UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I- SALVADOR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS REINALDO ALVES DE MIRANDA O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA! SALVADOR-BAHIA 2014 REINALDO ALVES DE MIRANDA O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA! Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudo de Linguagens – PPGEL da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagens. Linha de Pesquisa: Língua, Discurso e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral. SALVADOR-BAHIA 2014 FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592 Miranda, Reinaldo Alves de REINALDO ALVES O discurso showrnalístico: uma análiseDE dosMIRANDA processos argumentativos presentes em textos do Jornal Massa! /Reinaldo Alves de Miranda. - Salvador, 2014. 124f. Orientador: Gilberto Nazareno Telles Sobral. O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO: Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I. 2014. UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS ContémPRESENTES referências e anexos. EM TEXTOS DO JORNAL MASSA! 1. Argumentação. 2. Retórica. 3. Jornalismo - Linguagem. I. Sobral, Gilberto Nazareno Telles. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 808.51 REINALDO ALVES DE MIRANDA O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA! Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens, submetido ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens, do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus I. Área de concentração: Língua, Discurso e Sociedade. Aprovada em 06 de março de 2014. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral (Orientador) Universidade do Estado da Bahia - UNEB Prof. Dr. João Antonio de Santana Neto Universidade do Estado da Bahia - UNEB Prof. Dr. Edson Fernando Dalmonte Universidade Federal da Bahia - UFBA SALVADOR-BAHIA 2014 Ao meu pai (in memorian), por me mostrar, no seu silêncio, que a autenticidade de um homem está em conjugar a ação com a palavra. AGRADECIMENTOS A Deus, por tudo que Ele fez, faz e continuará fazendo acontecer na minha vida, proporcionando-me conhecimento e sabedoria. À minha mãe, com quem obtenho as mais importantes lições para o meu caminhar. Aos meus irmãos e sobrinhos, por confiarem no meu potencial e se orgulharem das minhas conquistas. Aos verdadeiros amigos, por estarem presentes na alegria e na tristeza. Aos parceiros do Colégio Estadual Maria de Lourdes Parada Franch, pelo companheirismo e cumplicidade em nossa árdua – mas gratificante – imersão no mundo da educação. Aos colegas do PPGEL, pela oportunidade de convivência, aprendizado e partilha nessa importante trajetória de construção do conhecimento. Ao corpo docente do PPGEL, pela generosa acolhida nesse espaço de aprendizagem, que é, essencialmente, um intercâmbio de saberes. Ao corpo administrativo do PPGEL – em especial Camila, Geisa e Danilo –, pelo profissionalismo e atenção que a mim dispensaram. Aos membros da banca – Prof. João Santana Neto e Prof. Edson Dalmonte –, pelas importantes contribuições no processo de qualificação. Ao meu orientador – Prof. Gilberto Sobral –, pela confiança recíproca, desde o primeiro momento, e por imprimir um sentido mais amplo à palavra orientação. Como dizia o maestro, “é impossível ser feliz sozinho”. A vocês, muito obrigado! A linguagem é como uma pele: com ela eu entro em contato com os outros. (Roland Barthes) LISTA DE QUADROS Quadro 1 - USO DO LEXEMA APAGAR NO JORNAL MASSA!........... 45 Quadro 2 - USO DO LEXEMA SACIZEIRO NO JORNAL MASSA!....... 45 Quadro 3 - USO DO LEXEMA BARRIL NO JORNAL MASSA!............. 46 Quadro 4 - USO DO LEXEMA ABRIR O GÁS NO JORNAL MASSA!... 46 Quadro 5 - USO DO LEXEMA “PENEIRADO” NO JORNAL MASSA!... 46 Quadro 6 - Aplicabilidade do ethos no Jornal Massa!............................ 59 Quadro 7 - Comparativo entre os jornais Massa! e A Tarde - Teoria do Agendamento no período de 02 a 13/12/2103..................... 80 Constituição do corpus da pesquisa..................................... 83 Quadro 9 - Argumentos e tipos de argumentos...................................... 95 Quadro 8 - LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Seção Linha Direta..................................................... 61 Figura 2 - Seção Deixa com a gente!......................................... Figura 3 - Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha......................... 63 Figura 4 - Manchete: Tarado estupra prima............................... Figura 5 - Manchete: Super Maria: 32 filhos............................... 84 Figura 6 - Notícia do dia: Maria, 32 filhos e muitas histórias...... 84 Figura 7 - Matéria: Elas pagam pena dobrada........................... 86 Figura 8 - Matéria: Mamães estrelas.......................................... 86 Figura 9 - Matéria: Tarado estupra prima................................... 89 Figura 10 - Matéria: Ex-candidato é suspeito de abuso sexual.... 92 Figura 11 - Manchete: Vídeos, ameaças e estupro...................... 93 Figura 12 - Matéria: Garotos apontam estuprador....................... 62 63 94 RESUMO No presente estudo, promovemos um debate sobre a função jornalística e a relação desta com a argumentação, tendo como pressuposto que jornalismo e retórica encontram-se imbricados no processo da linguagem. Delineiam-se, portanto, aqui os principais aspectos que envolvem a argumentatividade, notadamente no jornalismo de cunho sensacionalista, cuja linha editorial tem contornos na linguagem popular, apelativa e, por vezes, grotesca, de modo que as emoções são priorizadas em detrimento da razão e da objetividade. Ancorados nessas premissas, elegemos como objeto de estudo o Jornal Massa!, com o propósito de analisar as estratégias argumentativas – advindas de mecanismos linguísticos presentes em textos de 04 (quatro) edições do noticiário – as quais visam a alcançar a persuasão do auditório ao qual o referido veículo se destina. Neste percurso investigativo, discorremos acerca dos elementos que compõem a tríade argumentativa aristotélica – o ethos (a imagem do orador), o pathos (a reação do auditório) e o logos (o discurso em si e por si mesmo, isto é, o argumento) –, associando tais componentes à proposta discursiva desenvolvida pelo Jornal Massa!. Ademais, propomos uma discussão, à luz do Tratado da Argumentação: a nova retórica, de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no que concerne aos efeitos produzidos por meio das técnicas argumentativas utilizadas pelo orador (jornal), na sua busca por conquistar a adesão do auditório (leitores), e aos desdobramentos desses recursos na prática jornalística. Com base nas análises a que procedemos, e a partir das evidências observadas no arcabouço teórico que norteou o estudo sobre o tema, concluímos que a eficácia da argumentação requer, dentre outros critérios, uma cumplicidade com o auditório construído pelo orador. Quanto ao objeto da nossa pesquisa, evidenciamos que o Jornal Massa! e o leitor se identificam, cuja interlocução se traduz no slogan do próprio veículo: um jornal feito do seu jeito. PALAVRAS-CHAVE: Retórica; Argumentação; Tríade argumentativa; Discurso jornalístico; Jornal Massa! ABSTRACT In the present dissertation, we promote a debate on journalistic function and its relation to the argumentation, with the presupposition that journalism and rhetoric are interwoven in language processing. Therefore, the main aspects involving argumentation are delineated here, especially in sensationalist journalism, whose editorial line is contoured in popular, appealing language and sometimes grotesque, in which emotions are prioritized in detriment of the reason and objectivity. Anchored on these premises, we choose as the object of study the newspaper Massa!, with the purpose of analyzing the argumentative strategies – arising from linguistic mechanisms presented in the texts of four (04) editions of the newscast - which aim the persuasion of the audience to which the vehicle is designed. In this investigative journey, we discus about the elements that compose the Aristotelian argumentative triad - the ethos (the image of the speaker), the pathos (the reaction of the audience) and the logos (the discourse itself, in other words, the argument) – associating these components with the discursive proposal developed by newspaper Massa!. Furthermore, we propose a discussion in the light of the Treaty of Argumentation: the new rhetoric, by Chaïm Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteca, in regard to the effects produced by means of argumentative techniques used by the speaker (newspaper) in his quest to conquer the adhesion of the auditorium (readers), and the consequences of these features in journalistic practice. Based on the analysis that we proceeded, and from the evidence observed in the theoretical framework that guided the study on the theme, concluded that the effectiveness of the argumentation requires, among other criterions, a complicity with the audience constructed by the speaker. In relation to the object of our research, we evidenced that the Newspaper Massa! and the reader identify with the dialogue that is reflected in the slogan of the vehicle itself: a newspaper done in your way. KEYWORDS: Rhetoric; Argumentation; Argumentative triad; Journalistic discourse; Jornal Massa! SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 2 DA INFORMAÇÃO AO ESPETÁCULO: UMA ABORDAGEM SOBRE O JORNALISMO SENSACIONALISTA ................................................... O GÊNERO SENSACIONALISTA............................................................ BREVE HISTÓRICO SOBRE O SENSACIONALISMO O Sensacionalismo no Mundo................................................................ O Sensacionalismo no Brasil.................................................................. CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM SENSACIONALISTA NO JORNAL IMPRESSO................................................................................. O SENSACIONALISMO NO NOTICIÁRIO DA BAHIA: O JORNAL MASSA!...................................................................................................... 2.1 2.2 2.2.1 2.2.2 2.3 2.4 3 3.1 3.2 3.3 3.4 4 4.1 4.1.1 4.1.2 4.1.3 4.1.4 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 5 IMAGENS, PAIXÕES E ARGUMENTOS: A TRÍADE ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA E A SUA APLICABILIDADE NO DISCURSO DO JORNAL MASSA!........................................................... A ARTE RETÓRICA: DE ARISTÓTELES A PERELMAN; OLBRECHTSTYTECA E AUTORES CONTEMPORÂNEOS.......................................... ANALISANDO O ETHOS E OS SEUS DESDOBRAMENTOS RETÓRICOS.............................................................................................. O PATHOS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ATO DE PERSUADIR.............................................................................................. NOÇÕES SOBRE O LOGOS NA TRÍADE ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA......................................................................................... 10 17 17 29 29 31 33 38 49 50 55 69 73 A NOTÍCIA E OS SEUS EFEITOS DE PERSUASÃO: UM ESTUDO DA ARGUMENTATIVIDADE NO DISCURSO JORNALÍSTICO DO MASSA!, A PARTIR DA NOVA RETÓRICA............................................. A ARGUMENTAÇÃO NO GÊNERO NOTÍCIA: O CORPUS DA PESQUISA................................................................................................. Texto 1. Super Maria: 32 filhos............................................................... Texto 2. Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos............................ Texto 3. Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha...................... Texto 4. Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro....................... AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO NOTICIÁRIO DO MASSA!....... Os argumentos quase-lógicos................................................................ Os argumentos baseados na estrutura do real..................................... Os argumentos que fundamentam a estrutura do real......................... 83 84 87 90 93 95 95 100 105 CONCLUSÃO............................................................................................ REFERÊNCIAS.......................................................................................... ANEXOS.................................................................................................... ANEXO A: Edição utilizada na análise do Texto 1..................................... ANEXO B: Edição utilizada na análise do Texto 2..................................... ANEXO C: Edição utilizada na análise do Texto 3.................................... ANEXO D: Edição utilizada na análise do Texto 4.................................... 111 116 120 121 122 123 124 76 10 1 INTRODUÇÃO "A mídia não é apenas a mensagem. A mídia é uma massagem. Estamos constantemente sendo acariciados, manipulados, ajustados, realinhados e manobrados." (JOEY SKAGGS) Os veículos midiáticos desenvolvem um papel de visível importância na sociedade do conhecimento. São eles que possibilitam ao indivíduo conhecer a maior parte dos acontecimentos do mundo, fazendo com que o direito à informação seja ampliado. No segmento jornalístico, de modo particular, a finalidade precípua é, essencialmente, a de buscar informações, organizá-las e transmiti-las, com objetividade para o público leitor, fazendo-se cumprir a sua função referencial no âmbito da linguagem. Entretanto, nem sempre as agências de comunicação se restringem a essa função, visto que alguns profissionais extrapolam o nível das informações – exemplo disso é a veiculação de conteúdos impactantes sobre violência, erotismo, escândalos, sempre em tom exagerado pelas mídias – e, muitas vezes, não demonstram preocupação com a natureza ética1 que rege a profissão jornalística. Tais práticas constituem um subgênero da notícia denominado de sensacionalismo, isso porque se referem às ações e narrativas que buscam provocar sensações, o que, no jornalismo, especificamente, indica audácia, irreverência e, muitas vezes, a inversão da realidade, no que diz respeito à emissão e ao tratamento das notícias. Nessa “sociedade do espetáculo” – termo cunhado pelo pensador francês Guy Debord, em 1967 – desenvolvem-se signos e símbolos que fabricam necessidades e maneiras de desejar que se incorporam às multidões de espectadores, isto é, às massas. 1 Nesse contexto, faz-se alusão ao Código de Ética que norteia a atividade jornalística, ao preconizar princípios de conduta dos profissionais os quais atuam no âmbito da informação. 11 O sensacionalismo não é um fenômeno exclusivo da contemporaneidade, haja vista que o homem sempre utilizou de expedientes nem sempre éticos para chamar a atenção de um fato, especialmente quando tal exibição lhe era conveniente. É o que se observa recorrentemente nas redes formais e informais da comunicação e, em se tratando de canais midiáticos, podemos afirmar que a exploração da miséria tem se popularizado em um ritmo intenso, vertiginoso. Não obstante, o jornalismo destaca-se, como instrumento a favor da linguagem, ao mobilizar códigos e signos linguísticos, tornando-se, por conseguinte, uma prática discursiva a qual lança mão de estratégias da argumentação, com o intuito de conquistar a adesão do seu público. É, portanto, diante dessa instância comunicacional que se delineia o objeto da presente dissertação de Mestrado – O discurso2 showrnalístico: uma análise dos processos argumentativos presentes em textos do Jornal Massa! –, no que tange à argumentatividade, na tentativa de se associar o gênero discursivo à perspectiva funcional da linguagem. Para tanto, consideramos o teor sensacionalista de que se apropria o referido jornal, analisando os argumentos que se desdobram com vistas à imagem que é construída especificamente por esse veículo da mídia impressa (o ethos), à persuasão do leitor, por meio de argumentos (o logos) e à natureza emocional do interlocutor ao qual se direcionam as informações (o pathos). Essa tríade, preconizada por Aristóteles, é amplamente explanada por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000) no Tratado da Argumentação: a nova retórica, cujas teorias, entre outras, norteiam o campo das reflexões em face do nosso objeto de estudo. Os referidos autores ressaltam que “para argumentar, é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 18). Definem auditório como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 22), 2 Pertinente observar que, nos estudos de linguagem, atribuem-se algumas acepções ao termo discurso. Para este trabalho, o interesse recai sobre a noção de discurso defendida por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 1996), qual seja, o ato de fala, a locução, que se materializa no texto. 12 podendo ser considerado auditório também os leitores de um discurso. No caso do Jornal Massa!, trata-se de um público que busca informações rápidas, de fácil entendimento, apesar de grotescas, e com bastante apelo emocional, permitindo, em muitos casos, que a tragédia se converta em risos e escárnios, seja por aqueles que leem o noticiário, seja pelos que o conduzem, isto é, os próprios editores e jornalistas. E, nesse contexto, não interessa somente aquilo que o veículo diz, mas também o modo como se diz, residindo aí o poder da argumentatividade. Com relação ao discurso sensacionalista, os veículos recorrem a esquemas argumentativos, lançando mão de alguns mecanismos persuasivos – temas inusitados, o uso de vocabulário simples com utilização de gírias, a passividade e impacto do receptor e o domínio da hipérbole e adjetivação – de modo que não se exige esforço por parte do auditório para que os fatos sejam interpretados. Observa-se que há uma grande aproximação emocional entre emissor e receptor, viabilizando, por isso mesmo, que se concretize um discurso de adesão. As notícias veiculadas no Jornal Massa! denotam esta finalidade, a de fazer apelo a reações mais baseadas na emoção do que na razão, trazendo à tona sentimentos primários ao interlocutor, simplificando polêmicas em vez de fornecer elementos que permitam pensar, compreender, formar opinião. A linguagem também é muito forte nesse gênero, com a presença de gírias e “palavrões”, para relatar as representações periféricas, criando assim uma aproximação com a realidade na qual os episódios se desdobram, sendo reforçados, certamente, pelo poder das imagens. É, por assim dizer, uma tentativa – bem-sucedida, por sinal – de estabelecer uma identificação, de modo que o auditório se sinta coadjuvante, e até mesmo protagonista, da narrativa jornalística, tal o impacto exercido em sua mente. Considerando a intencionalidade dos argumentos na produção dos discursos que circulam nas mídias sensacionalistas, e em razão dos seus formatos e do modo como são veiculadas as notícias, justifica-se a escolha do Jornal 13 Massa! – produto do Grupo A Tarde –, para a concepção da pesquisa. A discussão incide, principalmente, sobre a argumentatividade presente nas manchetes do Jornal Massa! e na relação destas com o texto, bem como na forma de abordagem dos assuntos e os critérios de noticiabilidade, cujo enfoque recai na teoria do agendamento (TRAQUINA, 2000), pela qual se discute o papel dos meios de comunicação, no momento de se determinar quais os assuntos que estarão na pauta, no centro das atenções. As práticas adotadas pelos jornais de cunho sensacionalista têm sido capazes de promover a aceitabilidade do público-leitor, resultando em níveis significativos de venda, notadamente entre consumidores que integram as camadas C e D da população3, nas quais se tem verificado uma ascensão quanto à mobilidade socioeconômica e cultural. Configura-se, desse modo, um novo momento para a imprensa popular – estando aí incluso o Jornal Massa! –, que aproveita o aquecimento da economia brasileira e o crescimento dos níveis de escolaridade das referidas classes, convertendo os seus integrantes em leitores e, por conseguinte, fiéis consumidores desse produto jornalístico. O Jornal Massa! representa claramente o segmento que se baseia na exploração da violência e do sensacionalismo como estratégia para atrair o público, em sua maioria com textos e imagens que causam impacto, comoção, revolta, e que, na maioria das vezes, aguçam a curiosidade do leitor. O presente estudo desdobra-se, portanto, no entendimento acerca dos processos que envolvem a argumentatividade. Para tanto, no trabalho pretendemos responder à seguinte questão: Quais os mecanismos argumentativos utilizados pelo Jornal Massa! para convencer e persuadir o leitor? A partir do embasamento teórico de que se constitui esta dissertação, foi possível desvendar os principais elementos acerca da temática, qual seja, a argumentatividade e a sua repercussão diante do público-leitor do gênero 3 Trata-se de uma nova classe média, a qual não deseja o estilo de vida das elites e prefere produtos que valorizam a sua origem. A renda média das classes C e D aumentou em 50% entre 2010 e 2011. E o movimento de democratização de alguns privilégios antes gozados apenas pelas classes A e B aumentou proporcionalmente. Informações disponíveis em: http://<www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58>. Acesso em 19 nov. 2013. 14 sensacionalista. No percurso da investigação, os processos argumentativos foram estudados a partir dos três componentes da argumentação persuasiva: o ethos (imagem do orador); o logos (o discurso em si e por si mesmo, o argumento) e; o pathos (imagem do auditório). Nessa perspectiva, o objetivo geral no presente estudo concentra-se em analisar os processos argumentativos que interagem nos mecanismos de atração e consumo dos textos sensacionalistas veiculados pelo Jornal Massa! Para atender ao objetivo geral, foram traçados, especificamente, os seguintes objetivos: verificar o processo de construção do ethos discursivo no Jornal Massa!; identificar o acordo, a tese e os argumentos que a sustentam na abordagem dos fatos, notadamente os de caráter sensacionalista e; analisar o tipo de auditório a que se destinam os textos veiculados pelo Jornal Massa! e qual a natureza das emoções nele suscitadas. Quanto à metodologia utilizada para o estudo, escolhemos a técnica de pesquisa bibliográfica, pois esta se mostrou compatível aos objetivos pretendidos, tendo como instrumentos a produção de conhecimentos já teorizados em livros e artigos nos quais são expostas visões tanto sobre o fenômeno do sensacionalismo na construção de textos jornalísticos quanto sobre o processo da linguagem e da argumentação. No que se refere ao método de abordagem, utilizamos o dedutivo, considerando-se que a temática encontra ressonância em estudos teóricos já fundamentados, com o intuito de explicar fenômenos particulares e emergentes – no caso do presente estudo, o sensacionalismo que está inserido no discurso do Jornal Massa!. Como objeto investigativo para o campo da argumentação, analisamos no corpus 04 (quatro) edições do Jornal Massa!, veiculadas nos dias de sábado/domingo, utilizando-se como recorte a Notícia do dia, que corresponde 15 à principal manchete desse noticiário, quais sejam: Texto 1: Super Maria: 32 filhos; Texto 2: Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos. Texto 3: Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha e; Texto 4: Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro. Embora sejam de acesso irrestrito ao público as informações apresentadas neste trabalho – tanto no Jornal Massa! quanto em sites da web –, ao identificarmos os indivíduos que estão envolvidos nas reportagens e nos trechos das entrevistas capturados para análise, optamos por utilizar as iniciais, a fim de preservá-los quanto à sua identidade. Escolhemos, para análise, as publicações do referido período, por entendermos que, tradicionalmente, no final de semana os exemplares de jornais têm maior circulação entre os leitores. Quanto ao critério de seleção das matérias de capa, elegemos textos cujas abordagens recaíssem, de algum modo, sobre a infância, considerando ser esse um assunto recorrente na pauta dos noticiários e que comove os leitores. São temas que suscitam pontos de vista dos mais calorosos num debate que envolve variadas classes sociais. Nessa perspectiva, pudemos confirmar a aplicabilidade da Teoria do Agendamento pelo veículo Massa!, quando o jornal seleciona assuntos que considera mais importantes para exercer a sua função informativa e por fazer também o seu público acreditar que a referida notícia é relevante, em detrimento de outras informações. O intuito é, portanto, perceber, também, a partir da abordagem jornalística, qual a interlocução que o Massa! estabelece com o seu público. Apesar de estarem mencionados os aspectos visuais que compõem as notícias, a análise direciona-se exclusivamente aos textos de natureza verbal, priorizando, assim, o recurso da palavra para os efeitos da argumentatividade. Assim, em função dessa seleção temática, são aleatórios os períodos analisados, sem que haja, necessariamente, uma sequência cronológica das publicações. Os dados foram interpretados à luz das concepções teóricas 16 norteadoras do estudo, na tentativa de se confirmarem as hipóteses que suscitaram a investigação. A partir deste tópico introdutório, a dissertação está estruturada em três seções, além dos tópicos da Conclusão, Referências e Anexos. Na primeira seção – 2. Da informação ao espetáculo: uma abordagem sobre o jornalismo sensacionalista –, explanamos os conceitos relativos a esse formato de linguagem, bem como suas características e desdobramentos no campo jornalístico. Ainda nesse item apresentamos o nosso objeto de pesquisa – o Jornal Massa! –, em um breve histórico acerca do processo de criação desse veículo e da finalidade a que se propunha com um novo estilo para divulgação de notícias no estado da Bahia. Na segunda seção – 3. Imagens, paixões e argumentos: a tríade argumentativa aristotélica e a sua aplicabilidade no discurso do Jornal Massa! –, verificamos em que medida esses três elementos se conformam no processo da argumentação, com vistas a alcançar a persuasão por parte do auditório. Na terceira seção – 4. A notícia e os seus efeitos de persuasão: um estudo da argumentatividade no discurso jornalístico do Massa!, a partir da Nova Retórica –, os conceitos e as definições sobre a Nova Retórica encontram-se associados à análise dos textos escolhidos para o corpus da pesquisa, de modo a classificar e identificar os argumentos ali presentes, facilitando assim a compreensão acerca da aplicabilidade de tais estratégias as quais permitem criar o efeito persuasivo no leitor do Jornal Massa!. No tópico final – 5. Conclusão –, destacamos as impressões gerais obtidas por meio da pesquisa, no que diz respeito às características do Jornal Massa! e às estratégias da argumentatividade por ele desenvolvidas. Nessas reflexões finais, ressaltamos, ainda, a importante função dos veículos midiáticos como instrumento comunicacional e o papel do público-leitor na recepção dos argumentos que lhe são dirigidos. 17 2 DA INFORMAÇÃO AO ESPETÁCULO: UMA ABORDAGEM SOBRE O JORNALISMO SENSACIONALISTA “As palavras são também instrumentos de ação e não apenas de comunicação.” (MARCUSCHI, 1982). Nesta seção apresentamos inicialmente conceitos e definições acerca do sensacionalismo, um pouco do histórico dessa linha editorial na mídia mundial até a sua inserção nos jornais impressos brasileiros. Na sequência, explanamos o perfil do Jornal Massa! – objeto que nos serve de análise para o estudo da argumentação –, identificando as principais características que revelam o formato concebido por esse veículo cuja maior finalidade se assemelha a de outros títulos concorrentes no mercado jornalístico baiano: garantir a adesão do auditório a que se destina. 2.1 O GÊNERO SENSACIONALISTA No universo midiático, marcadamente no contexto do jornalismo, é necessário que se desenvolvam estratégias de comunicação capazes de despertar no público o interesse pelas informações ali veiculadas. Em virtude do fenômeno 18 da competitividade existente no mercado, alguns jornais impressos, em busca de aumentar o número de leitores e, com isso, vender mais exemplares, passaram a utilizar manchetes e/ou imagens impactantes no intuito de moldar a emoção do receptor, fazendo surgir o rótulo de “jornais sensacionalistas ou populares”.4 Pedroso (1983) se reporta a esse gênero do jornalismo com a seguinte definição: Modo de produção discursivo da informação de atualidade, processado por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação ou reprodução de real social (PEDROSO, 1983, p. 114). Pedroso (1983, p. 114) afirma que, nesse contexto, “há uma valorização da emoção, em detrimento da informação”, o que gera uma forma particular de discurso, ou seja, um discurso que se reveste de um caráter sensacionalista. Esse discurso é composto de questionamentos referentes ao teor do sensacionalismo, ao planejamento e à disposição das fotos, das legendas e das manchetes no jornal, cujos elementos estão orquestrados, a fim de atingir o terreno das emoções. Marcondes Filho (1989, p. 66) caracteriza sensacionalismo como “o grau mais radical da mercantilização da informação: tudo o que se vende é aparência e, na verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor do que a manchete”. As notícias da imprensa sensacionalista sentimentalizam as questões sociais, criam penalização no lugar de descontentamento e se constituem num mecanismo reducionista que particulariza fenômenos sociais. A informação é sensacionalizada para vender mais jornal e se localiza no âmbito do lazer, como contraposição à opressão social do trabalho. 4 Na consulta bibliográfica sobre o tema, identificamos o uso indistinto dos vocábulos “sensacionalista” e “popular”. Para o interesse desta investigação, o primeiro termo é o mais apropriado, visto que traduz a ideia de apelo, emoção, sensações que acometem o leitor do Jornal Massa!, nosso objeto de pesquisa. 19 As várias definições dadas ao gênero sensacionalista convergem para alguns pontos comuns, sendo de interesse na nossa investigação o que é sintetizado por Angrimani Sobrinho (1995): Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 16). Atribui-se o termo sensacionalista àquele tipo de postura editorial – adotada regular ou esporadicamente por determinados meios de comunicação –, a qual se caracteriza pelo uso exagerado de determinadas expressões que não correspondem exatamente àquelas utilizadas por quem participou dos fatos, ou por argumentos pessoais dos jornalistas, enraizados em expressões pessoais, chulas e até mesmo preconceituosas, sem que haja uma ligação coerente com a realidade. Amaral (2005) argumenta que esse expediente – o da apelação – é utilizado, em menor ou maior grau, de modo geral, no segmento jornalístico. O sensacionalismo é um modo de caracterizar o segmento popular da grande imprensa, uma percepção do fenômeno localizada historicamente e não o próprio fenômeno. Corresponde mais à perplexidade com o desenvolvimento da indústria cultural no âmbito da imprensa do que um conceito capaz de traduzir os produtos midiáticos populares mais recentes (AMARAL, 2005, p. 2). Esse novo jornalismo, caracterizado pelo apelo aos conteúdos sensacionalistas, os quais buscam atrair mais leitores, mais anunciantes e, consequentemente, visam trazer mais lucros à empresa jornalística, considera a informação uma mercadoria importante. Trata-se de uma conduta adotada, na atualidade, por todos os veículos, mas inegavelmente é a televisão que melhor utiliza os recursos dos quais dispõe para demonstrar o caráter espetacular dos 20 acontecimentos. A consagração da televisão fez com que os jornais impressos, por exemplo, precisassem passar por diversas mudanças, de modo a assemelharem seu texto, seu ritmo, sua produção ao estilo televisivo. Amaral (2005) defende essa finalidade mercadológica de que lançam mão os jornais sensacionalistas, observando que os recursos são diferentes daqueles utilizados nos jornais tidos como sérios: Também é preciso considerar que um jornal destinado ao público popular não se utiliza dos mesmos recursos de um jornal tradicional. [...] Muitas das críticas à imprensa em questão utilizam-se do argumento de que são jornais “feitos para o mercado”. É evidente que as empresas jornalísticas produzem jornais para o mercado. Aliás, qualquer jornal é feito para um determinado mercado, seja ele popular ou de elite, alternativo, de oposição sindical, que vise ao lucro ou não (AMARAL, 2005, 16). O sensacionalismo, além de caracterizar-se pelo apelo emotivo e pelo uso de imagens chocantes na cobertura de um fato, também se caracteriza pela capacidade de induzir o telespectador a prender-se a fatos geralmente distorcidos, trazendo à tona uma realidade irreal e alterada do cotidiano. Daí inferir-se que uma informação com teor sensacionalista tem a sua credibilidade discutível. Pode-se dizer que a mídia é, em grande parte, a principal responsável pelas transformações sociais da atualidade. O jornalista é seu cúmplice e, por isso, conhece as armas capazes de construir ou destruir ideologias. Ciente desse conceito, a imprensa em geral atua cada vez mais com a ideia de que a qualidade está associada à preferência do público, ou seja, torna-se bom o produto que o público gosta e ao qual, portanto, cria adesão. A partir do momento em que os produtos midiáticos são consumidos, tornam-se mercadorias e, na guerra em busca de audiência, as regras da ética e moral são colocadas em segundo plano. É a partir dessa interpretação que, quando se fala em mídia sensacionalista, esse modelo de jornalismo é então associado à arte de manipular a informação de modo incompleto ou parcial e de apresentá-la num formato exagerado ou enganador. 21 Chaise (2007), em seu artigo intitulado O sensacionalismo e a dependência do jornalismo ao mercado (2007), ratifica: A responsabilidade da isenção, da objetividade quanto à informação divulgada, deveria ser a base da atuação ética do jornalista. Entretanto, sabe-se que em todas as chamadas e matérias há juízos de valor, há valores reconhecidos e expressos, mesmo que implicitamente (CHAISE, 2007, p. 10). Da forma como se apresentam hoje os jornais e telejornais, as pessoas acabam por pensar que o mundo gira em torno da violência, dos crimes, dos assaltos, mortes, sequestros, pânico. E nessa ânsia de demonstrar o sensacional, que tomou conta de todas as redações jornalísticas, tanto profissionais quanto proprietários de veículos ultrapassaram o limite ético que distingue um fato de interesse humano, de divertimento, e apelaram para a linguagem do espetáculo e do sensacional. É sob essa ótica que a autora analisa o comportamento do auditório no contexto da linguagem apelativa a que se propõe, por exemplo, o noticiário sensacionalista: Esta forma de tratar os aspectos da vida privada em sua dimensão de dor, tragédia ou humor duvidoso de forma tão visível – às vezes cruel e às vezes grosseira – tem algo a ver com a vida de quem é atraído pela informação. Afinidade de conflitos e problemas entre o leitor e o sujeito do texto, curiosidade social ou morbidez se mesclam no interesse comum que mantém, cotidianamente, um jornal com este perfil nas bancas (CHAISE, 2007, p. 11). De modo geral, os veículos utilizam esse recurso para ganhar audiência, já que o conteúdo atrai a atenção do público por meio do choque. Essa prática não é um fenômeno isolado, ou seja, faz parte de um processo histórico e cultural, sendo influenciado por matrizes como a pornografia, o melodrama, o folhetim, a literatura de horror, a literatura fantástica e o romance policial, em que se mesclam realidade e ficção. Importante frisar que tal prática tem sido igualmente utilizada, ainda que com a devida discrição, em jornais considerados sérios – estes, em algum momento, podem oscilar entre a realidade e a ficção, ao construírem o seu discurso. Entretanto, inegavelmente, é nos jornais populares (aqui tratados como sensacionalistas) que esse formato se acentua. 22 A mídia sensacionalista expõe programas e jornais em que se divulga a violência, revelam-se bandidos e o erro dos outros em troca de audiência. Seus métodos de divulgação baseiam-se em expor as suas próprias opiniões como fatos, não admitindo o distanciamento ou a neutralidade preconizada no ofício do jornalismo. Nesse sentido, Marcondes Filho (1986) é enfático quanto ao papel a que esse gênero se propõe: [...] O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia, a sua carga emotiva, apelativa e enaltece. Fabrica uma nova notícia que a partir daí se vende por si mesma [...] não se presta a informar, muito menos a formar. Presta-se básica e fundamentalmente a satisfazer as necessidades instintivas do público, por meio de formas sádicas, caluniadoras e ridicularizadora das pessoas. Por isso, a imprensa sensacionalista serve mais para desviar o público de sua realidade do que voltar-se a ela (MARCONDES FILHO, 1986, 78). Agregando maior voltagem de cor na diagramação, textos sintéticos, várias seções de prestação de serviços e uma mescla entre temáticas de entretenimento, casos policiais e a redução, quando não exclusão, dos tradicionais editoriais de política e economia, esses jornais lançam à prática do jornalismo o desafio de conciliar interesse público com o interesse do público a que se dirige. Buscam, sobretudo, uma relação de cumplicidade e visibilidade do leitor, que é priorizado e exposto nas páginas, principalmente por meio da personificação das notícias, em nome da carga de humanidade (PREVEDELLO, 2007). Está imbricado, nesse cenário, de um lado o conflito diante da finalidade do jornalismo como instituição pública mediadora; de outro lado, a perseguição e conquista de novos mercados consumidores de leitores por uma instituição que também é de economia privada. No intuito de se aproximarem de uma camada de público com baixo poder aquisitivo e pouco hábito de leitura, os jornais, muitas vezes, transformam-se em mercadoria em todos os sentidos. Com frequência, deixam o bom jornalismo de lado para simplesmente agradarem ao leitor, em vez de 23 buscarem novos padrões de jornalismo que reforcem os compromissos sociais com a população de renda mais baixa. Entretanto, na visão de Amaral (2005), esses jornais têm alterado o conceito e o modo de informar – antes exclusivamente sensacionalista, e hoje maleável na sua concepção de noticiário. Segundo a autora, é necessário considerar que as estratégias de popularização da notícia não estão mais reduzidas à opção por temática de sangue e sexo. Muitos produtos jornalísticos populares contornam o estilo “espreme que sai sangue” e usam outros recursos para conectarem-se com o público popular como o entretenimento, o assistencialismo, o denuncismo, a prestação de serviços e a superexposição das pessoas comuns e das celebridades. Muitos produtos informativos populares, ao abandonarem as falsas informações e o exagero, passam também a apostar na sua credibilidade, conceito antes considerado privilégio da imprensa de referência (AMARAL, 2005, p. 4). Observa-se que o “boom” dos jornais populares mudou a relação de leitura das classes C, D e E. Com esse formato de texto, cujas especificidades buscam atrair a atenção do público, os editores cumpriram sua missão e potencializaram esse público para o jornalismo impresso. Mesmo o jornalismo considerado sério, que era tradicionalmente forte no tratamento dado à informação, enveredou pelos caminhos do espetáculo. Por conta disso, acredita-se que esse culto à espetacularização – em detrimento da informação de qualidade – tem frustrado o público leitor que integra a classe mais privilegiada cultural e economicamente da sociedade. Contudo, pode-se inferir que o jornalismo popular, embora pautado no sensacionalismo, nos moldes atuais, tem sido responsável por fazer ler uma população que não tinha leitura como hábito diário e tinha somente a televisão como quadro de referência midiático principal. As comunidades também nunca tiveram tanto espaço quanto nesses jornais. Além de gerar interesse nos leitores, há demonstrações de que as periferias ganham importância nesse novo jornalismo. Em algumas colunas, os jornais tentam, inclusive, fazer 24 denúncias, prestar serviços e manter-se como um mediador entre a população e o poder público. Marcondes Filho (2002) avança na condução do conceito buscando aportes na política e na economia. Para o autor, sensacionalismo vai rimar com manipulação, com mercantilização da informação. O autor ainda afirma que "a notícia, como mercadoria, vai recebendo cada vez mais investimento para melhorar sua aparência e sua vendabilidade” [...] (MARCONDES FILHO, 2002, p. 24). Para tanto, criam-se as manchetes, os destaques, as reportagens, trabalha-se e investe-se muito mais na capa, no logotipo, nas chamadas de primeira página, de modo que o conteúdo passa a figurar no segundo plano. Todo esse processo somente contribui para dificultar ou minimizar o poder de reflexão e discernimento do leitor, e assim a criticidade vai, aos poucos, cedendo lugar ao espetáculo, que é facilmente absorvido e incorporado pela massa. Arbex Jr. (2002) corrobora o debate acerca do gênero sensacionalista. Para ele, tudo não passa de espetáculo, um “showrnalismo”, baseado no “infontenimento” – fim da fronteira entre informação e entretenimento –, que obrigou o jornalismo, por exemplo, a se adaptar ao ritmo das mensagens publicitárias, pois "ninguém que tenha acabado de passar pelo impacto visual proporcionado pelas mensagens da Coca-Cola ou Marlboro suportaria uma sequência longa mais do que trinta segundos ou densa sobre algum evento" (ARBEX Jr., 2002, p. 51-52). Assim as notícias se tornam cada vez mais rasas de conteúdo e efêmeras, não possibilitando reflexões cuidadosas por parte do leitor. O autor destaca também que no jornal televiso "as notícias são apresentadas por belas mulheres, ou por 'âncoras', que funcionam como showmen, não tendo importância o fato de eles saberem ou não de que trata a notícia lida no teleprompter" (ARBEX Jr., 2002, p. 52). Portanto, o acontecimento político e, mais amplamente o social e/ou cultural, contrai os contornos de um grande show. 25 O crítico francês Guy Debord (2005), um importante estudioso do universo permeado pela sociedade do espetáculo, também traz para a discussão o império da mídia na construção e representação de personagens Em sua concepção, o espetáculo se tornou, na contemporaneidade, uma mercadoria que ocupou totalmente o espaço da vida secreta, numa relação de poder e eficácia: O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens. [...] Sob todas as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante (DEBORD, 2005, p. 8). Ao se referir a esse contexto mercadológico que interferiu sobremaneira no modo de se fazer jornalismo, Marcondes Filho (1992) acredita que a indústria cultural produz uma transformação na identidade das pessoas e das culturas, na medida em que as torna cada vez mais indiferenciadas. Para o autor, os fatos sociais são ajeitados, adaptados, interpretados, traduzidos, alinhados para o grande público. A matéria-prima, que são os fatos crus, precisa ser transformada em produto cultural, e este é o trabalho promovido pela comunicação industrializada. Tem-se, portanto, a formação da mercadoria cultural. Para Debord (2005), em nenhuma outra época da história os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política –, passando a organizar, de forma consciente e sistemática, o império da passividade e da indiferença. O autor lança a mais forte e aguda crítica à sociedade que se organiza em torno dessa falsificação da vida comum. O espetáculo que inverte o real é efectivamente produzido. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, e retoma em si própria a ordem espectacular dando-lhe uma adesão positiva. [...] a realidade surge no espectáculo, e o espectáculo é real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente. No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso (DEBORD, 2005, p. 10-11). 26 Nesse sentido, o jornalismo sensacionalista insere-se de maneira inequívoca na sociedade do espetáculo, ao optar por assuntos do cotidiano, de forma que cause comoção no telespectador, ao estabelecer uma simbiose entre o que é real (os fatos em si) e o que é fictício (a espetacularização dos fatos). Debord (2005), ao definir o modo de ser da sociedade atual como “sociedade do espetáculo”, afirma que o espetáculo nada mais é que o exagero da mídia que, em vez de comunicar, pode chegar a excessos. Assim, a sociedade surge do espetáculo e o espetáculo é real. Tal reciprocidade toma forma em todos os campos da vida humana e, nesse caso, atua fortemente nos meios de comunicação de massa, em que o jornalismo passa a construir um discurso baseado em modelos fictícios e a ficção constrói o seu discurso baseando-se em modelos reais. Marcondes Filho (1986), por sua vez, aponta uma característica importante que pode ser notada na construção jornalística: a semelhança dos textos, tanto impressos quanto televisivos, aos dramas. Isso talvez explique o porquê de os noticiários serem produzidos como espetáculos. “Por seu caráter festivo, esses fatos, sem quaisquer vínculos com a realidade imediata do telespectador, são politicamente esvaziados (...). O cenário, o apresentador, as cores e todas as ‘informações paralelas’ neutralizam as notícias” (MARCONDES FILHO, 1986, p. 52), atingindo tão somente o estado emocional do leitor. O autor afirma que esse tipo de informação busca fabricar um mundo embelezado, de preocupações minimalistas, que se voltam para o privado, para o individual. As pautas não são definidas pelas inquietações macrossociais ou de interesse geral, mas por uma série de assuntos definidos como notícia pelos próprios meios de comunicação –trata-se da teoria do agendamento –, cujos interesses buscam apresentar, como já mencionamos, notícias de apelo emocional com discursos voltados para o sensacionalismo, com ampla repetição de fatos como crimes, assassinatos e tragédias. “O que se vê é uma série de subprodutos do jornalismo em que o banal, o supérfluo, o vazio ocupam o espaço de uma suposta densidade desaparecida das páginas dos jornais” (MARCONDES FILHO, 1986, p.107). 27 Ao analisar a relação do jornalismo com o mercado, Bourdieu (1989, p. 61) afirma que “os jornalistas tendem a usar certas práticas de enquadramento dos casos novos, que aparecem nas redações, a certos esquemas préestabelecidos de representação”. Nesse jogo de poder, aquele veículo que conseguir enquadrar o acontecimento, determina o seu capital simbólico sobre os concorrentes, visto que, segundo Bourdieu (1989, p. 61), “o poder simbólico é um poder que está em condições de se fazer reconhecer, de obter reconhecimento”. Bourdieu (1997) complementa que há, da parte da imprensa, uma busca por um público mediano, tendo como objetivo atrair um número maior de leitores e satisfazê-los. Na prática, o processo faz com que os textos aprofundados sejam substituídos por construções leves, fáceis de serem assimiladas, mesmo que superficiais e descontextualizadas da realidade. Para um jornal sensacionalista, o fait divers – termo criado pelo teórico francês Roland Barthes, em 1964, na obra Essais Critique. Trata-se da notícia do dia, na qual valerá a pena investir, aquela que traz mais proximidade com o seu público, seja essa notícia o nascimento de um bebê diabo, seja o depoimento de uma mulher com duas “pererecas” (termo grosseiramente atribuído à genitália feminina). Considerado um dos principais nutrientes do jornalismo sensacionalista, o fait divers encontra a sua melhor definição nas palavras de Morin (1969), segundo o qual os limites do mundo real ou do inesperado irrompem na vida cotidiana: No fait divers, as proteções da vida normal são rompidas pelo acidente, catástrofe, crime, paixão, ciúmes, sadismo. O universo do fait divers tem em comum com o imaginário (o sonho, o romance, o filme) o desejo de enfrentar a ordem das coisas, violar os tabus, levar ao limite, à lógica das paixões (MORIN, 1969, p. 78). 28 Nas discussões acerca do jornalismo sensacionalista, é pertinente inserir o conceito de modos de endereçamento5, o qual “se baseia no argumento que, para que o jornal ou programa funcione para um determinado público, o espectador deve entrar em uma relação particular com a história” (AMARAL, 2006, p. 06). Referem-se às maneiras utilizadas pelos jornais para se dirigirem aos leitores, às formas como os veículos se orientam para estabelecerem relações com seu auditório. Estão, portanto, sempre vinculados a uma imagem do receptor, ou seja, a imagem que o jornal tem do leitor resulta de processos discursivos anteriores. Por antecipação, o jornal projeta um leitor e estabelece suas estratégias com base nele. O leitor, por sua vez, também projeta um jornal e imagina o que o jornal deve dizer e como deve dizer. Nesse processo, emergem estas perguntas: - A quem o jornal é endereçado?; Quem o jornal pensa que seu público é? E ainda: - Quem esse jornal deseja que o leitor seja? Assim sendo, voluntária ou involuntariamente, os jornalistas adotam modos de endereçamento que posicionam o leitor em determinados lugares, para que se instaure a cumplicidade necessária à adesão do auditório frente aos argumentos que lhe são apresentados, a partir do noticiário em geral. O modo de endereçamento consiste, portanto, na “diferença entre o que poderia ser dito – tudo que é histórica e culturalmente possível e inteligível de se dizer – e o que é dito” (ELLSWORTH, 2001, p. 47). Na tentativa de adequar a informação jornalística a temáticas e linguagens mais populares, os jornais eliminam de sua agenda vários temas de interesse da cidadania e colocam, no mesmo status de informação, discursos de campos diferentes do jornalismo. Na visão de Amaral (2005), para ser consumido, o jornal precisa conhecer minimamente os gostos, a linguagem, a estética e os estilos de vida de seus leitores. Da mesma forma que na imprensa de referência, o jornalismo popular é um modo de transmissão de conhecimento, mas nesse segmento, ele se configura melhor como um modo de entretenimento. 5 A teoria de Modos de Endereçamento, apresentada por Elisabeth Ellsworth (2001), foi direcionada ao discurso cinematográfico, mas pode ser igualmente aplicada ao discurso jornalístico. 29 Com relação aos jornais de natureza sensacionalista, podemos inferir que o produtor fará um texto com expectativas dirigidas àquele que vai consumir. Pensando nesse consumo, o produtor idealiza um consumidor médio e sua preocupação está no fato de como atrair esse consumidor médio. Conforme assevera Morin (1969), tal relação constitui a cultura mediana. [... a cultura de massa é média em sua inspiração e seu objetivo, porque ela é a cultura do denominador comum entre as idades, os sexos, as classes, os povos, porque ela está ligada a seu meio natural de formação, a sociedade na qual se desenvolve uma humanidade média de níveis de vida médios, de tipo de vida médio (MORIN, 1969, p. 54). O público leitor, em geral distante das esferas de poder, prefere ver sua cotidianidade impressa no jornal, logo, a informação torna-se sinônimo de sensação e da versão espetacularizada das diferentes realidades individuais. É com frequência que o gênero popular da grande imprensa enfatiza matérias de interesse humano que, ao serem personalizadas e descontextualizadas, assumem a função de entretenimento e espetacularização. Muitas vezes, constata-se o tratamento da informação de um ponto de vista tão particular e individual que, mesmo que esta diga respeito à grande parte da sociedade, sua relevância se evapora. Outras vezes, o interesse do público suplanta o interesse público não somente em função da temática da notícia, mas também pela forma como esta é editada, a partir da individualização do problema, o que dá a sensação de que a função jornalística não é efetivada. Um modo de endereçamento cada vez mais comum é a mudança no critério de adoção de fontes: muitos jornais e programas adotam como prioritárias fontes que não têm o papel de explicar o que ocorre na sociedade, mas assumem uma função testemunhal de autenticar o acontecimento ou gerar sensação (AMARAL, 2006). Em muitos jornais – enfatizamos aqui a prática do jornalismo televisivo –, ocorre a intensa visibilidade da fala dos populares e o desprezo pelas fontes públicas, oficiais ou especializadas. Em outros, toma-se o declaracionismo das autoridades (principalmente policiais) como prática, e as fontes falam apenas para dar credibilidade. 30 As notícias são selecionadas, principalmente, pela carga emocional ou de humor, ou ainda pelo aspecto hilariante ou grotesco, com o intuito primeiro de entreter o público, ficando o conteúdo da informação para o segundo plano. Nas notícias, o texto produzido denota um exercício de interpretação e dramatização do evento, para despertar principalmente as emoções no leitor ou espectador. Desse modo, a sua publicação depende em grande parte da capacidade inventiva do jornalista que seleciona e escreve as notícias. A escolha se justifica por atrair a atenção dos leitores e distraí-los, ou, como sugere Morin (1969, p. 100), por afirmar a presença da paixão, da morte e do destino, “para o leitor que domina as extremas virulências de suas paixões, proíbe seus instintos e se abriga contra os perigos”. Morin (1969) ratifica que quanto mais espetaculares forem os fait divers, tanto mais serão privilegiados na prática jornalística contemporânea: [...] as grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime é quase romanesco, o processo é quase teatral. A imprensa seleciona as situações existenciais carregadas de uma grande intensidade afetiva. No fato variado, a situação é privilegiada, e é a partir de situações chave que os personagens afetivamente significativos são vedetizados (MORIN, 1969, p.105-6). Os jornais e programas populares constroem sua legitimidade ao se relacionarem, de uma forma peculiar, com o mundo do leitor. Já que precisam falar do universo dos leitores, interpelam uma estética pragmática, pouco importando se as informações são do âmbito do privado, do local ou do entretenimento. Assim, o ideal da objetividade, embora varie de jornal para jornal, muitas vezes é abandonado, e a credibilidade é construída por intermédio de outros parâmetros, como a proximidade e o testemunho. Além disso, os veículos são obrigados, por interesses mercadológicos, a utilizarem determinados recursos temáticos, estéticos e estilísticos, que, mesmo deslocados do discurso jornalístico tradicional, servem para legitimar a fala do jornal entre seu público-alvo. 2.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O SENSACIONALISMO 31 2.2.1 O Sensacionalismo no Mundo O sensacionalismo, enquanto vertente de inspiração para o jornalismo, tem raízes históricas nos séculos passados. De acordo com Angrimani Sobrinho (1995), os jornais populares franceses do século XIX já exploravam a violência, catástrofes e os fenômenos inexplicáveis, de natureza ficcional ou crença religiosa. Antes disso, por volta de 1690, o primeiro jornal lançado nos Estados Unidos, Publick Occurrences, já apresentava características sensacionalistas (AMARAL, 2006). Mas foi realmente no final do século XIX que o fenômeno conhecido como Yellow Press (imprensa amarela), sinônimo de jornalismo de escândalos no Brasil, lançaria as bases para um movimento sensacionalista que serviu de modelo para jornais de todo o mundo. Angrimani Sobrinho (1995) relata, ainda, que o informativo A Gazeta de France, cuja publicação ocorreu em 1631, tem muita semelhança com os jornais sensacionalistas que circulam nos dias atuais. Entretanto, antes desse jornal, folhetins com ilustrações e impressos em caracteres góticos sobre um papel de baixa qualidade eram muito procurados pelos leitores, porque publicavam assuntos criminais e desastres. E já no século XIX, “as pessoas que faziam os jornais saiam às ruas gritando as manchetes de cunho sensacionalista” (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 19). Conforme relata Angrimani Sobrinho (1995), o surgimento do New York Sun, em 1833, como primeiro jornal norte-americano destinado às massas que valorizava as histórias de interesse humano, mudou radicalmente o conceito de jornalismo. A população era atraída demasiadamente por esse tipo de informação que deixava de lado questões políticas e se dedicava a contar histórias ligadas ao cotidiano, relacionadas a dramas de pessoas comuns, a episódios policiais e ao dia a dia nos parlamentos. Ainda nos Estados Unidos, os jornais de Joseph Pulitzer e William Hearst – New York World e Morning Journal, respectivamente – priorizavam dramas, histórias falsas, manchetes de impacto e eram dirigidos às classes populares, sendo vendidos a preços baixos. 32 Um pouco anterior a esse período, surge o folhetim na Europa, por volta de 1830, considerado o primeiro texto escrito no formato popular de massa, caracterizado pela linguagem simples, direta, sintética, temática flutuante entre a informação e a ficção. É um momento em que a imprensa começa a adquirir condições de produção industriais, mas, ao mesmo tempo, as tradições populares passam a ser incorporadas aos assuntos de interesse do jornalismo (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995). 2.2.2 O Sensacionalismo no Brasil De acordo com Prevedello (2007), no Brasil, é também no final do século XIX que publicações de artigos de Brito Broca e Afonso Lima Barreto trazem à tona o tema do sensacionalismo como faceta inerente à atividade jornalística. Há interpretações de autores que consideram a hipótese de que o sensacionalismo é uma característica presente, de alguma forma, na prática jornalística; por outro lado, há também a compreensão de que o caráter sensacionalista seja um teto alargado para a exploração dos dramas humanos e da manipulação da informação, com o propósito de provocar sensações de natureza psíquica e alavancar as vendas de jornais. O crescimento de jornais populares, ao mesmo tempo em que sinaliza para uma faceta da segmentação característica dos produtos midiáticos e da própria mídia impressa, que busca diferenciar-se através do direcionamento a públicos específicos, alerta também para o reconhecimento de uma maior visibilidade aos modos de vida das classes consideradas populares, denunciando a identificação de uma apropriação simbólica desse público com o consumo de informação (PREVEDELLO, 2007, p. 22). Amaral (2006) relata que, nos anos 1970 e 1980, o exemplo mais notório desse tipo de jornalismo era o Notícias Populares - NP, publicação pertencente ao Grupo Folha, em São Paulo, que chegou aos 180 mil exemplares diários, vendidos apenas em bancas, e que deixou de circular em 2001. Com discurso 33 justiceiro em nome do povo, o diário esgotava em poucos minutos nas bancas próximas a saídas de fábricas. Seu texto persuasivo deixava a esfera da polêmica para assumir um tom autoritário, taxativo, estigmatizante. Esclarece a autora que a década de 1990 configura-se em um cenário propício à renovação na mídia impressa brasileira, decorrente de alguns fatores. Um aspecto importante consiste nas mudanças econômicas, as quais possibilitaram a consolidação de um público consumidor potencial de informação nas classes C e D, que até então não se inseriam entre os habituais leitores de jornais impressos. Ademais, o desafio lançado pela expansão da Internet – um formato de comunicação que trouxe mudanças na linguagem de apelo ao espectador – e o momento internacional, em que grandes empresas na Europa e América Latina lançam periódicos condensados, com linguagem mais direta, sucinta e apelo visual mais forte, são elementos que, conjuntamente, proporcionam o aparecimento de uma nova proposta no jornalismo impresso. O crescimento desse modelo de jornalismo popular – pautado no sensacionalismo – é uma tendência mundial. O objetivo é levar informação aos considerados “menos favorecidos”, atingir o público popular, mais precisamente de comunidades carentes, onde vivem famílias de baixa renda e que não tinham o hábito de ler jornais, além de ser mais um produto jornalístico no mercado que irá concorrer com os grandes jornais de referência. Com o objetivo de atender a essa demanda de novos consumidores, vários desses novos jornais são lançados, no Brasil, por empresas já consolidadas nesse segmento de mercado, dos quais brotam títulos que avançam sobre faixas consumidoras até então desprezadas pelos jornais anteriores. Exemplos dessa parceria são: o jornal Extra e Expresso da Informação, da InfoGlobo, que tem O Globo; o Meia-Hora, da empresa jornalística de O Dia; o Diário Gaúcho e A Hora de Santa Catarina, lançados pelo Grupo RBS, que edita o Zero Hora 34 e o Diário Catarinense e; o Massa! – objeto do nosso trabalho de investigação –, que pertence ao grupo detentor do Jornal A Tarde6, na Bahia. Fundado em 1912, o Jornal A Tarde é um produto de circulação diária na Bahia e integra o segmento considerado jornais de referência. Recebeu essa denominação porque sua circulação era vespertina e surpreendeu os soteropolitanos pela sua qualidade gráfica, que era o seu diferencial em relação à concorrência. O Jornal A Tarde nasceu em um conturbado ambiente político, marcado pelas eleições estaduais, e também em um contexto de mídia competitivo, pois àquela época seis jornais circulavam em Salvador: Jornal de Notícias, Diário da Bahia, Diário de Notícias, Gazeta do Povo, A Bahia e Diário da Tarde. Uma observação interessante é que tais empresas não veem concorrência entre os produtos, por entenderem que há uma destinação e penetração em públicos diferentes. Além disso, há um importante diferencial a ser considerado na destinação aos variados públicos, isto é, a própria estratégia de distribuição: enquanto os jornais principais dos referidos grupos são vendidos também por assinatura, os sensacionalistas somente podem ser comprados nas bancas de revistas e por meio de jornaleiros em pontos estratégicos das grandes cidades. Com base nos indicadores do crescimento da circulação dos jornais populares, podemos inferir que uma parcela de leitores está, de fato, aderindo a esse novo formato, já que os exemplares não podem ser entregues em casa, e até pouco tempo não dispunham de páginas na Internet. Berthier e Silva (2012) defendem que se, por um lado, as notícias são de entretenimento, e por isso são ignoradas pela imprensa de referência, por outro lado, existe a possibilidade de se reverter esse quadro preconceituoso, tornando esse estilo em um processo que possa desenvolver o interesse do leitor de massa popular por assuntos relevância, seja no âmbito mundial, seja na esfera local, da sua realidade. 6 O Jornal A Tarde comemorou, em 2012, seus 100 anos de existência. Custa R$ 2,00 nas bancas, variando para R$ 3,00 no domingo e oferece possibilidade de assinatura nas versões impressa e digital. 35 2.3 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM SENSACIONALISTA NO JORNAL IMPRESSO Para Seligman (2009), o sensacionalismo atual é herdeiro de algumas matrizes culturais da modernidade. Assim, pode ser conceituada de sensacionalista a publicação que trouxer as seguintes características: a) a ênfase em temas criminais ou extraordinários, enfocando preferencialmente o corpo em suas dimensões escatológica e sexual; b) presença de marcas da oralidade na construção do texto, implicando uma relação de cotidianidade com o leitor; c) a percepção de uma série de marcas sensoriais espalhadas pelo texto como a utilização de verbos e expressões corporais (arma “fumegante”, voz “gélida”, “tremer” de terror etc.), bem como a utilização da prosopopeia como figura de linguagem fundamental para dar vida aos objetos em cena; d) a utilização de estratégias editoriais para evidenciar o apelo sensacional: manchetes “garrafais”, muitas vezes seguidas por subtítulos jocosos ou impactantes; presença constante de ilustrações, como fotos com detalhes do crime ou tragédia, imagens lacrimosas, histórias em quadrinho reconstruindo a história do acontecimento, etc.; e) na construção narrativa, a recorrência de uma estrutura simplificadora e maniqueísta. f) relação entre jornal sensacionalista e seu consumo por camadas de menor poder aquisitivo, que, por diversas razões, seriam manipuladas e acreditariam estar consumindo uma imprensa “popular” (...) quando, no fundo, estariam consumindo um jornalismo comercial feito para vender e alienar (SELIGMAN, 2009, p. 2-3). Elementos gráficos, fotos chamativas e linguagem grotesca na capa dos jornais são características exclusivas de publicações populares e sensacionalistas. As manchetes se destacam pela irreverência das frases, fotos sem censura e cores em destaque, que ganham a atenção do leitor. Nesse contexto, as inúmeras poluições visuais e combinações de formato, fazem com que o impresso popular se torne um jornal descartável. O que é notícia hoje não será amanhã, devido ao enfoque sensacionalista e fugaz das manchetes. Cada dia 36 há uma notícia excepcional estampada na capa dos tabloides, fazendo com que a manchete do dia anterior seja menos importante do que a manchete atual, que tende a ser igualmente esquecida e descartada. Com isso, percebe-se que esses jornais seguem um método de abordagem sensacional imediata da notícia. Publicam as manchetes de forma a chamar rapidamente a atenção dos leitores, e assim venderem um maior número de exemplares diários, muitas vezes sem se preocuparem com o conteúdo jornalístico e fundamento das matérias. Conforme já pontuado, não se trata de um fenômeno novo. É talvez a mais antiga ferramenta para aumentar as vendas de produtos de comunicação e implica uma opção editorial. O produto sensacionalista baseia-se, portanto, em uma linguagem específica, a qual traduz o seu caráter apelativo. Angrimani Sobrinho (1995, p.16) lembra que a linguagem sensacionalista “não pode ser sofisticada, nem o estilo elegante”. Os veículos utilizam, portanto, a linguagem coloquial, mas diferentemente daquela empregada pelos informativos comuns, visto que carrega um coloquialismo exagerado e apelativo, o que obriga o leitor a se envolver emocionalmente. Na imprensa sensacionalista, conforme pontua Pedroso (2001), a gramática discursiva construída pelos jornais caracteriza-se pela exacerbação de modelos e arquétipos sociais e culturais já sedimentados no imaginário social sobre a narrativa jornalística diária. Entre as regras definidoras da prática ou do modo sensacionalista de produção do discurso de informação estão: a intensificação, o exagero e a heterogeneidade gráfica; a valorização da emoção em detrimento da informação; a exploração do extraordinário e do vulgar; a valorização de conteúdos ou temáticas isoladas e sem contextualização; a produção discursiva na perspectiva trágica, erótica, violenta, ridícula, insólita, grotesca ou fantástica; a gramática discursiva fundamentada no desnivelamento socioeconômico cultural entre as classes hegemônicas e subalternas, entre outras. 37 A linguagem utilizada nos jornais sensacionalistas é coloquial, de forma exagerada, podendo ser usadas as gírias e os “palavrões”. Os meios que utilizam essa linguagem argumentam que as pessoas gostam do que leem, e que o jornal é voltado para um público constituído por leitores de baixa escolaridade. Os recursos gráficos são um dos artifícios que o jornal utiliza. A manchete é escrita em caixa alta e em cores fortes, com destaque na capa do jornal. Por receber um espaço maior, é geralmente impactante, às vezes composta de uma frase que chama a atenção do leitor. E por ser o primeiro contato com o leitor, a manchete é produzida para despertar nele o desejo de ler a informação na íntegra. Além de expressões e imagens sensacionalistas, uma característica da qual se constituem esses veículos é a diluição da prática jornalística na prestação de serviço e no assistencialismo. Nota-se que os jornais precisam se tornar imprescindíveis à vida do público e, com essa finalidade, criam espaços para que sejam publicadas as críticas e reclamações encaminhadas pelos leitores, atuando, assim, como porta-vozes diante das reivindicações da comunidade. Tais serviços de utilidade pública configuram a função protecionista bastante presente nos programas televisivos que exploram esse gênero, agora transposto para a mídia impressa. O assistencialismo, por sua vez, faz com que os veículos de comunicação adotem a necessidade como virtude e todos os injustiçados ou excluídos, os quais integram a cultura de massas, passem a ter visibilidade por portarem um capital simbólico: a exclusão social. Mas deve se observar que o sensacionalismo aparece nos meios de comunicação como uma espécie de balança, oscilando em determinado momento para a punição e, em outro, para a transgressão. E o leitor percebe que está entrando em terreno sensacionalista quando existe essa intenção – de punir ou transgredir (às vezes, as duas ao mesmo tempo) – tendo como base uma linguagem clichê. Apesar de estabelecer uma relação de proximidade entre as histórias contadas e os leitores, tais artifícios de linguagem só colaboram com a estigmatização dos moradores das periferias, caracterizados como bandidos, marginais, 38 traficantes. Segundo Patias (2006, 98), “a linguagem popular adotada, ao mesmo tempo em que pretende identificar-se com o discurso do pobre e exigir os seus direitos, retrata o marginalizado e o favelado como violento, bandido e potencial criminoso”. O entretenimento, conforme já visto, é um dos pontos fortes nessa mídia, com notícias sobre famosos, apresentações culturais, shows, filmes, novelas e diversos temas que possam entreter os leitores. A espetacularização e exposição de celebridades são, portanto, práticas as quais evidenciam que os produtos populares são construídos numa tênue fronteira entre o jornalismo e o entretenimento. Ademais, o léxico se apresenta como o melhor definidor da linguagem popular escrita pela imprensa sensacionalista. Há por parte do jornal uma liberdade sem limites no uso dos vocábulos gírios (inclusive os de origem ligada às classes marginais) e uma posição de tolerância quanto ao emprego dos vocábulos obscenos (palavrões), seja no seu aspecto afetivo, seja no seu poder injurioso (DIAS, 2008, p. 84). Dias (2008, p. 86) afirma que, no intuito de se tornar um veículo eminentemente popular, os jornais sensacionalistas procuram “aproximar-se do estilo oral, e essa aproximação se dá com maior intensidade no nível do léxico [...]”, demonstrando assim o poder que têm as palavras para alcançar o convencimento e a persuasão do leitor. Os jornais destinados a classes populares são produzidos pensando na preferência do público para o qual é direcionado. A imprensa popular utiliza o sensacionalismo com o marketing, pois os textos são elaborados com um sentido mercadológico e tem o objetivo de vender cada vez mais exemplares. Assuntos como violência – tema que está presente em todas as classes sociais – recebem no jornal popular sensacionalista um tratamento diferenciado, ou seja, o leitor sente-se familiarizado com a reportagem. Os episódios são narrados de forma que o leitor se espelhe na história, ou por morar na região onde aconteceu o fato, ou em razão de já ter passado por tal situação. 39 Amaral (2006) reforça essa discussão, ao afirmar que as pessoas leem jornais não apenas para se informar, mas também pelo senso de pertencimento, pela necessidade de se sentirem partícipes da história cotidiana e poderem falar das mesmas coisas que todo mundo fala. Dessa forma, o ato de ler um jornal e de assistir a um programa também está associado a um ritual que reafirma cotidianamente a ligação das pessoas com o mundo ao qual elas pertencem. Nesse particular, Morin (1969) complementa que o jornal sensacionalista produz no auditório a liberação de desejos reprimidos e censurados, permitindo ao leitor realizar atos que só se materializam na imaginação. Assim, toda a violência que imaginariamente é realizada diariamente seria legitimada pela leitura realizada num dado espaço social. O impulso agressivo do leitor permite-lhe, pelo ato de leitura, uma satisfação imaginária e verbal. Esse autor afirma que o mundo dessa mensagem-sensação realiza-se no imaginário do leitor “na imagem reflexo que ele dota de um poder fantasma – a magia do sósia” (MORIN, 1969, p. 68). Em outras palavras, há uma identificação com a realidade vista, ainda que distante dos fatos publicados na mídia sensacionalista. 2.4 O SENSACIONALISMO NO NOTICIÁRIO DA BAHIA: O JORNAL MASSA! O jornalismo sensacionalista é um formato que tem garantido cada vez mais espaço na imprensa baiana. Além dos tradicionais programas televisivos e radiofônicos, já estabelecidos na grade das emissoras locais e na expectativa dos telespectadores, com um público fiel, esse estilo vem ganhando espaço também em produtos impressos. Nesse âmbito, conforme aqui mostrado, os leitores baianos sempre tiveram como referência de jornalismo o Jornal A Tarde, que, por muitas décadas, foi considerado o melhor veículo jornalístico impresso do Nordeste e circulava na maioria dos estados da região. Líder em vendas, atraía para si muitos leitores e potenciais anunciantes, de modo que o seu concorrente direto, o antigo Correio 40 da Bahia, passou a posicionar-se em segundo lugar no que se refere à circulação e à qualidade do produto. Fundado em 20 de dezembro de 1978, o Correio da Bahia faz parte do mesmo grupo que controla a Rede Bahia de Televisão. Em agosto de 2008, o jornal passou por algumas reformulações – incluindo a mudança do nome para Correio* – com a finalidade de acompanhar as principais tendências do jornalismo mundial, trazendo uma representação mais moderna e inovadora, na tentativa de tornar a leitura do jornal mais acessível a todas as faixas etárias e classes sociais. A reforma acarretou mudanças na diagramação, nas editorias e na própria organização das folhas. Quando o veículo completou 30 anos de existência – em dezembro de 2008 –, a empresa reduziu o valor do jornal para R$ 0,50 e, desde então, a vendagem do impresso começou a aumentar. Em 2010, o Correio* já era o jornal mais vendido na Bahia, ultrapassando o tradicional A Tarde, de acordo com dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC)7. Pressupondo que o Correio* houvesse conquistado um grande número de leitores de todas as classes sociais, a ponto de superar a venda dos exemplares do A Tarde, este grupo concorrente resolveu criar um novo jornal, totalmente voltado para o público das classes C e D, dando ao informativo o sugestivo nome de “Massa!”. O lançamento do Massa!, em 2010, deu ao grupo empresarial a oportunidade de, pela primeira vez na história, direcionar-se aos leitores das classes sociais C e D, e, sobretudo, se constituiu como uma tentativa de fazer frente ao rápido crescimento do seu principal concorrente, o jornal Correio* (DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p). 7 O Instituto Verificador de Circulação (IVC) é uma entidade nacional sem fins lucrativos, responsável pela auditoria de mídia impressa e online. Seu objetivo é fornecer ao mercado dados detalhados sobre circulação e tráfego web. A entidade é composta por representantes de anunciantes, agências de propaganda e editores. (ANJ) 41 O vocábulo “massa” tem como origens o latim massa (“pasta, amontoado de material”) e o grego máza (“bolo de cevada”, relacionado a mássein, “amassar, juntar, unir”). A etimologia do termo encontra ressonância semântica no português brasileiro, visto que, de acordo com o Mini Dicionário Aurélio (2012), a palavra massa faz referência, dentre diversas outras acepções, ao que interessa à nossa pesquisa: sf (lat massa). 4 O todo cujas partes são da mesma natureza; 7 A multidão, o povo, reunião de muita gente. 17 Sociol Conjunto de indivíduos não delimitado pelas classificações tradicionais (família, classe), mas definido por um objetivo visado por certas atividades: Propaganda de massa. Cultura de massa. 18 pop Dinheiro, bagalhoça. sf pl 1massas: Ajuntamento de gente. 2 A população. adj m+f gír bacana, grãfino (FERREIRA, 2012, p. 42). O termo é usado em várias áreas do conhecimento e em diversos contextos, como na física, na política, sociologia e tecnologia. É também uma expressão popularmente empregada pelo falante baiano, que considera “massa” tudo aquilo que é bom, de qualidade, um produto ou atitude apreciável por muitas pessoas, que agrada a todos, o que explica a escolha para nominar o referido jornal. Há, também, uma fundamental relação de sentido com a expressão “cultura de massa”, a qual foi desenvolvida com a finalidade específica de atingir a massa popular, maioria no interior de uma população. Nesse sentido, a variedade do conteúdo é disseminada por meio dos chamados veículos de comunicação de massa, cuja concepção é criticada por Morin (1969): Essa variedade é, ao mesmo tempo, uma variedade sistematizada, homogeneizada, segundo as normas comuns. O estilo simples e claro [...] visa conferir-lhe uma inteligibilidade imediata – e essa universalidade oculta os mais diversos conteúdos [...]. A obra lenta e densa é substituída pela condensação agradável e simplificadora (MORIN, 1969, p. 3536 e 57). Segundo informações do site do veículo, é o “primeiro jornal popular da Bahia, que atende às classes C e D, trazendo informações sobre serviços e 42 entretenimento”. O periódico de 24 páginas, em cores e também em preto e branco, apresenta uma tiragem de 56 mil exemplares e é vendido de segunda a sábado pelo valor de R$ 0,50. A sua redação trabalha de forma integrada com os outros canais do Grupo A Tarde. Em matéria divulgada no Jornal A Tarde On-line8, realizada no lançamento do Jornal Massa!, a Diretoria Executiva e os demais colaboradores do Grupo A Tarde deixaram claro sobre qual imagem pretendiam construir para ficarem consolidados na mente dos leitores. O Diretor Sylvio Simões reafirma esse objetivo: “O Massa! preenche uma lacuna, já que a população não dispõe de um jornal popular voltado para as classes C e D, que são as que mais crescem economicamente no País” (SIMÕES, 2010 apud RAMOS, 2010). O jornal surge, portanto, com o intuito de oferecer notícias e informação de entretenimento e serviço a essas camadas na estratificação social de leitores, apostando na linguagem coloquial e acreditando que o público será surpreendido. Estamos animados com a ideia de atingirmos um público ávido por leitura, que até agora, verdadeiramente, não contava com um jornal pensado para ele. Nossa equipe de profissionais [...] formatou um produto informativo e divertido, que pode ser lido por jovens, mulheres e homens interessados também em dicas de saúde e emprego (BOCAYUVA, 2010 apud RAMOS, 2010). Tem-se então a ideia do novo, uma espécie de reparação e dádiva a uma população esquecida pelas outros segmentos de noticiário impresso, construindo-se dessa forma, uma imagem protecionista, já que, no referido lançamento, firmou-se o compromisso de cumplicidade do Jornal, “por se colocar sempre ao lado do público, expressando suas necessidades e fiscalizando as instituições para que prestem um bom serviço” (BOCAYUVA, 2010 apud RAMOS, 2010). 8 Entrevista concedida a Cleidiana Ramos, em 18 de outubro de 2010, na ocasião do lançamento do Jornal Massa! Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/noticias/5637572>. Acesso em: 10 jun. 2012). 43 O diretor-executivo Renato Simões Filho (2010 apud RAMOS, 2010) reforça que o novo produto vai manter a qualidade com relação ao trabalho jornalístico. Segundo ele, “os baianos podem esperar do novo jornal os mesmos compromissos que os demais veículos do Grupo A Tarde têm para com eles, sendo os mais importantes a credibilidade e a cumplicidade com seus leitores” (SIMÕES FILHO, 2010 apud RAMOS, 2010). Segundo Bocayuva (2010 apud RAMOS, 2010), o Massa! tem como direção três conceitos: o aspiracional, que é se transformar em instrumento para a melhoria da qualidade de vida do leitor; o de serviço ao trazer as coberturas do dia a dia da cidade e; o de cumplicidade, por se colocar sempre ao lado do público, expressando suas necessidades e fiscalizando as instituições para que prestem um bom serviço. Ricardo Pedreira (2010 apud RAMOS, 2010), diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ) elogia a iniciativa do lançamento do Jornal Massa! “O Grupo A Tarde dá uma demonstração de que está atento às tendências da indústria jornalística no Brasil, onde jornais populares voltados para as classes C e D têm sido lançados e com grande sucesso” (PEDREIRA, 2010 apud RAMOS, 2010). De acordo com Pedreira (2010 apud RAMOS, 2010), diferentemente de países como os EUA, onde a circulação de jornais apresenta queda, quanto à aceitação do público, no Brasil os jornais têm conseguido apresentar uma tendência de crescimento. E acrescenta: Sobretudo em razão dos jornais populares. Houve uma percepção das empresas jornalísticas brasileiras da demanda por jornais de perfil popular. Além disso, no Brasil há um mercado para ser conquistado e o Grupo A TARDE, ao lançar o Massa!, está indo de encontro (sic) a essa demanda. Com certeza, o Massa! vai ser mais uma iniciativa de sucesso do Grupo A Tarde (PEDREIRA, 2010 apud RAMOS, 2010). Retomando o conceito do modo de endereçamento, abordado anteriormente, torna-se perceptível que os editores do Massa! já conhecem as preferências do seu auditório, ou seja, um público com defasagem no nível de escolaridade ou 44 mesmo o leitor mediano. Essa visão já se evidencia na concepção do slogan “Feito do seu jeito”, que acompanha o título do jornal em todas as edições do Massa!, o que denota o prévio conhecimento que o jornal tem a respeito do seu público: A noção do leitor ativo desde o momento de produção, traduzida no conceito de leitor-modelo de Umberto Eco, torna aparente a ação do Grupo ao pensar um produto novo, destinado para um público específico. Conhecer seu público pretenso possibilita ao enunciador o estabelecimento de vínculos fortes, seja no sentido linguístico ou de conformação estrutural de determinado produto (DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p). Há, por assim dizer, um acordo. Por meio do noticiário, cabe ao jornal, enquanto aquele que detém o conhecimento e o poder, catequizar o leitor, este que precisa saber, estar informado. Mais especificamente, os dizeres e as ações do Jornal Massa! se fazem segundo o que ele imagina que seja ele mesmo: um veículo identificado com a realidade daquele público leitor e não de outro e, portanto, comprometido em transmitir notícias que aproximem o interlocutor do seu jornal. Afinal, o jornal é feito do seu jeito, o que imprime uma credibilidade no que tange aos mecanismos de persuasão a que recorrem, de modo geral, os jornais do gênero sensacionalista. Ao utilizar o slogan “Feito do seu jeito”, o Jornal Massa! antecipa o que seria o desejo do leitor. Como se configura esse jeito? Certamente, um jeito diferente do que o leitor encontra em outras publicações, um modo particular e popular de se fazer notícia. Segundo Gregolin (2003), “as mídias desempenham o papel de mediação entre seus locutores e a realidade...”, permitindo-lhes criar, simbolicamente, representações com a realidade concreta. Nesse sentido – como construtor de imagens simbólicas – a mídia participa ativamente da sociedade atual, da construção do imaginário social, no interior do qual os indivíduos percebem-se em relação a si mesmos e em relação aos outros. Dessa percepção vem a visualização do sujeito como parte de uma coletividade (GREGOLIN, 2003, p. 97). De acordo com Oliveira (2010 apud RAMOS, 2010), jornalista do Grupo A Tarde, o Massa! será um jornal adequado para ser lido por todos os membros 45 da família, com assuntos que interessam às camadas mais simples da população, isto é, um jornal “feito do seu jeito”, um “jeito de ser” do baiano, um jeito que remete ao novo modo de vida das emergentes classes C e D. Vamos mostrar a atividade cultural, a economia e os eventos da população dos bairros de Salvador. Pretendemos descortinar um universo novo para os leitores. Na cobertura esportiva um dos nossos destaques serão os babas nos bairros, as curiosidades sobre a vida dos atletas fora de campo e tabelas diferenciadas com estatísticas e informações sobre os clubes locais (OLIVEIRA, 2010 apud RAMOS, 2010). A cumplicidade que o jornal espera alcançar é confirmada e se revela na opinião do leitor, em notas encaminhadas ao site A Tarde On-line já nas primeiras semanas após o lançamento do Jornal Massa! O jornal massa é tudo de bom. Estavamos precisando de um jornal que mostrasse a cara da bahia. valeu! (V. B. A. apud RAMOS, 2010). O leitor se reconhece como um indivíduo pouco escolarizado, pertencente a uma camada social com baixo poder aquisitivo, que só consegue ou prefere realizar uma leitura mais simplificada dos fatos, sem por isso deixar de estar informado. Desde a primeira vez que eu vi o jornal MASSA! nas bancas, eu me apaixonei e nao sei viver um dia sem comprar um exemplar....e cada dia que passa..mais e mais eu me apaixono pelo seu jeito claro de mostrar-me as noticias por um preço tao pequeno..parabens aos editores (N.S. apud RAMOS, 2010). (...) Parabens a esse meio de comunicaçao de baixo custo, que da oportunidade para que todas as classes sociais tenham acesso a comunicaçao e imformaçao (J. M. apud RAMOS, 2010). Sobre a imagem que o sujeito leitor faz do sujeito jornal é que, além de transmitir as informações com o “seu jeito”, é um jornal que tem uma função social, por estar atento às necessidades dos leitores nas comunidades onde estes estão inseridos. Seria uma ótima materia, mostrar o caos que encontra-se a subida da djalma dultra pra nazare. Tem uma verdadeira Mata 46 e nada de secop, sucom nada de nada quizer maiores detalhes mande um e-mail. não tenho como relatar agora todos os quisitos. Saudações Rubro Negras (A. M. apud RAMOS, 2010). O Massa! foi lançado em outubro de 2010, com um formato bem diferente do que o público baiano estava acostumado em veículos impressos: cores aberrantes, matéria escritas em linguagem completamente coloquial e manchetes apelativas. Outro exemplo é a nudez explícita de certas partes do corpo da mulher (nádegas, seios, coxas), recorrente nas capas do jornal, de modo a proporcionar ao leitor um prazer de ordem visual, o que leva à inferência de que existe também uma proposta exibicionista-voyeurista nesse gênero de ilustração (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 73-74). A respeito desse tema, Dalmonte e Ribeiro (2013) complementam: Voltando o olhar para a capa do jornal Massa!, é improvável que se deixe de comentar a presença da mulher. Neste caso em específico, associada puramente ao quesito corpo e com forte conotação sexual. Ali, a mulher é considerada a partir das dimensões avantajadas de seios e nádegas. Seminuas, em posições sensuais e olhar, na maioria das vezes, sexualmente provocativo, as imagens dialogam com os antigos calendários de borracharia e ao mesmo tempo mexe com os imaginários masculino e feminino dos seus leitores (DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p). Os temas considerados mais comuns no noticiário do Massa! explicam a incidência do grande número de vocábulos e expressões obscenas e injuriosas. As notícias sobre o crime e a marginalidade, sobre sexo e desigualdade social conduzem facilmente à revolta e a uma linguagem exacerbada do ponto de vista emocional do auditório. Embora estejam incorporadas a uma linguagem vulgar, e por isso mais apropriada à oralidade, as gírias e as obscenidades presentes no noticiário, às vezes, se prestam a esse estilo e expressam as reações que o leitor provavelmente teria, ao se expressarem na língua falada, diante dos fatos que lhes são apresentados. O quadro seguinte, contendo cinco exemplos de lexemas utilizados em textos do Jornal Massa! demonstra a intencionalidade comunicativa que tem esse veículo, ao lançar mão de termos linguísticos popularizados, a saber: apagar, sacizeiro, barril, abrir o gás e peneirado. Ao confrontarmos os referidos 47 vocábulos, pelas acepções distintas – na linguagem formal e popular – percebemos a intenção do jornal em se aproximar da linguagem utilizada no cotidiano dos leitores aos quais os textos são direcionados: Quadro1: USO DO LEXEMA APAGAR NO JORNAL MASSA! Componente Lexical APAGAR Linguagem Formal Linguagem Popular Utilização do termo no Jornal Dados de Publicação v.t. Fazer desaparecer, friccionando, raspando etc.; apagar riscos de lápis; apagar uma palavra/ extinguir, interromper: apagar o fogo; apagar a luz. Ao termo atribui-se o sentido de tirar a vida de alguém. Eliminar uma pessoa, matandoa. Matatu – o tráfico “apaga” mulher e não perdoa inocente. 19 de janeiro de 2013 - Ano 3 / No. 708. Pág. 04 Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) A expressão apagar é popularmente utilizada no universo do crime, quando um indivíduo é assassinado por outro. Nesse contexto, a notícia sugere que essa é uma das regras do tráfico, uma organização na qual não se perdoa qualquer atitude que denote, por exemplo, uma traição. Quadro 2:. USO DO LEXEMA SACIZEIRO NO JORNAL MASSA! Componente Lexical SACIZEIRO* Linguagem Formal Linguagem Popular Utilização do termo no Jornal Dados de Publicação Originado do vocábulo saci. Referência aos usuários de drogas. Ator é alvo dos “sacizeiros”. Luis Miranda desabafa na internet, depois de ser roubado duas vezes com amiga, ao sair de show no Comércio. 13 de outubro de setembro de 2012 - Ano 2 / No. 624 Pág. 05. *expressão não dicionarizada Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) O termo sacizeiro tem associação com o hábito da personagem folclórica. O saci-pererê usa o seu cachimbo para fumar, tal qual fazem os usuários de droga, embora não utilizem exatamente um cachimbo. Vale lembrar que, normalmente, são chamados de sacizeiros os indivíduos que estão na marginalidade, como uma forma depreciativa em face desse comportamento. 48 Quadro 3: USO DO LEXEMA BARRIL NO JORNAL MASSA! Componente Lexical “BARRIL” Linguagem Formal Linguagem Popular Utilização do termo no Jornal No Subúrbio, prefeito vê o “barril” em que se meteu. ACM Neto visita Nova Constituinte, em Periperi, enxerga problemas e faz promessas. Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) Pequeno tonel. / O que ele contém. / Qualquer pequeno vaso de madeira feito de aduelas. Diz-se de uma situação complicada, difícil de ser solucionada. Iminência de perigo. Dados de Publicação 04 de janeiro de 2013 - Ano 3 / No. 695. Essa gíria é bastante utilizada pelos jovens, indistintamente, diante de qualquer problema que exija um esforço maior em resolvê-lo. E ainda quando esse problema pode atingir um agravamento, daí a associação com um barril de pólvoras prestes a explodir, gerando consequências danosas. Quadro 4: USO DO LEXEMA ABRIR O GÁS NO JORNAL MASSA! Componente Lexical Linguagem Formal “ABRIR O GÁS” Fazer exalar o gás de algum compartimento. Linguagem Popular Utilização do termo no Jornal Crime de Amor – Ricardão leva chumbo e matador “abre o gás”. O *expressão não entregador de dicionarizada botijões Francisco Santana, 23, era ameaçado de morte pelo exmarido de sua mulher. Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) Sair de uma situação; ausentar-se; fugir. Dados de Publicação 09 de janeiro de 2013 - Ano 3 / No. 699 Capa Diferentemente de vazar (também popularizado), o termo abrir o gás refere-se a uma fuga rápida, de quem não quer se comprometer, ou ser apanhado em flagrante. Quadro 5: USO DO LEXEMA “PENEIRADO” NO JORNAL MASSA! 49 Componente Lexical “PENEIRAR” Linguagem Formal Linguagem Popular Utilização do termo no Jornal De “peneirar” - v.t. Vítima de bala; Tráfico – Homem Passar pela alguém que é “peneirado” no Planeta dos peneira. / Joeirar. / recebeu um tiro. Macacos. Chuviscar Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) Dados de Publicação 13 de outubro de2012 - Ano 2 / No. 624 – Pág.05 A expressão peneirado é bastante utilizada no mundo do crime, associando uma peneira a um corpo cravejado de balas. No caso dessa notícia, o homem foi, de fato, assassinado. Como se pode perceber nos quadros demonstrativos acima, a tentativa de cumplicidade é fortemente evidenciada no Jornal Massa!, pelo uso da linguagem popular – considerando-se que as abordagens desse formato jornalístico constituem-se, em grande parte, de conteúdos familiares e corriqueiros na vida das pessoas mais simples e humildes –, para que o leitor se enxergue nas páginas do noticiário, imaginando-se um participante da cena narrada. Sobre esse enfoque, Patias (2006) explana o seguinte: A linguagem simplificada do produto sensacionalista serve para fortalecer a fusão entre o público com a história relatada. Procura legitimidade de representação das populações periféricas através da linguagem coloquial, do emprego de palavrões e da gíria, como se esse uso caracterizasse o seu engajamento com os interesses, gostos e expectativas populares (PATIAS, 2006, p. 97). O intuito de garantir uma aproximação cada vez mais estreita com o público pode ser também observado quando o Jornal Massa! convoca o público a fazer parte do processo de construção do informativo. Essa é uma das estratégias de transformações de linguagem que o jornalismo popular utiliza para se fazer democrático, criando um espaço significativo no cotidiano do público, o que confirma a tese de Amaral (2006, p. 130), ao defender que “o jornalismo, para popularizar-se, não poderá ignorar o cotidiano do leitor, e tem de fazer uma ponte entre sua posição de leitor do mundo e o mundo do leitor”, conforme se observa no tom imperativo do quadro “Sugira uma matéria” – Você com a mão no Massa!, que foi lançado pelo jornal e é recorrente nas suas publicações: 50 Dê suas sugestões de matérias, peça ajuda a um ombro amigo, declare amor ou detone o seu time de futebol, divulgue o seu baba, conte sua receita especial e suas dicas de cozinha, coloque a boca no trombone sobre os problemas da sua rua, do seu bairro e da cidade e envie suas dúvidas sobre saúde, sexo, economia, informática e emprego. Mande também suas fotos e vídeos. Sua dica pode virar uma reportagem no jornal (JORNAL MASSA! ON-LINE apud RAMOS, 2010). Isso demonstra que o jornal constrói o seu leitor, fazendo com que este se torne dependente do veículo e seja atraído por editoriais como “Deixa com a gente”; “Ombro amigo”; “Salve Salvador” e; “Linha direta” – neste, especialmente, o leitor expõe com mais detalhes as dificuldades da localidade onde vive ou trabalha e as suas reivindicações por melhorias, ao passo que o jornal já responde estabelecendo a interlocução com os organismos responsáveis em solucionar as demandas. Em estudo realizado sobre as estratégias de ampliação de público do Jornal Massa! Ribeiro (2013) revela a fundamental importância que tem a linguagem na relação de um produto com seu público. Segundo a pesquisadora, em um veículo de comunicação “é preciso que o público compreenda o uso que o produto faz das construções linguísticas partilhadas em seu ambiente social, já que este não pode desconsiderar as conformações do segmento ou gênero ao qual pertence”. Daí a necessidade de aproximarem-se, pelo viés da linguagem, jornal e leitores: Tomada enquanto quadro de referência do ato comunicativo entre as páginas diárias e o público, a linguagem utilizada pelo jornal Massa! demonstra que o emissor está atento aos usos, conotações e vocabulários partilhados socialmente pelo público que pretende atrair, neste caso as classes C e D. É comum o uso de gírias e expressões como “os bandidos fizeram a limpa”, o “dono da área”, “polícia dá o troco”, entre outras (RIBEIRO, 2013, p. 36). De certa forma, as notícias veiculadas são de interesse público, mesmo com títulos agressivos e com a sua carga de emotividade e apelação. Como foi possível perceber nesses quase três anos de existência, o Massa! tem atendido, em grande parte, àquilo que se propunha na sua concepção de 51 jornalismo popular, qual seja: valorizar sempre a dramaticidade do fato, colocar emoção nas personagens, fazer com que o leitor interaja com o veículo e se emocione ao ler as matérias, para, enfim, tornar-se parte do público fiel do jornal. Ao que parece, a aceitação dos leitores tem traduzido esse objetivo persuasivo, que é a tônica do jornalismo sensacionalista. 3. IMAGENS, PAIXÕES E ARGUMENTOS: A TRÍADE ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA E A SUA APLICABILIDADE NO DISCURSO DO JORNAL MASSA! “Uma imagem vale mais que mil palavras” (CONFÚCIO) “A emoção é uma certa maneira de apreender o mundo" (JEAN-PAUL SARTRE) Todo discurso argumentativo carece da organização e do encadeamento de argumentos, de maneira que o auditório não apenas possa acompanhar o raciocínio do orador, mas também que possa ser convencido da exatidão quanto aos pontos de vista que estão sendo defendidos para afirmação de uma tese, isto é, o Logos. Entretanto, além desse aspecto importante no uso da retórica, é igualmente fundamental – para que o discurso seja persuasivo – que o próprio orador imprima credibilidade e legitimidade na sua imagem e que desperte simpatia ou gere empatia com o auditório, configurando-se, portanto, no Ethos e no Pathos, respectivamente, a tríade argumentativa postulada por Aristóteles. Nesta seção, verificamos em que medida tais mecanismos – ethos, pathos e logos – se tornam marcas presentes no discurso jornalístico do Jornal Massa! e como os critérios que lhe são estabelecidos contribuem para a adesão do 52 auditório/público-alvo frente às informações veiculadas, de modo a consolidar esse veículo como credível e legítimo em suas abordagens notadamente de cunho sensacionalista. Para tanto, utilizamos como corpus 04 (quatro) matérias de capa – a notícia do dia com as respectivas manchetes – publicadas do Jornal Massa! nas edições de sábado/domingo9, especificamente, de modo a ilustrar as concepções apresentados na fundamentação teórica desta seção, com o intuito de facilitar o entendimento acerca do tema, qual seja as noções do ethos, do pathos e do logos no percurso da argumentatividade da qual lança mão o objeto de nossa pesquisa. 3.1 A ARTE RETÓRICA: DE ARISTÓTELES A PERELMAN; OLBRECHTSTYTECA E AUTORES CONTEMPORÂNEOS A retórica constitui um dos traços fundamentais e distintivos da cultura grega. O termo grego retoriké relaciona-se aos termos rector (orador) e retoreia (discurso público, eloquência) e significa tanto a arte oratória como a disciplina que versa sobre essa arte. Contudo, o sentido genuíno do termo retórica somente é compreendido quando se percebe como a civilização grega se distinguiu de todas as outras por se especializarem na palavra pública. Reboul (2000) alerta que a origem da retórica não está na literatura, mas no direito, visto que os cidadãos vítimas dos tiranos reclamavam a restituição dos seus bens. Como não existiam advogados, os litigantes recorriam a logógrafos, espécie de escrivães públicos, que redigiam as queixas que eles só tinham de ler diante do tribunal. Os retores, com seu senso agudo de publicidade, ofereceram aos litigantes e aos logógrafos um instrumento de persuasão que afirmavam ser invencível, capaz de convencer qualquer pessoa de qualquer coisa (REBOUL, 2000, p. 2). Os gregos tinham consciência de que eram uma civilização privilegiada e se vangloriavam 9 por saberem retirar da capacidade da linguagem as O Jornal Massa! veicula uma única edição para o final de semana, valendo, portanto, para o sábado e o domingo. 53 consequências decorrentes dessa superioridade humana sobre todos os animais. É pertinente, em nosso estudo, a definição aristotélica: [...] a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir; [...] a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que próprio para persuadir [...] (ARISTÓTELES, [IV a.C.] 1959, p. 24). A retórica surgiu na antiga Grécia, ligada à democracia e, em particular, à necessidade de preparar os cidadãos para uma intervenção ativa no governo da cidade. Rector era a palavra grega que significava "orador", o político. No início esta não passava de um conjunto de técnicas de bem falar e de persuasão para serem usadas nas discussões públicas. A sua criação é atribuída a Córax e Tísis (V a.C), tendo sido desenvolvida pelos sofistas que a ensinaram como verdadeiros mestres. Entre estes se destacam Górgias e Protágoras. Os sofistas adquiriram, durante o século V a.C., grande prestígio como professores de retórica. A retórica era, antes de tudo, o discurso do poder ou dos que aspiravam a exercê-lo. O discurso retórico visava à ação, por isso se propunha a convencer e a persuadir os que escutavam da justeza das posições do orador. Esse primado da ação levava a maioria dos sofistas a desprezarem o conhecimento daquilo que discutiam, contentando-se com simples opiniões, concentrando a sua atenção nas técnicas de persuasão. Foi sobretudo contra esse modelo de ensino que se opuseram Sócrates e Platão. Ambos sustentaram que a retórica era a negação da própria Filosofia. Platão, no Górgias e no Fedro, estabelece uma distinção clara entre um discurso argumentativo dos sofistas, que, pelo uso da persuasão, procura manipular os cidadãos, e o discurso argumentativo dos filósofos, que procura atingir a verdade por intermédio do diálogo, pois somente esta, a verdade, é o que importa. 54 A filosofia surge, assim, como discurso dirigido à razão, e não à emoção dos ouvintes. Essa é, aliás, a condição primeira para que a verdade possa ser comunicada. Não se trata de convencer ninguém, mas de comunicar ou demonstrar algo que se pressupõe já adquirido – a verdade de que o filósofo é detentor. Aristóteles foi o primeiro filósofo a expor uma teoria da argumentação, nos Tópicos e na Retórica, procurando um meio caminho entre Platão e os sofistas, compreendendo a retórica como uma arte que visava descobrir os meios de persuasão possíveis para os vários argumentos. O seu objetivo é o de obter uma comunicação mais eficaz para o saber, que é pressuposto como saber adquirido. A retórica converte-se, então, em uma arte de falar, de modo a persuadir e a convencer diversos auditórios de que uma dada opinião é preferível à outra. É nesse espectro, definido por Aristóteles, que a retórica evolui, configurandose na arte de compor discursos que primavam pela sua organização e beleza (estética), desvalorizando-se a dimensão argumentativa cultivada pelos sofistas. Tornou-se, pois, uma verdadeira ciência, cujo exercício exige uma vasta cultura. O objetivo do orador era provar, agradar e comover. A retórica divide-se então em várias, culminando nesse período com Quintiliano (séc.I d.C), cuja única obra que chegou até nós se intitula justamente Institutio Oratoria. A retórica torna-se oratória, ou seja, a arte de falar bem. Na Idade Moderna, a retórica continuou a desfrutar ainda de algum prestígio nos países católicos – recorde-se a esse respeito o notável orador que foi Padre Antônio Vieira –, mas a tendência do tempo era outra. A retórica como arte argumentativa passou a ser completamente desacreditada. Pelo pensamento cartesiano, reafirma-se o primado das evidências sobre os argumentos verossímeis. Na mesma linha, se desenvolve o discurso científico, isto é, não se trata de convencer ninguém, mas de demonstrar com fatos, dados e provas a verdade, a qual é vista como única e irrefutável. 55 No século XX, a Retórica volta a ser retomada, em consequência da generalização das teses relativistas e do descrédito das ideologias. Nesse novo contexto, a verdade defendia pelos filósofos não pode ser mais admitida como um ponto de partida para qualquer discussão. Antes de se afirmar algo como sendo verdadeiro, o filósofo deve procurar a adesão de um dado auditório para as suas posições. Todas as filosofias não passam de opiniões plausíveis que devem ser continuamente demonstradas por meio de argumentos, também eles meramente plausíveis. Nesse sentido, toda a filosofia é um espaço sempre em aberto e suscetível de contínuas revisões. Aristóteles, um mestre da oratória, considerava o falar bem e o pensar bem como artes equivalentes, unificando, dessa força, a retórica à filosofia. Para ele, essa rigorosa técnica de argumentar distingue-se daquela que caracteriza a lógica. O orador, nesse contexto, deve sustentar uma tese ou anulá-la, desvendando o descobrir pelo pensamento, pela reflexão, em qualquer questão, o que ela encerra de persuasivo. Portanto, para Aristóteles ([IV a.C.] 1959), as provas fornecidas pelo discurso distinguem-se em três espécies: umas residem no caráter moral do orador; outras, nas disposições que se criaram no ouvinte; outras, ainda, no próprio discurso, pelo que ele demonstra ou parece demonstrar. Em nosso estudo, as três espécies são primordiais para a observância da construção do ethos, do pathos e do logos, respectivamente, a fim de que esse processo seja realmente compreendido. A retórica constitui-se de um sistema, distribuído em quatro partes – a invenção, a disposição, a elocução e a ação – o qual foi postulado por Aristóteles ([IV a.C.] 1959), conforme o que é explanado por Reboul (2000): A primeira é a invenção, a busca que empreende o orador de todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao tema de seu discurso. A segunda é a disposição, ou seja, a ordenação desses argumentos, donde resultará a organização interna do discurso, seu plano. 56 A terceira é a elocução, que não diz respeito à palavra oral, mas à redação escrita do discurso, ao estilo. É aí que entram as famosas figuras de estilo, às quais alguns, nos anos 60, reduziram a retórica! A quarta é a ação, ou seja, a proferição efetiva do discurso, com tudo o que ele pode implicar em termos de efeito de voz, mímicas e gestos (REBOUL, 2000, p. 43-44): Reboul (2000) reafirma a necessidade de que se cumpram todas essas etapas, não importando a ordem cronológica, e que se coloquem em prática na argumentação. As quatro fases devem integrar o discurso, sem as quais este se torna vazio, desordenado, mal escrito e inaudível. Um dos principais traços da retórica é que esta exerce a persuasão por meio de um discurso. Isso quer dizer que não será mais necessário recorrer a um experimento empírico nem à violência para persuadir um auditório, mas procura-se ganhar a adesão intelectual desse auditório apenas com o uso da argumentação. Constitui-se, portanto, uma ruptura com a tradição da modernidade cartesiana, reatando com uma tradição rompida. Assim, a retórica se preocupa mais com a adesão do que com a verdade, de modo que o vocabulário privilegiado passa a ser outro e nele surgem termos como verossímil, plausível, provável. Sobre esse tema, acrescenta Charaudeau (2006): [...] Assim, o problema que se coloca é o da veracidade da reconstituição, de seu grau de verossimilhança que pode ir do mais provável ao improvável, e mesmo ao inventado. Tornar verossímil é tentar crer que o relato corresponde à reconstituição mais provável, apresentando-se o dito como o mais fiel possível ao fato tal como se realizou (CHARAUDEAU, 2006, p. 89). Dessa forma, Platão sonha com uma retórica que seja capaz de forçar a adesão do auditório mais exigente possível apenas pelo valor de sua argumentação, abandonando a demagogia e os artifícios enganadores. Por 57 conseguinte, as linguagens pertencentes ao homem possibilitam-lhe intervir no mundo, organizando as experiências vividas, reorganizando-as sob diversas perspectivas, imprimindo-lhe novos sentidos. As ideias suscitam a adesão do leitor por meio de uma maneira de dizer que é também uma maneira de ser. Recupera-se, desse modo, uma cenografia de confiança, credibilidade e segurança. Para Maingueneau (2011), a cenografia é a cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar por intermédio de sua própria enunciação. Segundo Maingueneau (2011, p. 77), “são os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar a própria cena e o próprio ethos, pelos quais esses conteúdos surgem”. Nesse sentido, o autor discorre sobre a identificação proposta pelo orador, no exercício da argumentação: O poder da persuasão de um discurso decorre em parte do fato de que ele leva o destinatário a identificar-se com o movimento de um corpo, por mais esquemático que seja, investido de valores historicamente especificados (MAINGUENEAU, 2011, p. 73). Compõe-se, assim, a tríade retórica (ethos, logos e pathos), em que o orador é simbolizado pelo ethos, na confiança que nele se deposita. Maingueneau (2011) complementa: Para retomar uma fórmula de Gilbert (séc. XVIII), que resume o triângulo da retórica antiga, ‘instrui-se pelos argumentos; movese pelas paixões; insinua-se pelos costumes’: os ‘argumentos’ correspondem ao logos, as ‘paixões’, ao pathos, os ‘costumes’ ao ethos (MAINGUENEAU, 2011, p. 14). O ethos representa o estilo que o orador deve usar para captar a atenção e obter a confiança e a empatia de seu auditório. Nesse intuito, o orador apela para a imaginação do interlocutor, utilizando o bom senso, a virtude e a honestidade, elementos estes definidos, na visão aristotélica, como sendo facilitadores de confiança no orador. 58 3.2 ANALISANDO O ETHOS E OS SEUS DESDOBRAMENTOS RETÓRICOS Aristóteles postula três maneiras de que o ethos se reveste: areté (virtude), phronésis (sabedoria) e eunóia (benevolência), o que nos permite afirmar que tais aspectos apresentam bases morais. Destaca-se que essas qualidades não constituem os hábitos reais do orador, mas sim os costumes que se depreendem no discurso, os quais podem ser compreendidos como estereótipos. São modelos pré-construídos que imprimem à figura do orador um pré-conhecimento que permite ao ouvinte o traçado de uma impressão antecipada do ethos a ser manifestado na atividade oratória. Os estereótipos podem ser definidos, grosso modo, como representações cristalizadas que determinados grupos fazem uns dos outros, uma imagem homogeneizadora de indivíduos ou grupos. O ethos, na retórica tradicional, sempre foi estreitamente relacionado à eloquência, à oralidade em circunstâncias de uma fala pública; entretanto, os estudiosos optam por desdobrá-lo, de modo a atingir diversas modalidades de textos, tanto os orais quanto os escritos. No Dicionário de Análise do Discurso, elaborado por Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2005), o ethos recebe a seguinte definição: Ethos - termo emprestado da retórica antiga, o ethos designa a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário. Essa noção foi retomada em ciências da linguagem e, principalmente, em análise do discurso no que se refere às modalidades verbais da apresentação de si na interação verbal. O “ethos” faz parte, como o “logos” e o “pathos”, da trilogia aristotélica dos meios de prova (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2005, p. 220). Ainda segundo a definição de Charaudeau e Maingueneau (2004), o ethos adquire, na concepção aristotélica, um duplo sentido. De um lado faz referência às virtudes morais que garantem ao orador a credibilidade no seu discurso, a exemplo da prudência, da virtude e da benevolência; de outro lado, refere-se a uma dimensão social, na medida em que o orador convence ao se exprimir, de modo apropriado ao seu caráter e ao seu tipo social. Ambos os casos dizem 59 respeito à imagem de si que o orador produz em seu discurso, e não de sua pessoa real. O estudo da mídia audiovisual, por exemplo, não pode prescindir dessa categoria aristotélica (ethos) para a compreensão das imagens que os sujeitos apresentam, visando, consciente ou inconscientemente, à eficácia discursiva. Seja no domínio jornalístico – no qual se insere o nosso objeto de pesquisa –, seja em outros domínios (publicitários, literários etc.), o ethos constitui um forte componente para a adesão do auditório/ dos interlocutores. Expostos pelo espelho midiático, os sujeitos presentes nesses veículos revelam, no dizer de Maingueneau (2011), um tom, um caráter, um corpo, uma vocalidade. Maingueneau (2005) afirma que os discursos, mesmo aqueles que se manifestam por meio de gêneros discursivos escritos – a exemplo dos textos jornalísticos – possuem essa vocalidade, com uma multiplicidade de tons, os quais estão necessariamente associados a um caráter e a uma corporalidade, que dão corpo ao enunciador. Assim, o tom aparece como a vocalidade que implica o corpo do enunciador, não o corpo do ser empírico, mas aquele que emerge do discurso como “uma instância subjetiva encarnada que exerce o papel de fiador” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72). Esse corpo, provido de um tom, um caráter e uma corporalidade, garante a legitimidade do discurso, porque suas qualidades se apoiam em representações sociais, estereótipos culturais valorizados positiva ou negativamente por um dado grupo social. E, como aponta Maingueneau (2005, p.72), “esses estereótipos culturais circulam nos registros mais diversos da produção semiótica de uma coletividade: livros de moral, teatro, pintura, escultura, cinema, publicidade...”, ou seja, na interdiscursividade. Isso significa dizer que um mesmo estereótipo pode servir de base à construção de ethé similares que podem se manifestar tanto por meio de um pronunciamento parlamentar quanto por meio de um editorial de jornal. A eficácia da ação do orador sobre seu auditório não diz respeito tão somente ao aspecto linguístico, mas também ao aspecto social. Em outras palavras, a 60 imagem que o orador faz do seu auditório e vice-versa não depende apenas do que é dito, mas da autoridade social que o legitima como portador da palavra, para falar sobre determinado assunto. Quanto maior conhecimento o orador tiver da imagem do seu auditório, maior a possibilidade de captação deste. Esse jogo de imagens ocorre com base em modelos culturais conhecidos do orador e do auditório. Em outras palavras, não é necessariamente a própria honestidade do orador que lhe garantirá o sucesso persuasivo, mas sim a impressão que o seu discurso causar. Por outro lado, Maingueneau (2005) defende que o ethos vincula-se ao ato de enunciação. Ressalta, porém, que o público constrói representações prévias do enunciador. Com efeito, estabelece a distinção entre o ethos pré-discursivo e o ethos discursivo – dito e mostrado –, além do estereótipo, que também faz parte da cena enunciativa. O ethos pré-discursivo é a imagem que o orador constrói de si mesmo, a partir da imagem que ele cria de seu auditório, de modo que, se houver uma boa correspondência entre ambas as imagens concebidas, haverá eficácia do discurso. O discurso que o Jornal Massa! apresenta deve explorar sua imagem para responder às necessidades de seu auditório, em consonância com os valores institucionais, e isso acontece no desempenho do papel que o auditório espera dele. Ou seja, o coenunciador10, (leitor do jornal) já detém ou constrói representações da imagem do enunciador (jornal) antes mesmo que este se manifeste. Já o ethos discursivo, para Maingueneau (2005), tem uma “vocalidade específica”, um “tom” que permite relacioná-lo com uma fonte enunciativa. Sobre a corporalidade do enunciador, o autor explica que se trata de “um conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os quais a enunciação se apoia e, por sua vez, contribui para reforçar ou transformar” (MAINGUENEAU, 2005, p.72). 10 A noção de coenunciador é a de que o leitor é reconhecido como participante ativo no processo de interação. 61 Sobre o ethos dito, Maingueneau (2005, p. 80) afirma que “vai além da referência direta do enunciador a sua própria pessoa ou a sua própria maneira de enunciar.” Esclarece, ainda, que o ethos dito pode “também incidir sobre o conjunto de uma cena de fala, apresentada como um modelo ou um antimodelo da cena do discurso”. Segundo Amossy (2005, p. 82), “A distinção entre ethos dito e ethos mostrado inscreve-se nos extremos de uma linha contínua, já que é impossível definir uma fronteira clara entre o ‘dito’ sugerido e o ‘mostrado’ não explícito.” Por fim, o estereótipo diz respeito a uma ideia coletiva, isto é, vincula-se aos saberes que são partilhados entre os interlocutores. Para Amossy (2005, p. 125), trata-se de um ethos prévio, isto é, “a imagem que o auditório faz do locutor no momento em que este toma a palavra.” Dadas as devidas condições, a imagem vai sendo construída e revelada, e é a partir do outro que os conhecimentos vão se transformando e tomando forma. Amossy (2005) prefere adotar o termo ethos prévio, calcado nas informações que circulam antes do discurso em relação ao locutor, levando em consideração o interdiscurso. Considera, portanto, que o ethos prévio pode ser recuperado mediante várias pistas, a saber: as marcas linguísticas; o ethos mostrado, que pode remeter a um ethos pré-concebido; a história discursiva; o interdiscurso e a situação comunicativa. O quadro seguinte ilustra tal distinção, visando a um melhor entendimento acerca do ethos na cena enunciativa do nosso objeto de estudo: Quadro 6:Aplicabilidade do ethos no Jornal Massa! DEFINIÇÃO APLICABILIDADE 62 O Jornal Massa! é um veículo associado ao Jornal A Tarde – Ethos pré-discursivo empresa de comunicação consolidada no mercado editorial de notícias do estado da Bahia – que tem como proposta difundir informações, prestar serviços e promover entretenimento aos leitores das classes C e D, principalmente. Ethos discursivo – Dito Busca identificação com o público baiano, ao lançar mão de uma linguagem simples e, por vezes, exagerada, adotando o estilo a vida como ela é para mostrar os fatos de modo bastante naturalista. O Massa! afirma ser um veículo que está atento às demandas de um grupo social até então posto à margem pelo jornalismo impresso baiano. Ethos discursivo Mostrado – O que é dito pelo Jornal Massa! legitima-se pela boa receptividade que tem desde o seu lançamento. A comunidade de leitores entendeu e respondeu positivamente à proposta do veículo, a de apresentar um jornal feito do seu jeito, com a cumplicidade que esse público esperava. O Massa! produz uma imagem de orador que conseguiu adaptar- Estereótipo se ao seu auditório, acrescentando ao bojo das informações elementos de apelo popular que são validados no imaginário coletivo: um jornal que é massa de se ler, enfim, um jornal feito para as massas, para o chamado povão. Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) Maingueneau (2005), porém, nos alerta que, segundo o entendimento de Aristóteles, o ethos somente poderia ser produzido pelo próprio enunciador, e no momento da enunciação – o filósofo grego não considerava que existisse um ethos produzido por terceiros nem mesmo um etos pré-discursivo. O autor parte, assim, do princípio de que o ethos está associado à construção da imagem do orador no discurso e por meio deste, não correspondendo, pois, a qualquer opinião prévia que se tenha sobre sua pessoa. Ressalta, porém, que estar associado não significa ser equivalente, pois a noção de ethos não se satisfaz em recobrir a imagem do enunciador (logo, entende-se que há uma distinção entre ethos e imagem do enunciador), mas extrapola isso, ao remeter à ideia do fiador do discurso, daquele que garante o que é dito, legitimando seu discurso pelo seu modo de dizer. 63 Isso é bastante perceptível na construção do ethos do Jornal Massa!, quando este afirma ser um jornal feito do jeito do leitor, com características direcionadas àquele público, e não a outro, um informativo que se difere dos demais concorrentes, pelo seu nível de aproximação com o leitor. Ao utilizar o slogan “Feito do seu jeito”, que acompanha o título do Massa! em todas as publicações, de alguma forma parece estar preconcebido o desejo do leitor. Como se configura esse jeito? Muito provavelmente um jeito diferente do que o leitor encontra em outras publicações, um modo particular e popular de se fazer notícia, como se pode observar na formatação – desde o aspecto visual e o estilo de escrita até o grau de abordagem dos fatos. No momento em que produz a sua imagem de acordo com uma suposta identificação do outro – que nesse caso é o leitor –, o Jornal Massa! busca apresentar os elementos necessários para que este outro legitime a sua fala e permaneça sendo audiência da sua enunciação. O ethos vai sendo construído à medida que o jornal vai revelando o seu intuito, qual seja, o de oferecer notícias e informação de entretenimento e serviço a atuais leitores – e a futuros leitores – que integram as camadas menos favorecidas do tecido social, considerando-se, evidentemente, a mobilidade social que tem alterado o funcionamento da estratificação, a exemplo do crescimento econômico vertiginoso das classes C e D. Por conta desse cenário nacional, o Jornal Massa! estava apostando na interação e na cumplicidade com esse público, conforme declaração de um dos membros do Jornal A Tarde, grupo que detém os direitos sobre a publicação do Massa!: Estamos animados com a ideia de atingirmos um público ávido por leitura, que até agora, verdadeiramente, não contava com um jornal pensado para ele. Nossa equipe de profissionais [...] formatou um produto informativo e divertido, que pode ser lido por jovens, mulheres e homens interessados também em dicas de saúde e emprego (BOCAYUVA, 2010 apud RAMOS, 2010 - Grifos nossos). Infere-se, a partir daí, a concepção da imagem de um jornal que se preocupa, valoriza, reconhece, respeita um público antes excluído da acessibilidade às 64 informações oriundas do noticiário impresso na Bahia. Há, por parte do auditório referido pelo jornal, um entendimento de que agora esse público terá vez, voz e imagem, já que o veículo abrirá espaço para que ele, o leitor, se manifeste e exponha o seu rosto e suas opiniões. No Massa! essa interação ocorre, de modo especial, nas seções Linha Direta (Figura 1) e Deixa com a gente! (Figura 2). No primeiro caso – Linha Direta –, trata-se de uma fala que remete à demanda coletiva, em que o leitor revela a sua indignação diante das mazelas de que são vítimas os moradores da cidade de Salvador e Região Metropolitana (Figura 1). Os leitores, por sua vez, sentem-se representados por um dos seus membros, aquele que conhece e vivencia uma realidade idêntica à deles, e depositam a confiança no veículo, já que este faz a interlocução com os segmentos responsáveis pela solução dos problemas apresentados. Figura 1. Seção Linha Direta Fonte: Jornal Massa!- Ano 3 – N. 826 – 8 e 9 de junho de 2013 Já na seção Deixa com a gente!, o que se observa é uma valorização que o Massa! dá ao leitor – agora participante da construção do jornal –, o qual, em tom quase biográfico, fala de seus desejos, suas alegrias, expondo uma reivindicação individual (Figura 2). 65 Figura 2. Seção Deixa com a gente! Fonte: Jornal Massa!- Ano 3 – N. 720 – 2 e 3 de fevereiro de 2013 Em ambas as seções, percebe-se a cumplicidade do veículo com o seu público. No quadro Linha Direta, o leitor reclama os problemas da sua comunidade, recebendo o feedback do jornal a respeito das reivindicações. A interlocução do jornal com as instâncias responsáveis por solucionar os problemas apresentados fortalece a imagem do veículo. Já na seção Deixa com a gente!, o leitor assume o papel de celebridade, concedendo uma breve entrevista ao jornal acerca de assuntos triviais e particulares, sobre a atividade que desenvolve no bairro, por exemplo. O leitor torna-se um coparticipante daquela edição e, certamente, sente-se valorizado pelo Massa! Ainda retomando Maingueneau (2005), o sentido do ethos está vinculado também às cenas da enunciação, as quais são classificadas em cena englobante, cena genérica e cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo discursivo (publicitário, jornalístico, administrativo etc.); a cena genérica concerne aos gêneros do discurso (artigo, reportagem, outdoor, consulta médica etc.); a cenografia diz respeito “à cena de fala que o discurso pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar através 66 de sua própria enunciação [...]” (MAINGUENEAU, 2005, p.67). Esse autor trabalha com uma concepção encarnada do ethos que engloba não somente a dimensão verbal do discurso, mas também aspectos físicos e psíquicos atribuídos ao fiador pelas representações sociais. Esse fiador, por meio de um tom, corporifica-se, apresentando sua vocalidade. Em um discurso, o poder de persuasão será maior se estiver investido de valores historicamente legitimados pelo auditório, e o ethos é a parte que garante, pelo viés da palavra, a identificação com esses valores: é por meio do enunciado que se legitima a força da persuasão, não visto como uma forma ou um conteúdo, mas como um acontecimento inscrito em configurações sóciohistóricas, e deve-se associar a organização do conteúdo e da forma à cena que vai legitimar essa enunciação. É, seguramente, um ethos movido pelo pathos, conforme se observa nas figuras 3 e 4, abaixo: Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012 Figura 4. Manchete: Tarado estupra prima... Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012 Nas notícias que compõem o nosso corpus, a exemplo das mostradas acima, as cenografias se apresentam permeadas de dramaticidade e apelo. Delineia- 67 se no sujeito enunciador um ethos da cumplicidade com os mais fracos, dos vulneráveis e injustiçados. As palavras escolhidas denotam um ethos de força, com um texto hiperbolizado, sinalizando revolta e indignação diante do crime, da violência, da pobreza, cujas expressões se revestem de uma linguagem estereotipada, reconhecida pelas classes não privilegiadas. Charaudeau (2005), por sua vez, defende que o ethos constitui uma imagem transvestida do interlocutor com base naquilo que ele diz. Assim, o ethos resulta no “cruzamento de olhares. Olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro vê” (CHARAUDEAU, 2005, p. 115). Nota-se, pois, que o ethos diz respeito a um conjunto de imagens atreladas ao locutor e ao interlocutor no jogo comunicativo. É evidente, conforme argumenta esse teórico, que o ethos não concerne tão somente à imagem do indivíduo, mas pode estar vinculado a um grupo no qual se configura o ethos coletivo, resultante de julgamentos realizados de uns pelos outros, que se baseiam em traços identitários. No texto do Massa!, isso é perceptível, na medida em que a linguagem aponta para uma comoção e uma identificação resultantes de um pensamento coletivo, ou seja, o conteúdo da notícia veiculada tende a garantir a aceitação de um grande número de leitores. Desde a primeira vez que eu vi o jornal MASSA! nas bancas, eu me apaixonei e nao sei viver um dia sem comprar um exemplar....e cada dia que passa, mais e mais eu me apaixono pelo seu jeito claro de mostrar-me as noticias por um preço tao pequeno..parabens aos editores (N. Z., 2010 apud RAMOS, 2010 - Grifo nosso). A noção de ethos, portanto, para Charaudeau (2005), está ligada às identidades do sujeito. De acordo com esse autor, o sujeito apresenta uma identidade social que funda a sua legitimidade de ser comunicante em decorrência do estatuto dos papéis que lhe são atribuídos pela situação comunicativa. Por outro lado, o sujeito constrói uma identidade discursiva do enunciador, atrelada aos papéis atribuídos no ato de enunciação, decorrentes das coerções comunicativas que lhe são impostas e das estratégias discursivas 68 que ele se propõe a seguir. Defende, portanto, que as identidades podem se fundir no ethos, visto que a distinção entre tais identidades (social e discursiva) é tênue, plasmando-se muitas vezes uma na outra. Em sua análise, Maingueneau (2005) mudou a localização do ethos da pessoa do rector (como entendia Aristóteles) para o universo do discurso. Nessa nova concepção, o ethos atua nos processos de produção de sentido, com o fim de coordenar a adesão dos sujeitos ao discurso, em conjunto com outras instâncias discursivas (como o tema, o tom, os modos de coesão, o vocabulário, entre outros). Para a concepção aristotélica, obtém-se a persuasão por efeito do caráter moral, quando o discurso procede de maneira que deixa a impressão de ser o orador digno de confiança. Assim, Aristóteles ([IV a.C.] 1959) afirma que sendo uma pessoa de bem, o orador inspirará confiança com mais eficácia e rapidez. É preciso, contudo, que esse resultado seja obtido pelo discurso e afete os sentimentos do auditório: Obtém-se a persuasão nos ouvintes quando o discurso os leva a sentir uma paixão, porque os juízos que proferimos variam, consoante experimentamos aflição ou alegria, amizade ou ódio. [...] Enfim, é pelo discurso que persuadimos, sempre que demonstramos a verdade ou o que parece ser a verdade, de acordo com o que, sobre cada assunto, é suscetível de persuadir (ARISTÓTELES, [IV a.C.] 1959, p. 25). Apreende-se, pois, que o orador deve argumentar com o outro, de forma honesta e transparente; caso contrário a argumentação torna-se um sinônimo de manipulação. O fato de agir com honestidade confere ao orador uma característica importante em um processo argumentativo: a credibilidade e, para isso, é preciso apenas comportar-se de modo verdadeiro, sem medo de revelar propósitos e emoções. A partir dessas considerações, observa-se que os jornais sensacionalistas, a exemplo do Massa!, utilizam tais recursos de persuasão para construir um ethos positivo, sustentável, credível e confiável. 69 Em função disso, o ethos é o resultado dessa duplicidade identitária que converge para uma identidade única. É preciso salientar, porém, que os sujeitos podem valer-se de máscaras, ocultando sua identidade pelo que diz. Nesse processo, os sujeitos interpretantes do discurso tomam o dizer como uma dimensão daquilo que outro é (CHARAUDEAU, 2006). Além disso, ainda segundo Charaudeau (2006), não se pode esquecer que essa imagem discursiva nem sempre é consciente. Isso significa dizer que o sujeito, na maioria das vezes, não tem controle sobre a imagem de si. Daí afirmar-se que a imagem percebida pelo destinatário nem sempre coincide com a imagem transmitida, já que o destinatário pode construir uma imagem não desejada, não prevista pelo sujeito comunicante. No jogo enunciativo, o modo de dizer, que também é o modo de ser, de se comportar – configurando-se daí o ethos –, torna-se crucial para um veículo de imprensa conquistar a adesão de seu público-leitor, assim como legitimar a inscrição de seu discurso perante um posicionamento ideológico e discursivo. Soma-se a isso a tensão emocional gerada pelos fatos que se sucedem e pela incerteza instalada nos corações daqueles que acompanham tais fatos pelos jornais, imprimindo-se daí a relevância do pathos discursivo. Reafirma-se, assim, que a adesão do auditório (leitores) aos argumentos apresentados pelo orador (Jornal Massa!) é imprescindível para a argumentação, representando um contrato intelectual entre eles. Portanto, ao selecionar o público-alvo, leva-se em conta fatores psicológicos e sociológicos, para que se construa um auditório adequado à experiência, identificado com o que está sendo veiculado. Por conseguinte, nesse processo de argumentar, o primeiro passo para uma argumentação bem sucedida é a cumplicidade desse público às premissas do discurso, em que o acordo prévio entre o jornal e os leitores é decorrente da própria vida social desse auditório. Ancorado nos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000), a respeito da adesão entre o orador e o auditório, Santana Neto (2008) assevera: 70 [...] é um contrato intelectual entre o orador e o auditório, o qual deve ser estabelecido previamente e se relaciona ao que mutuamente se concebe e admite entre ambos e que são revelados nas premissas da argumentação. O objetivo da argumentação não é provar a verdade da conclusão a partir da verdade das premissas, mas é buscar a adesão (SANTANA NETO, 2008, p. 645). Daí afirmar que se mostrar preocupado com a adesão do auditório às premissas do discurso é o primeiro passo que o orador deve seguir, para que a argumentação seja bem-sucedida. Destinadas a auditórios particulares, as premissas da argumentação podem partir de valores como objeto de acordo. O Jornal Massa!, ao lançar mão desse perfil de valorização de camadas menos privilegiadas da população, constrói uma imagem positiva de si pela maneira de dizer, legitimada por todos, contribuindo assim, para que se crie uma inter-relação entre locutor e leitor, valorizando, consequentemente, sua própria imagem, para consolidar o acordo com o público-alvo. Parafraseando Charaudeau (2006), podemos perceber que os dizeres do Jornal Massa! sobre si são “discursos de representação”, os quais estão, cotidianamente, sendo produzidos e reproduzidos no âmbito social, para definir normas de comportamentos. Essas regras não dizem respeito apenas aos imaginários de “referência dos comportamentos” – o que fazer ou não fazer –, mas também aos imaginários de “justificativa desses comportamentos” – se é do bem ou do mal – em um sistema de interpretação que conduz os sujeitos a crenças, por meio de um olhar subjetivo. As representações, ao construírem uma organização do real através de imagens mentais transpostas em discurso ou em outras manifestações comportamentais dos indivíduos que vivem em sociedade, estão incluídas no real, ou mesmo dadas como se fossem o próprio real. [...] Em resumo, as representações apontam para um desejo social, produzem normas e revelam sistemas de valores (CHARAUDEAU, 2006, p. 47). A retórica exerce a persuasão por meio do discurso, portanto, o discurso jornalístico adere à retórica, na medida em que os editores (orador) utilizam os 71 discursos verbal e não verbal como meio de persuasão para o assentimento do auditório. E, com esse intuito, se preocupa mais com a adesão do que com a verdade. Assim, o objetivo daquele que a exerce é realmente obter o assentimento do auditório à tese que apresenta. A verdade ou a falsidade de tudo que é dito pelo locutor é uma questão secundária. Nessa perspectiva, de acordo com Santana Neto (2008), alguns máximas, relacionadas com o pathos do auditório, conduzem o discurso jornalístico, por exemplo: Mostre-se emocionado! O orador deve emocionar-se (ou fingir estar) no estado emocional que deseja transmitir; Mostre objetos! O punhal do assassino, a boneca da menina... Na falta das próprias coisas, “mostre imagens!” de pessoas sofrendo, chorando, extravasando a dor; Descreva coisas emocionantes! Amplie dados emocionais, utilizando uma linguagem que tende a exasperar os fatos indignos, cruéis, odiosos (SANTANA NETO, 2008, p. 646). Santana Neto (2008) complementa que tais máximas são utilizadas no segmento do jornalismo, em maior ou menor grau de aderência, o que pode ser conferido nos telejornais, nos jornais impressos, na internet, nas revistas, nos programas sensacionalistas, no intuito de obter a adesão do auditório. Sobre esse tema, assim expõe Charaudeau (2006): Tratar da verdade não é uma tarefa simples. [...] O verdadeiro e o falso como noções remetendo a uma realidade ontológica não pertencem a uma problemática linguística. Entretanto, acham-se no domínio linguístico noções como a de significar o verdadeiro ou significar o falso, isto é, produzir um valor de verdadeiro ou de falso por meio do discurso. [...] o verdadeiro seria dizer o que é exato/ o falso seria dizer o erro/ o verdadeiro seria dizer o que aconteceu/ o falso seria inventar o que não aconteceu; o verdadeiro seria dizer a intenção oculta/ o falso seria mascarar a intenção (mentira ou segredo); enfim o verdadeiro seria fornecer a prova das explicações/ o falso seria fornecer explicações sem prova (CHARAUDEAU, 2006, p. 88). Apesar de a retórica não se preocupar se o que está sendo dito é verdadeiro ou falso, Aristóteles ([IV a.C.] 1959) sinaliza a utilidade da retórica, como sendo um aspecto importante no processo de persuasão: 72 A Retórica é útil, porque o verdadeiro e o justo são, por natureza, melhores que seus contrários. [...] pois não se deve persuadir o que é imoral – mas para ver claro na questão e para estarmos habilitados a reduzir por nós mesmos ao nada a argumentação de um outro, sempre que este em seu discurso não respeite a justiça. [...] Vê-se, pois, que a Retórica não se enquadra num gênero particular e definido, mas que se assemelha à Dialética. Igualmente manifesta é sua utilidade. Sua tarefa não consiste em persuadir, mas em discernir os meios de persuadir a propósito de cada questão, [...] o papel da Retórica se cifra em distinguir o que é verdadeiramente suscetível de persuadir do que só o é na aparência (ARISTÓTELES [IV a.C.] 1959, p. 22-23). Nessa concepção, o discurso não pode pretender ser mais verdadeiro, nem mesmo verossímil, mas sim eficaz. A palavra, dessa forma, está devotada ao poder e não mais ao saber. É introduzida a noção de uma oposição entre crença e saber, em que a retórica se preocupa unicamente com a crença e nunca com o saber. Ratifica-se, portanto, o papel do Jornal Massa!, um veículo que se apresenta como o tradutor da informação, defendendo os interesses do povo mais carente, lutando pelos seus direitos. Enfim, diante daqueles que são vítimas da injustiça, o jornal cumpre, por assim dizer, a sua função social. 3.3 O PATHOS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ATO DE PERSUADIR O grande objetivo de todo o discurso argumentativo é provocar a adesão de um auditório (o conjunto de indivíduos que o emissor pretende influenciar por meio da sua argumentação). Ao lado do ethos, o pathos – palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento – é uma noção que remonta à Antiguidade. Atualmente, a noção de pathos e seus desdobramentos são objeto de estudo das mais diversas áreas do conhecimento e das várias tendências dentro das ciências da linguagem; por conseguinte, tem-se aí uma grande dificuldade de estabilizar tal noção, a exemplo do que ocorre com o ethos. Ao longo dos séculos, os termos associados a esse assunto (sentimento, emoção, estado de ânimo, humores, paixões) foram sendo empregados como sinônimos e uma diversidade de fenômenos foi, muitas vezes, recoberta por apenas um desses termos. 73 Define-se, portanto, o pathos pela sensibilidade que emana do auditório, o qual é variável em função das suas próprias características. Cabe ao orador perceber, por mera intuição, o que move o auditório, a que este é sensível. Deve, para tanto, selecionar as estratégias adequadas para provocar no auditório as emoções e as paixões necessárias, de modo que seja suscitada a adesão e se concretize a mudança de atitude e de comportamento. Sabe-se que o orador serve-se de argumentos racionais, mas este não pode deixar de usar o se carisma e a sua habilidade oratória. No texto jornalístico do Massa!, especialmente na manchete e na Notícia do dia, isto é, o nosso objeto de análise – seja pelo uso da imagem, seja ainda mais pelo uso da palavra – as emoções dos leitores são aguçadas diante da cenografia construída pelo veículo, conforme se pode evidenciar na Figura 3, atingindo a comoção esperada frente ao acontecimento noticiado. Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha. Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012 Comungam-se, portanto, jornal e leitor, de um mesmo sentimento, não importando a circunstância: pode ser a vitória de um time admirado por uma 74 grande torcida ou pode ser o desmoronamento de terra que deixou centenas de vítimas desabrigadas ou, a exemplo da figura acima, um ato de pedofilia. Há uma espécie de celebração movida pela alegria e/ou pela dor. Esse critério de noticiabilidade é confirmado na entrevista feita com Euzeni Daltro (2011), jornalista do Massa!: O Massa! é feito para moradores dos bairros periféricos e populares. Mas aí você poderia me perguntar sobre aquela matéria que eu fiz falando de um casarão que estava prestes a cair na Av. Vasco da Gama. Nesse caso o critério foi outro. Geralmente você vê casa de pobre caindo, casarão de rico caindo ninguém vê. Então essa matéria entrou como inusitado. E isso também atrai o leitor, ele gosta dessa coisa. É curioso para o leitor do Massa! que está acostumado a ver a casa do vizinho cair, ver a casa do barão cair (DALTRO, 2011, s/p). Santana Neto (2008) afirma que o pathos pode ser subdividido em dois: o pathos pré- discursivo, ao qual estão relacionadas as emoções do auditório previstas pelo orador, e o pathos discursivo, ao qual estão ligadas as emoções do auditório reveladas durante o discurso. O pathos discursivo está vinculado a um conjunto de crenças compartilhadas e valorizadas sócio-historicamente, ou seja, a um sistema que determina o valor de cada paixão, conforme a circunstância em que ela é manifestada em uma dada sociedade e seu momento histórico. É, por conseguinte, no discurso do Jornal Massa! e por intermédio dele mesmo que se projetam as imagens do sujeito, de si e do outro, apoiadas também no tipo de paixões que seu contexto sócio-histórico determina como possíveis ou não possíveis de manifestar. Isso significa dizer que os sistemas de valores impõem ao sujeito enunciador (Jornal Massa!) que ele, no mínimo, manifeste e desperte em seu coenunciador (leitor) uma determinada emoção em resposta ao que é noticiado – seja a vitória de um time, seja o desabamento de uma encosta –, de modo que surtirá consequências na construção de seu ethos, o que nos leva a concluir que há uma intrínseca relação ethos e pathos (PIRIS, 2009). Em outras palavras, entendemos o pathos discursivo como um conjunto de recursos linguístico-discursivos voltados à construção de efeitos de sentido 75 passionais que, de acordo com um dado contexto sócio-histórico, uma dada formação ideológica e sua correspondente formação discursiva, participam do processo de interpelação do sujeito. Sob esse enfoque, as paixões se afiguram também como um sistema de evidências e de percepções que oferece ao sujeito a experiência de comungar uma dada emoção numa dada situação de enunciação. Essa comunhão passional está presente na construção dos efeitos de identificação entre o enunciador e seu coenunciador, fazendo com que este as experimente também (o que faz interferir em seu julgamento). Deduzimos daí que o tipo de pathos tem parte na qualidade de ethos que é construído no discurso, pois as emoções estão imbricadas nos modos de falar, de enunciar, portanto, na maneira de ser e de se comportar no mundo. Dessa forma, pretendemos neste trabalho mostrar a influência recíproca que as noções de ethos e de pathos exercem uma sobre a outra nesse processo de interação e de construção do discurso veiculado pelo Jornal Massa! O ethos está articulado com o pathos, pois a representação das virtudes morais induz emoções no auditório. As paixões são ao mesmo tempo modos de ser (que remetem ao ethos e determinam um caráter) e respostas a modos de ser (o ajustamento ao outro). O discurso é sempre feito em função de um auditório composto por indivíduos todos diferentes entre si. O orador, antes de elaborar a sua argumentação, tem que construir, a partir do auditório, uma representação ideal, tentando prever a sua adesão aos argumentos que irão ser expostos. Nem todos os argumentos provocarão certamente a mesma adesão. Cada auditório requer, pois, da parte do orador, uma estratégia argumentativa própria, de forma a apresentar nos momentos certos os argumentos mais ajustados. Um auditório particular é muito distinto de um auditório universal. Cada um exige um discurso próprio para que este possa ser persuasivo. 76 Reforça-se, desse modo, o acordo contratual. Jornais sensacionalistas, a exemplo do Massa!, exploram em seu noticiário, principalmente, temas que causem impacto no auditório, ao recorrerem a narrativas grotescas, com o argumento de que estão se diferenciando do jornalismo tradicional, já que priorizam os assuntos os quais fazem parte do cotidiano do leitor e – o que seria mais importante – utilizam a linguagem do público. O leitor do Jornal Massa!, o coenunciador, é também um brasileiro, parte do povo. Assim, ao ler a notícia, ele se identifica com esse povo caracterizado pelo jornal e experimenta os efeitos passionais que se manifestam no plano da enunciação. Logo, tendo em vista que o gênero discursivo editorial tem por finalidade formar opinião, orientar crenças, valores e ações, podemos inferir que o sujeito leitor/povo será facilmente persuadido. 3.4 NOÇÕES SOBRE O LOGOS NA TRÍADE ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA Ao tipo de argumentação que valoriza os próprios argumentos dá-se o nome de logos. Neste caso, obtém-se a persuasão por meio de argumentos que levam o auditório a acreditar que a perspectiva do orador é correta. O logos é, portanto, o tipo de argumentação centrado na tese e nos argumentos, devendo apresentar-se bem estruturado do ponto de vista lógico-argumentativo. A argumentação, neste caso, deverá ser bem clara e compreensível. O logos está, por isso mesmo, ligado à dimensão da linguagem e à importância das palavras, do seu rigor e coerência. Assim, é pelo discurso e pelos argumentos que se tenta valorizar uma tese e se busca a adesão dos ouvintes. A filosofia, desde o seu início, dedica uma enorme atenção à argumentação e isso não acontece por acaso. Na verdade a argumentação é uma das formas mais profícuas da própria atividade filosófica, na medida em que ela envolve a capacidade de dialogar, de pensar, de analisar, de escolher e implica o comprometimento de alguém com os seus próprios argumentos. 77 Para Aristóteles ([IV a.C.] 1959), o logos é o tipo de argumentação mais apropriado, embora os outros possam ter também a sua importância. O logos é o tipo de argumentação mais objetivo, pois o discurso deve obedecer a uma racionalidade lógica e possuir rigor. Mas também é possível que o discurso possa ser ornamentado e de caráter mais literário, recorrendo o orador ao uso de figuras de estilo, por exemplo. Durante a apresentação de sua tese, o orador busca convencer o maior número de ouvintes. Ele deve, portanto, possuir argumentos variados, pois é comum encontrar auditórios heterogêneos. O que caracteriza um bom orador é o fato de levar em conta a heterogeneidade do auditório e adaptá-lo a este. É sob essa perspectiva que os três componentes da persuasão aqui desmembrados – ethos, pathos e logos – congregam os três lugares complementares, vistos como provas argumentativas, e concorrem para todo o processo argumentativo. Em síntese, o tipo de argumento utilizado intervém também na construção e na imagem do orador (ethos), na exteriorização de seus sentimentos (pathos) e em sua capacidade de inflamar o auditório (logos). Podemos inferir que a argumentação é a pretensão da linguagem em transformar as coisas, fatos e atos em verdade aceita, usando-se provas elaboradas na busca do convencimento. Para tanto, muitas vezes, recorre à verossimilhança, ou seja, já que coisas iguais não existem para transformaremse em provas idênticas, deve-se buscar aquilo que mais se parece, de modo que um bom argumento é aquele que convence pelo que é verossímil. O orador, por sua vez, lançará mão de técnicas argumentativas ou estratégias argumentativas cujo objetivo final é a adesão dos espíritos. Pensar em persuasão para o gênero jornalístico implica pensar na escolha do uso de linguagens, ao se construírem os discursos, de modo que possa convencer o outro (auditório) da veracidade de certas visões de mundo – pautadas nos pontos de vista, inferências, opiniões – verdade esta a qual emerge do discurso midiático, aqui representado pelo texto do Massa! (orador). 78 Patrick Charaudeau (2010) mostra que no contexto midiático há vários tipos de verdade: a verdade dos fatos, a verdade da origem, a verdade de opinião e a verdade de emoção, esta que é de particular interesse no presente estudo, visto que as estratégias argumentativas que se inserem nas notícias que compõem o corpus da pesquisa primam por uma verdade a qual se constrói no terreno das emoções suscitadas nos receptores da informação: A verdade de emoção encanta ou provoca uma reação irrefletida. Deixa sem voz ou faz gritar, paralisa ou desencadeia uma ação pulsional. Isso porque ela se baseia numa história pessoal consciente, não consciente e/ou inconsciente daquele que a experiência. Por isso, a reação ocupa um lugar de verdade, pois nada no mundo, nenhuma razão, pode mudar a visão daquele que a experiência (basta pensar no pai da criança palestina que morreu em seus braços) (CHARAUDEAU, 2010, p. 268). Para se entender a argumentação e seus fins, é necessário conhecer alguns elementos que a fundamentam. Nessa perspectiva, o Tratado da Argumentação: a nova retórica propõe-se a apresentar um estudo da argumentação, motivado pelo descrédito desta no decorrer da História, conforme será abordado na seção seguinte. 79 4. A NOTÍCIA E OS SEUS EFEITOS DE PERSUASÃO: UM ESTUDO DA ARGUMENTATIVIDADE NO DISCURSO JORNALÍSTICO DO MASSA!, A PARTIR DA NOVA RETÓRICA “O poder da palavra [logos] pode ser comparado com o efeito das drogas no organismo: diferentes palavras podem induzir preocupação, prazer ou medo ou, através de um tipo de persuasão mal intencionada, entorpecer ou enfeitiçar o espírito”. (GÓRGIAS, 450-400 a.C.). As estratégias argumentativas parecem estar nitidamente secundarizadas, face às técnicas de persuasão usadas pelos novos meios de comunicação de massas, como a publicidade ou a televisão. Nesta seção, a finalidade é apresentar as estratégias argumentativas no contexto jornalístico, tendo como recorte cinco manchetes com as respectivas notícias produzidas e veiculadas pelo Jornal Massa!, cujas análises têm como principal aporte teórico o Tratado da Argumentação: a nova retórica, de Chaïm Perelman e Lúcie OlbrechtsTyteca. 80 O sistema retórico vem ao longo das diversas épocas sendo enriquecido, porém nunca modificado. Conhecido primeiramente como a “técnica retórica”, inventada pelos gregos, possibilitava defender qualquer causa ou tese. Portanto, está desde sua origem ligada à área judiciária, aspecto que Aristóteles mais tarde chamará de "gênero judicial" do discurso retórico. Compreende-se que, com o advento do racionalismo de Descartes, a dialética aristotélica é desprestigiada, enquanto que a lógica moderna atinge seu auge, tornando-se o modelo referencial. São pertinentes, portanto, algumas explicações acerca das diferenças entre estes. A dialética aristotélica busca a adesão de todo ser racional, por métodos argumentativos que despertem seu consentimento, sua participação mental. Como já abordado em nosso trabalho, o método aristotélico não admite a unicidade, ou seja, seu objetivo é apresentar argumentos que alcancem o verossímil, o provável. Não obstante, o modelo cientificista, inspirado na lógica formal que é oriunda da reflexão sobre o raciocínio matemático, busca o certo, o verdadeiro, por meio de premissas demonstrativas, ou seja, que apresentam fatos ou evidências como instrumento de prova. Na contramão desse modelo, a argumentação, na perspectiva de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1959] 2000), promove o diálogo e considera como violência o ato de persuadir por meio de provas, visando à unicidade, a unanimidade. Argumentar é se colocar a partir do ponto de vista do interlocutor e convencê-lo pelo envolvimento, é beneficiá-lo com a verossimilhança. O exercício da argumentação parte do acordo do orador com o auditório. Nesse processo o objeto é identificado como o que é admitido pelo auditório. A priori, este acordo é observado "como ponto de partida de raciocínios", e posteriormente, nota-se como estes se desenvolvem. É de grande relevância que o orador se adapte ao auditório. Com essa finalidade foi criado o conceito de auditório universal, que consiste em uma construção imaginária do orador formada pelo que se sabe desse auditório. Mas o Tratado da Argumentação 81 aponta para a criação de um auditório de elite, a saber, um auditório particular dotado de conhecimentos privilegiados e incontestáveis. Sobral (2005) enfatiza a necessidasde de se estabelecer um acordo entre o orador e o auditório, no processo argumentativo, contudo, faz a seguinte observação: A adesão de um auditório a determinada tese depende não apenas dos argumentos de que dispõe o orador. (...) O acordo ocorre a partir de um contato intelectual, cujas condições básicas são a existência de uma linguagem comum, o desejo de dirigir a palavra e de ser escutado e a valorização da adesão do interlocutor (SOBRAL, 2005, p. 48). O auditório particular encontra similaridade, por exemplo, nos grupos científicos ou religiosos, os quais gozam boa posição hierárquica e se consideram vanguardistas e de referência para os demais grupos. Deve-se salientar que esse auditório tanto pode ser aceito como modelo, quanto pode ser rechaçado, por não aceitar o auditório ao qual é direcionado. Daí a necessidade de adaptar-se o orador ao seu auditório, conforme orienta o Tratado da Argumentação: Para poder influenciar mais o auditório, pode-se condicioná-lo por meios diversos: música, iluminação, jogos de massas humanas, paisagem, direção teatral. [...] O importante, na argumentação, não é saber o que o próprio orador considera verdadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ela se dirige (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 26). Na esteira dessa discussão sobre o papel do orador frente ao auditório, o qual deve aderir à tese proposta, Sobral (2005) ratifica: Para uma boa argumentação, é necessário conhecer bem aquele que se quer persuadir. Assim, toda a argumentação deve ser construída a partir do que o orador definiu ser o seu destinatário, ou seja, o auditório. Portanto, o conhecimento psicológico, sociológico e ideológico do auditório é fundamental à eficácia da argumentação (SOBRAL, 2005, p. 47). 82 É nessa perspectiva que Reboul (2000) alerta para umas das regras as quais visam alcançar a eficácia na argumentação: trata-se da clareza, “[...] em outras palavras, a adaptação do estilo ao auditório”. Pode-se afirmar, pois, que o Jornal Massa! tem conquistado a adesão do seu leitor, na medida em que cria uma linguagem clara, acessível, colocando-se ao alcance do seu auditório. Esses artifícios de linguagem são confirmados pela jornalista Euzeni Daltro, que já atuou como estagiária do Jornal A Tarde e hoje escreve para o Massa!. Ela fala sobre as diferenças entre as rotinas de produção e os critérios de noticiabilidade dos dois veículos: (...) acontece muito de o repórter escrever um texto para o Massa! e outro para o A Tarde. O mesmo conteúdo, mas linguagens diferentes. Quando não dá tempo o editor adequa. Às vezes é engraçado (depois que eu paro para pensar, no momento não é nada engraçado!) quando eu tenho três matérias para escrever, uma de Entretenimento, uma de Polícia e uma de Cidade. Eu simplesmente paro e pergunto para os editores qual eu devo escrever primeiro (DALTRO, 2011, s/p). Retoma-se, portanto, à Teoria do Agendamento11 a qual defende a ideia de que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados, sugerindo que os meios de comunicação agendam o que será noticiado. A Teoria do Agendamento ajuda na compreensão do papel do jornalismo na contemporaneidade. A pauta das conversas interpessoais é sugerida pelos jornais, televisão, rádio e internet, propiciando aos receptores a hierarquização dos assuntos que devem ser pensados/falados. A realidade social passa a ser representada por um cenário montado a partir dos meios de comunicação de massa. 11 O conceito de agendamento (Agenda-Setting) foi enunciado pela primeira vez em 1972, pelos investigadores Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw, na sequência do seu estudo empírico realizado durante a campanha presidencial norte-americana de 1968, com o objetivo de comprovarem o poder de agendamento dos media, ou seja, a capacidade dos media promoverem a agenda de temas que eram objeto de debate e interesse público. In: MATTOS, Celso. O Agenda-Setting o discurso circular da informação. Disponível em: http://www.pitagoraslondrina.com.br/midialogos/ed_01/artigos/Agenda%20Setting%20 %20Celso%20Mattos.pdf. Acesso em: 10 dez. 2013. 83 Traquina (2000) aponta dois aspectos determinantes, no que tange à agenda pública e os seus desdobramentos para o campo do jornalismo: 1) a atuação dos jornalistas e os critérios de noticiabilidade por eles utilizado; e 2) a ação estratégica visando promover a notícia, bem como os recursos de que dispõem para mobilizar a esfera jornalística. O efeito do agendamento varia conforme a natureza do assunto, distinguindo entre questões envolventes, ou seja, que as pessoas podem mobilizar a sua experiência direta e questões não envolventes, que estão mais distantes das pessoas, com as quais elas não têm experiência direta Traquina (2000). Em outras palavras, os meios de comunicação de massa ditam a importância de tal fato em detrimento de outro que, segundo a sua visão, terá menor ou quase nenhuma repercussão para um específico auditório. No Jornal Massa! é perceptível uma predileção por temas que abordem a violência na sua forma mais grotesca, haja vista a recorrência das matérias de capa em que a barbárie produzida no mundo da criminalidade. Entretanto, embora o interesse do veículo seja causar impacto no leitor, tais abordagens, por vezes, são apreendidas com certa naturalidade pelo público. Assim, a mídia determina ao jornalista o que deve colocar como pauta, configurando-se, desde já, o poder, com vistas à argumentação, que se faz presente na imprensa. O quadro seguinte permite uma análise acerca da Teoria do Agendamento adotada pelo Jornal Massa!: Quadro 7: Comparativo entre os jornais Massa! e A Tarde - Teoria do Agendamento no período de 02 a 13/12/2103. Data/publicação Manchete/ Jornal Massa! é acusado Manchete/ Jornal A Tarde 02. 12. 2013 Adolescente assassinato de Escolha do PT coloca pressão na oposição 03. 12. 2013 Guerra entre PMs e bandidos: terror em Valéria Gasolina já custa mais de R$ 3 em postos da capital 04. 12. 2013 Erro fatal: pedreiro morre no lugar do irmão MEC pode autorizar mais seis faculdades de medicina na Bahia 84 10. 12. 2013 Polícia passa rodo: tráfico sofre seis baixas Personalidades revelam pedidos a Papai Noel para melhorar a Bahia 11. 12. 2013 Arrastão do bem: liga da justiça bota 10 em cana Lajedinho inicia reconstrução, mas ainda conta seus mortos 12. 12. 2013 Fugiu e seu deu mal: PM rápida no gatilho Número de multas de ônibus sobe 431% 13.12. 2013 Banho de sangue: estação do terror Greve de vigilantes apagão cultural causa Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013), a partir de informações obtidas no Massa! On line. Disponível em: http://www.jornalmassa.com.br/ e http://www.atardeuol.com.br/ Acesso em: 14 dez. 2013. O Quadro 7 revela que, nas duas primeiras semanas do mês de dezembro de 2012, dentre os temas noticiados no Jornal Massa!, aqueles relacionados ao submundo da criminalidade tiveram prioridade – aproximadamente 50% –, e foram, portanto, determinados como agenda do público leitor. Em sua análise sobre o papel dos meios de comunicação de massa, em especial sobre as práticas desenvolvidas na imprensa, Bourdieu (1997) pontua observa que os jornalistas, condicionados pelas propensões inerentes à profissão, pela visão de mundo, pelo tempo, pela sua formação, pela lógica da profissão e por suas disposições, selecionam na realidade aquilo que acreditam ser notícia. Para o autor, “os jornalistas têm óculos especiais a partir dos quais veem coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado” (BOURDIEU, 1997, p. 25). Complementarmente, Vizeu (2007) explana a respeito da Teoria do Agendamento, em que os fatos são selecionados hierarquicamente, conforme a realidade do auditório. No processo de produção da notícia, ao selecionarem determinados fatos excluindo outros, os informativos televisivos organizam, sistematizam, classificam e hierarquizam a realidade, emoldurando os acontecimentos, o cotidiano. O mundo a que assistimos diariamente nos telejornais é produzido dentro das normas e regras do campo jornalístico 85 que, ao dar visibilidade aos demais campos do conhecimento, os submete a seus processos e estratégias (VIZEU, 2007, s/p). Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996), ao apresentarem os princípios teóricos de uma Nova Retórica, salientam ainda o poder argumentativo dos veículos de comunicação de massa. Essas instâncias comunicacionais, segundo os autores, utilizam fundamentalmente os recursos verbais em suas emissões. Trazendo para o nosso objeto de estudo, observamos que a argumentação visa à adesão simultânea de um auditório universal, isto é, os leitores do Jornal Massa!. Entretanto, Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 2000, p. 27) advertem que da mesma maneira que: “(...) ao auditório cabe o papel principal de determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores (...)”, assim também “(...) o importante na argumentação não é saber o que o próprio orador considera verdadeiro, ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ela se dirige”. Logo, é o orador precisa adaptar-se ao auditório, e não o contrário. Desse modo, o orador que visa a uma ação precisa, pelo auditório: “(...) deverá excitar as paixões, emocionar seus ouvintes, de modo a desencadear uma adesão intensa, capaz de vencer a inércia e as forças que atuam em sentido diferente ao desejado pelo orador” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA [1958], 2000, p. 52). A partir do que os autores observam no Tratado, podem ser definidas quatro importantes condições as quais conduzem à eficácia na argumentação, a saber: 1ª. Condição consiste em definir uma tese e saber a qual tipo de pergunta essa tese responde, isto é, a tese precisar satisfazer a uma necessidade do auditório ao qual o orador se dirige. 2ª. Condição trata de se empreender uma argumentação, recorrendo a uma linguagem comum ao público ao qual se destina. 3ª. Condição diz respeito a ter um contato positivo com o outro, buscando 86 principalmente escutá-lo. 4ª. Condição refere-se à necessidade de agir eticamente, argumentando com o outro com honestidade e transparência, a fim de que o ato da argumentação não se torne manipulador. Ciente de que, na esfera do jornalismo, diversas estratégias são desenvolvidas para envolver, seduzir e persuadir o leitor, este trabalho direciona-se para a análise dos elementos argumentativos presentes nesse gênero, com a finalidade de investigar, com base na argumentação retórica, a elaboração de textos que circulam no Jornal Massa!. Considerando-se que a linguagem humana abarca uma diversidade textual, o gênero jornalístico sensacionalista, objeto da nossa análise, possibilitou a seleção dos textos que compuseram o corpus. Mais uma vez enfatizamos que a busca pelo Jornal Massa! justifica-se também pelo impacto que esse periódico causou ao público baiano, o qual estava acostumado a noticiários mais leves, no que tange tanto ao formato visual quanto à linguagem verbal, a saber: Jornal A Tarde, Tribuna da Bahia e Correio*, além dos que são distribuídos nacionalmente, como o Folha de SP e O Globo. O Jornal Massa! possui boa circulação pública, é visto como jornal popularesco, cujo público-alvo é composto, em sua maioria, por leitores com um nível de escolaridade baixo a médio. Jornais que têm a configuração do Massa!, os chamados sensacionalistas, encontram ressonância nesse público, daí os fatos serem apresentados de forma exageradamente direta, muitas vezes recorrendo à bizarrice, para cumprir a sua função informativa, esta que, teoricamente, todos os jornais têm como premissa. 4.1 A ARGUMENTAÇÃO NO GÊNERO NOTÍCIA: O CORPUS DA PESQUISA A escolha pela manchete da capa, que conduz à Notícia do dia – esta de maior importância a cada edição do Jornal Massa! – confirma o nosso interesse em observar como as notícias mais impactantes conseguem atrair leitores e, 87 posteriormente, persuadi-los frente ao que lhes é apresentado. O quadro seguinte apresenta os textos de que se constitui o nosso objeto de estudo: Quadro 8: Constituição do corpus da pesquisa Constituição do Corpus Ordem Título Fonte Texto 1 Super Maria: 32 filhos Texto 2 Covardia: Jornal Massa! Tarado estupra prima Edição n. 696 de 6 anos Texto 3 Texto 4 Jornal Massa! Edição n. 492 Estuprador é solto: Jornal Massa! Inimigo n. 1 de Edição n. 720 criancinha Infância roubada: Jornal Massa! Vídeos, ameaças e Edição n. 826 estupro Data de Publicação 12 e 13 / maio/ 2012 05 e 06 / jan./ 2012 02 e 03 / fev./ 2012 08 e 09 / jul./ 2013 Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013). Para um melhor entendimento da análise, apresentamos, inicialmente, as matérias escolhidas, com a formatação e o conteúdo que integram a notícia. A partir de então, fazemos uma análise fundamentada nos tipos de argumentos que foram identificados nas referidas notícias. 4.1.1 Texto 1. Super Maria: 32 filhos 88 Figura 5: Manchete Super Maria: 32 filhos / Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492 12 e 13 de maio de 2013 Figura 6: Notícia do dia: Maria, 32 filhos e muitas histórias Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492 12 e 13 de maio de 2012. A manchete integra a capa da edição n. 492, com circulação nos dias 12 e 13 de maio de 2012, domingo em que se comemorou o Dia das Mães. Além dessa manchete, na primeira página constam apenas duas (02) notícias: uma com referência ao futebol baiano e outra versando sobre a violência local. Como se pode observar, em quase toda a extensão da capa, o destaque é para a simbologia envolvendo a data festiva do Dia das Mães, que, no imaginário coletivo, traduz-se em alegria e tristeza, cujos sentimentos são suscitados pela emoção. Nessa edição, o jornal mantém os tons coloridos e os títulos com letras grandes, que é uma de suas características como linguagem visual, mas, diferentemente da maioria das capas, não utiliza as tonalidades preto e vermelho, normalmente exploradas quando as manchetes fazem alusão à violência e a algum tipo de barbárie. 89 Abaixo da manchete Super Maria: 32 filhos posiciona-se a fotografia de uma das personagens que estão compondo o noticiário acerca do tema e cuja fala está transcrita no lead: “Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão, afirma ela, que além de filhos, tem muita história para contar”. Na referida capa, em lugar da habitual fotografia de um corpo feminino seminu – objeto de desejo do costumeiro e voraz leitor do Massa! – estampa-se a figura da cantora Cláudia Leitte e, ao lado, seu depoimento para corroborar o contexto emotivo ao qual o jornal se propôs desde a manchete, nessa edição especial: “Sou apaixonada pela maternidade. Sinto-me mais próxima de Deus”. Com esse recurso, o Massa! imprime alguma leveza no conteúdo de um jornal cujas manchetes enfatizam operações policiais e fatos grotescos, como critérios de noticiabilidade. Na parte interna, na página 3, retoma-se o tema da manchete com o seguinte título: “Maria, 32 filhos e muitas histórias”, cuja informação se amplia no lead: “Fertilidade de Maria da Conceição surpreende até mesmo especialistas em reprodução. A grande quantidade de descendentes deu origem à lavagem de Fazenda Coutos 3”. Quanto ao conteúdo, a matéria mostra a trajetória de uma mulher de origem humilde – tanto no plano da maternidade, quanto na prática social – a qual relata com simplicidade sobre o espaço que conquistou na sociedade, a partir do seu duplo papel: mulher e mãe. O texto é construído basicamente em formato de biografia, sendo esta intercalada com depoimentos da personagem Maria da Conceição. Na página 07, de conteúdo policial, o título “Elas pagam pena dobrada” (figura 7), já se percebe que o Dia das Mães é recorrente no referido noticiário. O lead torna explícito o teor da matéria, em contrapontos com a matéria de capa: “Veja o drama das internas do Presídio Feminino que vão passar o Dia das Mães longe dos filhos”. O jornalista escolheu cinco (05) histórias de presidiárias as quais não têm os mesmos motivos que a Super Maria para falar sobre a 90 maternidade. Não se observa, na matéria, qualquer abordagem do ponto de vista social diante da narrativa. Figura 7: Matéria: Elas pagam pena dobrada Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492 12 e 13 de maio de 2012. Figura 8: Matéria Mamães estrelas Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492 12 e 13 de maio de 2012. Como função informativa, o jornal limita-se a relatar a dura experiência dessas mulheres/mães, o que nos leva a inferir sobre a intenção de simplesmente atingir o campo das emoções do leitor. Finalmente, na página 16, o jornal deixa o anonimato e se insere no mundo das celebridades, ao veicular uma matéria com o título “Dia de celebrar – Mamães estrelas – Elas dão conta da fama e dos filhos” (figura 8), que vem acompanhado do lead “Cantoras baianas falam do sentido que os pequenos dão à vida agitada delas”. Na seção, artistas do cenário musical baiano e brasileiro – Cláudia Leitte, Ivete Sangalo, Nara Costa e Mariene de Castro – mostram ao leitor a sua experiência com a maternidade. 91 4.1.2 Texto II. Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos Figura 4. Manchete: Tarado estupra prima... Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012 Depreende-se, na capa da referida edição, um apelo para obter a comoção do leitor, com a utilização do termo “covardia”, que antecede a manchete. Imprime-se, então, um caráter de subjetividade do enunciador e, portanto, um juízo de valor, o que não corresponde aos princípios da conduta jornalística, em que se preconiza o afastamento do profissional jornalista diante dos fatos, para que seja exercido pelo veículo tão somente a função referencial, ou seja, a de informar os leitores acerca dos acontecimentos. Obviamente que há uma concordância de grande maioria quanto à atitude covarde do indivíduo acusado, sobretudo ao se imaginar a condição de indefesa da vítima, quando o jornal a esta se reporta como “[...] prima de 6 anos”; “menina”; “garotinha”. 92 A adjetivação se faz presente, tanto na manchete Tarado estupra prima de 6 anos quanto no lead “O safado acabou preso após vídeo do estupro cair nas mãos da polícia”. O uso de tais lexias (Grifo nosso) pode ser compreendido como uma estratégia argumentativa de persuasão, na medida em que se firma uma cumplicidade entre jornal e leitor, quanto ao sentimento de revolta e ódio que circula na sociedade diante de episódios dessa natureza. Ademais, contribui para exacerbar a ira do leitor o registro da fala do acusado – de iniciais E.C.J: “[...] Não foi aquela vontade. Foi intimação dela. Ela foi chegando e me aproveitei [...]”. Sabe-se que, dentre os criminosos que povoam os presídios do Brasil, o estuprador é aquele que provoca a rejeição no meio dos outros bandidos. Isso porque o crime é considerado hediondo e mexe com o sentimento até de ladrões e assassinos perigosos. Pode-se inferir que o jornal está apenas conclamando o leitor – cujo ponto de vista é certamente conhecido do veículo – a fazer parte de um júri popular em defesa de uma criança. Fosse a ação de estupro direcionada a uma mulher jovem ou madura, certamente que a sociedade reagiria com a costumeira indignação e repulsa; porém, em se tratando de uma vítima de 6 anos de idade, é igualmente certo que se manifeste um sentimento de ódio ainda maior e um veemente anseio coletivo por justiça. O uso dessas emoções pela mídia foi explanado também por Morin (1969). O autor assevera que no início do século XX, o imaginário prevalecia na cultura de massa, conquistando um lugar real nos espaços que antes pareciam pertencer apenas à informatividade. É assim que o noticiário do Jornal Massa! adquire um tom romanesco e cinematográfico – seja no âmbito sentimental, aventuroso ou policial –, “fazendo vedete de tudo que pode ser comovente, sensacional, excepcional” (MORIN, 1969, p. 104). A notícia apresentada na íntegra, na página 4 (Figura 8), vem reforçada pelo título “Tarado estupra prima de seis anos e grava vídeo”, traz a narrativa detalhada com o requinte de crueldade, recorrendo às falas do acusado: “Eu 93 não estuprei. [...] Ela entrou e pegou no meu negócio (pênis). Ela que chegou em mim”. [...] “Eu fiz encostar no útero dela. Mas não foi à força”. Esse tom grotesco da declaração é corriqueiro em noticiários de teor sensacionalista, de modo que assim o jornal consegue atingir o estado emocional do leitor. Notícias sobre pedofilia são comumente divulgadas em todas as esferas de comunicação (rádio, jornais impressos e televisivos, internet), gerando nos receptores a habitual revolta, em virtude da natureza do crime e, de modo especial, quando as vítimas são crianças. Entretanto, quando o veículo faz tal abordagem no estilo sensacionalista, a realidade dos fatos ali exposta produz uma indignação ainda maior. Figura 9: Matéria Tarado estupra prima... Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012 – pág. 4 No quadro ao lado da Figura 8, à direita, o jornal apresenta a versão do acusado sobre o crime, segundo as informações da polícia. Mais uma vez, o 94 veículo ignora o princípio da neutralidade da função jornalística, ao colocar como título da notícia a expressão baratino, termo popular para referir-se a alguma farsa ou mentira. Vê-se um olhar particularizado do Massa! diante do fato, em defesa da vítima, de certo modo alimentando no auditório sensações de repulsa. Por fim, na referida matéria está a foto do acusado, com a expressão “No covil”, para identificar o local onde aconteceu o crime – “Crime aconteceu há um mês, na casa de Edvalter”. Observa-se a recorrência de termos bizarros, já que ao vocábulo covil atribui-se o sentido de um lugar sujo, fétido, indigno. Cada um desses elementos linguísticos ajuda a construir na mente do leitor aquilo que o jornal intenciona: obter a cumplicidade do auditório o qual será persuadido frente a um episódio horrendo, abominável, do qual se espera a efetivação da justiça. 4.1.3 Texto III. Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha. Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012 95 Na edição n. 720, o Jornal Massa! repete o estilo do formato, priorizando cores fortes, com destaque para o termo “criancinha” em tom vermelho. Interessanos, contudo, a apreciação ao título (Estuprador é solto – Inimigo n. 1 de criancinha), que traz na sequência o lead com informações sobre os envolvidos no episódio, o qual será detalhado na página 4 da referida edição. A manchete já antecipa uma forma de denúncia, ao mostrar um procedimento judicial – Estuprador é solto – que causa total indignação nas pessoas as quais acompanham os desdobramentos de episódios como esse, em que, por não haver provas contundentes ou, ainda, por não ter havido flagrante, o suposto criminoso não pode ser detido. As notícias sobre crime podem ter na verdade duas reações: aumento do sentimento de segurança e confiança na justiça – nas vezes em que o criminoso tenha sido julgado e condenado ao cumprimento de penas previstas na lei – ou diminuição desse mesmo sentimento – quando o criminoso sai impune, a exemplo do caso veiculado no texto III. O jornalismo apresenta-se, portanto, com esse poder, o de alterar estados emocionais dos seus leitores. Ainda na manchete, faz-se presente a adjetivação (Inimigo n. 1 de criancinha), uma referência à alcunha “amigo do povo”, slogan que era atribuído ao acusado J. S. do E. S., em sua campanha política ao cargo de vereador em 2012. O uso do adjetivo “inimigo”, em oposição a “amigo”, funciona como um alerta do jornal à população, para que esta não se deixe enganar por aqueles que se colocam como defensores da sociedade, haja vista ser este o propósito de um vereador. De modo similar aos demais jornais sensacionalistas, o Massa! pressupõe estar cumprindo, portanto, a sua função social perante os seus leitores. No corpo da notícia (Figura 9), o texto inicial imprime um tom de coloquialidade ao que será abordado no relato sobre o suposto crime de estupro (“Quem diria que ‘o amigo do povo’ J. S. do E. S, 31 anos, candidato a vereador na eleição de 2012 pelo PMDB, gostava de fazer mal a criancinha”). Ao afirmar que o acusado “gostava de fazer mal a criancinha”, o jornal aponta, portanto, para um 96 desvio de conduta, algo que obviamente é condenado pela sociedade. E é isso que justifica a procura por notícias sobre crimes, pelos jornais, já que a quebra de regras sempre foi objeto de atenção das pessoas. O leitor normalmente se considera sempre fazendo parte do lado do bem, em oposição ao lado do mal; nesse sentido, os relatos sobre crimes servem para fortalecer esse sentimento de retidão e, ao mesmo tempo, um sentimento de ódio e desprezo diante do opositor. Figura 10: Matéria Ex-candidato é suspeito de abuso sexual Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012 Ao contar a história de um acontecimento, o jornalista reforça os valores morais e sociais numa determinada sociedade. Considerando-se que no crime se encontram mais reforçados os valores sociais, culturais e morais de uma sociedade, tal estratégia é geralmente usada pelo Jornal Massa! para desenvolver a simpatia diante dos seus leitores, de modo a criar um espírito único, fazendo o leitor nutrir uma ligação com o jornal e, por conseguinte, 97 fidelizar-se a este. Advém daí a predileção por relatos de crimes bárbaros, de modo especial envolvendo menores, os quais figuram constantemente nas edições, notadamente na Notícia do Dia. 4.1.4 Texto IV. Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro Figura 11: Manchete Vídeos, ameaças e estupro Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 826 - 08 e 09 / jun./ 2013 Por fim, o último texto que compõe o nosso corpus ratifica a Teoria do Agendamento, aqui apresentada, considerando-se a recorrência de abordagens temáticas sobre violência contra o menor, nesse caso o crime de pedofilia. Dessa vez, a manchete (Vídeos, ameaças e estupro) parece demonstrar os ingredientes utilizados para a concepção do crime e, também, da notícia. Acima da manchete está a expressão “Infância roubada”, uma 98 possível alusão ao filme americano sobre a história de uma criança que fica refém de um bandido. Na capa da edição, o jornal antecipa algumas informações sobre o crime de abuso sexual (“Arivaldo Correia, 41, foi em cana, em Feira de Santana, suspeito de abusado de quatro meninos, entre 7 e 12 anos. Um deles é filho de um PM. As crianças relataram que eram atraídas à casa dele para assistir a filmes”). Observa-se, na ênfase dada à paternidade de um dos menores (“[...] filho de um PM”), que se trata de uma afronta da parte do acusado, opinião que, geralmente, é corroborada pelo público leitor, pressupondo assim uma garantia de que se fará justiça no processo de julgamento do réu. Nos jornais sensacionalistas, a polícia passa a figurar como personagem constante nos noticiários, na maioria das vezes em confronto com os criminosos; entretanto, quando essa polícia é a vítima (nesse caso, o seu filho), são aguçadas as opiniões do auditório e cria-se um sentimento de confiança de que o acusado será punido. Na página 6, a matéria é desenvolvida na íntegra (Figura 11), constituindo-se da narrativa por parte dos menores vítimas do pedófilo. Segundo a delegada, “os garotos contam com riqueza de detalhes os abusos e o que o acusado fazia para ameaçá-los”. 99 Figura 12: Matéria Garotos apontam estuprador Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 826 - 08 e 09 / jun./ 2013 – pág. 6 É exatamente por mexer com as emoções que a imprensa sensacionalista normalmente é a mais moralizadora, pois tende sempre a condenar os desvios sociais à norma. As pessoas precisam sentir que as emoções positivas se sobrepõem às negativas, ou seja, que o bem se sobrepõe ao mal. Na referida notícia, o Jornal Massa! faz apologia à moralidade, ao atuar como defensor da infância, uma “infância roubada” pelas mãos de quem está do lado do mal. 4.2 AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO NOTICIÁRIO DO MASSA! O processo argumentativo é composto por estratégias que objetivam a persuasão e o convencimento, tendo em conta que a primeira tem como fim o resultado, enquanto que a segunda busca a convicção. É necessário, assim, estabelecer a distinção entre persuadir e convencer. A argumentação persuasiva é aquela pela qual o orador visa a um auditório particular. Em contrapartida, a convincente tem como foco o auditório universal, cuja principal característica concentra-se no caráter racional da adesão. Para Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 31), é "aquela que deveria obter a adesão de todo ser racional”. Dentre os argumentos apresentados por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996), em seu Tratado da Argumentação: a nova retórica, no processo de análise do corpus foram identificados os seguintes, conforme o Quadro 8: Quadro 9. Argumentos e tipos de argumentos identificados nos corpus Argumentos quaselógicos Argumentos baseados na estrutura do real A regra de justiça O argumento pragmático Os argumentos de comparação Argumento de autoridade Ligações que fundamentam a A argumentação Modelo pelo exemplo Antimodelo 100 estrutura do real Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013) 4.2.1 Os argumentos quase-lógicos Esses argumentos recebem o nome de quase-lógicos, porque muitas das incompatibilidades não dependem de aspectos puramente formais, e sim da natureza das coisas ou das interpretações humanas. Os argumentos quase-lógicos possuem um aspecto que se assemelha aos raciocínios lógicos. São distintos destes por possuírem um caráter dúbio, permitindo várias interpretações. Para que esses argumentos alcancem as demonstrações formais, devem passar por uma redução e precisão, quanto a sua natureza não-formal (informalidade). Entretanto, um aspecto deve ser ressaltado: na nova retórica, tais verificações não culminam na constatação de que os argumentos quase-lógicos sejam uma versão imperfeita ou incompleta do raciocínio ou argumento formal. Apenas relata que sua força persuasiva é inferior em relação ao modelo formal devido a sua carência de rigor. Dos argumentos quase-lógicos presentes no corpus podemos depreender os argumentos da regra de justiça e de comparação na matéria “Elas pagam pena dobrada” (Figura 7). A regra de justiça fundamenta-se no tratamento idêntico a seres e situações integrados em uma mesma categoria, que sejam intercambiáveis. Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 248) mostram a distinção entre este argumento e a justiça formal: A regra de justiça reconhece o valor argumentativo daquilo a que um de nós chamou justiça formal, segundo a qual ‘os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados do mesmo modo’. A justiça formal não especifica nem quando dois objetos fazem parte de uma mesma categoria essencial, nem que tratamento é preciso dispensar-lhes (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 248). 101 Embora a matéria publicada tenha ingredientes para comover o auditório – ao falar da maternidade, no Dia das Mães, e da privação de ver os filhos, que foi imputada às mães presidiárias citadas na reportagem –, há, teoricamente, uma regra de justiça que se evidencia: tais mulheres infrigiram a lei e, portanto, devem ser penalizadas pela sua conduta. A regra de justiça é objeto de análise também nas três matérias que relatam sobre os episódios de estupro, tendo como vítimas menores de idade, anteriormente mencionados. Observa-se em duas matérias que houve um tratamento igual para pessoas que cometeram o mesmo delito, o abuso sexual (“O safado acabou preso após vídeo do estupro cair nas mãos da polícia”) e (“Arivaldo Correia, 41, foi em cana [...] suspeito de ter abusado de quatro meninas, entre 7 e 12 anos), respectivamente nos textos II e IV. Entretanto, no texto III, a mesma regra de justiça não se aplica (“Estuprador é solto”. [...] “Sem flagrante. Ele foi preso e liberado no mesmo dia”). Essa incoerência é pontuada por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 248), ao afirmarem que devem ser idêntidos os objetos aos quais a regra de justiça se aplica, mas que isso, na verdade, nunca acontece, daí a sua diferença com a justiça formal. Retomando a análise para a notícia, percebemos que há outros precedentes, visto que o elemento “sem flagrante” redireciona a noção de justiça entre um caso e o outro. De fato, em toda situação concreta, uma classificação prévia dos objetos e a existência de precedentes quanto ao modo de tratá-los serão indispensáveis. A regra de justiça fornecerá o fundamento que permite passar de casos anteriores a casos futuros, ela é que permitirá apresentar sob a forma de argumentação quase-lógica o uso do precedente (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 248). O auditório do Massa!, nesse momento destituído do uso da razão, em virtude das circunstâncias e do tipo de crime que lhe é noticiado, provavelmente vê com perplexidade o não cumprimento de uma regra de justiça. Torna-se, pois, um caso de impunidade que aguça as emoções do leitor, o qual é provocado pelas palavras do jornal (“Estuprador é solto” [...] gostava de fazer mal a criancinha”). 102 Quanto ao argumento de comparação, este pode ser percebido nas quatro matérias analisadas. No texto I (Super Maria...), a comparação é inevitável, frente à dimensão do fato noticiado. O argumento de comparação manifesta-se no superlativo (super) utilizado pelo jornal, e o leitor, por sua vez, facilmente é levado a comparar uma mulher que deu à luz 32 filhos, em oposição à mulher moderna, que opta por gerar, em média, dois filhos. A partir desse argumento quase-lógico, outros critérios são evidenciados, como o nível socioeconômico e o grau de escolaridade que norteiam as diferentes escolhas no que tange à maternidade. Notadamente, o acesso às informações e a posição social contribuem para uma decisão tão importante na vida de uma mulher, a qual pode ou não estar ciente das consequências advindas, neste caso especificamente. Ainda na referida edição, o Jornal Massa! expõe categorias bem diferentes de mulheres, no que se refere à maternidade. Histórias de mulheres simples e comuns – Maria, mãe de 32 filhos, e as que cumprem pena no presídio – em oposição às histórias de mulheres “estrelas” – cantoras ricas e famosas do universo da música baiana – direcionam o ofício de ser mãe de cada uma delas, com um viés sensacionalista que leva à comparação entre situações nitidamente distintas. O caráter emotivo do leitor constitui-se de várias nuances: o respeito àquela mãe que conseguiu, com responsabilidade, criar uma prole numerosa; o sentimento de rejeição ou de solidariedade para com as mães presidiárias as quais perderam, ainda que temporariamente, o direito de estar com seus filhos; e, por fim, uma atitude de reconhecimento ou, por vezes, de fanatismo, diante dos relatos das mães que são celebridades. Com a junção desses critérios, o Massa! atinge o seu auditório o qual, inevitavelmente, faz o juízo de valor frente aos episódios narrados. Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 274) explanam sobre essa estratégia argumentativa: A argumentação não poderia ir muito longe, sem recorrer a comparações, nas quais se cotejam vários objetos para avaliálos um em relação ao outro. Nesse sentido, os argumentos de comparação deverão ser distinguidos tanto dos argumentos de identificação quanto do raciocínio por analogia (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 274). 103 O argumento de comparação é bastante nítido nas reportagens acerca dos estupros, quando esse tipo de crime é analisado em relação a outros delitos, isto é, à prática de crimes muito mais leves, em oposição ao caráter hediondo que categoriza o ato do estuprador. É óbvio que a justiça e grande parte da sociedade repreendem qualquer tipo de crime; entretanto, quando se atenta contra a integridade física de uma criança para consumar um ato sexual, é, por assim dizer, um crime sem perdão. Exige-se, para tanto, o rigor da justiça ao inflingir a pena a quem comete tal crueldade. No texto IV (Inimigo no. 1 de criancinha), especificamente, a comparação se dá a partir da oposição entre estes dois termos: “inimigo de criancinha” e “amigo do povo”. Quem diria, que ‘o amigo do povo’, Joás Santos do Espírito Santo, 31 anos, candidato a vereador na eleição de 2012 pelo PMDB, gostava de fazer mal a criancinha (Jornal Massa!, edição n. 720, p. 4 – Grifo nosso). Se, por um lado, o adjetivo é positivador do caráter do acusado (amigo), por outro lado, a sua imagem é desqualificada pelo Massa! (inimigo). Parecer ser a intenção do jornal colocar em evidência um distanciamento entre ambas as características do acusado, constituindo um pano de fundo que influencia a avaliação do leitor, ao comparar as duas situações expostas. Sobre a presença dos argumentos acima identificados e analisados – regra de justiça e comparação –, podemos atribur tal incidência ao repertório de notícias pelas quais o Jornal Massa! tem preferência. Se considerarmos o conteúdo dos fatos, veremos que grande parte deles aborda a temática da violência, nas diversas acepções do termo. As narrativas estão circunscritas, normalmente, no confronto entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, tendo a justiça formal como balizadora no julgamento. E a sociedade – representada pelos leitores do veículo –, por sua vez, emite o seu juízo de valor, geralmente, motivada por reações emotivas. 104 Da mesma forma, os argumentos que levam à comparação se tornam recorrentes no gênero sensacionalista, seja por identificação, seja por analogia, de forma que o leitor sempre terá elementos para cotejar, quando se encontra diante de notícias trágicas – em muitos casos, originárias de contexto social de pobreza. Por um lado, o leitor compara os fatos à realidade vivida por ele mesmo, percebendo as similaridades com a sua própria história; por outro, distancia-se dos episódios, não querendo fazer parte daquela narrativa, revelando assim o seu juízo de valor diante do que é transmitido pelo Massa!, isto é, a natureza dicotômica existente no bem e no mal, na riqueza e na pobreza, no certo e no errado, que é assimilada pelo indivíduo e, por conseguinte, amplamente explorada pelo jornal. 4.2.2 Os argumentos baseados na estrutura do real Os argumentos baseados na estrutura do real constroem-se a partir não do que o real é, no sentido ontológico, mas do que o auditório acredita que ele seja, isto é, aquilo que ele toma por fatos, verdades ou presunções. Sobre esse segundo tipo entre os argumentos, Reboul (2000) complementa: Os argumentos do segundo tipo já não se apóiam na lógica, porém na experiência, nos elos reconhecidos entre as coisas. Aqui, argumentar não é implicar, é explicar: ‘O adversário diz isso porque tem interesse em dizê-lo’. Inversamente, estima-se que, quanto mais fatos uma tese explicar, mais provável será ela (REBOUL, 2000, p. 173). Tais argumentos relacionam os juízos já admitidos pelo auditório com os outros juízos que se busca promover, ou seja, o orador parte de pontos de vista sobre a realidade, de fatos ou presunções prontamente acordados entre os interlocutores, para estabelecer uma solidariedade entre esses juízos aceitos e os juízos que se quer alcançar a aceitação do público. Desse grupo de argumentos, depreendem-se do corpus o argumento pragmático e o argumento de autoridade. O primeiro consiste em apresentar um ato ou um acontecimento valorizando suas consequências, sejam positivas ou negativas, isto é, visa ao efeito que o resultado do evento produz no 105 auditório; o segundo imprime legitimidade e credibilidade aos demais argumentos, aumentando as possibilidades de convencimento e de persuasão do auditório. Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 303) definem o argumento pragmático como “aquele que permite apreciar um ato ou acontecimento em função de suas consequências favoráveis ou desfavoráveis”, não exigindo, para ser admitido pelo senso comum, qualquer justificativa. É importante para esse tipo de argumento o aspecto afetivo, emotivo, que tem no fator sucesso o seu mais forte ponto de apoio. Embora seja largamente encontrado em discursos religiosos e jurídicos, é comum encontrá-lo em outros contextos, a exemplo do jornalístico, como se observa na fala de M. C. sobre os seus 32 filhos: Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão, para o que não presta. Tenho filho até doutor, advogado [...]. Me sinto uma mulher rica, sei que é muito filho, mas se voltasse no tempo teria todos novamente. [...] Por essas e outras, ela é a celebridade do bairro (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). Os autores observam que o auditório deve, necessariamente, estar em consonância com o que lhe é argumentado, ou seja, para que o argumento pragmático funcione, é preciso que o auditório concorde com o valor da consequência. O argumento acima ilustrado enfatiza claramente as consequências positivas decorrentes da responsabilidade em ser mãe. Logo, é um argumento pragmático por realçar o efeito (positivo) nos leitores da matéria. Por outro lado, efeitos negativos são observados na matéria “Elas pagam pena dobrada”. O próprio título já sugere que o comportamento das mulheres as quais cometeram algum crime produziu dupla consequência: a prisão e a privação da presença dos filhos: ‘Não tenho palavras para dizer como será o Dia das Mães longe do meu filho. Ele não tem ninguém e é muito apegado a mim’, desabafa Daniela da Paixão Dias, 27 anos, interna do Conjunto Penal Feminino, onde mulheres de todo o Estado 106 cumprem pena (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). O argumento pragmático aparece novamente, agora na narrativa sobre E. C. S., de 21 anos: Presa há cinco meses, ela está grávida há seis e já se prepara para criar seu filho nos seis primeiros meses no Conjunto Penal Feminino. ‘Nunca fui presa. É mais difícil estar longe da família’. Ela disse que namorou um traficante e acabou sendo acusada de participar das ações do parceiro (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). No Tratado da Argumentação, os autores defendem que o argumento pragmático “parece desenvolver-se sem grande dificuldade, pois a transferência para a causa, do valor das consequências, ocorre mesmo sem ser pretendido” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA [1958], 2000, p. 303). Observa-se esse argumento no Texto 4, no quadro “Confissão – Tem vídeo de garota estuprada”. A denúncia de que houve prática relativa à pedofilia é ratificada pela fala das vítimas, mas ganha maior importância com a descoberta de novas provas. Na casa do indiciado, a polícia encontrou vídeos de pornografia infantil. Em um dos vídeos, ele aparece violentando uma menina de 13 anos, ainda não identificada. Arivaldo nega ter estuprado os garotos, mas confessa o crime contra a garota (Jornal Massa! Edição n. 826, 08 e 09 de junho de 2013). O leitor, ao acompanhar a matéria, estando movido muito mais pela emoção do que pela razão, é levado a corroborar a ideia de que indivíduos como o acusado devem ser punidos, como consequência pelo mal que causam à sociedade, visto que, no argumento pragmático, o fato é apreciado conforme suas consequências, presentes ou futuras, e estas repercutem diretamente na ação realizada. No episódio noticiado pelo Jornal Massa!, o pragmatismo da argumentação preconiza que a verdade deve ser revelada e que a consequência não pode ser outra, senão a prisão do acusado. E tal consequência repercute também na 107 sociedade, que passa a acreditar na justiça, como um instituto que, efetivamente, faz valer o seu papel. Da mesma forma, essa instituição é desacreditada, quando não cumpre a sua função de resguardar a ordem social. Fazendo uso das palavras de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 2000, p. 304), entende-se que, “a partir do momento em que uma ligação fatoconsequência é constatada, a argumentação se torna válida, seja qual for a legitimidade da própria ligação. O pragmatismo se torna ainda mais contundente no Texto 2 (Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos). Conforme relatado na matéria, Edvalter “confessou ter abusado sexualmente da menina”. E ainda, de acordo com informações da polícia, um vídeo de cinco minutos mostra o acusado cometendo o crime de abuso sexual contra a menor, mas o acusado disse “não se lembrar de que havia feito o vídeo”. Ademais, “ele alega que estava sob o efeito de bebida alcoólica” e, principalmente, defende-se que “foi ela (a menor) que me atentou (...) não usei o abuso”. A partir desses exemplos, entende-se como o argumento pragmático é aplicado e como prioriza as consequências de um fato. A argumentação pelas consequências pode aplicar-se, quer a ligações comumente aceitas, verificáveis ou não, quer a ligações que só são conhecidas por uma única pessoa. No último caso, o argumento pragmático poderá ser utilizado para justificar o comportamento dessa pessoa (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 304). Nesse particular, cabe mais uma vez refletir sobre o papel do Jornal Massa!, ao veicular o referido fato. No texto da capa, o uso da expressão “covardia” aponta, de algum modo, para uma verdade indiscutível quanto ao comportamento do acusado. Afinal, para alguém que escolhe como vítima de abuso sexual uma criança de 6 anos de idade, a justa punição é algo inquestionável (“ O safado acabou preso, após vídeo do estupro cair nas mãos da polícia”). E aí se instaura a necessidade de que haja uma consequência (a prisão), como fonte do evento que a acarretou (o crime de pedofilia). 108 O argumento de autoridade, por sua vez, é o que se vale do prestígio como objeto de prova para uma determinada tese. Esse prestígio é adquirido através de atos ou juízos de uma pessoa ou grupo de pessoas, com autoridade reconhecida pelo auditório, a exemplo da fala da cantora Ivete Sangalo, na matéria “Mamães estrelas...”: Ser mãe foi o combustível que faltava, inclusive na carreira, como estímulo mesmo. Peço a Deus que me dê forças e proteção para estar viva, cuidar dele e ser feliz. Agradeço por Ele ter me dado esse filho, por ter mandado de uma forma tão linda, tão especial (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 / maio 2012). Com matérias dessa natureza, o Jornal Massa! reconhece a existência de um sentimento de respeito que as pessoas alimentam pelos indivíduos famosos. Assim, o veículo busca, na emotividade suscitada nas referidas matérias, a adesão ao ponto de vista proveniente de uma artista carismática, formadora de opinião, em decorrência, sobretudo, de um prestígio, que é, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000), um elemento influenciador do argumento de autoridade. O argumento de prestígio mais nitidamente caracterizado é o argumento de autoridade, o qual utiliza atos ou juízos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova a favor de uma tese. [...] e embora seja sempre permitido, num argumentação particular, contestar-lhe o valor, não se pode descartá-lo como cirrelevante [...] (PERELMAN; OLBRECHTSTYTECA ([1958] 2000, p. 348). Na maioria das vezes, o argumento de autoridade é utilizado para ratificar uma argumentação. Nos textos II, III e IV pode-se obsevar a presença do prestígio, quando o jornal se refere a autoridades policiais que investigaram as suspeições nos casos relatados de pedofilia: De acordo com informações da 25ª. DT, nas imagens, que têm duração de cinco minutos e um segundo, Edvalter aparece, inclusive, fazendo sexo anal com a menina (Grifo nosso). (...) 109 Conforme a delegada do Derca, Simone Malaquias, o acusado confessou ter mantido relação sexual com a garota, mas negou ter sido o únido (Grifo nosso). (...) Segundo a delegada Patrícia Brito, há inúmeras imagens em que aparecem crianças sendo abusadas ou posando nuas (Jornal Massa! edição 696 - 05 e 06 de janeiro de 2012 – Grifo nosso). Compreende-se, pois, que um argumento, para ser de autoridade, deve estar ancorado na opinião de um especialista. Ressalte-se que não se trata, essencialmente, de um especialista na área, mas um sujeito cuja palavra tenha o peso necessário para validar a tese, no caso específico. A incidência de tais argumentos – pragmático e autoridade – no noticiário do Massa! demonstra a necessidade que esse tipo de jornal tem de firmar a credibilidade com seu público leitor. Trazer informações sobre a criminalidade, de modo apelativo, já produz, por si só, o impacto esperado pelo veículo. Contudo, ao desdobrar, de forma pragmática, o nível das informações, revelando, por exemplo, as consequências dos atos praticados por aqueles que estão na contramão da ordem social, amplia o efeito no auditório e, por conseguinte, leva-o à adesão. O mesmo ocorre com a utilização do argumento de autoridade em jornais sensacionalistas, visto que um indivíduo de pouca leitura ou de conhecimento mediano – representado pelo leitor do Massa!, conforme observamos – tornará um fato credível, se este vier acompanhado de opiniões respaldadas por pessoas de prestígio. Daí a participação frequente de autoridades policiais nas notícias de crime, bem como a presença de nomes de artistas famosos e, especialmente, que demonstrem popularidade, com os quais o público desenvolva identificação e empatia. 4.2.3 Os argumentos que fundamentam a estrutura do real É um tipo de argumentação que opera como que por indução, estabelecendo generalizações e regularidades. Os argumentos que fundamentam a estrutura 110 do real são encontrados por meio do raciocínio análogo, estratégias como a ilustração, o exemplo e o modelo. A ilustração é aquela que usa o exemplo como o elemento base de uma regra, reforçado por meio de uma indução. No corpus da pesquisa, identificamos o exemplo, o modelo e o antimodelo, como os argumentos que fundam a estrutura do real. O exemplo é um caso que, por meio de uma ordem lógica, implica outro(s) caso(s), fomentando uma espécie de modelo, o qual consiste em um processo que sugere a imitação de uma conduta. Logo, se é apresentada uma figura heróica como modelo para um auditório, este tenderá a se influenciar pela conduta desse símbolo. É o que pode ser observado já na manchete Super Maria: 32 filhos, tornando evidente o exemplo de uma grande mãe: Aos 12 anos, Maria Grande, como é conhecida em Fazenda Couto 3, onde mora desde que nasceu, já estava grávida do primeiro filho, Everaldo, e daí só parou quando nasceu Tailane, hoje com 21 anos. Para alcançar este número, foi preciso conviver com dez maridos e contar com o milagre da multiplicação: foram cinco barrigas de gêmeos (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012). A argumentação pelo exemplo acontece quando sugerimos a imitação das ações de outras pessoas. Podem ser pessoas célebres, membros de nossa família, pessoas que conhecemos em nosso dia a dia e cuja conduta é admirável. Em uma sociedade como a atual, na qual o controle da natalidade é um dos critérios para se alcançar a qualidade de vida no núcleo familiar, o auditório (leitor do jornal) é impactado com uma história que beira o surreal. A experiência dessa mulher com a maternidade é, sem dúvida, um exemplo de coragem, de modo que o jornal a trata como uma heroína: “É que ela conseguiu a façanha de parir 32 [filhos]”. Tal ato de heroísmo se confirma no depoimento de Maria: “Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão, para o que não presta. Tenho filho até doutor, advogado [...]”. 111 De acordo com Santana Neto (s/d), a argumentação pelo exemplo supõe a existência de um acordo prévio sobre a possibilidade de generalização, tendo como referência um caso particular. Nesse tipo de argumentação, o exemplo invocado deverá, para ser tomado como tal, usufruir estatuto de fato, pelo menos provisoriamente; a grande vantagem de sua utilização é dirigir a atenção a esse estatuto. Assim, trata-se de um relato concreto que o ouvinte não tem nenhuma razão para pôr em dúvida (SANTANA NETO, s/d). A rejeição do exemplo – seja pelo fato de ser contrário à verdade histórica, seja por não ser possível opor razões convincentes à generalização proposta – enfraquecerá a adesão à tese que se queria promover. Isso se baseia no fato de que a escolha de um exemplo, como elemento de prova, compromete o orador, sendo legítimo supor que a solidez da tese seja solidária com a argumentação que se pretende estabelecer. Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000) ensinam que o uso da ilustração difere do emprego do exemplo, em razão do estatuto da regra que uma e outro servem para apoiar. Ao exemplo compete fundamentar a regra, enquanto a ilustração possui a função de reforçar uma regra conhecida e aceita e, a partir de casos particulares, esclarecer o enunciado geral. Se bem que sutil, a pequena diferença entre exemplo e ilustração não é irrelevante, pois permite compreender que não só o caso particular nem sempre serve para fundamentar a regra, mas também que às vezes a regra é enunciada para vir apoiar casos particulares que pareciam dever corroborá-la. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 409). Os autores reforçam que “a ilustração é verdadeiramente um caso particular, corrobora a regra, que até pode, como no provérbio, servir para enunciar”. Frequentemente a ilustração terá a finalidade de auxiliar na compreensão da regra, por meio de um caso de aplicação que não se contesta, conforme pode se extrair da seguinte passagem: ‘Cheguei a conviver com 25 [filhos] ao mesmo tempo e era uma picula. Na hora de colocar a comida, então, era por turno, não 112 tinha prato para todo mundo’, diverte-se. (...) ‘Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão... tenho filho até doutor, advogado’, orgulha-se. (...) Por estas e outras, ela é a celebridade do bairro (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012). Já o modelo indica a conduta a seguir, servindo de aval para uma conduta adotada por alguém. Santana Neto (s/d) afirma que “o modelo prestigiado é, então, proposto para a imitação de todos”. Por vezes, é reservado a um pequeno grupo ou a uma só pessoa; outras vezes, é um padrão a ser seguido em certas circunstâncias. Consequentemente, conforme pontuam Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 414), “um homem, um meio, uma época são caracterizados pelos modelos que se propõem e pela maneira pela qual os concebem”. Portanto, pode se afirmar que o modelo indica a conduta a seguir e serve de garantia a uma conduta adotada. O fato de seguir um modelo reconhecido garante o valor da conduta e, portanto, o agente que essa atitude valoriza pode, por sua vez, servir de modelo. Entendemos, assim, o desdobramento da atitude de M. C. como a eficácia da argumentação pelo modelo: Com os filhos criados, agora Maria Grande se dedica aos trabalhos sociais. Há 8 anos, criou uma associação de baianas de receptivo com o objetivo de ajudar as mulheres do bairro. ‘Sempre fui muito conhecida e muita gente me pedia indicação de pessoas para trabalhar, então resolvi reunir todo mundo nesse grupo. Assim, fica bom para todo mundo’ (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012). Na reportagem das “Mamães estrelas”, as artistas são vista como modelo a serem seguidos por outras mulheres, também famosas, que precisam aliar os seus compromissos profissionais ao ofício da maternidade. O relato parte de cantoras com um ritmo intenso de trabalho, mas que “dão conta da fama e dos filhos”, por valorizarem, antes de tudo, os seus filhos. Mesmo as mamães mais famosas têm que se desdobrar para cuidar dos filhos e conciliá-los com a agenda lotada de shows. Afinal, são elas que dão sentido ao dia a dia corrido delas. Veveta, doidinha por Marcelo, de 2 aninhos, diz que o 113 rapazinho deu estímulo à sua vida profissional (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). Como anteriormente mencionado, o uso do modelo na argumentação propõe a sua imitação. O comportamento de um grande homem é frequentemente utilizado como modelo que deve suscitar a imitação, pois o valor de um indivíduo, previamente reconhecido, constitui a premissa da qual se extrai uma conclusão que preconiza um comportamento particular. Entretanto, Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 415) advertem que “o modelo deve vigiar sua conduta, pois o menor de seus deslizes justificará milhares de outros, com muita frequência, até por meio de um argumento a fortiori”. Sou protetora, presente e carinhosa. Coloco de castigo quando é preciso, mas sou apaixonada pela maternidade. Sinto-me mais próxima do divino, revela Cláudia Leitte (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). Meus filhos são o meu maior tesouro. Trabalho muito por eles. Meu tempo livre dedico a ficar em casa bem pertinho deles assistindo filme, conta Nara Costa (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). Observa-se, pois, nesses depoimentos, que a relação com os filhos é pautada no cuidado e na dedicação, o que, inegavelmente, constitui-se em um modelo a ser seguido pelas mulheres, especialmente. Porém, se, eventualmente, a ruptura ou a negação desse comportamento vier a público, também se desconstruirá na mente do auditório a imagem positiva – até então consolidada – dessas figuras femininas, no que diz respeito à maternidade. Diferentemente do modelo, que é representado por pessoas ou grupos cujo prestígio valoriza os atos por eles cometidos, o antimodelo pode causar repulsa. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996 p. 416), “se a referência a um modelo possibilita promover certas condutas, a referência a um contraste, a um antimodelo permite afastar-se delas”. Evidentemente, os relatos das mães presidiárias levam o leitor a um estado de comoção, sobretudo porque os temas que envolvem crianças produzem marcas muito fortes no imaginário coletivo; entretanto, desenvolve-se igualmente no auditório 114 um sentimento de rejeição à atitude dessas mulheres, cuja experiência com o mundo do crime não deve ser imitada. Os antimodelos são visíveis, sobretudo, nas três edições do Massa! em que são relatados os crimes de pedofilia, nas matérias analisadas no presente estudo. A sociedade condena veementemente o abuso sexual praticado, de modo especial, contra menores, sendo visto como um crime hediondo, de natureza animalesca, irracional, logo, algo que não deve ser seguido. [...] Arivaldo os chamava para assistir a vídeos na casa dele, onde eram amarrados e violentados. [...] Ele ameaçava os garotos, aproveitando-se do relacionamento amigável com as famílias. [...] Ele chegou a atropelar uma das crianças (Jornal Massa! Edição n. 826, 08 e 09 de junho de 2013). O argumento ao antimodelo é o de que ele também produz as consequências pelo ato praticado por um sujeito, visto constituir-se de algo que deve ser combatido e abominado. A matéria que se refere ao ex-candidato como suspeito de abuso sexual contra menores demonstra, indubitavelmente, ser este um antimodelo para a sociedade. Observa-se tal repulsa na decisão do partido político até então representado pelo acusado. ‘Ele vai se expulso. Já liguei hoje para o escritório do partido (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB) e pedi para abrir um processo de expulsão sumária. Segunda-feira ele vai ser expulso’, afirmou o deputado federal e presidente do PMDB na Bahia, Lúcio Vieira Lima (Jornal Massa!, edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012). Grande parte das notícias veiculadas pelo Jornal Massa! revelam antimodelos, visto que as abordagens incidem no submundo do crime, um espaço para narrativas grotescas, nas quais atos cruéis são cometidos por indivíduos que, de algum modo, não obedecem a uma ordem social. Infere-se, pois, que os argumentos acima analisados – exemplo, modelo e antimodelo – sempre terão espaço em jornais sensacionalistas. Os episódios narrados no Massa! revelam atitudes de barbárie e selvageria cometidas por 115 indivíduos que estão no seio da sociedade, de modo a gerar o desapontamento e, mais que isso, a indignação dos leitores do jornal. O veículo (orador) se propõe a mostrar os fatos com transparência – ainda que de modo bizarro –, no intuito de convencer e persuadir o leitor (auditório) a acreditar que está diante da verdade. 5 CONCLUSÃO 116 “Se falares a um homem numa língua que ele entende, chegas-lhe à cabeça; mas se lhe falares na língua dele, alcanças-lhe o coração." (NELSON MANDELA) Jornalismo e retórica caminham lado a lado. Essa foi a impressão mais nítida na escolha da temática sobre a qual se delineou o presente estudo. Partimos do princípio de que todo texto jornalístico depende de algum procedimento retórico para persuadir o auditório (leitor). Nessa perspectiva, visando avançar nas reflexões sobre as estratégias argumentativas, que estão circunscritas nesse gênero textual, elegemos o Jornal Massa! como objeto no nosso percurso investigativo, considerando as especificidades no seu jeito de informar. Recorremos, para tanto, ao Tratado da argumentação: a nova retórica, de Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, além de outros teóricos cuja abordagem sobre a linguagem jornalística possibilitou-nos compreender a contribuição da retórica para o discurso jornalístico. Na expectativa de termos contemplado o interesse da pesquisa, qual seja o de atender aos objetivos específicos propostos no percurso metodológico, serão aqui explanadas algumas inferências por meio de uma distribuição ordenada pelos capítulos e seções de que se constitui este trabalho. Inicialmente, foi possível perceber os mecanismos envolvidos na construção do texto jornalístico de cunho sensacionalista. Não se trata de um tema novo nos estudos sobre jornalismo, entretanto, as pontuações dos autores aqui visitados consolidaram algumas noções a respeito do que seja um jornal popular, desmistificando, de algum modo, ideias preconcebidas – e, por isso mesmo, preconceituosas –, por exemplo, a de que o Jornal Massa! não se enquadra na formalidade defendida pelo jornalismo tradicional. 117 Uma observação importante defendida pelos teóricos é que, apesar dos expedientes – nem sempre éticos – utilizados pelos jornais sensacionalistas, visando garantir a audiência, esses veículos também procuram conectar-se com o seu público popular, prestando-lhes um assistencialismo em face das suas carências, já que é um público que pertence, notadamente, às classes sociais consideradas, até pouco tempo, como vítimas da exclusão social. Com o objetivo de estabelecer tal conexão, esse segmento da imprensa apropria-se de elementos culturais evidenciados na realidade do seu público e transgride muitos valores consagrados no jornalismo de referência. Seguindo os pressupostos anteriores, adentramos o nosso objeto de pesquisa, cuja abordagem referiu-se à função do Jornal Massa! como instrumento de informação. A fusão do arcabouço teórico com as análises advindas da pesquisa sobre o Massa! conduziu a um melhor entendimento de qual seja, efetivamente, a concepção desse veículo na Bahia. Após dois anos de existência – a sua criação data de 18 de outubro de 2010 – podemos inferir que o referido jornal tem mantido a aceitação por parte dos leitores, haja vista que, até então, não houve mudanças na sua formatação nem na abordagem temática. Nos estudos acerca da tríade argumentativa aristotélica, observamos como estão indissociáveis essas três forças que alimentam a teoria da argumentação, porquanto estão comungadas na busca por alcançar o convencimento e a persuasão propostos pelo orador, para que seja confirmada a tese na enunciação. No caso do Massa!, vimos que o processo argumentativo requer a construção de um ethos positivo que revele valores os quais estejam alinhados aos interesses do auditório que o jornal deseja persuadir. Pela nossa análise, ficou evidenciado que esse veículo já estabeleceu, a priori, uma identificação com o seu público, sendo revelado nas falas de leitores que disseram estar satisfeitos com a inserção do Massa! em um mercado editorial baiano que antes se mostrava excludente. Observamos, portanto, que os modos de endereçamento praticados pelo jornal Massa! estão intimamente ligados com o perfil do leitor e 118 de seu universo social e cultural, confirmando assim a Teoria do Agendamento como um dos critérios de noticiabilidade. Quanto ao pathos, este é um dos elementos da tríade fortemente identificado nas análises sobre o objeto da pesquisa. Os jornais sensacionalistas, conforme o nome sugere, são desencadeadores de emoções no leitor e, com o Massa! não é diferente. De um modo geral, as matérias priorizam episódios os quais retratam a violência e, de uma forma bastante contundente, as notícias se esvaziam de reflexões – como já observado, o Massa! não tem editorial –, já que o objetivo é atingir, especialmente, as emoções do auditório. O logos, por sua vez, está presente na abordagem que o Jornal Massa! faz do noticiário, obedecendo ao agendamento proposto pelo veículo, ao realizar uma sequência de notícias que tratam de temas afins, na perspectiva de atender a uma agenda pública que seja de interesse do leitor. Contribui para essa argumentação a escolha do repertório linguístico, com lexias que promovem a identificação com o receptor. Além disso, alguns termos, ainda que sutilmente empregados, denotam a intenção do jornal em conduzir o leitor a avaliar o conteúdo da informação, conforme visto nas notícias sobre crimes de pedofilia. Os argumentos identificados nas matérias que compõem o nosso corpus ratificam o caráter persuasivo existente no Jornal Massa!, em que a emoção é fortemente marcada, em detrimento da razão. Todas as edições escolhidas para a análise trazem textos com uma forte carga emotiva aos leitores, dos quais emergem diversos sentimentos: de respeito, diante da história da mãe com 32 filhos; de pena, frente aos relatos das mães presidiárias; de admiração, ao lerem sobre a experiência materna das celebridades baianas; de ódio, raiva, repulsa, indignação, ao se depararem com os casos de atrocidades cometidas pelos suspeitos e indiciados em crimes de abuso sexual contra menores. Os estudos desenvolvidos acerca da concepção do Jornal Massa! e também pelos exemplares analisados, tornam patente que o jornalismo popular, em maior ou menor grau de sensacionalismo, mexe com as emoções e opiniões das pessoas. De alguma forma, esse formato do jornal impresso tem cativado o 119 leitor baiano – especialmente da cidade de Salvador – e é capaz de manipulálo. Apesar de não ser um jornal que depende de assinaturas mensais, causa efeito imediato ao consumidor, o que faz com que este mantenha fidelidade ao veículo. Considerando o teor das notícias do Massa!, é possível afirmar que o jornal sensacionalista faz com que o leitor passe a ser personagem de histórias que, muitas vezes, lembram a ficção, mas que se tornam parte da sua vida cotidiana. É como se o público do Massa! se enxergasse nas páginas do jornal. Por conseguinte, ao assegurar informação, com ou sem conteúdo jornalístico, de certa forma, o Jornal Massa! faz com que o leitor compreenda o que está sendo dito, devido à linguagem semelhante à do seu dia a dia, transformando-o em um consumidor fiel. Assim, esse formato de notícias configura-se como um meio útil de atrair a atenção da população das classes C e D de Salvador e na Região Metropolitana. Afinal, é o relato jornalístico que mais se aproxima da ficção e da linguagem oral; que não exige conhecimentos prévios ou exteriores ao tema; que é facilmente recolhido na realidade social dessas pessoas; e que, por isso, é facilmente vendável a essa camada social. O jornalismo, mais do que uma ferramenta de informação, tem o importante papel de auxiliar a sociedade na tomada de decisões, além de mobilizá-la em favor de causas. Municiar os leitores com informações de relevância social é uma das características que a imprensa deve adotar, haja vista que é por meio desse processo que se alcançam mudanças na vida em comunidade. Foi possível perceber essa função no Massa!, já que o veículo permite ao leitores que se expressem, reclamem das suas mazelas e reivindiquem por melhorias. Compreende o leitor que o Massa! pode cumprir o papel de interlocutor, imprimindo um tom político diante das agências gestoras, de modo especial quando a pauta dá enfoque ao problemas sociais, notadamente ligados à segurança, à educação, à saúde, à moradia, entre outros. 120 No percurso da concepção deste trabalho, ficou evidente a noção de que argumentar é comunicar, dirigir-se ao outro, propor-lhe boas razões para ser convencido a partilhar de uma opinião. Assim, o primeiro desafio de um argumento é modificar o contexto de recepção do auditório a que se pretende atingir, para a introdução de um ponto de vista. Isso requer que se veja cada auditório como único e individual, fazendo da argumentação uma arte muito delicada. É nessa perspectiva que o Jornal Massa!, pelas suas especificidades, tem buscado atingir um auditório particularizado, utilizando, para tanto, um estilo popular, na tentativa de estabelecer a cumplicidade necessária nesse segmento. Após os desdobramentos de todas as discussões aqui pautadas – considerando-se as teorias estudadas e analisadas neste percurso –, torna-se essencial o entendimento sobre quais são os verdadeiros objetivos de um texto jornalístico. Em todos os momentos desta trajetória investigativa, esforçamonos por garantir um olhar de neutralidade – como convém a um pesquisador –, na tentativa de não emitirmos juízo de valor acerca da modalidade de jornalismo sensacionalista. Inequivocadamente, informar é a primeira função do jornalista. Mas também não deve ser este profissional capaz de provocar sensações no auditório, ao experimentar novos usos de linguagem, adentrando o espaço emocional do leitor? Quando, na instância jornalística, as estratégias argumentativas valorizam as emoções, em detrimento da razão, podemos descaracterizá-lo da sua condição de gênero notícia? O fato é que, não obstante a carga significativa de preconceito e o sentido que envolve a temática, essa modalidade não pode ficar invisível aos nossos olhos, de modo especial àqueles que se debruçam sobre os estudos de linguagens, devendo atentar para os diferentes efeitos que estas causam nos interlocutores. 121 REFERÊNCIAS AMARAL, Márcia. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006. AMARAL, Márcia. F. Sensacionalismo: um conceito errante. 2005 - 2005 - XIV COMPÓS: Niterói/RJ. GT - Estudos de Jornalismo. Disponível em: <http://www.compos.org.br/>. Acesso em: 22 mar. 2013. AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus, 1995. (Coleção Novas Buscas em Comunicação; v. 47). BERTHIER Camilla Afonso; SILVA Paola. Jornalismo popular: não necessariamente sensacionalista. Revista Científica do ITPAC. 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