O que a Bíblia diz sobre o motivo do sofrimento das Crianças* Glenn Miles e Coleen Houlihan O escritor e conferencista Leo Buscaglia contou uma vez sobre uma situação que teve de julgar. O objetivo do teste era encontrar a criança mais carinhosa. A vencedora foi uma criança de quatro anos que tinha como vizinho um senhor mais velho que, naqueles dias, havia perdido a esposa. Vendo o senhor chorar, o garotinho foi até o quintal do vizinho e sentou-se no seu colo. Quando a mãe da criança perguntou o que ele tinha dito ao vizinho, o garotinho respondeu: “Nada, eu só o ajudei a chorar.” A VISÃO BÍBLICA SOBRE O SOFRIMENTO Todos nós que trabalhamos com crianças em risco entramos em contato com o sofrimento todos os dias e, provavelmente, já pensamos, oramos e usamos as Escrituras para achar um sentido para aquilo que pensamos e vimos. “Crianças em risco” é, de certa forma, uma descrição não muito precisa, porque muitas crianças não estão simplesmente em risco: elas, na verdade, estão sofrendo. Recentemente, minha esposa, que está trabalhando com famílias infectadas com HIV/Aids, me contou sobre uma família que estava recebendo ajuda. O marido havia morrido e deixado a esposa com quatro filhos. Mesmo a esposa sabendo que as crianças poderiam ser ajudadas, ela as vendeu. Os funcionários do centro não conseguiram entender o porquê, pois ela recebeu pouco dinheiro e o centro tinha decidido ajudá-la. Depois, ao ser questionada, ela perguntou por que seus filhos tinham de ter uma vida melhor do que a terrível vida que ela teve. Os funcionários ficaram pasmos. Que tipo de sofrimento leva uma mulher a vender seus próprios filhos quando a segurança deles está nas suas mãos? Por quais sofrimentos aquelas crianças passarão ao serem expostas à exploração sexual e ao crime organizado? Como Jesus se manifestou em relação ao sofrimento que viu entre as crianças? Jesus curou um garoto com espírito maligno (Lc 9.37-45) e, enquanto os discípulos ainda estavam maravilhados, Ele contou aquilo o que aconteceria com Ele, do seu sofrimento por ser “traído nas mãos dos homens”. Pareceria estranho trazer aquilo à tona naquele momento se não houvesse um objetivo. Que objetivo seria? Seria, de alguma forma, relacionar seu próprio sofrimento com o sofrimento das crianças? Fé É interessante que os discípulos indagaram por que não puderam curar o garoto, e Jesus escolhe este momento para repreendê-los pela falta de fé. Ele resume “se tiverdes fé [...] nada será vos será impossível” (Mt 17.20). De vez em quando avalio programas que trabalham com crianças em situações muito difíceis; fico maravilhado com a fé que aquelas pessoas tiveram para ir em frente contra todas as expectativas, acreditando que seria possível quando todos diziam que não seria. Os frutos da fé são evidentes no trabalho. Eu acredito que as pessoas estão respondendo ao desafio de Jesus em Mateus 17.21. Num mundo onde há tanta desesperança é importante que os cristãos acreditem que é possível mudar. Isso é importante, especialmente, em várias culturas nas quais há um forte elemento do fatalismo. Precisamos ser como os amigos do homem paralítico que tiveram fé o suficiente para trazêlo até Jesus; quando Jesus contemplou isso, curou o homem (Lc 5.20). Obediência A discussão entre os discípulos sobre quem seria o maior deles ocorreu pouco depois da cura do garoto com espírito maligno. Parece irônico que estivessem discutindo sobre quem seria o mais poderoso logo depois de não serem foram capazes de curar o garoto. Mas isso não é típico da natureza humana? Jesus tomou uma criança, a colocou-a de pé no meio deles e disse: “Quem receber esta 1 criança em meu nome a mim me recebe; e quem receber a mim recebe aquele que me enviou” (Lc 9.48). Assim, quando alcançamos uma criança em risco estamos, de fato, alcançando a Jesus. Mas Jesus não pára por aí: “Porque aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande” (Lc 9:48). Para os que estão envolvidos no trabalho com crianças em risco, vale lembrar que no reino de Deus a diferença entre adultos e crianças é anulada. Não devemos exercer nosso poder sobre as crianças ou sobre os colegas de trabalho de modo que os humilhem. Quanta dor e sofrimento os adultos causam nas crianças? Somos melhores que os outros se fazemos uso do poder e autoridade sobre as crianças a quem buscamos servir ou sobre os funcionários que trabalham subordinados a nós ou acima de nós? Devemos ser obedientes a Deus e servos uns dos outros se quisermos ver o seu reino. Compaixão Talvez a razão pela qual nos perguntamos por que as crianças sofrem seja que vejamos a vulnerabilidade delas e sintamos que elas são inocentes demais para merecer sofrer. Como enfermeira pediátrica que trabalhou na Ásia por muitos anos, vi crianças morrendo no hospital, às vezes lentamente e com muita dor. Vi crianças com deficiências abandonas em alas enormes, com pouco contato físico. Vi meninas que foram estupradas (por estarem submissas a alguém) e foram mantidas como escravas sexuais. Vi crianças-soldado que perderam seus membros inferiores e parte dos seus corações para uma guerra que eles não entendiam. Vi bebês morrendo de HIV/Aids. E, se você está lendo isso, as chances são que já tenha visto coisas assim ou piores. Jesus nos ensina a alcançar com compaixão àqueles mais vulneráveis e desprezados. Quando assim fazemos, estamos alcançando a verdadeira essência do evangelho (Lc 9.48). Mesmo em meio à crise, Jesus foi um modelo de compaixão e atenção na medida em que curava as crianças e incluía a família. Ele pediu a Jairo para dar comida para sua filha depois de esta ter sido ressuscitada da morte (Lc 8.55). Ele devolveu o filho da viúva a ela depois de curá-lo (Lc 7.15) e devolveu o garoto com o espírito maligno para seu pai (Lc 9.42). Devemos, também, buscar a ajuda de Deus para agir compassivamente. Perdão O poder curador e redentor da cruz é uma fonte sem igual para o trabalho cristão de ajuda a crianças. Precisamos ter atitude de perdão para com aqueles que causaram sofrimento aos outros. Se não agimos assim, as coisas não têm como mudar. Perdoar aos outros nos torna capazes de ser perdoados também. “Perdoa-nos”, nós oramos, “assim como perdoamos os nossos devedores”. As crianças que sofrem e se sentem responsáveis, como a criança-soldado, precisarão de um toque especial do perdão divino quando vierem até a cruz. O perdão é um ato legal, liberando o ofensor e o ofendido do laço do ferimento, permitindo ambas as partes se livrarem do fardo. Mas antes que possamos perdoar, precisamos primeiramente conhecer o ferimento e a dor, sentir a raiva e o dor, para que as nossas reações sejam ouvidas e honradas por nós mesmos e pelos outros. Então, e só então, podemos verdadeiramente perdoar. O perdão não é dizer que não teve importância nenhuma, nem esquecer os verdadeiros ofensores sem antes esperar alguma demonstração de que eles mudaram e se tornaram dignos de confiança novamente. Perdoar é nos libertar do passado para viver e crescer para Cristo. A dívida foi paga, e temos a possibilidade da vida. Aquele quem cura as feridas Talvez o sofrimento também nos faça lembrar das nossas próprias vulnerabilidades. Muitas pessoas que trabalham com crianças em risco (incluindo algumas pessoas que contribuíram neste livro) sofreram através de preconceitos, perseguição, falta de compreensão ou tragédias pessoais. Eu creio que isso é porque Deus usa os mais fracos para construir o seu reino. Deus escolheu as coisas tolas do mundo para confundir as sábias; Deus escolheu os fracos do mundo para envergonhar o forte. Ele escolheu as coisas humildes e as desprezadas — e aquelas que não são – para reduzir a nada as que são, a fim de que ninguém se glorie em sua presença (2 Co 1.2729). Ironicamente, é através da nossa própria compreensão do sofrimento que somos capazes de 2 ajudar aos outros. Como Paulo disse, “porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de Cristo” (2I Co 1.5). E, porque o próprio Jesus sofreu quando foi tentado, “Ele é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb 2.18). Nós somos lembrados que nada pode nos separar do amor de Cristo: “Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem as do porvir, nem os poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 8.38-39). As crianças que sofreram podem, também, ajudar na cura de outras, a despeito do seu próprio sofrimento. Uma garotinha escrava que havia sido capturada de Israel contou a sua senhora sobre Elias e Naamã, depois disso, foi curado (2 Rs 5). Que exemplo maravilhoso de graciosidade em favor daqueles que a escravizaram. Ao mesmo tempo, precisamos encorajar as crianças a ser como os jovens Sadraque, Mesaque e Abede-Nego e dizer que o Deus a quem servem podem livrá-las da fornalha, “se não [...] não serviremos a outros deuses” (Dn 3.18). Então há um sacrifício real, porque as crianças (e nós também) precisam aprender a dizer que, mesmo que as coisas não saiam do jeito que querem, ainda assim confiam em Deus. Sem mais sofrimentos É confortante para nós, expostos a tanto sofrimento com as crianças, que um dia Ele “enxugará toda a lágrima dos olhos deles. E a morte não mais existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap. 21:4). Isaías 11 nos dá o retrato de um tempo em que o necessitado será julgado com retidão, as decisões para os pobres serão feitas com justiça e os ímpios serão exterminados. O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito, o bezerro, o leãozinho e o animal cevado andarão juntos. Talvez o mais extraordinário de tudo isso seja que “um pequenino os guiará”. Mais uma vez, as crianças são colocadas em nosso meio como símbolo de poder. - QUESTÕES PARA PENSAR – 1 – Que tipo de situações você experimentou que ajudaram a perceber o sofrimento dos outros? 2 – Como as crianças podem usar o seu próprio sofrimento para ajudar outras crianças e até mesmo os adultos? Quais evidências você percebeu no modo como as crianças são simpáticas e compassivas com os outros? Como você pode encorajar isso nas crianças com quem você trabalha? 3 - Pensando rapidamente em como as crianças experimentam e trabalham com o sofrimento, percebemos que elas precisam de uma resposta nossa que espelhe o que a Bíblia diz que elas sentem e precisam. No seu trabalho com crianças, como você pode encorajá-las a explorar o que a Bíblia diz sobre o sofrimento e aplicar isso na vida delas? * Capítulo 26 do livro Celebrating Children. Mãos Dadas Revista de Apoio aos que trabalham pela dignidade de nossas crianças e adolescentes. Caixa Postal 88 – Cep: 36.570-000 Viçosa MG Brasil [email protected] 3