ANÁLISE DA MAGNITUDE DAS CHEIAS DO MÉDIO RIO DOCE: CLASSIFICAÇÃO E ESTUDO DE CASO DE CHEIA PRONUNCIADA Renata Lisboa Ferreira. Aluna do 5º período de Tecnologia em Gestão Ambiental, IFMG, campus Governador Valadares. [email protected] Fábio Monteiro Cruz. Professor Mestre do IFMG, campus Governador Valadares. [email protected] RESUMO: Cheias ou enchentes são eventos frequentes na bacia do rio Doce, com destaque para o médio rio Doce, onde está situada Governador Valadares. Neste sentido, este trabalho buscou avaliar o padrão das ondas de cheias, classificação de cheias ordinárias e extraordinárias, a análise da magnitude das cheias extraordinárias com estudo de caso do ano com cheia mais expressiva na série histórica analisada. Foram utilizadas séries históricas de vazão máxima anual e vazão média diária, para consolidar um banco de dados que representasse a dinâmica hidrológica temporal do rio Doce, no município de Governador Valadares, fornecendo assim, subsídio à compreensão do comportamento hidrológico do rio Doce e orientar as ações de gestão hídrica na bacia, voltadas para os impactos das cheias anuais. Palavras chave: Cheias; rio Doce; Governador Valadares; Comportamento hidrológico; Impactos socioambientais. ABSTRACT: Floods are frequent events in Doce river basin, with emphasis on the Middle Doce river, which is situated Governador Valadares. Thus, this study aimed to evaluate the pattern of flood waves, classification of ordinary and extraordinary floods, the analysis of the magnitude of the extraordinary filled with case study with more expressive full year in the time series analyzed. Historical series of maximum annual flow and average daily flow were used to build a database to represent the temporal dynamics of hydrological Doce river in the city of Governador Valadares. Thereby providing subsidy to the understanding of the hydrological behavior of the river Doce and guide the actions of water management in the basin, facing the impacts of annual floods. Keywords: Floods; Doce river; Governador Valadares; hydrological behavior socio-environmental impacts. 1. INTRODUÇÃO Observações e evidências têm mostrado que no Estado de Minas Gerais o meio natural apresenta-se degradado em função da expansão histórica das atividades agropecuárias, do extrativismo vegetal, da atividade mineradora, assim como pela expansão urbana e em alguns lugares, de forma mais expressiva, pelo crescimento industrial. A expansão dessas atividades tem ocorrido em diversos graus, com base na 1 apropriação do ecossistema natural, com suas implicações e impactos no ambiente natural e na própria sociedade (ARAÚJO et al., 2010). Desta forma, diante dos inúmeros problemas ambientais decorrentes da era desenvolvimentista, ou seja, do processo de expansão do capitalismo e a consequente degradação do meio ambiente, a má utilização dos recursos hídricos tem tornado uma temática de alcance internacional. E, em consequência deste fato, pensar em água pressupõe-se pensar em pesquisas nas mais variadas escalas. A água é um elemento natural essencial para a existência e a manutenção da vida no planeta, ao abastecimento humano e ao desenvolvimento de suas atividades industriais e agrícolas; além de ser de importância vital aos ecossistemas, tanto vegetal quanto animal, das terras emersas (REBOUÇAS; BRAGA; TUNDISI, 2006). Toda água do planeta está em contínuo movimento cíclico entre as fases sólida, líquida e gasosa, o que se convencionou chamar de ciclo hidrológico. O ciclo hidrológico é o princípio unificador fundamental de tudo o que se refere à água no planeta. Os componentes do ciclo hidrológico são precipitação, evaporação, transpiração, infiltração, percolação e drenagem. Evidentemente, a fase de maior interesse é a líquida, o que é fundamental para o uso e para satisfazer as necessidades do homem e de todos os outros organismos, animais e vegetais. (TUNDISI, 2005). Todavia, este ciclo é totalmente influenciável e sofre alterações devido às modificações que o homem realiza no ambiente, tais como o desmatamento, os elevados índices de queimadas, práticas agrícolas e pecuárias inadequadas, a devastação de matas ciliares, a destruição de nascentes dentre outros. Por conseguinte, as alterações que o homem ocasiona direta e indiretamente no ciclo hidrológico irá provocar também significativas transformações na espacialização temporal e nos níveis de água das bacias hidrográficas (RIBEIRO, 1998). Neste contexto, bacia hidrográfica pode ser compreendida como uma unidade territorial de planejamento e gerenciamento das águas. Ela, ainda, constitui um conjunto de terras delimitadas pelos divisores de água e drenadas por um rio principal, seus afluentes e subafluentes (GUERRA; CUNHA, 2005). Toda bacia faz convergir os escoamentos, que por sua vez provém da precipitação, para um único ponto de saída, seu exutório. Tucci (2013) ressalta que a bacia hidrográfica compõe-se basicamente de um conjunto de superfícies vertentes e de uma rede de drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar um leito único no exutório. Segundo Barroso e Marchioro (1999), o estudo de bacias hidrográficas é uma importante ferramenta na elaboração de propostas de planejamento das atividades humanas, tendo em vista que, em sua abordagem ecossistêmica, constituem sistemas 2 abertos de fluxos, controlados tanto por fatores internos (topografia, geologia, cobertura vegetal e uso do solo) como externos (ex.: pluviosidade e vento), cuja magnitude pode ser alterada pela intensidade da ocupação humana, causando problemas de eutrofização, assoreamento e disponibilidade hídrica. Portanto, a bacia hidrográfica passa a admitir duas posições importantíssimas: uma preservacionista, a qual irá manter a continuidade dos recursos hídricos e consequentemente a preservação ambiental e, outra, geoeconômica. A posição geoeconômica da bacia influencia a qualidade de vida de grupamentos populacionais, rurais e urbanos, que a habitam ou a circundam (ALBUQUERQUE; CUNHA, 2007). Por outro lado o processo de ocupação dos solos rurais e urbanos pelas mais variadas atividades antrópicas, promovem intensas alterações nas bacias hidrográficas, os quais por sua vez, podem não apenas comprometer a manutenção desta como sua posição preservacionista e geoeconômica. Dentre as alterações podem-se citar as que alteram o ciclo hidrológico (elencadas anteriormente), bem como o desenvolvimento de incisões erosivas (ravinas e voçorocas), rios assoreados, contaminação de água e solos com produtos químicos, dejetos humanos e lixos, enchentes (ALBUQUERQUE; CUNHA, 2007). Os eventos de origem meteorológica, hidrológica e geológica responsáveis pelas calamidades naturais demonstram a vulnerabilidade da ocupação antrópica diante da natureza. No Brasil, os de maior repercussão nas atividades humanas são de natureza climática: fenômenos relacionados às variações bruscas de temperatura, como as geadas que ocorrem nas regiões Sul e Sudeste trazem efeitos altamente negativos para a economia agrícola, enquanto que aqueles ligados às oscilações hídricas, ou seja, a episódios pluviais extremos negativos e positivos (secas e enchentes) são os mais significativos e constituem insumos, por excelência, de calamidades que causam verdadeiro impacto no meio ambiente bem como na vida social e econômica do país (GONÇALVES, 2003). De acordo com sua intensidade, a chuva irá assumir uma condição de impacto na medida em que afeta uma área onde tenha ocorrido intervenção antrópica, como enchentes, cheias ou inundações. Para Giudice e Mendes (2013), enchente ou cheia é a situação natural de transbordamento de água do seu leito natural, sendo provocada geralmente por chuvas intensas e continuas. A ocorrência de enchentes é, então, um fato natural, uma etapa do ciclo hidrológico comum em regiões com ou sem ocupação humana. Para um maior entendimento das definições de cheia e enchente, pode-se também correlacionar tais terminologias aos conceitos atribuídos por Guerra e Cunha 3 (2005) aos tipos de leito fluviais. Para estes autores, o leito maior, também denominado leito maior periódico ou sazonal, é ocupado pelas águas do rio regularmente e, pelo menos uma vez ao ano, durante as cheias. E, o leito maior excepcional é ocupado durante as grandes cheias no decorrer das enchentes. Ou seja, para estes, também há uma correlação entre cheias e enchentes, uma vez que são as grandes cheias ocorridas em enchentes que promovem o transbordamento do canal fluvial. Por outro lado, Telles (2013) não correlaciona cheia e enchente, contudo, apresenta um conceito de enchentes com aspectos comuns aos dos autores citados anteriormente. Para ele, enchentes são grandes vazões dos cursos de água, cujos volumes provocam o extravasamento das águas que vão ocupar os seus leitos maiores. Elas podem ser consideradas normais, quando atingem valores de ocorrência anual ou algumas vezes no ano. Não são normais aquelas que alcançam valores maiores e que só acontecem esporadicamente. Quando as águas das enchentes invadem áreas ocupadas pelo homem ou por suas atividades, causando mortes e danos materiais, são consideradas inundações. Assim, no que diz respeito às inundações, Giudice e Mendes (2013), também as relacionam com as atuações antrópicas. Pois para eles, em áreas urbanizadas, o desrespeito às condições de escoamento, no que se refere ao ciclo hidrológico, pode vir a causar as inundações – eventos com danos materiais e risco à integridade física da população. Estes eventos tornam-se críticos quando os sistemas de drenagem de áreas urbanizadas passam a ter menor eficiência. Os impactos das enchentes sobre uma população podem acarretar vários danos, perdas materiais e imateriais. A enchente ocorre quando o rio recebe, repentinamente, um grande volume d'água, ocasionado pelas chuvas na sua cabeceira ou nas dos seus afluentes. Devido a essa grande quantidade de chuva, há muitos prejuízos. Econômicos, ambientais e sociais decorrentes das enchentes. (TUCCI, 2013) O número de afetados relacionados aos processos de inundações, enchentes e alagamentos geralmente é elevado, pois envolve efeitos diretos e indiretos. Dentre os efeitos diretos destacam-se as mortes por afogamento, destruição de moradias e danos materiais. Entre os efeitos indiretos destacam-se as doenças transmitidas por água contaminada, como a leptospirose, a febre tifóide, a hepatite e cólera (Min. Cidades/IPT apud TOMINAGA; SANTORO; AMARAL, 2009). As regiões Sudeste e Sul do Brasil historicamente sofrem os efeitos da ocorrência de cheias e enchentes em muitas das suas principais bacias hidrográficas, com destaque para a bacia do rio Doce (MG/ES). 4 As inundações, que constituem um grande problema para a bacia do rio Doce, são registradas no período chuvoso (outubro a março), principalmente nos meses de dezembro a fevereiro. Aliado a isto a ocupação desordenada da planície de inundação dos cursos d’água, em especial nas áreas urbanas, têm agravado os danos causados pelas enchentes. Para minimizar estes danos um sistema de alerta contra enchentes encontra-se em operação na bacia há 12 anos, desde o período chuvoso de 1997/1998 . (IGAM, 2008) Segundo IGAM op cit. ao longo do tempo, grandes cheias foram verificadas na bacia do Rio Doce, com impactos que passam pelas cidades ao longo de seu leito. Como o caso de algumas enchentes mais pronunciadas, como a de 1979. As cidades mais atingidas ao longo do rio Doce foram: Linhares, Colatina no Espírito Santo; Aimorés, Conselheiro Pena e Governador Valadares em Minas Gerais. A cheia de 1997, as cidades mais atingidas por esta cheia encontram-se na calha do rio Doce a jusante da cidade de Governador Valadares. Em janeiro de 2003 houve uma intensificação das chuvas na região, em vários municípios foram registradas precipitações intensas, de curta duração, que provocaram grandes inundações em pequenas bacias. As principais cidades atingidas foram: Caratinga, Manhuaçu, Ponte Nova e Resplendor e outras localizadas nas bacias dos rios Caratinga, Manhuaçu e Guandu. Pensando-se em Governador Valadares, assim como na grande maioria das cidades brasileiras, são inúmeros os impactos advindos das enchentes no município sob análise dos quais se destacam as enormes perdas materiais; a interrupção da atividade econômica do local; a contaminação por doenças de veiculação hídrica, tais como a leptospirose; a contaminação da água pela inundação de depósito de materiais tóxicos; entupimento de bueiros; assoreamento do leito do rio; dentre outros (CUNHA, 2007). Soma-se ainda aos aspectos de ordem natural que modulam em parte as enchentes do rio Doce, em Governador Valadares, aqueles de ordem antropogênica. Sobretudo, o intenso processo de urbanização ocasionado pelo êxodo rural, pela migração urbano-urbano, e ainda o uso/ocupação do solo sem nenhum planejamento. Neste último, merece destaque a ocupação de áreas de risco como leito de rios e encostas íngremes, que acentuam ainda mais os prejuízos e os riscos associados às cheias anuais (CUNHA et al., 2009). Desta forma, o presente trabalhou objetivou realizar uma análise estatística da magnitude das cheias, no médio rio Doce, considerando os registros hidrológicos do município de Governador Valadares; bem como avaliar o padrão das ondas de cheia e a área territorial do município que sofreu diretamente os efeitos destes eventos, 5 considerando um ano hidrológico extremo em particular (estudo de caso). Buscando assim fornecer subsídio à compreensão do comportamento hidrológico do rio Doce e orientar as ações de gestão hídrica na bacia, voltadas para os impactos das cheias anuais. 2. MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo é compreendida pelo município de Governador Valadares, localizado no médio curso da bacia hidrográfica do rio Doce (MG) (figura 01). Figura 01: Bacia hidrográfica do rio Doce Fonte: Adaptado de Cabral (2012) A bacia do rio Doce situa-se na região Sudeste do Brasil, integrando a região hidrográfica do Atlântico Sudeste. Ela apresenta uma área de drenagem de aproximadamente 86.715 km², dos quais 86% pertencem ao Estado de Minas Gerais e o restante ao Espírito Santo, abrangendo um total de 230 municípios, 202 em Minas Gerais e 28 no Espírito Santo (ECOPLAN-LUME, 2007). Ainda segundo ECOPLAN-LUME (2007) os principais afluentes do rio Doce pela margem esquerda são os rios do Carmo, Piracicaba, Santo Antônio, Corrente Grande e Suaçuí Grande, em Minas Gerais; São José e Pancas no Espírito Santo. Já 6 pela margem direita são os rios Casca, Matipó, Caratinga/Cuieté e Manhuaçu em Minas Gerais; Guandu, Santa Joana e Santa Maria do Rio Doce no Espírito Santo. A cidade de Governador Valadares é uma das maiores da região do médio rio Doce com, aproximadamente, 260.000 habitantes. A cidade está localizada, em grande parte, na planície de inundação do rio Doce, sofrendo, em função disto, sérios e frequentes problemas (CAMPOS; BAPTISTA, 2009). O rio Doce em Governador Valadares possui área de drenagem da ordem de 40.000km², destes, cerca de 25% pertencem à bacia do rio Santo Antônio e 15% à bacia do rio Piracicaba, constituindo os dois afluentes do rio Doce pela margem esquerda. Ambos os afluentes são os principais responsáveis pelas enchentes ocorridas na cidade de Governador Valadares. Considerando ainda as cheias na região, alguns dos maiores registros ocorreram em fevereiro de 1979 e em janeiro de 1997, com períodos de retorno associados da ordem de 170 e 100 anos, respectivamente (CASTILHO; PINTO; OLIVEIRA, 2014). Segundo Castilho, Pinto e Oliveira op cit os bairros mais atingidos pelas enchentes do rio Doce são: Santa Rita, JK I e II, Jardim Alice, Ilha dos Araújos, São Paulo, Santa Terezinha, São Tarcísio, São Pedro e Universitário, todos localizados na margem esquerda do rio Doce, que é também a margem mais urbanizada e povoada. (CASTILHO; PINTO; OLIVEIRA, 2014). Considerando especificamente o trecho em que o rio Doce drena o município de Governador Valadares, ele apresente uma calha principal com largura de 550 metros em média, com a presença de Ilhas formadas pela deposição de sedimentos em locais onde a velocidade é baixa. Além disso, notoriamente há afloramentos rochosos em várias partes do leito do rio, que formam uma corredeira a jusante da Ilha dos Araújos. Note-se também que a declividade média do rio é de 0,08% (CAMPOS; BAPTISTA, 2009). Os procedimentos metodológicos abrangeram a classificação de todas as cheias do rio Doce em Governador Valadares quanto à magnitude, a determinação dos tipos de ondas de cheias ocorrentes em um ano específico de cheia pronunciada e análise dos possíveis efeitos modulados pelos padrões das cheias no estudo de caso. Inicialmente foi necessário consolidar um banco de dados que representasse a dinâmica hidrológica temporal do rio Doce, no município de Governador Valadares. Dado que a Agência Nacional de Águas, responsável pelo monitoramento do manancial em questão, opera uma estação fluviométrica na sede do município. Com ela foi possível obter as séries históricas dos parâmetros vazão e cota da estação 7 GOVERNADOR VALADARES (código 56850000), diretamente do portal Hidroweb (ANA, 2013). Quanto ao parâmetro vazão foram utilizadas as séries históricas de vazão máxima anual e vazão média diária, enquanto que as análises balizadas nos dados de cota foi utilizada a série histórica de cota média diária. As séries de vazão máxima anual, que são elaboradas baseadas nos registros de vazão máxima mensal, apresentaram ausência de dados em alguns meses de alguns anos ao longo do monitoramento. Logo, foi necessário realizar inventário de outras estações igualmente alocadas ao longo do curso do rio Doce, a fim de avaliar a viabilidade de utilização destas em procedimento de preenchimento de falhas. Contudo, por haver na maioria das estações inventariadas, falhas de registros nos mesmos meses da estação GOVERNADOR VALADARES o preenchimento mostrouse inviável. Neste sentido, optou-se por eliminar da análise todos os anos que apresentaram ausência de dados. Logo, o horizonte temporal da pesquisa se estendeu de 1970 a 2006; a exceção dos anos de 1979, 1988, 1994, 2004 e 2005; o que totalizou 32 anos de monitoramento. A classificação das cheias anuais baseou-se nos critérios propostos por Destefani (2005). Para o autor as cheias podem ser classificadas em cheias ordinárias e cheias extraordinárias. As cheias ordinárias compreendem aquelas cuja vazão máxima é menor ou igual à vazão média das cheias anuais. As extraordinárias por sua vez são consideradas aquelas de magnitude superior à vazão média das cheias anuais. Logo, a partir da série de vazões máximas anuais pôde-se fazer a média das vazões máximas anuais e então classificar cada ano da série histórica analisada, assim como foi possível observar se há predominância ou recorrência frequente de uma das classes. A determinação dos tipos de onda de cheia demanda uma análise minuciosa do padrão da vazão baseada em registros diários, logo, optou-se por realizar esta análise em apenas um ano de cheia extraordinária no médio rio Doce, constituindo assim um estudo de cheia anual. Desta forma, a princípio os dados diários de vazão foram organizados cronologicamente em Documento Microsoft ExcelTM, e apresentados de forma de gráfico, fluviograma, sendo então determinados os tipos de onda de cheia que ocorreram no ano que compôs o estudo de caso. Os critérios para a determinação das ondas de cheias também foram baseadas nos critérios de Destefani (2005). Para o autor as ondas de cheia compreendem as formas com que os registros de vazão se distribuem nos fluviogramas. Desta forma é possível identificar três diferentes padrões de ondas de cheias, a saber: 8 Cheias tipo A: Apresentam graficamente um pico principal mais importante, precedido e sucedido por vários outros que aumentam e diminuem de magnitude sucessivamente caracterizando um efeito de cascata. Esse tipo de cheia é formada em média por sete picos e pode ocorrer até duas vezes ao ano. Cheias tipo B: São representadas tanto por cheias ordinárias quanto extraordinárias. Apresentam três picos sucessivos de subida rápida, no qual geralmente dois são de magnitude mais importante. Cheia tipo C: São as ondas de cheias mais típicas e frequentes. São caracterizadas apenas por um pico principal de subida relativamente rápida, que pode vir ou não acompanhado de vários picos sem significado importante. Estas cheias podem ocorrer em um mesmo ano acompanhadas por cheias tipo A e B. Por fim, a análise dos possíveis efeitos da cheia em estudo, demandou a elaboração de gráfico de cotas médias diárias, organizados cronologicamente em Documento Microsoft Excel 2007TM, associado à representação dos níveis de alerta e inundação estabelecidos para o médio rio Doce, baseado na estação fluviométrica GOVERNADOR VALADARES. Desta forma, as ondas de cheia puderam gerar estimativas dos bairros atingidos pela mancha de inundação, bem como a área total inundada, conforme Quadro 01 (CPRM, 2004). Quadro 01: áreas inundáveis de Governador Valadares Fonte: Adaptado de CPRM (2004) ÁREA INUNDADA POR REGIÃO (m2) COTA - ESTAÇÃO (cm) 56850000 Região I 300 – 350 149.123 71.878 63.592 22.959 32.192 350 – 400 245.740 115.923 88.656 43.876 64.489 400 – 450 423.458 344.370 133.122 540.524 158.050 450 – 500 657.521 606.430 646.224 969.842 579.092 500 – 550 995.650 782.820 849.575 1.162.327 779.292 550 – 600 1.434.887 933.599 997.120 1.312.831 896.042 600 – 650 2.150.375 1.044.676 1.061.142 1.470.760 1.000.598 650 – 700 2.534.821 1.112.277 1.091.798 1.567.271 1.050.369 700 – 750 2.834.374 1.167.522 1.111.982 1.655.401 1.090.807 Região II Região III Região IV Região V 9 Para efeito de análise das manchas de inundação a CPRM (2014) zoneou a cidade de Governador Valadares em regiões, que nada mais são do que conglomerados de bairros, conforme apresentado abaixo: Região I – Bairro São Pedro e Universítário; Região II – Bairros São Paulo, Santa Teresinha e São Tarcísio; Região III – Ilha dos Araújos; Região IV – Bairros JK I, II, III e Jardim Alice até a ponte do São Raimundo; Região IV Bairro Santa Rita até o córrego do Onça 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO As cheias mais expressivas, extraordinárias, ocorrem em menor proporção no médio rio Doce comparativamente as cheias ordinárias ou típicas. Considerando os registros históricos de cheias máximas anuais pode-se evidenciar que nos 32 anos de análise em 12 foram observados níveis de vazão acima das cheias médias anuais, o que confere a elas maior potencial para impactos de natureza socioeconômica ou ambiental. É possível ainda notar, que em geral anos com cheias máximas notadamente mais pronunciadas que as cheias ordinárias são precedidos de anos com um típico padrão de aumento progressivo das cheias máximas anuais que após atingir seu ápice (cheias extraordinárias), no ciclo de subida, decresce para nos anos posteriores serem observados níveis de cheias ordinárias. A exceção a tal constatação coube ao ano de 1986, em que foi registrada uma cheia extraordinária que se seguiu a outra de maior magnitude (1985). A magnitude das cheias extraordinárias identificadas, bem como a vazão máxima observada estão dispostas no quadro 02. 10 Quadro 02: Cheias extraordinárias do médio rio Doce ANO CHEIA ANUAL (m3/s) CLASSIFICAÇÃO 1973 2768 Cheia Extraordinária 1977 2919 Cheia Extraordinária 1981 2891 Cheia Extraordinária 1982 3406 Cheia Extraordinária 1985 4899 Cheia Extraordinária 1991 2782 Cheia Extraordinária 1992 3526 Cheia Extraordinária 1995 2809 Cheia Extraordinária 1996 2974 Cheia Extraordinária 1997 7529 Cheia Extraordinária 2002 3030 Cheia Extraordinária 2003 3897 Cheia Extraordinária A vazão média das cheias anuais, que foi determinante na diferenciação de cheias ordinárias e extraordinárias compreendeu a vazão de 2743,7 m3/s. Desta forma, percebe-se que muitas cheias consideradas extraordinárias ultrapassaram em pouca expressão o que foi considerado cheia ordinária, sendo este o cenário predominante na maioria das cheias extraordinárias evidenciadas. Desta forma, é de se pensar que os impactos e efeitos negativos de cheias extraordinárias tenham tido uma menor expressão nestes anos, por ter um potencial de alagar áreas de risco igualmente em menor expressão, dada a vazão pouco maior que o padrão considerado normal para a região de médio rio Doce. Exceção a esse cenário coube, sobretudo, as cheias de 1985 e 1997, em que foram observadas vazões máximas consideravelmente acima das cheias médias anuais. Disto ocorre ainda que por ter sido o ano de cheia mais expressiva na série histórica analisada 1997 foi o ano escolhido para a análise das ondas de cheia e dos potenciais impactos gerados. O hidrograma de vazões diárias de 1997 encontra-se ilustrado na figura 02. 11 (m3/s) x ano civil CHEIA TIPO C CHEIA TIPO B INDEFINIDA Figura 02: Hidrograma de vazões diárias - ano civil 1997 O ano civil de 1997 apresentou três ondas de cheia facilmente identificáveis. Um delas ainda no primeiro mês do ano, uma entre os meses de fevereiro e março e a derradeira no período de novembro-dezembro. Baseado nos critérios de Destefani (2005) a primeira onde de cheia pode ser considerada do tipo C, e a segunda do tipo B. A terceira por sua vez não apresentou um evidente padrão que permitisse classificá-la. A onda de cheia do tipo C começou a se delinear ainda nos primeiros dias de 1997. Ela caracterizou-se por rápido e crescente aumento de vazão que em seu ápice contabilizou 7529 m3/s, tal onda chegou a seu nível máximo em um período de apenas cinco dias e merece destaque no rol das cheias extraordinárias do médio rio Doce. Dado o padrão de aumento acelerado da magnitude das vazões o sistema de alerta de enchentes do rio Doce pode ter tido inúmeros problemas no apoio as populações residentes nas áreas de risco, sobretudo, devido a mesma área que em cheias típicas encontram-se fora das manchas de cheia possivelmente terem sido atingidas por esta onda demasiadamente pronunciada. Logo os efeitos negativos desta onda de cheia foram produto da sinergia entre a magnitude pronunciada ao extremo das vazões e da velocidade com que ela aconteceu. 12 Corrobora para esta afirmativa ECOPLAN-LUME (2007) ao informar que neste evento foram registrados 57.705 desabrigados, 2 vítimas fatais e 7.225 residências atingidas nas áreas inundadas pelo rio Doce, em Governador Valadares. A onda de cheia tipo B por sua vez possivelmente não gerou grandes prejuízos a população valadarense uma vez que teve uma evolução até seu nível máximo em um período de tempo mais lento e gradual que a cheia ocorrida no início do ano. Além disso, a magnitude da cheia máxima não atingiu o nível que a colocaria no rol das cheias extraordinárias. Disto ocorre, que é possível que tal evento tenha trazido apenas inconvenientes as populações alocadas em áreas de risco diretamente as margens do rio Doce, em Governador Valadares. A última onda de cheia ocorrida em 1997, no médio rio Doce, não pôde ser classificada em função do fato que na região as enchentes são registradas mais frequentemente de dezembro a fevereiro, segundo a CPRM (CAMPOS; BAPTISTA, 2009). Logo, para que se pudesse classificar esta onda de cheia seria necessária uma análise do ano hidrológico que se iniciou em 1997 e terminou em 1998, o que não ocorreu nesta pesquisa, tendo este fator limitado a análise da magnitude e do padrão da onda de cheia que se inicio no final de 1997. A evolução diária das cotas do rio Doce no ano de 1997, em Governador Valadares, apresentou os padrões mostrados na figura 03. 800 COTA (cm) x ano civil 700 600 500 400 300 200 100 0 COTA (cm) COTA ALERTA COTA INUNDAÇÃO Figura 03: Cotas diárias do rio Doce em Governador Valadares – 1997 As cotas de alerta e inundação do rio Doce na região, representadas graficamente na figura, correspondem respectivamente às amplitudes 320 e 360 cm, com relação à estação fluviométrica GOVERNADOR VALADARES. 13 A cota máxima atingida na onde de cheia tipo C atingiu o valor de 676 cm. Na onda de cheia tipo B o valor máximo de cota observada foi da ordem de 355 cm. Já a onda final de 1997 atingiu sua amplitude máxima na cota 361 cm. A CPRM a partir da definição das planícies de inundação do rio Doce em Governador Valadares dividiu o município em regiões que compõe as manchas de inundação, em que se agrupam conjuntos de bairros, baseado nas cotas máximas atingidas em cada onda de cheia. Tais regiões vão hierarquicamente de I a V (CPRM, 2004). Considerando a cota máxima observada na cheia tipo C, todas as cinco regiões de risco foram atingidas, tendo, portanto a mancha de inundação se estendido pelos bairros São Pedro, Universitário, São Paulo, Santa Teresinha, São Tarcísio, Ilha dos Araújos, JK I, JK II, JK III, Jardim Alice, Santa Rita e Córrego da Onça. Se considerarse ainda a relação entre as cotas e as áreas inundadas em cada região (CPRM, 2004) é possível inferir que uma área total de 7.356.536 m2 foi inundada por este evento, gerando os inúmeros prejuízos de ordem socioeconômica e ambiental decorrentes deste processo, já mencionados. As cheias tipo B e indefinida, por sua vez, por estarem no intervalo de risco que vai da cota 350 a 400, possivelmente levaram a impactos muito semelhantes. Ambas as ondas de cheia, em seus níveis máximo, geraram em tese manchas de inundação que se estenderam por todos os bairros das regiões I a V (CPRM, 2004). Contudo, os impactos devem ter sido tamponados e muito menos pronunciados que a cheia tipo C, uma vez que a cota máxima atingida pôde levar a inundação de uma área total de 558.684 m2, notadamente menos expressiva que a área inundada pela cheia tipo C registrada no início de 1997. 4. CONCLUSÃO As cheias no médio rio Doce caracterizam-se por serem predominantemente típicas, ou ordinárias. As cheias extraordinárias do rio Doce, de maneira geral possuem magnitude pouco mais expressiva que as tradicionais cheias ordinárias, porém ocorrem com relativa frequência. Contudo, eventualmente há ocorrência de anos hidrológicos incomuns que podem modular cheias extremas que podem conduzir a prejuízos de ordem ambiental ou socioeconômicos bastante significativos. Cheias pronunciadas no médio rio Doce, como as representadas pelas ondas de cheias que ocorreram no ano civil de 1997, podem produzir manchas de inundação que se estendem por inúmeros bairros de Governador Valadares, levando assim a 14 inundar grandes áreas, deixando milhares de habitantes desabrigados; além de trazer riscos de morte aqueles alocados nas áreas mais próximas as margens do rio Doce. Desta forma, considerando que grande parte dos impactos socioeconômicos derivados das cheias, sobretudo, das de maior magnitude deve-se ao fato destas áreas serem densamente ocupadas de maneira irregular e precária por populações carentes é necessário que as ações de prevenção aos impactos das cheias e atenção aos atingidos por elas sejam paralelamente acompanhadas por ações de planejamento urbano e ordenamento territorial; onde se destaca o remanejamento das comunidades que se encontram nas áreas de maior risco de inundação. Também é importante, como maneira a complementar a investigação do padrão de ocorrência das cheias extremas no médio rio Doce, que trabalhos posteriores busquem associar esses eventos as condições do clima e ao uso/ocupação da terra nos anos hidrológicos em que se evidenciam cheias extraordinárias. REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA). Hidroweb. Disponível em:<http:// http://hidroweb.ana.gov.br/>. Acessado em 11 de Agosto de 2013. ALBUQUERQUE, M. A; CUNHA, D. M. Projeto: Diagnóstico ambiental e revitalização de nascentes do Ribeirão da Laje, MG. Programa de Iniciação Cientifica. Centro Universitário de Caratinga - UNEC, 2007. AMARAL, do R.; RIBEIRO, R. R. Inundação e enchentes. In: TOMINAGA, L. K.; SANTORO, J.; AMARAL, R. do. (Org.). Desastres naturais: conhecer para prevenir. São Paulo: Instituto Geológico. 2009. p. 39-52. ARAÚJO, R. G. et al. A educação ambiental e a conservação dos recursos hídricos na área urbana do município de Caratinga - MG. In: GOMES, C. C. et al. 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