Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011566 – 39.2008.8.19.0202
APELANTE: THAIS CRISTINA CAGLIERIS DE MENDONÇA
APELADO: COLÉGIO SÃO SEBASTIÃO LTDA.
RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Responsabilidade civil. Aluna que vai ao colégio sem trajar o
uniforme escolar completo. Alegação de que a aluna teria sido
retirada de sala de forma vexatória por não estar uniformizada.
Prova inconclusiva, que não permite a formação de juízo de
certeza sobre a veracidade da alegação. Exigência do uso de
uniforme escolar. Norma regimental interna do estabelecimento
escolar. Legitimidade. Exercício regular de direito do colégio que,
fazendo valer seu regimento interno, exige do aluno que esteja
inteiramente uniformizado. Relatividade desse direito, que não
pode ser exercido de forma abusiva. Inexistência, no caso em
exame, de qualquer causa justificável para a dispensa do uso do
uniforme completo. Sentença de improcedência do pedido.
Apelação cível. Recurso a que se nega provimento.
VISTOS,
relatados
e
discutidos
e st e s
autos
da
Apelação Cível n. 0011566 – 39.2008.8.19.0202, em que é apelante THAIS CRISTINA
CAGLIERIS DE MENDONÇA e apelado COLÉGIO SÃO SEBASTIÃO LTDA.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que
compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro em negar provimento ao recurso.
Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Relator
Assinado por ALEXANDRE ANTONIO FRANCO FREITAS CAMARA:000030745
Data: 10/10/2012 17:00:29. Local: GAB. DES ALEXANDRE ANTONIO FRANCO FREITAS CAMARA
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011566 – 39.2008.8.19.0202
APELANTE: THAIS CRISTINA CAGLIERIS DE MENDONÇA
APELADO: COLÉGIO SÃO SEBASTIÃO LTDA.
RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
VOTO
O que se discute no presente recurso é se há ou não responsabilidade
civil do apelado por danos morais que a apelante afirma ter sofrido. Para isso, porém,
é preciso verificar se estão comprovados os requisitos da obrigação de indenizar.
Impõe-se, então, verificar – antes de tudo – se ficou comprovada a
conduta imputada ao apelado. É que sem conduta não pode haver responsabilidade
civil, seja esta responsabilidade subjetiva ou objetiva.1 Assim, só se poderá cogitar do
reconhecimento da obrigação de indenizar se tiver ficado demonstrado nos autos que
a autora foi, realmente, retirada da sala de aula, na frente de seus colegas e do
professor, durante uma aula, porque não estava trajando o uniforme completo.
Registre-se, porém, que a demonstração desta conduta, embora
pressuposto necessário, não é suficiente para a verificação da obrigação de indenizar.
Assim, caso se confirme que o fato realmente ocorreu, será preciso continuar a
verificar se estão ou não presentes os demais requisitos da responsabilidade civil.
1
Sobre a conduta como pressuposto da responsabilidade subjetiva, SERGIO CAVALIERI FILHO, Programa
de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 8ª ed., 2009, p. 18. Acerca da conduta como pressuposto
da responsabilidade objetiva, na mesma obra, p. 134.
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Para se saber se o fato narrado na petição inicial ocorreu mesmo ou não
é preciso valorar a prova produzida a respeito da veracidade da alegação da
demandante. E com tal fim, é preciso levar em consideração os dados seguintes.
Com a petição inicial não veio qualquer elemento capaz de servir de
prova de que tais fatos teriam ou não ocorrido. Já o réu, com a contestação,
apresentou uma declaração escrita de próprio punho e assinada pelo professor
Natalino Paula e Souza, que seria – segundo a narrativa da própria petição inicial – o
docente responsável por ministrar a aula em que o fato teria ocorrido, em que o
mesmo declara textualmente o seguinte:
“Eu Natalino Paula e Souza, professor de física, declaro que em
07/04/2008 no período da Manhã, ministrou (sic) aulas de física no intervalo
de 07:20 h as (sic) 09:00h, com revisão da matéria de prova que foi aplicada
no mesmo dia às 10:20 h.
Não foi observado (sic) nenhuma ocorrência extra-classe conforme foi
inserido em processo instaurado contra o Colégio São Sebastião. As
acusações não procedem, porque durante o tempo que permaneci em sala
de aula, não presenciei tal episódio, mesmo porque, é norma do colégio que
os assuntos de tal ordem, não cheguem até as salas de aulas, sendo tratados
na portaria da escola, pela orientadora disciplinar, para que não perturbem a
ordem e o funcionamento das aulas”.
Deixando de lado quaisquer considerações sobre os erros de português
da declaração, lamentáveis quando se sabe que provêm do punho de um educador,
certo é que se trata da declaração do docente em cuja aula os fatos teriam ocorrido, e
o mesmo os nega. Não se pode, porém, deixar de levar em conta o fato de que o
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professor é empregado da parte ré, o que faz com que se possa considerar ser ele
interessado no resultado do processo.
A autora, por sua vez, fez juntar (fls. 74) um rol de assinaturas de
colegas de turma (vinte e dois estudantes) que afirmam terem presenciado o
incidente. Destes, porém – e como se verá melhor adiante – apenas um depôs em
juízo como testemunha, corroborando o que consta do referido documento.
Na audiência de instrução e julgamento foi colhido o depoimento pessoal
da autora, que reiterou a narrativa dos fatos contida na petição inicial, bem assim se
ouviu o depoimento do representante do colégio demandado, que negou tais fatos,
reapresentando a versão do réu.
Tais depoimentos de nada valem como provas. É que, sendo o
depoimento pessoal uma prova que tem por fim provocar a confissão, só se presta a
produzir prova contra o depoente, nunca em seu favor. Sobre o ponto, vale a pena
transcrever a límpida e objetiva lição do eminente processualista HUMBERTO
THEODORO JÚNIOR:2
“O depoimento pessoal deve limitar-se aos fatos controvertidos no
processo.
Seu objeto específico são os fatos alegados pela parte contrária, como
fundamento de seu direito. Pode, no entanto, para aclarar a situação da lide,
haver depoimento pessoal, também, sobre fatos alegados pelo próprio
depoente.
2
HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de direito processual civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 50ª ed.,
2009, p. 430.
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Uma coisa, porém, é certa: o depoimento pessoal, quando útil, destinase a criar prova para o adversário do depoente, nunca para a própria parte
que o presta. A razão é óbvia: ninguém produz, com suas próprias palavras,
prova para si mesmo”.
Em seguida, foi ouvida a testemunha Rodolfo Luiz Thiago Cintra, que era
colega de turma da autora, tendo sido um dos vinte e dois subscritores do documento
de fls. 74. Em seu depoimento, afirmou a testemunha que “o único incidente
envolvendo a autora na instituição foi quando ela foi colocada para fora do colégio;
que o motivo da retirada da autora da sala de aula foi por não estar trajando a calça
do uniforme; que, depois, ficou sabendo que outros alunos também foram retirados da
instituição por não estarem com o uniforme completo; que no dia dos fatos estavam
marcadas as provas de Português e Física; que acha que a autora não realizou as
provas no aludido dia; que, na época, o depoente já tinha o uniforme completo; que,
na mesma ocasião, outro aluno estava na sala de aula sem o uniforme completo,
porém não foi retirado da instituição; que o aludido aluno não foi retirado pois estava
escondido; que alguns ta,anhos de uniforme estavam em falta na loja do colégio; que
tal fato geralmente ocorre no início do ano letivo”. Disse, ainda, “que foi a
coordenadora Ana Luzia que tirou a autora da sala de aula; que o professor de Física
estava na sala de aula; que a autora foi colocada para fora do colégio, porém
permaneceu na porta com outros alunos; que acha que a autora estava aguardando
sua genitora; que alguns alunos ficaram zombando com os colegas que foram
retirados ou proibidos de entrarem no colégio”.
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O professor de física, que já havia apresentado uma declaração escrita,
prestou depoimento oral, tendo dito que durante sua aula naquele dia “não houve
qualquer episódio envolvendo a retirada de alunos; que no dia dos fatos não reparou
se a autora estava em sala de aula; porém pode afirmar que não houve incidente com
qualquer aluno”. Disse, ainda, de relevante sobre o fato, “que não se recorda se a
aluna Thaís fez prova de 2ª chamada; que, provavelmente, fez prova de 1ª chamada;
não sabe dizer se houve algum incidente envolvendo alunos no portão do colégio”.
O gerente administrativo do colégio demandado, empregado do réu e,
por isso, também interessado no resultado da causa, afirmou que “ao chegar na
instituição, constatou que alguns alunos estavam sendo impedidos de ingressar por
falta de uniforme; que não presenciou qualquer fato envolvendo diretamente a aluna
Thaís, pois era um grupo de alunos; que todos os alunos foram proibidos de entrar no
colégio; que pelo que sabe, nenhum aluno foi retirado da instituição por falta de
uniforme; que o depoente foi até à supervisão e conversou sobre a situação dos
alunos, pois eles estavam em período de prova; que, após a conversa, ficou decidido
que os alunos poderiam ingressar para poderem realizar as provas; que não sabe
dizer se na loja do colégio os uniformes estavam em falta”.
Por fim, prestou depoimento, dispensada pelo juiz de primeiro grau de prestar
compromisso, Ana Luzia dos Santos Correa, que teria sido – segundo as assertivas
contidas na inicial – a responsável por retirar a autora da sala de aula. Negou o fato,
afirmando que impediu a demandante de ingressar no colégio em razão de não estar
com o uniforme completo, conduta que observou em relação aos demais alunos que
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também não estavam adequadamente trajados. Afirmou, ainda, que após conversar
com a autora, permitiu seu ingresso no colégio, assim como fez com os outros alunos
que estavam na mesma situação, o que aconteceu no horário do início das aulas
daquele dia.
O exame do conjunto da prova produzida mostra que não há elementos
suficientes para a formação de um juízo de certeza acerca da veracidade da narrativa
feita pela autora, em sua petição inicial, quanto a ter ela sido retirada da sala de aula
de forma vexatória.
De um lado, há depoimentos de quem diz não ter visto se houve algum
incidente específico com essa aluna. De outro lado, há depoimentos de pessoas que
negam ter ocorrido o incidente, mas todos prestados por pessoas interessadas no
resultado da causa, em razão de seus vínculos de emprego com o demandado.
Por fim, há o depoimento de uma testemunha que afirma ter
testemunhado o fato como narrado pela demandante. Esse depoimento, porém, tem
sua credibilidade comprometida por um relevante detalhe: o depoente era aluno da
mesma turma em que estudava a demandante, diz ter visto o que aconteceu em sala
de aula – o que só seria possível se dentro da sala estivesse – mas prossegue em
sua narrativa descrevendo o que teria ocorrido com a autora depois de ter saído da
sala, dizendo que foi ela levada até o portão da escola e lá ficou, aguardando sua
mãe, junto com outros alunos na mesma situação. Ora, não poderia um aluno que
estivesse dentro da sala de aula saber o que ocorria fora de sala. Além disso, o
depoente, um adolescente (ao menos à época em que os fatos da causa ocorreram),
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traz considerações sobre se os uniformes do colégio estavam ou não em falta ao
tempo em que os acontecimentos se sucederam. Com todas as vênias, mas admitir
tal depoimento contraria a experiência comum, que se invoca com apoio no art. 335
do CPC, já que é contrário a tais máximas admitir que é o adolescente, e não seus
pais, quem tem notícia sobre se as peças de uniforme estão ou não em falta na loja
fornecedora. A leitura global desse depoimento faz crer que o depoente limitou-se a
reproduzir a versão dos fatos apresentada pela autora, por quem foi arrolado como
testemunha.
Não há, então, elementos suficientes para a formação de juízo de
certeza acerca da veracidade dos fatos narrados pela demandante, sendo certo que
era dela o ônus dessa prova, nos termos do art. 333, I, do Código de Processo Civil.
Há, porém, outro aspecto a considerar. É que nos presentes autos,
embora não se tenha demonstrado que a autora passou pela retirada vexatória de
sala de aula, tornou-se incontroverso que houve um incidente que a envolveu, tendo
sido criado um obstáculo ao seu livre acesso ao estabelecimento escolar por não
estar trajando o uniforme completo. E é preciso verificar se este fato, por si, é
suficiente para gerar responsabilidade civil por danos morais.
Impõe-se, aqui, porém, considerar que o regimento interno do
estabelecimento escolar – a que a autora, por seus pais, que então a representavam,
aderiu – exige o uso do uniforme completo para que os alunos possam frequentar as
dependências do colégio e, como dito com propriedade pela sentença apelada, esta é
uma questão interna corporis do educandário, que ao Poder Judiciário cabe respeitar.
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Vale registrar, aqui, que os modernos teóricos da Educação discutem
muito a conveniência de se adotar ou não uniformes escolares. O emprego do
uniforme tem uma série de vantagens que costumam ser enumeradas: ajuda os pais
do ponto de vista econômico e evita discussões domésticas sobre a roupa a ser usada
na escola; vestir-se de modo adequado contribui para a convivência adequada,
ensinando bons modos e normas de educação básica; evita-se a rivalidade entre
grupos por causa da utilização de roupas de marcas caras e a discriminação de quem
não as usa; evita-se diferença entre o público e o privado, já que a indumentária não
se associa a pertencer o estudante a uma elite, a uma melhor educação. Contra o
uniforme, costuma-se alegar: os alunos devem ser livres para eleger sua imagem; o
trabalho educativo real consiste em ensinar o estudante a vestir-se adequadamente; o
objetivo último da educação é criar indivíduos livres, críticos, autônomos, e o uso do
uniforme só evita problemas no ambiente escolar; o uniforme contraria a liberdade de
expressão; impor uma forma de vestir-se contraria a aquisição de autonomia pelas
crianças e adolescentes; a medida é mais política do que educativa, já que nada
acrescenta do ponto de vista educacional.3
Exatamente por conta desse debate é que há, em todo o mundo,
colégios que adotam uniformes e outros que não o adotam. Ora, a partir do momento
em que os pais de uma criança ou de um adolescente elegem, para seu filho, um
3
Informações
obtidas
na
Internet,
em
consulta
ao
site
espanhol
http://revista.universidaddepadres.es/index.php?option=com_content&view=article&id=510:re04th002&c
atid=187:tribu-hijos&Itemid=987, acesso em 22.8.2012. Vale registrar que na Espanha escolas
particulares costumam adotar uniformes, enquanto as escolas públicas não os adotam.
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colégio que adota o emprego de uniforme, aderem a este modelo, que tem de ser
necessariamente observado.
Pois no caso dos autos os pais da autora optaram por matriculá-la em
uma escola que adota o uso de uniformes. O regimento interno do estabelecimento
escolar é claro em afirmar que os alunos só podem ingressar no colégio se estiverem
usando o uniforme completo, tendo havido expressa adesão, no momento da
celebração do contrato de prestação de serviços educacionais, ao referido regimento.
E a autora não usava o uniforme completo, o que é incontroverso.
Ora, se houve uma opção pela matrícula da estudante em um colégio em
que se adota o uniforme, e este não estava sendo inteiramente observado, a conduta
da coordenação do estabelecimento escolar – impedir o livre acesso dos alunos que
não trajavam o uniforme completo – deve ser reputado exercício regular de direito,
fator excludente da responsabilidade civil, nos termos do disposto no art. 188 do
Código Civil.
É evidente que o direito do colégio de exigir de seu aluno que envergue
o uniforme completo não é absoluto. Nem poderia ser. Poucos são os direitos
absolutos. Falava BOBBIO no direito de não ser torturado e no direito de não ser
escravizado.4 O Min. Carlos Ayres Britto já teve oportunidade de acrescentar a esse
4
NORBERTO BOBBIO, A era dos direitos. Trad. bras. de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro:
Campus, 1992, p. 37.
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limitado rol o direito do brasileiro nato de não ser extraditado.5 O direito de exigir de
um estudante que vista o uniforme completo, evidentemente, não se equipara a este
tão exclusivo rol dos direitos absolutos.
Basta pensar, por exemplo, no caso de um aluno estar com uma ferida
no pé que o impeça de calçar o sapato integrante do uniforme completo de seu
colégio. Evidentemente, entre o interesse no respeito à regra que impõe o uso do
uniforme e o direito do aluno de, mesmo machucado e impossibilitado de calçar o
sapato, assistir às aulas, deve prevalecer este último. Neste caso, seria abuso de
direito exigir o uniforme, o que configuraria a ilicitude do ato.
Vale lembrar, aliás, que o abuso do direito se configura pela prática de
um ato que, aparentemente, consiste no exercício do direito, mas ocorre com excesso
dos limites impostos pelos seus fins, nos termos do art. 187 do Código Civil.
Pois foi exatamente esta a situação examinada por este Tribunal em um
precedente invocado pela autora, ora apelante, em abono de sua pretensão. Confirase:
0007438-62.2007.8.19.0023
(2009.001.65169)
-
APELACAO
1ª Ementa
DES. EDSON VASCONCELOS - Julgamento: 21/01/2010 - DECIMA SETIMA
5
O que pode ser lido no voto proferido por S. Exa. no julgamento do RE 511961/SP, rel. Min. GILMAR
MENDES, j. em 17.6.2009, onde acrescenta ele a esta lista alguns outros direitos absolutos, como o
direito ao voto secreto e popular nas eleições gerais e o direito à liberdade de consciência.
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CAMARA CIVEL
VEDAÇÃO DE ENTRADA DE MENOR EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO APRESENTAÇÃO COM UNIFORME INCOMPLETO - NÃO OBSERVÂNCIA
DO REGRAMENTO INTERNO - PONDERAÇÃO ENTRE PRINCÍPIO DO
MELHOR INTERESSE DO MENOR E AUTONOMIA PRIVADA - PROIBIÇÃO
DE CONDUTA QUE EXPONHA CRIANÇA À SITUAÇÃO VEXATÓRIA VALOR DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E ADOLESCENTE DANO MORAL CONFIGURADO - REDUÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA
FIXADA. O ente privado pode regulamentar a forma como irá exercer a sua
atividade-fim, ante o princípio da autonomia privada, entretanto, tal norma
não é absoluta devendo ser ponderada com o princípio do melhor interesse
do menor que materializa o valor da proteção integral da criança e
adolescente e, em último, caso o princípio da dignidade da pessoa humana.
Conflito entre o direito da instituição de ensino-ré em dar efetividade às suas
diretrizes administrativas e o direito da criança e adolescente à incolumidade
psíquica. Existência de causa justificável a ensejar o uso de sandália por
aluno, fato que compelia a diretora da escola a elaborar seu juízo
decisório pautada no critério da ponderação, o que não ocorreu na
hipótese. Prescindível qualquer prova de haver a diretora agido com
agressividade e violência, pois o Estatuto da Criança e Adolescente põe a
criança a salvo de mero constrangimento sofrido por menor. A conduta da
diretora da escola em impedir a entrada da criança no momento que
ingressava no colégio, em razão do uso de sandália, ofendeu bem de maior
relevância (incolumidade psíquica da criança) prestigiando sem justificativa a
força vinculativa do regramento interno da instituição de ensino. Dano moral
configurado. Redução da verba. Parcial provimento do recurso. (sem grifos
no original)
Percebe-se, pela leitura da ementa citada, que havia – no caso então
apreciado – uma causa justificável para que o aluno usasse uma sandália que não era
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parte do uniforme. E a leitura do inteiro teor do acórdão permite ver que naquele caso
havia a prova de que o aluno foi ao colégio com uma lesão no pé direito que o impedia
de calçar sapatos fechados.
Outro caso em que se pode considerar razoável permitir que o aluno não
esteja a envergar o uniforme completo é aquele em que não houvesse como adquirilo. Foi o que considerou este Tribunal ao examinar outro caso em acórdão que a
apelante também invoca em defesa de sua tese. Confira-se:
1ª Ementa - APELACAO
DES. FABIO DUTRA - Julgamento: 22/01/2009 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL
ESTABELECIMENTO
USO
RETIRADA
DE
DE
DE
CONSTRANGIMENTO
ENSINO
UNIFORME
ALUNO
DE
SALA
ESCOLAR
DE
AULA
PUBLICO
DANO MORAL
RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. ALUNA RETIRADA
DA SALA DE AULA EM DIA DE PROVA POR NÃO ESTAR USANDO
UNIFORME ESCOLAR. UNIFORME A SER ADQUIRIDO, ÚNICA E
EXCLUSIVAMENTE, NA PRÓPRIA ESCOLA, QUE NÃO DISPUNHA DO
TAMANHO DA ALUNA. FALTA DE UNIFORME SÓ SOLUCIONADA APÓS O
EVENTO QUE ENVOLVEU A AUTORA. PREJUÍZOS QUE FOGEM À
NORMALIDADE, INTERFERINDO NA ESFERA PSICOLÓGICA DA ALUNA.
DANO MORAL CORRETAMENTE ARBITRADO. RECURSO DESPROVIDO.
No caso que ora se examina, assim como neste outro precedente que se
acaba de mencionar, há a alegação de que não haveria a calça do tamanho da aluna
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para venda na loja da escola, único lugar em que seria possível adquirir a peça de
vestuário. Ocorre que no caso anteriormente apreciado por esta Corte ficou provado,
por depoimento de testemunha, que havia um problema no fornecimento dos
uniformes, o qual só foi solucionado após o fato que deu origem àquela causa. E não
foi isto o que se teve no caso aqui apreciado.
Poderia a autora ter produzido prova testemunhal da falta de peças de
uniforme para venda na loja do estabelecimento. Para isso, bastaria ter arrolado como
testemunhas pais de outros alunos que estivessem em situação semelhante, sem
conseguir adquirir o uniforme completo para seus filhos. Essa prova, porém, não foi
produzida.
Assim, não há como se considerar que o caso ora em tela seja idêntico
aos anteriores, motivo pelo qual nada havia que pudesse ser tido como causa
justificável para a dispensa do uso do uniforme completo.
Deste modo, é de se considerar que foi mesmo regular exercício de
direito do estabelecimento demandado a conduta consistente em impedir o acesso, às
suas dependências, da aluna indevidamente trajada.
Com tais considerações, vota-se por NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO.
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 2012.
Des. Alexandre Freitas Câmara
Relator
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