O ASSOCIATIVISMO COMO ESTRATÉGIA DE REPRODUÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES AGROECOLÓGICOS DE CACOAL - RONDÔNIA Maria Aparecida dos Santos Tubaldini Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Juliana Martins Fonseca Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Lussandra Gianasi Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Resumo O presente trabalho possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira agrícola brasileira e busca realizar uma reflexão acerca do papel das formas associativas em comunidades rurais de produção agroecológica como uma estratégia de luta pela permanência na terra e superação das adversidades de reprodução locais. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico dos conceitos pertinentes e o desenvolvimento de entrevistas com questões semi-estruturadas, por meio de uma metodologia qualitativa, em propriedades familiares participantes do projeto PAIS. O associativismo contribui para um debate entre as mais diversas perspectivas e ideias e é fundamentado no diálogo. Na área de estudo ele expressa uma relação dinâmica e permite que os agricultores melhor organizem suas atividades e o estreitamento dos laços entre os mesmos. Palavras-chave: Fronteira agrícola. Associativismo rural. Agroecologia. Introdução Os avanços tecnológicos empregadas para redução das restrições ambientais às práticas agrícolas promovidos pela Revolução Verde resultaram em um artificialismo do ambiente natural e uma dependência excessiva de insumos externos. Observam-se como efeitos imediatos desse cenário a perda da emancipação; a degradação dos recursos naturais; ampliação das desigualdades sociais, econômicas e de poder; a redução da sociabilidade dentre outros. Nesse sentido, diversos discursos e práticas socioeconômicas vêm sendo propostas e implementados como alternativa e nova prática de produção de alimentos. Reivindica-se o resgate e o respeito à diversidade sociocultural, aos aspectos físicos do espaço e às diferentes formas de produzir. Busca-se a (re)produção sustentável da sociedade através de programas alternativos de produção. 1 O presente artigoi possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira agrícola brasileira e busca compreender o papel das formas associativas em comunidades rurais de produção agroecológica de horticultura para a alimentação básica localizadas no município de Cacoal – RO, como uma estratégia que os agricultores familiares utilizam na luta pela permanência no campo e como meio de superação às adversidades de reprodução. O município, localizado na região central de Rondônia, na Amazônia Setentrional, possui em sua paisagem os signos de diversos ciclos econômicos e no momento de implantação dos Projetos Integrados de Colonização foi adotado um modelo tecnológico de produção agrícola balizado na Revolução Verde. Logo, está inserido nas contradições da modernização do campo e torna-se um local fértil para a inserção dos princípios agroecológicos adotando a nova racionalidade de produção – a agricultura sustentável. Nesse cenário de mudanças, os agricultores da região central de Rondônia apresentam um destaque, porque absorvem novas tecnologias sociais, procedimentos ecológicos e uma articulação com novos mercados que conduzem a conquista da segurança alimentar e sobre a terra. A intensidade do associativismo na área decorre de conflitos que se manifestaram de diferentes formas sobre o território. Destaca-se que as suas formas associativas possibilitam a inserção em projetos de desenvolvimento rural e concomitantemente, a troca de informação e estreitamento dos laços entre os moradores, possibilitando a sua manutenção sobre um território de disputa. Metodologia Essa investigação foi efetivada através de uma revisão bibliográfica dos conceitos de associativismo em Ricciardi e Lemos (2000), Araújo (2005), Costa & Ribeiro (2012) e da colonização da área foco em Becker (2001, 2006), Oliveira (1986), dentre outros; adicionada a uma investida de campo onde foram realizadas 31 entrevistas qualitativas e semi-estruturadas e registros fotográficos nas hortas participantes do projeto. Os dados de campo permitiram o entendimento de características físicas das propriedades investigadas associadas à organização e variedade dos cultivos, estrutura, conservação dos recursos naturais locais e das práticas de manejo do solo e de proteção contra invasores biológicos. Posteriormente, ocorreu a organização de um banco de 2 dados e geração de tabelas sobre as informações coletadas e a transcrição das falas das entrevistas para trabalhar a oralidades dos sujeitos pesquisados, como importante instrumento de entendimento dos objetivos propostos. A ocupação e contradições do estado de Rondônia A compreensão do modelo de ocupação do espaço rondoniense está associada a um resgate histórico das estratégias de ocupação da região amazônica influenciadas pelo modo de produção vigente em cada período histórico. O estado de Rondônia permaneceu por longos anos quase inteiramente desabitado, ao contrário de outras áreas da região norte. Becker (2006) credita três fases de ocupação do território amazônico que também abarcam as etapas do desenvolvimento regional: i) Formação Territorial (1616-1930), ii) período de Planejamento Regional (1930-1985) e iii) período da Incógnita do‘Heartland’(1985-dias atuais). O período de Formação Territorial é caracterizado como a ocupação do território e definição dos limites físicos, ou seja, a fronteira amazônica. A coleta e exportação das drogas do sertão são os principais atrativos e atividades desenvolvidas na região. Entre os anos de 1930 e 1985, há um acelerado processo de ocupação incentivado pelo Planejamento Regional proposto pelo aparelho estatal. A doutrina de Segurança Nacional, introduzida durante o regime militar, incluía a ocupação da Amazônia através da colonização agrícola (Becker, 2001). A estratégia de ocupar a Amazônia foi lastreada por uma série de incentivos fiscais à agropecuária, excetuando a produção do látex e coleta de castanhas pela população tradicional, pois estas atividades eram consideradas atrasadas e não ocupavam efetivamente o território (Diegues, 1993). Os programas estatais “Marcha para o Oeste” em 1938, PIN (Programa de Integração Nacional em 1970, PND I (Plano Nacional de Desenvolvimento) de 1972/1974 e PND II entre os anos de 1975 e 1979 são estratégias para a “integrar para não entregar”. Nessa fase, [...] tratava-se de tirar proveito econômico da utilização do espaço brasileiro, associado à disponibilidade de recursos humanos, com a aplicação de recursos do capital já assegurado às novas regiões. Proveito para apoiar a manutenção do crescimento acelerado e para a abertura de novas frentes na conquista de mercados externos. (Calvente, 1980, p.10). 3 O período denominado Incógnita do ‘Heartland’ assinala a perspectiva socioambiental para a conquista do crescimento endógeno dos habitantes. Os conflitos pela terra, dos diferentes agentes sociais (indígenas, posseiros, grileiros e imigrantes) e ambientais forçam a adoção de medidas para solucionar os problemas resultantes e apresentam uma nova realidade da região amazônica. A partir dessas considerações sobre a ocupação da região amazônica é possível realizar uma reconstrução histórica da ocupação do estado de Rondônia. A primeira fase de povoamento está referenciada ao período de expansão do colonizador português, entre os séculos XVII e XVIII. Havia uma procura intensa pelo ouro por todo Brasil. Nesse período, as características naturais que impossibilitavam a mobilidade sobre o espaço associadas à ausência de um motivador de natureza econômica dificultavam a ocupação do território rondoniense o que resultava em um vazio demográfico. A área começa a ser procurada nos fins do século XIX, com o surgimento do ciclo da borracha. Havia uma demanda mundial do produto o que incentivou a extração de borracha na Amazônia. Outra justificativa é a seca nordestina que pressiona a migração dessa população para a região norte. Esse novo motivador econômico favorece a chegada de um grande contingente de imigrantes interessados na alta lucratividade do extrativismo da goma elástica. Assim, intensifica-se e expandia-se a colonização acompanhada de transformações culturais e sociais. No início do século XX ocorreram novos impulsos a colonização devido à criação do estado do Acre, a construção da ferrovia Madeira-Mamoré e a ligação telegráfica instituída por Rondon. Essas intervenções realizadas sobre o espaço permitiram que fossem abertas as portas a frente de expansão para a região amazônica. Ressalta-se que esta população estava preferencialmente localizada próxima aos cursos d’água e depois ao longo da ferrovia e linha telegráfica. As atividades econômicas restringiam-se a produção extrativista, principalmente da borracha e castanha-do-pará; a agricultura era de subsistência e a pecuária apresentavase pouco desenvolvida. Segundo Monte-Mor (1980), a região Norte que em 1872 apresentava uma população de 332.847 habitantes, elevou sua população para 695.112 habitantes em 1900 e atingiu 1.439.052 em 1920. A necessidade de braços na atividade extrativista do látex, na construção da ferrovia e da linha atraiu uma expressiva população para a região. 4 A desvalorização da borracha no mercado, a partir da década de 1920, promoveu uma apatia econômica o que consequentemente incitou a busca por uma atividade alternativa. A atividade mineral nos anos 50 surge como subsídio ao desenvolvimento das populações desse espaço e marcam a terceira fase de colonização de Rondônia. A terceira fase, determinada pela extração de minério de cassiterita, determinou, então, novos rumos e tendências no desenvolvimento socioeconômico, exigindo para isto a implementação de uma infra-estrutura que viabilizasse a produção, exportação e comercialização deste minério (Valverde, 1979). Surgem assim, tentativas de implantar estradas que ligassem as áreas produtivas aos parques industriais do eixo São PauloRio-Minas Gerais. A construção de rodovias coincidiu com os projetos de integração da Amazônia e o êxodo rural dos trabalhadores das lavouras que passavam pelo processo de mecanização do sudeste. As transformações econômicas e sociais que ocorriam no restante do país em 1960 condicionaram a forma de organização e ocupação do espaço rondoniense. Há a implantação de diversos tipos de redes de integração espacial: rodoviária, urbana, telecomunicações, hidroelétrica e a instalação de sedes estatais e instituições privadas. Na região amazônica, como um todo, a prioridade é a construção da rodovia BelémBrasília e da Transamazônica. Em Rondônia, inicia-se a quarta fase a rodovia Cuiabá-Porto Velho (BR-364) que é considerada um novo elemento dinamizador e reestruturador do espaço, pois determina novas atividades produtivas e intensifica as relações econômicas com as regiões centrosul e sudeste. A inauguração desta rodovia aliada à necessidade de alocação de produtores excluídos no Sul e ao relativo insucesso da estratégia Transamazônica, direcionou, definitivamente, as forças do Estado para a colonização agrícola de Rondônia (Souza & Pessôa, 2007). A criação do estado de Rondônia resultou em um arranjo territorial brasileiro, essencial à garantia de equilíbrio social do país. Observa-se, desse modo, que esse espaço é um receptáculo das populações que vivenciavam crises e conflitos nas demais regiões brasileiras, conflitos esses localizados especialmente nas áreas incorporadas e pressionadas pelas relações de mercado. Muitos dos migrantes entrevistados relataram as dificuldades existentes na sua reprodução nos seus estados de origem e suas expectativas sobre as terras nessa área de fronteira. No trecho abaixo, um agricultor 5 revela as dificuldades vivenciadas em um momento anterior a migração para a área de fronteira e suas expectativas para a área. O começo da história, que é... quando a gente tava no Espírito Santo, a gente era diarista, a gente trabalhava na diária pros’outro. Saímo de lá e fomos pro Paraná pra melhorar de situação. Chegamos lá e caímo na diária de novo. Viu que não tava dando, fui pra capital de São Paulo e trabalhei dois anos, cobrano, e também não deu pra mim também, falei, aqui não é o meu lugar. Me falaram que Rondônia tinha como conseguir terra e era paixão da gente conseguir uma terra pra gente trabalhar. Se a gente trabalhasse pros’otro... enquanto a gente trabalha pra gente, a gente melhorava. Então foi assim que nós fizemo. Aqui era mato puro. Viemo pra cá, entremo, com a mala nas costas. (José ii, Agricultor familiar). A forma de ocupação do espaço rondoniense por diversos migrantes constrói um complexo de interesses materiais e de sustento elaborados por distintas mentalidades e representações culturais. Durante o trabalho de campo foi observada a diversidade na questão da origem dos entrevistados, conforme demonstrado na figura 01. Observa-se que a maioria dos entrevistados, cerca de 77%, possuem como local de origem o Espírito Santo, seguido pelos estados do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso respectivamente. A heterogeneidade a que a fronteira se encontra submetida gera um processo de transição e permanente tensão entre os diversos grupos sociais envolvidos. FIGURA 01: Local de origem dos entrevistados. Destaca-se o papel do INCRA no processo de ordenamento da estrutura fundiária do estado e, consequentemente na organização do território. Como uma alternativa para 6 absorver esse excedente populacional oriundo da mecanização do campo, das intempéries climáticas ocorridas no sul do Brasil, da seca no Nordeste, da perda de extensas áreas de lavouras para pragas, e a “incapacidade” da cidade em absorver e atender a demanda dos novos cidadãos urbanos prestou como solução a fronteira agrícola amazônica, conforme é destacado por Souza; Pessôa (2007). O então Território Federal de Rondônia constituiu-se, a partir de 1970, em um verdadeiro laboratório dos projetos militares para a Amazônia. Entre 1970 e 1978 foram instalados sete projetos dirigidos de colonização em Rondônia, com o assentamento de 23.210 famílias de colonos. Juntamente com as famílias instaladas nos projetos do Estado Militar, veio para o estado um imenso fluxo migratório espontâneo (Souza; Pessôa, 2007, p.5). Na área de fronteira estes conflitos sociais variados, foram amenizados com a criação do novo estado e a distribuição de terras, divididas em linhas e glebas, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e também pela ampliação de gêneros agrícolas básicos para abastecimento da população que crescia no sudeste – arroz e feijão. As comunidades indígenas, os caboclos, os migrantes nordestinos, os migrantes sulistas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e interioranos enfim, as populações que foram desterritorializadas e ali reterritorializadas possuem formas peculiares de perceber e de se relacionarem com a natureza. Em uma das entrevistas, um agricultor relata a sua chegada e ocupação efetiva da área que ainda preservava muitas características naturais. Aí todo mundo já chegava e metia a moto-serra, o machado, né, e descia a mata no chão. E aí dirrubava, né. E aí depois, quando o INCRA começou a colonizar, era a mesma coisa. Quando você ganhasse o lote e não dirrubasse, tinha que dirrubar em pouco tempo, senão você acabaria passando pra outra pessoa. Então a orientação do INCRA era você derrubar a mata, né. Quando eu cheguei eu derrubei tudo, né. Eu também não tinha essa mentalidade naquela época, eu sabia da organização, mas saber da importância da floresta... (João iii, Agricultor familiar). O estado, a partir do exposto, foi (re)construído principalmente por correntes migratórias a partir da década de 1970. Em vista disso, contêm atualmente múltiplas culturas, resignificadas nas imagens coletivas reconstruídas no decorrer da história por colonos, soldados da borracha, pequenos agricultores, seringueiros, garimpeiros, seringalistas, agropecuaristas, extrativistas, comerciantes, sem-terra, aventureiros e trabalhadores, com pensamentos, concepções e significações diferenciados da floresta 7 amazônica e do espaço geográfico. Todavia, para a sua permanência no território elas se unem para atingir objetivos em comum e aumentar suas potencialidades, assim, os múltiplos sujeitos superam as suas diferenças e atritos através das formas associativas. O conceito de associativismo nas comunidades rurais A vida associativa está presente em diversas áreas de atividades humanas sendo caracterizada por Frantz (2002) como um fenômeno detectado no trabalho, na família, na escola dentre outros segmentos sociais. Todavia, é comum e predominante o conceito de associativismo como a cooperação na perspectiva econômica que abarca a produção e a distribuição dos bens necessários à vida. Nesse trabalho, a dimensão do associativismo terá como foco as comunidades rurais. Ricciardi e Lemos (2000) concebem o associativismo rural como instrumento de luta dos pequenos produtores que promove a permanência na terra, elevação do nível de renda e de participação como cidadãos. Em vista disso, o associativismo possui um caráter social e é balizado em princípios de confiança e a participação dos seus membros, sendo assim, a adesão é livre e as metas envolvem a aglutinação de pessoas que detenham objetivos comuns e/ ou coletivos. Segundo Trindade (1986) a gênese das associações é motivada pela falta de resposta, de empenhamento ou de capacidade de intervenção das instituições formais do poder local, criando, assim, grupos de pressão ou até de intervenção complementares e/ou alternativos para a satisfação de anseios carentes de resposta adequada. Logo, detém uma grande capacidade de captar demandas sociais de diferentes segmentos e nos mais diferentes contextos. No meio rural, elas apresentam-se como uma possibilidade de representação dos interesses da comunidade e de participação e envolvimento dos membros da mesma nos processos internos e externos. Segundo Costa & Ribeiro, As associações de pequenos produtores e trabalhadores rurais, assim como os conselhos municipais de desenvolvimento rural mostram-se como novas formas de agregação social que coexistem com outras categorias, como os grupos de interesse e os sindicatos, com uma função de socialização e se constituem, hoje, como novos canais de participação e de representação. Prevalece o entendimento de que se trata de organizações voluntárias, embora induzidas pelo Estado, 8 surgindo, portanto, da vontade e da decisão de um grupo ou de um segmento de classe, com objetivos pré-definidos e relacionados às necessidades sociais numa dada realidade (Costa & Ribeiro, 2012, p. 5). O MAPA (2012) - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - caracteriza o associativismo rural como uma alternativa necessária para viabilização das atividades econômicas, possibilitando aos trabalhadores e pequenos proprietários um caminho efetivo para participação no mercado em melhores condições de concorrência. Todavia, esse conceito é alvo de discussão, pois se aproxima mais da idéia de cooperativismo. Torna-se necessário estabelecer diferenças entre associativismo e cooperativismo. Segundo o MAPA (2012) a diferença entre os dois reside no número mínimo para constituição; e a comercialização, critérios que abrem margens a interpretações e equívocos. Nesse trabalho, se parte do pressuposto que a cooperativa é constituída a partir de uma perspectiva de mercado, ou seja, possui como meta principal a geração de renda, enquanto as associações são uma agregação social. Araújo (2005) considera que as associações são a forma mais simples e informal de organização coletiva, sendo consideradas por muitos autores como um degrau intermediário das cooperativas. Por sua vez, Ricciardi e Lemos (2000), trabalham com a idéia de que A cooperativa é considerada uma sociedade ou empresa constituída por membros de um determinado grupo econômico ou social, que conjugando esforços e recursos, visa promover a elevação dos padrões de qualidade de vida dos que se associam sob suas regras, prestando efetivo serviço às suas comunidades e a própria sociedade (Ricciardi; Lemos, 2000, p. 60). O associativismo contribui para um debate formado por diversas perspectivas e ideias sendo, assim, fundamentado no diálogo. As associações que se organizam e garantem um processo participativo, tendo como principal objetivo o permanente interesse do grupo, objetivando prosperar. Ao atingirem suas metas, novos horizontes se estabelecem, impulsionando suas atividades (MAPA, 2012). Por sua vez Arruda, argumenta que [...] a diversidade do conjunto de talentos, capacidades, competências que constituem a singularidade e a criatividade de cada um. O método é colocá-las em comum, buscando construir laços solidários de colaboração no interior da comunidade, de modo a desenvolver quanto possível os talentos, capacidades e competências coletivas [...]. Tratase, como no caso de cada pessoa, de desenvolver a comunidade no 9 sentido de tornar-se sujeito consciente e ativo do seu próprio desenvolvimento (Arruda apud Frantz, 2002, p. 29). O associativismo dos moradores do território central de Rondônia é caracterizado pelo espírito de solidariedade social e ajuda mútua em trabalhos agrícolas, atividades sociais e atividades religiosas por pessoas de diferentes estados do Brasil. O processo de organização coletiva é uma importante estratégia de reprodução social, bem como instrumento propulsor de desenvolvimento territorial rural. Os produtores familiares, diante dos limites de sua produção e produtividade e das pressões exercidas pelos grandes proprietários, podem encontrar na organização coletiva, condições mais favoráveis de vida. Associativismo: fortalecedor das relações e subsídio à manutenção do território O município de Cacoal, foco do estudo, teve sua ocupação iniciada com a construção da linha telegráfica na região em 1909. Contudo, somente na década de 70 com a chegada de vários imigrantes da região sul e sudeste do país houve uma ocupação mais efetiva ao longo da BR 364. Nesse mesmo período, ocorreram a implementação dos Projetos Integrados de Colonização (PINs) do INCRA que promoveram a orientação da ocupação através da organização e distribuição de lotes e assentamentos. Esse processo guarda em si uma contradição, pois se por um lado esse espaço com abertura da fronteira agrícola é considerado como expansão do capitalismo através das grandes políticas de ocupação da Amazônia, de outro, a forma de ocupação através dos programas do INCRA por assentamento caracteriza-se como um tipo de Reforma Agrária, porque se comporta como uma política que visa assegurar a propriedade de base familiar. Atualmente o município é movido pelas grandes indústrias do setor madeireiro, agropecuário e comércio, contudo a produção familiar constitui-se em importante contraponto ao indiscriminado avanço da pecuária de corte. Ao contrário da proposta empresarial, buscando melhorias na produção familiar, foi desenvolvido o projeto de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável de Rondônia (PAIS) pelo governo do estado. 10 O projeto iniciou-se em julho de 2008 e é executado pelas prefeituras municipais e apoiados pela EMATER/RO, Embrapa, Organizações Não Governamentais e as Associações formadas nas diferentes linhas onde residem os moradores. O sistema PAIS preza pelo aumento a produtividade de alimentos, o trabalho e a renda no campo através de práticas sustentáveis de manejo, participação efetiva dos agentes envolvidos e uso de tecnologia social na busca pelo desenvolvimento local. Altieri (2004) discorre sobre os principais objetivos de programas e políticas que possuem o paradigma agroecológico como base e meta. Segundo o autor, eles vislumbram: i) melhorar a produção de alimentos básicos ao nível das unidades produtivas, fortalecendo e enriquecendo a dieta alimentar das famílias; ii) resgatar e reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas; iii) promover o uso eficiente dos recursos locais (isto é, terra, mão-de-obra, subprodutos agrícolas, etc.); iv) aumentar a diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos; v) melhorar a base de recursos naturais através da conservação e regeneração da água e do solo, enfatizando o controle da erosão, a captação de água, o reflorestamento, etc.; vi) reduzir o uso de insumos externos, diminuindo a dependência e sustentando, ao mesmo tempo, os níveis de produtividade, através de tecnologias apropriadas, da experimentação e implementação da agricultura orgânica e outras técnicas de baixo uso de insumos; vii) garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento não só das famílias, mas de toda a comunidade. Evidencia-se, nessa lógica de produção, a necessidade de alteração dos modos de produção da cultura e de reprodução das relações e das famílias sobre o espaço. A transição na região Central de Rondônia do modelo tradicional da revolução verde para uma agricultura sustentável foi acompanha do apoio de Organizações não Governamentais -ONG’s- e de instituições públicas, como a EMATER-RO, adicionado, do apoio das associações locais. Lacki (1997) apud Araújo (2005) propõe um conjunto de elementos fundamentais para a garantia da sustentabilidade aos sistemas de organização: i) tecnologia adequada e apropriada aos pequenos produtores, ii) capacitação permanente e iii) a organização contínua para a atuação de forma coletiva. A agricultura sustentável praticada pelos agricultores de Cacoal envolve os princípios e os requisitos de gerenciamento, uso e conservação dos recursos produtivos; desenvolvimento e difusão de tecnologias sociais; 11 uma organização social que preza pelo desenvolvimento dos recursos humanos e de uma pesquisa e prática participativa. Logo, o projeto é promotor de uma prática sustentável. O associativismo na região central de Rondônia se caracteriza pela organização dos pequenos produtores rurais e demonstra formas de agregação social com uma função de socialização. No local de estudo, elas surgiram a partir da mobilização e decisão dos moradores, em suas respectivas linhas, em busca de discutir e solucionar as necessidades dos sujeitos rurais. A figura abaixo apresenta a participação dos membros em atividades coletivas e associativas a partir dos dados oriundos das entrevistas em campo. Ressalta-se que quase 95% dos moradores participam de associações rurais e 70% de sindicatos. Os moradores relatam plena atividade, ou seja, participam efetivamente das reuniões e eventos. A participação em associações e diversos eventos fortalece e estreita a ligação e os laços entre os mesmos, segundo os entrevistados. Os eventos são caracterizados como a ocasião para o entretenimento e os mutirões, definidos como momentos de apoio aos vizinhos, ou seja, de solidariedade. FIGURA 02: Participação da comunidade em associações e atividades coletivas. As principais associações envolvidas no projeto e de apoio aos agricultores familiares são apresentadas no gráfico abaixo, com os seus respectivos membros. Os elevados números de participantes, como por exemplo a ASPRULIN que possui atualmente 102 membros, corrobora para a discussão, pois indica o forte envolvimento dos moradores 12 com as associações existentes em suas comunidades. Adicionalmente, temos outras importantes associações: ARLE, ASPROPAC, OURO VERDE, BEIJA-FLOR, BOM PASTOR e ROJANA. FIGURA 03: Participação em associações rurais. A associação é um espaço de diálogo para os seus membros e representa a possibilidade para a exposição e discussão dos problemas vivenciados pela comunidade. Destaca-se o seu papel reflexão e orientação acerca dos diferentes de usos e apropriação dos elementos naturais, e concomitantemente, o trabalho que é realizado para a conscientização das práticas dos agricultores, a fim de se evite a degradação da floresta. Essa função é revelada por um agricultor em uma das entrevistas. Fernando iv: A associação ela é boa, né, pra você trabalhar, mas quando você vai pro mercado, é um pouco mais compricado. Entrevistador: É complicado? Fernando: É... muito compricado. E aí a gente... a verdade é assim, nós temos muitos ganhos: primeiro no campo da questão da consciência, né. Entrevistador: Sim... Fernando: Ganhamos algumas coisas em visão de conhecimento, tanto na questão da... temos muitas dificuldades? Temos ainda, porque tem muitas pessoas que não conseguiram entender que fazem parte do grupo né. Trabalha muito ainda a questão da pecuária. Porque a pecuária desorganizada, porque a gente não é contra a forma de trabalhar com gado, né, mas a gente tem uma visão que, da maneira que nós tamo, se não tomar medida, a pequena propriedade pode ir à falência, né. Ela pode morrer. Por várias razões, né. Porque não é viável, não é um sistema sustentável, né. Aí, a gente foi aprendendo algumas coisas. (Fernando, Agricultor familiar). 13 O ambiente solidário permeia os encontros e reuniões, através da circulação das informações e experiências acerca dos cultivos e manejos com os animais e das atividades coletivas de mutirão, a fim de que as adversidades sejam superadas. Segundo Costa & Ribeiro (2012) a associação traz embutida na sua prática a idéia de representação de interesses sócioeconômicos dos pequenos produtores e isso ainda é uma situação inédita no meio rural, ainda marcada pelas relações clientelistas. Os conflitos pelo uso do território resultam em uma luta constante para permanência e reprodução dos membros da comunidade em suas terras. Logo as formas associativas possibilitam uma resistência às pressões externas e concomitantemente, a reprodução e atendimento das necessidades básicas. Representam espaços de discussão dos interesses e exigências ao nível das relações cotidianas sendo, portanto, porta-vozes dos agricultores. Considerações finais As associações rurais nesse artigo são uma estratégia dos agricultores para superar as barreiras para a sua manutenção e reprodução sobre o território, pois através delas seus membros aumentam e estreitam os contatos, realizam alianças e se expressam os conflitos e os problemas da comunidade. Logo, a associação expressa uma relação dinâmica, uma relação em movimento, em busca de uma direção a um lugar melhor através da cooperação e se torna um instrumento para o alcance de objetivos mútuos, contribuindo significativamente para o desenvolvimento dos seus moradores. A troca de experiências possibilita aos agricultores a exploração de seus potenciais, porque há um aproveitamento das capacidades, habilidades e competências dos membros da comunidade e divulgação de uma cultura solidária que objetiva a melhoria de vida dos participantes. O conceito de desenvolvimento é controverso, contudo, a partir da perspectiva agroecológica, ele deve desligar-se dos fins econômicos. Considera-se que ele é efetivado através da passagem a um estado de dificuldade e insegurança para um cenário favorável a reprodução dos agricultores. 14 Notas i Esse trabalho é produto de uma bolsa de iniciação científica intitulada Agricultura Agroecológica como Estratégia para Manutenção de Agricultores Familiares no Território Central de Rondônia finalizada no ano de 2012, inserido no âmbito do projeto maior de pesquisa PROCAD-CAPES: Agricultura familiar, sustentabilidade ambiental e territorialidades na Amazônia desenvolvido no Laboratório de Geografia Agrária, Agricultura Familiar, Campesinato e Cultura- IGC/ UFMG, do Grupo de Pesquisa/ CNPq “Terra & Sociedade” e patrocinado pela FAPEMIG. ii Nome fictício. iii Nome fictício. iv Nome fictício Referências ALTIERI, M. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3.ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. ARAÚJO, C. A. M. e. 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