclusivos ou Finais, Considerações Finais), Agradecimentos (opcional) e Referências (quando houver citações no texto). Os nomes dos itens devem ser maiúsculos e centralizados, com um espaço acima e abaixo. REFERÊNCIAS - Baseada no APA Citation Guide (Publication Manual of the American Psychological Association, 5th ed.). Livro (um autor) Bellini, C. T. (2005). Tratado de Zoogeografia do Brasil: aspectos econômicos. Ubá: Editora Nova. No texto: A espécie ocorre... (Bellini, 2005) ou Segundo Bellini (2005) a espécie... (Dois autores) Rocha, R. & J.P. Lara (Eds.) (2004). Marine fishes. Victoria: University Press. No texto: (Rocha & Lara, 2004) Capítulo de livro Brito, N. & Datena, C. R. (2005). Crescimento de miracéu Astrocopus y-grecum em laboratório. In: H. G. Barroso (Ed.). The Sea Fishes (pp.23-27). São Luís (MA): Ed. Amazônia. No texto: (Brito & Datena, 2005) Artigo de Revista Costa, J.B. (1957). A seca no agreste pernambucano. Rev. Bras. Secas. 7(27): 21-7. No texto: (Costa, 1957) Galvão, G.G.& Café , J.M. (2002). Peixes do Rio Farinha, MA. Rev. Mar. Biol. 27(7): 733-49. No texto (dois autores): (Galvão & Café, 2002) Pantaleão, N. T., Omino, P., Gil, C. & Falcão, E. (1987). Raias do Brasil. Bol. Zool. 7(8): 3-13. No texto (três a cinco autores) (Pantaleão, Omimo, Gil & Falcão, 1947) Koike, J., Itu, B., Marinho, A., Bitu, R. Brito, A.A. & Victor, J. (2007). A importância do bem-estar. Rev. Bras. Bem-estar. 7(1):7-27. No texto (mais de cinco autores): (Koike et al., 2007) Anais Marinho, M. A. & Abe, B. (2001). A violência contra as tartarugas. In: Congresso Latinoamericano de Zoociências (pp. 33-47). Buenos Aires: Anais do CLZ, 6. 7 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] No texto: (Marinho & Abe, 2001) Tese e Dissertação Maris, M. (2001). Contribuição estudo da pesca na Lagoa dos Patos [Tese de Doutorado]. Pelotas (RS): Universidade do Arroio. No texto: (Maris, 2001) Artigo on-line FAO (2007). The world's fisheries. Acessado em 27 de setembro de 2007 em http://www.fao.org\fi\statist\htm. No texto: (FAO, 2007) Correções - Os trabalhos que necessitarem de correções serão devolvidos aos autores e deverão retornar ao Editor no prazo de 7 dias, caso contrário poderão ter a publicação postergada. MATERIAL ILUSTRATIVO - As Tabelas e Figuras devem se restringir ao necessário para o entendimento do texto e numeradas em algarismos arábicos. As Figuras devem ser “inseridas” no texto e nunca “recortadas” e “coladas”, devem ser de tamanho compatível, para não perder a nitidez quando reduzidas e agrupadas, sempre que possível. As Tabelas devem ser feitas com utilização da ferramenta Tabela do “Word”. As legendas devem ser auto-explicativas colocadas acima nas Tabelas e abaixo nas Figuras. Símbolos e abreviaturas devem ser definidos nas legendas. OBSERVAÇÃO - Antes de remeter o trabalho, verifique se o mesmo está de acordo com as normas, atentando ainda para os seguintes itens: correção gramatical, correção da digitação, correspondência entre os trabalhos citados no texto e os referidos nas referências, correspondência entre os números de tabelas e figuras, e as citações no texto. ATENÇÃO: a) a revista não concorda necessariamente com os conceitos emitidos pelos articulistas; b) os recursos advindos de possíveis doações, financiamentos, assinaturas, venda de publicações da REPesca (disquetes, CDS, cópias impressas etc.) serão utilizado na manutenção da revista, não cabendo participação dos autores no usufruto desses recursos; c) os autores ao enviar seus trabalhos concordam com os termos destas normas; d) o autor principal (ou correspondente) é responsável pela aceitação, para publicação nesta REPesca, dos demais autores do trabalho. DÚVIDAS E ENVIO DE TRABALHOS: contactar o Editor-Chefe no seguinte e-mail: [email protected] A REPesca está disponível em pdf (Adobe reader ou adobe acrobat) no site da Universidade Estadual do Maranhão/Engenharia de Pesca: www.engenhariadepesca.uema.br 8 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] I - ARTIGOS TÉCNICOS/INFORMATIVOS ATLAS DA BIODIVERSIDADE DE PEIXES DA ALEMANHA E ÁUSTRIA – UM CONTRIBUTIVO PARA COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO NA ICTIOLOGIA Heiko BRUNKEN ([email protected]) Instituto de Meio Ambiente e Biotecnologia, Universidade de Ciências Aplicadas Bremen, Alemanha RESUMO Pela primeira vez são apresentados mapas de distribuição de peixes de água doce e peixes marinhos, para toda a Alemanha e Áustria. O projeto “Atlas da Biodiversidade de Peixes da Alemanha e Áustria” tem um sistema de informações ictiológico feito com base nos programas BioOffice 2.0© (BIOGIS GmbH, Salzburg) e ArcGis 9© (ESRI) (banco de dados e geographical information system). O acesso a mapas e informações biológicas está aberto para o público via internet (www.fischartenatlas.de). Os mapas se baseiam em grid de sistema de mapas na escala 1:25.000 para Alemanha (sistema de grid 1:50.000 para Áustria e sistema de grid 5x5 milhas marítimas para o Mar do Norte e Mar Báltico respectivamente). O layout dos mapas pode ser modificado online, a depender de informações escolhidas no background, como topografia, bacias hidrográficas, sistema de grid dentre outras. Além disso, os mapas da distribuição oferecem informações ictiológicas, por exemplo, sobre biologia e taxonomia das espécies com uma galeria de fotos. Fora essas informações a cerca de espécies, o atlas contém informações sobre literatura, lei européia nas áreas de proteção ambiental, projetos de recuperação dos rios e chaves de identificação das espécies. O atlas é um projeto independente non profit e preenche uma lacuna entre as ofertas de informações globais, como fishbase, e regionais (por exemplo, com relação a cada Estado). A redação do projeto encontra-se na Hochschule Bremen (Universidade de Ciências Aplicadas Bremen) sob os auspícios de Gesellschaft für Ichthyologie (Sociedade Ictiologia da Alemanha). O input das informações específicas ou informações sobre as bacias hidrográficas é provido por uma equipe de aproximadamente 50 especialistas externos, que vão completando e atualizando o banco de dados continuamente. PALAVRAS-CHAVES: Sistema de informação ictiológica, Alemanha, Áustria, Mar do Norte, Mar Báltico 9 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] INTRODUÇÃO Até hoje não há mapas de distribuição de peixes, nem da Alemanha (incluindo o Mar do Norte e o Mar Báltico), nem da Áustria. Uma das causas desta ausência é o fato do órgão responsável pela pesca na Alemanha ser estadual, e não federal. Com a introdução da Lei Européia referente às áreas de proteção ambiental, onde os peixes servem como bioindicatores para a qualidade das águas (Diretiva 2000/60/CE), ou seja, estão protegidos pela rede européia das reservas da natureza “NATURA 2000” (Diretiva 92/43/CEE). Apesar de o interesse pelos dados de biologia e distribuição de peixes ter aumentado muito, tanto em águas doces, como em águas marinhas, ainda não existem informações adequadas. Os dados existentes estão espalhados (por exemplo, nas instituições estaduais de pesca, nas universidades ou museus naturais) e o sistema global fishbase (FROESE; PAULY, 2006) não tem uma escala apropriada e ainda não foi plenamente aceito por estar em inglês e ter uma estrutura complexa. No entanto, fazer uma monografia sobre todas as espécies da Alemanha e Áustria por meio de uma abordagem científica, a fim de preencher essa lacuna, parece quase impossível para uma só pessoa, devido à gama de informações existentes atualmente. Desta necessidade de uma exata catalogação das espécies de peixes resultou a idéia de distribuir o trabalho entre diversos colegas. Partindo da idéia de “um peixe (espécie) por pessoa” tentaremos criar uma rede de especialistas, para a qual um grande número de “encarregados de espécies” contribuirão, cada um em seu lugar de origem, o que resultará em uma plataforma de informações sobre biologia e distribuição dos peixes. Essa plataforma, que tem o nome de “Atlas da Biodiversidade de Peixes da Alemanha e Áustria”, terá uma redação central na Universidade de Ciências Aplicadas de Bremen, onde também será administrada e posta à disposição de um público de cientistas e pessoas interessados. Uma vez que na realidade não haverá especialistas suficientes para todas as espécies e, por outro lado, muitos especialistas trabalham com várias espécies, tentar-se-á construir um grupo de especialistas de aproximadamente 50 pessoas para peixes de água doce e, caso se leve em consideração os peixes marinhos, o número será bem maior. Objetivo e intenção do projeto são a criação, a longo prazo, de uma plataforma de comunicação e informação na área de ictiologia, tendo em vista primordialmente a conservação e a proteção das espécies e dos ecossistemas aquáticos. Com este projeto, queremos reunir pessoas e informações para apoiar a pesquisa ictiológica. É importante frisar que não temos a intenção de construir um centro de dados, paralelo ao das instituições oficiais já existentes. Em várias instituições já existem excelentes bancos de dados (por exemplo, nas superintendências de pesca estaduais ou nas instituições ligadas à 10 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] pesquisa de ictiologia) e possibilidades de análises, mas não há uma plataforma de informação nacional. O objetivo do projeto é prioritariamente divulgar informações já existentes e, com isso, melhorar o conhecimento destas informações. O atlas é um projeto independente non profit sob os auspícios de ONG Gesellschaft für Ichthyologie (Sociedade Ictiologia da Alemanha e Áustria). O projeto encontra-se na Hochschule Bremen (Universidade de Ciências Aplicadas Bremen) e o autor é responsável pela sua concepção e redação. MAPAS DE DISTRIBUIÇÃO O atlas é um sistema de informações ictiológico sobre os peixes da Alemanha e Áustria na área de especialização em biodiversidade e proteção do meio ambiente (em parte ainda na fase de estruturação; novembro 2006). Pela primeira vez estamos apresentando os mapas de distribuição de peixes de água doce e de peixes marinhos para toda a Alemanha (Figuras 1, 2) e Áustria. O acesso a mapas e informações biológicos está aberto para o público via internet (www.fischartenatlas.de). Base de dados são os mapas de distribuição dos peixes existentes em cada estado e dados de distribuição em parte ainda não publicados por várias instituições e especialistas de ictiologia da Alemanha e Áustria; em pormenor: BARLAS et al., 1987; DIERCKING; WEHRMANN, 1991; SCHIRMER, 1991; GAUMERT; KÄMMEREIT, 1993; VILCINSKAS; WOLTER, 1993; BOCK et al., 1996; FÜLLNER et al., 1996; KAMMERAD et al., 1997; SPRATTE; HARTMANN, 1998; BRÄMICK et al., 1999; BOHL et al., 2000; PELZ; BRENNER, 2000; DUßLING; BERG, 2001; FISCHEREIVERBAND SAAR, 2001; KLINGER, 2001; SCHAARSCHMIDT; LEMCKE, 2004; assim como dados de Centro de Pesquisa Nacional de Pesca de Hamburgo Bundesforschungsanstalt für Fischerei Hamburg, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mecklenburg-Vorpommern, Protecção a Natureza e Geologia do Estado de Mecklenburg-Vorpommern Naturschutz und Geologie Mecklenburg-Vorpommern, Instituto Alfred-Wegener para Pesquisa Polar, Instituto de Ecologia das Águas Institut für Gewässerökologie Scharfling e mais. As distribuições de peixes são apresentadas numa visão geral nos mapas e apresentados por espécies em representações de presença-ausência. Os mapas baseiam-se em grid de sistema de mapas na escala 1:25.000 para Alemanha, em grid de sistema de mapas na escala 1:50.000 para Áustria e em grid 5x5 milhas marítimas para o Mar do Norte e para Mar Báltico. Atualmente o atlas tem mais ou menos 100.000 séries de dados (pontos de distribuição). 11 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 1 – Mapa de distribuição exemplar do banco de dados, parte „Peixes de água doce da Alemanha”. Nas barras de navegação à direita se pode modificar o layout dos mapas online escolhendo-se várias informações no background como, topografia (Topographie), bacias hidrográficas (Flussgebiete) ou sistema dos rios (Gewässernetz). Clicando „Artinformationen (PDF)“ se pode acessar aos dados biológicos da espécie. O “cartão-de-visita” tem informações sobre o especialista da espécie. 12 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 2 – Mapa exemplar da distribuição do banco de dados, setor de “Peixes de marinhos da Alemanha”, referente apenas ao Mar do Norte. AWZ Ausschließliche Wirtschaftszone Zona Econômica Exclusiva da Alemanha. Os polígonos verdes mostram áreas protegidas (FFH-Gebiete preservação dos habitats naturais e da fauna como também da flora selvagem). ESTRUTURA DE DADOS No centro do sistema das informações há o programa BioOffice 2.0© (de empresa BIOGIS, Salzburg, Áustria), feito especialmente para o projeto (BRUNKEN; BRUNSCHÖN, 2006) (Figuras 3 e 4). Importação e exportação de dados são feitas com um módulo do programa MS-Access© com várias funções especiais para filtrar e controlar os dados. Os mapas são configurados com ArcGis© (de empresa ESRI), com o programa BioMapper© (de empresa BIOGIS). A exportação de dados para internet é feita através de um banco de dados MySQL. Os mapas de distribuição são criados online, quando o usuário acessa o site na internet. Com isso, pode ter várias opções de background, como topografia, bacias hidrográficas, sistema dos rios ou 13 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] áreas protegidas. Os mapas têm informações biológicas, fotografias e vários outros dados sobre cada espécie (atualmente ainda em fase de construção). MySQL - Banco de dados para apresentar os dados na internet (online information system) MS Access© Importação Dados de distribuição BioOffice 2.0© Banco de dados principal do Atlas o çã rta o p Ex LSQ Shapefiles Coleção Por exemplo: Dados do „Atlas de Peixes da Alemanha“ Locais de distribuição a. grid dos mapas ArcGIS 9© b. Coordenadas exatas para fazer mapas de distribuição Tabelas das espécies Pontos da distribuição (agora mais ou menos 100.000 dados) Contatos Especialistas e redação Exportação Espécies Objetos Alemanha água doce Austria água doce Alemanha marinhos Literatura Figura 3 – Estrutura do sistema das Figura 4 – Banco de dados principal informações ictiológicas. (BioOffice 2.0©). PLATAFORMA DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO A base de projeto é uma rede centralizada de especialistas da área de Ictiologia na Alemanha e Áustria (Figuras 5 e 6). Figura 5 – Colaboradores do projeto e estrutura Figura 6 – Equipe de redação da rede dos especialistas ictiológicos. A estrutura do atlas é aberta para colaboradores. Há várias formas de apoiar o projeto, por exemplo, redigindo uma monografia sobre uma espécie, contribuindo com literatura ou colaborando 14 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] com projetos nas áreas de recuperação dos rios ou proteção das espécies ameaçadas. Os colaboradores podem corrigir e completar as informações sobre a distribuição das espécies. O atlas tem muitas informações para download sobre normas para publicação, transferência de dados, etc. na página “contato e redação” (Kontakt & Redaktion). O input das informações específicas ou informações com relação às bacias hidrográficas é provido por um grupo de aproximadamente 50 especialistas externos, que vão completando e atualizando o banco de dados continuamente. Os especialistas contribuem com monografias e outras colaborações com direitos autorais, havendo regras claras de como se fazer citações. A redação do projeto encontra-se na Hochschule Bremen (Universidade de Ciências Aplicadas Bremen), no grupo de pesquisa ecologia de peixes. O projeto ainda está na fase da construção. Além de informações específicas, o atlas deve conter colaborações sobre temas como: lei européia nas áreas de proteção das águas (quadro de ação comunitária no domínio da política da água; Diretiva 2000/60/CE) e da natureza (preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens; Diretiva 92/43/CEE), literatura, especialmente artigos sobre distribuição de peixes, relatórios, monografias e várias dissertações, chaves de identificação com fotografias, gráficos, tabelas, informações sobre espécies ameaçadas e possibilidades para a sua proteção, informações sobre projetos de recuperação dos habitats aquáticos e informações sobre coleções ictiológicas (museus, universidades), CONCLUSÕES Com o projeto “Atlas de biodiversidade de Peixes da Alemanha e Áustria” podemos preencher uma lacuna no conhecimento ictiológico. As primeiras reações mostram que existe uma grande necessidade de informações sobre a biologia e a distribuição de peixes. O atlas, mesmo se tratando de um trabalho científico, tem uma linguagem simples. Além disso, alguns aspectos são muito importantes para o projeto ser aceito pelo grande público de interessados. A viabilidade científica dos dados e informações é essencial e pode ser garantido, não só devido à participação de muitos especialistas, como pelo fato de a redação ser efetuada de forma centralizada. A variedade de opiniões entre os pesquisadores é normal como, por exemplo, sobre a taxonomia das espécies, e por isso o atlas deve ser uma plataforma apropriada para apresentar e discutir esses casos. Um outro aspecto é a garantia de os colaboradores terem todos os direitos autorais preservados, seja nas monografias, fotografias etc. O atlas tem citações de diversas instituições utilizadas de formas distintas e só apresenta informações sobre presença/ausência, espécie, ano e origem de dados. Os dados completos, com mais informações, como por exemplo sobre parâmetros dos habitats, permanecem nas instituições originais. O atlas não 15 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] deve se utilizado para um projeto paralelo de museus ou universidades, muito pelo contrário, ele deve ser uma plataforma de comunicação e ajuda para todos os colaboradores. Em princípio, as idéias apresentadas nesse artigo – tanto o banco de dados como a estrutura de uma rede de ictiologistas – podem ser empregadas a outras áreas e outros grupos de animais e plantas. Sua estrutura permite, com seu sistema facilmente inteligível, que essas idéias possam ser empregadas aplicando uma mistura de programas universais e específicos (BioOffice©) sem grande esforço. AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer a: - Corinna Brunschön, Henning Harder, Martin Sperling e Martin Winkler pelo apoio técnico e pela realização do projeto. - Silke Eilers, Jörg Freyhof e Matthias Hein pela colaboração redacional. - Glícia Calazans pela ajuda nos contatos e comunicação no Recife. - Vania Kahrsch pela tradução. BIBLIOGRAFIA BARLAS, M.; BRUNKEN, H.; LELEK, A.; MEINEL, W.; PELZ, G.R., 1987, Natur in Hessen. Das Vorkommen der Fische in Fließgewässern des Landes Hessen. Hessisches Ministerium für Landwirtschaft, Forsten und Naturschutz (ed.), Wiesbaden, 72p. BOCK, K.-H.; BÖßNECK, U.; BRETTFELD, R.; MÜLLER, R.; MÜLLER, U.; ZIMMERMANN, W., 1996, Fische in Thüringen. Die Verbreitung der Fische, Rundmäuler, Krebse und Muscheln in Thüringen (2. Aufl.). Ministerium für Landwirtschaft, Naturschutz und Umwelt (ed.), Erfurt 120p. BOHL, E.; GERBER, J.; GROH, K.; JUNGBLUTH, J.H.; LEUNER, E.; KLEIN, E., 2000, Ergebnisse der Artenkartierungen in den Fließgewässern Bayerns. 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Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. Jornal Oficial nº L 206 de 22/07/1992: 7-50. DUßLING, U.; BERG, R., 2001, Fische in Baden-Württemberg. Hinweise zur Verbreitung und Gefährdung der freilebenden Neunaugen und Fische. 2. Aufl. Ministerium für Ernährung und ländlichen Raum Baden-Württemberg (ed.), Stuttgart, 176p. FISCHEREIVERBAND SAAR (ed.)., 2001, Fische und Flusskrebse des Saarlandes. 1. Aufl. Atlantenreihe 1., Dillingen, 111p. FROESE, R.; PAULY, D. (eds.), 2006, FishBase. World Wide Web electronic publication. www.fishbase.org, version (03/2006). FÜLLNER, G.; PFEIFER, M.; SIEG, S.; ZARSKE, A., 1996, Die Fischfauna von Sachsen, Rundmäuler, Fische, Krebse, Geschichte, Verbreitung, Gefährdung, Schutz. Sächsische Landesanstalt für Landwirtschaft (ed.), Dresden, 166p. GAUMERT, D.; KÄMMEREIT, M., 1993, Süßwasserfische in Niedersachsen. 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Pesca 2[1] SCHAARSCHMIDT, T.; LEMCKE, R., 2004, Quellendarstellungen zur historischen Verbreitung von Fischen und Rundmäulern in Binnengewässern des heutigen Mecklenburg-Vorpommerns. Mitt. Landesforschungsanstalt Landwirtschaft Fischerei Mecklenburg-Vorpommern, Gülzow 32: 1-261. SCHIRMER, M., 1991, Die Verbreitung der Fische im Land Bremen. Abh. Naturwiss. Verein Bremen 41: 405-465. SPRATTE, S.; HARTMANN, U., 1998, Fischartenkataster. Süßwasserfische und Neunaugen in Schleswig-Holstein. Ministerium für ländliche Räume, Landwirtschaft, Ernährung und Tourismus des Landes Schleswig-Holstein (ed.), Kiel, 183p. VILCINSKAS, A.; WOLTER, C., 1993, Fische in Berlin. Verbreitung, Gefährdung, Rote Liste. Senatsverwaltung für Stadtentwicklung und Umweltschutz, Referat Öffentlichkeitsarbeit (ed.), Berlin, 109p.D 18 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ASSOCIAÇÃO DOS ENGENHEIROS DE PESCA DE PERNAMBUCO: HISTÓRICO E ATUAÇÃO Maria do Carmo Figueredo SOARES ([email protected]); Leonardo Teixeira de SALES ([email protected]); José Milton BARBOSA ([email protected]) Augusto José NOGUEIRA ([email protected]) Federação das Associações de Engenheiros de Pesca do Brasil, FAEP-BR Vanildo de Souza OLIVEIRA ([email protected]); Claudia Fernanda da F. OLIVEIRA ([email protected]) Associação dos Engenheiros de Pesca de Pernambuco, AEP-PE RESUMO São apresentados alguns dados sobre a Associação dos Engenheiros de Pesca de Pernambuco (AEP-PE), ao longo de sua trajetória de 28 anos de existência, na qualidade de uma associação de classe pioneira no país. Destacou-se um pequeno histórico desde a sua fundação, com a composição da primeira diretoria até as principais ações desenvolvidas pelo grupo. PALAVRAS-CHAVE: engenharia de pesca; presidentes da AEP-PE; congressos. INTRODUÇÃO A importância do convívio em nível das associações de classe pode ser mais bem entendida, refletindo-se sobre as três instâncias indivíduo-sociedade-espécie, formando uma tríade inseparável. O indivíduo humano, mesmo na sua autonomia, é 100% biológico e 100% cultural (MORIN, 2005). Partindo dessa premissa apresenta-se a Associação dos Engenheiros de Pesca de Pernambuco, (AEPPE) uma das primeiras associações da classe dos engenheiros de pesca, que vem conseguindo reunir-se ao longo dos anos, de forma contínua, com uma boa participação de seus associados. A AEP-PE foi fundada em 20/01/1978 no Departamento de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco. É nesta universidade, que também foi criado o primeiro curso de Engenharia de Pesca do país, cuja implantação se deu em 1971, por iniciativa do então reitor, Adierson Erasmo de Azevedo. Nesses vinte e oito anos de existência vem implementando ações, no sentido de fortalecer as atividades do profissional da Engenharia de Pesca. Com o desenvolvimento do setor pesqueiro nacional a responsabilidade da categoria aumentou, principalmente, no que se refere à extração sustentável de produtos pesqueiros através da pesca e da aqüicultura. 19 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A Engenharia de Pesca é uma habilitação que integra a área das Ciências Agrárias, na subárea de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca e qualifica, em nível superior o profissional para a intervenção técnico-científica em aqüicultura, pesca e tecnologia do pescado, além de atividades de pesquisa, ensino e extensão em biotecnologia e demais serviços voltados à aqüicultura e pesca. Portanto, as associações dos engenheiros de pesca no Brasil, buscam discutir e defender, além de valorizar as ações da categoria inseridas no desenvolvimento do setor pesqueiro nacional. CRIAÇÃO DA AEP-PE A Comissão de Fundação da Associação dos Engenheiros de Pesca de Pernambuco teve como presidente Leonardo Teixeira de Sales e, na data de sua fundação, foi aprovado o estatuto da associação e eleita a primeira diretoria, assim composta: Presidente: Raimundo Evangelista Neto; Vice-presidente: Leonardo Teixeira de Sales; Secretário geral: Fábio José Castelo Branco Costa; Primeiro secretário: Erivaldo Barbosa da Silva; Segundo secretário: Elizeu Augusto de Brito; Primeiro tesoureiro: Eudes de Souza Correia e Segundo tesoureiro: Jorge Almeida de Albuquerque. Foram sócios fundadores: Raimundo Evangelista Neto; Leonardo Teixeira de Sales; Fábio José Castelo Branco Costa; Erivaldo Barbosa da Silva; Elizeu Augusto de Brito; Eudes de Souza Correia; Jorge Almeida de Albuquerque; Itamar de Paiva Rocha; Paulo Guilherme de Alencar Albuquerque; Antônio Lisboa Nogueira da Silva; Elias Alves Cordeiro; João Alves da Silva Filho; João Batista Cabral; Enox de Paiva Maia; José Roberto Fonseca e Silva; Isabel Cristina de Sá Marinho; Maria de Fátima Pereira de Sá; Tarcizo Cirilo; Antônio Carlos de Arruda Pires de Freitas; Aradi Alves de Melo; Athiê Jorge Guerra Santos; Ricardo Múcio de Oliveira; Manlio Ponzi Júnior; Rômulo Alves Ebrahim; Joel Xavier de Barros; Paulo da Silva Oliveira; José Geraldo dos Santos; Josélio Lucas Ribeiro; José Benigno Viana Portela; Odilon Juvino de Araújo; Flávio Marcelo Correia de Melo; Marluce Rocha Melo; Maurílio Gonçalves da Silva; Carlos Roberto da Silva; Francisco de Assis Câmara Dantas e Valdemir Batista. No ano de 1979, a AEP-DF realizou em Brasília o I Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca (I CONBEP). Em 1981 foi a vez da AEP-PE realizar, no Recife, o II CONBEP e, a partir daí, outros congressos foram realizados, sempre contanto com o apoio desta Associação. Acatando decisão da Federação das Associações dos Engenheiros de Pesca do Brasil (FAEPBR) a AEP-PE passou a comemorar, na data de 14 de dezembro, o dia do Engenheiro de Pesca, pois nesta data ocorreu no Recife a Colação de Grau da primeira turma de Engenheiros de Pesca do Brasil. Desde sua fundação até meados de 1980 as assembléias e reuniões da AEP-PE foram realizadas em sede provisória do antigo Laboratório de Ciências do Mar (LACIMAR), hoje Departamento de 20 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Oceanografia da UFPE, na época, funcionando na Av. Bernardo Vieira de Melo, 986, Piedade, Jaboatão dos Guararapes. A partir do segundo semestre de 1980, a sede provisória passou a ser o Departamento de Pesca da UFRPE, no Bairro de Dois Irmãos. Seguiu-se como sede para reuniões em 1982, o Clube de Engenharia localizado na Rua Real da Torre 501, bairro da Madalena. Durante o biênio 1986/1987 funcionou no Edifício CIBRAZEN no Bairro de São José, sendo que, a partir de 1988, retornou para o Clube de Engenharia de Pernambuco. Na reunião de 02/06/1988 estabeleceu-se em ata, que as reuniões da AEP-PE, seriam realizadas semanalmente, toda às quintas-feiras, no horário das 18:00h, no Clube de Engenharia. Posteriormente, em junho de 2005, as reuniões passaram a ocorrer no Círculo Militar de Pernambuco, com freqüência semanal, até a atualidade. PRINCIPAIS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELA AEP-PE Dentre as principais atividades da AEP-PE destacam-se suas reuniões periódicas presididas pelo presidente e, na sua ausência, pelo vive-presidente. É interessante caracterizar, uma certa informalidade nestas reuniões e o clima de amizade que se construiu ao longo do tempo. A Tabela 1 apresenta a relação dos presidentes da AEP-PE com as respectivas datas de seus mandatos. Tabela 1 – Presidentes da AEP/PE com as datas de seus respectivos mandatos Nome Raimundo Evangelista Neto Itamar de Paiva Rocha Eudes de Sousa Correia Jaime Teles de Andrade Lima Claudemilson Farias Barreto Jorge Pereira de Castro Filho Leonardo Teixeira de Sales José Rodolfo Rangel Moreira Cavalcante Ricardo Múcio de Oliveira Augusto José Nogueira José Telino de Lima Neto Augusto José Nogueira Ronaldo Almeida Lins Dalgoberto Coelho de Araújo Vanildo Souza de OLiveira Mandato 20.01.78 a 19.01.80 19.01.80 a 14.02.81 14.02.81 a 12.12.81 l2.l2.81 a 27.04.84 27.04.84 a 25.04.86 25.04.86 a 27.05.88 27.05.88 a 12.12.89 12.12.89 a 19.12.91 19.12.91 a 14.12.93 l4.12.93 a 14.12.95 l4.12.95 a 14.12.99 l4.12.99 a l4.12. 0l l4.12.01 a 14.12.03 14.12.03 a 14.12.04* 14.12.04 * Dalgoberto Coelho de Araújo foi substituído pelo Vice-Presidente, Vanildo Souza de Oliveira, em virtude de sua redistribuição para o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca, no Estado do Ceará. Os presidentes são eleitos para gestão que compreende um biênio, podendo ser re-eleito. O regimento interno estabelece um prazo mínimo de 30 dias para a posse da diretoria eleita. A pose de 21 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] cada diretoria eleita é feita em assembléia da categoria. Neste momento é comum ocorrer homenagens com distribuição de placas e títulos a sócios benemérito e honorário. Acontece também um jantar de confraternização natalina e de comemoração ao dia nacional do Engenheiro de Pesca, aproximando a categoria profissional do Estado. A partir da VIII Semana do Engenheiro de Pesca (2002), evento anual, realizado pelo grupo do Programa de Educação Tutorial do Curso de Engenharia de Pesca (PET/Pesca) da UFRPE, o dia 14 de dezembro, passou a ser anunciado em folder e faixas deste evento, abrindo-se inclusive a participação de representantes discentes no jantar de adesão do dia do Engenheiro de Pesca, organizado anualmente pela AEP-PE. A associação também tem participado, a convite do grupo PET/Pesca das semanas, apoiando-as e marcado sua presença através de mesas-redondas e na sessão de abertura, ressaltando os aspectos da valorização profissional. A Tabela 2 apresenta um demonstrativo dos Congressos de Engenharia de Pesca (CONBEP), evento máximo da categoria, que acontece com periodicidade de dois anos, congregando os profissionais da área e associações responsáveis pela sua organização, juntamente com a Federação das Associações dos Engenheiros de Pesca do Brasil (FAEP-BR). Outras atividades desenvolvidas pela AEP-PE são eventos e celebração de convênios/projetos na área das Ciências Pesqueiras, a exemplo do convênio celebrado entre a AEP-PE e a SUDENE, intitulado: “Estudo para o Desenvolvimento da Maricultura do Nordeste” durante a gestão 2000/2001, envolvendo engenheiros de pesca, pesquisadores da SUDENE e professores do Departamento de Pesca e Aqüicultura da UFRPE. Palestra e cursos de extensão estão ocorrendo na atual gestão com apoio do DEPAq, a exemplo do curso, intitulado: Piscicultura Ornamental, Concepção, Implantação e Empreendimento, ocorrido nos período de 30/10 a 1/11/2006 na sede do DEPAq, tendo sido ministrado pelo Prof. Dr. George Nilson (UFPE) que também é engenheiro de pesca associado da AEP-PE. Outro momento bem prestigiado pelo público acadêmico da UFRPE foi a palestra: O desenvolvimento da tilapicultura no São Francisco a partir do papel comercial da Netuno e as oportunidades para o Engenheiro de Pesca, ministrada em 28/08/2006 pelo Engo de Pesca Rogério Bellini . Uma atividade acadêmica que vem acontecendo junto a AEP-PE, através do Programa de Educação Tutorial do Curso de Engenharia Pesca da UFRPE, é a participação de discentes/bolsistas deste programa nas reuniões da associação desde o ano de 2003, numa ação denominada: O PET/Pesca vai a AEP/PE. A atividade foi inserida no planejamento anual do grupo e visa aproximar os alunos de graduação do Curso de Engenharia de Pesca, mais precisamente os bolsistas e voluntários do PET com a categoria profissional. 22 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Tabela 2 - Demonstrativo dos Congressos de Engenharia de Pesca (CONBEP), com respectivos locais e períodos. CONGRESSO LOCAL AEP RESPONSÁVEL MÊS ANO I CONBEP Brasília – DF AEP-DF Julho 1979 II CONBEP Recife – PE AEP-PE Julho 1981 III CONBEP Manaus – AM AEPA Julho 1983 IV CONBEP Curitiba – PR AEP-SUL Julho 1985 V CONBEP Fortaleza – CE AEP-CE Julho 1987 VI CONBEP Teresina – PI AEP-PI Junho 1989 VII CONBEP Santos – SP AEP-PE Junho 1991 VIII CONBEP Aracaju – SE AEP-SE Setembro 1993 IX CONBEP São Luís – MA AEP-MA Setembro 1995 X CONBEP Guarapari – ES AEP-ES Novembro 1997 XI CONBEP Recife – PE AEP-PE Outubro 1999 XII CONBEP Foz do Iguaçu – PR AEP-SUL Setembro 2001 XIII CONPEB Porto Seguro – BA AEP-BA e AEP-SE Setembro 2003 XIV CONBEP Fortaleza - CE AEP-CE Outubro 2005 Os petianos vêem participando desta atividade, numa forma de interação entre a academia e os profissionais. Nas reuniões semanais do grupo na Sala do PET/Pesca na UFRPE são colocados os principais temas que foram tratados na AEP-PE, sendo sempre retirado o representante do grupo que participará da próxima reunião. Todos os bolsistas, voluntários e a própria tutora do grupo já participaram de várias reuniões realizadas na AEP-PE, de tal forma que está se mantendo uma freqüência quinzenal do grupo na Associação. Foi realizado pela tutora e integrantes do grupo um breve resgate histórico da AEP-PE e das principais atividades desenvolvidas, sob a forma de pequena publicação (SOARES et al, 2003), apresentada durante a III Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão (JEPEX) da UFRPE, ressaltando a atuação desta associação e o espaço por ela aberto para a academia. 23 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Outro aspecto a ser destacado foi à criação da comunicação eletrônica entre os membros da AEP-PE, incluindo a convocação das reuniões entre seus associados, na gestão do presidente Ronaldo Almeida Lins e a criação do GI Pesca & Aqüicultura - [email protected] (Grupo de Interesse em Pesca e Aqüicultura) pelo então vice-presidente Leonardo Sales. De fato, com o desenvolvimento das tecnologias eletrônicas e informatizadas, o cotidiano na sociedade atual tem encurtado as distâncias e permitido maior interação. A partir desta ação, aumentou inclusive, a freqüência de participação dos associados nas reuniões. A CATEGORIA PROFISSIONAL DO ENGENHEIRO DE PESCA O Engenheiro de Pesca é um profissional de nível superior capaz de supervisionar, planejar e coordenar atividades integradas visando ao aproveitamento dos recursos naturais aqüícolas, à criação e à exploração sustentável de recursos pesqueiros marítimos, fluviais e lacustres e sua industrialização. De acordo com o Art. 1o da Resolução no 279/83 - Compete ao Engenheiro de Pesca o desempenho das atividades 01 a 18 do Art. 1o da Resolução nº 218, do CONFEA, de 29 de junho de 1973, no referente ao aproveitamento dos recursos naturais aqüícolas, a cultura e utilização da riqueza biológica dos mares, ambientes estuarinos, lagos e cursos d' àgua; a pesca e o beneficiamento do pescado, seus serviços afins e correlatos. O profissional da Engenharia de Pesca é congregado através da Federação de Associações dos Engenheiros de Pesca do Brasil (FAEP-BR), existindo atualmente no país doze (12) associações da categoria. (SOARES, 2004). Com o aumento do número de cursos de Engenharia de Pesca no país (na década de 1970, haviam apenas 2 cursos e atualmente temos 14 cursos) há que se pensar na profissão e no profissional pautados pela ética, inclusive numa ética planetária como discorreu Moran (2005), onde o autor destacou que: pela primeira vez, na história humana, o universal tornou-se realidade concreta: é a intersolidariedade objetiva da humanidade, na qual o destino global do planeta sobredetermina os destinos singulares das nações e na qual os destinos singulares das nações perturbam ou modificam o destino global. É preciso ainda considerar na formação desses profissionais que atuam com os recursos pesqueiros os princípios da sustentabilidade que têm como paradigma à noção da verdade científica fundamentada na ética civilizatória, princípios esses que derivam das bases conceituais do ecodesenvolvimento, que, segundo Sachs (1993) é um projeto de Estados e sociedades, cujo centro do desenvolvimento econômico é a sustentabilidade social e humana capaz de ser solidária com a biosfera. 24 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Ainda, segundo o mesmo autor op.cit. para que o desenvolvimento seja sustentável, precisa contemplar as dimensões: econômica, social, ambiental (ecológica), espacial e cultural. Iniciativas como a Reunião sobre o Ensino da Engenharia de Pesca no Brasil, ocorrida em Fortaleza no ano de 1995, numa promoção da FAEP-BR, tendo a frente o presidente Leonardo Teixeira de Sales e contando na época com o patrocínio do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) além do apoio da AEP-CE, DEPESCA-UFC e do CREA-PE precisam ser mais estimulados na atual conjuntura onde a Resolução no 5, de fevereiro de 2006, instituiu as diretrizes Curriculares para o curso de graduação em Engenharia de Pesca. CRIAÇÃO DA REPESCA Outro importante marco para a classe, com participação da AEP-PE, foi a recente criação da Revista Brasileira de Engenharia de Pesca (REPesca). Lançada no dia 4 de agosto, deste ano, durante a aula inaugural do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Estadual do Maranhão, no Palácio dos Leões em São Luis do Maranhão. A REPesca é uma revista semestral e tem por objetivo divulgar trabalhos técnicos/informativos e científicos de profissionais da área de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando que os Engenheiros de Pesca, presentes em quase todos os estados do Brasil, se congregam através de suas associações de classe denominadas Associação dos Engenheiros de Pesca (AEP) torna-se interessante, que cada associação, faça um pequeno resgate de sua atuação e o divulgue nesta REPesca, que tem como objetivo publicar artigos resultantes de pesquisas científicas e artigos técnicos/informativos da área de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca. O volume 1 trouxe a publicação do histórico da Associação dos Engenheiros de Pesca do Estado do Amazonas e agora, neste volume, constam algumas informações sobre a AEP-PE, o que vem contribuir para a valorização do profissional. É importante que os movimentos sociais, as associações e as organizações não governamentais que lhes dão apoio redefinam suas estratégias de atuação, a princípio limitadas à esfera reivindicatória, para o domínio econômico e do conhecimento, estabelecendo parcerias e discutindo à luz das transformações que o Brasil e o mundo vem passando na contemporaneidade. A participação do grupo PET-PESCA nas reuniões da AEP-PE tem sido de grande importância, aproximando estudantes e profissionais, enriquecendo desta maneira o aprendizado e servindo para dar uma visão holística, sobre a profissão, através da atuação dos seus profissionais nas diversas áreas. 25 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Depoimentos e a práxis do cotidiano destes profissionais tornam-se focos de discussão das reuniões permitindo que conceitos e vivências possam ser formados e internalizados pelo estudante de engenharia de pesca da UFRPE. A discussão das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Engenharia de Pesca deve necessariamente envolver os atores interessados, passando pelos profissionais egressos destes cursos através de suas associações, da academia e do público em geral com atuação no setor pesqueiro nacional. REFERÊNCIAS MORAN, E. O Método 6: ética. (Tradução Juremir Machado da Silva), 2a ed, Sulina: Porto Alegre, 2005, 222p. SACHS, I. et al. Estratégicas de transição para o Século XXI. In: Para pensar o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993. SOARES, M. C. F. Engenharia de Pesca: A profissão, os cursos e o Programa Especial de Treinamento (PET). Imprensa Universitária, UFRPE, Recife, 2004, 53 p. SOARES, M. C. F. S. A Associação dos Engenheiros de Pesca de Pernambuco e o Programa Especial de Treinamento do Curso de Engenharia de Pesca. Anais do III JEPEX- UFRPE, 2003. CD-ROM .D 26 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] REVIZEE – MISSÃO CUMPRIDA? Carlos Frederico Simões SERAFIM ([email protected]) Capitão-de-Mar-e-Guerra, Subsecretário para o Plano Setorial para os Recursos do Mar, Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar RESUMO O presente trabalho apresenta uma breve avaliação do programa REVIZEE, desenvolvido durante dez anos por diversas instituições de pesquisa do país, constituindo-se no mais importante programa de pesquisa na área de Recursos Pesqueiros e Engenharia de Pesca no âmbito nacional. Os resultados possibilitaram uma mudança de mentalidade com respeito aos mares brasileiros: mitos foram desfeitos e realidades foram mostradas, com a descoberta de novos recursos, dantes desconhecidos. MITO E REALIDADE No dia quatro de setembro passado, em cerimônia realizada no Espaço Cultural da Marinha, com a presença da Ministra de Estado Marina Silva, do Secretário da Pesca Altemir Gregolin, e do Comandante da Marinha e Coordenador da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), Almirante de Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, foi encerrado o mais bem sucedido Programa, de âmbito nacional, sobre os recursos vivos do mar no Brasil, o REVIZEE, programa que propiciou o desenvolvimento de pesquisas no mar brasileiro pelo período de dez anos. Em pesquisas que duraram dez anos, o REVIZEE quebrou o mito de que em função de sua grande extensão costeira – cerca de 8.500 km, e uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE), de cerca de 3,5 milhões de km2 e volume de massa líquida d’ água da ordem de 10,0 bilhões de m3, delimitada por uma área que se estende desde limite do Mar Territorial, de 12 milhas marítimas de largura, até 200 milhas marítimas - o mar brasileiro reuniria todas as condições para transformar o país num dos maiores produtores mundiais de pescado por captura. Mas pelos levantamentos realizados, devido às condições oceanográficas, que tornam a zona eufótica de nossas águas jurisdicionais, onde vive a maioria dos peixes, deficitária em nutrientes, observa-se a ocorrência de baixos estoques pesqueiros, ou seja, biomassas relativamente pequenas de cada espécie. Por outro lado, o REVIZEE possibilitou a descoberta de novas espécies, diversas delas endêmicas, a apuração do potencial de captura de outras já conhecidas, algumas de alto valor comercial e ainda subexplotadas, revelou hábitos desconhecidos de espécies pelágicas e demersais e apresentou uma exuberante fauna marinha, constituída de um invejável número de espécies. Mas, como dito anteriormente, com pouco volume de exemplares em cada uma, todas sensíveis à degradação ambiental 27 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] e de equilíbrio ecológico delicado. Também é decorrência desse Programa, o estabelecimento do macro vetor que deve ser perseguido para desenvolver o setor pesqueiro nacional, a fim de alcançar as sonhadas inserção social e a geração de emprego e renda, além de promover a segurança alimentar dos mais necessitados, tornando o setor pesqueiro forte elemento para o desenvolvimento do país. MOTIVAÇÃO Os ambientes marinhos, costeiros e oceânicos abarcam a maior parte da biodiversidade do planeta. Com o crescimento da população mundial, principalmente nas proximidades do litoral, a pressão antrópica sobre o mar se elevou em níveis exponenciais, levando muitas populações de importantes recursos pesqueiros, antes numerosos, à reduzida abundância, por vezes ameaçando algumas espécies de extinção. Hoje, os desequilíbrios de ecossistemas causados, na maioria das vezes, pela poluição e pela sobrepesca, ameaçam o desenvolvimento sustentável do planeta, e o Brasil não é exceção. Na segunda metade do século passado a comunidade internacional, preocupada com o desequilíbrio ecológico da Terra, pactuou normas para a exploração racional das regiões costeiras, mares e oceanos, plataformas continentais e grandes fundos marinhos. Destacam-se a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), também conhecida como Lei do Mar ou, simplesmente, Convenção; o Capítulo 17 da Agenda 21, que trata da proteção dos oceanos, de todos os tipos de mares e de zonas costeiras, além da proteção, uso racional e desenvolvimento de seus recursos vivos; e a Convenção da Diversidade Biológica. O Brasil participou da construção e assinou todos esses documentos, o que demonstra nosso interesse e preocupação com o tema. A Convenção, ratificada por 145 países, dispõe sobre os usos de todos os espaços marítimos e oceanos, estabelecendo direitos e deveres dos Estados costeiros. O Brasil incorporou seus conceitos sobre espaços marítimos à Constituição Federal (art. 20, incisos V e VI) em 1988; e os internalizou na legislação ordinária, em 1993. Em 1994, com a entrada em vigor da Lei do Mar, um ano após o depósito do 60o instrumento de ratificação por parte da Guiana, foi concedido ao Brasil o uso de seus espaços marítimos, dentre eles o da ZEE, onde o país tem direitos exclusivos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos e não-vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito e seu subsolo, assim como para a produção de energia a partir da água, marés, correntes e ventos. Por outro lado, em seus artigos 61 e 62, a CNUDM estabelece que os Estados-parte, no caso específico dos recursos vivos, incluindo os biotecnológicos, devem avaliar o seu potencial sustentável, 28 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] tendo em conta os melhores dados científicos disponíveis, de modo que fique assegurado, por meio de medidas apropriadas de conservação e gestão, que tais recursos não sejam ameaçados por um excesso de captura ou coleta. Essas medidas devem ter, também, a finalidade de restabelecer os estoques da captura, de modo que se produza o rendimento máximo sustentável dos recursos vivos marinhos, sob os pontos de vista econômico, social e ecológico. CRIAÇÃO DO REVIZEE Para atender a esses dispositivos da CNUDM, a CIRM aprovou, em 1994, o Programa REVIZEE Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva, destinado a fornecer dados técnico-científicos consistentes e atualizados, essenciais para subsidiar o ordenamento do setor pesqueiro nacional. A logomarca do programa pode ser Figura 1 - Logomarca do REVIZEE visualizada na Figura 1. ESTRATÉGIA E ESTRUTURA Iniciado em 1996, o Programa adotou como estratégia básica o envolvimento da comunidade científica nacional, especializada em pesquisa oceanográfica e pesqueira, atuando de forma multidisciplinar e integrada, por meio de Subcomitês Regionais (SCOREs). Em razão dessas características, o REVIZEE foi considerado o Programa mais amplo e com objetivos mais complexos já desenvolvido no país, entre aqueles voltados para as ciências do mar, determinando um esforço sem precedentes em termos de logística de pessoal especializado, material no estado da arte e provisão de recursos financeiros. Essa estratégia foi alicerçada na divisão da ZEE em quatro grandes regiões, de acordo com as características oceanográficas, biológicas e tipo de substrato dominante (Figura 2), a saber: a) Região Norte – da foz do Rio Oiapoque à foz do Rio Parnaíba; b) Região Nordeste – da foz do Rio Parnaíba até Salvador, incluindo os Arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo, além do Atol das Rocas; c) Região Central – de Salvador ao Cabo de São Tomé, incluindo a Ilha da Trindade e o Arquipélago Martin Vaz e d) Região Sul – do Cabo de São Tomé à foz do Arroio Chuí. 29 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Em cada uma dessas regiões, a coordenação e execução do Programa ficaram a cargo de um SCORE, formado por representantes das instituições de pesquisa locais e contando, ainda, com a participação de membros do setor pesqueiro regional. O processo de supervisão do REVIZEE foi orientado para a garantia, em âmbito nacional, da unidade e coerência do Programa e para a alavancagem de meios e recursos, em conformidade Figura 2 - Subcomitês Regionais do REVIZEE aos princípios cooperativos (formação de parcerias) da CIRM, por meio da Subcomissão para o Plano Setorial para os Recursos do Mar – PSRM e do Comitê Executivo para o Programa. Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, esse fórum foi composto pelos seguintes representantes: Ministério das Relações Exteriores (MRE); Ministério da Educação (MEC); Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT); Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR); Marinha do Brasil (MB); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), coordenador operacional do REVIZEE; Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM); e Bahia Pesca S.A. (Empresa vinculada à Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária da Bahia). INVESTIMENTOS Foram compartilhados recursos dos diversos órgãos e instituições envolvidas. O Programa recebeu recursos diretos, entre 1994 e 2004, de pouco mais de R$ 32 milhões, não computados aqui os custos relativos à operação dos navios da Marinha e os custos da PETROBRAS, que financiou todo o combustível utilizado pelos navios do REVIZEE. RESULTADOS: AMPLIAÇÃO DO CONHECIMENTO, POSSIBILIDADES DE EXPANSÃO E ESPÉCIES EM COLAPSO Os dados coletados mostram que a tomada de ações mais efetivas no controle do esforço pesqueiro são essenciais. Todos os trabalhos científicos e análises, reunidos em diversos relatórios e concentrados no sumário executivo, recentemente publicado e disponibilizado pelo MMA, são categóricos: salvo poucas exceções, a pesca na ZEE do Brasil está sendo feita de forma insustentável. O REVIZEE mostrou com clareza a inexistência de estoques de pescado capazes de gerar ou sustentar 30 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] um aumento significativo da produção, pelo fato de os recursos tradicionais apresentarem biomassas muito reduzidas. A importância do estudo não se resume, entretanto, às advertências sobre a oferta e a sobrepesca no país. Pelo contrário, o Programa ampliou o conhecimento da biodiversidade marinha, principalmente a existente em águas profundas. Os pesquisadores não sabiam o que encontrariam em profundidades maiores do que 100 metros, pois não havia estudos suficientes para isso. A pesquisa sobre as populações que habitam a quebra da plataforma, onde a profundidade aumenta dos 100 ou 200 metros para 1.000 metros ou mais, gerou informações absolutamente inéditas e muito interessantes do ponto de vista científico. Além de ocorrências de peixes conhecidos em novos locais, os pesquisadores identificaram várias espécies até então desconhecidas. Só na região Sudeste-Sul foram onze. Entre elas estão a Hydrolagys matallanasi e a Eptatretus menezesi. Descobertas durante os vários cruzeiros oceanográficos dos quais participaram os cientistas, a maioria das descobertas ainda carece de descrição completa e até de nomes populares, como as citadas acima. Um dos achados relativos a hábitos diz respeito ao peixe-lanterna (Maurolicus stehmanni) (Figura 3). Descobriu-se que essa espécie migra, em alta velocidade, das zonas mais profundas para as mais rasas, em busca de alimento. O deslocamento ao longo de um curto período tem implicação ecológica grande, pois se trata de espécie Figura 3 - Peixe-lanterna Maurolicus stehmanni forrageira, impactando o ecossistema de vários animais. O mesmo ocorre com o calamar argentino (Illex argentinus) (Figura 4), já explorado no Sul do país, no Uruguai e na Argentina, que pode ser considerado um recurso pesqueiro potencial propriamente dito. Essa espécie foi detectada na região oceânica localizada na quebra da nossa plataforma Figura 4 - Calamar argentino Illex argentinus continental. Dentro desse grupo de estoque potencial, o REVIZEE fez outras descobertas. A anchoíta (Opisthonema oginum) ocupa a plataforma continental em abundância considerável, no extremo Sul, e moderada, no Sudeste. Sua ampla distribuição e facilidade de captura tornam essa espécie um recurso importante, mas ainda sem aproveitamento no Brasil, apesar de apresentar potencial para a obtenção de concentrados protéicos. Dificuldades de conservação e falta de mercado têm sido apontados como fatores impeditivos à sua explotação. 31 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A merluza (Merluccius hubbsi) e a abrótea-de-profundidade (Urophycis mystacea) (Figura 5) também poderão ser explotadas em maior quantidade, desde que estabelecidas as quotas de captura. Essas espécies vêm sendo explotadas desde 2001. A merluza ocorre desde a Patagônia, Argentina, no Sul do continente, até o Sul do estado do Espírito Santo. Ela é mais abundante no talude superior, a partir dos 300 metros de profundidade. Na região Nordeste, os grupos de atum também fazem parte da lista das consideradas surpresas positivas. O estoque desses peixes e de seus derivados (afins), de alto valor Figura 5 - Abrótea-de-profundidade Urophycis mystacea comercial, apresenta grande potencial para exploração. Por outro lado, possuímos espécies cujo colapso é evidente. É o caso do cherne-poveiro (Polyprion americanus), de alto consumo, mas que se esgotou. Apenas a proibição total de pesca dessa espécie pode, neste momento, permitir algum nível de explotação sustentável no futuro. A produção, que era de duas mil toneladas anuais, entre 1989 e 2001, caiu para 460 toneladas nos últimos anos. Por outro lado, essa espécie desapareceu das águas do Sul, junto com várias outras também de alto valor comercial, como a cioba, pargo e peixe-batata. Sobre a plataforma continental, a lista de espécies próximas do colapso é mais longa. Os camarões, entre os invertebrados, a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis), cações, tubarões, arraias e a corvina (Micropogonias furnieri), estão todos sendo explotados acima dos limites possíveis. O caso específico dos tubarões merece ser destacado. Sua situação pode ser classificada como dramática. Apenas no oceano Atlântico, cerca de dois milhões de tubarões-azuis são capturados por ano. O grande atrativo para sua captura continua sendo as barbatanas, comercializadas a preço de ouro no mercado internacional, onde são tidas como iguaria. DINÂMICA DA FROTA PESQUEIRA E TÉCNICAS DE CAPTURA Para reunir toda a informação necessária, os pesquisadores do REVIZEE foram consultar diferentes fontes. O Programa, com recursos disponibilizados pelo Governo e pela iniciativa privada, fez várias campanhas oceanográficas durante os últimos anos pela ZEE brasileira. Essas missões de campo, além de reunir dados importantes da oceanografia física, química e geológica, também ajudaram os pesquisadores a escolher as espécies-alvo que deveriam ser estudadas mais profundamente. Depois disso, foram coletados dados sobre produção, ou seja, a quantidade pescada por dia, nos principais portos de desembarque das frotas, e nos arquivos de várias instituições de pesquisa que já 32 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] estudavam o tema, localizadas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro. Para cada população foi montado um diagnóstico sobre o conhecimento e o estado de explotação das espécies. Isso equivale a dizer que os pesquisadores estudaram, além da dinâmica da frota de pesqueiros, o ciclo de vida de cada conjunto de indivíduos. Para que a análise ficasse completa, o foco dos cientistas se voltou tanto para o coletivo quanto para o individual, com o estudo de cardumes e de seus indivíduos. No caso específico da região Sul-Sudeste, onde a exploração industrial dos recursos pesqueiros é maior, foi necessário analisar cinco tipos de frota. A de arrasto, a de cerco ou traineiras, a de covos ou armadilhas, a de espinhel ou linha e a de emalhar. Em todos os casos, o que os empresários e pescadores fazem é desenvolver um método e aliá-lo à tecnologia disponível, para melhorar cada vez mais o rendimento final. E para que tudo isso dê certo, é preciso que se saiba, de antemão, qual o objetivo daquela pescaria. As técnicas de arrasto, que praticamente varrem o fundo do mar, normalmente na altura da plataforma continental, com profundidade média de 150 metros, são usadas para a pesca dos chamados peixes demersais. São peixes como o linguado, que gosta de areia. Eles têm os dois olhos de um lado só do corpo. As camaroneiras também utilizam esse mesmo sistema, que pode ter algumas variações, dependendo da situação. A frota de cerco é composta necessariamente por traineiras. No litoral Sul e Sudeste do Brasil, esses barcos suspendem dos portos com a missão de voltar atestados, principalmente, de sardinha (Sardinella brasiliensis). Apenas durante o inverno, na entressafra, é que eles buscam os cardumes de corvina (Micropogonias furnieri). A sardinha desaparece no inverno (por causa do ciclo reprodutivo) e então, a única alternativa encontrada foi sobreviver com a pesca da corvina. As armadilhas servem para a captura de peixes e de crustáceos. E essas operações podem ser feitas a mil metros de profundidade, no caso dos caranguejos real (Chaceon ramosae) e vermelho (C. notialis) (Figura 6), cuja biomassa abundante foi Figura 6 - Caranguejo-real Chaceon ramosae (Esquerda) e caranguejo-vermelho C. notialis (Direita) descoberta pelo REVIZEE. As técnicas modernas de linha e anzol estão sendo usadas na pesca comercial para dezenas de espécies, tanto oceânicas como costeiras, pelágicas ou demersais. Nessa lista estão os famosos espadartes (Xiphias gladius), cação-azul (Prionace glauca) e o anequim (Isurus oxyrinchus), que vêm para a costa por causa da técnica de espinhel-de-superfície. Os chernes (Epinephelus niveatus e 33 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Polyprion americanus), o peixe-sapo (Lophius gastrophysus) (Figura 7) e o namorado (Pseudopersis numida) (Figura 8), por exemplo, são capturados pelo mesmo sistema, mas bem mais fundo, a 600 metros de profundidade, em média. Usada apenas em Figura 7 - peixe-sapo Lophius zonas estuarinas, a passiva gastrophysus técnica do emalhar está ganhando cada vez mais adeptos em regiões costeiras. Nesse Figura 8 – Namorado Pseudopersis caso, o peixe é apreendido quando a porção anterior dele se numida enrosca com a malha lançada ao mar. Com a finalização dos estudos do REVIZEE, foi possível elaborar diretivas sobre qual modalidade de pesca se adapta melhor a determinadas populações. Conhecer a fundo o comportamento dos animais é essencial para a escolha da técnica de captura. RODÍZIO ECOLÓGICO Na comunidade científica, após as revelações inquestionáveis dos números e das centenas de estudos gerados na última década, poucos pareceram ter uma leitura diferente dessa mensagem final, dada com clareza pelo Programa REVIZEE. "Os dados nos colocaram diante de um paradigma", avaliou Silvio Jablonski, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e consultor “ad hoc” da Coordenação Geral do Programa. "Não há dúvida de que a maior parte dos estoques, objeto de pescaria comercial, encontra-se plenamente explotada ou no limite de explotação". Com tudo mapeado, e com a necessidade de esforços e percursos cada vez maiores para ser mantida a produção atual no mar (extrativa + maricultura) de mais de cerca de 600 mil toneladas por ano, foi possível indicar os pilares de sustentação para uma nova gestão da pesca no Brasil. A política de gerir os recursos pesqueiros nacionais, principalmente na região Sul-Sudeste, onde a presença das frotas comerciais é maior, foi iniciada, por meio de Instruções Normativas emanadas pela Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR), com base em cinco linhas de ação emergenciais: suspensão da possibilidade indiscriminada de acesso aos recursos marinhos e aos subsídios concedidos; definição de áreas de pesca e de preservação; foco maior no aproveitamento dos recursos que são descartados a bordo (fauna acompanhante) e no processamento do pescado, que muitas vezes são plenamente aproveitáveis; desenvolvimento da maricultura, a criação de organizamos marinhos na beira do mar, como caranguejos e invertebrados em geral; e investimentos na pesca de atuns e afins. 34 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] O extenso litoral brasileiro, recortado por enseadas e baías, pode muito bem comportar, desde que bem regulamentadas atividades que tragam desenvolvimento econômico e social, em complementação à atividade pesqueira tradicional. Isso, claro, desde que se leve em conta o uso de águas públicas e o interesse de seus múltiplos usuários, o destino dos efluentes, o controle sanitário e assim por diante. É importante, em termos de áreas geográficas, que ocorra uma espécie de rodízio de espécies cultivadas nas mariculturas. Com os dados do REVIZEE é muito fácil identificar onde é possível pescar. O pescador artesanal sabe agora onde encontrar determinada espécie. Os experimentos realizados no âmbito do Programa também permitem saber se uma técnica é mais ou menos nociva a certas espécies. A expectativa é de que, além de se transformar em paradigma da pesquisa oceanográfica brasileira, o REVIZE continue dando frutos. Temos material para mais dez anos de trabalho, que poderão produzir um número significativo de relatórios, trabalhos científicos, teses, apresentações em conclaves e contribuições em reuniões técnicas. Ele também está sendo publicado em linguagem não científica para que possa ser divulgado à sociedade como um todo, incluindo os nossos pescadores artesanais. Como efeito colateral, além do conhecimento das espécies que habitam nosso oceano, o Programa acabou ampliando a formação de recursos humanos em todo o país, seja na área de oceanografia propriamente dita, da hidroacústica ou da pesca. O desenvolvimento científico foi mais acentuado no Norte e Nordeste do Brasil. Além dos dados biológicos, os cientistas conhecem melhor agora as condicionantes oceanográficas que regem os recursos pesqueiros e o efeito de novas tecnologias de pesca. O detalhamento do fundo marinho, realizado por modernas técnicas de análise, também foi possível a partir dos esforços do REVIZEE. Os mapas do leito do oceano foram gerados pelo Departamento de Oceanografia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), situado na cidade de Rio Grande. Todo o estudo esteve sob coordenação do oceanógrafo Lauro Saint Pastous Madureira, do Laboratório de Tecnologia Pesqueira e Hidroacústica. Para chegar ao exuberante resultado, os pesquisadores trabalharam sobre dados fornecidos por satélite e medições feitas com a técnica de batimetria, que registra a profundidade do oceano com o auxílio de ecossondas instaladas em navios. As inéditas figuras foram geradas com base em sete milhões de pontos georreferenciados, com latitude, longitude e profundidade determinadas com rigor. No caso da Prainha de Canto Verde, no litoral leste do Ceará, atividades paralelas também surgiram com o estudo do mar, como o turismo sustentável. Mas a pesca ainda é a principal fonte de renda daquele local. 35 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ESFORÇO DE PESQUISA E FRÁGIL DIVERSIDADE Em pesquisa que durou dez anos, mais de 300 pesquisadores fizeram um levantamento completo sobre a ZEE do Brasil, representando cerca de 60 universidades e instituições de pesquisa, distribuídas ao longo de 17 estados costeiros. Foram empregadas mais de 10 embarcações oceanográficas e de prospecção pesqueira, incluindo aquelas alugadas da frota comercial. Como já citado, apesar da grande diversidade da fauna marinha, o estoque de peixes é pouco e deve ser manejado com cuidado para não haver um desequilíbrio ecológico. ULTRAPASSAGEM TECNOLÓGICA No Brasil, frotas comerciais estão um passo à frente das científicas. As caravelas portuguesas, que há 500 anos atravessaram o oceano Atlântico rumo ao Novo Mundo, são consideradas um grande símbolo tecnológico da história da navegação. Nos tempos “cabralinos”, descoberta e negócios eram protagonizados por uma mesma nau. Agora, separados os objetivos, a ciência ficou para trás. As frotas comerciais que operam nos mares brasileiros continuam com tecnologia embarcada avançada, mais moderna do que a dos navios oceanográficos. Assim, para fazer frente às suas necessidades, o REVIZEE arrendou alguns desses navios, pois as embarcações disponíveis para a prospecção eram, em sua maioria, inadequadas para o trabalho em águas profundas. Os avanços tecnológicos cada vez mais presentes nos barcos comerciais vencem a ciência. Com mais ferramentas em mãos, os pescadores das frotas comerciais conseguem ir atrás dos cardumes que lhes interessam com muito mais facilidade. Os recursos, portanto, são mais facilmente explorados. No mundo inteiro, a tecnologia empregada na pesca vem tendo um papel mais destrutivo do que construtivo, ampliando de forma desmedida a capacidade de navegação, localização do pescado e captura por parte dos barcos comerciais. Com todos os avanços técnicos, singrar os sete mares também tem sido uma tarefa muito fácil, por isso, são comuns embarcações de bandeira espanhola, japonesa e coreana chegarem ao largo da costa brasileira. Para evitar sérios conflitos internacionais, por causa da disputa por espaços oceânicos, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Lei do Mar. A grande contribuição do texto da ONU é definir os conceitos de mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental. Esse último difere um pouco do mesmo termo usados pelos oceanógrafos, que se baseiam apenas em características topográficas. O mar territorial brasileiro, a partir da convenção, passou a ter largura de 12 milhas, ou 21,6 km. A ZEE, por sua vez, é mais ampla: estende-se até 200 milhas, ou 350 km. Nessa região, a 36 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Nação é soberana no direito de navegação e de ocupação do espaço aéreo. A soberania se estende para fins exploratórios e de aproveitamento dos recursos, sejam eles de origem mineral, como o petróleo, ou biológica, caso dos pescados. Antes dessas definições, muitos conflitos ocorreram. Na década de 1960, o mar territorial brasileiro tinha largura de apenas três milhas. Mas, a plataforma continental que já era associada ao sentido de soberania, era muito maior. Barcos franceses vieram para o litoral nordestino pescar lagosta sem autorização. Afirmavam estar em águas internacionais, porque nunca ultrapassavam as três milhas da costa. O Brasil conseguiu fazer valer a idéia de que o crustáceo vivia exclusivamente em sua plataforma continental e, portanto, era direito brasileiro a exclusividade de explorar a lagosta. A questão agora é ocupar cada vez mais esta imensa área, pois os pequenos conflitos estão longe de desaparecer. Tendo como limite Norte a foz do rio Oiapoque e ao Sul o Chuí, as águas oceânicas do Brasil se projetam bastante para Leste, incluindo as regiões do Atol das Rocas e dos Arquipélagos de Fernando de Noronha e de São Pedro e São Paulo, além de abrigar as lhas Trindade e o Arquipélago Martin Vaz. A plataforma continental brasileira chega a ter 160 milhas náuticas na direção da descarga das águas do colossal Rio Amazonas. Nos trechos onde ela é mais estreita, na baía do rio Tubarão, no Sul, tem apenas 40 milhas náuticas. A profundidade também oscila bastante, entre o mínimo de onze metros e o máximo de quatro mil. A grande distância entre a superfície e o assoalho oceânico é registrada nas planícies abissais do Ceará e de Pernambuco. Nesse trecho, a plataforma continental não existe mais, pois é interrompida por um grande escorregador submarino antes do mundo abissal. Normalmente, na altura do litoral norte do Rio Grande do Sul, a corrente das Malvinas encontrase com a corrente do Brasil, que veio da zona equatorial. Nesse local é que se forma a Água Central do Atlântico Sul (Acas), rica em nutrientes e bastante fria. Em alguns meses do ano, no verão, as águas mais densas e de menor temperatura afloram até a plataforma continental. Esse é o fenômeno da ressurgência. Em grande parte das vezes ele é registrado na área de Cabo Frio. Todas essas correntes - e no norte do Rio Amazonas elas também têm importância toda especial são diretamente responsáveis pelo fluxo, ou não, dos seres vivos. No caso específico do REVIZEE, as informações geológicas, físicas e químicas foram direcionadas para o enriquecimento do conhecimento biológico, necessário para um melhor gerenciamento da pesca no Brasil. Isso não significa, entretanto, que qualquer uma dessas quatro grandes áreas tenha peso maior que as demais. 37 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] LACUNAS Os estoques apontados como promissores demandam a determinação mais precisa de seus potenciais. Para diversos recursos, há a necessidade de levantamentos mais focados, com a identificação de agregações reprodutivas, que possam subsidiar a gestão pesqueira e a definição de áreas de restrição ao esforço de pesca. RECOMENDAÇÕES PARA A PESCA MARINHA Quais as alternativas para o crescimento da produção brasileira de pescado? 1) PESCA COSTEIRA E CONTINENTAL (PLATAFORMA E TALUDE)/ARTESANAL No segmento da pesca costeira e continental, considerando-se a atual condição de esgotamento da maioria dos estoques, já não há praticamente qualquer possibilidade de expansão das capturas. A recuperação do setor deve ser buscada a partir do aprimoramento dos instrumentos de gestão, ordenamento e fiscalização, no sentido de assegurar a sustentabilidade da atividade, além de iniciativas que permitam agregação de valor ao produto capturado, sem que haja necessariamente uma ampliação da produção. Entre as alternativas disponíveis para se estimular a recuperação do setor estão: a) desenvolvimento da aqüicultura, particularmente em escala familiar; b) organização da base produtiva (associativismo, cooperativismo e gestão); c) desenvolvimento de técnicas de beneficiamento e conservação do pescado que permitam a agregação de valor ao produto capturado; d) desenvolvimento de novas tecnologias de captura, que permitam a explotação de novos estoques; e) política de crédito adequada à atividade e voltada para a melhoria de infra-estrutura, aparelhos de pesca e embarcações; f) capacitação e treinamento nas várias fases da cadeia produtiva, incluindo a alfabetização dos pescadores e dos seus filhos e g) aprimoramento dos processos de comercialização. 2) PESCA OCEÂNICA Em relação à pesca oceânica, a situação é bastante diversa. No Oceano Atlântico, atualmente, são capturadas cerca de 600.000 t de atuns e espécies afins, por ano, correspondendo a um valor da ordem de US$ 4 bilhões. A participação brasileira neste total, contudo, é ainda bastante tímida, com uma produção próxima a 50.000 t, o que representa cerca de apenas 8% do total capturado. Considerando-se, porém, que praticamente a metade da produção brasileira é de bonito listrado, uma das espécies de atum de menor valor comercial, capturada quase que inteiramente dentro da ZEE, a participação nacional, em termos de valor, é ainda muito mais reduzida. Os recursos pesqueiros oceânicos apresentam uma série de vantagens em relação aos recursos costeiros, dentre as quais pode-se destacar: a) grande proximidade das principais áreas de pesca, no 38 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] caso do Brasil; b) algumas espécies capturadas, como as albacoras, apresentam um alto valor comercial para exportação, constituindo-se em uma importante fonte de divisas para o país; c) outras espécies, também presentes nas capturas, como os tubarões, apresentam preço relativamente baixo, apesar do seu excelente valor nutritivo, representando uma importante fonte de proteínas para a população de baixa renda; d) ciclo de vida independente dos ecossistemas costeiros, já intensamente degradados; e) ampla distribuição e f) biomassa elevada. Uma vantagem adicional é que, desde que adequadamente planejado, o desenvolvimento da pesca oceânica nacional poderia resultar em uma redução do esforço de pesca sobre os estoques costeiros, já sobreexplotados. Como os estoques pesqueiros oceânicos também já estão sendo explotados em níveis próximos do limite sustentável, a ampliação da produção brasileira dependerá diretamente da sua capacidade de negociação com os países pesqueiros tradicionais, no âmbito da ICCAT - Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico. Neste sentido, a posição do governo brasileiro tem sido sempre a de defender intransigentemente o respeito aos limites sustentáveis, defendendo, porém, com a mesma intransigência, o direito de o país participar, de forma eqüitativa, da pesca oceânica. Por meio de um grande esforço de negociação, em grande medida fundamentado nos instrumentos jurídicos internacionais, particularmente na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o Brasil tem conseguido ampliar suas cotas de captura de algumas espécies, como o espadarte, cuja cota passou de 2.340 t para 4.086 t em 2003, crescendo até 4.365 t em 2006. Infelizmente, a maior parcela da produção nacional de atuns e afins, excetuando-se o bonito listrado, é ainda proveniente de embarcações arrendadas. Apesar de extremamente útil como forma de assegurar a assimilação da tecnologia de pesca estrangeira e gerar um histórico de capturas essencial ao processo de negociação para ampliação das quotas de captura, o instrumento do arrendamento deve ser compreendido sempre como um dispositivo provisório e emergencial. O grande desafio que se impõe ao país neste momento é desenvolver uma frota oceânica genuinamente nacional, que permita superar a elevada dependência, e conseqüente vulnerabilidade, da frota estrangeira arrendada. Desta forma, é preciso compreender que o desenvolvimento da pesca oceânica brasileira não diz respeito apenas à produção de pescado, nem à geração das divisas, empregos e renda dela resultantes; ele implica também na efetiva ocupação das águas internacionais do Atlântico Sul, essencial à plena realização da estatura geopolítica de nosso país. Por fim, cabe destacar que a realização das aspirações nacionais quanto ao crescimento de sua participação na pesca oceânica dependerá, diretamente, de sua capacidade de fazer cumprir internamente as medidas de ordenamento e conservação impostas pela ICCAT, uma vez que a defesa 39 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] de qualquer direito só se sustenta se devidamente amparada pelo fiel cumprimento dos deveres correlatos. 3) MARICULTURA O macro vetor para a expansão dos recursos pesqueiros no país é a maricultura, pois o Brasil possui cerca de 8.500 km de costa, 2.500.000 ha de manguezais, clima tropical e subtropical, o que permite o ciclo de produção durante todo o ano, temperatura da água entre 24 e 30º C, luminosidade entre 130 e 310 lux, boa infra-estrutura, rodovias, eletricidade, comunicações, portos e aeroportos. No final de 2004, apenas cerca de 17.000 ha eram utilizados em maricultura, sendo que mais de 82% para a produção de camarão (carcinicultura) (Figura 9), que teve uma produtividade de apenas 75.000 t, ficando a produção de ostras, mariscos, vieiras, peixes e caranguejos, com produtividade de Figura 9 – Carcinicultura do Nordeste brasileiro apenas 13.000 t. Com o adequado ordenamento costeiro, minimizando os impactos ambientais causados pelas fazendas de maricultura, as quais não deverão lançar produtos químicos nos estuários e rios e, tampouco, o excesso de nutrientes, será possível elevar em níveis exponenciais a produção aqüícola do país, podendo atingir a produção da China, que é de cerca de 400.000 ton/ano, correspondendo a quase 1/3 da produção nacional de pescado e gerando divisas, emprego e renda, principalmente, na região Nordeste do país. RECOMENDAÇÕES GERAIS Além da necessidade de superação das lacunas apontadas, alguns direcionamentos para o futuro da gestão pesqueira foram evidenciados pelo Programa: - investimento em qualidade do pescado, condições de armazenamento, manuseio, desembarque e comercialização, a fim de agregar valor e renda ao produto das pescarias; - medidas de preservação – implantação de áreas de preservação para todas as pescarias, em especial para aquelas de baixa seletividade e operantes nos ecossistemas recifais e de profundidade. Além disso, é preciso tomar ações que evitem a captura acidental de espécies não comercializáveis e de indivíduos juvenis; 40 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] - aperfeiçoamento da gestão das pescarias – dar continuidade aos programas de amostragem e monitoramento de espécies comerciais, ao controle de desembarques artesanais e industriais, assim como à fiscalização da atividade pesqueira por meio de observadores de bordo, ao rastreamento das embarcações por satélite, ao cadastro de embarcações e ao licenciamento à pesca; e - medidas de controle – compatibilizar o esforço de pesca com o efetivo potencial dos estoques disponíveis. CONSIDERAÇÕES FINAIS Além de nos proporcionar um nível de conhecimento inédito sobre os recursos vivos existentes em uma parte da nossa Amazônia Azul, não podemos nos esquecer que o REVIZEE foi apenas uma fotografia instantânea de nossa ZEE, a qual caracterizou o ambiente marinho, no que tange à climatologia, circulação e massas d`água, produtividade, geologia e biodiversidade; retratou os estoques pesqueiros no que concerne a abundância, sazonalidade, biologia e dinâmica; e analisou as pescarias comerciais. Por isso, embora tenha cumprido a sua missão, o Programa REVIZEE também nos alerta para a necessidade de continuarmos a trabalhar para a conservação e uso sustentável dos recursos vivos da nossa ZEE. Para tal, surge com igual vigor, o Programa de Avaliação do Potencial Sustentável e Monitoramento dos Recursos Vivos Marinhos, o REVIMAR, já em fase inicial de execução. O REVIZEE foi concluído, podendo ser considerado como o maior esforço integrado desenvolvido no país para a avaliação de estoques pesqueiros. Como resultado desta avaliação, foi possível a identificação de alguns estoques até então desconhecidos, com a abertura de novas fronteiras para a pesca no país, em áreas mais afastadas na ZEE, o que pode contribuir para a diversificação da atividade pesqueira nacional, com a conseqüente geração de emprego e renda e o alívio da pressão sobre as espécies tradicionais, em geral sobrexplotadas. Em continuidade àquele Programa, será imprescindível uma ação permanente de monitoramento dos principais estoques pesqueiros, a fim de permitir a geração contínua de informações essenciais para a definição de política de pesca que possa garantir a sustentabilidade da atividade, incluindo medidas de ordenamento. O REVIMAR tem a finalidade de avaliar continuamente o potencial sustentável e monitorar de forma sistemática os estoques presentes nas áreas marítimas sob jurisdição nacional, com vistas a subsidiar políticas pesqueiras que garantam a sustentabilidade e a rentabilidade da atividade. A avaliação e o monitoramento dos principais estoques pesqueiros marinhos permitirão o ordenamento da atividade, assegurando o aproveitamento sustentável dos estoques pesqueiros, e 41 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] beneficiarão o setor pesqueiro nacional, neste incluídos os segmentos industrial e artesanal, e contribuirão, também, para a produção de alimentos e a geração de emprego e renda, além da necessária conservação dos ecossistemas marinhos, beneficiando, assim, a sociedade brasileira como um todo. Serão identificados os recursos vivos marinhos, oceânicos e costeiros, que deverão ser avaliados ou monitorados, assim como os dados oceanográficos, biológicos e pesqueiros a serem coletados e acompanhados de forma sistemática. No sentido de possibilitar o gerenciamento adequado da sua explotação, os recursos pesqueiros selecionados deverão ter os seus estoques avaliados periodicamente, por meio da realização de prospecção pesqueira, pesca exploratória e do uso de modelos de dinâmica populacional que permitam a obtenção subsídios necessários ao ordenamento pesqueiro, o que requer o utilização de barcos de pesquisa, como o Antares (Figura10). O acompanhamento do esforço de pesca ao longo do litoral brasileiro deverá ser mensurado a partir dos seguintes dados: quantificação dos desembarques totais, localização das áreas de captura e registro das condições de comercialização do pescado, conforme descreve a Proposta Nacional de Trabalho do Programa REVIMAR, baseada nas recomendações do REVIZEE. Figura 10 - Navio Oceanográfico Antares – participou ativamente do REVIZEE Para tal, deverão ser definidos modelos de coleta de dados padronizados para pescarias de pequena escala e industriais. Em paralelo, deverá ser desenvolvido um sistema de gerenciamento de dados sobre a atividade pesqueira, envolvendo a coleta, o armazenamento, a análise e a disseminação de dados de captura, o esforço de pesca, a comercialização e as informações biológicas e socioeconômicas que se mostrarem pertinentes, assim como definidas as estratégias de disponibilização da informação, buscando-se reduzir, ao mínimo, o tempo decorrido entre a coleta dos dados, os procedimentos de crítica e seu efetivo acesso pelas instituições interessadas e por aquelas com responsabilidades na gestão desses recursos. Várias dessas ações já se encontram em curso. A imensa extensão da Amazônia Azul, gigante pela própria natureza, por si só já nos enche de orgulho. Afinal, estamos falando de uma área com cerca de 4,5 milhões de km2. Conhecê-la, protegê-la e integrá-la ao espaço econômico do país, assegurando a justa apropriação pela sociedade brasileira dos recursos vivos nela presentes, de forma sustentável, é uma tarefa grandiosa, ao mesmo tempo em que é árdua e espinhosa. 42 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Fazer-se ao mar para explorar os seus recursos exige coragem, dedicação, denodo e patriotismo, sentimentos esses alentados pela satisfação de poder contribuir para assegurar ao povo brasileiro o pleno usufruto dos recursos vivos que as nossas águas jurisdicionais podem nos oferecer, e que se constituem em um patrimônio que é nosso. O Programa REVIZEE, mais do que representar o necessário cumprimento das obrigações assumidas pelo país frente à CNUDM, se constituiu num divisor de águas acerca do conhecimento das espécies e dos ecossistemas da ZEE brasileira. O passo inicial foi dado, e foi um grande passo. Conhecemos uma parcela dos recursos existentes na nossa Amazônia Azul. Cabe agora gerenciarmos e monitorarmos seus recursos vivos, preservarmos seus ecossistemas e exercermos a nossa soberania nessa importante porção do nosso Brasil. AGRADECIMENTOS O autor apresenta seus agradecimentos às pessoas e instituições cujos textos serviram de base para elaboração deste trabalho: Eduardo Augusto Geraque, Biólogo e Jornalista; Silvio Jablonski, Oceanógrafo, Pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Fábio Hissa Vieira Hazin, Engenheiro de Pesca, Professor da UFRPE; Rudolf de Noronha, Diretor do Programa e Gerenciamento Ambiental da Secretaria de Qualidade Ambiental do MMA; Roberto de Guimarães Carvalho, Almirante-de-Esquadra, Comandante da Marinha e Coordenador da CIRM; e ao Ministério do Meio Ambiente, pela consulta ao Relatório Executivo do Programa REVIZEE.D 43 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] BENEFICIAMENTO E COMERCIALIZAÇÃO DO PESCADO NA REGIÃO DE ITAPISSUMA, PERNAMBUCO José Milton BARBOSA ([email protected]); Helder Correia LIMA ([email protected]); Erivaldo José da SILVA JÚNIOR ([email protected]); Artur Delmiro Sodré da MOTA ([email protected]); Ivo Thadeu Lira MENDONÇA ([email protected]); Edson José da SILVA FILHO ([email protected]) Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco. RESUMO O município de Itapissuma, situado à margem Norte do Canal de Santa Cruz é o principal ponto de desembarque, beneficiamento e comercialização de boa parte da produção pesqueira artesanal advinda desse complexo. A pesca incide, principalmente, sobre peixes de pequeno porte, de espécies como: sapuruna Pomadasys corvinaeformis, dentão Lutjanus jocu, carabeba Eugerres brasilianus, carapicu Diapterus olisthostomus, boca-torta Cetengraulius edentulus, saúna Mugil sp. que são destinados a salga como peixe salgado-seco, conhecido por “caíco”, sendo este processo realizado de forma precária e sem controle de sanidade. A pesca representa uma das principais atividades de subsistência praticada pelos moradores da região, muitas vezes, constituindo-se como a única fonte de renda de famílias inteiras. Além disso, esta atividade é prejudicada, tanto pela falta de políticas públicas de incentivo, quanto à visível degradação ambiental e por conflitos, gerados pela crescente exploração turística no Canal de Santa Cruz. A comercialização do pescado produzido nesta região, geralmente é intermediada por “empreseiros” (intermediários), proprietários dos barcos e redes, além dos girais onde os peixes são submetidos à secagem, iniciando, nesse caso, uma cadeia de intermediação para revenda em Recife (mercado público de São José, bairros próximos da Avenida Caxangá) ou nas feiras livres da Região Metropolitana do Recife e no interior do Estado (Limoeiro, Orobó, Carpina, Caruaru e outros). PALAVRAS-CHAVE: Itapissuma, peixes, salga. 44 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ABSTRACT The city of Itapissuma, situated to the edge North of the Canal of Santa Cruz is the main point of landing, improvement and commercialization of good part of the happened artisan fishing production of this complex. It fishes it happens, mainly, on fish of small transport of species as: “sapuruna” Pomadasys corvinaeformis, “dentão” Lutjanus jocu, “carabeba” Eugerres brasilianus, “carapicu” Diapterus olisthostomus, “boca-torta” Cetengraulius edentulus, ‘saúna” Mugil sp., destined salts it, the salty-dry fish is known as “caíco”, being this, carried through of precarious form and without control of health during the process. It fishes it represents one of the main activities of subsistence practised for the inhabitants of the region, many times, consisting as the only source of income of entire families. Moreover, this activity is harmed, as much for the lack of public politics of incentive, how much to the visible ambient degradation and for conflicts, generated for the increasing tourist exploration in the Canal of Santa Cruz. The commercialization of the produced fished one in this region, generally are intermediated by “empreseiros”, proprietors of the boats and nets, beyond turn them where the fish are submitted to the drying, initiating, in this in case that, a chain of intermediação for resale in Recife (public market of São José, quarters next to the Caxangá Avenue) or in the free fairs of the Region Metropolitan of Recife and in the interior of the State (Limoeiro, Orobó, Carpina, Caruaru and others). KEY-WORDS: Itapissuma city, fishes, salty fish INTRODUÇÃO A região de Itapissuma apresenta intensa atividade pesqueira sendo considerada uma nas mais produtivas do Brasil. A pesca incide, principalmente, sobre espécies de pequeno porte, destinadas a salga. O processo de salga é extremamente rústico, realizado em condições precárias, sem controle de higiene e sanidade, sendo os peixes lavados com águas impróprias, expostos às moscas e à ação bacteriana durante o processo de secagem. Ações para melhoria desta realidade seriam de grande importância para o melhoramento das condições de higiene e da qualidade final do produto, no entanto esbarram no aumento do custo de produção, o que não é interessante para os produtores e consumidores. Após a salga o produto passa por uma cadeia de comercialização ainda pouco estudada. O município de Itapissuma, desmembrado do município de Igarassu, foi criado pela Lei Estadual Nº 8.952 de maio de 1982 e instalado a 1º de janeiro de 1983. Situado na região metropolitana do Recife a 36 Km de distância da capital pernambucana. Possui uma área de 74,3 Km2 e sua população é de aproximadamente 20.405 habitantes (MORAES, 1998). 45 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Devido a sua localização, muito próxima ao grande Recife, sua beleza natural e a sua alta produtividade pesqueira, essa região é agredida por diversas ações antrópicas, como a urbanização, aterros imobiliários, turismo, despejo de dejetos e a pesca predatória que ameaçam a sua sustentabilidade (BARROS e ESKENAZI-LEÇA, 2000). Segundo Macedo et al. (2000), as áreas estuarinas sofrem forte agressão ambiental, devido a explorações pesqueiras, derrubadas de mangues, turismo ou simples especulação imobiliária. Estima-se na região de Itapissuma, que o número de pescadores (homens e mulheres) totaliza cerca de 4,2 mil pessoas, no entanto, apenas 35% dos pescadores e 33% das pescadeiras foram cadastrados no IBAMA, em 1996. Estima-se, que 70% da população do município está envolvida direta ou indiretamente com a produção, beneficiamento e o comércio do pescado. Itapissuma é o único município da região que apresenta todos os pontos de desembarque no canal de Santa Cruz (Figura 1) e com frota pesqueira formada exclusivamente por canoas, que corresponde à cerca de 20% da Figura 1 – Canal de Santa Cruz, às margens do município de Itapissuma/PE. produção pesqueira marítima do Estado (LIMA e QUINAMO, 2000). Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi estudar as condições de beneficiamento e comercialização do pescado (relações comerciais entre os trabalhadores do mar), determinar cadeias de comercialização das espécies utilizadas na salga e propor melhorias na técnica de salga empregada pelos pescadores da região e outras que possam promover maior qualidade do produto. METODOLOGIA O projeto foi realizado durante o período compreendido entre os meses de junho e dezembro de 2003, pelos estagiários do Laboratório de Avaliação Ponderal em Animais Aquáticos (LaAqua) do Departamento de Pesca e Aqüicultura (DEPAq) da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, junto a Colônia de Pescadores do Município de Itapissuma (Z-10). 46 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Antes da observação do processo de salga em campo, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre as atividades relacionadas com a pesca e salga realizada naquela região, visando maior compreensão e familiarização com o processo. Após o levantamento bibliográfico foram realizadas visitas periódicas (quinzenais) a Colônia de Pescadores de Itapissuma Z-10, localizada às margens do Canal de Santa-Cruz, com o intuito de observar não somente o processo de salga, e sua organização, como as reais condições de realização do mesmo e as relações comerciais existentes entre os pescadores da região. ÁREA DE ESTUDO O município de Itapissuma, situado à margem Norte do Canal de Santa Cruz é o principal ponto de desembarque, beneficiamento e comercialização de boa parte da produção pesqueira artesanal advinda desse complexo. A fauna potencialmente econômica do canal pode sustentar cerca de cinco mil pescadores que desenvolvem a pesca de sobrevivência, obtendo alimento e gerando empregos e renda para as famílias envolvidas no processo (LIMA e QUINAMO, 2000) de forma que se presta como excelente modelo para estudos ictiofaunísticos e do contexto social da atividade pesqueira. PROCESSO DE SALGA Segundo Ogawa (1999), o processo de salga baseia-se no princípio da desidratação osmótica. Os tecidos do peixe vivo atuam como membranas semipermeáveis e após a morte do animal, estas se tornam permeáveis, permitindo, assim, a entrada de sal por difusão, à medida que ocorre desidratação dos tecidos. Em circunstâncias de alta pressão osmótica, o protoplasma das células dos microorganismos se desidrata, havendo contração da membrana plasmática, fenômeno este conhecido por plasmólise. Em virtude disso, o crescimento de microorganismos é inibido. O processo de salga aumenta o poder de conservação do pescado, havendo inibição da atividade enzimática, tanto de enzimas próprias do pescado como de bactérias. Há ainda uma redução no desenvolvimento de microorganismos aeróbicos, em face da diminuição da solubilidade do oxigênio na salmoura, ou pela desinfecção direta do produto com íons Cl-. Porém, o princípio de conservação consiste na retirada de umidade tissular, paralelamente à entrada de sal. Em concentrações de 1 a 3% de sal, verifica-se uma aceleração no desenvolvimento da maioria das bactérias patogênicas e envolvidas no processo de putrefação. Em geral, é necessária uma concentração acima de 15% para inibir este desenvolvimento, quando a atividade de água torna-se reduzida. 47 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] PESCA E APETRECHOS A pesca constitui uma das principais atividades de subsistência praticada pelos moradores da região próxima ao Canal de Santa Cruz no município de Itapissuma. Muitas vezes, constituindo-se como a única fonte de renda das famílias. Em sua maioria, a pesca ainda é praticada de forma incipiente, com embarcações rústicas e sem a utilização de qualquer método de sensoriamento remoto. A captura dos peixes é promovida em embarcações de pequeno porte conhecidas como “baiteiras” (Figura 2). São embarcações movidas à vela ou mais comumente a remo, confeccionadas em madeira, com dimensões que variam de 5 a 8 metros de comprimento e largura podendo variar de 1 a 1,5 metros. São utilizadas redes de cerco, de espera, mangote e tarrafas, cujo diâmetro da malha pode variar de 15 a 30 mm (entre nós opostos). Figura 2 – Enbarcações, tipo “baiteiras” O comprimento das armadilhas (redes) varia bastante, de acordo com o tipo de pesca a que utilizadas na pesca artesanal no canal de Santa Cruz em Itapissuma, PE. se destina. Algumas chegam a medir mais de 150m de comprimento. A pesca é realizada durante toda a semana, nos mais variados horários do dia ou mesmo durante a noite. As embarcações podem voltar ao mar mais de uma vez por dia, dependendo das condições de pesca, podendo até mesmo, algumas permanecerem no mar, por mais de um dia. O número de pessoas para realização da captura dos peixes também pode variar de dois a seis pescadores por embarcação. A atividade pesqueira se inicia com a escolha de um determinado local de pesca (escolhido com base nas experiências acumuladas pelos pescadores), onde a rede é jogada na água. A partir deste ponto, o barco segue se afastando e a rede é gradativamente lançada ao mar até ser totalmente distendida. Após um período de espera, que pode variar de 30 minutos a 1 hora, a rede é puxada com o auxílio de uma corda presa em uma de suas extremidades, e é fechada perfazendo uma trajetória em forma de ferradura, depois puxada para dentro da embarcação onde os peixes são recolhidos e separados de acordo com o tamanho (pequenos e grandes) e colocados em cestos. O desembarque é realizado em pequenos ancoradouros ou em pontos localizados próximo às comunidades de pescadores. Após retornarem da pesca, os trabalhadores do mar lavam os peixes com água do próprio canal (Figura 3A e B). Para facilitar o transporte dos peixes para os locais de secagem, 48 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] “girais”, ou de venda, muitas vezes os pecadores utilizam carros-de-mão ou levam os peixes nos próprios cestos dependendo da distância destes locais (Figura 4). Figuras 4 – Canal de Santa Cruz, Itapissuma: transporte dos peixes para local de salga e secagem. Durante o processo de pesca, vários peixes de diferentes tamanhos e espécies são capturados. Os peixes maiores (Figura 5) são vendidos, muitas vezes, sem beneficiamento para comerciantes. Os peixes de pequeno porte (Figura 6) geralmente são destinados a salga ou mesmo vendidos sem este processamento, após secarem ao sol nos “girais” ou sobre redes dispostas no chão, mais comumente na rampa que dá acesso aos locais de desembarque, durante algumas horas. Figura 5 – Peixes capturados no canal de Santa Cruz, Itapissuma, PE. De cima para baixo: salema, bicuda, agulha, agulhinha, sauna e carapeba. B A Figura 3 – Canal de Santa Cruz, Itapissuma/PE - A) Desembarque do pescado; B) Lavagem dos peixes após o desembarque. 49 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A B C D E F Figura 6 – Itapissuma – Peixes utilizados na salga: A) sapuruna Pomadasys corvinaeformis, B) dentão Lutjanus jocu, C) carabeba Eugerres brasilianus, D) carapicu Diapterus olisthostomus, E) boca-torta Cetengraulius edentulus, F) saúna Mugil sp. As principais espécies capturadas são as seguintes: a manjuba Opisthonema oglinum (exemplares juvenis de sardinha-laje), tainha Mugil spp., boca-torta Anchovia clupeoides (manjuba), sardinha Cetengraulis edentulus, sauna Mugil spp., carapeba Eugerres brasilianus, camurim Centropomus undecimalis, Xaréu Caranx spp. A quantidade de peixes capturados varia muito, de embarcação para embarcação e no decorrer da semana, podendo uma embarcação capturar 400kg de peixes, num dia de boa pescaria. Os pescadores desta região ainda contam com uma casa, localizada na rua José Gonçalves, nº 83 – Centro, que dá acesso ao Canal, e abriga a sede da Colônia de Pescadores Z-10 de Itapissuma, responsável por assegurar os direitos destes pescadores. Porém, segundo o relato dos próprios pescadores, esta poderia atuar mais na defesa dos interesses dos pescadores. CONDIÇÕES PREJUDICIAIS À ATIVIDADE DE PESCA A pesca em Itapissuma também enfrenta problemas que refletem diretamente sobre as condições de vida dos pescadores, influenciando o comércio local e indiretamente as atividades comerciais de outros municípios, da Região Metropolitana do Recife e do interior do Estado, que também dependem da produção pesqueira do município. 50 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ALGUNS DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS RELACIONADOS À PESCA Os problemas mais graves na Região são: a) pesca predatória, devido ao grande número de pessoas pescando com redes de malha fina e redes de arrasto (pesca não seletiva); b) poluição dos rios e estuários por esgoto doméstico e resíduos industriais (calda de usina açucareira, cloro e outros produtos); c) circulação intensa de embarcações motorizadas (lanchas e jet skis) nas bocas Norte e Sul do Canal de Santa Cruz, afugentando os peixes, destruindo as redes de pesca, pondo em risco a vida dos pescadores e ameaçando a reprodução das espécies que realizam parte de seu ciclo de vida nos estuários (LIMA e QUINAMO, 2000). Além de outros, como a dragagem de certas áreas do Canal de Santa Cruz, para passagem de embarcações maiores, refletindo a influência da exploração turística sem o devido planejamento e sem levar a cabo o impacto ambiental que essas atividades poderão causar ao ecossistema. BENEFICIAMENTO POR SALGA Durante a coleta de dados foram evidenciadas as condições precárias onde é realizado o processo de salga, este normalmente realizado por dois homens. Os peixes ao serem desembarcados, são lavados com água do próprio estuário, depois transportados até as “salgadeiras” (tanques de cimento de cerca de 1m3, revestido com azulejos ou cimento) (Figura 7), onde são depositados inteiros e com vísceras, depois é adicionado o sal, que posteriormente formará a salmoura, onde permanecerão por cerca de Figura 7 – Salgadeiras usadas no beneficiamento por salga do pescado no canal de Santa Cruz, Itapissuma/PE. 24 horas. Passado este período na salmoura, os peixes são colocados nos “girais” (Figura 8), espécie de mesa, construída com varas de madeira, possuindo pequenos espaços entre elas e forrada com redes de pesca, facilitando o escoamento da água dos peixes e evitando que estes caiam no chão. Os girais apresentam medidas que variam de 10 a 15 metros de comprimento por 2 metros de Figura 8 – “Quarais” utilizados na secagem de peixes na Região de Itapissuma. 51 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] largura e cerca de 1 metro de altura, os peixes são dispostos sobre a rede e permanecem lá para secarem ao sol por períodos que podem variar de 2 a 6 horas dependendo das condições climáticas. Os “girais” estão localizados próximos à margem do canal de Santa Cruz, onde o acúmulo de lixo de várias origens (Figura 9) e a presença de pragas urbanas tornam-se bastante evidentes, contribuindo de forma negativa na qualidade do produto final, o peixe salgado-seco conhecido como “caíco”. A produção muitas vezes é comercializada nos próprios girais, para comerciantes que compram em grande quantidade para revenderem nas feiras locais ou de outras cidades. O peixe depois de salgado e seco pode ainda ficar estocado por até três dias dependendo da procura. Figura 9 – Proximidade dos “girais” com lixo doméstico propiciando a presença de pragas RELAÇÕES COMERCIAIS As relações comerciais envolvendo a produção da salga, muitas vezes são conduzidas pelos “empreseiros”, proprietários dos barcos e redes, além dos girais onde os peixes são submetidos à secagem. As relações de trabalho observadas durante este estudo apresentam pequenas diferenças em relação às descritas por Lino (2003), porém, ainda estão baseadas em atividades informais sem vínculo empregatício. Mediante entrevistas realizadas na Região, registrou-se que muitos pescadores possuem embarcações e apetrechos de pesca, porém, preferem negociar o pescado com os “empreseiros”, muitas vezes, pela natureza da atividade que se torna muito desgastante, desestimulando o pescador a comercializar o pescado diretamente com o consumir. Às vezes, nos finais de semana, as esposas de alguns pescadores esperam seus maridos retornarem da pesca e levam uma certa quantidade de peixe para venderem nas feiras livres, conseguindo assim um lucro maior com a venda direta ao consumidor. Os pescadores que não possuem embarcações dependem unicamente dos meios fornecidos pelos “empreseiros” para a realização da atividade, comprometendo-se assim, a vender a produção comercializável para estes. Após o processamento: salga e secagem, os peixes são comercializados pelo “empreseiro” em transações feitas diretamente por telefone, sendo negociadas pequenas quantidades ou em grosso, 52 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] iniciando, nesse caso, uma cadeia de intermediação (Figura 10) para revenda em Recife (mercado público de São José, bairros próximos da Avenida Caxangá) ou nas feiras livres da Região Metropolitana do Recife e no interior do Estado (Limoeiro, Orobó, Carpina, Caruaru e outros). Meio Ambiente Consumo Próprio Pescador Empreseiro Intermediário Processamento Salga / Secagem Atacadista Varejista (comerciante e feirante) Armazenamento Consumidor Figura 10 – Fluxo do processamento e comercialização do peixe salgado-seco (caíco) na região de Itapissuma, Pernambuco. O “empreseiro” adquire o pescado ao preço de R$ 0,50 o quilo. O produto final após o processamento e a intermediação chega ao consumidor pelo preço de R$ 2,00 o quilo. No local da salga o preço ao consumidor é R$ 1,50 o quilo. 53 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS A pesca artesanal no município de Itapissuma representa uma importante fonte de subsistência, senão a única, para uma grande parcela da população marginal do Canal de Santa Cruz. Esta atividade, bem como outras advindas de sua efetivação (comércio de frutos do mar em feiras livres, bares, restaurantes etc.) são responsáveis, quase que inteiramente, pelo volume comercial e base econômica do município, sendo esta retransmitida por várias gerações, constituindo-se numa herança cultural e profundamente enraizada no costume local. Porém esta atividade se desenvolve sem planejamento, sugerindo que, sem o devido direcionamento, a pesca no Canal de Santa Cruz poderá sofrer futuramente com a falta do produto pesqueiro devido à redução dos organismos aquáticos explorados, que já sofrem com a influência do turismo e da poluição. Os trabalhadores diretamente envolvidos na pesca são pessoas simples e de poucas posses, quando muito, donos apenas de poucos utensílios destinados à pesca ou a ela ligados. O beneficiamento do pescado se desenvolve de acordo com as condições econômicas da população diretamente favorecida e está intimamente influenciado pelo desenvolvimento da região. A salga, embora se constitua num dos métodos mais antigos de conservação de alimentos, atende as necessidades e condições de vida destes pescadores. Ações para melhoria no beneficiamento do pescado, e conseqüentemente, das atividades econômicas e condições de vida dos pescadores e consumidores, podem ser efetivadas, desde que sejam incorporadas na realidade da região, levando em consideração os custos advindos de sua implantação e os benefícios que podem ser alcançados, e levando paralelamente a conscientização da responsabilidade social com a preservação e uso racional dos recursos naturais. SUGESTÕES OU RECOMENDAÇÕES No decorrer deste projeto tomou-se ciência da realidade enfrentada pelos pescadores que dependem do produto da labuta diária no mar e no Canal de Santa Cruz, e as principais rotas destinadas ao pescado daquela região além de alguns dos problemas ocasionados pela falta de conhecimento das possíveis vias de contaminação do pescado e dos possíveis causadores de doenças. Como sugestões para a melhoria das condições de pesca, processo de comercialização e conseqüentemente da qualidade de vida das pessoas influenciadas por essa atividade, podemos citar: a) Encaminhar solicitação aos órgãos competentes, através de suas representações, para que as águas decorrentes da drenagem pública e canalizada para os estuários da região sejam tratadas, de forma a minimizar o impacto ambiental provocado nos organismos aquáticos e que é repassado para a 54 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] população; b) recolhimento periódico do lixo doméstico acumulado próximo ao Canal; c) engendrar formas de esclarecer e conscientizar a população residente na região e visitantes, da importância que o Canal de Santa Cruz representa para a subsistência dos pescadores e tentar promover melhor interação entre a exploração turística da região e a atividade pesqueira realizada; d) efetuar campanhas que busquem a conscientização, envolvendo a população local na solução dos problemas existentes e, em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, a Prefeitura de Itapissuma e demais órgãos e entidades interessadas na proposta, da importância da preservação da flora e fauna da região e do planejamento adequado como forma de promover o desenvolvimento sustentável da localidade. REFERÊNCIAS BARROS, H.M. e ESKENAZI-LEÇA, E. Introdução. In: LEÇA, E.; MACÊDO, J.; LIMA, T.; (Ed) Gerenciamento Participativo de Estuários e Manguezais. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2000. p. 7-25 LEÇA, E.; MACÊDO, J.; LIMA, T.; (Ed) Gerenciamento Participativo de Estuários e Manguezais. Recife, Ed. Universitária da UFPE, 2000. p. 7-25. LIMA, T. e QUINAMO, T. Características sócio-econômicas. In: BARRO, H. M.; ESKENAZI-LEÇA, E.; MACÊDO, J.; LIMA, T.; (Ed) Gerenciamento Participativo de Estuários e Manguezais. Recife. Ed. Universitária da UFPE, 2000. p. 181-224. LINO, M.A.S. Estudo Biológico-Pesqueiro da Manjuba Opisthonema oglinum (Lesueur, 1818) da Região de Itapissuma, Pernambuco. Dissertação (Mestrado em Recursos Pesqueiros e Aqüicultura) – Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco, [2003]. f. 24-26. MORAES, A.L. Pesca predatória na área estuarina do Canal de Santa Cruz, Itapissuma-PE. Monografia (Pós-Graduação em Geografia) Fundação de Ensino Superior de Olinda/ UNESF, [1998]. OGAWA, M. e MAIA, E. L. Manual de Pesca Ciência e Tecnologia do Pescado. São Paulo. v. 1, 1999. p. 293-294.D 55 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] MUSEO DEL HOMBRE DEL PUERTO (MAR DEL PLATA, ARGENTINA) Héctor BECERINI, Director del Museo del Hombre del Puerto, Mar del Plata, Argentina INTRODUCCIÓN El Museo del Hombre del Puerto, inaugurado en noviembre de 1990. Posee una importante colección de fotos, documentos, bibliografía y objetos que hacen a la vida y costumbres de los primeros pobladores de la zona. En una sala dedicada al célebre pintor Cleto Ciocchini se exponen sus más renombradas obras, en las que supo plasmar los paisajes, actividades e idiosincrasia de los pescadores. El proyecto de crear un museo en el barrio portuario de la ciudad de Mar del Plata, fue concebido tiempo atrás con los integrantes de la Asociación de Fomento del Puerto, siendo uno de sus principales precursores Don Aldo Marcone Benvenuto. Con este objetivo se fueron convocando a integrantes de viejas familias radicadas en la zona, así se consiguió rescatar antiguas fotografías y material que hace a la historia primigenia del lugar. Finalmente tras muchos esfuerzos, la obra de la Asociación de Fomento del Puerto, se concreta en el Museo que es inaugurado el 22 de noviembre de 1990 en el edificio de calle Padre Dutto 383. Hacia el año 2002 el Museo se traslada a su actual sede en el Centro Comercial Puerto local 8. EL MUSEO Cuenta con un amplio frente de acceso, allí encontraremos sobre su fachada elementos que pertenecieron a la lancha pesquera, “Fratelli Uniti”, y una placa de bronce sobre mármol con la efigie del pintor Cleto Ciocchini, donada por su hijo Federico Ciocchini Solá. En su interior, el Museo ofrece una serie de salas en donde se tratara de introducir al visitante en una dimensión diferente, la cual le permite vivir sensaciones que solo el Puerto puede ofrecer. La primer sala funciona como centro de interpretación de la temática general del museo, allí nos encontraremos con la temática de la Inmigración, pasaportes, decretos y leyes, objetos y un baúl de la familia Penisssi en el que trajeron sus pertenencias. Tambien nos encontraremos con el origen de Mar del Plata, el saladero, los proyectos de puertos, el origen de la pesca y la aparición del turismo. La segunda sala esta dedicada a la construcción del puerto a cargo de la “Societe Nationale de Travaux Publics”, con documentos y fotografías y en otro sector de la misma se exhibe mobiliario original de la empresa. En otra sala encontraremos a las familias de los primeros pobladores del Puerto, la llegada de los pescadores, sus actividades y sus tradiciones, objetos típicos, la historia del barrio del Puerto. 56 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Existe otra sala dedicada al pintor Cleto Ciocchini, con obras como el óleo “Quico” que recuerda a un típico y conocido pescador marplatense, mientras otro muestra a la Parroquia Sagrada Familia, primera iglesia del Puerto y punto de partida de las procesiones. Junto a ésta, el caballete, porta estudios de Ciocchini y otras obras. Dentro de la misma sala, se puede observar la historia de los astilleros, los hombres que se dedicaron a la construcción y reparación de embarcaciones, junto a las artes de pesca y construcción de redes. En otra parte se exhiben paneles en donde están representadas todas las colectividades del Puerto de Mar del Plata, con sus Santos patronos, estando el Museo bajo la protección del “Divino san Salvador”. Finalmente las salas de exposición de pintura y escultura, con exposiciones temporarias y de colección del museo y la sala de proyecciones audiovisuales y conferencias en donde se exhiben videos con la temática del museo. ACTIVIDADES La principal motivación del Museo es rescatar el acervo cultural e histórico del puerto, ya que constituye un nucleamiento humano con valores artísticos, pautas de vida, artesanías y tradiciones que se han mantenido como testimonio histórico, con su carácter singular, propio y autentico. Su función es preservar para las futuras generaciones, los nombres y hechos históricos y anécdotas que se vinculan al origen del primer asentamiento en el lugar, y como su crecimiento y desarrollo constituyo la actual comunidad portuense. El Museo ha establecido vínculos con los viejos pobladores a fin de obtener material y reconstruir la historia del Puerto. EL ECO-MUSEO Se trata de revalorizar los sitios de interés de la zona, sus edificios históricos y patrimoniales, sus monumentos y viviendas típicas mediante placas de referencia, así como de la realización itineraria de circuitos turísticos culturales guiados por profesionales especializados a través del área de su influencia, con la distribución de folletos explicativos. SERVICIO EDUCATIVO Comprende la atención del público en general, como a establecimientos educativos de distintos niveles y universitarios, mediante visitas guiadas, proyección de videos, cursos y conferencias referidas a temas artísticos culturales. 57 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] El Museo cuenta con un servicio de extensión a la comunidad e institución que lo solicite. ARCHIVO DEL INMIGRANTE Se creo con el fin de almacenar datos obtenidos a través de entrevistas personales, con voces de los protagonistas relatando anécdotas familiares, narrando las peripecias y angustias de la inmigración, los comienzos en el arraigo y el destino que les deparo nuestra tierra, todo ilustrado y documentado con fotografías aportadas por la misma comunidad. Se constituye así no solo en la herramienta para hilar esta historia, sino fundamentalmente como banco de datos computarizado, a disposición del público, para ubicar a sus orígenes y conocer a sus antecesores. En este momento el Museo se ha hermanado con el de “San Benedeto del Tronto”, Italia, ampliando así nuestros datos e intercambiando información y exposiciones artísticas. El museo tiene el seguinte cuerpo técnico: Director - Hector Becerini; Servicio Técnico y Educativo - Arq. Osvaldo Destandau; Investigación Histórica - Prof. Jose Mateo; Secretaria: Patricia Macchia Sigue abajo algunas fotos del Museo AGRADECIMIENTOS* Queremos hacer expreso nuestro inmenso agradecimiento a Pasqualino Marchese cuya colaboración tornó posible la publicación de este artículo. * Agradecimientos del editor.D 58 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] FOTOS DEL MUSEO DEL HOMBRE DEL PUERTO D 59 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A PESCA OCEÂNICA NO BRASIL NO SÉCULO 21 Fábio Hissa Vieira HAZIN ([email protected]); Paulo Eurico TRAVASSOS ([email protected]) Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco RESUMO As capturas de atuns e espécies afins no Oceano Atlântico, incluindo as albacoras (laje, branca e bandolim), o bonito listrado, o espadarte (meka), os agulhões (branco, negro, vela e verde), diversas espécies de tubarão (principalmente o tubarão-azul), além de outros peixes como a cavala, o dourado e o peixe-prego, têm, nos últimos anos, oscilado em torno das 500.000 t. Em 2004, a frota atuneira nacional, composta por embarcações brasileiras e estrangeiras arrendadas, capturou 44.640 t, ou o equivalente a cerca de 9% do total capturado no Atlântico. Em 2005, este montante subiu para 48.900t, representando um incremento próximo a 10%. Do ponto de vista do resultado econômico, entretanto, uma vez que aproximadamente a metade da produção nacional é constituída por bonito-listrado, uma das espécies de atum mais costeiras e de menor valor comercial, a participação brasileira no rendimento proporcionado por esta pesca, em torno de US$ 4 bilhões/ano, certamente se situou bem abaixo dos 5%. Considerando-se a proximidade estratégica do País em relação às rotas migratórias dos principais estoques de atuns e afins no Atlântico Sul, além da grande extensão de sua costa, com cerca de 8.500 km, fica claro que a posição atualmente ocupada pelo país no cenário da pesca oceânica no Atlântico não se justifica. Neste contexto, o presente trabalho apresenta uma breve descrição da evolução e atual situação da pesca de atuns e afins no país, abordando os principais aspectos estratégicos que devem ser considerados para promover o desenvolvimento sustentável desta atividade no Brasil. PALAVRAS-CHAVES: Pesca oceânica, atuns e afins, captura, desenvolvimento sustentável. STATUS DA PESCA NO BRASIL No ano de 2004, no Oceano Atlântico, excluindo-se o Mar mediterrâneo, foram capturadas cerca de 500.000 t de atuns e espécies afins, incluindo as albacoras (azul laje, branca e bandolim), o bonito-listrado, o espadarte (meka), os agulhões (branco, negro, vela e verde), e diversas espécies de tubarão (principalmente o tubarão azul), além de outros peixes como a cavala, o dourado, o peixe-prego, entre muitos outros. No mesmo ano, as embarcações sob jurisdição nacional, brasileiras e arrendadas, capturaram 44.640 t, ou o equivalente a cerca de 9% do total capturado no Atlântico. Em 2005, este montante subiu para 48.900 t, representando um incremento próximo a 10%. Do ponto de vista do resultado econômico, entretanto, uma vez que aproximadamente a metade da produção 60 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] nacional é constituída por bonito-listrado, uma das espécies de atum mais costeiras e de menor valor comercial, a participação brasileira no rendimento proporcionado por esta pesca, em torno de US$ 4 bilhões/ ano, certamente se situou bem abaixo dos 5%. Considerando-se a proximidade estratégica do País em relação às rotas migratórias dos principais estoques de atuns e afins no Atlântico Sul, além da grande extensão de sua costa, com cerca de 8.500 km, fica claro que a posição atualmente ocupada pelo país no cenário da pesca oceânica no Atlântico não se justifica. Enquanto embarcações operando a partir de portos brasileiros alcançam as áreas de ocorrência dos cardumes com poucas horas de navegação, as frotas de países com grande tradição pesqueira, como o Japão, Taiwan, Coréia, Espanha, Portugal, entre outros, são obrigados, em alguns casos, a viajar mais de 20.000 km para atingir as mesmas áreas de pesca. Entretanto, apesar de tal condição conferir ao país uma grande vantagem comparativa, a pesca oceânica nacional apresentou uma tendência declinante, nos quatro primeiros Produção em peso vivo (t) anos do presente século (2000-2004), com uma leve recuperação somente no ano passado (Figura 1). 60000 60 50000 50 40000 40 30000 30 20000 20 10000 10 0 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total Bonito Listrado Outros Atuns e Afins % Bonito Listrado Figura 1- Evolução das capturas nacionais de atuns e afins e do bonito listrado, incluindo a sua participação relativa no total capturado. É importante destacar que as quatro principais espécies capturadas pelas embarcações nacionais, depois do bonito listrado, as albacoras laje, branca e bandolim, além do espadarte, vêm sendo capturadas em níveis próximos, porém abaixo do rendimento máximo sustentável (Figura 2), indicando 61 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] 160000 Produção em peso vivo (t) 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 0 Albacora Laje RMS Albacora Branca Captura Total Albacora Bandolim Espadarte Captura Nacional Figura 2 - Rendimento Máximo Sustentável (RMS), captura total no Oceano Atlântico e captura nacional de albacoras e do espadarte. que os seus estoques estão sendo adequadamente manejados pela ICCAT- Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas). Na mesma figura, contudo, pode-se observar claramente a ainda reduzida participação brasileira. PERSPECTIVAS PARA O SÉCULO 21 Com o esgotamento dos recursos pesqueiros costeiros, a principal alternativa para o desenvolvimento do setor pesqueiro nacional, excetuando-se a aqüicultura, reside na pesca oceânica, voltada para a captura de atuns e peixes afins (espadarte, agulhões e tubarões), os quais apresentam uma série de vantagens comparativas, em relação aos recursos costeiros, entre as quais pode-se destacar: a) grande proximidade das principais áreas de pesca, no caso do Brasil; b) algumas espécies capturadas, como as albacoras, apresentam um alto valor comercial para exportação, constituindo-se em uma importante fonte de divisas para o País; c) outras espécies, também presentes nas capturas, como os tubarões, apresentam preço relativamente baixo, apesar do seu alto valor nutritivo, representando uma importante fonte de proteínas para a população de baixa renda; d) ciclo de vida independente dos ecossistemas costeiros, já intensamente degradados; e) ampla distribuição; e f) biomassa elevada. Uma vantagem adicional é que, desde que adequadamente planejado, o desenvolvimento da pesca oceânica nacional poderia resultar em uma redução do esforço de pesca sobre os estoques costeiros, já sobre-explotados. 62 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Vários são os entraves, porém, para o desenvolvimento da pesca oceânica nacional, com destaque para a falta de mão-de-obra especializada, de tecnologia e de embarcações adequadas, as quais, devido ao seu elevado custo, encontram-se comumente muito além da capacidade de investimento das empresas de pesca brasileiras. Para que o País consiga, portanto, ampliar a sua participação na pesca oceânica, precisará ampliar quotas de captura, consolidar uma frota pesqueira oceânica nacional, formar mão-de-obra especializada e gerar conhecimento científico e tecnológico sobre as espécies explotadas. Como os estoques pesqueiros oceânicos já estão sendo pescados em níveis próximos do limite sustentável, a ampliação da produção brasileira dependerá diretamente da sua capacidade de negociação com os países pesqueiros tradicionais, no âmbito da ICCAT- Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico, assim como na FAO, no seu Comitê de Pesca, na OMC e na própria ONU. Ocorre que os atuns e afins são espécies altamente migratórias com suas populações distribuindo-se por todo o Oceano Atlântico ou hemisfério oceânico. A albacora-bandolim capturada por barcos nacionais, por exemplo, pertence à mesma população explorada pelos barcos norteamericanos na costa do Maine, ou pelos barcos espanhóis na Baía de Biscay, uma vez que há uma única população em todo o Atlântico. Já a albacora-branca que o Brasil captura no nordeste brasileiro faz parte do mesmo estoque explorado pelos sul-africanos, na costa africana. Ou seja, são todos estoques internacionais, explotados simultaneamente por vários países. Não existe, assim, atum brasileiro. O atum brasileiro é somente aquele pescado por barcos nacionais ou estrangeiros arrendados a empresas brasileiras e desembarcado nos portos do País. É exatamente em função disto, por serem recursos internacionais e altamente migratórios, que o seu ordenamento tem que ser realizado por um organismo internacional, no caso a Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico-ICCAT, da qual o país é membro desde a sua fundação, no Rio de Janeiro, em 1966. PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NO ICCAT A ICCAT possui um corpo científico, denominado de Comitê Permanente de Pesquisa e Estatística (SCRS- Standing Committee on Research and Statistics), integrado por pesquisadores dos vários países membros, e uma Comissão política. De uma maneira simplificada, a ICCAT funciona da seguinte forma: todos os anos o SCRS se reúne e define os limites sustentáveis de captura das diversas espécies explotadas. Subseqüentemente, a Comissão decide como a captura máxima permitida (TACTotal Allowable Catch) será repartida entre os vários países membros. Um ponto fundamental, neste contexto, é que a grande maioria, se não a totalidade, das espécies de atuns e afins já estão sendo 63 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] capturadas em níveis próximos de suas capacidades máximas sustentáveis, ou seja, não há, concretamente, como se ampliar a captura de atuns no Oceano Atlântico sem comprometer a sustentabilidade dos estoques. Neste sentido, a posição do governo brasileiro tem sido sempre a de defender o respeito estrito aos limites máximos sustentáveis de captura, com a mesma ênfase com que tem defendido o direito do País de desenvolver a sua pesca oceânica. Ou seja, o tamanho da torta de atum do Atlântico deve ser respeitado, mas o tamanho da fatia brasileira tem que aumentar. Assim sendo, é evidente que o crescimento da produção nacional de atuns e afins implicará necessariamente a redução das capturas por parte dos países pesqueiros tradicionais, como Espanha, Japão, Taiwan, etc. Considerando-se que esta atividade no Oceano Atlântico envolve valores da magnitude de US$ 4 bilhões, conforme dito acima, é fácil compreender a forma agressiva com que os países pesqueiros tradicionais têm defendido a sua hegemonia histórica nesta atividade. É óbvio, também, que o atum que o Brasil não pescar, será pescado por outras nações. É preciso, também, contextualizar o momento político atravessado pela ICCAT hoje. Pois com a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em novembro de 1994, e do Acordo das Nações Unidas sobre as Espécies de Peixes Transzonais e Altamente Migratórias, em Dezembro de 2001, se estabeleceu um arcabouço jurídico com base no qual os países pesqueiros em desenvolvimento conquistaram condições favoráveis para ampliar as suas quotas de captura, a partir do pleno reconhecimento do seu direito de desenvolver a sua pesca oceânica. Foi com base nesses e em outros instrumentos jurídicos internacionais, como o Código de Conduta para uma Pesca Responsável, da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), com os seus Planos Internacionais de Ação correlatos, que o Brasil conseguiu aprovar na ICCAT, em novembro de 1998, um Grupo de Trabalho para a Definição de Novos Critérios para Alocação de Quotas de Captura. Finalmente, em 2001, após quatro reuniões, marcadas por negociações duríssimas, a ICCAT terminou por aprovar uma lista de 27 novos critérios, em substituição ao critério de capturas históricas, até então utilizado de forma quase que exclusiva pela Comissão, na distribuição de quotas de captura. Entre os novos critérios aprovados, incluem-se, por exemplo, a ocorrência do estoque na Zona Econômica Exclusiva do país, a necessidade de se privilegiar a pesca artesanal e de pequena escala, a importância do estoque para as comunidades costeiras, entre outros. A vitória dos países em desenvolvimento foi resultado de sua sólida argumentação jurídica, fundamentada nos instrumentos citados. Segundo o critério de capturas históricas, as quotas eram tradicionalmente divididas em função dos montantes capturados pelo País nos últimos anos, ou seja, os países desenvolvidos com pescarias tradicionais perpetuavam a sua hegemonia, enquanto os países em desenvolvimento eram tolhidos nos seus direitos legítimos de desenvolverem a pesca oceânica. Assim 64 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] foi que, em uma reunião realizada na Paraíba, em Julho de 1997, ao Brasil coube apenas 16% (2.340 t) da quota do espadarte do Atlântico Sul, para o período de 1998 a 2000, cabendo à Espanha e ao Japão (países sem costa no Atlântico Sul), respectivamente, 40% e 26%. Nas reuniões da ICCAT em 2000 e 2001, grande parte em função de um endurecimento da posição brasileira, não foi possível se alcançar um consenso para distribuição das quotas de espadarte no Atlântico Sul. Finalmente, na reunião da ICCAT realizada em Bilbao, em 2002, com base nos novos critérios de captura, a delegação brasileira conseguiu aumentar a quota para o País no Atlântico Sul, de 2.340 t, para 4.086 t, em 2003, crescendo deste ano em diante até atingir 4.365 t (ou 27,2% do total), em 2006. Além disto, conquistou, também, pela primeira vez, o direito de pescar até 200 t no Atlântico Norte, além de haver sido perdoado da penalidade de 1.500 t que deveria descontar em função do seu excesso de captura em 1998. Em função dessas conquistas, imediatamente após a reunião da ICCAT, o Governo da Espanha, em retaliação, proibiu a continuidade das operações dos barcos espanhóis arrendados a empresas brasileiras. O despacho do Secretário Geral de Pesca Marítima do Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação da Espanha, datado de 05/12/01, no qual baixa a referida ordem, é bastante esclarecedor acerca de como as autoridades daquele país compreendem a gestão dos recursos atuneiros do Atlântico: “As razões para impedi-lo (o arrendamento) são sólidas e se fundamentam na melhor defesa do patrimônio espanhol gerado pelos direitos históricos na pesca de espadarte e outras espécies reguladas pela ICCAT”. Vale ressaltar que até o ano de 1987 a Espanha não possuía qualquer captura no Atlântico Sul. Naquele ano, em decorrência da aplicação de medidas de limitação das capturas no Atlântico Norte, a Espanha deslocou boa parte da sua frota para o Atlântico Sul com o objetivo óbvio de construir um histórico de captura, que assegurasse a sua hegemonia quando de uma futura alocação de quotas, como de fato aconteceu. A captura espanhola de espadarte no Atlântico Sul, inexistente em 1987, alcançou já no ano seguinte, 1988, 4.400 t, saltando para 9.622 t, em 1996, ano anterior ao da reunião da Paraíba, 1997, quando as quotas de captura para os anos de 1998 a 2000 foram estabelecidas. A produção nacional de atuns e afins cresceu de pouco mais de 20.000 t, em 1995, para mais de 50.000 t, em 2000, em decorrência, principalmente, da ampliação dos arrendamentos promovidos pelo DPA/ MAPA (Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Excetuando-se o bonito listrado, atingiu um máximo em 2002, igual a 32.200 t, declinando, contudo, em 2004, para 21.600 t, uma retração da ordem de 30% (Figura 1). Esse declínio resultou, principalmente, de uma redução da frota espanhola, em retaliação à ampliação da quota 65 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] brasileira, em 2002, e da frota chinesa, em função de dificuldades para o adequado cumprimento da legislação nacional. Cabe destacar, em relação a este aspecto, o importante avanço no controle das atividades dos barcos arrendados, advindo da obrigatoriedade da presença de observadores de bordo em 100% da frota arrendada, instituída pela SEAP/ PR, a partir de 2004. Como conseqüência da saída dos barcos espanhóis, em 2002, a produção brasileira de espadarte decresceu de um patamar acima de 4.000 t, em que vinha se mantendo desde 1997, para 2.900 t, em 2002. A captura da albacora-branca, principal alvo da frota chinesa, declinou, com a saída da mesma, de quase 7.000 t, em 2001, para 3.200 t, em 2002, atingindo um mínimo de 522 t, em 2004 (Figura 3). 8000 Produção em peso vivo (t) 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 2000 2001 2002 2003 Albacora Laje Albacora Bandolim Espadarte Tubarões 2004 2005 Albacora Branca Figura 3 - Evolução da produção nacional das albacoras-laje, branca e bandolim, espadarte, e tubarões, entre 2000 e 2005. Tal situação, obviamente, expõe a grande vulnerabilidade do País, em função de sua alta dependência da frota estrangeira. Apesar disso, ocorre relativa estabilidade na produção oriunda de barcos nacionais, em torno de 2.000 t (Figura 4). Uma grande dificuldade enfrentada pelo País no processo de negociação foi, e continua sendo, o fato dos principais adversários brasileiros serem também os nossos principais mercados (Espanha, EUA, Japão). Assim, o Brasil tem disputado com estes países o direito de pescar mais, em grande parte como o País pode ser atingido por medidas dessa natureza, pode ser encontrado nas recentes exigências da Comunidade Européia (CE), relativas à necessidade de equivalência das normas sanitárias, em função da qual o Brasil foi obrigado a preparar e implementar um Plano Nacional de 66 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 4 - Evolução da produção brasileira de espadarte, entre 1999 e 2004, oriunda de embarcações nacionais e arrendadas (números, em azul, no interior da figura, indicam os limites correspondentes às quotas conquistadas pelo País, em 2002). Fonte: SEAP/ PR. Controle de Resíduos, o qual, inclui, no caso dos atuns e afins, a necessidade de se realizar exames de histamina, entre outros, através de Cromatografia Líquida de Alta Performance. Mesmo desconsiderando-se os empecilhos de ordem logística decorrentes de tal medida, a mesma, evidentemente, implicará um importante aumento dos custos de produção, diminuindo, por conseguinte, a competitividade da indústria nacional. Quando não são barreiras tarifárias, são barreiras técnicas, ou mesmo artifícios legais, como a ação alegadamente “anti-dumping” impetrada pelo governo estadunidense contra o camarão brasileiro, sem qualquer fundamento, se não o de preservar os interesses dos pescadores de camarão da Lousiana e demais estados do Golfo do México, infligindo pesados prejuízos à carcinicultura nacional. Uma outra disputa recorrente com a CE tem sido a utilização do documento estatístico de acompanhamento da exportação de atuns e afins, como forma de criar dificuldades burocráticas à entrada do pescado brasileiro, incluindo exigências, como a identificação pessoal, com nome e assinatura, dos responsáveis técnicos no Brasil pela validação do referido documento, quando a recomendação aprovada pela ICCAT não estabelece tal necessidade. Nesse contexto, o Brasil tem se contraposto, também, veementemente, à pretensão comunitária de utilizar o documento estatístico como forma de unilateralmente controlar as quotas dos países exportadores. Um outro argumento recorrente tem sido o de que um país não deve receber quotas de captura se não tem a capacidade de utilizá-las de forma plena. Neste contexto, uma outra batalha dificílima, 67 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] finalmente vencida também na reunião da ICCAT, em Bilbao, em 2002, foi o reconhecimento formal por parte da Comissão, refletido na Recomendação 02/21 (Art. 5), de que as capturas realizadas pelos barcos arrendados pertencem ao país arrendatário (Brasil). Note-se que esta batalha vem sendo travada também em outros fóruns internacionais, particularmente no Comitê de Regras de Origem, da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde a CE tem tentado, insistentemente, reverter a vitória alcançada pelo Brasil na ICCAT, sobre a questão. Neste contexto, igualmente, o crescimento de quase 800 t, ou cerca de 30%, na produção nacional de espadarte em 2004, foi crucial no sentido de assegurar a manutenção das quotas de captura conquistadas na rodada de Bilbao, em 2002. Pulverizar a agenda internacional da pesca em diversos fóruns tem sido uma das estratégias dos países pesqueiros tradicionais para preservar a sua hegemonia, apostando na tradicional dificuldade dos países em desenvolvimento de acompanhar os desdobramentos internacionais, em decorrência de suas tradicionais deficiências de coordenação interna. Assim sendo, um outro tema de grande relevância para o setor pesqueiro nacional, também tratado no âmbito da OMC, é a questão da utilização de subsídios à pesca. Neste sentido, o Brasil apresentou uma proposta, fundamentada na necessidade de um tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento (TN/RL/GEN/79)1, na qual busca assegurar o direito desses países de utilizarem subsídios para o legítimo desenvolvimento de sua pesca oceânica, a exemplo do que pesadamente o fizeram os países pesqueiros tradicionais, impedindo, ao mesmo tempo, o uso abusivo de subsídios por parte das nações desenvolvidas, que continuam a subsidiar as suas frotas pesqueiras. Apenas para citar um exemplo, em meados de junho último, a União Européia decidiu criar um novo fundo de apoio ao setor pesqueiro, no valor de 4,8 bilhões de dólares, com o objetivo exclusivo de subsidiar os pescadores europeus de 2007 a 2013. Além de ser travado em várias frentes, o embate pelos recursos atuneiros do Oceano Atlântico reverbera entre os diversos fóruns, de forma que conquistas diplomáticas e políticas em uma determinada área, muitas vezes motiva iniciativas e retaliações em outras áreas, aparentemente totalmente desvinculadas da questão. Recentemente, a Espanha, assim como o Japão em outros momentos, de forma recorrente, tem desenvolvido gestões bastante incisivas, não apenas junto ao governo federal, mas diretamente também aos governos estaduais, no sentido de viabilizar a criação de “portos internacionais”, na costa brasileira, a partir de financiamentos evidentemente assegurados pelos mesmos. Tais portos, se criados, claro, reduziriam significativamente os custos operacionais de suas frotas no Atlântico Sul, particularmente 1 http://www.trade-environment.org/page/theme/tewto/para28.htm 68 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] quando da explotação dos estoques que apresentam uma maior proximidade da costa brasileira. Uma das poucas, se não a única, vantagem comparativa que o Brasil ainda possui ao competir com as frotas oceânicas de longa distância no Atlântico Sul é exatamente a proximidade dos seus portos das áreas de pesca. Neste contexto, registre-se que as embarcações nacionais são obrigadas a competir pelos recursos pelágicos deste oceano, com as frotas estrangeiras, particularmente a espanhola e japonesa, pesadamente subsidiadas e que operam com um custo financeiro que representa uma pequena fração da realidade brasileira, com tecnologia mais sofisticada e mão-de-obra infinitamente melhor qualificada. Não é um desafio de pouca monta. Se diante de tal contexto o Brasil decidir franquear a utilização dos seus portos pela frota internacional estará, evidentemente, anulando a principal vantagem comparativa que possui o que invariavelmente resultará no aniquilamento de qualquer pretensão brasileira de desenvolver a sua pesca oceânica. O que claramente se coloca, portanto, é qual futuro o Brasil prefere. Conceder às frotas internacionais o livre acesso aos portos brasileiros, e ficar literalmente a ver os navios estrangeiros pescando em seu quintal, ou enfrentar o desafio de desenvolver a sua pesca oceânica. Cabe destacar, ainda, que tal desenvolvimento não diz respeito apenas à produção de pescado, nem à geração das divisas, empregos e renda dela resultantes, ele implica também a efetiva ocupação, não apenas da Zona Econômica Exclusiva, mas das águas internacionais do Atlântico Sul, essencial à efetiva realização geopolítica do País. A decisão do Estado brasileiro foi, e não poderia ser outra, pelo desenvolvimento do setor pesqueiro nacional. Diante de tal estratégia, a cessão dos portos nacionais às frotas estrangeiras é claramente incompatível e de todo indesejável. QUESTÕES COMERCIAIS Além dos desafios apresentados pelas negociações internacionais, há, ainda, outras grandes dificuldades conjunturais que vêm diminuindo sobremaneira a capacidade competitiva da pesca oceânica nacional, entre as quais destacam-se: a defasagem cambial, o preço do petróleo e o preço de comercialização dos atuns e afins, no mercado internacional. O valor do real frente ao dólar atingiu em 2006 níveis próximos à metade do que se verificou no início da década reduzindo, portanto, substancialmente a margem de lucro do pescado exportado (Figura 5). 69 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] 4,50 Taxa de Câmbio (R$ x US$) 4,00 3,50 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,50 03/05/06 03/01/06 03/09/05 03/05/05 03/01/05 03/09/04 03/05/04 03/01/04 03/09/03 03/05/03 03/01/03 03/09/02 03/05/02 03/01/02 03/09/01 03/05/01 03/01/01 03/09/00 03/05/00 03/01/00 0,00 01/01/2000 a 30/06/2006 Figura 5- Variação da taxa de câmbio R$ x US$, entre janeiro de 2000 e junho de 2006. Por outro lado, em função de um aumento de quase sete vezes no preço do petróleo no mesmo período (Figura 6), o custo do diesel, um dos principais insumos da atividade pesqueira, particularmente no caso da pesca oceânica, em função das grandes distâncias que as embarcações são obrigadas a percorrer, e do frete, especialmente o aéreo, do qual depende toda a exportação do pescado fresco, subiram fortemente, aumentando simultaneamente o custo de operação e de exportação do produto capturado. Figura 6- Variação do preço do petróleo e da gasolina, entre 1997 e 2006. 70 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Os preços de venda, por outro lado, tomando-se como exemplo o espadarte fresco no mercado norte americano, caíram cerca de 40%, em relação aos valores vigentes na década de 90, particularmente após o 11 de setembro de 2001, atingindo em 2002 o seu menor valor (US$ 3,50/lb, contra US$ 6,5/lb, em 1996) (Figura 7). Tais dificuldades têm erodido a lucratividade da atividade, obstando, na mesma proporção, a consolidação de uma frota genuinamente nacional, particularmente em função da atual condição de descapitalização do setor pesqueiro nacional. 7 6 US$/ lb 5 4 3 2 1 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 0 Figura 7- Variação do preço do espadarte fresco (meka) no mercado norte-americano (New York’s Fulton Market), entre 1991 e 2004 (Fonte: U.S Department of Commerce). A FROTA PESQUEIRA Para formar e consolidar uma frota pesqueira, o Brasil dispõe basicamente de três diferentes instrumentos: o arrendamento, a importação, e a construção de barcos em estaleiros nacionais. São instrumentos complementares, com diferentes alcances, finalidades e tempos de resposta. Se por um lado, o arrendamento pode ser extremamente útil na construção de um histórico de captura, de forma a assegurar o cumprimento de quotas politicamente conquistadas, por outro, torna o País extremamente vulnerável a eventuais retaliações dos países de bandeira das embarcações arrendadas, particularmente quando os mesmos são também importantes mercados para o pescado brasileiro, como o da Espanha. Diante de tal circunstância, a suspensão dos arrendamentos pela SEAP foi uma medida acertada, principalmente no intuito de gerar um fator motivador para a importação e construção de novos atuneiros pelas empresas arrendatárias, através do PROFROTA Pesqueira2. Entretanto, o instrumento do arrendamento não deve ser definitivamente abandonado, tendo em vista a sua grande importância 2 Programa Nacional de Financiamento da Ampliação e Modernização da Frota Pesqueira Nacional. 71 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] para assimilação de novas tecnologias, treinamento da mão de obra nacional e formação de um histórico de captura. A presente suspensão, portanto, deve ser flexibilizada, caso o monitoramento das capturas nacionais, particularmente no caso do espadarte, aponte dificuldades para a consecução das quotas atribuídas ao País, ou no caso da necessidade de assimilação de novas tecnologias de captura, voltadas para espécies pouco explotadas pelo País. Em relação ao arrendamento de embarcações pesqueiras, uma outra medida urgente, e já bastante atrasada, é a necessidade de se viabilizar legalmente o arrendamento de embarcações a casco nu, com suspensão de bandeira, uma vez que sob tal enquadramento jurídico, a mesma passa a ser, para todos os efeitos da legislação nacional e internacional, uma embarcação brasileira. De qualquer modo, o arrendamento de barcos pesqueiros deve ser entendido sempre como um instrumento provisório, a ser utilizado estrategicamente, em circunstâncias emergenciais. Em relação à importação de embarcações pesqueiras, por outro lado, tem prevalecido no País a lógica perversa de que tal instrumento deve ser evitado, ou pelo menos limitado, em função de que a construção de barcos em estaleiros nacionais seria muito mais vantajosa para o Brasil. O argumento seria verdadeiro se não houvesse uma grande oferta de barcos usados no mercado internacional, a um custo que representa uma fração do custo de construção, com a grande vantagem de já estarem prontos e equipados, sendo, portanto, capazes de dar uma resposta em termos de ampliação da capacidade pesqueira nacional muito mais rápida do que o moroso processo de construção de um barco de pesca, com todos os desafios tecnológicos implicados. Assim, com a intenção de se favorecer a indústria naval, perversamente sacrifica-se o setor pesqueiro nacional, retardando ou mesmo, em certa medida, impedindo o desenvolvimento da pesca oceânica no País. Além das embarcações pesqueiras representarem uma parcela diminuta do mercado naval, em relação a outros setores como o de transporte marítimo e de exploração de petróleo, esquece-se, também, que, uma vez nacionalizadas, tais embarcações continuariam a demandar manutenções periódicas, gerando emprego e renda para os estaleiros sediados no País. A flexibilização da importação de embarcações atuneiras seria particularmente conveniente, no caso das embarcações que já se encontram em operação no Brasil, através do arrendamento, uma vez que a empresa arrendatária, além de já estar plenamente inserida na cadeia produtiva da pesca de atum, estaria importando uma embarcação cujos aspectos técnicos e operacionais já seriam completamente conhecidos e dominados. A importação poderia, inclusive, ser apresentada como uma alternativa à continuação das atividades da embarcação no País, uma vez finalizado o período autorizado de arrendamento. 72 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Por fim, cabe destacar a grande importância do PROFROTA como instrumento de consolidação da pesca oceânica nacional, embora o seu alcance seja limitado pela morosidade na resposta no aumento da produção, tendo em vista o longo tempo demandado para construção de um barco pesqueiro, assim como pelos altos custos financeiros envolvidos, decorrentes da realidade nacional. Infelizmente, mesmo subsidiados, os juros no Brasil implicam um custo financeiro muito maior que o de outras frotas internacionais, grande parte das quais continuam a ser pesadamente subsidiadas. Não adianta, porém, se dispor de embarcações de pesca bem equipadas se, ao mesmo tempo, não houver disponibilidade de mão de obra qualificada para tripulá-las. Neste sentido, cabe destacar o grande esforço de treinamento de mão-de-obra nacional desenvolvido pela SEAP/ PR, que, por meio do Subcomitê Científico do Comitê Consultivo Permanente de Gestão de Atuns e Afins (SC-CPGAA), e pela UFRPE, desde maio de 2005, já viabilizou a realização de 8 cursos de formação de pescadores para a pesca oceânica, tendo sido 2 em Natal- RN, 2 em Cabedelo- PB, 2 em Recife- PE, e 2 em Santos- SP, com 250 pescadores treinados. Além dos pescadores, também com o apoio da SEAP-PR, a UFRPE já treinou 85 observadores de bordo, em 3 cursos realizados desde setembro de 2004, capacitando os mesmos não apenas em relação aos diversos aspectos diretamente ligados a sua função a bordo, mas a habilidades complementares necessárias ao bom desempenho do trabalho, incluindo o conhecimento acerca da legislação nacional e internacional pertinente, a biologia das principais espécies capturadas, o acompanhamento e descrição da metodologia de pesca empregada, assim como o monitoramento dos descartes e capturas incidentais de espécies que não constituem o alvo da pesca, como aves e tartarugas marinhas. A consolidação do Brasil como um País importante na pesca oceânica do Atlântico Sul, porém, só poderá se concretizar se todo o esforço de desenvolvimento pesqueiro for adequadamente calçado pela condução de pesquisas que permitam, não apenas gerar as informações biológicas essenciais para uma correta avaliação dos estoques explotados, aspecto crucial para a construção de medidas de ordenamento que possam assegurar a sustentabilidade da atividade, mas também informações técnicas que possam contribuir para aumentar a competitividade e a eficiência da frota nacional. Considerandose que a defesa de qualquer direito só se sustenta quando devidamente amparada pelo adequado cumprimento dos deveres correlatos, pode-se igualmente afirmar que o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre os atuns e afins do Atlântico se configuram como um importante ativo no processo de negociação necessário à sustentação das aspirações brasileiras de crescimento de sua participação na pesca desses importantes recursos pesqueiros. Novamente, o SC-CPGAA, com o apoio da SEAP- PR, tem envidado um grande esforço de pesquisa, o qual, além de incluir a coleta sistemática e rotineira de dados de esforço de pesca, captura e 73 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] desembarques, tem envolvido o desenvolvimento de pesquisas pioneiras no País, entre as quais se destacam os projetos: Agulhões do Atlântico - Estudo sobre a Biologia de Agulhões da Família Istiophoridae capturados no Oceano Atlântico Sul; Tubarões Oceânicos do Brasil; ESCALAR- Estudo do Comportamento da Albacora Laje no Arquipélago de São Pedro e São Paulo; e ECOBAN- Ecologia da Albacora Bandolim no Atlântico Tropical. O primeiro, já iniciado desde meados de 2005, a respeito dos agulhões, envolve, além do estudo da biologia reprodutiva e do crescimento dos agulhões negro e branco, a utilização de marcas PSATPop-up Satellite Archival Tags3, para identificação do comportamento e uso do habitat pelos mesmos, sendo esta a primeira vez no Brasil que este tipo de marcas é utilizada em peixes. O projeto, que é desenvolvido em cooperação com pesquisadores norte-americanos da Universidade de Miami, do Instituto de Ciências Marinhas da Virginia e do Centro de Ciência Pesqueira do Sudeste (NMFS/ NOAA4), envolve também uma pesquisa com anzóis circulares, cujos resultados preliminares apontam para um significativo aumento do rendimento pesqueiro e do tempo de vida pós-captura das espécies alvo da pesca, reduzindo, ao mesmo tempo, as capturas incidentais. O projeto Tubarões Oceânicos do Brasil, cujo início deverá ocorrer já no próximo mês de setembro, assemelha-se ao projeto dos agulhões, focando, contudo nas principais espécies de tubarão capturadas na pesca atuneira (tubarão-azul, estrangeiro, mako, raposa, e cachorro, além da raia roxa pelágica). Da mesma forma, também será conduzido em cooperação com pesquisadores norteamericanos da Universidade da Flórida, do Instituto de Ciências Marinhas da Virginia e do Centro de Ciência Pesqueira do Sudeste (NMFS/ NOAA). O Projeto ESCALAR, por sua vez, objetiva estudar o comportamento da albacora-laje, face à variabilidade do ambiente oceanográfico, no entorno do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, principalmente em relação à distribuição vertical da temperatura da água, prevendo-se, para a realização do mesmo, a utilização de telemetria acústica e marcas PSAT. Já o ECOBAN pretende aprofundar os conhecimentos técnicos e científicos sobre a pesca e biologia da albacora-bandolim, contribuindo para a exploração sustentável deste importante recurso 3 4 São marcas que, uma vez fixadas no peixe, passam a coletar dados a respeito da temperatura da água, profundidade, e posição geográfica. Após um período de tempo pré-programado, normalmente entre 1 e 6 meses, as mesmas se liberam automaticamente, vindo até a superfície, a partir de onde passam a transmitir todos os dados coletados durante o período em que permaneceu presa ao peixe, através do sistema de satélite ARGOS, para uma base em terra. NMFS- National Marine Fisheries Service/ NOAA- National Oceanic and Atmospheric Administration. 74 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] pesqueiro oceânico pela frota atuneira nacional, prevendo-se a realização de pesca experimental com espinhel profundo, com a utilização de hook timers5 e minilogs6, além de marcas PSAT. Cabe destacar, que uma grande dificuldade enfrentada no desenvolvimento das pesquisas aqui descritas tem sido a falta de uma embarcação de pesquisa pesqueira no País, capaz de realizar a pesca oceânica, de forma experimental, sendo urgente a superação de tal deficiência. A aquisição de um barco de pesquisa, com este fim poderia, atender igualmente, outras iniciativas de pesquisa marinha no Brasil, além do treinamento de alunos vocacionados para a pesca e pescadores profissionais. É importante ressaltar, neste tocante, o fato de existirem hoje no País 15 Cursos de Engenharia de Pesca, sem que nenhum deles possua uma embarcação capacitada a operar na área oceânica, a quase totalidade dos quais, aliás, não possuem é embarcação nenhuma. A embarcação aqui proposta poderia ser administrada por uma fundação, dotada da necessária flexibilidade administrativa, a qual atenderia às diversas demandas de pesquisa e treinamento apresentadas pelas Escolas Técnicas, Universidades e Institutos de Pesquisa no País. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, cabe destacar, também, que as aspirações brasileiras para o crescimento de sua pesca oceânica não se sustentarão se o país não demonstrar a sua capacidade de implementar e fazer cumprir as medidas de ordenamento e conservação adotadas pela ICCAT. Aspecto em relação ao qual ainda se faz necessário um considerável progresso, particularmente em relação à fiscalização da atividade. Por exemplo, nas capturas de agulhão-branco e negro, embora o descarte em alto mar seja obrigatório caso os exemplares capturados se encontrem ainda vivos no momento do embarque, além de sua comercialização se encontrar proibida, por meio da Instrução Normativa no 12, de 14 de julho de 2005, da SEAP- PR, não há praticamente qualquer controle do poder público sobre a efetiva implementação de tais medidas. Em parte, como conseqüência deste fato, as capturas de ambas espécies em 2005 voltaram a crescer significativamente. Tal situação precisa ser revista e retificada com a máxima urgência, para que o País possa, definitivamente, se credenciar a ser um dos mais importantes pescadores do Oceano Atlântico. Por outro lado o interesse de instituições científicas e empresas privadas, além das excepcionais condições climáticas e extensão de nossas costas, têm alavancado sobremaneira o interesse pelas pesquisas referentes à implementação da maricultura no Brasil. De forma que podemos prever, num futuro próximo, o substancial incremento da produção pesqueira brasileira por esta via.D 5 6 Dispositivos que permitem identificar a hora em que o peixe foi fisgado. Equipamento que, unido à linha secundária, registra continuamente a temperatura da água da mar. 75 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] MÉTODO PRIMITIVO DE TRANSPORTE DO CARANGUEJO-UÇÁ COMPROMETE SUSTENTABILIDADE DO ESTOQUE Raimundo Ivan MOTA ([email protected]) Gerência Regional do IBAMA no Ceará RESUMO O mais importantes recursos pesqueiros do delta do Rio Parnaíba, localizada ao norte dos Estados do Piauí e do Maranhão, é o caranguejo-uçá, (Ucides cordatus) que é o maior crustáceo encontrado nos manguezais brasileiros. Apresenta carne muito apreciada e é comercializado em grandes quantidades. Sua captura, realizada de forma artesanal, representa postos de trabalho para mais de 4.500 coletores da região, que, em sua maioria, têm nessa atividade a única fonte de renda. Embora esses trabalhadores do mar tenham renda média inferior a um salário mínimo, a atividade é de grande interesse sócioeconômico. Os caranguejos desta região são transportados e comercializados em quase todos os estados do Nordeste, especialmente nas capitais, onde há um grande fluxo turístico. As condições inadequadas de transporte desses animais tem trazido muitos desperdícios e ameaçado a sustentabilidade de seu estoque. PRODUÇÃO E TRANSPORTE Segundo dados do IBAMA, em 2005 a produção desembarcada alcançou 980 toneladas de caranguejos, o equivalente a cerca de 6.000.000 de indivíduos que foram comercializados para diversas cidades do Nordeste, com destaque para Fortaleza, no Estado do Ceará, como maior centro consumidor adquirindo 95% desta produção. Ocorre que destes seis milhões de caranguejos, cerca de três milhões foram descartados, jogados ao lixo, ou seja, 50% dos caranguejos coletados são descartados devido à mortalidade precoce no processo de transporte e comercialização (Figura 1). A causa desta mortalidade está relacionada a diversos fatores, tais como: manuseio incorreto dos animais durante a coleta, realizada dias antes da entrega para distribuição, quando se utiliza o “cambito”, instrumento que fere o animal; o manuseio Figura 1 – Caranguejos-uçá Ucides cordatus descartados por morte durante o transporte descuidado dos distribuidores, durante a acomodação no meio de transporte – os animais são 76 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] amarrados, empilhados e enlonados aos montes em caminhões e posteriormente transportados durante a noite aos centros consumidores. Com isso muitos animais perecem antes do abate para o consumo, não sendo aproveitados, e com isso leva os pescadores a extrair mais caranguejos do que o necessário para atender a demanda do mercado consumidor. A coleta dos caranguejos é feita manualmente por pescadores nos manguezais e transportados vivos, diariamente, através de embarcações motorizadas, à vela e a remo, até as vilas de pescadores (Figura 2). Figura 2 – Transporte de caranguejo-ucá no Delta do Parnaíba: amontoados para embarque em caminhões (à esquerda) e transportados em embarcações (a direita). O intermediário é que faz o transporte e a distribuição e a comercialização da mercadoria por sua conta e risco, sendo os caranguejos transportados para os grandes centros consumidores través de caminhões e caminhonetas. Os pontos de revenda nos grandes centros urbanos são localizados em feiras livres, dentro e fora dos mercados públicos, logradouros públicos, bares, restaurantes e em pontos isolados de comercialização de pescado. Toda a produção do caranguejo do Brasil é comercializada no mercado interno, sendo o estado do Ceará um dos principais compradores. O produto é vendido “vivo”, carne ou massa e a “patola” (quela). A pesca indiscriminada é outro problema na cata de caranguejo-uçá em vários locais do nordeste do Brasil, observando-se o uso de artes predatórias como a “redinha” no Rio Grande do Norte e a “ratoeira” no Ceará, Rio Grande do Norte e Alagoas. Outro aspecto preocupante é a captura realizada na época da migração reprodutiva (andada) quando, aumentam o número de pescadores na atividade, principalmente os pescadores “eventuais” que se dedicam a esta prática neste período, devido à facilidade de captura dos indivíduos. 77 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] REGULAMENTAÇÃO A regulamentação da pesca do caranguejo-uçá no Brasil foi estabelecida pelo IBAMA, a partir de 1989, visando proteger o estoque juvenil, proibindo a captura de indivíduos machos menores de 45 mm de comprimento da carapaça e o estoque desovante, não permitindo a pesca de fêmeas de qualquer tamanho. No ano de 1998 foi estabelecido o primeiro defeso da espécie nos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Em 1999 este órgão estabeleceu que na captura do caranguejo-uçá, somente seria permitida pelo método do “braceamento” (coleta manual), proibindo, assim o uso de aparelhos e arte de pesca na fase de captura. A partir do ano de 2003 o IBAMA proíbe a captura da fêmea, anualmente, somente no período de 1º de dezembro a 31 de maio no estado do Pará e região Nordeste e delega competência aos gerentes nestes estados para suspender a captura do caranguejo-uçá durante o fenômeno da migração reprodutiva (andada, carnaval). A situação dos estoques do caranguejo-uçá se apresenta com uma elevada taxa de explotação, em algumas regiões do nordeste, principalmente na região do Delta do Rio Parnaíba, nos estados do Maranhão e Piauí. Observamos também um aumento do esforço de pesca, mesmo assim, provavelmente a captura ainda não entrou no estágio de sobrepesca devido ao processo de coleta, com baixo índice de participação de fêmeas, em decorrência da proibição de sua pesca e do seu pequeno valor comercial, e da pequena proporção de indivíduos capturados com comprimento abaixo daquele correspondente à primeira maturidade sexual. PESQUISAS A Embrapa Meio-Norte, desde o início de 2002, vem priorizando a pesquisa aplicada à pesca e aqüicultura na região Nordeste, através de sua Unidade de Execução de Pesquisa, em Parnaíba. O Núcleo Integrado de Pesquisa em Aqüicultura e Meio Ambiente da UEP-Parnaíba vem promovendo ações articuladas com diversos parceiros, incluindo Instituições de Pesquisas e Desenvolvimento, Ensino e Extensão, IBAMA, SEBRAE, Banco do Nordeste, Prefeituras Municipais e Instituições de Fomento. Dentre dessas ações, em 2004 deu início ao Projeto de Sustentabilidade do Extrativismo do caranguejo-uçá no Estado do Piauí, destinado a encontrar formas de reduzir a mortalidade do animal durante o processo de transporte. Apesar do Projeto já ter conseguido identificar as causas das mortes dos caranguejos, e de ter desenvolvido alternativas que podem fazer cair as perdas para taxas de 0% a 5% durante todo o processo, a EMBRAPA, ainda, não apontou soluções factíveis para solução desse problema. 78 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, a principal preocupação com a sustentabilidade da atividade está relacionada com o ritmo de exploração, estrutura inadequada de transporte, aliado a degradação ambiental do ecossistema manguezal, constantemente agredido de várias formas, dentre as quais se destacam as seguintes: aterros motivados pela especulação imobiliária, desmatamento para o uso da madeira, com finalidades diversas, bem como para implantação de culturas de arroz, campos para pastagens; poluição de origem doméstica e industrial; ocupação por salinas e projetos de cultivo de camarão. É necessário um trabalho conjunto e articulados entre as instituições de pesquisa, legislação ambiental e de fomento visando a salvaguarda de tão importante recurso econômico e principalmente social do litoral do Delta do Parnaíba.D 79 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] II - ARTIGOS CIENTÍFICOS ÁREAS POTENCIAIS PARA A AQÜICULTURA SUSTENTÁVEL NA BACIA DO RIO ITAPECURU: BASES PARA O PLANEJAMENTO COM USO DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA Haroldo Gomes BARROSO ([email protected]) Curso de Engenharia de Pesca, Universidade Estadual do Maranhão Antônio de Pádua SOUSA Centro de Ciências Agrárias, Universidade Estadual de São Paulo RESUMO As áreas mais adequadas para o implemento de projetos aqüícolas sustentáveis, na bacia do rio Itapecuru, foram selecionadas a partir da sinergia de parâmetros que tornam a aqüicultura uma atividade capaz de gerar benefícios econômicos como: elevar o nível de inclusão social de grande parcela de seus habitantes; melhorar o grau de conforto a seus usuários; propiciar maior usufruto de mananciais de água integrantes da bacia; alertar para a importância dos estudos das bacias nacionais, visando o planejamento da aqüicultura responsável. O planejamento e execução deste trabalho foram motivados pela necessidade mundial de preservar o meio ambiente, em particular, os sistemas aquáticos. A bacia é composta por uma contingência de problemas que tiveram início em sua colonização, marcada pelo latifúndio e exploração inadequada de seus recursos naturais, apesar de sua grande importância ao Estado do Maranhão. Exibe um quadro de difícil diagnóstico em função da escassez de dados seguros para seu planejamento sustentável, principalmente das atividades produtivas que dependem do binômio água/uso da terra. A viabilidade desse trabalho ocorreu com a utilização da metodologia do Sistema de Informação Geográfica (SIG) que selecionou um total de 16.768,64 km² de áreas com declividades entre 0% e 3%, das quais 9.122 km² foram enquadradas segundo os atributos admitidos para escolha de áreas propícias para a instalação de projetos e programas de aqüicultura. 10% dessa área foram destinadas a atender modelos de gestão cujos efluentes produzidos na aqüicultura sejam utilizados pela agricultura perene ou temporária nos 90% das áreas eleitas por classes de ponderação da seguinte forma: 8,68 km² excelente; 351.82 km² muito boa; 48.62 km² boa; 122.83 km² regular; 237.59 km² ruim e 142.66 km² com restrições técnicas. Os estudos apontaram o baixo curso da bacia do rio Itapecuru como a área que reúne maiores chances para o desenvolvimento da aqüicultura sustentável. PALAVRAS-CHAVE: Bacia do rio Itapecuru, Aqüicultura sustentável, Sistema de Informação Geográfica 80 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ABSTRACT The adjusted areas more for implement it of sustainable aquatic programs, in the basin of the river Itapecuru, had been selected from the synergya of parameters that become the aquaculture an activity capable to generate economic benefits as: to raise the level of social inclusion of great parcel of its inhabitants; to improve the comfort degree its users, to propitiate greater fruition of water integrant sources of the basin; to alert for the importance of the studies of the national basins, aiming at the planning of the responsible aquaculture.The planning and execution of this work had been motivated by the world-wide necessity to preserve the environment, in particular, the aquatic systems. The basin is composed for a contingency of problems that had had beginning in settling, marked for the large state and inadequate exploration of natural resources, although its great importance to the State of the Maranhão. It shows a picture of difficult diagnosis in function of the scarcity of safe data for sustainable planning, mainly of the productive activities that depend on the use of the water and land.The viability of this work counted of the use of the methodology of the Geografic Information System (SIG) that km² of areas with declivities in the interval between 0% and 3% selected a total of 16.768,64, of which 9,122 km² had been fit according to attributes admitted for choice of propitious areas for the installation of projects and programs of aquaculture. 10% of this area had been destined to take care of management models whose effluent produced in the aquaculture they are used by perennial or temporary agriculture in 90% of the elect areas for classrooms of balance following the form: 8,68 km² excellent; 351.82 km² very good; 48.62 km² good; 122.83 km² to regulate; 237.59 km² bad and 142,66 km² with restrictions techniques. The studies had pointed the low course of the basin of the river Itapecuru as the area that congregates greaters possibilities for the development of the sustainable aquaculture. WORDS KEY: Basin of the river Itapecuru, sustainable aqüicultura, Geografic Information System. INTRODUÇÃO A produção de pescado mundial, em 2002, foi da ordem de 142 milhões de toneladas, sendo 96 milhões oriundos da captura e 45 milhões da aqüicultura. A produção da pesca extrativa encontra-se estagnada, tendo atingido seu limite sustentável de produção. Em contrapartida, a produção proveniente da aqüicultura vem ganhando importância na oferta total de pescados, com crescimento mundial médio de 7% ao ano, nos últimos cinco anos. Mesmo com essa expansão da produção aqüícola, projeta-se para o ano de 2010 um déficit de 25 milhões de t/ano de pescados, considerando-se uma expansão da demanda mundial compatível com o atual consumo per capita de 14 kg/ano(FAO, 2003). 81 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] O Brasil, apesar de deter um dos maiores aportes de variadas classes de água do mundo, produziu, em 2002, 985 mil toneladas de pescado e apresentou um consumo per capita de apenas 5,7 kg/ano, média muito inferior à mundial, (IBAMA, 2002). Aqüicultura é o processo de produção em cativeiro de organismos com habitat predominantemente aquático, em qualquer estágio de desenvolvimento, ou seja: ovos, larvas, pós-larvas, juvenis ou adultos. De acordo com a FAO, três fatores caracterizam essa atividade: o organismo produzido é aqüícola, existe um manejo visando a produção, e a criação tem um proprietário, isto é, não é um bem coletivo como são as populações exploradas pela pesca (RANA, 1997). A aqüicultura moderna está embasada em três pilares: a produção lucrativa, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento social. Os três componentes são essenciais e indispensáveis para que se possa ter uma atividade perene. A produção deve ser entendida como um processo amplo, que envolve toda a cadeia produtiva. A simples criação dos organismos não é suficiente para o estabelecimento da atividade, de forma lucrativa e permanente, como deve ser qualquer empresa. Todos os elementos da cadeia têm seu papel e qualquer elo fraco limitará o desenvolvimento da atividade de forma geral (VALENTI et al., 2000). O Estado do Maranhão, integrante da Amazônia Legal, ocupa no Nordeste uma posição privilegiada com relação ao seu potencial hídrico. Possui nove bacias hidrográficas formadas por rios perenes, complexos lacustres em planícies de inundação, inúmeras pequenas bacias em sua costa ocidental repleta de exuberantes manguezais; na costa oriental, lagoas temporárias e nas regiões de dunas formando os lençóis maranhenses (IBGE, 1998). O rio Itapecuru, escolhido para esse trabalho, por sua importância vital ao Estado do Maranhão, o mais extenso, e sua bacia de contribuição ocupa o segundo lugar em extensão no Estado. Divide-se fisiograficamente em três níveis (alto, médio e baixo curso), atravessa várias unidades litoestratificadas e diversas divisões geomorfológicas se caracterizando como um rio de planície. A bacia hidrográfica do rio Itapecuru encontra-se geologicamente localizada na porção oriental da plataforma Sul-Americana, na Província Estrutural do rio Parnaíba. Constitui-se de uma faixa de direção dominante Norte-Sul, formada por rochas, na maioria sedimentar, de bacia Introcratônica do rio Parnaíba e da bacia marginal de São Luís (ALMEIDA et al., 1997). O rio Itapecuru nasce nos contrafortes das serras da Crueira, do Itapecuru e do rio Alpercatas, a 500m de altitude, percorrendo 1.090 km, até sua desembocadura na baía do Arraial, ao sul da ilha de São Luís (IBGE, 1998). Limita-se a sul e ao leste pela bacia hidrográfica do rio Parnaíba, pela serra do Itapecuru, chapada do Azeitão entre outras pequenas elevações, a oeste e a sudeste com a bacia do rio Mearim e a nordeste com a bacia do rio Munim. A aqüicultura praticada na bacia do rio Itapecuru, apesar de empírica, é responsável por 40% do pescado consumido na região, onde se registrou 22 criadores, cultivando principalmente o tambaqui (Colossoma macropomum), tilápia (Oreochromis spp), carpa (Cyprinus carpio), curimatá (Prochilodus spp), bagre-africano 82 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] (Clarias gariepinus), camarão-gigante-da-malásia (Macrobrachium rosenbergii), camarão-marinho (Litopenaeus vannamei) e rã (Rana catesbeiana) (PEREIRA et al., 2000). O estado do Maranhão criou a Agência Estadual de Pesca e Aqüicultura em 2002, para se adequar ao modelo federal que criou a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República-SEAP/PR, objetivando o planejamento e ordenamento desse setor produtivo com representação regional e estadual, em fase de estruturação. A crescente expansão das atividades antrópicas sobre o meio ambiente tem gerado aumento expressivo da demanda por tecnologias de manejo ambiental (TROTTER, 1991). A necessidade de mapeamento, manejo e monitoramento dos recursos naturais renováveis e não renováveis tem resultado na evolução tecnológica dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG). Tais sistemas, utilizados inicialmente apenas no auxílio à elaboração de mapas, vêm sendo cada vez mais utilizados no auxílio de extração de informações e tomadas de decisões. Em um SIG a apresentação de dados tem papel relevante na extração de informações. Ela é usada para visualizar o problema, possibilitando observar, manipular e estudar os relacionamentos geográficos envolvidos, e também pode apresentar alternativas à solução do problema considerado (EGENHOFER, 1990). Tais técnicas têm avançado significativamente nesta última década e sua importância tem estabelecido papel relevante para o gerenciamento de recursos. A tecnologia do SIG emprega, na maioria de suas aplicações, um banco de dados para armazenagem e recuperação de informações, o qual pode também ser aproveitado para gerar outras formas de análises de dados e facilitar a tomada de decisões. As informações capazes de serem extraídas de um banco de dados dificilmente podem ser obtidas examinando-se apenas a parte gráfica dos dados, ou seja, mapas contidos no SIG. Informações complementares podem ser utilizadas por um SIG de modo a possibilitar novas formas de apresentação e análise de dados. Com a deficiência de informações citadas em Pereira et al. (2000) levantou-se a hipótese de que somente se disponibilizando de ferramentas científicas para o planejamento da aqüicultura sustentável, a bacia do Rio Itapecuru certamente experimentará o equilíbrio ecológico e sócio-econômico. Caso haja o incremento da aqüicultura sustentável na área em estudo, serão eliminados os desmatamentos ciliares; haverá um aumento na oferta de alimentos protéicos, da lâmina d’água, da evaporação e da umidade relativa do ar, da recarga dos mananciais; minimização dos riscos de queimadas; um crescente grau de conforto aos usuários e conseqüentemente um maior nível de inclusão social. Este trabalho objetivou determinar macro áreas propícias à prática da aqüicultura sustentável, sem egessar a produção de pescado na bacia do Rio Itapecuru, apontando modelos capazes de alavancar a atividade como a melhor alternativa na promoção do emprego e renda à maioria da população rural ribeirinha, promovendo uma socioeconômica equilibrada da área em estudo. 83 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] GEOMORFOLOGIA Os fatores como característicos da rede de drenagem, a compartimentação, as formas de relevo e a navegabilidade formaram um conjunto de critérios adotados pela SUDENE para dividir a bacia do rio Itapecuru em três níveis fisiográficos: alto curso, médio curso e baixo curso (BIZERRA, 1984). Os limites e características de cada trecho da bacia são: • Alto Itapecuru: Compreende toda a bacia de contribuição a montante da cidade de Colinas, onde recebe as águas de seu maior tributário, o rio Alpercatas, com predominância dos chapadões, chapadas e cuestas, relevo forte ondulado compondo as partes mais elevadas da bacia com as serras do Itapecuru, do Alpercatas, da Crueira e da Boa Vista. • Médio Itapecuru: Compreende o trecho entre os municípios de Colinas a Caxias, apresentando uma situação morfológica denominada testemunhos, onde predomina o relevo de chapadas baixas e uma superfície variando de suave ondulado a forte ondulada, com uma diferença de altitude de 60m. • Baixo Itapecuru: Compreende o trecho entre os municípios de Caxias até a foz, na baia do Arraial. Essa área possui uma geomorfologia caracterizada pela presença da superfície maranhense com testemunho e na sua foz pelo Golfão Maranhense, com um relevo de superfície suave ondulado, originário principalmente da Formação Itapecuru do Cretáceo. HIDROLOGIA Os rios da bacia do Itapecuru drenam os terrenos sedimentares da bacia do rio Parnaíba, composto principalmente pelas seqüências de arenitos, siltitos, folhelos e argilitos, onde a ocorrência de falhas e fraturas direcionam o curso dos mesmos. Devido a isto, as perspectivas no que dizem respeito às suas reservas em águas subterrâneas são relativamente promissoras. Os principais sistemas aqüíferos são as formações: Mutuca, Sambaíba, Corda e Itapecuru. Em conjunto, essas formações podem ser consideradas como um único sistema aqüífero livre, localmente com potências em carga nas áreas onde são sobrepostas por formações impermeáveis que são: Pedra de Fogo, Pastos Bons e Codó (IBGE, 1998; PETRI; FULFARO, 1988; TUCCI, 2001). A bacia hidrográfica do rio Itapecuru é falciforme, cuja concavidade está voltada em direção Oeste, para o vale do Mearim. É uma bacia irregular, estreita nas nascentes e na desembocadura, alargando-se na parte central, onde atinge aproximadamente 120 km. A rede de drenagem distribui-se em padrão geral aproximadamente paralelo no alto curso, embora uma tendência dentrítica se revele cada vez mais à medida que vai atingindo o baixo curso (IBGE, 1998). Corre no sentido Oeste-Leste das nascentes até o povoado de Várzea do Cerco, 25 km à montante da cidade de Mirador, tomando rumo norte ao deslocar-se sobre os chapadões do alto curso até receber seu maior depositário o Rio Alpercatas, que contribui com 2/3 de seu volume em sua desembocadura. Muda de direção para nordeste até receber o rio Corrente, mudando bruscamente sua direção para o sentido nordeste, tracejando um longo contorno, no município de Caxias. Apesar de 84 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] apresentar algumas inflexões, se mantém na mesma direção até sua desembocadura na baia do Arraial por dois braços, o Tucha como principal e o Mojó como secundário. Um problema que acomete a bacia do rio Itapecuru são os esgotos. O esgotamento, da maioria das cidades brasileiras, é feito a céu aberto e os resíduos normalmente são conduzidos a um corpo d’água que recebe o esgoto in natura. Uma grande metrópole tem um efeito poluidor das águas que pode ser detectado a centenas de quilômetros rio abaixo, comprometendo seu uso em outros povoamentos nas atividades humanas que dependam da água bruta. A poluição industrial também contribui com diversos tipos de poluentes orgânicos e inorgânicos que degradam a qualidade da água. Alguns possuem alta toxidade e periculosidade para os organismos aquáticos e para o consumo humano. Além deste, a agropecuária se constitui em mais um responsável pela degradação da bacia do rio Itapecuru, com grandes queimadas como conseqüência da pecuária e, principalmente, do extrativismo vegetal para a produção de madeira e, de significativa produção de carvão vegetal. ASPECTOS QUANTITATIVOS DA ÁGUA A disponibilidade de água no alto curso do rio Itapecuru até o deflúvio do rio Alpercatas é de 17,6m.s-1, em média, dado que limita o uso da água em grandes projetos hidroagrícolas, não significando sua vasta utilização em projetos sustentáveis, embora o acompanhamento técnico responsável se torna um requisito básico. A partir do município de Colinas, onde o aporte fluvial triplica a oferta de água já qualifica essa área para maiores demandas por parte de projetos de maiores proporções no uso de água. A oferta de água na bacia do rio Itapecuru para múltiplos usos apontou uma bacia de médio porte, que apesar da inexistência de um completo cadastramento do uso de suas águas não há indícios do comprometimento da oferta de água bruta para seus usuários, mesmo assim, faz-se necessário seu controle na perspectiva de sua preservação como bem público e de duração finita (IBGE, 1998). CLASSIFICAÇÃO CLIMÁTICA As combinações diversas dos processos atmosféricos produzem um grande número de tipos climáticos, o que se aplica à bacia do rio Itapecuru como área de transição de macroclimas da região Amazônica com alta umidade e da região Nordestina com baixa umidade. A classificação climática distribui em diferentes tipos climáticos a bacia do Itapecuru. O Clima predominante na bacia é o sub-úmido seco, seguido do sub-úmido e Úmido na interface com áreas marinhas de altas pluviosidades. Os maiores excessos pluviométricos ocorrem entre janeiro e maio (período chuvoso) e com maiores deficiências de julho a setembro (período seco). TEMPERATURA E UMIDADE RELATIVA DO AR A variação da temperatura na bacia do rio Itapecuru tem uma amplitude média muito pequena, não ultrapassando a 4°C, variando de 25°C a 28°C na maioria da referida bacia, sendo registradas médias de 27°C no 85 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] baixo Itapecuru e nos município de Caxias e Codó, registrando-se menores médias no alto curso do rio Itapecuru, com 25°C. Essa baixa temperatura está relacionada com a latitude e a altitude do local. A umidade relativa do ar na bacia do rio Itapecuru varia em média entre 70 a 82%, registrando-se maiores índices no litoral. O período de maior umidade é de janeiro a maio com médias de 85%, as áreas com menores índices são as mais próximas da bacia do rio Parnaíba. PRECIPITAÇÃO PLUVIOMÉTRICA É a variável climática que apresenta maior variabilidade, tanto espacial como temporal. Através do conhecimento da distribuição da precipitação pluviométrica, anual e mensal, pode-se ter noção do potencial hídrico disponível ao longo do ano na referida bacia. Essas informações são imprescindíveis para todos os setores da economia, principalmente para projetos hidroagrícolas. Os valores médios de distribuição demonstram uma diferença de amplitude média de precipitações na bacia do rio Itapecuru entre a mínima e máxima de 1600 mm (INSTITUTO DO HOMEM, 1992). USO E OCUPAÇÃO DA TERRA Segundo o Instituto do Homem (1992), um fato que tem agravado este problema é a má distribuição fundiária, ficando as terras mais férteis à disposição de grandes latifúndios, com explorações de monoculturas principalmente do arroz, como primeira cultura para em seguida serem transformados em pastos; conseqüentemente, os pequenos e médios produtores acabam sendo deslocados para áreas inadequadas, mais pobres, onde se dá um outro processo de devastação, seja pela exploração da madeira ou implantação de agricultura nômade. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E ÁREAS AFINS A maior reserva da bacia é o Parque Estadual do Mirador, com 500.000 ha nas nascentes e a formação dos primeiros córregos que constituem o curso principal, visa a proteção do ecossistema do alto curso do rio. As outras Áreas de Preservação Ambiental instituída na bacia são a do Upaon-Açu/Miritiba/Alto Preguiça (de acordo com o Código Florestal, CONAMA, Código de Águas, Código de Proteção do Meio Ambiente do Maranhão, Lei do Babaçu), que na verdade está contida na bacia do rio Itapecuru apenas nas proximidades de sua desembocadura, fronteiriça à bacia do rio Munim. Foram constatadas pelo Instituto do Homem (1992) agressões às matas ciliares, às bordas de chapadas e desmatamentos indiscriminados, inclusive em nascentes e babaçuais. Fatos do cotidiano na bacia do rio Itapecuru acentuam ainda mais com o uso indiscriminado de defensivos agrícolas, despejos urbanos e industriais em todo o seu curso (INSTITUTO DO HOMEM, 1992; IBGE, 1998). ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA POPULAÇÃO NA BACIA A população da bacia do rio Itapecuru é resultante da ocupação pelos primitivos indígenas, portugueses, africanos e franceses, passando por variados regimes como em todo Brasil, registrado em sua história como 86 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] palco de conflitos, a exemplo da guerra da Balaiada que teve seu maior foco de resistência no município de Caxias, no limite do alto e médio curso da Bacia em estudo. Outro marcante episódio foi marcado pela passagem da Coluna Prestes em dezembro de 1925 nos municípios de Colinas e Mirador, no alto curso do Itapecuru (IBGE, 1998). A consolidação da atual estrutura político-administrativa da bacia do rio Itapecuru se deu no século passado, nas décadas de 40 e 50, pela emancipação de grande número de municípios. A política implementada a partir de 1970, incentivando a instalação de grandes projetos agropecuários, aumentou a concentração de terra. Esse processo causou a desestruturação social e econômica de milhares de famílias, obrigadas a migrarem para as zonas urbanas ou outras regiões (IBGE, 1998). As práticas políticas na bacia do Itapecuru ainda são consideradas colonialistas pelos estudos do IBGE (1998), com imensos latifúndios improdutivos. Os agricultores, em sua maioria, são parceiros ou arrendatários refletindo no menor Índice de Desenvolvimento Humano-IDH da federação, segundo relatório da ONU/2003, (JORNAL NACIONAL, 2003). CONCEITOS SOBRE SUSTENTABILIDADE Segundo Sachs (1993), para que o desenvolvimento seja sustentável, é preciso que ele contemple pelo menos os pontos a seguir: • Atividade seja economicamente viável; • Socialmente justa, contribuindo para a redução das desigualdades e para a eliminação das injustiças; • Consideração ecológica, a perda da qualidade ambiental e a degradação dos ecossistemas, não sejam o preço a ser pago, comprometendo a perenidade da vida; • Imperativo da eqüidade espacial, ou a importância de se evitarem as concentrações ou aglomerações que, pela lógica das economias de escala, acabam resultando em deseconomias de qualidade de vida e em distribuição desigual das oportunidades; • Cultura: as características de cada grupo social devem ser preservadas frente à avassaladora tendência homogeneizadora dos padrões de produção e consumo, que viola e descaracteriza identidades; • Político-institucional, que na atual crise do Estado, em todo o mundo, cujas raízes têm características diferenciadas em cada país, mas que tem se manifestado na esfera das finanças públicas, tem fragilizado e deslegitimado o papel regulador do poder público, abrindo espaço para que a conjuntura de mercado prevaleça como regulador. CONCEITOS SOBRE SIG Um SIG é baseado em computador que permite capturar, modelar, manipular, recuperar, consultar, analisar, e apresentar dados geograficamente referenciados (CÂMARA NETO, 1995). A tecnologia do SIG pode trazer enormes benefícios devido à sua capacidade de manipular a informação georeferenciada de forma precisa, rápida e sofisticada (GOODCHILD et al., 1993). 87 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Na década de 80 do Século XX, o uso do SIG, tornou-se comum nas empresas, universidades e agências governamentais, e atualmente diversos profissionais o utilizam para as mais variadas aplicações. Essa diversidade de usos e aplicações fez surgir várias definições do SIG, tais como: • conjunto poderoso de ferramentas para coletar, armazenar, recuperar, transformar e visualizar dados sobre o mundo real (BURROUGH, 1987); • banco de dados indexados espacialmente, sobre o qual opera um conjunto de procedimentos para responder as consultas sobre entidades espaciais (SMITH et al., 1987); • sistema de suporte à decisão que integra dados referenciados espacialmente num ambiente de respostas a problemas (COWEN, 1988); • conjunto manual ou computacional de procedimentos utilizados para armazenar e manipular dados georeferenciados (ARONFF, 1989). Essas definições de SIG refletem, cada uma à sua maneira, a multiplicidade de usos e visões possíveis desta tecnologia e apontam para uma perspectiva interdisciplinar de sua utilização. Atualmente algumas de suas aplicações incluem temas como aqüicultura, agricultura, florestas, cartografia, geologia, cadastro urbano, rede de concessionárias (água, energia e telefone), dentre outras (STAR; ESTES, 1990). MATERIAL E MÉTODOS A bacia hidrográfica do rio Itapecuru situa-se na parte centro-leste do Estado do Maranhão, entre as coordenadas de 21°51’ a 06°56’ de Latitude S e 43°02’ a 45°58’ de Longitude W, Abrange uma área 54.300 km², que corresponde a 16,7% da área do Estado (IBGE, 1998). A pesquisa teve duas etapas distintas: (1) avaliação do potencial para o desenvolvimento do projeto; (2) coleta dos dados de campo. ORDENAMENTO METODOLÓGICO A abordagem metodológica para realização de estudos em bacias hidrográficas, propostas por Pires e Santos (1995), definem o planejamento ambiental como um processo de planificação que busca soluções para os problemas e as necessidades humanas, visando metas e objetivos: maximização da qualidade ambiental, produção sustentada com o desenvolvimento e aproveitamento dos recursos naturais dentro dos limites da capacidade de suporte ambiental e da minimização dos riscos a impactos ambientais. As bases para elaboração de um projeto integrado de manejo de bacias hidrográficas (ARÉVALOS, 1998), são as seguintes: • Unificação de métodos e de planejamento de propostas de ação e de investigação, originadas a partir dos problemas e limitações da região; • Confecção de mapas geoecológicos e; • Planejamento e zoneamento ambientais. 88 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Segundo Ballester et al., (1995), para o manejo de um complexo ambiental é necessário um conhecimento detalhado das variações espaços-temporais dos fatores naturais e antrópicos que atuam sobre o mesmo. A união de tais dimensões, permitindo o processamento simultâneo de dados, dessa forma, tem sido possibilitada pelos SIG, definidos como tecnologias para investigação dos fenômenos ambientais que combinam os avanços tecnológicos da cartografia e banco de dados automatizados, o sensoriamento remoto e a modelagem. As informações de caráter sinergético resultantes do emprego dessas ferramentas têm auxiliado na formulação de propostas de manejo. O SIG foi a principal ferramenta utilizada para análise espacial das informações geradas para esse trabalho, por ser um sistema de coleta, armazenamento, checagem, manipulação, análise e disponibilização de informações espaciais indexadas, sobre as quais várias perguntas podem ser interpretadas, respondidas e visualizadas, através de cruzamentos de informações criando uma imagem final. Dessa forma, foram utilizadas imagens geradas pelo IBGE (1998), na Escala de 1:250.000 e 1:180.000, geoprocessadas posteriormente com agregação de novos dados bibliográficos, 360 entrevistas utilizando formulários semi-estruturados, nas cidades de: Sucupira do Norte, Mirador, Colinas, Caxias, Codó, Timbiras, Coroatá, Cantanhêde, Itapecuru Mirim, Santa Rita, Bacabeira e Rosário; doze expedições para avaliação de impactos ambientais, quatro para investigação dos parâmetros físicos e químicos da água do rio Itapecuru e três seminários sobre o aproveitamento de ecossistemas fluviais sustentáveis. Os parâmetros físicos medidos de maior importância para a aqüicultura foram a transparência e a temperatura, medidos com disco de Sechi e termômetro digital YSI do kit F1003. Utilizando-se o kit F1003, foram feitas medições diretas dos principais parâmetros exigidos para o bom desempenho da aqüicultura (O2, CO2, pH, Condutividade elétrica, Nitrato, Nitrito, Amônia, Alcalinidade, Fósforo e Silicato), na superfície, meio e fundo, a montante e jusante de oito municípios ribeirinhos (Mirador, Colinas, Caxias, Codó, Coroatá, Itapecuru Mirim, Cantanhêde e Rosário). A Alcalinidade foi obtida por titulação de acordo com o método descrito por (MACHERETH et al., 1978). Para determinação dos nutrientes, amostras brutas e filtradas foram congeladas a -20ºC e, posteriormente analisadas para fósforo total (VALDERRAMA, 1981), nitrato, nitrato e amônia (KOROLEFF, 1976), fósforo inorgânico dissolvido, silicatos e cloretos (GOLDERMAN et al., 1978). O fator solo ao ser relacionado a aqüicultura se subentende como um conjunto de fatores que interfiram nos sistemas de cultivo, proporções de áreas a serem utilizadas continuamente e economia do empreendimento, para em seguida adequar-se às questões legais, técnicas globais e localizadas. No advento da modernidade hoje, a tipologia de solo está mais intimamente dependente do sistema de cultivo, economia do projeto e espécie a ser cultivada, não deixando de prevalecer os fatores ecológicos que são limitantes e determinantes para a seleção de espécies a serem cultivadas (ONO; KUBITZA, 2002). As áreas foram selecionadas a partir de cruzamentos e manipulação de dados (Figura 1), seguindo a metodologia do SIG, com ponderação dos diversos parâmetros correlacionados à atividade da aqüicultura, com 89 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] delimitação de áreas propícias com declividade variando de 0 a 3% e que ofereça menor risco para empreendedores e meio ambiente. As áreas selecionadas em toda a bacia são prestáveis para a piscicultura, ranicultura e carcinicultura de água doce até o município de Rosário no baixo curso do rio Itapecuru. Poderão também ser realizadas atividades de malacocultura e carcinicultura de águas salinas no baixo curso do referido rio, segundo o somatório das pontuações enquadradas nas diversas categorias (ASSADA; SANO, 1998; HARA, 1997; NISHIYAMA, 1998; SAITO et al., 1998). Mapa de Declividade Mapa de Drenagem Mapa de Geologia Mapa de Geomorfologia Mapa de Infra-estrutura Mapa de Solo Mapa de Climático Mapa Final Figura 1 - Ilustração da metodologia de montagem do mapa final utilizando o SIG RESULTADOS E DISCUSSÃO CARATERIZAÇÃO DA AQÜICULTURA NA BACIA DO RIO ITAPECURU Apesar de constituir um ambiente de grande importância para a aqüicultura, a bacia do rio Itapecuru não dispõe de assistência técnica sistêmica a exemplo do Estado, o que compromete seu desenvolvimento. Constitui como ação concreta apenas a programação propiciada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com minicursos para produtores, que na verdade não satisfazem as necessidades do público com verdadeiro potencial, pelos processos seletivo e metodológico efetuados. 90 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A área em estudo não dispõe de um conjunto de dados capazes de propiciar elementos para um planejamento adequado, constituindo-se esse trabalho no primeiro material com tal finalidade. O Estado do Maranhão dispõe de menos de dez especialistas na área de aqüicultura com nível superior, seis com pós-graduação Lato Sensu, dois Mestres e um Doutorando, aspecto que demonstra a distância entre potencialidade, produção e assistência técnica. Na Bacia do rio Itapecuru só existem três desses profissionais, todos os produtores na área da piscicultura, atividade mantida com recursos próprios com total ausência do Estado, que não esboça nenhuma vontade política em mantê-los atualizados, ao contrário, mantém políticas que pulverizam o setor com generalidades sem nenhuma projeção a curto, médio e longo prazo, ofuscando toda a teia produtiva potencial, do profissional ao consumidor. REGULARIDADE E QUALIDADE NA OFERTA DE ALEVINOS Na bacia do rio Itapecuru a oferta de alevinos é muito escassa e irregular, contabilizando-se apenas um produtor com oferta mais regular durante oito meses por ano, mesmo assim não atende à demanda do mercado que não se constitui apenas de produtores da Bacia em estudo e sim a todas as áreas vizinhas. Não é privilégio do Estado do Maranhão a oferta de alevinos de baixa qualidade genética, principalmente do tambaqui (Colossoma macropomum) que ainda permanecem como reprodutores os remanescentes de cruzamentos dos espécimes selvagens introduzidos no Nordeste em 1976 pelo DNOCS, que concretizou sua primeira propagação artificial e distribuição dos alevinos para demais entidades e estações de piscicultura no ano seguinte, perdurando até nossos dias como banco genético, promovendo grande degradação consangüínea. No que se refere à bacia do rio Itapecuru, os alevinos cultivados nessa área, são na maioria, importados de grandes distâncias, de outros estados, causando um grande estresse e alta taxa de mortalidade, baixo índice de rendimento final, fatos que desestimulam o produtor. A oferta de alevinos além de precária é de alto custo e não atende a nenhum preceito de qualidade, controle sanitário e profilático, deixando toda a bacia susceptível a contaminação por parasitos e bactérias exóticas que podem causar grandes danos ao meio ambiente da área em estudo. Os projetos de aqüicultura existentes na bacia do rio Itapecuru, não têm nenhum preceito de sustentabilidade, com exceção do Centro de Piscicultura de Mirador, hoje desativado, onde a inobservância da legislação pertinente é nítida em cada direção, predominando uma conceituação neoliberal, mesmo inconsciente, deixando-se de lado a sustentabilidade social pela visão do maior lucro mesmo que os danos ao próximo e ao meio ambiente sejam imensuráveis (ARANA, 1999). Na atual conjuntura com ares de modernização da aqüicultura mundial, aqui no Brasil já se dispõe de tecnologias capazes de relegar certos preceitos que visem à escolha de áreas para instalação de projetos de aqüicultura a depender de seu sistema como: Tanque-rede, raceway e gaiolas. Mesmo para um sistema convencional de cultivo já se dispõem de tecnologias de impermeabilização de viveiros com mantas plásticas, controles de temperaturas, estufas, entre outros modernos sistemas de aproveitamento de qualquer área, desde que haja uma prévia relação de custo/ benefício (ONO; KUBITZA, 2002). 91 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] É com esse contexto que a visualização da real potencialidade da bacia do rio Itapecuru para a aqüicultura, onde os avanços tecnológicos quebram barreiras no dia a dia, e transformam áreas imprestáveis a verdadeiros celeiros produtivos. Isso significa que se utilizando o princípio da imaginação e do bom senso; haverá um grande avanço nas ações tomadas em direção ao desenvolvimento sócio-econômico da bacia do rio Itapecuru. É com essa notoriedade que discutimos um total de áreas com maiores chances de sucesso sem que o meio ambiente seja exatamente o coletor de todas as formas impactantes, causando malefícios a curto, médio e longo prazo. OFERTA DE RAÇÃO E DE MATÉRIA-PRIMA Com o eventual aquecimento do setor aqüícola mundial, essa prática tem crescido bastante, chegando figurar como a principal responsável pela oferta de pescado na bacia do rio Itapecuru. Constatado um grande número de pequenos piscicultores, que lastreia a Bacia de forma empírica, socialmente desordenada, impossibilitando seu levantamento estatístico, principalmente com relação à oferta e consumo de ração, porém a oferta de matéria prima para fabricação é muito competitiva e abundante, por conter em sua Bacia e entorno, grandes produtores de grãos (comodities) utilizáveis na fabricação de ração, proporcionando menores custos ao produto final na região, fato que tem despertado interesse desses produtores, já operando uma pequena fábrica de ração extrusada (250 kg. h-1) no município de Balsas, hoje em ampliação, e uma peletizadora (200 kg.h-1) no município de Colinas. A maioria da ração consumida na bacia é proveniente de estados vizinhos, principalmente a extrusada, porém a fabricação artesanal sem balanceamento adequado e acompanhamento sistêmico é quase totalidade, fato que concorre para baixas produtividades. DEMANDA DE PESCADO O consumo de pescado no Maranhão tem destaque no litoral, na baixada ocidental maranhense e nas áreas ribeirinhas aos grandes lagos. Na bacia do rio Itapecuru de modo geral, não há hábito de consumo de produtos pesqueiros no cotidiano, lentamente este hábito vem mudando, em função da freqüência de oferta de produtos advindos da piscicultura regional, uma vez que os rios da bacia não disponibilizam estoques naturais de pescado em quantidade para atender a atual demanda, até pelos problemas ecológicos que se agravam a cada ano, diminuindo a vida nos ambientes naturais. QUALIDADE DOS PRODUTOS Na década de 80 do Século XX, o Governo Federal construiu um grande entreposto de pesca no Estado, no complexo do Itaqui, chegando a funcionar por seis meses e fechou, deixando para trás toda uma perspectiva de desenvolvimento do setor naquele momento. As investidas do Estado, no sentido de alavancar o setor pesqueiro ainda não aconteceram. Conta-se com pequenas instalações da iniciativa privada ao longo do litoral e nas áreas de maiores concentrações de 92 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] pescadores, porém os aqüicultures não dispõem de estruturas de refrigeração para agregar benefícios ao pescado produzido, obrigando-os a comercializá-los inteiro “in natura”, fresco, resfriado ou eviscerado resfriado. O pescado congelado, conduzido, de outras áreas, para as feiras dos centros urbanos, não oferece nenhuma segurança de sua sanidade ao consumidor, normalmente são submetidos ao congelamento por processos inadequados e após o rigor mortis, promovendo a condução de uma grande carga bacteriana ocasionando uma baixa qualidade no pescado. ESPÉCIES CULTIVADAS As principais espécies cultivadas na bacia do rio Itapecuru são: o tambaqui (Colossoma macropomum), tilápia (Oreochromis sp.), curimatá (Prochilodus sp.) e carpa-comum (Cyprinus carpio), com grande destaque ao primeiro, que além de reunir maiores vantagens em sua oferta de alevinos já faz parte da culinária da região. O diagnóstico da aqüicultura na bacia do rio Itapecuru revela sua insipiência na produção dos diversos organismos aquáticos, seja pela pequena extensão utilizada ou pelo pequeno grau tecnológico empregado, de certo é que na mesma proporção se mantém com relação ao meio ambiente, não sendo ainda apontada como uma atividade que venha a comprometer a vitalidade equilibrada na referida bacia. Contudo propõe-se a indicação de modelos a serem investigados e aplicados como padrão de uso nas bacias hidrográficas brasileiras como forma de anteceder a ações poluidoras provenientes da aqüicultura. De modo que para a bacia em estudada, precisa adotar modelos capazes de manter a sustentabilidade das áreas potencialmente selecionadas, tais como: “Sistemas de cultivo em viveiros escavados”, são viveiros instalados através de operações de escavação corte e aterro. Essa operação é uma sincronização de máquinas e instrumentos, são facilitados e adequados economicamente, segundo a declividade, tipo de solo e cobertura vegetal. Proponho para esse modelo, a inclusão da agricultura irrigada, como reciclador de efluentes, composto por micro e macro nutrientes e cobertura verde proveniente de grande quantidade de microalgas potencializadas no cultivo de organismos aquáticos não filtradores, o que os tornam indispensáveis ao aproveitamento na agricultura, devolvendo o corpo líquido à natureza por infiltração ou evaporação sem nenhum dado aos sistemas aquáticos, ao contrário, passa pela produção, seja fruticultura ou para outras cultivares, como arroz, feijão, milho, cebola, minimizando seus custos com insumos e devolvendo a água com qualidade ao meio ambiente. Com a concepção dessa proposta de modelo de gestão integrada da aqüicultura com a agricultura irrigada, se demonstra uma gama de vantagens para o caso da bacia do rio Itapecuru como: a) Propiciar maior permanência da água na bacia promovendo sua movimentação em maior volume, em todo seu ciclo, seja aumentando sua superfície de contato com a atmosfera e solo, obviamente a quantidade de vapor d’água aumentará consubstancialmente bem como as recargas dos mananciais superficiais e freáticos; b)Aumentar a Umidade Relativa do Ar da região melhorando o grau de conforto das populações, bem como contribuir para minimizar as chances de incêndios na região, sobretudo nas margens ciliares e áreas adjacentes a projetos, onde a vegetação permanecer verde pelo ciclo vivo de água e nutrientes dispensados; 93 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] c) Retorno constante da água a seu curso d’água anterior, filtrada naturalmente pelo sistema planta, solo, evaporação e evapotranspiração; d)Favorecer o crescimento da fauna ciliar, animais que dependam da margem ciliar para sua sobrevivência e interação naquele nicho ecológico, habitat misto entre vegetação água, abrigo e oferta de alimento natural. e) Minimizar o processo de assoreamento através da interposição de projetos de aqüicultura consorciados a agricultura irrigada, utilizando os efluentes como base para a adubação agrícola e forma de filtragem e devolução de água pura aos mananciais superficiais e freáticos. A proposta que utiliza a agricultura irrigada, em substituição à lagoa de depuração, canais, viveiro de fundo rebaixado, onde os efluentes ficam depositados pode acumular problemas ao aquicultor, ao invés de lucros com sua utilização econômica sustentável. REFLEXOS DAS ATIVIDADES ANTRÓPICAS Durante expedições, constatou-se que o rastro de devastação tem se agravado, principalmente com a demasiada quantia de carvoarias clandestinas e criminosas que têm atingido grandes proporções, capazes de manter as guseiras em pleno funcionamento, sem nenhum programa de reflorestamento promovendo um crescente número de aluviões. Nas terras do alto curso encontram-se as maiores carvoarias do Estado, nas adjacências do Parque Estadual do Mirador, acentuando-se no município de Colinas até o município de Caxias, onde o misto de chapadões e cerrado está cedendo lugar às voçorocas e desertos de areias quartzosas, que facilmente são conduzidas aos córregos e ao curso principal do rio Itapecuru, promovendo assoreamentos de grandes proporções, transformando seu curso navegável em armadilhas para a prática da navegação (IBGE, 1998). Todo o curso do rio Itapecuru e seus afluentes, alguns como o Balseiro e o Itapecuruzinho, já agonizam com seus regimes modificados, só se mantendo com deflúvio no período chuvoso. Observou-se também que muitas áreas que outrora serviram como criadouros naturais (lagos naturais), encontram-se assoreadas e invadidas pela cultura de forrageiras para bovinos ou agricultura, penalizando todo um ecossistema aquático conjuntamente à sócio-economia da área em discussão. Baseados nos conceitos de sustentabilidade chamam a atenção em especial para o processo devastador e inconseqüente que o desmatamento vem submetendo a bacia do rio Itapecuru, tanto para fins de expansão de suas fronteiras agropecuárias como na produção de carvão vegetal, e deixando sua marca desoladora, principalmente por se tratar de áreas de grande fragilidade como o cerrado onde nasce o rio Itapecuru e alguns afluentes outrora perenes (IBGE, 1998). Todo esse rol de evidências é preocupante, com relação ao comprometimento da qualidade e/ou escassez completa da água na bacia do rio Itapecuru que pelos aspectos geológicos e antrópicos. No último século, onde no início definia-se que os oceanos e outros recursos naturais eram inesgotáveis, em suas últimas décadas as autoridades científicas, técnicos, organizações governamentais e não governamentais, visualizaram um outro cenário onde se constatou o contrário, daí a grande preocupação com o futuro do planeta. As preocupações com os dias futuros tomaram direção rumo à preservação, deixando o 94 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] homem de ser apenas um extrativista poluidor e transformando-se em extrativista conservacionista e produtor conservador, muito menos poluidor (AGENDA 21, 2000). No decorrer dos anos a legislação tem avançado no sentido de conscientizar e cobrar a aplicabilidade da mesma, coibindo abusos contra agressões à natureza. Segundo documento elaborado em 1987, Nosso Futuro Comum, pela Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, a pesca e a aqüicultura são atividades consideradas estratégicas para a segurança alimentar sustentável do planeta, pois estas são capazes de fornecer proteínas e gerar empregos, (AGENDA 21, 2000). Constitui-se em fato inusitado a apropriação de áreas de hidroelétricas, cercados pelos antigos proprietários, já indenizados, proibindo o acesso a usuários da água dos cursos públicos e o dessedentamento de animais, fato público sem que as autoridades tomem providências. O planejamento de ações econômicas tem âncora nos adventos ecológicos para que possam ter sustentabilidade. A aqüicultura é uma prática produtiva dependente do meio ambiente, portanto é uma atividade que requer sustentabilidade em todas as etapas e fases de sua gestão, deixando de lado a retórica compartilhada, tanto pelos setores envolvidos na dilapidação dos recursos naturais para a produção quanto por aqueles envolvidos nos atuais sistemas de conservação e gestão ambiental (AGENDA 21, 2000; ESTEVES, 1998; CUNHA e GUERRA, 1996; TUCCI, 2001). SOLOS DAS ÁREAS SELECIONADAS COM DECLIVIDADE DE 0 A 3% O processo metodológico utilizando-se o SIG, como ferramenta para seleção de áreas com declividades nos intervalos 0 a 3%, classes de solos predominantes, suas características físicas e químicas, já promove uma definição segura das áreas como se verifica nas descrições de Prado (2003), IBGE (1992); e o novo Sistema Brasileiro de Classificação de Solos serviu de base para a seleção de áreas com declividade de 0 a 3%. PONDERAÇÃO DE CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO DE ÁREAS PROPÍCIAS À AQÜICULTURA O diagnóstico avaliou por meio do SIG, as áreas potenciais para o aproveitamento no cultivo de organismos aquáticos, apontadas as vocações e os principais entraves para o desenvolvimento das atividades aquícolas na bacia do rio Itapecuru. A disponibilidade de áreas propícias para instalação de projetos de aqüicultura inseridas na bacia do rio Itapecuru é muito grande, extraídas do cruzamento de mapas geoprocessados que contemplou os seguintes itens: a) Uso e ocupação da terra, visualizado pela ponderação de classe de uso como agropecuária explorada ou não. Nesse item foi visualizada toda a extensão com variações de declividade de 0-3%, cujo critério para seleção de áreas para instalação de projetos é recomendado o intervalo de declividade que varia de 0 até 5%, pressupondose que quanto maior a amplitude de variação de declividade maior o custo e mais limitação quanto à extensão dos viveiros e adequação do layout de instalação, (BITTENCOURT; TORRES, 1983; PROENÇA; BITTENCOURT, 1994; ONO; KUBITZA, 2002; WOYNAROVICH; HÓRVAT, 1983). Nas classes selecionadas nessa área topográfica estão inseridas as áreas com restrições legais que são: 95 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] a) APP - Áreas de Preservação Permanente, constituídas por margens ciliares até 100m, nascentes e áreas inundáveis anualmente (lagos marginais); APA-Áreas de Preservação Ambiental, constituídas pelo Parque Estadual do Mirador no alto curso do Rio Itapecuru e do Upaon-Açu/ Miritiba/ Alto Preguiças; Reserva Indígena Kanela na área mais alta da margem direita do rio Alpercatas; Ferrovias, Rodovias, Linhas de Transmissão e Áreas restritas (urbanas, entorno dos centros urbanos até 10 Km, praias, restingas e manguezais). b) Ponderação da disponibilidade de água enquadrada pela resolução CONAMA nº 20/86 (II-1, III-2, VI-5 e VIII-7) quanto à oferta e distância da fonte abastecedora à área do projeto. Nesse estudo foram considerados os intervalos com valores úteis a partir de 100m, isso devido à restrição de uso da APP como área de produção só permitindo sua avaliação para investimentos na aqüicultura as áreas após os 100m da margem de áreas amparadas pela legislação. Nas referências bibliográficas realizadas não se constatou a demanda e uso real da água na aqüicultura, no Brasil, ferramenta indispensável para o planejamento da atividade, principalmente no tocante ao cultivo sustentável, onde a fonte explorada possa ser utilizada sem que a quantidade e qualidade sejam comprometidas, principalmente por sua utilização pelas civilizações futuras. A utilização da água doce no Brasil, onde a aqüicultura fica subentendida como uso agrícola, que para qualquer atividade com chances de visualização de ascensão não deve passar despercebida ou a atividade é insignificante para constar na estatística ou é tão desordenada que não consta como atividade econômica dependente dos recursos hídricos. A composição econômica de projetos passa pelo abastecimento e drenagem, ou seja, pela circulação diária de volumes determinados pelo sistema de cultivo, portanto as categorias de distância do recurso hídrico ou fonte de abastecimento é de fundamental importância no seu custo final no transporte de água ao destino (ONO; e KUBITZA, 2002; PROENÇA; BITTENCOURT, 1994). • A infra-estrutura constitui um conjunto de classes que envolvem bens físicos como: acesso, oferta de energia elétrica, existência de apoio e centros consumidores com suas respectivas demandas. Esse item é superlativo para a instalação de projetos econômicos, principalmente de aqüicultura que exigem essas condições para seu funcionamento sustentável, assim determinando o local e seu dimensionamento pautado segundo o mercado. Ao analisar-se esse item detalhadamente, fica implícito que ao se tratar do conjunto de itens que compõem a infra-estrutura de uma localidade, precisa-se lançar mão de outros dados, que para esse diagnóstico não foram considerados essenciais como: linhas de crédito, instituições financiadoras, bens sociais, infraestrutura de comercialização nos centros comerciais e segurança para operacionalizar o empreendimento. A assistência técnica é uma ferramenta a qual o produtor não deve considerar apenas nos momentos de instalação do projeto, porque a aplicabilidade de tecnologias no andamento do projeto são tão indispensáveis quanto o layout de instalação, constituindo-se de etapas distintas, mas interdependentes (HUET, 1983). • Aspecto climático, composto por um conjunto de eventos ecológicos que permitem uma visualização de oferta de água num determinado ciclo, assim prever sua oferta máxima e escassez. Desses aspectos o de maior significado para a aqüicultura é a temperatura, que além de determinar o metabolismo da grande maioria dos 96 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] organismos utilizados no cultivo, seleciona espécies por região e estabelece formas de manejo diferenciado para cada faixa de oscilação (HUET, 1983; KUBITZA, 2000; ONO; KUBITZA, 2002). SELEÇÃO DE ÁREAS COM DECLIVIDADE DE 0 A 3% ATÉ 10 KM DOS MANANCIAIS Nessa ponderação de classe de solo quanto à tipologia e adequação para sua utilização na aqüicultura foram classificadas 9.121,93 km², no mapa final (Figura 2), com os seguintes conceitos: Excelente, classe de solo com um índice de argila elevado, o Gleissolo cotem teores de argila de alta a muito alta, somou 86,8 Km² de área, requer moderação pela assistência técnica na seleção do local inserido nessa classe de solo para evitar instalação de projetos em áreas com teores de argila muito elevados; • Muito bom, constituídos por solos de boa capacidade de compactação e retenção de água. É uma área composta por declividade suave aparecendo elevações fora da declividade em estudo, não figurando no mapa por serem pequenas em relação à escala usada, exigindo estudos detalhados para seleção final de áreas para instalação de projetos, essa classe totaliza 3.518,20 Km²; • Bom, constituída por solos de classe média a argilosa, apresentando longos trechos com declividade suave e suporta ótima compactação, totaliza 486,13 Km²; • Regular, área com restrição de solo quanto textura grossa e alta porosidade, exigindo uma acurada análise técnica localizada para determinação de áreas propícias a instalação de projetos de aqüicultura, totaliza 1.228,30 Km²; • Ruim, constituem as áreas com muitas restrições técnicas, apesar de poder ser utilizada na aqüicultura, sob análise criteriosa encontram-se áreas de deposição, planas e argilosas, com elevados níveis de saturação de água, mede 2.375,90 Km²; • Com limitações técnicas, são áreas contínuas constituídas por variadas declividades, onde se encontram grandes áreas com solos impermeáveis e de topografia favorável e suportam compactação, muito bom para instalação de projetos de aqüicultura, mede 1.426,6 Km²; • Inapta, Constituídas por areias quartzosas, muito permeáveis e não permitem compactação, medem 333,21 Km². Apesar da conceituação mais clássica da aqüicultura convencional, há de se convir que nos dias atuais a tipologia de solos não é fator limitante para a instalação de projetos de aqüicultura, o que limita nesse caso é sua economicidade. No entanto, da área selecionada, prognosticou-se que a atividade aqüícola atingirá um ótimo grau de desenvolvimento sustentável com a utilização de 10% desse total. 97 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 2 – Mapa da bacia do Rio Itapecuru, com demarcação das áreas para a aqüicultura. 98 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] PERSPECTIVAS DA ATIVIDADE Com o incremento da aqüicultura sustentada na bacia do rio Itapecuru, serão eliminados os desmatamentos ciliares, haverá um aumento na oferta de alimentos protéicos, aumento da lâmina d’água e maior exposição para evaporação acrescendo a umidade relativa do ar, mantendo recargas constantes dos mananciais, minimização dos riscos de queimadas, e um maior nível de inclusão social. Muito há de ser conquistado para que a sociedade da bacia do rio Itapecuru possa ter dignidade e respeito na distribuição de bens e direitos, na ocupação humanitária e uso da terra, à exploração racional e democrática de seus recursos naturais, imputados pelo autoritarismo de sua colonização até hoje. O cruzamento dos mapas temáticos da área, mostrados no mapa final, demonstraram uma complexidade exacerbada de ações em toda a bacia hidrográfica, composta por itens satisfatórios aos requisitos básicos para o implemento da aqüicultura, mas com dispersões relevantes, dessa forma as áreas do alto curso são pequenas não figurando na escala gráfica admitida nesse trabalho. No médio curso do rio Itapecuru, existem muitas restrições técnicas principalmente na convergência de várias outras ações promotoras da elevação do custo de produção como (infra-estrutura, assistência técnica e insumos básicos para a aqüicultura), tornando proibitiva a implementação de uma aqüicultura que não seja a extensiva ou semi-intensiva. No baixo curso, as áreas oferecem melhores chances para o sucesso econômico de empreendimentos com menor custo de produção pela sinergia de ações que promovem o desenvolvimento da atividade com sustentabilidade. A bacia do rio Itapecuru oferece em toda sua extensão uma imensa área com especial vocação para o aproveitamento hidroagrícola, onde a aqüicultura é uma atividade que comporta oportunidades de emprego e renda, aliada à grande necessidade de oferta de proteína para o combate da desnutrição e oportunizar essa sociedade ao convívio igualitário aos que sobrevivem com dignidade. A aqüicultura familiar e a associativa são as formas a serem implementada com maiores chances de sustentabilidade na bacia do rio Itapecuru, pelo fato de reunirem excluídos em torno de uma atividade capaz de reparar parcela dos danos causados a eles, com o norteamento de políticas capazes de sintonizar ações sinergéticas da atual realidade da sociedade que nela habita, respeitando a legislação pertinente; aglutinando chances de atenção pelos programas sociais nos diversos níveis, por fim favorecer a eqüidade espacial, cultural e, sobretudo acessar essa categoria ao patamar mínimo de justiça social. Com a instalação de projetos em 10% da área selecionada para aqüicultura, haverá uma produção e oferta de pescado na ordem de 273.660 t/ano projetando-se uma produção de 3 t.ha/ano. É de fundamental importância para a vitalidade da bacia do rio Itapecuru a criação de uma reserva ecológica em toda a bacia do rio Alpercatas pela sua representação do seu aporte fluvial, fragilidade dos solos e facilidade de implementação de um plano de manejo adequado para sua preservação total ou parcial. Se constitui em prioridade para a preservação da água na bacia do rio Itapecuru, a efetivação de um programa de construção de barragens pelo governo do Estado do Maranhão, em toda a bacia, respeitado a legislação vigente e as peculiaridades locais, aproveitando todas as rodovias como forma de contenção, rios e 99 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] riachos de forma a facilitar o acesso da água à aqüicultura, irrigação, fornecimento de energia elétrica e dessedentamento de animais de forma sustentável. REFERÊNCIAS AGENDA 21. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Brasília, 2000, 598p. ALMEIDA, F. G. 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Luisa GOUVEIA ([email protected]) DER-Unidade de Biomassa, INETI, Lisboa, Portugal. Marcelo MARASCHIN ([email protected]); Luis H. BEIRÃO ([email protected]) Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina. RESUMO Na Indústria Alimentar, em particular na Indústria Aqüícola, a utilização de corantes tornou-se uma ferramenta indispensável na conquista de mercado, garantindo uma melhoria no aspecto e no aumento da aceitação e valor econômico de seus produtos. A associação dos corantes naturais às vantagens nutricionais e sua obtenção por processos de baixo custo têm reduzido a utilização de pigmentos de origem sintética na Indústria Alimentar em escala mundial. Desta forma, estudou-se a eficiência de três métodos de extração de pigmentos carotenoídicos totais e astaxantina das microalgas Chlorella vulgaris e Haematococcus pluvialis e da levedura Phaffia rhodozyma, potencialmente utilizadas no arraçoamento de peixes e crustráceos em cativeiro. Dentro das biomassas estudadas, a microalga Haematococcus pluvialis revelou o maior conteúdo de carotenóides totais (20,79 mg de carotenóides totais/g célula seca), enquanto a levedura Phaffia rhodozyma, apesar de um menor conteúdo de pigmentos totais (0,22 mg/g célula seca), apresentou a maior relação entre a concentração de astaxantina livre e o conteúdo de carotenóides totais (cerca de 87,5% dos carotenóides presentes como astaxantina livre), quando comparada aos outros microorganismos (Chlorella vulgaris, 13,4%; Haematococcus pluvialis, 4,7%). A utilização de dimetilsulfóxido DMSO como solvente revelou ser a melhor estratégia para a extração dos carotenóides dentro dos métodos estudados. PALAVRAS-CHAVE: aqüicultura, carotenóides, astaxantina. 103 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ABSTRACT NATURAL SOURCES OF CAROTENOIDS OF INTEREST FOR AQUACULTURE: COMPARATIVE ANALYSIS OF THE EFFICIENCY OF EXTRATION METHODS In Food Industry, particularly Aquaculture Industry, the utilization of pigments has been an indispensable tool to market achievement, assuring an improvement on visual aspects, increase on acceptability and economic value of its products. The association of natural pigments to nutritional advantages and its acquisition by low cost processes have decreased the utilization of synthetic pigments in Food Industry, followed by a worldwide tendency for the reduction in the utilization of synthetic products on foods. Thus the pigmentation activity and pigment extraction efficiency of microalgae Chlorella vulgaris and Haematococcus pluvialis and the yeast Phaffia rhodozyma, potentially used on fish farming, were studied. The microalga Haematococcus pluvialis showed the highest total pigment content (20.79 mg of total carotenoids per gram of dried cells) while the yeast Phaffia rhodozyma, although showing the lowest total pigment content (0.22 mg/g dried yeast), showed the highest free astaxanthin content (87.5%) when compared to the other microorganisms studied (Chlorella vulgaris, 13.4%; Haematococcus pluvialis, 4.7%). The utilization of DMSO as solvent showed the highest efficiency on carotenoid extraction. KEYWORDS: aquaculture, carotenoids, astaxanthin. INTRODUÇÃO A aqüicultura é uma atividade em crescente expansão devido ao aumento da população mundial e ao declínio de fontes pesqueiras naturais, associado ao consumo crescente de pescados em uma dieta equilibrada e saudável. Astaxantina é o principal pigmento utilizado na aqüicultura, especialmente na criação de salmões, trutas e crustáceos. Estes organismos não são capazes de sintetizar carotenóides e, desta forma, estes pigmentos devem ser adicionados à sua alimentação para viabilizar sua incorporação e deposição na carne, conferindo a coloração característica da espécie e aumentando sua aceitação e valor de mercado. A deposição de astaxantina em trutas e salmões é muito mais eficiente, comparativamente a outros carotenóides, sendo que a maioria dos criadores utiliza astaxantina sintética. Contudo, o custo deste insumo é elevado, aliado ao fato de que suas formulações podem conter configurações indesejadas de astaxantina e seus derivados, diminuindo sua eficiência na pigmentação (LATSCHA, 1990 e TORRISEN, 1995). Adicionalmente, observa-se uma tendência mundial à utilização de fontes naturais de nutrientes e à exclusão de componentes sintéticos da cadeia alimentar. Tais fatores têm aumentado o interesse em fontes naturais de astaxantina, sendo que diversas empresas têm investindo 104 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] na obtenção deste pigmento, a partir de fontes naturais (MCCOY, 1999). Atualmente, as fontes naturais mais promissoras de astaxantina são a microalga Haematococcus pluvialis (GOUVEIA et al., 1996) e a levedura Phaffia rhodozyma (MORIEL, 2005). Neste contexto, a necessidade de obtenção de astaxantina a partir de fontes naturais com elevada produtividade, sustentabilidade e baixo custo, aliado ao uso de processos eficientes de extração e quantificação daquele carotenóide, vem direcionando pesquisas nesta área, buscando incrementos de qualidade e redução do custo do pescado produzido em cativeiro. Este trabalho avaliou a eficiência de três métodos de extração de carotenóides totais e astaxantina, a partir de fontes naturais, a saber, as microalgas Haematococcus pluvialis e Chlorella vulgaris e a levedura Phaffia rhodozyma. MATERIAL E MÉTODOS MICROORGANISMOS Amostras de biomassas das microalgas Haematococcus pluvialis e Chlorella vulgaris foram gentilmente cedidas pelo Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (INETI – Portugal). Para o cultivo dos microrganismos e produção das biomassas de interesse, utilizou-se o protocolo e as condições experimentais descritas por Gouveia et al. (2006). A levedura Phaffia rhodozyma (cepa ATCC 24202) utilizada nesse estudo foi cultivada conforme descrito por (BONFIM, 1999) e cedida pela Universidade Federal do Paraná. Com o intuito de romper a parede celular e otimizar a extração dos pigmentos de interesse, amostras (10g – peso seco) das biomassas em estudo foram trituradas em moinho de bolas (NV-TEMA, Labor-Scheibenschwingmuhle, T100), por 60 segundos. Alíquotas de 100 mg de amostra triturada de cada microorganismo foram utilizadas, em três experimentos independentes, segundo o protocolo de extração dos pigmentos carotenoídicos. EXTRAÇÃO Três diferentes métodos de extração foram testados: Método A: a extração e a determinação do conteúdo de carotenóides totais nas amostras em estudo foi realizada conforme método descrito por Lim et al. (2002), utilizando-se acetona (Merck, p.a.) como solvente. Sucintamente, a 100 mg de cada amostra foram adicionados 5 mL de acetona. A suspensão foi homogeneizada em agitador vortex e levada à centrifugação (10 krpm/5min). Os sobrenadantes foram coletados, seguido da repetição do procedimento descrito até a exaustão da extração dos pigmentos carotenoídicos, condição esta confirmada através da espectrofotometria de varredura UV- 105 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Vis (λ = 474 ηm) dos sobrenadantes retirados. Ao final do processo de extração, os sobrenadantes coletados foram reunidos para efeitos de dosagem do teor de carotenóides totais. Método AB: A cada 100 mg de amostra, adicionou-se concomitantemente 6 mL de acetona (Merck, p.a.) e 2 mL de bolas de vidro (Sigma, 425-600 microns), conforme descrito previamente por Goveia et al. (1996), seguido de agitação (Vortex) por 1 min, com intervalos de repouso em banhos de gelo por 20 minutos. Os sobrenadantes foram coletados, repetindo-se o procedimento de forma a extrair exaustivamente os pigmentos das biomassas. A confirmação da ausência destes compostos nas amostras foi realizada através de especfotometria de varredura UV-Vis (λ = 474 nm), considerando-se finalizado o procedimento quando valores de absorbância inferiores a 0.05 foram obtidos. Método DMSO: A cada amostra (100mg) foram adicionados 2ml de dimetilsulfóxido (DMSO) (Merck, p.a.), incubando-se o material em condição de repouso por 30 minutos, a temperatura ambiente, sob atmosfera de N2, na ausência de luz. Subsequentemente, o material foi centrifugado (3,5 krpm/5 min), recuperando-se o sobrenadante e repetindo-se o processo de extração com o material precipitado. Aos sobrenadantes coletados foram adicionados 10 ml de solução de NaCl 20% e éter de petróleo (1:1). A fase etérea foi coletada e, sob a fase aquosa, 5 mL de éter de petróleo foram adicionados por mais duas vezes. A fase etérea foi filtrada em suporte contendo Na2SO4 anidro e completada ao volume final de 25ml (adaptado segundo Moriel, 2005). Todas as extrações foram repetidas até que cor da biomassa se esgotasse nos solventes extratores, conforme descrito acima (Método AB – extração exaustiva). Todos os experimentos foram realizados em triplicata. QUANTIFICAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO Para a quantificação dos carotenóides totais, os valores de absorbância a 477 ηm (métodos A e AB) e 474 ηm (método DMSO) foram obtidos em espectrofotômetro Shimadzu LC10. Para efeito de cálculo da concentração de carotenóides totais, utilizou-se a lei de Lambert-Beer para os métodos de extração A e AB, onde o valor da absortividade aplicado para a acetona foi de 219,8 L/g.cm, sendo o valor de carotenóides totais expresso em equivalentes de astaxantina. Para o método DMSO, calculouse a concentração de astaxantina a partir de dados da literatura (ANDREWES e STARR, 1976, LIM et % al., 2002) , utilizando-se a absortividade específica para as xantofilas a 474 nm, i.e., A 11cm = 1.600. Para a identificação dos pigmentos, os extratos foram filtrados (0.22 µm) e injetados (10µL) em sistema de cromatografia líquida de alta eficiência HP-1100, equipado com coluna C18 de fase reversa (Vydac 201TP54, 250mm, 4,6 mm ∅), e detector UV-VIS (477 ηm). Metanol:acetonitrila (90:10 v:v) foi utilizado como fase móvel, em fluxo de 1ml/min. A identidade de astaxantina livre no perfil 106 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] cromatográfico foi confirmada através do tempo de retenção (min) de padrão cromatográfico (1 mg/ml, SIGMA, St. Louis – USA, 98% de pureza) e para efeitos de cálculo da concentração daquele pigmento, utilizou-se uma curva-padrão externa (r2 = 0,99), construída a partir da área do pico de interesse (Rt 4,59min), nas condições experimentais acima descritas. Os dados obtidos foram sumarizados e analisados através do teste t-student (p < 0,05), com o auxílio do programa Statistica (v. 5.0). Tendo em vista o uso mais freqüente de Haematococcus pluvialis como suplemento carotenoídico da dieta de peixes e crustáceos cultivados em cativeiro, aquela microalga foi considerada como testemunha relativa, para efeito de análise estatística referente às biomassas fontes de carotenóides, enquanto o método A foi utilizado como referência comparativa para os tratamentos de extração em estudo. RESULTADOS E DISCUSSÃO As amostras das microalgas Haematococcus pluvialis e Chlorella vulgaris apresentaram valores de conteúdos de carotenóides totais superiores, comparativamente ao observado para a levedura Phaffia rhodozyma, independente do protocolo de extração utilizado. Teores de carotenóides totais superiores em 16 e 82 ordens de magnitude foram detectados nas amostras de Chlorella vulgaris e Haematococcus pluvialis, em relação à amostra de P. rhodozyma, para os métodos de extração A e AB (Figura 1), respectivamente. Tal fato é de interesse, porque indica que o uso de bolas de vidro (Método AB) e a incubação das amostras em banho de gelo (20 min) não se mostraram vantajosos em relação à utilização do organosolvente isoladamente (Método A). O método DMSO, por sua vez, revelou o efeito positivo do pré-tratamento das amostras com aquele solvente aprótico nas condições experimentais utilizadas.A interação do DMSO com os componentes de parede celular, corroborando para um relaxamento das estruturas macromoleculares associadas, é um fator que, em alguma extensão, parece favorecer a extração dos pigmentos carotenoídicos por organosolventes, i.e., éter de petróleo, conforme observado. De fato, o método DMSO mostrou-se como o de maior eficiência, independente da espécie fonte de carotenóides. Adicionalmente, ressalta-se que a associação de DMSO e éter de petróleo: NaCl (1:1) revelou a existência de concentrações de carotenóides totais altamente significativas (p < 0,01) em H. pluvialis (28785ug carotenóides totais/g biomassa seca), comparativamente à C. vulgaris (4413ug carotenóides totais/g biomassa seca) e P. rhodozyma (254ug carotenóides totais/g biomassa seca). Estes resultados dão suporte à preferência de uso de H. pluvialis como fonte de compostos carotenoídicos em sistemas intensivos de cultivos de peixes e crustáceos, por exemplo. 107 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] DMSO H. pluvialis a B* P. rhodozyma bA Solvente AB cB aA H. pluvialis P. rhodozyma bA C. vulgaris Solvente A Protocolo de extração C. vulgaris cB aA H. pluvialis P. rhodozyma bA cA C. vulgaris 0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 m icrogram as carotenóides totais/g biom assa seca Figura 1 - Conteúdo de carotenóides totais (equivalentes de astaxantina) das microalgas Chlorella vulgaris e Haematococcus pluvialis e da levedura Phaffia rhodozyma, segundo o método de extração utilizado (A, AB e DMSO). Valores médios de três experimentos independentes (*tstudent, p< 0,05), segundo a espécie fonte de carotenóides em estudo. Médias seguidas pela mesma letra minúscula não diferem entre si (p< 0,05), segundo a fonte de carotenóides. Valores médios não diferem entre si (p < 0,05) para os métodos de extração, quando acompanhados pela mesma letra maiúscula. A Figura 2 ilustra as distintas colorações das biomassas em estudo, previamente à extração dos pigmentos carotenoídicos. (a) (b) (c) Figura 2 - Amostras de biomassas liofilizadas dos microorganismos em estudo (a) Chlorella vulgaris, (b) Phaffia rhodozyma e (c) Haematococcus pluvialis, previamente à extração dos pigmentos carotenoídicos. 108 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] As análises por cromatografia líquida revelaram a eficiência na extração de astaxantina livre (Rt = 4.59min) em relação aos outros carotenóides, nomeadamente sobre o β-caroteno, equinenona. As amostras de Haematococcus pluvialis apresentaram concentrações de astaxantina livre de 2,6%, 1,7% e 4,7%, em relação ao conteúdo de carotenóides totais, com a utilização dos métodos A, AB e DMSO, respectivamente. De forma similar ao observado para a extração de carotenóides totais, o método DMSO evidenciou um rendimento superior (p < 0,05) à obtenção de astaxantina livre em relação aos demais tratamentos em estudo. Para a microalga Chlorella vulgaris, valores de concentração de astaxantina livre de 13,1% (método A), 13,16% (método AB) e 13,4% (método DMSO) foram observados em relação ao conteúdo de carotenóides totais, indicando que os três métodos apresentaram a mesma eficiência na extração daquele carotenóide em sua forma livre. No entanto, conteúdos de astaxantina livre de 87,5%, 52,7% e 16,2% foram observados para os solventes A, AB e DMSO, respectivamente, para Phaffia rhodozyma. Este resultado é de interesse, uma vez que revela claramente a necessidade da escolha correta do(s) solvente(s) na definição de métodos extratores de alta eficiência. Dadas as características estruturais da parede celular de Phaffia rhodozyma (BONFIM, 1999), é instigante especular que o efeito da acetona foi mais efetivo em relação aos demais agentes extratores utilizados, no que concerne a uma maior permeabilização daquele componente celular, viabilizando um maior rendimento de extração de astaxantina livre, portanto. Em resumo, os resultados demonstraram que para Haematococcus pluvialis e Chlorella vulgaris o método DMSO foi o mais eficiente à extração de astaxantina livre (p < 0,05). De forma contrária, para as amostras da levedura Phaffia rhodozyma, o método A mostrou-se mais seletivo à extração de astaxantina livre. Em função disto, recomenda-se a determinação prévia da eficiência de sistemas extratores, quando se objetiva alcançar altos rendimentos e seletividade na obtenção dos pigmentos de interesse, haja vista a aparente especificade de ação destes, segundo a fonte de carotenóides em estudo. Tal abordagem é de interesse tecnológico dado ao alto valor agregado dos pigmentos carotenoídicos à atividade aquícola e à saúde humana, bem como em processos de identificação e avaliação do potencial de novas fontes daqueles metabólitos secundários. As microalgas em estudo apresentaram conteúdos altamente significativos (p < 0,01) de astaxantina livre em relação à levedura Phaffia rhodozyma, independentemente do solvente extrator utilizado (Figura 3). De forma interessante, destaca-se a similaridade de valores de conteúdo daquele pigmento nas amostras de microalgas observada para o método de extração AB, indicando claramente o efeito do sistema extrator sobre os resultados de rendimento do pigmento de interesse, a despeito das diferenças genéticas e bioquímicas (i.e., potencial produtivo intrínseco de cada genótipo) e de 109 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] tecnologia de produção das biomassas (i.e., sistemas de cultivo e manejo) entre aquelas amostras. Este resultado reforça a necessidade de definição de sistemas extratores adequados, de baixo custo e de alto rendimento, em processos produtivos de compostos de alto valor agregado e de reconhecida importância tecnológica nas áreas da aqüicultura e da nutrição e saúde humana. DMSO H. pluvialis a A* P. rhodozyma bB Solvente AB cC aB H. pluvialis P. rhodozyma bA C. vulgaris Solvente A Protocolo de extração C. vulgaris aB H. pluvialis aA P. rhodozyma bA C. vulgaris cA 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 m icrogram a astaxantina livre⁄g biom assa seca Figura 3 - Conteúdo de astaxantina livre de amostras de biomassas de microalgas Chlorella vulgaris e Haematococcus pluvialis e de levedura Phaffia rhodozyma, segundo o método de extração DMSO, AB e A. Valores médios de três experimentos independentes (*t-student, p< 0,05), segundo a espécie fonte de carotenóides em estudo. Médias seguidas pela mesma letra minúscula não diferem entre si (p< 0,05), segundo a fonte de carotenóides. Valores médios não diferem entre si (p < 0,05) para os métodos de extração, quando acompanhados pela mesma letra maiúscula. Na análise dos resultados obtidos, é de interesse considerar que as discrepâncias observadas nos valores de concentração dos pigmentos carotenoídicos para os tratamentos em estudo podem estar relacionadas, em alguma extensão, à ligação destes compostos a macromoléculas tais como proteínas protoplasmáticas e polissacarídeos (CREMADES et al., 2003; VELU, 2003) nas amostras, dificultando sua extração. Além disto, a degradação enzimática dos compostos carotenoídicos pode ser observada 110 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] no decorrer da etapa de moagem das amostras, ainda que o efeito deste processo possa ser inibido com a utilização de agentes antioxidantes e/ou inibidores enzimáticos. O protocolo que considera o pré-tratamento das amostras via adição de DMSO mostrou-se o mais eficiente para as amostras de microalgas, explicado pelo fato de que aquele solvente aprótico promove o inchamento das células dos microorganismos em estudo, favorecendo a extração dos carotenóides com solventes orgânicos subseqüentemente (ANDREWES; STARR,. 1976) (Figura 1). No que concerne aos resultados obtidos para Phaffia rodozyma, entretanto, tal fato não foi observado, ressaltando-se que esta levedura apresenta uma parede celular de espessura bastante proeminente, o que dificulta sobremaneira a extração dos pigmentos em análise (BONFIM, 1999). Outros métodos de extração vêm sendo estudados, com o intuito de maximizar a extração dos carotenóides para posterior emprego alimentos, como é o caso do uso extração supercrítica associada ou não ao óleo de soja usado para a extração de carotenóides das microalgas Chlorella vulgaris e Haematococcus pluvialis (GOUVEIA et al., 2007; NOBRE et al., 2006) Em estudo recente Nobre, et al., (2006), verificou que a extração de carotenóides de Haematococcus pluvialis com o uso do método AB mostrou resultados similares ao observado no presente trabalho para o conteúdo de carotenóides totais. No entanto, o método DMSO realizado neste estudo proporcionou ainda maiores percentagens de extração, cerca de 59,2% de carotenóides totais extraídos da microalga Haematococcus pluvialis. Em outro estudo, Gouveia et al. (2006) apresenta concentrações na ordem de 4mg/g de carotenóides totais na microalga Chlorella vulgaris, um valor bastante próximo aos resultados encontrados dentro dos três métodos estudados: 4,4mg/g para o método DMSO, 3,4 mg/g para o método AB, e 3,8mg/g para o método A. PASSOS et al. (2006) recentemente publicaram um estudo onde se verificou a extração de astaxantina por extração supercrítica e organosolventes na levedura Phaffia rhodozyma. Os autores concluíram que a biomassa moída em moinhos de bola e extraída com acetona apresentava o maior rendimento dentro das técnicas estudadas. Adicionalmente, a extração supercrítica mostrou ter um rendimento em torno de 75% comparada com a extração com acetona. A extração supercrítica mostra-se ser uma alternativa eficaz, e de alta qualidade, uma vez que esta proporciona seus extratos de forma limpa, sem resíduos de solventes orgânicos. 111 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] CONCLUSÕES Independentemente do método de extração escolhido, a microalga Haematococcus pluvialis parece ser a biomassa de escolha no que concerne à quantidade de carotenóides totais, assim como de astaxantina livre. Entre os métodos de extração estudados, o método DMSO mostra ser de maior eficiência para a obtenção de carotenóides totais e astaxantina livre. Contudo, devido à alta toxicidade inerente aquele composto, este método deve ser reservado apenas para a quantificação em laboratório. Sugere-se para estudos futuros uma análise detalhada sobre a facilidade em obtenção das três biomassas em análise e a sua produção de carotenóides em larga escala, com a finalidade de se obter a melhor relação custo-benefício entre os métodos e fontes de carotenóides estudadas. AGRADECIMENTOS A Professora Dra. Tânia Bonfim por ter cedido a levedura Phaffia rhodozyma para este estudo. A CAPES pela Bolsa de Estudos de Renata dos Passos e de Danilo G. Moriel REFERÊNCIAS ANDREWES, A. G.; STARR, M. P. (3R, 3'R)-astaxanthin from yeast Phaffia rhodozyma. Phytochemistry, v. 15, p. 1009-1011, 1976. BONFIM, T. M. B. Produção de astaxantina pela levedura Phaffia rhodozyma (Phaffia rhodozyma) a partir de meios de cultura de baixo custo. Tese (Doutorado em Bioquímica) - Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, 1999. 159p. CREMADES, O. et al. Isolation and characterization of carotenoproteins from craysh (Procambarus clarkii). Food Chemistry, v. 82, p. 559 –566, 2003. GOUVEIA, L.; GOMES, E.; EMPIS, J. Potential use of microalgae (Chlorella vulgaris) in the pigmentation of rainbow trout (Oncorhynchus mykiss) muscle. Lebensmittel-Untersuchung undForschung, v. 202, p. 75-79, 1996. GOUVEIA, L. et al. Chlorella vulgaris and Haematococcus pluvialis biomass as colouring and antioxidant in food emulsions. European Food Research Technology, v. 222, p. 362–367, 2006. GOUVEIA, L. et al. 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RESUMO Nos reservatórios do rio São Francisco, um fato novo vem ocorrendo desde 1998 com o aproveitamento das águas desses reservatórios, gerando também uma nova fonte de renda para a região, através de cultivos de tilápias em tanques-rede. Esta nova atividade econômica praticada nos reservatórios da Companhia Hidroelétrica do São Francisco é de fundamental importância para o desenvolvimento regional, porém precisa-se ter o cuidado necessário para que não venha contribuir com maior intensidade no processo de eutrofização das águas e conseqüente proliferação de macrófitas aquáticas, administrando-se rações com baixo potencial poluente e com altos índices de conversão alimentar. Este trabalho busca otimizar a utilização de biomassa de macrófitas aquáticas na produção de tijolos ecológicos tipo adobe (tijolos de barro cru, secos ao sol). Desta forma, a macrófita pode se utilizada para construções de habitações de baixo custo, já que o tijolo de adobe é usado desde os tempos mais remotos com esta finalidade. Por outro lado, busca-se uma solução para o bloom da macrófita Egeria densa nos reservatórios das usinas hidroelétricas que vem ocasionando problemas para CHESF, através da eutrofização dos reservatórios. O trabalho foi realizado na Estação Piscicultura de Paulo Afonso, com objetivo de testar a utilização da E. densa para confecção de tijolos artesanais. As porcentagens de biomassa adicionada à argila para elaboração dos tijolos foram: 1%, 2% e 5% visando verificar o melhor percentual da macrófita, para utilização aglutinante na confecção dos tijolos. Com o acréscimo da fibra da macrófita em quantidade certa (5%) e contrastando-se com a estrutura de um tijolo normal de adobe sem macrófitas verifica-se neste último, mais fissuras do que um tijolo de adobe inoculado por esta biomassa vegetal e que nos testes de resistência apresentou melhores resultados. Palavras-chaves: Tijolo de adobe, macrófitas aquáticas, manejo de lagos 114 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ABSTRACT USE OF MACROPHYTE Egeria dense PLANCHON, 1849 (HYDROCHARITACEA) IN THE PRODUCTION OF BRICKS AS ALTERNATIVE FOR CIVIL BUILDING In the reservoirs of river San Francisco, a new fact is happening since 1998 with the use of the waters of those reservoirs, also generating a new source of income for the area, through tilapias cultivations in tank-net. This new economical activity practiced in the reservoirs of the Hydro Electric Company of San Francisco, it is of fundamental importance for the regional development, however needs to be the necessary careful so that it doesn't come to contribute with larger intensity in the process of eutrofization of the waters and consequent proliferation of aquatic macrophytes, being administered rations with pollutant potential bass and with high indexes of alimentary conversion. This work search to optimize the use of biomass of aquatic macrophytes in the production of bricks ecological type it marinates (bricks of raw mud, dry in the sun), like this looking for a solution to the bloom of the macrophytes Egeria densa in the reservoirs of the hydroelectric plants that it is causing problems for CHESF, through the eutrofization of the reservoirs. The work was accomplished handmade in Paulo Afonso's fish culture, belonging CHESF. The experiment consisted of the use of E. densa for making of craft bricks. The biomass percentages added to the clay for elaboration of the bricks were: 1%, 2% and 5% seeking to prove the percentile necessary of these macrophytes as agglutinant in the making of the bricks. And its has as goal also of suggesting the use of this material for constructions of low cost houses, since the adobe brick is used since the most remote times with this purpose. With the increment of the fiber of the macrophytes in right amount (5%) and being contrasted with the structure of a normal brick of adobe without macrophytes is verified in this last, more fissures than an adobe brick inoculated by this vegetable biomass and that in the resistance tests presented better results. KEYWORDS: adobe brick, aquatic macrophytes, handling of lakes INTRODUÇÃO Com os represamentos dos trechos encachoeirados do submédio São Francisco, visando a produção energia hidrelétrica, possibilitou a formação de grandes lagos artificiais, com amplas possibilidades de também serem explorados economicamente por meio de uma piscicultura racional em gaiolas flutuantes (TENÓRIO et al., 1999). Com a formação dos reservatórios, a colonização das áreas adjacentes vem crescendo a um ritmo acelerado, provocando muitas vezes a derrubada da vegetação ciliar das margens do rio São Francisco, que pouco ou nada sobrou. A vegetação existente hoje em suas bordas e ilhas é 115 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] inexpressiva e não possui significado fitofisionômico, já que a influência antrópica foi marcante e arrasadora (HIDROSERVICE, 1987). O nitrogênio e o fósforo são os nutrientes mais limitantes à produtividade primária (produção de fitoplâncton e plantas aquáticas) em ambientes aquáticos naturais (KUBITZA, 1999). Os resíduos e excrementos lançados na água tendem a acumular-se em algum ponto do reservatório levados pelas águas, podendo causar impactos ambientais indesejáveis, como por exemplo, a proliferação excessiva da Egeria densa, uma macrófita aquática submersa que pode se proliferar a profundidades de até 9 m e que hoje já é problema nos reservatórios Moxotó/PA IV e Delmiro Gouveia. Segundo Canfield et al. (1984), quando em excesso as macrófitas aquáticas interferem na produtividade planctônica, na qualidade da água e na atividade da pesca. O controle pode ser efetivado através de métodos mecânicos, químicos e biológicos (NAGLE, 1980; SUMMERFELT, 1993; BETOLLI et al., 1993, apud AGOSTINHO e GOMES, 1997). Normalmente, constroem-se diques que represam o curso da água, acumulando-a num reservatório a que se chama barragem. Esse tipo de usina hidráulica é denominado Usina com Reservatório de Acumulação. Em outros casos, existem diques que não param o curso natural da água, mas obrigam a passar pela turbina de forma a produzir eletricidade, denominando-se usinas a fio de água (MÜLLER, 1995). A construção de barragens, transformando rios em grandes bacias e reservatórios, traz grande desenvolvimento às regiões, tornando uma tendência natural o grande crescimento demográfico destas regiões, que quase sempre se encontram desprovidas de infraestruturas específicas no que se refere à saúde dos ecossistemas. Considerando esta nova condição de maior consumo de água e também em maiores proporções a produção e destino de esgotos que nada mais é que o despejo de águas servidas associadas ao carregamento de nutrientes, diretamente para o leito dos rios, através do aporte dos dejetos domésticos e industriais, grande parte sem tratamento, tem levado a uma condição de desequilíbrio no sistema hídrico, caracterizado pela grande disponibilidade de nutrientes acumulada diariamente. Atualmente esse processo é considerado por especialistas de todo o país como uma das patologias de mais influência em toda a bacia hidrográfica brasileira. Sendo denominado e conhecido como eutrofização, que se estabelece devido à grande concentração de algas e vegetação aquática, alimentando-se destes nutrientes, acarretando o aumento da produtividade biológica destas espécies, baixando as taxas de oxigenação e ocasionando problemas que vão desde a estética até o comprometimento da possível utilização da água. Grande parte dos reservatórios da região é colonizada por macrófitas aquáticas, e entre elas a elódea Egeria densa uma espécie exótica que vem 116 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] caracterizando-se como uma espécie daninha no ecossistema aquático, causando problemas operacionais e de usos múltiplos em decorrência do desenvolvimento excessivo, formando verdadeiros prados de macrófitas nas margens e em profundidades superiores a oito metros. As plantas aquáticas submersas estão entre os mais sérios problemas dos ecossistemas aquáticos, tendo em vista que elas não podem ser controladas com uso de herbicidas e dificilmente eliminadas via extração mecânica. Elas invadem rapidamente novos locais devido a sua reprodução vegetativa por sementes, dispersando-se cada vez mais catastroficamente em vários tipos de ecossistemas (LANGE, 1996). Desta forma, este trabalho objetiva descrever uma forma de utilização de E. densa (Hydrocharitacea), que hoje se encontra em grande densidade nas bacias do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso (CHPA), causando grandes prejuízos a este Complexo, inclusive no inverno com aumento e superpopulação destas plantas, que atingem principalmente as zonas periféricas à montantes das barragens, comportas e turbinas em detrimento da a produção de energia elétrica (Figura 1). 15 0 14 0 13 0 12 0 Volume em M3 11 0 10 0 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JU L AGO SET OUT NOV D EZ Mês Figura 1 - Volume de macrófitas de retiradas no reservatório Delmiro Gouveia, apresentando pico no período de inverno (março a junho) de 1996 (Fonte: Lopes, 2002). A distribuição das espécies no ambiente aquático é variável, e dependendo do grau da adaptação da espécie, ela habita regiões mais rasas ou mais profundas. Elas estão presentes em todos os ecossistemas aquáticos, variando somente a composição entre si. Normalmente, as plantas aquáticas têm uma distribuição mais ampla do que a maioria das plantas terrestres; isto é decorrente da pequena variação sofrida pelos fatores do ambiente aquático, o que confere às macrófitas aquáticas uma ampla distribuição fitogeográfica, possibilitando o aparecimento de muitas espécies cosmopolitas (IRGANG; GASTAL Jr, 1996). O controle mecânico utilizando embarcações apropriadas, visando a retirada da biomassa do corpo hídrico, é uma das alternativas a serem consideradas. Embora este método apresente algumas 117 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] vantagens, como ação de modo pontual nas áreas infestadas e não-contaminação do ambiente com compostos químicos e tóxicos, existe a preocupação em relação ao material coletado a ser descartado, haja vista a grande quantidade de biomassa envolvida nesse processo e enfim tentar destinar e desenvolver um valor agregado a este material. A expansão das populações de E. densa nos reservatórios do CHPA vem acarretando inúmeros transtornos operacionais, aumentando a preocupação do setor de geração de energia elétrica. A capacidade de produção de biomassa e regeneração dos prados de E. densa já é avaliada nos reservatórios de Paulo Afonso. Isto indica o grande potencial de produção de biomassa destes prados e a rapidez com que estes se recompõem, mostrando a dificuldade permanente do seu controle nos reservatórios, por isso a grande preocupação para uma objetivação nos processos de manejos desta macrófita (FADURPE, 2002). O objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial de Egeria densa, principal planta aquática que gera grande problema nos reservatórios hidrelétricos e com precisão nos do CHPA no que se refere à geração de energia, visando o estabelecimento de programas de controle mecânico e usual, com finalidade da utilização deste material coletado como alternativa de fabricação de tijolos ecológicos e de baixo custo na região. Este tema envolve diversos profissionais em áreas da engenharia e outros profissionais que trabalham com manejo de reservatórios. O produto final (tijolos) também deve auxiliar principalmente no estabelecimento de novos programas biológicos de controle podendo ser utilizado na construção civil atendendo a programas de construção de casas populares ou outras obras como da engenharia para aqüicultura quando de sua utilização na construção de caixas de coletas de tanques e viveiros ou mesmo como forro de taludes destes ambientes, sendo necessária a impermeabilização a base de terracimento conforme utilizado tradicionalmente na construção civil. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi realizado na Estação Piscicultura de Paulo Afonso (EPPA), pertencente à Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF). A matéria-prima (elódea) foi colhida no lago o Boi e a Sucuri que faz parte dos lagos do CHPA. A argila foi doada pela Cerâmica São Francisco de Paulo Afonso. O experimento consistiu na utilização da Elódea, Egeria densa, misturada a argila, para confecção de tijolos artesanais. Na fabricação, serão acrescentadas porcentagens diferentes desta macrófita junto com a argila para se ter o conhecimento com qual porcentagem se chegará a um tijolo ecológico de melhor resistência e de uma boa qualidade. As porcentagens de biomassa seca adicionadas a argila para a elaboração dos tijolos foram 1%, 2% e 5% para se ter uma melhor 118 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] comprovação das propriedades compactantes da elódea e desta forma saber que quantidade será adotada para a confecção dos tijolos. O primeiro passo foi coletar o material no lago o Boi e a Sucuri, colonizado por esta macrófita e em seguida colocar para secagem adquirindo a fibra seca e em ponto de ser agregada ao produto (tijolo de adobe). As características dos ensaios mecânicos dos tijolos foram realizadas com adaptações relativas à produção dos tijolos maciços. Desta forma, por se tratar da pouca existência de material que descreva os métodos de ensaios, normas e especificações e características de procedimentos nacionais, foi optado pelo processo artesanal para poder melhor especificar o detalhamento dos testes, mostrando todas as etapas de realização do processo diante das dificuldades encontradas nesta fase de experiência da produção. MATERIAL E MÉTODOS A MACRÓFITA Egeria densa é classificada em função de sua instalação ao ecossistema aquático e seu grau de povoamento em relação ao nível de água, como uma macrófita submersa (Figura 2), é conhecida vulgarmente como elódea e está incluída na relação das monocotiledôneas aquáticas. Taxonomicamente está enquadrada da seguinte maneira: Classe Monocotiledônea; Ordem Heloliae; Família Hydrocharitacea; Gênero Egeria e Espécie Egeria densa Planchon, 1849 A coleta realizou-se no período da manhã para aproveitar a boa visibilidade da água em dia de sol forte na região do lago o Boi e a Sucuri, na zona central de Paulo Afonso. Colheu-se um volume aproximado de 20 kg, sendo quantidade de macrófitas suficiente para as devidas etapas do experimento. Após a coleta, as plantas foram devidamente acondicionadas em sacos plásticos, e levadas para a EPPA e espalhadas ao sol por 48 horas para perda do excesso de umidade (87%), tornando a Figura 2 - Elódea Egeria densa planta seca sem se tornar quebradiça. Após a secagem da (Fonte: Lopes, 2002) macrófita e adquirida a fibra propriamente dita, foi iniciado o processo de pesagem que ocorreu no sentido de separar em embalagens plásticas com os respectivos volumes do percentual estipulado para cada amostra dos tratamentos. Assim, foram selecionados 10 volumes com 20 g equivalentes as amostras de 1%; 10 volumes com 40 g equivalentes as amostras de 2% e 10 volumes com 100 g equivalentes as amostras de 5% de E. densa. O percentual foi baseado no peso total de tijolos utilizados na região (2 kg). 119 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A ARGILA Encontrada abundantemente na natureza a argila é de fácil manipulação, tem uma enorme elasticidade permitindo trabalhos com diversidade e é totalmente reciclável. A argila tem em comum componentes de lamas e solos sendo constituída, principalmente de minerais do grupo das argilas aos quais agregam-se hidróxidos coloidais floculados e diversos outros componentes, cristalinos ou amorfos. Trata-se de material natural, de textura terrosa, de granulações finas, constituídas essencialmente de argilominerais, podendo conter outros minerais que não são argilominerais (quartzo, mica, pirita, hematita, etc), matéria orgânica e outras impurezas. Os argilominerais são os minerais característicos das argilas; quimicamente são silicatos de alumínio ou magnésio hidratados, contendo em certos tipos outros elementos como ferro, potássio, lítio, etc. Graças aos argilominerais, as argilas na presença de água desenvolvem uma série de propriedades tais como: plasticidade, resistência mecânica a úmido, retração linear de secagem, compactação, tixotropia e viscosidade de suspensões aquosas que explicam sua grande variedade de aplicações tecnológicas. Os principais grupos de argilominerais são caulinita, ilita e esmectitas ou montmorilonita. Em função principalmente das possibilidades de emprego tecnológico, que são influenciadas pela gênese e pela composição mineralógica do material, em muitos casos as argilas recebem designações como: caulins, bentonitas, argilas refratárias, flint-clays e ball clays. SELEÇÃO E COLETA DA ARGILA O solo escolhido partiu de uma amostra selecionada pela Empresa Cerâmica São Francisco, mediante processo de produção adotado por essa Empresa, localizada na cidade de Paulo Afonso que cedeu este material para realização desta pesquisa. O material foi previamente colhido na jazida da localidade do povoado Rio de Sal, que apresenta uma argila com um excelente fator ligante. PRODUÇÃO DE TIJOLOS Os tijolos foram produzidos manualmente na área externa da EPPA, onde as etapas de produção dos tijolos maciços exigiram bastante mão-de-obra. Esta pesquisa de utilização de macrófitas aquáticas na fabricação de tijolos de adobe consistiu em três tratamentos (T1, T2 e T3) com 10 repetições cada. Foi utilizado um modelo de “forma” ou gabarito de tijolo maciço, comum, utilizado e produzido nesta região, aonde as dimensões adotadas para confecção dos tijolos são: 8cm x 12cm x 25cm. Assim, cada amostra do tijolo necessariamente estará pesando 2 kg, que é o peso referente a esse tamanho de tijolo adotado na construção civil local. Para se início da construção dos tijolos é necessário o amassamento e descanso da argila. Segundo Minke (2000), é necessário o amassamento do barro (mistura de solo, biomassa e água), para melhor homogeneização da umidade e absorção, sendo necessário o descanso 120 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] do barro por média de 48 horas, antes da moldagem dos tijolos. Trata-se de um processo vigoroso e repetitivo para a boa qualidade da mistura do aglomerante ao aglomerado. Com isso adquirir o melhor ponto de liga do material composto. O ideal seria que o solo passasse por uma peneira grossa para o seu melhor “destorroamento” e mistura para homogeneização do mesmo, logo esse procedimento foi desprezado devido o material já tinha sido adquirido com um grande teor de umidade e seu composto apresentava-se muito argiloso. Esse processo de amassamento teve toda execução manual por meio artesanal e rústico. Logo com o tempo de descanso do material concluído, observou-se o ponto de umidade do material. Assim, foi dado início a distribuição das partículas e medição dos volumes disponíveis de cada amostra. Onde foram separados os volumes respectivos de cada amostra de percentual determinado por tratamento. Para o tratamento 1 (T1) 1% de Egeria adicionado a argila. Para o tratamento 2 (T2) 2% Egeria adicionado a argila e para o tratamento 3 (T3) 5% da macrófita fenada para inoculação na argila e confecção dos tijolos de adobe. Todos os três tratamentos tiveram 10 repetições. A moldagem consistiu em produzir uma amostragem com 10 peças de tijolos de adobe com peso de 2 kg de cada série. Logo foi feito o processo de pesagem volumétrica das amostras usando uma balança mecânica. Com o material já em ponto de boa mistura, onde a biomassa foi devidamente incorporada à argila para imediatamente colocá-la nas formas para tijolos. O ponto de boa mistura foi identificado visualmente. Antes da utilização das formas, estas se mantiveram dentro de tanques com água para manter-se úmida e facilitar a rápida desmoldagem das peças. Esse processo é bastante rápido, pois a partir do ponto de homogeneização de mistura o material é rapidamente lançado nas formas e em seguida depois de 10 minutos já é feita a desmoldagem, com isso torna-se um processo repetitivo de operação de: mistura, homogeneização, moldagem e desmoldagem. CARACTERIZAÇÃO DO ENSAIO Depois de confeccionados os tijolos com o intuito testar capacidade de resistência dos mesmos, foram enviadas três amostras de cada ensaio e uma amostra de tijolos confeccionados somente com argila, sem acréscimo da macrófita a sua constituição. Estas amostras foram encaminhadas ao Laboratório de Pesquisas de Estruturas e Materiais (LEMA) do NPT do Núcleo de Pesquisas Tecnológicas (NPT) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió-AL, para os ensaios de resistência à compressão de corpos-de-prova cilíndricos de concreto, blocos (cerâmicos e de concreto) e prismas (de blocos cerâmicos de concreto). As amostras encaminhadas ao laboratório caracterizam-se por quatro amostragens de tijolos maciços. Os ensaios foram realizados com base nos métodos de ensaios recomendados pelas normas da Associação 121 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): NBR 8492/81 – tijolo maciço de solo – cimento – Determinação da resistência à compressão da absorção d’água – Método de Ensaio e NBR 7170 Tijolo maciço para alvenaria. RESULTADOS Em exame visual verificou-se que os tijolos (T1), que foi adicionado 1% de biomassa à argila, foram encontrados nas dez amostras confeccionadas oito blocos que apresentaram fissuras. No experimento (T2), com 2% de biomassa adicionada à argila, dos dez blocos, cinco (50%) apresentaram fissuras. Nos blocos com 5% de biomassa misturada à argila somente em dois blocos (20%) foram encontradas fissuras, o que já demonstra que os tijolos com cinco por cento de macrófitas misturada à argila apresentam melhor resistência (Figura.3). Figura 3 - Tijolos com 1, 2 e 5% de Egeria densa em sua composição. A tabela 1 apresenta os resultados de resistência da amostra testemunha (tijolos de barro sem macrófitas). Tabela 1. Resistência em tijolos de barro sem inóculo da macrófita aquática Egeria densa ENSAIO DIMENSÕES (mm) 14/03/06 COMP. LARG. LOTE BLOCO Nº 0 01 14/03/06 111 108 22072 1,8 0 02 14/03/06 111 108 17413 1,5 0 03 14/03/06 111 108 22072 1,8 MÉDIA CARGA (N) TENSÃO (MPA) 1,7 122 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] A tabela 2 apresenta os resultados de resistência em tijolos de barro com inóculo de 1% de E. densa. Tabela 2. Resistência em tijolos de adobe com inóculo de 1% da macrófita aquática Egeria densa ENSAIO DIMENSÕES (mm) LOTE BLOCO Nº 1 1 CARGA (N) TENSÃO (MPA) 103 24525 2,1 101 24525 2,2 14/03/06 COMP. LARG. 01 14/03/06 111 02 14/03/06 111 MÉDIA 2,2 A tabela 3 apresenta os resultados de resistência em tijolos com inóculo de 2% de E. densa. Tabela 3. Resistência em tijolos de adobe com inóculo de 2% da macrófita aquática Egeria densa ENSAIO DIMENSÕES (mm) LOTE BLOCO Nº 2 CARGA (N) TENSÃO (MPA) 104 27959 2,5 108 100 26978 2,5 107 100 24525 2,3 14/03/06 COMP. LARG. 01 14/03/06 109 2 02 14/03/06 2 03 14/03/06 MÉDIA 2,4 A tabela 4 apresenta os resultados de resistência em tijolos com inóculo, 5% de E. densa. Tabela 4 - Resultados de resistência em tijolos de adobe com inóculo de 5% da macrófita aquática Egeria densa ENSAIO DIMENSÕES (mm) 14/03/06 COMP. 01 14/03/06 5 02 5 03 LOTE BLOCO Nº 5 LARG. CARGA (N) TENSÃO (MPA) 107 105 22073 2,0 14/03/06 108 102 27713 2,5 14/03/06 107 105 25751 2,9 MÉDIA 2,5 Diante os resultados, observa-se que a inoculação de 5% de fibra de E. densa à argila, para confecção de tijolos de adobe, apresentou menos fissuras e maior resistência que os demais (Figura 4). 123 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 4 - Tijolos com inóculos de 5% de Egeria densa DISCUSSÃO Segundo Margalef (1986) apud Vega (1997), “Comunidades de macrófitas que formam grandes ilhas impossibilitando a passagem total da luz pode acarretar a diminuição de 3 a 6 oC na temperatura em camadas inferiores da água, que por sua vez pode modificar totalmente o ecossistema subaquático”. Macrófitas aquáticas em excesso nos lagos e reservatórios, e principalmente próximos a capitação de água para abastecimento em piscicultura, podem proporcionar sérios problemas no cultivo de peixes, pelo acúmulo de matéria orgânica, deixando a água imprópria para esta finalidade. Como exemplo real, podemos citar o lago do Cemitério em Paulo Afonso, que face ao excesso de macrófitas aquáticas, ficou impróprio para o abastecimento de água na Estação de Piscicultura da CHESF, sendo necessário a transferência da captação d’água para o reservatório de Moxotó. Existem plantas aquáticas que constituem um substrato ideal para proliferação de insetos (culicideos), moluscos e outras comunidades transmissoras de enfermidades relacionadas com as represas (VEGA, 1997). A grande discussão deste trabalho está ao redor de um questionamento a respeito dos tijolos de adobe confeccionados da forma que este trabalho se propõe com a introdução de Egeria densa uma macrófita, recolhida nos reservatórios da CHESF, na cidade de Paulo Afonso - Bahia. Estes tipos de tijolos não são levados ao forno para queimar e sim deixados para secar normalmente o que permite uma discussão em relação a sua resistência. Ressalta-se que, ao longo do tempo, vários países, inclusive o Brasil e precisamente na região Nordeste, esta prática ainda é comum. No Estado do Piauí comunidades carentes fabricam seus tijolos de adobe geralmente as margens de reservatórios hidrelétricos. Estes secam ao sol e após, são utilizados diretamente na construção de suas casas sem necessidade de serem assados ao forno (Figs. 5 e 6). Através de várias culturas e hábitos sociais diferentes ainda se utiliza a 124 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] construção de casas a base de tijolos de argila crua, estando em acordo com autores como Barrios e Arcos (1986), que afirma que um terço da população vive em habitações de tijolos de adobe. Figura 5 - Fabricação de tijolos de adobe as margens do reservatório de Boa Esperança, Rio Parnaíba, MA/PI Figura 6 - Casa construída com tijolos de adobe em Porto Alegre do Piauí, PI. Segundo Meunier (1998), os egípcios, utilizavam tijolos de adobe para construir residências tanto dos ricos como pobres. Na bíblia são encontradas referências aos tijolos de adobe com utilização de fibras vegetais adicionadas aos blocos, tais como os seguintes trechos bíblicos: “tira água para o tempo do cerco; reforça as tuas fortalezas; entra no lodo, pisa o barro, pega na forma para os tijolos (livro de Naum, capítulo 3, versículo 14)” e “não tornareis a dar, como dantes, palha ao povo para fazer tijolos; vão eles mesmos, e colham palha para si (livro de Êxodo, capítulo 5, versículo 8)”. No experimento realizado dá para constatar que o tijolo de adobe possui uma boa resistência, mas quando misturada à argila junto com as macrófitas aquáticas na confecção do bloco principalmente na quantidade de 5% percebe-se nos resultados obtidos uma maior resistência destes tijolos. Em relação à manutenção de construções a base de tijolos de adobe, lembra-se que a 125 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] necessidade de manutenção não é somente dos tijolos de adobe, mas também que qualquer material utilizado em uma construção exigirá cuidados com sua manutenção seja ela corretiva ou preventiva para o seu bom desempenho e durabilidade. Os tijolos confeccionados, aparentemente, mostram asperezas no acabamento. No entanto, esta superfície menos lisa favorece a aderência de revestimento das paredes e a proteção mecânica dos tijolos, contra a ação do intemperismo e favorecem a sua utilização em outras obras de engenharia como construção de tanques e caixas de coletas para viveiros. A produção dos tijolos de adobe também favorece a diminuição progressiva do desmatamento e extração de madeira, que ainda hoje é utilizada como combustível, na queima de tijolos e telhas, um dos processos na produção nas olarias, estes de grande produção na região. Onde a extração de madeira continua sendo uma exploração econômica. CONCLUSÕES A utilização da macrófita Egeria densa para confecção de tijolos do tipo adobe é uma alternativa no controle do bloom destas macrófitas que ocorrem nos reservatórios das hidroelétricas como os da CHESF, o que vem acarreta transtornos operacionais ao setor elétrico na geração de energia. Os tijolos apresentaram boa resistência, de modo que podem ser utilizados para construções de casas populares e/ou para obras que exijam menor esforço, de forma que pode ser uma solução para aproveitamento das macrófitas retiradas dos reservatórios. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS NBR 7170. Tijolo maciço para alvenaria. Rio de Janeiro: ABNT, 1983. AGOSTINHO, A.A.; GOMES, L.C. Reservatório de Segredo, Bases Ecológicas para o Manejo. Maringá: COPEL, EDUEM, UEM, p. 350-351, 1997. BARRIOS, G. A., L; ARCOS. Comportamiento de los suelos para la confeccion de adobes. Informes de la construcion. 1986. CANFIELD J.R. et al. 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Contribución al Estudio de Plantas Acuáticas en Embalses Hidroeléctricos. El caso Itaipu (Margem Derecha). Ciudad del Este: Itaipu Binacional, 1997.D 127 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ANÁLISE ESTATÍSTICA DAS VARIÁVEIS DE CULTIVO DO CAMARÃO-CINZA Litopenaeus vannamei (BOONE, 1931) Bruno Leonardo da Silva SANTOS ([email protected]); Paulo de Paula MENDES ([email protected]) Departamento de Pesca e Aqüicultura/UFRPE. RESUMO Foram utilizados 53 dados de cultivos de uma fazenda comercial do camarão-cinza Litopenaeus vannamei, objetivando correlacionar as variáveis respostas com as de manejo utilizando-se modelos matemáticos. As variáveis dependentes analisadas foram: sobrevivência, peso final, fator de conversão alimentar, produção, produtividade e quantidade de ração, enquanto que as independentes foram: número do viveiro, número do ciclo, área do viveiro, trimestre do ano, ano, densidade de estocagem, dias de cultivo, laboratório fornecedor de pós-larva e marca da ração. Para selecionar as variáveis significativas nos modelos (P < 0,05), utilizou-se a técnica de Stepwise associada ao processo de transformação de Box e Cox. A estimação do transformador (λ) foi feito com a minimização da soma dos quadrados dos resíduos. Verificou-se que dias de cultivo, densidade de estocagem, laboratório fornecedor de pós-larva e a área dos viveiros foram as variáveis independentes significativas para predição das variáveis respostas. PALAVRAS CHAVE: Litopenaeus vannamei, manejo, modelos, variáveis. ABSTRACT STATISTICAL ANALYSIS OF THE VARIABLE OF CULTIVATION OF THE SHRIMP Litopenaeus vannamei (BOONE, 1931) Fifty tree data of cultivations of the commercial marine shrimp farm Litopenaeus vannamei were used, to correlate the dependent variables with the one of handling being used mathematical models. The analyzed dependent variables were: survival, final weight, ration rate, factor of alimentary conversion, production, productivity and amount of ration, while the independent ones were: number of the pond, number of the cycle, area of the pond, trimester of the year, year, stocking density, days of cultivation, supplying laboratory of post-larvae and mark of the ration. To select the significant variables in the models (P < 0.05), it was used the technique of Stepwise associated to the process of transformation of Box and Cox. The estimate of the transformer (λ) it was done with the minimization of the sum of the squares of the residues. It was verified that days of cultivation, stocking density, and supplying laboratory of post-larvae and the area of the pond were the significant independent variables for prediction of the variables. KEYWORDS: Litopenaeus vannamei, handling, models, variables. 128 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] INTRODUÇÃO A produção mundial de crustáceos em 2003 foi de aproximadamente 2,8 milhões de toneladas, em que os três principais produtores foram China, Tailândia e Vietnã. Desse total de crustáceos cultivados 75% foram representados pelos peneídeos e, aproximadamente, 25,9% dessa produção foi gerada pelo Litopenaeus vannamei sendo, portanto, a espécie mais cultivada no mundo (LIMA e MENDES, 2005). Atualmente, no Brasil, o L. vannamei é a única espécie de camarão-cinza cultivada. O Brasil produziu em 2004 aproximadamente 75,9 mil toneladas da espécie, o que corresponderam a 5,47% da produção mundial (FAO, 2006). O Nordeste do Brasil é o principal pólo da atividade da carcinicultura do país, acolhendo um total de 883 produtores, os quais são classificados em pequeno, médio e de grande porte e foram responsáveis por 93,1% da produção nacional em 2004. O estado de Pernambuco possui 98 produtores e destaca-se por ser o quarto maior produtor do país (RODRIGUES, 2005). No Brasil, a grande parte dos empreendedores da carcinicultura adota o cultivo bifásico, composto pela fase de berçário e de engorda. Segundo Nunes (2004), a fase berçário serve para aclimatar os camarões às condições ambientais da fazenda e selecionar os indivíduos mais resistentes e com tamanho homogêneo para a fase de engorda. Em sua maioria, a fase berçário, é desenvolvida em tanques de alvenaria, a densidade de estocagem média é de 15 a 30 mil pós-larva/m³ e o período de cultivo de 10 a 15 dias. A grande maioria dos criadores de camarão brasileiro adota a metodologia de cultivo semi-intensivo (na fase de engorda), a qual é caracterizada por densidades populacionais relativamente moderadas (20 a 30 ind/m2), pela utilização de aeradores, em horários críticos de diminuição do oxigênio dissolvido na água, e também pelo uso de ração como complemento ao alimento natural presente no viveiro (PONTES e ARRUDA, 2005). Técnicas estatísticas têm sido utilizadas para analisar os dados e modelar os parâmetros relacionados com o cultivo de camarão, buscando otimizar a produção. A análise de regressão é uma das técnicas utilizadas para correlacionar os dados de manejo e vários autores já utilizaram esse método (PEREIRA, 2001; LIMA, 2005; XIMENES, 2005; BEZERRA, 2006). Segundo Mendes (1999), a regressão tem como objetivo explicar ou prever determinados eventos, baseando-se em fatores que podem ser quantitativos e ou qualitativos, mas que sejam relacionáveis entre si. A regressão é uma técnica estatística utilizada para determinar uma curva ou uma reta que melhor ajuste aos dados observados (PEREIRA, 2001). Mendes (1999), ao relacionar uma variável resposta Y, em função de outras variáveis independentes, recomenda a utilização do seguinte modelo linear múltiplo: 129 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Yi = β0 + β1X1i + β2X2i + ... + βkXki + ei Em que: Yi – i-ésima observação da variável dependente Y; β0, β1, β2, ..., βk – parâmetros do modelo; X1, X2, ..., Xk – variáveis independentes; ei - erro aleatório com distribuição N(0, σ2). Para estimar os parâmetros do modelo (β) Mendes et al. (2006), aconselham fazer com o auxílio de matrizes, ou seja: b̂ k = (XTX)-1(XTY) Em que: T – matriz transposta; -1 – matriz inversa; b̂ k – estimadores de βk = (0, 1, 2,..., k) Nesses modelos, ou seja com “Xk” variáveis independentes, segundo Neter e Wasserman (1974), a técnica mais utilizada para selecionar as variáveis significativas é a de “Stepwise”. Essa técnica consiste basicamente em estimar o valor da sua estatística “F” de todas as variáveis independentes, em relação a dependente, e depois, dependendo do seu valor coloca-la ou não no modelo. Dependendo da técnica uma variável que foi inserida no modelo, poderá ser retirada posteriormente (MENDES et al., 2006). Para que um modelo possa ser utilizado, faz-se necessário realizar a análise de variância (ANOVA) para regressão, a qual tem como finalidade verificar a linearidade do conjunto dos dados observados (DRAPPER E SMITH, 1981; MONTGOMERY E PECK, 1982). Com a ANOVA, testa-se se a equação ajustada apresenta as inclinações (β1, 2, 3,..., k) iguais a zero ou não (MENDES et al., 2006). Portanto, objetivou-se com o presente trabalho analisar estatisticamente as variáveis de cultivo de uma fazenda comercial de camarão-cinza Litopenaeus vannamei, com o intuito de identificar as variáveis de manejo mais significativas sobre as variáveis respostas de cultivo. MATERIAL E MÉTODOS Dados oriundos de uma fazenda do camarão-cinza Litopenaeus vannamei, foram utilizados para correlacionar matematicamente as variáveis de manejo com os dados de produção. A referida fazenda localiza-se no município de Sirinhaém, distante 76 Km do Recife, no litoral sul do Estado de Pernambuco, Brasil. Esse agronegócio, possui uma área total de 54 ha, dos quais 30,7ha são destinados a carcinicultura. A captação de água é realizada por uma estação de bombeamento, localizada às margens do estuário do Rio dos Passos. Sua infra-estrutura principal é composta por prédio de administração, quatro tanques-berçário, sendo dois de 200 m3 e dois de 100 m3. Possui 11 viveiros com área média de 2,64ha/cada. O sistema de cultivo utilizado na fazenda é o bifásico. Na primeira fase, as pós-larvas (PL) são aclimatadas as condições locais, estocadas a densidade de 25 a 30 PL/L, durante 15 a 20 dias, em tanques-berçário de alvenaria e com forma retangular. Após esse período são transferidas para os 130 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] viveiros de engorda (segunda fase), utilizando-se recipientes denominados submarinos. Nessa fase, a densidade média de estocagem é de 40 camarões/m2. Nos viveiros as pós-larvas são estocadas até atingirem peso para comercialização. Os tanques-berçário ou os viveiros de engorda, antes de serem povoados são submetidos a um período de vazio, para sua preparação. A limpeza e desinfecção dos tanques-berçário são feitas retirando-se os incrustantes, contido na lateral dos tanques, depois são lavados com sabão neutro e em seguida água clorada (5,0 ppm) e exposição ao sol durante dois dias. A limpeza dos viveiros de engorda é baseada na remoção dos incrustantes encontrados nas estacas de fixação das bandejas, nas bandejas, cascos dos aeradores, comportas de drenagem e abastecimento. Após a retirada dos incrustantes é feito o mapeamento do solo, objetivando identificar as isolinhas de pH e, posteriormente, fazer a aplicação de calcário dolomítico, para sua correção. Também é feita a esterilização, com cal virgem e hipoclorito de sódio, para eliminar possíveis parasitas e predadores existentes no viveiro. A cal virgem é utilizada nas valas dos viveiros e ao redor das estacas das bandejas de alimentação. O hipoclorito é utilizado apenas nas valas. Após este processo são feitas as vedações das comportas, colocação das telas e em seguida inicia-se o enchimento do viveiro. A última etapa para o processo de preparação do viveiro de engorda é a fertilização, cujo objetivo é o aumento da disponibilidade do alimento natural já existente no viveiro. O uso de fertilizante foi feito de acordo com as peculiaridades de cada viveiro (Área, profundidade, produção natural do viveiro, etc.). Os principais fertilizantes utilizados foram: Silicato e Nitrato de sódio. Na fase do berçário, administrou-se ração a cada duas horas durante todo o dia. Na engorda, nos primeiros 25 dias a ração foi administrada a lanço. Após esse período, a ração foi administrada em bandejas e ofertada três vezes ao dia, em intervalos de quatro horas, com a quantidade de ração previamente determinada. Após 30 dias de cultivo iniciaram-se semanalmente as biometrias, com intuito de coletar dados para monitorar o crescimento e as condições de saúde dos camarões. Foram escolhidos quatro pontos distintos do viveiro, para coleta do material. Em média, para cada ponto, foram capturados 50 camarões. Baseando-se nessas amostras foram avaliados o crescimento dos camarões. O monitoramento da qualidade de água (oxigênio dissolvido, temperatura, transparência, pH e salinidade) foi realizado diariamente com três mensurações no período do dia e três durante a noite com exceção da transparência o qual era mensurado uma vez ao dia. Com base nesses resultados foram tomadas ações corretivas. Com base nas informações referidas anteriormente quanto ao manejo, foi organizado o Banco de Dados correspondente ao período do 3º trimestre de 2003 ao 4º trimestre de 2005. A massa de dados 131 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] utilizada foi ordenada pelas variáveis respostas (dependentes) e as de manejo (independentes) de acordo com a Tabela 1. Tabela 1 - Variáveis utilizadas para o gerenciamento do Banco de Dados de produção do camarão-cinza Litopenaeus vannamei. Variáveis dependentes Variáveis independentes Sobrevivência (%) (Sob) Número do viveiro (Viv) Peso final (kg) (Pfinal) Número do ciclo (Ciclo) Fator de conversão alimentar (FCA) Área do viveiro (ha) (Area) Produção (kg) (Prod) Trimestre do ano (Trim) Produtividade (kg/ha/ciclo) (Prodt) Ano (Ano) Quantidade de ração (kg) (Qração) Densidade de estocagem (ind/m²) (Dini) Dias de cultivo (Dcult) Laboratório fornecedor de pós-larva (LAB) Marca da ração (RAC) A variável “Trimestre do ano” (Trim) foi inserida no Banco de Dados baseando-se na data de início do cultivo, portanto cada cultivo foi identificado com Trim1, ou Trim2, ou Trim3 ou Trim4, para os trimestres de 1 a 4, respectivamente. A variável “Laboratório fornecedor de pós-larva” (LAB) foi representada por 4 empresas, doravante denominadas de LAB1, LAB2, LAB3 e LAB4. Enquanto que a de ração (RAC), por 3 empresas (RAC1, RAC2 e RAC3). Para correlacionar as variáveis respostas de cultivo com as de manejo (Tabela 1), utilizou-se o seguinte modelo linear múltiplo: Respostaiλ = β0 + β1 Viv + β2 Ciclo + β3 Area + β4 Trim1 + β5 Trim2 + β6 Trim3 + β7Ano + + β8 Dini + β9 Dculti + β10 LAB1 + β11 LAB2 + β12 LAB3 + β13 RAC1 + + β14 RAC2 + єi Em que: Resposta – poderá assumir as variáveis dependentes; β0, β1, β2, ..., β14 – parâmetros do modelo; Viv – Viveiro; Ciclo – Ciclo; Área – Área; Trim1 – 1ºtrimestre do ano; Trim2 - 2ºtrimestre do ano; Trim3 - 3ºtrimestre do ano; Ano – Ano; Dini – Densidade de estocagem; Dcult – dias de cultivo; LAB1 – Fornecedor de pós-larva 1; LAB2 – Fornecedor de pós-larva 2; LAB3 – Fornecedor de pós-larva 3; RAC1 – Fabricante de ração 1; RAC2 – Fabricante de ração 2; λ – Coeficiente de transformação; є – Erro; i – i-ésima observação. 132 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] As variáveis de manejo “Trimestre do Ano”, “Laboratório fornecedor de pós-larva” e “Marca da ração”, por serem qualitativas foram inseridas no modelo sob forma de variável muda (0 ou 1). Para não ocorrer numa indeterminação do determinante na matriz de dados, fez-se necessária a exclusão de um dos níveis de cada uma dessas variáveis, no modelo. Os parâmetros do referido modelo (β) foram estimados com auxílio das matrizes de determinação, segundo recomendações preconizadas por Mendes et al. (2006). Para selecionar as variáveis significativas no modelo (P < 0,05) foi utilizada a técnica de Stepwise forward e/ou backward, associada ao processo de transformação de Box e Cox (BOX e COX, 1964). A estimação do coeficiente de transformação (λ) foi feito com a minimização da soma dos quadrados dos resíduos, de acordo com recomendações de Montgomery e Peck (1982). Os cálculos de estimação dos modelos foram realizados utilizando os softwares Syseapro e Excel. RESULTADOS E DISCUSSÃO Dos 53 registros de cultivo foram utilizados apenas 43 dados em decorrência dos demais apresentarem valores destoantes a um Banco de Dados para o camarão-cinza Litopenaeus vannamei, ou por apresentarem erros como valores faltando. Portanto, ao utilizar a estatística descritiva (mínimo, máximo e média) verificou-se os resultados apresentados na tabela 2. Tabela 2 - Variação dos dados de cultivo do camarão-cinza Litopenaeus vannamei, oriundos de uma fazenda comercial. VARIÁVEIS MÍNIMOS MÁXIMOS MÉDIA ± ERRO* Ciclo 1 9 4,53 ± 0,65 Densidade de estocagem (ind/m2) 14,5 71,4 42,04 ± 4,08 Dias de cultivo (dias) 69 177 115,93 ± 7,79 Sobrevivência (%) 40,1 89 70,07 ± 3,45 Área (ha) 1,75 3,77 2,62 ± 0,11 Peso final (g) 6,8 14 10,1 ± 0,57 Produção (kg) 1677 18471 7753,37 ± 1019,97 Produtividade (kg/ha/ciclo) 682 6527 2961,69 ± 363,67 Quantidade de ração (kg) 2378 31505 13681,95 ± 1878,77 FCA 1,01 2,68 1,7 ± 0,09 * Erro = t (GL; α/2). S x . Em que: t – distribuição t de student; S x – erro padrão da média. 133 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] De acordo com os dados da Tabela 2, observou-se que se trata de uma fazenda de atividades recente, pois o número máximo de ciclo foi de 9. Admitindo a possibilidade de 3 cultivos por ano (115,93 ± 7,79 dias), estimou-se uma vida útil nesse agronegócio de 3 anos, aproximadamente. Verificou-se também grande variação entre o peso final mínimo e máximo (106,0%), o que pode ser atribuído à variação dos dias de cultivo. A grande variação do peso final e da sobrevivência influenciou diretamente nas variáveis respostas produção, produtividade e quantidade de ração. Ao correlacionar as variáveis dependentes com as independentes, obtiveram-se as seguintes equações matemáticas e suas respectivas análises de variância apresentado na Tabela 3. As equações apresentadas na Tabela 3 para serem utilizadas devem estar em conformidade com os valores de mínimos e máximos apresentados na tabela 2. Ao observar as equações matemáticas verificou-se que algumas variáveis de manejo não influenciaram nas variáveis respostas de cultivo (Trimestre do ano, Ciclo, Fabricante de ração e o número do viveiro) (Tabela 3). Esses resultados contradizem os modelos estimados por Lima (2005) e Bezerra (2006). Com base nas equações estimadas, foram construídas as respectivas representações gráficas para uma melhor compreensão e análise dos dados. Verificou-se que o fator de conversão alimentar (FCA) foi influenciado apenas pela variável “dias de cultivo”, ou seja, quanto maior o tempo de cultivo maior o valor do FCA (Figura 1). Maia et al. (2004), ao avaliarem a influência da densidade de estocagem no FCA, constatou que essa variável não influenciou estatisticamente no mesmo e sim que o FCA obedeceu a uma estreita relação com o tempo de cultivo, aumentando com o incremento da duração do tempo de cultivo e diminuindo à medida que o mesmo decresce. Lima (2005) em uma análise similar encontrou que o FCA é dependente do tempo de cultivo e outras variáveis. Verificou-se que o aumento da densidade de estocagem das pós-larvas, até 71,4ind/m², propiciou uma maior produtividade e que nesse caso as pós-larvas com origem do laboratório 3, “Dcult 69” e “Dini 14,5”, tiveram uma produtividade maior em 25,34% em relação as demais fornecedoras de pós-larvas (Figura 2). Wasielesky et al. (2003) ao cultivarem o Farfantepenaeus paulensis obtiveram que as melhores densidades de cultivo encontram-se no intervalo de 15 a 30 ind/m². Almeida et al. (1999) ao cultivarem o L.vannamei utilizando rações alternativas e não utilizando aeração mecânica estimou que a densidade de 10ind/m² foi a melhor densidade de cultivo, mas ressaltou que com isto a produtividade era menor. Castro et al. (2000) utilizando densidade de 30 ind/m² durante 95 dias obtiveram uma produtividade de 724,79kg/ha/ciclo. 134 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Tabela 3 - Equações matemáticas obtidas para dados de cultivo do camarão-cinza Litopenaeus vannamei, em viveiros comerciais. 1. Fator de conversão alimentar (FCA) EQUAÇÃO: FCA = (0,9228 + 0,00327*Dcult)² ANOVA FV GL SQ Regressão 1 2,0377 Resíduo 40 1,7393 R² = 0,528 λ = 0,5 QM 2,0377 0,0435 F 46,8612 2. Produtividade (Prodt) EQUAÇÃO: Prodt = (9,9256 + 0,16627*Dcult + 0,523*Dini + 4,5605*LAB3)² ANOVA FV GL SQ QM F Regressão 3 44848802,6428 14949600,8809 42,6395 Resíduo 38 13322985,3027 350604,8764 R² = 0,7529 λ = 0,5 3. Peso final (Pfimal) EQUAÇÃO: Pfina l = (2,2137 + 0,008282*Dcult)² ANOVA FV GL SQ Regressão 1 77,0059 Resíduo 40 67,9683 R² = 0,5194 λ = 0,5 QM 77,0059 1,6992 4. Sobrevivência (Sob) EQUAÇÃO: Sob = (70,9052 - 0,5686*Dcult)/ (1 – 0,008*Dcult) ANOVA FV GL SQ QM Regressão 2 4997,1162 2498,5581 Resíduo 39 261,5695 6,7069 R² = 0,9477 Prob(F) 0,0000 Prob(F) 0,0000 F 45,3187 Prob(F) 0,0000 F 372,5349 Prob(F) 0,0000 5. Produção (Prod) EQUAÇÃO: Prod = (-8,07026 + 8,249*Area + 0,2793*Dcult + 0,8541*Dini + 8,9544*LAB3)² ANOVA FV GL SQ QM F Prob(F) Regressão 4 352131364,4153 88032841,1038 39,3856 0,0000 Resíduo 37 82700657,0376 2235152,8929 R² = 0,7892 λ = 0,5 6. Quantidade de ração (Qração) EQUAÇÃO: Qração = (-31,1039 + 8,3161*Área + 0,6241*Dcult + 1,0797*Dini + 11,3439*LAB3)² ANOVA FV GL SQ QM F Prob(F) Regressão 4 1413216375,6075 353304093,9019 72,2814 0,0000 Resíduo 37 180852291,7311 4887899,7765 R² = 0,8785 λ = 0,5 135 Fator de Conversão Alimentar (FCA) Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] 2,50 FCA = (0,9228 + 0,003271*Dcult)² R² = 0,528 2,00 1,50 1,00 0,50 65 80 95 110 125 140 Dias de cultivo 155 170 185 Figura 1 - Fator de conversão alimentar (FCA) do camarão-cinza Litopenaeus vannamei em função dos dias de cultivo. Dcult = 69 LAB 3 Produtividade (kg/ha/ciclo) 4500 Prodt = (9,9256 + 0,16627*Dcult + 0,523*Dini + 4,5605*LAB3)² 3500 R² = 0,7529 Dcult = 69 Outros LAB 2500 1500 500 14 24 34 44 54 64 74 Densidade de Estocagem (ind/m²) Figura 2 - Produtividade em função da densidade de estocagem do camarão-cinza Litopenaeus vannamei (ind/m²) em viveiros comerciais. De acordo com o modelo para predição do peso final do camarão-cinza, verificou-se que foi diretamente proporcional apenas ao tempo de cultivo (Figura 3). Bezerra (2006) identificou também a influência do tempo de cultivo no ganho de peso, porém em seu modelo detectou a influência da origem das pós-larvas. Pereira (2001), em seu trabalho com Macrobrachium rosenbergii, constatou que em cultivos realizados com tempos mais longos, foram obtidos indivíduos com maior ganho de peso. Mendes et al. (1997), trabalhando com a espécie Macrobrachium rosenbergii, observaram que os camarões apresentam maior ganho de peso quando cultivados por períodos mais longos. Lima (2005). 136 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] 16 Pfinal = (2,2137 + 0,008282*Dcult)² Peso final (g) 14 R² = 0,5154 12 10 8 6 65 80 95 110 125 140 155 170 185 Dias de Cultivo Figura 3 - Peso final em função dos dias de cultivo Litopenaeus vannamei em viveiros comerciais. ao analisar o peso final dos camarões L.vannamei observou que além do tempo de cultivo outras variáveis influenciam no seu resultado.Ao correlacionar a sobrevivência com as variáveis de cultivo, verificou-se que ela foi inversamente proporcional ao tempo de cultivo e que, nessa equação (Figura 4), apenas o tempo de cultivo influenciou nessa resposta. 72 Sobrevivência (%) Sob = (70,9052 - 0,5686*Dcult) / (1 - 0,008*Dcult) R² = 0,9477 71 70 69 65 75 85 95 105 115 Dias de Cultivo Figura 4 - Sobrevivência em função dos dias de cultivo Litopenaeus.vannamei em viveiros comerciais. 137 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Segundo Lima (2005), a variável sobrevivência é influenciada pela estação do ano, o que está em desacordo com presente trabalho, porém ele obteve um R² igual a 0,042, levando a acreditar que seu modelo não foi muito preciso. Modesto e Maia (2004), cultivando o L .vannamei em viveiros berçários intensivos durante 41 dias obtiveram uma sobrevivência de 96,3% e durante 43 dias sobrevivência de 87,9%, porém eles não atribuíram a grande diferença na sobrevivência apenas a diferença ao tempo de cultivo. Paquote et al. (1998), cultivando o L. vannamei em tanque-rede obtiveram uma sobrevivência de 49% após 120 dias de cultivo. A produção do camarão-cinza L. vannamei, em viveiros comerciais, foi altamente dependente da área dos viveiros, dos dias de cultivo, da densidade de estocagem e fornecedor de pós-larvas (Figura 5). A produção foi maximizada quando se utilizaram pós-larvas oriundas de LAB3, o qual propiciou aumento de 34,38% na produção, em relação às demais pós-larvas. Area = 1,75 ha Dcult = 69 dias LAB3 Produção (kg) 10000 Prod = (-8,07026 + 8,249*Area + 0,2793*Dcult + + 0,8541*dini + 8,9544*LAB3)² 8000 Area = 1,75 ha Dcult = 69 dias Outros LAB R² = 0,7892 6000 4000 2000 0 14 24 34 44 54 64 74 Densidade de Estocagem (ind/m²) Figura 5 - Produção em função da densidade de estocagem de pós-larvas do Litopenaeus vannamei em viveiros comerciais. Castro et al. (2000), utilizando dados de produção, observaram que um viveiro de 2,34 ha submetido a uma densidade de 30ind/m², obtém-se uma produção de 1696 kg. Cavalcanti et al. (2000), analisando os dados de cultivo em um viveiro de 3,0 ha e uma densidade média de 19,35 ind/m² observaram uma produção média de 4276,5 kg. Ostrensky et al. (2000), citaram que em viveiros com área de 2,92 ha, com densidade média de 11,73 ind/m², é possível obter uma produção de 3282 kg. Assim como na produção (Figura 5), verificou-se que a quantidade de ração administrada (Figura 6) para o L.vannamei foi proporcional à área do viveiro, dias de cultivo, densidade de estocagem e aos laboratórios fornecedores de pós-larvas. Ao utilizar as pós-larvas oriundas do LAB3 138 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] foi identificado um aumento de 37,9% na quantidade de ração administrada em relação às pós-larvas dos outros fornecedores. Verificou-se que a relação entre densidade de estocagem e quantidade de ração administrada foi crescente. Maia et al. (2000), ao cultivarem o L.vannamei durante 113 dias obtiveram um consumo de 5100 kg de ração. Castro (2000), ao cultivar o L.vannamei em sistema semiintensivo com uma densidade de 30 ind/m² durante 95 dias utilizou 1967 kg de ração. Os modelos, para correlacionar o peso final e fator de conversão alimentar, não apresentaram um bom índice determinístico (R²) isto pode ser atribuído à falta de outras variáveis principalmente os parâmetros físicos e químicos da água como oxigênio dissolvido, pH, temperatura, salinidade, etc. que podem ser associadas a essas respostas. Qunatidade de Ração (kg) 16000 13000 Qração = (-31,1039 + 8,3161*Area + 0,6241*Dcult + + 1,0797*Dini + 11,3439*LAB3)² 10000 Area = 1,75 Dcult = 69 LAB3 R² = 0,8785 7000 Area = 1,75 Dcult = 69 Outros LAB 4000 1000 14 24 34 44 54 64 74 Densidade de Estocagem (ind/m²) Figura 6 - Quantidade de ração ofertada ao camarão-cinza Litopenaeus vannamei quando submetido as diferentes densidades de estocagens. CONCLUSÕES “Dias de cultivo”, “densidade de estocagem”, “laboratório fornecedor de pós-larva” e “área” foram as variáveis independentes significativas para predição das variáveis respostas. As variáveis respostas “fator de conversão alimentar”, “peso final” e “sobrevivência” foram influenciadas apenas pela variável “dias de cultivo”. A variável independente “laboratório fornecedor de pós-larva” foi altamente significativa nas respostas de “produção”, “produtividade” e “quantidade de ração” ofertada. 139 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] REFERÊNCIAS ALMEIDA, S.A.A. et al. Estudo preliminar do cultivo de Penaeus vannamei (Boone, 1931) em tanques com diferentes densidades de estocagem. XI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA DE PESCA. Anais… Recife, 1999. p. 648- 653. BEZERRA, A.M. Seleção de Variáveis significativas em modelos otimizados de estimação dos parâmetros de cultivo do camarão marinho Litopenaeus vannamei (Boone, 1931). Dissertação (Mestrado em Biometria), UFRPE, Recife, 2006.100p. BOX, G. E. P.; COX.D.R. An analysis of transformation. Journal of Roy, Stat. Soc., Ser. B, v. 26, p. 211-243, 1964. CASTRO, P.F.; MAIA, E.P.;CORREIA, E.S. 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Pesca 2[1] SOBREVIVÊNCIA DE TILÁPIA-DO-NILO Oreochromis niloticus (LINNAEUS, 1758) EM DIFERENTES CONCENTRAÇÕES DE BIOFERTILIZANTE Éder André GUBIANI ([email protected]) Curso de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, Departamento de Biologia, Universidade Estadual de Maringá Nyamien Yahault SEBASTIEN ([email protected]) Departamento de Engenharia de Pesca, Universidade Estadual do Oeste do Paraná RESUMO Resíduos de suinocultura causam problemas de poluição das águas em vários países do mundo, em virtude de suas altas cargas orgânicas. Dessa forma, tem crescido o uso de biossistemas integrados nos quais os dejetos suínos e de outros animais passam por um processo de decomposição em um biodigestor que, além de remover boa parcela de poluentes, transforma os dejetos em biofertilizantes e biogás. A tilapicultura vem se mostrando uma ótima alternativa para a piscicultura de água doce. Assim, o principal objetivo deste trabalho foi avaliar a sobrevivência de tilápia (Oreochromis niloticus) em diferentes concentrações de biofertilizante, em substituição a adubação tradicional, bem como, a influência de algumas variáveis abióticas. O pH, oxigênio dissolvido e a condutividade elétrica apresentaram diferenças significativas entre os períodos e concentrações analisadas, entretanto a interação entre os níveis dos fatores foi significativa (p<0,05), não sendo possível, portanto distinguir se a maior fonte de variabilidade é temporal ou dos tratamentos. A temperatura da água apresentou diferenças significativas entre os períodos analisados (p<0,05), sendo maior à tarde. O tempo de sobrevivência apresentou uma relação quadrática negativa com a concentração de biofertilizante (Tempo de sobrevivência = a + b*concentração de biofertilizante + c*(concentração de biofertilizante)2). A concentração de 25% apresentou o maior tempo de sobrevivência (≈ 35 dias). A concentração ideal para que a sobrevivência seja maximizada foi de 13,44%. É evidente que a utilização de excrementos como fertilizante reduz os custos de produção e aumenta a produtividade em condições de manejo assistido. Considerando os altos custos para implantação de biodigestores a atividade de piscicultura torna-se mais uma fonte de renda nesse sistema, entretanto apenas uma pequena parcela de biofertilizante pode ser empregada para tal finalidade. PALAVRAS-CHAVE: resíduos, biofertilizante, sobrevivência, tilápias. 143 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ABSTRACT SURVIVAL OF NILE TILAPIA Oreochromis niloticus (LINNAEUS, 1758) IN DIFFERENT BIOFERTILIZING CONCENTRATIONS. Wastes of pig raising cause problems of water pollution in many countries around the world, because of their high organic loads. Thus, the use of integrated biosystems has increased, in which the rejects from the pigs and other livestock are decomposed by a bio-digester, that besides removing a large amount of pollutants, can also transform rejects in biofertilizers and biogas. Tilapia farming has been shown a good alternative to the freshwater fish cultures. Therefore, this work aimed to evaluate the survival of tilapia (Oreochromis niloticus) raised in different concentrations of bio-fertilizers, as a substitute for the traditional fertilizing techniques, and the influence of some abiotic factors. Dissolved oxygen, pH and electric conductivity showed significant differences among the experimental periods and biofertilizing concentrations. However, the significant interaction among factor levels (p <0.05) indicates that it is not possible to determine whether the main source of variability is from the period or from the treatments. Water temperature showed significant differences among the periods (p <0.05), being higher in the afternoon. The survival time showed a negative quadratic relationship with the biofertilizing concentration (Survival time = a + b*biofertilizing concentration + c*(biofertilizing concentration)2). A concentration of 25% produced the longest survival time (≈ 35 days). The ideal concentration to maximize survival was 13.44%. Evidently, the use of rejects as fertilizers reduces the cost of the fish production, and may increase its productivity in conditions of attended handling. Considering the high costs for biodigesters implantation, the activity becames plus a surce of income in this sistem, however only one small parcel of biofertilizers can be used for such purpose. KEYWORDS: rejects, biofertilizing, survival, tilapias. INTRODUÇÃO A piscicultura pode ser uma saída relativamente simples para a ampliação dos limites de exploração dos recursos naturais e obtenção de proteína animal a baixo custo (econômico e social), principalmente para países tropicais, como o Brasil, onde a produção piscícola pode ser multiplicada pela sua riqueza de mananciais, pelo grande número de diferentes espécies e pela união da agropecuária e aqüicultura no reaproveitamento de resíduos (ALZUGUIR, 1984). Nos dias atuais a crescente produção de resíduos, tanto nos grandes centros populacionais como nas propriedades rurais, tem se tornado um grande problema para pesquisadores e administradores políticos. 144 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] No meio rural, os resíduos de suinocultura causam problemas de poluição e contaminação das águas em vários países do mundo, em virtude de suas altas cargas orgânicas, de sólidos e de nutrientes (N e P). No Brasil, com rebanho de suínos estimado em 36,5 milhões (ABCS, 1999), a produção concentra-se nas regiões Sul (34,1% dos animais) e Sudeste (18,8% dos animais). Um dos maiores problemas no confinamento de suínos, é a grande quantidade de dejetos produzidos diariamente, a qual é considerada pelos órgãos ambientais como atividade de grande potencial poluidor. Diagnósticos recentes têm demonstrado um alto nível de contaminação dos rios e lençóis de água superficiais que abastecem tanto o meio rural como o urbano (DIESEL et al. 2002). De forma a reduzir o potencial poluidor da suinocultura algumas medidas estão sendo sugeridas, como é o caso da integração com outros animais. A criação de peixes no sistema de integração vem sendo bastante utilizada nos últimos dez anos, possivelmente devido aos baixos custos de produção. Vários autores têm demonstrado que a consorciação de viveiros associados com porcos e patos apresentam muitas vantagens, principalmente na Europa, Ásia e África (BLUME, 1960; LINGEN, VAN DER, 1960; CHISLOV e CHESNOKOV, 1974; WOYNAROVICH, 1976; BEHRENDT, 1978). Outra medida em crescente expansão é a utilização de biodigestores inicialmente mais onerosa, porém em longo prazo torna-se uma solução viável. Os biodigestores são uma alternativa para o tratamento de dejetos, pois além de permitir a redução do potencial poluidor e dos riscos sanitários dos dejetos ao mínimo, promove a geração de biogás, utilizado como fonte de energia alternativa e permite a reciclagem do efluente, podendo ser utilizado como biofertilizante (AMARAL et al. 2004). Dessa forma, tem crescido o uso de biossistemas integrados nos quais os dejetos suínos e de outros animais passam por um processo de decomposição em um biodigestor que, além de remover boa parcela de poluentes, transforma os dejetos em biofertilizantes e biogás. As águas servidas passam por tanques de criação de algas que servem para alimentação de peixes e crustáceos, transformando os dejetos, que eram considerados uma ameaça ambiental, em uma oportunidade de agregar valor a nível econômico. A tilapicultura vem se mostrando uma ótima alternativa para a piscicultura de água doce e estuarina. A expansão do cultivo da tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) deve-se ao ótimo desempenho, alta rusticidade, facilidade de obtenção de alevinos, adaptabilidade aos mais diversos sistemas de criação, grande aceitação no mercado de lazer (pesque-pague) e alimentício (frigoríficos), pelas qualidades nutritivas e organolépticas do seu filé (MEURER et al. 2003). Assim, o principal objetivo deste trabalho foi avaliar a sobrevivência de tilápia (Oreochromis niloticus) em diferentes concentrações de biofertilizante, como substituinte da adubação orgânica “in natura”. Desse modo, otimizando o uso de biofertilizante na adubação de tanques de piscicultura 145 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] evitando problemas de mortalidade de peixes com o uso excessivo de tal recurso. Assim, tentamos responder as seguintes questões: i) Qual a melhor concentração para que a sobrevivência seja maximizada? ii) Quais variáveis abióticas influenciam no tempo de sobrevivência nas diferentes concentrações? MATERIAL E MÉTODOS O presente experimento foi realizado no Laboratório de Aqüicultura, do Departamento de Engenharia de Pesca na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, durante o período de 10 de janeiro a 18 de fevereiro de 2001. Foram utilizados 15 alevinos de tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), com aproximadamente 35 dias de idade, distribuídas num delineamento completamente casualizado, com cinco tratamentos (0, 25, 50, 75 e 100% de diluição do biofertilizante) e três repetições, em 15 aquários, onde foi considerado como unidade experimental, um aquário com 1 alevino. Os aquários de vidro, apresentavam capacidade total de 57,6 l, entretanto o volume de água utilizado neste experimento foi de 35 l. Possuíam aeração constante por pedra microporosa ligadas por meio de uma tubulação de PVC, a um soprador elétrico monofásico com potência de 1/4 cv. Os alevinos foram alimentados “ad libitum” com ração comercial contendo 32% de proteína bruta. Os aquários foram sifonados, para a retirada das fezes e restos de ração, uma vez ao dia (12h00) com a remoção de cerca de 30% da água total diária, sendo as diluições novamente repostas para concentração acima especificada. A temperatura da água (°C), pH, oxigênio dissolvido (mg/l) e condutividade elétrica (µS/cm) foram quantificados diariamente, em cada aquário, pela manhã e a tarde sempre antes da sifonagem. A fim de verificar qual a melhor concentração de biofertilizante, que resulte em um maior tempo de sobrevivência, os dados foram plotados em gráfico de dispersão, posteriormente foi ajustado aos dados um polinômio de grau dois. Para encontrar o ponto de máximo da função ajustada, o qual corresponde a melhor concentração de biofertilizante, procedemos de forma que derivada fosse igual à zero, resolvendo o sistema para encontrarmos a solução. Para verificar se existem diferenças significativas entre as médias das variáveis abióticas entre os períodos (manhã e tarde; fator 1) e concentrações (0, 25, 50, 75 e 100%; fator 2) foi aplicado uma análise de variância (ANOVA bifatorial) (os pressupostos de normalidade e homocedasticidade foram testados pelos testes de Shapiro-Wilk e Levene, respectivamente). Quando a ANOVA identificou diferenças significativas, foi aplicado o teste de Tukey a posteriori, para verificar quais os níveis dos fatores que diferiram isso quando a interação não foi significativa. Os testes estatísticos (ANOVA bifatorial) e a estimação dos parâmetros do modelo (procedimento não-linear, método de estimação dos 146 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] mínimos quadrados) foram feitos usando o software StatisticaTM 7.1 (STATSOFT INC. 2005). O nível de significância estatística adotada foi de p<0,05. A qualidade do ajuste foi verificada com base em seu percentual de explicação da variação total. RESULTADOS E DISCUSSÃO As variáveis físicas e químicas da água pH, oxigênio dissolvido e condutividade elétrica apresentaram diferenças, entre as diferentes concentrações e entre os períodos analisados (Tabela 1), porém não é possível distinguir se a maior fonte de variabilidade é temporal ou dos tratamentos, pois a interação entre os níveis dos fatores analisados foi significativa, demonstrando tendências diferentes para os períodos amostrados (Figura 1). Tabela 1. Resultados das Anovas bifatoriais avaliando-se a fonte de variação dos tratamentos (concentrações; 0, 25, 50,75 e 100%), temporal (períodos; manhã e tarde) e a interação entre essas fontes para as variáveis físicas e químicas da água analisadas. VARIÁVEL Temperatura pH Oxigênio Dissolvido Condutividade elétrica EFEITOS S.Q. G.L. Q.M. F P Períodos 1043,61 1 Concentrações 0,00 4 0,00 0,00 1,00 Períodos*Concentrações 0,00 4 0,00 0,01 1,00 Erro 94,20 1040 0,09 Períodos 40,02 1 40,02 Concentrações 1736,39 4 434,10 13069,98 0,00 Períodos*Concentrações 9,86 4 2,46 Erro 34,54 1040 0,03 Períodos 29,93 1 29,93 Concentrações 2288,58 4 572,15 Períodos*Concentrações 10,10 4 2,52 Erro 53,03 1040 0,05 Períodos 69126 1 69126 Concentrações 7152574 4 Períodos*Concentrações 7855 4 1964 Erro 67723 1040 65 1043,61 11521,81 0,00 1204,93 0,00 74,21 0,00 587,0 0,00 11219,8 0,00 49,5 0,00 1061,5 0,00 1788143 27459,8 0,00 30,2 0,00 Legenda: S.Q. = soma dos quadrados; G.L. = graus de liberdade; Q.M. = quadrado médio; F = valor da estatística F para o nível de significância adotado, segundo o número de graus de liberdade do numerador e denominador; P = nível de significância. Valores em negrito indicam diferenças significativas em nível de 5%. 147 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 1 – Variáveis físicas e químicas da água. (A) pH; (B) Oxigênio Dissolvido; (C) Condutividade elétrica; e (D) Temperatura. Entretanto, nota-se que há uma tendência de diminuição nos valores de pH e oxigênio dissolvido, como aumenta a concentração de biofertilizante (Figura 1a e b). É interessante ressaltar que mesmo com a utilização de aeração constante nos diferentes tratamentos, há uma diminuição na concentração de oxigênio dissolvido, tornando-se desse modo, um fator limitante à sobrevivência dos peixes, pois segundo Boyd (1990) e Popma e Phelps (1998) os padrões ideais indicados para aqüicultura situam-se entre 3 a 8 mg/l. A condutividade elétrica, ao contrário, aumentou como aumentaram as concentrações de biofertilizante, tornando-se também um fator limitante (BOYD, 1990; POPMA e PHELPS, 1998). A temperatura da água foi a única variável em que a interação não foi significativa, demonstrando assim, diferenças entre os períodos (manhã e tarde), com a temperatura no período da tarde sendo superior ao da manhã, o que é esperado, contudo não ocorreram diferenças entre as concentrações de biofertilizante. Apesar dessa diferença significativa entre os períodos a temperatura ficou entre o recomendado por Popma e Phelps (1998) para o bom desempenho da espécie. 148 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Além do equilíbrio entre produção e consumo no cultivo de peixes, a harmonia em viveiros de cultivo adubados com excremento, também se aplica à estabilidade das variáveis físicas e químicas da água. Concentrações de oxigênio e pH são maiores e os ciclos de oxigênio diurno são mais estáveis, em lagoas adubadas com excremento que contêm peixes que em lagoas sem peixes (SCHROEDER, 1975a). Pela “pastagem” dos planctívoros, os peixes ajudam a eliminar os ciclos extremos de “bloom” de algas e a perda pelo sombreamento, comum em viveiros eutróficos. Devido à demanda por oxigênio pelo excremento adicionado ser previsível (SCHROEDER, 1974), o efeito do excremento adicionado no regime de oxigênio do viveiro pode também ser previsível. O principal consumo de oxigênio no viveiro é normalmente associado ao plâncton e a respiração dos peixes (SCHROEDER, 1975b; BOYD et al. 1978). Excremento, até mesmo a taxas de aplicação de 100 kg de matéria orgânica seca por hectare por dia, é um fator secundário no consumo de oxigênio. A interação entre peixe e excremento requer uma boa prática de manejo. Grandes quantidades de excremento, biofertilizante ou esgoto podem ser adicionados e um alto rendimento de peixes pode ser atingido com um viveiro ecologicamente equilibrado (WOHLFARTH e SCHROEDER, 1979). No entanto, altas cargas de biofertilizante necessitam grande demanda de oxigênio para que seus nutrientes possam ser disponibilizados aos organismos aquáticos, como pode ser observado em nosso estudo, nas maiores concentrações de biofertilizante, o oxigênio, mesmo com aeração suplementar, foi um fator limitante a sobrevivência dos peixes. Além das variáveis analisadas, é importante destacar que o enriquecimento com nutrientes, principalmente de nitrogênio e de fósforo, em tanques de piscicultura é bastante comum, devido principalmente à entrada de compostos que contêm tais elementos. Entretanto, o uso inadequado desses nutrientes associado a uma série de outros fatores bióticos e abióticos pode ocasionar prejuízos tanto ambientais quanto financeiros (MAINARDES-PINTO; MERCANTE, 2003). De acordo com Wolhfarth e Schroeder (1979) o excremento animal contém nitrogênio e fósforo, os quais estimulam a produção heterotrófica, aumentando assim, a produtividade piscícola em viveiros. Apesar de não termos avaliado as concentrações de nitrogênio e fósforo em nosso experimento, pelos dados disponíveis na literatura, podemos concluir que tais fatores, possivelmente foram limitantes a sobrevivência dos peixes. Pois, segundo Boyd (1992) os fertilizantes utilizados em tanques de cultivo geralmente contêm nitrogênio na forma de amônio e de nitrato. A acumulação dessas formas inorgânicas é um dos principais obstáculos para o desenvolvimento intensivo de peixes (KOCHBA et al. 1994). Sipaúba-Tavares (1994) ressalta que a amônia é altamente tóxica para organismos aquáticos e pode causar severas mortalidades em viveiros. As principais fontes desse elemento nesses locais são os fertilizantes, os excrementos e a decomposição microbiana dos compostos nitrogenados. 149 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Programas de fertilização devem levar em consideração os requerimentos algais, bem como, a qualidade da água e do sedimento do viveiro. Entradas excessivas de nitrogênio podem causar altas concentrações de amônia não ionizadas, as quais podem reduzir o crescimento dos peixes ou causar mortalidade (RUFFIER et al. 1981; MEADE, 1985). A figura 2A apresenta a dispersão do tempo de sobrevivência nas diferentes concentrações. Foi possível observar uma clara diminuição exponencial no tempo de sobrevivência conforme aumentou a concentração de biofertilizante. Desse modo, foi ajustado um modelo polinomial de grau dois, por meio da seguinte equação: Tempo de sobrevivência = a + b*concentração de biofertilizante + c*(concentração de biofertilizante)2 Quando: b e c são os parâmetros e, a é definido pela condição inicial do modelo (Figura 2B). O modelo apresentou um ótimo ajuste (R2 = 0,99), com uma proporção da variância explicada de 98,57%. Assim, para que o tempo de sobrevivência seja maximizado é necessário calcularmos qual a melhor concentração de biofertilizante, dessa forma, procedemos ao cálculo do ponto máximo da função, o qual consiste em igualarmos a derivada da função à zero (f’(x) = 0). A partir do modelo obtido na figura 2B, o qual corresponde a: Tempo de sobrevivência = 33,97 + 12,53*concentração de biofertilizante – 46,61*(concentração de biofertilizante)2 derivamos a função e chegamos a: Tempo de sobrevivência = 12,53 – 93,22*concentração de biofertilizante então, igualando a zero, temos: 12,53/93,22 = concentração de biofertilizante, a qual será igual a: 13,44%. Desse modo, a concentração ideal para que o tempo de sobrevivência seja maximizado nessas condições do experimento foi de 13,44% de concentração de biofertilizante, resultando em um tempo de sobrevivência de 34,81 dias (Figura 2B). Fazendas piscícolas provavelmente seja o único ramo da agricultura animal no qual o uso de excremento é uma ferramenta de manejo tradicional. O uso de excremento, como fertilizante de viveiros piscícolas, é uma prática antiga e muito difundida na Ásia, principalmente na China, onde o cultivo de peixes tem sido praticado por milhares de anos e o uso de excremento intensivo é uma prática padrão. Desse modo, o desenvolvimento orgânico heterogêneo, causado pela utilização de excremento, requer peixes de hábitos alimentares diferentes para sua efetiva utilização, destacando o uso de policultivos (diferentes espécies de peixes estocadas ao mesmo tempo em cada viveiro) (TANG, 1970; TAPIADOR et al. 1977; WOHLFARTH; SCHROEDER, 1979). 150 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Figura 2 – (A) Dispersão do tempo de sobrevivência nas diferentes concentrações; (B) Ajuste de um modelo de regressão não-linear (função polinomial de grau dois) para o tempo de sobrevivência nas diferentes concentrações de biofertilizante. (13,44%, ponto de máximo da função, indicando a concentração cujo tempo de sobrevivência é maior). De acordo com Tomazelli Jr. e Casaca (2001) em viveiros devidamente adubados e apropriadamente estocados com peixes de hábitos alimentares diferentes (policultivo), as partículas orgânicas provêem a base de nutrientes para a produção de pescado, estimulando a produção de plâncton e bactérias. Os peixes em policultivo, por sua vez, consomem estes organismos mantendo o equilíbrio entre a produção e o consumo possibilitando níveis adequados de oxigênio dissolvido, pH e outras variáveis limnológicas. No entanto, a produção integrada não é uma forma de utilizar totalmente os dejetos produzidos por suínos, pois os dejetos suínos possuem uma grande carga de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) e DQO (Demanda Química de Oxigênio) prejudicando o desenvolvimento dos peixes. Então, é perfeitamente conciliável a esta prática a utilização do excedente de dejetos como biofertilizantes. Desse modo, como citado anteriormente, mesmo a altas taxas de aplicação, se o viveiro for bem manejado e em sistema de policultivo, a concentração de biofertilizante adicionada pode ser maior do que 13%. No Brasil nos últimos anos, a piscicultura vem crescendo de uma forma vertiginosa e, devido ao alto custo dos insumos necessários à produção, os piscicultores estão optando pelo uso do sistema de produção integrada de peixes com outros animais que tem o meio aquático como hábitat natural ou eventual, colaborando com seus excrementos no aumento da produção primária dos viveiros (CECCARELLI; FIGUEIRA, 2001). Os fertilizantes orgânicos são freqüentemente adicionados em viveiros para aumentar a produção por meio do aumento da produtividade primária em função dos 151 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] nutrientes inorgânicos liberados ou através da liberação de carbono orgânico por meio heterotrófico. Dependendo das espécies, os peixes ingerem alimento diretamente dos fertilizantes ou de algas planctônicas, detrito/fungos ou animais, como zooplâncton e caracóis que se alimentam de algas e detritus (COLMAN; EDWARDS, 1987). O excremento pode entrar no regime alimentar, como alimento diretamente consumido pelos peixes, como uma fonte de minerais usado na produção fotossintética do fitoplâncton e como um substrato suplementar de matéria orgânica e mineral aos microorganismos heterotróficos. O conhecimento dos vários caminhos da cadeia alimentar natural pode facilitar para que a estocagem e a produção de diferentes espécies de peixes em policultivo sejam feitas de uma maneira mais racional, as quais resultem no aumento da produção piscícola, diminuindo os riscos da mortandade de peixes, devido à anoxia e a utilização mais eficiente do material contido no excremento (WOHLFARTH; SCHROEDER, 1979). Estudos com a utilização de excrementos e fertilizantes minerais têm demonstrado resultados contraditórios. Fertilizantes minerais foram mais efetivos do que excremento bovino em um estudo de cultivo de tilápias realizado no Centro de Pesquisas Ictiológicas, Fortaleza, Brasil por Lovshin et al. 1974. No entanto, em Ginosar, Israel na Estação de Cultivo de peixes intensivos Rappoport et al. (1977) encontraram resultados opostos. Excremento de frango foi mais efetivo do que excremento de gado em Ginosar, enquanto que em Dor, Israel na Estação de Pesquisas em Aqüicultura e Peixes Moav et al. (1977) encontraram resultados igualmente efetivos para ambos os excrementos. Essas contradições podem ser devido aos métodos de manejo empregados e aos níveis de produção alcançados. Formas de manejo adequadas são importantes para o sucesso do empreendimento aqüícola e para a efetividade na utilização de excrementos, pois segundo Schroeder (1973; 1974) os microorganismos presentes em águas lênticas de viveiros de cultivo são os maiores responsáveis pela eficiência da utilização de adubos orgânicos, como excremento. Esse mesmo autor demonstrou que a utilização de excremento líquido de vacas é relativamente segura quando a patologia dos peixes e a demanda de oxigênio não alcançam níveis críticos. A efetividade do excremento líquido de vaca no cultivo de peixes pode ser baseada na cadeia alimentar que inicia com a atividade de bactérias e protozoários na decomposição da matéria orgânica do excremento. Devido a essa cadeia não ser diretamente dependente da fotossíntese (como é o caso dos fertilizantes químicos), o limite inerente da penetração de luz e a produção de alimento natural podem ser limitados somente pelo suprimento de nutrientes, como por exemplo, pela quantidade de excremento e oxigênio dissolvido presente na água do viveiro. 152 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] REFERÊNCIAS ALZUGUIR, R.F. Situação atual e perspectiva da aqüicultura no Brasil. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE AQÜICULTURA, 3. Anais... São Carlos, ABRAq, 1984 AMARAL, C. M. C. A. et al. Biodigestão anaeróbia de dejetos de bovinos leiteiros submetidos a diferentes tempos de retenção hidráulica. Ciência Rural, v. 34, n. 6. p 1897-1902, 2004. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIADORES DE SUÍNOS. Rebanho suíno. 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O objetivo deste trabalho foi verificar a possibilidade de enquitréia (Enchytraeus albidus) aumentar a produtividade de alevinos, principalmente na larvicultura de carnívoros como Lophiosilurus alexandri. Utilizou-se incubadora para ovos fixos, tipo calha, aonde foi colocada a desova para posterior eclosão das larvas de niquim. Após eclosão, estas foram transferidas para seis incubadoras e a seguir foi fornecida dieta à base de plâncton, enquitréias e por fim, Dendrocephalus. Foram realizados dois tratamentos (T1 e T2) com três repetições. Foram colocadas 50 pós-larvas de niquim por incubadora, com comprimento médio de 10 mm. O cultivo durou 45 dias. No T1, as pós-larvas receberam plâncton durante 15 dias. Do 16º dia e até o 45º receberam Dendrocephalus animais vivos e mortos. Para o T2, as pós-larvas receberam plâncton durante 15 dias. Do 16º até o 30º dia, foram alimentadas com o microverme enquitréia como alimentação intermediária. Do 31º até o 45º dia foram alimentadas com Dendrocephalus. No início do trabalho, quando os tratamentos receberam a mesma dieta, observou-se crescimento uniforme, com comprimento médio de 35 mm e sobrevivência 100%. Depois de 30 dias do experimento, os resultados foram: T1, comprimento médio de 50,01±0,26 mm e T2, comprimento médio de 44,91±0,45 mm. Ao final do experimento, observou-se em T1, comprimento médio de 71,46±2,41mm e em T2 de 65,89±3,94 mm. A sobrevivência foi de 100, 100 e 99,33% ao longo do cultivo para T1 com uma média de 99,78% e 100, 12 e 100% para T2 com uma média final de 70,66%. Conclui-se que Dendrocephalus ainda é o melhor alimento vivo obtido na EPPA para alimentação do niquim. Enquitréia é um bom alimento, mas os resultados mostraram que como alimento alternativo para o niquim não apresentou vantagem quando comparado com branconeta, no que se refere ao crescimento em comprimento e sobrevivência. PALAVRAS-CHAVES: peixes, larvicultura, alimento natural. 156 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] ABSTRACT USE OF THE ANNELID ENQUITREIA, Enchytraeus albidus HENLE 1837, IN THE FEEDING OF THE NIQUIM, Lophiosilurus alexandri STEINDACHNER 1876, DURING THE INITIAL FINGERLING CULTURE In the Station of Piscicultura de Paulo Afonso (EPPA), branconeta is used (Dendrocephalus brasiliensis), in the feeding of niquim (Lophiosilurus alexandri) after the phase of plâncton, feeling intermediate alive food necessity in the after-larval period. The objective of this work was to verify the enquitreia possibility (Enchytraeus albidus) to increase the productivity of alevinos, mainly in the larvicultura of carnivores as Lophiosilurus alexandri. It was used for fixed eggs, type gutter, where was placed the spawning of fishes for posterior eclosão of the larvae of niquim. After eclosão, these had been transferred to six incubadoras and to follow it was supplied to diet the base of plâncton, enquitreias and finally, Dendrocephalus. Two treatments (T1 and T2) with three repetitions had been carried through. Fifty post-larvae of niquim for incubadora had been placed, with average length of 10 mm. The culture during 45 days. In the T1, post-larvae they had received plâncton during 15 days. From 16º until 45º day, they had received Dendrocephalus alive and dead animals. For the T2, the post-larvae had received plâncton during 15 days. In 16º and until 30º day they had been fed with the enquitreia microworm as intermediate feeding. In 31º and until 45º day they had been fed with Dendrocephalus. In the beginning of the work, when the treatments had received the same diet, was observed uniform growth, with average length of 35 mm and survival 100%. After 30 days of the experiment, the results had been: T1, average length 50,01±0,26 mm and T2, average length 44,91±0,45 mm. To the end of the experiment, was observed in the treatment T1, average length 71,46±2,41mm and in the T2 65,89±3,94 mm. The survival had been of 100, 100 and 99.33% to the long one of the culture for T1 with a average 99,78% and 100, 12 and 100% for T2 with a final average 70,66%. One concludes that Dendrocephalus still is the best gotten alive food in the EPPA for feeding of niquim. Enquitréia is a good food, but the results had shown that as alternative food for niquim did not present comparative advantage when with branconeta, as for the growth in length and survival. KEYWORD: fish, larviculture, natural feed. 157 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] INTRODUÇÃO Em alguns países da Europa, Estados Unidos da América, Taiwan e Japão pesquisadores têm descoberto novas fontes alternativas de alimentos vivos para complementar, mas dificilmente para substituir rotíferos e Artemia como alimentos vivos para larvas de peixes marinhos. Algumas espécies como Tisbe holothuriae (Copepoda), Daphnia e Moina (Cladocera) surgiram como possíveis fontes alternativas depois de realizados muitos estudos sobre a nutrição e alimentação de larvas de muitas espécies de peixes. Alguns desses microcrustáceos planctônicos possuem melhor valor nutricional do que rotíferos e náuplios de Artemia (KJAEDEGAARD, 1997). A produção de algumas espécies de organismos zooplanctônicos já acontece em alguns países da Europa (Reino Unidos, Noruega e Bélgica) e tem se tornado uma possibilidade viável em muitas larviculturas. No Brasil, alguns experimentos de maneira isolada estão sendo realizados com o objetivo de se descobrirem novos candidatos a alimentos vivos. Na região Nordeste do Brasil, desde 1998, pesquisadores da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) em parceria com as Universidades do Estado da Bahia (UNEB) e Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) vêm intensificando esforços no sentido de dominar a técnica de produção de cistos e náuplios de Dendrocephalus brasiliensis (branconeta) e sua utilização no cultivo de espécies carnívoras e ornamentais, a exemplo de Lophiosilurus alexandri (niquim), Salminus brasiliensis (dourado), Cichla ocellaris (tucunaré), Astronotus ocellatus (apaiari) e Pterophyllum scalare (acarábandeira). Assim como a carcinicultura, a piscicultura continua tendo um grande crescimento. Segundo o Comitê de Organismos Aquáticos (COAq), da Associação Nacional dos Fabricantes de Ração (ANFAL), 101.000 toneladas de rações para peixes foram comercializadas em 2000 (KUBITZA, 2001 apud LOPES, 2002). Sabe-se, entretanto, que a formulação de dietas compostas por alimentos vivos na fase de larvicultura apresenta melhores resultados quando comparada às rações artificiais micropeletizadas e microencapsuladas (KOLKOVSKI, 1995). Neste contexto, reitera-se aqui a importância do domínio da nutrição e da alimentação larval como fator determinante para o sucesso de um cultivo em grande escala. Procurando viabilizar o cultivo de espécies de peixes carnívoros, o grupo dos crustáceos branchiópodos, cujo tamanho é normalmente da ordem de 1 a 2 cm, porém podendo alcançar dimensões entre 7 a 10 cm como a Branchinecta gigas (COHEN, 1995), vem desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento da aqüicultura. 158 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Na Estação de Piscicultura de Paulo Afonso (EPPA), vem sendo utilizado com sucesso a branconeta, Dendrocephalus brasiliensis, Pesta 1921, na alimentação de L. alexandri após a fase de plâncton, no entanto sente-se necessidade de um alimento vivo intermediário no período pós-larval. O cultivo em massa de Enchytraeus albidus Henle, 1937 pode minimizar as dificuldades e aumentar a produtividade de alevinos de peixes, principalmente a larvicultura de peixes carnívoros como o niquim, L. alexandri. No entanto, para substituição de uma dieta é necessário, entretanto, que a nova dieta tenha características particulares que proporcionem boa aceitação pelas larvas em crescimento. Segundo Kjaedegaard (1997), a produção de algas, de diversas espécies (Chlorella sp., Chaetoceros sp., Dunaliella sp.) de rotíferos (Brachionus plicatilis) e do microcrustáceo zooplanctônico Artemia (cistos descapsulados, náuplios, metanáuplios e biomassa) há muito é realidade na larvicultura de peixes marinhos e de crustáceos em países desenvolvidos e em muitos em desenvolvimento. As técnicas de enriquecimento de B. plicatilis e de Artemia não só estão suficientemente dominadas como são amplamente utilizadas por técnicos e profissionais da área de larvicultura. Entretanto, segundo Kjaedegaard (1997), a oscilação do preço dos cistos de Artemia no mercado mundial, sua disponibilidade e a crescente demanda por estes alimentos vivos imprescindíveis para a larvicultura de dezenas de espécies marinhas forçaram governo de diversos países a investirem milhões de dólares na pesquisa de novas fontes alternativas de alimentos vivos, rações microencapsuladas e micropeletizadas que viessem a dar novas perspectivas para substituir ou complementar o uso de rotíferos e de Artemia na alimentação das larvas de peixes. Normalmente, o início da fase piscívora de peixes carnívoros coincide com a depleção do zooplâncton e outros alimentos naturais, ou ainda, quando o tamanho do alimento não mais se adequa às exigências energéticas e preferência alimentar dos juvenis. Desenvolve-se então a preferência alimentar por crustáceos e peixes que permanecerá por toda vida (LOPES, 2002). Os estágios mais difíceis da piscicultura são a passagem das larvas para alevinos (SIPAÚBATAVARES, 1993). A larvicultura das espécies de peixe tem sido desvantajosa por falta de alimentação em tamanhos adequados de zooplâncton vivos, para as larvas (LUBZENS 1987; DIAS et al., 1988; YAMANKA 1988; LUCAS et al., 1990; SIPAÚBA-TAVARES e ROCHA, 1994). Através do cultivo da enquitréia, E. albidus visando alimentação na alevinagem inicial do niquim, têm-se uma perspectiva de desenvolvimento não só desta espécie carnívora, mas de muitos outros peixes carnívoros de interesse comercial e ecológico. O presente trabalho tem como objetivo o cultivo de enquitréia, E. albidus como mais uma fonte alternativa de alimento de L. alexandri durante a alevinagem inicial. 159 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi realizado na Estação de Piscicultura de Paulo Afonso (EPPA) (24 L 0586000 UTM 8963002), situada na avenida Maranhão S/N, Paulo Afonso, Bahia, pertencente à Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF). Foram utilizadas sete incubadoras tipo calha (Figura 1), onde foram depositada a desova (ovos adesivos) para posterior eclosão das larvas. Cinco dias após a eclosão, quando as pós-larvas estavam aptas para serem transferidas para outras incubadoras e a seguir acompanhamento de sua dieta a base de plâncton, enquitréias e branchoneta conforme processo tradicional utilizado na EPPA. Por outro lado, para o cultivo da enquitréia foram utilizadas caixas de FIGURA 1 - INCUBADORAS TIPO CALHA UTILIZADAS NO EXPERIMENTO. plástico medindo 17x12x10 cm, com carvão ativado em uma coluna de 2cm de altura, sempre úmida para servir como substrato. Adicionou-se uma colher de sopa com enquitréias de cultura prévia e colocou-se uma lâmina de vidro com 8x5cm por cima da cultura (Figura 2). O vidro serve para facilitar a colheita da enquitréia. A alimentação para as enquitréias consistiu de uma papa de aveia e água com uma consistência de mel servida geralmente a cada dois ou três dias. Na coleta das enquitréias para alimentação dos peixes utilizou-se de uma pinça cirúrgica. O experimento constou de dois tratamentos (T1 e T2) com três repetições cada. Após sorteio das calhas por tratamento, cada calha recebeu 50 pós-larvas de FIGURA 2 – CAIXA PLÁTICA, COBERTA COM LÂMINA DE VIDRO UTILIZADA NO CULTIVO DE ENQUITRÉIAS. niquim cujo comprimento médio inicial foi de 10 mm (Tabela 1). Para T1, as pós-larvas receberam plâncton durante 15 dias. A partir do 16º dia e até o 45º dia passaram a receber branchonetas vivas (Figura 3) e também mortas, dependendo da disponibilidade, de acordo com o procedimento de rotina da EPPA. Para T2, as pós-larvas receberam plâncton durante 15 dias. A partir do 16º dia e até o 30º dia receberam 160 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] como alimento vivo enquitréia em alimentação intermediária. A partir do 31º dia e até o 45º dia foram alimentadas com branchonetas. O tempo de duração do experimento para observação do crescimento médio dos peixes em comprimento (mm) e percentuais de sobrevivência foi de 45 dias. Para avaliação do crescimento tomou-se apenas o comprimento dos peixes, visto que essa variável é mais utilizada nos trabalhos de Tabela 1. Alimentação natural das larvas de acordo com os tratamentos. TRATAMENTOS T1 T2 TOTAL DE PÓS-LARVAS CALHA DIETA 50 50 50 9 10 14 Plâncton + branchoneta Plâncton + branchoneta Plâncton + branchoneta 50 50 50 11 12 13 Plâncton + enquitréia + branchoneta Plâncton + enquitréia + branchoneta Plâncton + enquitréia + branchoneta propagação de alevinos em reservatórios como os desenvolvidos pelas companhias do setor elétrico, como no caso da CHESF Os tratamentos foram submetidos ao teste de significância da diferença entre duas médias (teste “t” ou de Student) ao nível de significância α = 5%. Figura 3 - Exemplar de Dendrocephalus brasiliensis (Fonte: Lopes, 2003) RESULTADOS Decorridos 15 dias do início da 1ª etapa desse trabalho, com a utilização de organismos vivos do zooplâncton para ambos os tratamentos, foi observado o desenvolvimento dos alevinos. Com auxílio de um paquímetro foi realizada biometria e verificou-se um comprimento médio de 35 mm para os alevinos nos dois tratamentos e a sobrevivência de 100%. Na segunda fase do experimento quando os peixes em T1 passaram a receber branconetas e os peixes em T2 enquitréias como alimento, decorridos os quinze dias desta fase (total de 30 dias), os resultados foram os seguintes: em T1, os niquins alimentados com branconeta alcançaram o comprimento médio de 50,01±0,26 mm e sobrevivência de 100% e em T2, os niquins alimentados com enquitréias alcançaram o comprimento médio de 44,91 mm e sobrevivência de 12%. 161 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] Na terceira e última fase do experimento os alevinos em T1 continuaram a receber branconetas como alimento e os alevinos em T2 passaram a receber também branconetas em substituição as enquitréias. Concluídos os 15 dias finais do experimento (total de 45 dias), os resultados foram os seguintes: a) Os alevinos em T1 atingiram ao final do trabalho um comprimento médio de 71,46±2,41 mm (Fig 4) e sobrevivência de 99,33% com uma média geral em termos de sobrevivência de 99,78%. Na tabela 2 é apresentada uma síntese de T1. Os alevinos em T2 alcançaram um comprimento médio de 65,89±3,94 mm (Figura 5) e sobrevivência 100% nesta fase. No tratamento como um todo, a sobrevivência foi de 70,66%. Na Tabela 3 é apresentada uma síntese dos resultados de T2 Figura 4 – Tratamento 1: Alevino de Figura 5 - Tratamento 2: Alevino de niquim ao final do cultivo alimentado niquim ao final do cultivo alimentado com plâncton + branconeta com plâncton + enquitréia + Tabela 2 - tratamento T1: Síntese dos resultados da alimentação do niquim. Dias Alimento Comp. Médio (cm) Sobrevivência (%) 0-15 Plâncton 35±0,10 100 16-30 Branconeta 50,01±0,26 100 31- 45 Branconeta 71,46±2,41 99,33 A média dos dois tratamentos (T1 e T2), submetida ao teste de significância da diferença entre as duas médias (teste “t” ou de Student) ao nível de significância α = 5 % apresentou diferença significativa no que se refere à sobrevivência e comprimento, com uma superioridade de T1 sobre T2. Tabela 2 - tratamento T2: Síntese dos resultados da alimentação do niquim. Dias Alimento Comp. Médio (cm) 0-15 Plâncton 35±0,10 100 16-30 Enquitréia 44,91±0,12 12 31-45 Branconeta 65,89±3,94 100 162 Sobrevivência (%) Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] DISCUSSÃO A branconeta, cujo valor protéico em torno de 67% de proteína bruta, supera o da artêmia 61,60, se mostra com níveis protéicos suficientes para suprir as necessidades não só de peixes carnívoros mas também de outros animais aquáticos como os camarões por exemplo. Com referência ao comprimento, as branconetas, dependendo das condições ambientais aonde são cultivadas, atingem em torno de 25 mm, superando também a artêmia que é de 11 mm, isto implica positivamente numa maior produção de biomassa de branconeta em relação a artêmia (LOPES, 1998). Lopes e Tenório (2003) citam a grande importância da branconeta, Dendrocephalus brasiliensis, como alimento natural, tornando-se um grande elo para o desenvolvimento de alevinos de niquim a partir do momento em que o zooplâncton e outros organismos do plâncton não se fazem mais atrativos para essa espécie. Segundo Kubitza (1998), a importância do alimento natural em piscicultura é maior durante as fases de larvicultura e alevinagem ou na recria de espécies planctófagas. Daí o bom desenvolvimento dos alevinos de niquim quando alimentados com organismos vivos com a branconeta, por exemplo. Segundo Pillay (1995), os organismos cultivados na aqüicultura têm de obter todos os seus requerimentos nutricionais exceto os requerimentos minerais, através de alimentos que eles consomem. A branconeta como animal filtrador de algas, pode repassar para os peixes vários nutrientes existentes nesse alimento natural. Assim, é que para melhorar a qualidade nutricional dos alimentos vivos normalmente utilizados (rotíferos e Artemia) com a finalidade de fornecer às larvas todos os nutrientes necessários para seu desenvolvimento e crescimento larval, utiliza-se a técnica de enriquecimento com emulsões (Selco TM , Super-SelcoTM) ricas em ácidos graxos (HUFA, EPA, DHA), vitaminas (C e E), antibióticos e pigmentos (carotenóides). Kubitza e Lovshin (1999) afirmam que a produção intensiva de peixes carnívoros pode ser dificultada quando o alimento vivo é o único item alimentar. Entretanto, seu uso como dieta inicial no treinamento alimentar de peixes carnívoros é amplamente aceito. Em seu trabalho utilizando alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu (Arapaima gigas) verificou que provavelmente o uso de alimento vivo seja a estratégia alimentar mais viável para facilitar a aceitação de rações por parte destes juvenis, uma vez que é um alimento naturalmente consumido, podendo oferecer a vantagem de treinar peixes de tamanhos menores e de não ser necessário o uso de atrativos. Juvenis de pirarucu apresentam associação gregária e podem ser influenciados por condições que favoreçam o estabelecimento de classes hierárquicas aumentando com isso a heterogeneidade do lote, podendo resultar em agressões (CAVERO et al., 2003). Nos juvenis de niquim em estudo, foi 163 Rev. Bras. Enga. Pesca 2[1] observado canibalismo acentuado em T2 com uso de E. albidus como alimento. Isto provavelmente é justificado pela composição protéica deste microverme que apresenta alto teor de gorduras sólidas que são oleosas, o que dificulta o processamento pelos peixes de modo eficaz quando oferecido diariamente, aliado ao fato também de associação gregária existente nesta espécie. Kubitza e Lovshin (1999) citam que este tipo de comportamento (canibalismo) pode ocorrer durante o treinamento alimentar de diversas espécies de peixes carnívoros. Provavelmente as agressões observadas: mordeduras nas nadadeiras caudais estejam associadas à mudança repentina da alimentação durante o treinamento alimentar, fato que pode ter influenciado no comportamento dos peixes. Entretanto, não existem registros de canibalismo ou agressões entre juvenis de pirarucu criados em cativeiro. Lopes et al. (1996) utilizaram o rotífero marinho B. plicatillis, náuplios de Artemia salina e do cladócero Moina micrura na alimentação de larvas do surubim-pintado e observaram que esta espécie aceita bem o alimento vivo como dieta inicial. CONCLUSÕES A branconeta é o melhor alimento vivo obtido na região para alimentação do niquim. A enquitréia é um bom alimento. No entanto, sua utilização como alimento alternativo na dieta do niquim, não apresenta vantagem quando comparado com a branconeta, tanto no que se refere ao crescimento quanto à sobrevivência de pós-larvas. REFERÊNCIAS CAVERO, B.A.S. et al. Uso de alimento vivo como dieta inicial no treinamento alimentar de juvenis de pirarucu. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Pesquisas em Aqüicultura. Manaus. Pesq. Agropec. Bras., v. 38, n. 8., p. 2003. COHEN, R.G. Crustacea Anostraca in: Lopretto e Tell (Eds.) Ecossistemas de Águas Continentais: Metodologia para su Estudio. 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