A tecnologia a serviço do homem: dois lados de uma moeda?
Alexandre da Silva Simões*
No último mês, fomos surpreendidos com duas imagens aparentemente corriqueiras, mas que
entraram para a história.
Dia 04, um artefato da NASA enviou aos cientistas as mais belas e reveladoras fotos já obtidas da
superfície de Marte. Trata-se do robô norte-americano Spirit, que viajou 487 milhões de km pelo espaço com
esse propósito. Muito mais do que apenas belas fotos, elas podem ser o caminho para responder a algumas das
questões fundamentais da humanidade, como a origem da vida na Terra.
Uma segunda imagem igualmente forte e histórica foi o vídeo obtido na última semana pela rede de
televisão ABC, que mostra a visão noturna de um helicóptero Apache norte-americano monitorando três
guerrilheiros no Iraque próximos a um caminhão. Ao constatar que se tratava de um grupo armado inimigo, o
piloto americano disparou sobre eles seu arsenal. Após o ataque, o piloto informou ao controle da operação
que havia um ferido se arrastando para fora do que restou do caminhão e recebeu ordem para atirar. O último
dos três guerrilheiros iraquianos foi literalmente aniquilado pelo desproporcional poder de fogo americano,
por meio do pressionar de um botão. Seria uma missão militar bem sucedida como tantas outras, exceto pelo
fato de que pela primeira vez na história foi possível testemunhar - de perto - a crueldade da tecnologia a
serviço da guerra.
Essas duas imagens, igualmente fortes e protagonizadas pela mesma nação, revelam todo o poder da
tecnologia a serviço - ou não - do homem, e nos colocam frente a importantes e necessárias reflexões. Não
caiamos na tentação de direcionar nossa indignação para a tecnologia. Seu papel - devidamente cumprido em
ambos os casos - é apenas o de ampliar o leque de ações possíveis ao homem. Não fosse ela, provavelmente
ainda estaríamos vivendo em uma sociedade agrícola e arcaica. Graças a ela eu e você estamos aqui hoje.
Contudo, para onde exatamente ela nos levará?
Em um episódio da notória série de televisão Jornada nas Estrelas, o destemido capitão James T.
Kirk vê-se em um distante planeta onde as pessoas têm à sua disposição máquinas construídas por seus
antepassados capazes de realizar todas as tarefas imagináveis. Nessa sociedade utópica, as pessoas - liberadas
de suas obrigações cotidianas - dedicam-se integralmente a tarefas como a interpretação, a pintura e a música.
Deixando de lado toda a ficção, trata-se de uma bela concepção do que seria uma sociedade em harmonia com
a tecnologia.
O fato de pessoas estarem sendo desintegradas como se estivessem em um videogame não deixa
dúvida de que o caminho que as superpotências tecnológicas estão tomando é bem diferente do caminho do
planeta visitado por Kirk. O compartilhar do conhecimento simplesmente para engrandecer a humanidade é
hoje, infelizmente, uma utopia. Ao contrário, a tecnologia, em grande parte de suas vertentes, tem sido
extensivamente usada como forma de dominação. O simples fato de este texto citar uma passagem de Jornada
nas Estrelas (um seriado norte-americano) ao invés de belas passagens análogas de autores nacionais, há de
manifestar em nós alguma inquietação e reflexão.
Embora os princípios éticos e morais das potências tecnológicas do planeta - ou mais precisamente a
falta deles - não sejam propriamente uma novidade, existem alguns novos fatores que sugerem que uma
reavaliação desta prática pode estar surgindo no fim do túnel. No novo mundo globalizado, a aplicação da “lei
da selva”, da forma desastrosa que temos visto, está se mostrando uma excepcional antipropaganda, a ponto
de ser vista como um obstáculo ao progresso mundial. A discussão sobre a quebra das patentes de remédios
americanos enquanto a África do Sul tem quase dez por cento de sua população infectada com o vírus HIV é
um bom exemplo disso.
O processo de globalização - mesmo com toda a sua problemática - tem contribuído para
redirecionar, em alguns aspectos, a tecnologia para sua devida finalidade: o bem-estar do homem. O aumento
do envolvimento social e da consciência ambiental das empresas têm sido fatores preponderantes para seu
desempenho comercial. É bem verdade que essa corrida é impulsionada pela busca das certificações de
qualidade hoje indispensáveis para a sobrevivência das empresas, mas a exigência dessas certificações, por si
só, já demonstra que estamos no limiar de uma nova mentalidade. A manutenção de tendências como essa
podem fazer com que decisões unilaterais - como por exemplo a de ignorar o protocolo de Kyoto - precisem
ser repensadas a médio prazo.
Um progresso mais responsável, homogêneo e duradouro faz-se necessário. Resta-nos, por hora,
manter a fé de que os ventos da globalização empurrarão o desenvolvimento social humano no sentido de
acompanhar o tecnológico, e que, no futuro, mais e mais imagens de planetas distantes possam ser vistas sem
que exista o outro lado da moeda.
(*) Alexandre da Silva Simões é professor do curso de Engenharia de Controle e Automação da UNESP,
campus de Sorocaba – ([email protected])
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